O Futuro do Passado - instrumentalização do historicismo na intervenção moderna

Page 1



UNIVERSIDADE LUSÍADA DO PORTO

O FUTURO DO PASSADO Instrumentalização do Historicismo na Intervenção Moderna

Frederico Augusto Coelho Leite

Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre Orientador: Professor Doutor Luís Marques Pinto

Porto 2013



II

Os meus sinceros agradecimentos dirigem-se a todos aqueles que direta ou indiretamente se envolveram na realização da presente dissertação e a tornaram possível. Agradeço em especial ao Professor Doutor Luís Marques Pinto pela gratificante orientação, pela disponibilidade constante, pelo método empregue, sem o qual nada seria possível, pela forma como lidou com todas as situações que foram surgindo ao longo deste processo e por todo o conhecimento e experiência transmitidos e ao Arq. João Paulo Rapagão pelas magníficas aulas e ajuda prestadas. Dirijo também especial agradecimento aos meus pais e ao meu irmão por sempre me terem garantido todas as condições necessárias para chegar até aqui com sucesso e pelo apoio incondicional presente em todos os momentos.



III

Índice Resumo + palavras chave Abstract + keywords

IV V

Introdução

007

Capítulo I - Arquitetura moderna e a aniquilação da história

015

1.1 Renascimento – a primeira revolução moderna

017

1.2 Neoclassicismo – a introdução da razão

027

1.3 O modernismo e as vanguardas

035

Cap. II - Crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

059

2.1 O início da crise

061

2.2 O problema da visão positivista

063

2.3 A estrutura urbana

071

2.4 Contradições e analogias com o passado

083

Capítulo III - Reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

117

3.1 A metodologia historicista

119

3.2 Um exemplo contemporâneo

127

3.3 Análise crítica de um caso de estudo

143

Conclusão

157

Bibliografia

163

Índice de figuras

169



IV

Resumo + palavras chave A problemática do historicismo e da sua influência intermitente na teoria e na metodologia arquitetónica encontra no movimento Moderno um dos pilares da sua sustentação. No entanto, a origem dos seus fundamentos, que permite analisar a sua evolução gradual ao longo da história, situa-se no movimento renascentista, período que se afirmou como a primeira revolução sociocultural na verdadeira aceção do termo ‘moderno’. O ciclo caraterístico da evolução da história da arquitetura manifesta-se, muitas vezes, através da sua superação, na procura de formas de expressão que se sobreponham às imagens convencionais e que afirmem a condição de modernidade (no contexto em que se atuam). A intermitência do historicismo eclodiu no movimento Moderno, cuja metodologia projetual se orientava por princípios de abstracionismo, privilegiando a experiência empírica e atuando sobre uma conjuntura laboratorial, em detrimento dos valores da história. Aliadas à visão positivista e à fé no progresso, as convicções das vanguardas modernistas projetavam-se sob a exaltação da metáfora industrial, cuja expressão idealizava um novo código de valores desprovidos de qualquer relação com a história. A falta de flexibilidade da arquitetura conduzida pela radicalidade da expressão do movimento Moderno levou à falência dos seus valores e à incongruência das suas premissas, clamando por uma metodologia que se traduzisse em processos mais inclusivos. A transição ocorreu de forma gradual, conduzindo a uma sedimentação do tempo histórico, consolidado por soluções que encaravam o historicismo como um valor determinante na metodologia projetual – o que permitiu hoje em dia incluir processos análogos na afirmação do tempo presente.

Historicismo; Metodologia; Modernismo; Analogia; Evolução.



V

Abstract + keywords The problem of historicism and its intermittent influence on architectural theory and methodology appears in the Modern movement as one of the pillars of its support. However, the origin of its fundamentals which permits to analyze its gradual evolution through the history lies in the Renaissance movement, the period that emerged as the first sociocultural revolution in the true sense of the term ‘modern’. The characteristic cycle of the architectural history evolution manifests often by overcoming it, looking for forms of expression that overlap with conventional images and claim the condition of modernity (in the context in which they operate). The intermittency of historicism emerged in the Modern movement which projet methodology was orientated according to principles of abstraction, in favour of empirical experience and acting on a laboratory environment at the cost of history values. Allied to the positivist vision and faith in progress, the modernist avant-garde convictions protuded under exaltation of the industrial metaphor, which expression envisioned a new code of values devoid of any relation to history. The lack of flexibility of the architecture led by the radical expression of Modern movement bankrupted its values and the incongruity of their premises, calling for a methodology that would translate into more inclusive processes. That transition ocurred gradually, leading to sedimentation of historical time, consolidated by solutions that regarded historicism as a decisive factor in project methodology – allowing today to include analogous processes on the statement of present tense.

Historicism; Methodology; Modernism; Analogy; Evolution.



introdução

Introdução Enquadramento temático O vocábulo ‘historicismo’, etimologicamente, representa: “(...) a doutrina segundo a qual os fenómenos históricos são únicos, devendo cada época ser estudada e interpretada em conformidade com os seus próprios princípios e ideias”. 1

A sua instrumentalização visa a integração e aplicação metodológica nos processos de projetação contemporâneos através do estudo de situações análogas que permitam encontrar respostas credíveis no âmbito da arquitetura, sempre que a ocasião o justifique. Desde a primeira revolução moderna que a arte, em geral, e a arquitetura, em particular, ostentam alguma relutância face a uma metodologia historicista, procurando sempre a formulação de novos conceitos, em detrimento dos precedentes, que se traduzem na leitura de novos códigos assentes em gramáticas linguísticas e tipológicas renovadas. No entanto, esta atitude não é, de todo, consensual – o que dá origem a uma permanente discussão sobre a (i)legitimidade do eclipse gradual do historicismo ao longo do tempo. Esta atitude desempenhou um papel muito ativo na transição do séc. XIX para o séc. XX, com o desenvolvimento do movimento Moderno na arquitetura, induzido pela procura de novos tipos de expressão, em diferentes áreas, que se traduzissem em conceitos e formas completamente inovadores, sobrepondo-se às imagens convencionais de então. A procura de novos tipos de expressão modificou as metodologias projetuais, levando os criadores a um total processo de abstração que teve como grande consequência o abandono do historicismo, criando uma tabula rasa como ponto de partida para uma nova criação, caraterizando-se o modernismo como um movimento a-histórico. A nova forma de conceber a arquitetura como criação autónoma e desprovida de qualquer razão histórica parecia ter vingado, mas revelou-se incoerente e infiel aos seus próprios princípios e a sua incessante busca pelo progresso criou algumas barreiras intransponíveis. Desta forma, o movimento Moderno eclodiu numa crise de valores tipológicos que punha em causa todos os seus próprios fundamentos, assim como as 1

AAVV, Dicionário da Língua Portuguesa 2011, p. 857.

007


008

introdução

conceções arquitetónicas futuras. Com o aparecimento da crise do movimento Moderno, não tardaram a emergir valores que se julgavam ultrapassados e o tema do historicismo voltou à ordem do dia, afirmando-se como uma importante ferramenta interdisciplinar na metodologia projetual, através de analogias com o passado, gerando soluções que se consolidavam na contemporaneidade. Uma vez que a instrumentalização da história se encontra bastante presente no debate arquitetónico atual, principalmente porque cada vez mais a intervenção do arquiteto é condicionada por preexistências, o tema apresentado surge como uma reflexão metodológica acerca da influência do historicismo na arquitetura contemporânea, assim como a evolução da sua ação ao longo do tempo.

Motivações A realização da dissertação com o tema apresentdo é motivada pela necessidade de consolidar conhecimentos teórico-práticos sobre a história e a evolução dos diferentes ciclos arquitetónicos e interpretar a ação do historicismo no domínio da arquitetura, bem como os paradigmas e as metodologias que este possa desenvolver. Num universo contemporâneo, que se revela cada vez mais cosmopolita e abrangente, torna-se essencial compreender de que forma a arquitetura poderá corresponder às novas exigências, procurando soluções empíricas que possam atuar no presente, projetando o passado com bases sustentáveis para o futuro. O arquiteto tem responsabilidades sociais imputadas pelo impacto provocado pela sua ação, que se revela determinante para a vivência do Homem enquanto utilizador do mundo que o rodeia. Na iminência de ingressar num universo laboral vinculado a um conjunto alargado de valores que contribuíram para a consolidação do tempo presente, considera-se indispensável incluir na formação académica premissas que permitam aumentar o conhecimento teórico e a experiência empírica para uma melhor intervenção na realidade contemporânea.


introdução

Objetivos Com a presente dissertação pretende-se explorar os conceitos que conduziram à criação do movimento Moderno com o objetivo de expor crítica e abertamente as lacunas que levaram um movimento a-histórico a reinventar-se na contemporaneidade. Não havendo a pretensão de tomar partido de situações particulares nem de sistematizar uma fórmula de atuação em arquitetura, procura-se antes contribuir para a clarificação de ideias, conceitos e metodologias que desempenharam um papel ativo na afirmação do historicismo, enquanto parte integrante do processo de conceção da arquitetura. A concretização desta dissertação visa a exposição de exemplos factuais, relacionando-os com os devidos autores que, direta ou indiretamente, teorizaram sobre a influência do historicismo e do seu renascimento após a falência dos valores do movimento Moderno. Deste modo, pretende-se clarificar e qualificar diferentes ciclos na arquitetura e extrair analogias que permitam demonstrar que é possível encontrar soluções radicadas na história para uma melhor formulação de códigos linguísticos e tipológicos na contemporaneidade.

Justificação A história da arte, em geral, e da arquitetura, em particular, apresenta uma estrutura de evolução helicoidal onde as premissas partem de princípios clássicos, cujo desenvolvimento é fixado pela reação da condição humana mediante a interpretação intelectual do contexto temporal em que se insere. Face às exigências colocadas no âmbito contemporâneo, acreditamos que é possível antever alguns desenvolvimentos que os movimentos estilísticos apresentam a partir de analogias com conceitos desenvolvidos no passado e que contribuíram para o percurso helicoidal da história. Deste modo, justifica-se fazer uma revisão das premissas que conduziram à conceção dos movimentos estilísticos, estudando os seus fundamentos, com o intuito de assimilar de que forma o historicismo poderá contribuir para a intervenção do arquiteto na contemporaneidade face às preexistências.

009


010

introdução

Âmbito A dissertação apresentada desenvolve-se no âmbito de uma investigação sobre as incoerências apresentadas pelas premissas que fundamentaram o movimento Moderno com o intuito de compreender de que forma o historicismo influenciou a sua metamorfose na segunda metade do séc. XX, resultando no período pós-modernista. Sinteticamente, a metamorfose que originou o movimento Pós-moderno provém da reação contra as correntes modernistas e vanguardistas, resultando na convergência entre os conceitos modernos que assentavam na monumentalidade técnica e na recuperação dos valores vernaculares, defendendo uma práxis arquitetónica que privilegiava o historicismo. No âmbito da dissertação, pretende-se aprofundar a forma como se desenvolveu o modus operandi na ótica do historicismo, realizando paralelismos com a práxis arquitetónica, contribuindo para a elaboração de novos códigos metodológicos de conceção.

Metodologia A realização desta dissertação inicia-se com a seleção do tema, justificando-o e apresentando determinados objetivos a alcançar com o seu estudo. Após a escolha do tema e da clarificação do seu enquadramento, procede-se à recolha do material bibliográfico composto essencialmente por teorias que moldaram a história da arquitetura e que permitiram a formulação de metodologias projetuais. Uma vez que as raízes da nossa temática se encontram no início da primeira revolução moderna, o nosso estudo procederá à revisão concetual da evolução gradual do anti-historicismo ao longo do tempo, para que seja possível a clarificação dos conceitos que fundamentaram o movimento Moderno e que conduziram à vontade de superação da história na projetação. Consolidados os fundamentos que conduziram à metodologia de abstração temporal, serão expostas algumas incongruências que evidenciaram a décalage do movimento Moderno, numa ótica de recuperação de valores históricos, através de


introdução

analogias com conceitos precedentes que conduziram a novos movimentos estilísticos. O estudo precedente constituirá o exemplo cíclico que carateriza a evolução dos movimentos arquitetónicos para que, posteriormente, se proceda à realização da investigação conceptual dos fundamentos de uma metodologia assente em princípios historicistas. Para que tal aconteça, desconstruir-se-á racionalmente a metodologia em questão para uma melhor clarificação conceptual. Superadas as diferentes etapas para a construção de um raciocínio lógico, estaremos em condições de analisar uma obra contemporânea que cumpre as metodologias acima citadas e, posteriormente, partir para uma reflexão teórica sobre a sua aplicação num caso de estudo desenvolvido de acordo com os conceitos apresentados e das relações entre historicismo e arquitetura.

Estado da Arte A existência do Homem e os fatores que o levam a adotar determinados comportamentos será sempre alvo de estudos relacionados com diversas temáticas. No entanto, o elemento do qual o homem nunca se conseguirá dissociar é o espaço temporal em que desenvolve o seu comportamento. Aceite este paradigma, a história da arquitetura encontra-se repartida dentro da sua própria história, mediante diferentes abordagens, agindo de acordo com os movimentos estilísticos em que se fixou. O estudo da instrumentalização do historicismo na arquitetura foi iniciado a partir da primeira revolução moderna, momento em que o Homem se posicionou no centro do mundo e sentiu necessidade de estudar os modelos do passado na busca da essência da sua própria existência. Em diversas ocasiões, a instrumentalização do historicismo foi ostracizada na procura de novos mecanismos de expressão e superação das imagens convencionais. A evolução do estudo da arquitetura encontra na obra Concise History of Western

Architecture (1984) de R. Furneaux Jordan o desenvolvimento da sua morfologia desde os primórdios, proporcionando a assimilação de conceitos essenciais para o nosso estudo.

011


012

introdução

No início do séc. XX, a imagem revelou-se essencial na propagação do movimento Moderno e vanguardista, cujas premissas e fundamentos são constatados nas obras de referência Pioneers of Modern Design (1936) de Nikolaus Pevsner e Space, Time and

Architecture: The Growth of a New Tradition (1941) de Sigfried Giedion. A imagem da expressão do movimento Moderno encontra-se clarificada na obra International Style:

Architecture Since 1922 (1932) publicada por Henry-Russel Hitchcock e Philip Johnson, pela realização da exposição realizada com o mesmo nome no MoMA, onde os autores procederam à compilação de obras que caraterizavam o zeitgeist modernista. A descrição do manifesto modernista enquanto metodologia projetual adquiriu destaque com a obra

Vers une Architecture (1923) onde o arquiteto Le Corbusier expôs criticamente as suas crenças para uma nova forma de pensar e projetar a arquitetura. Paralelamente, Manfredo Tafuri realizou na obra Teoria e storia dell’architettura (1968) uma revisão crítica ao abandono do historicismo na metodologia projetual desde a primeira revolução moderna, desde o Renascimento até às correntes modernas e vanguardistas, clamando por uma reação assente na crítica operativa. Após a consciencialização da crise de valores à qual o movimento Moderno sucumbiu, não tardaram a emergir manifestos que evocavam um novo rumo para a arquitetura assente em premissas historicistas. Complexity and Contradition in

Architecture (1966) publicado por Robert Venturi deu o mote para as experiências que se sucederam, tendo o arquiteto surgido como homólogo de Le Corbusier, explicitando a sua metodologia projetual por oposição à simplificação redutora caraterística do movimento Moderno. Charles Jencks enunciou criticamente as incongruências do modernismo na obra Modern Movements in Architecture (1973), onde o arquiteto iniciou também o estudo do movimento Pós-moderno. Com o devido distanciamento temporal, Kenneth Frampton assumiu uma posição neutra na obra Modern Architecture:

a critical history (1980) onde o autor apresenta o desenvolvimento histórico e sequencial da arquitetura do séc. XX. Josep Maria Montaner desenvolveu o a sua reflexão sobre expressão da arquitetura desde a segunda metade do séc. XX até à contemporaneidade,


introdução

fundamentada pelas incongruências que levaram à falência do movimento Moderno na obra La modernidad superada / Arquitectura arte y pensamiento del siglo XX (1997). Uma vez esclarecido o problema do anti-historicismo e exposta a reação necessária face à crise de valores na arquitetura, as obras Il territorio dell’architetura (1966) de Vittorio Gregotti e La città e l’Architetto (1984) de Leonardo Benevolo contribuiram para a compreensão do valor da história enquanto consolidação do tempo presente e a importância da existência de uma metodologia assente em princípios historicistas para a intervenção do arquiteto na contemporaneidade.

013



015

Capítulo I Arquitetura moderna e a aniquilação da história


016

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 1 - Playtime (1967), de Jacques Tati, representando um grupo de turistas à procura de monumentos após a chegada a ‘uma’ Paris transformada.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

017

1.1. Renascimento – a primeira revolução moderna No domínio da arquitetura, a história e a própria função do historiador assumem papéis controversos e, por vezes, indesejados, resultado de uma cisão entre as duas áreas de conhecimento. Esta cisão levou a que alguns conceitos arquitetónicos emergissem de forma polémica, conduzindo àquilo a que podemos intitular de crise tipológica na arquitetura, chegando esta a ser apelidada de a-histórica. Esta questão teve maior expressão no período do modernismo, momento em que a sociologia e o funcionalismo dominavam o panorama arquitetónico, embora o seu fundamento se tenha vindo a manifestar ao longo do tempo. Bruno Zevi, em jeito de resumo do momento em questão, refere que: “...os mestres da arquitectura moderna... ou acreditavam sinceramente numa metodologia arquitectónica a-histórica e, portanto, num ensino não historicizado, e então tinham o dever de formular uma gramática e uma sintaxe para a arquitectura moderna, substituindo as doutrinas académicas precedentes por doutrinas novas e mais actuais (...); ou acreditavam numa metodologia histórica do fazimento arquitectónico, incluindo o seu próprio, e tinham então o dever de formular esse novo método e, em vez de suprimir a história da Bauhaus ou de a deixar de quarentena, deveriam tornar-se eles próprios historiadores, ultrapassando os apodíticos enunciados funcionalistas, tecnicistas e formais, e instrumentalizando uma crítica apta a penetrar na realidade arquitectónica a todos os níveis, do planeamento do território à modinatura e ao signo mais ínfimo da imagem.”

1

O Homem pode ser caraterizado como um ser insatisfeito por natureza, o que o leva a reinventar-se constantemente, renovando os seus valores e a sua forma de pensar e estar no mundo. Tal renovação fez com que este se tornasse antropocêntrico e afirmasse a sua importância enquanto Homem, tentando marcar a sua individualidade através de uma nova história, moderna, rompendo com as tradições mais próximas e recuperando, por vezes, as tradições mais longínquas. O período do Renascimento pode ser encarado como a primeira grande revolução moderna, colocando os artistas humanistas toscanos do séc. XV no centro da cena. Bruno Zevi, La storia come metodologia del fare architettonico, conferência realiziada na Aula Magna da Universidade de Roma em 18-12-63, p. 7, apud Manfredo Tafuri, Teorias e História da Arquitectura, p. 35. 1

Fig. 1


018

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 2 - Cúpula de Santa Maria del Fiore (séc. XV), de Brunelleschi, assente numa catedral gótica, recuperando o modelo de cúpulas de grandes dimensões da Antiguidade Clássica.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

019

A arquitetura renascentista foi marcada pelo intelecto, representando uma alteração considerável do seu propósito e da sua utilidade, em relação à Idade Média. Verificou-se um corte consciente com a tradição medieval, mantendo-a oculta, atitude que levou os arquitetos do Renascimento a adotarem como verdadeira doutrina os cânones classicistas, resultando num movimento erudito. A superação do período medieval por parte dos arquitetos renascentistas constitui a primeira manifestação essencialmente anti-historicista da arquitetura. Brunelleschi, considerado o pioneiro do Renascimento, graças à cúpula da Catedral de Florença, assumiu-se como um dos principais protagonistas do início da des-

-historicização no período renascentista. O seu entendimento da arquitetura sugere que o arquiteto interpretava o espaço urbano medieval como um cenário estrutural disponível e passível de ser qualificado com intervenções modernas. O arquiteto projetava verdadeiras peças arquitectónicas autónomas e compactas, que ostentavam autossuficiência e representavam uma rutura no contexto urbano do período medieval. Podemos concluir que nesta ação existia um princípio histórico consciente que se tornou determinante na análise da obra brunelleschiana. O arquiteto, ao interpretar o espaço urbano, fazia uma triagem, com a intenção de se aperceber quais eram os elementos positivos a manter e a valorizar, e os elementos negativos que necessitavam de ser superados. Nesse momento, o arquiteto fazia a distinção dos elementos com que o seu objeto arquitetónico se iria relacionar, fazendo prevalecer os ideais clássicos sobre o tecido medieval e gerando um novo código de leitura da narrativa urbana. Manfredo Tafuri complementa esta ideia afirmando que: “Como protagonista da primeira «vanguarda» artística em sentido moderno, Brunelleschi rompe com a continuidade histórica das experiências figurativas, pretendendo construir autonomamente uma nova história. As suas alusões à antiguidade clássica não são, consequentemente, mais do que um suporte – o único ainda aceitável. E repare-se bem: trata-se de um suporte claramente ideológico, mais capaz de se destacar do passado do que de reafirmá-lo como tradição.” 2 2

Manfredo Tafuri, op. cit., p. 39.

Fig. 2


020

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 3 - Fachada de Santa Maria Novella (séc. XV), da autoria de Alberti, impregnada de influências medievais.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

021

Outro arquiteto que se debruçou sobre o tema da des-historicização foi Alberti, com uma abordagem diferente da seguida por Brunelleschi e, ao mesmo tempo, mais exposta a polémicas. Alberti conjugava os elementos arquitetónicos de forma teatral, encenando uma batalha entre a razão humanista e as composições medievais preexistentes, culminando com a enfatização de uma unidade ideal da linguagem classicista. Para que tal acontecesse, o arquiteto conservava as preexistências, mas manipulava-as de acordo com os ideais classicistas. No entanto, este desafio do pluralismo linguístico tornava-se polémico, dada a relação que os elementos estabeleciam entre si, o que levou o arquiteto à formulação de um novo código linguístico de índole classicista – o tratado De re

aedificatoria, um conjunto de dez livros que constituem a primeira publicação teórica do Renascimento – tornando-se no Vitrúvio dos tempos modernos. Desta forma, tornou-se possível perceber duas importantes metodologias no tratamento da história no primeiro período moderno. Num primeiro momento, deu-se a institucionalização de um código linguístico, de forma a criar uma nova leitura do espaço urbano, tornando regra o que começou por ser exceção, numa inversão de elementos e numa confrontação intencional de tempos históricos. Num segundo momento, pela insatisfação com a metodologia historicista até então desenvolvida e a necessidade de se comprometer com o seu código linguístico, numa relação racional e controversa com a estrutura urbana. Este conjunto de metodologias formaram o paradigma da primeira tentativa de atualização de valores históricos, nos quais Manfredo Tafuri apoia todo o debate da cultura quinhentista, afirmando que: “Por um lado, a vontade de alicerçar historicamente um código anti-histórico, como o do classicismo restaurado. Por outro, a tentação – reprimida, mas constantemente emergente – de se comprometer e de se sujar com as linguagens medievais e góticas que a cultura classicista, nas suas apodíticas declarações, não podia deixar de querer anular passando sobre elas uma esponja, enquanto culpadas de traição ao verdadeiro e ao belo dos antigos, eleitos como segunda e mais verdadeira Natureza.” 3 3

Manfredo Tafuri, op. cit., p. 40.

Fig. 3


022

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 4 - Templo do Deus Rómulo, de Palladio, plano do alçado e planta da reconstrução ideal. Fig. 5 - Villa Capra (séc. XVI), de Palladio que viria a influenciar as tipologias das villas modernas.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

023

O problema da história e da sua ‘intermitência’ continuou na ordem do dia e viria a agudizar-se com o decorrer dos tempos, em resultado da incessante vontade do Homem de se renovar e aprimorar os seus conceitos. A história viu ampliado o seu espectro; à medida que o estudo da arte, em geral, e da arquitetura, em particular, avançava com novas experiências metodológicas, mais fragilidades emergiam, com alguns arquitetos do Maneirismo a tomarem a Idade Média como um período histórico marcante, contrariando a tendência renascentista. Os arquitetos do Maneirismo, cansados da imposição racional da ordem classicista, recorreram “à tensão emocional, à elegância, ao efeito cénico e à sobrecarga

decorativa para conseguir os efeitos desejados” 4, que se traduziam num desprezo pelas regras vitruvianas, onde o Classicismo apenas se refletia na vertente estética, superando a submissão à Antiguidade Clássica. No entanto, e para acentuar a atitude contra o rigorismo clássico, arquitetos - como Palladio - usavam elementos medievais, que contaminavam o léxico classicista e reintroduziam a história na arquitetura. Em finais do séc. XVI, o estudo da arte e a contaminação maneirista da arquitetura fez com que a história colocasse em evidência uma certa arbitrariedade presente na cultura. A metodologia experimentalista acentuou a divergência de caminhos tomados, surgindo, por um lado, vozes que reclamavam uma arte anti-historicista e, por outro, vozes que defendiam uma arte intemporal, comprometendo-se com a história e assumindo a responsabilidade por uma estagnação conceptual, que viria a eclodir mais tarde, na arquitetura barroca. No seguimento do Maneirismo, e contrariando a sua ambiguidade, a tradição barroca encontrou em Borromini o porta estandarte de uma emotividade historicista, num período onde já ninguém a podia negar. Com a intenção clara de exaltar a linguagem simbólica, a decoração tornou-se num elemento fundamental da arquitetura. Desta forma, a obra de Borromini encontra-se repleta de alusões a diversos tempos históricos, não se reportando apenas à Antiguidade Clássica, mas assimilando também variados elementos característicos do período medieval. 4

R. Furneaux Jordan, História da Arquitectura do Ocidente, p. 184.

Fig. 4 e 5


024

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 6 - S. Ivo alla Sapienza (séc. XVII), de Borromini. Fig. 7 - Túmulo do cardeal Giussano (séc. XVII), de Borromini, onde sobressai a teatralidade da conjugação de diferentes elementos.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

025

Esta atitude confere ao historicismo competência para estudar a arquitetura, conferindo-lhe especial importância na análise crítica do tempo presente. Refletidamente, é possível afirmar que, no estado atual da arquitetura contemporânea, os ideais

borrominianos correriam o risco de uma interpretação negativa dos seus pressupostos, dada a pluralidade linguística empregue. No entanto, e contextualizando a sua atuação, concluímos que os ideais borrominianos foram determinantes para relançar a história como instrumentalização do projeto. Manfredo Tafuri, analisa esta questão da seguinte forma: “Historicismo ou anti-historicismo, portanto, em Borromini? Nos termos da controvérsia barroca, aquilo a que chamámos experiência da história não pode deixar de ser lido como profética antecipação de uma atitude típica das vanguardas do século XX: a collage das memórias extrapoladas dos seus contextos históricos encontra uma estrutura própria e uma recolocação semântica, no quadro de uma organicidade do espaço autonomamente construída. É precisamente esta reorganização do material histórico que diferencia a obra borrominiana dos pastiches precedentes e dele contemporâneos (...).” 5

Os ideias borriminianos não eram, de todo, consensuais, pois o historicismo barroco não se expressava apenas de uma forma. Havia arquitetos, como Bernini e Carlo Fontana, que defendiam um historicismo linear, estabelecendo uma continuidade apoiada apenas no léxico clássico, propondo uma arquitetura, segundo eles, ainda não declaradamente racional. Outro ideal de historicismo – ou a sua negação – era o caso da arquitetura inglesa, que, por ser manifestamente tradicional e eclética, nunca colocou a narrativa da história como matéria problemática. Feita esta análise, é possível concluir que a problemática do historicismo não tinha apenas um foco na Europa barroca e o seu estudo assentava também em premissas ecléticas baseadas no conhecimento empírico. Com a chegada do período neoclássico, foram introduzidos novos elementos na abordagem ao historicismo que se revelaram determinantes no estudo da arquitetura moderna. 5

Manfredo Tafuri, op. cit., p. 45.

Fig. 6 e 7


026

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 8 - Templo de Apolo, em ruínas, Pompeia. Fig. 9 - Templo de Apolo em Pompeia, reconstruído virtualmente.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

027

1.2. Neoclassicismo – a introdução da razão O período do Classicismo e a revolução Iluminista surgiram como consequência de uma profunda evolução intelectual e cultural da sociedade ocidental e da necessidade de afirmação de novos ideais. A tradição barroca e os seus ideais haviam atingido um impasse, cujas produções se repetiam sucessivamente e o seu estudo não dava sinais de poder evoluir. Ao mesmo tempo, o recurso à arqueologia expunha as ruínas clássicas – de Pompeia e Herculano – classificando-as de eruditas, para além do seu valor estético, atribuindo-lhes uma nova simbologia ideológica dentro da história. Na filosofia, o Discurso do Método de René Descartes surgiu com a intenção de organizar um método universal que proporcionasse uma melhor investigação das ciências humanas. Preconizava uma metodologia racionalista, que, posteriormente, se revelou determinante em todo o pensamento arquitetónico daí resultante, e baseava-se em quatro importantes preceitos: “não aceitar nunca nenhum a priori; subdividir os problemas;

raciocinar do simples ao complexo; realizar exaustivas enumerações de todo o processo lógico.”

6

A ideologia de René Descartes pressupunha uma negação da autoridade

histórica, privilegiando a experiência empírica como método de conhecimento. Ao adotar o método racionalista introduziu-se um novo olhar, não só sobre a arquitetura em particular, mas na arte em geral. Esta nova visão baseava-se no conceito de tipologia arquitetónica, situando-se o seu estudo e método operativo muito próximos dos métodos empregues na ciência. O racionalismo afirmou-se como um ideal filosófico e a sociedade adotou novos valores que se traduziram numa cisão com a tradição, apontando para um futuro movido pela razão. Na arquitetura, esta atitude traduziu-se na procura de novos códigos linguísticos, que resultou no movimento neoclassicista, mais claramente alusivo à corrente artística que o inspira, mas marcado também pelo experimentalismo. O regresso aos cânones clássicos já tinha ocorrido anteriormente no período renascentista, no entanto, o período iluminista introduziu a razão como instrumento crucial do projeto. 6

Josep Maria Montaner, A Modernidade Superada / Arquitetura, arte e pensamento do século XX, p. 60.

Fig. 8 e 9


028

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 10 - Altar-mor da Igreja de S. Maria del Priorato (séc. XVIII), de Piranesi, segundo uma interpretação abstracionista. Fig. 11 - Altar-mor da Igreja de S. Maria del Priorato (séc. XVIII), de Piranesi, segundo a linguagem barroca.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

029

Josep Maria Montaner defende esta ideia explicando que:

“No Cours de Blondel, a teoria arquitetônica se converte em doutrina das proporções e em estética das regras e da legibilidade. Perrault introduziu um novo grau de racionalidade na edição crítica e abreviada de Les Dix Livres d’Architecture de Vitrúvio (1674) ao estabelecer a diferença entre beleza arbitrária que se baseia no costume e nos hábitos, e beleza positiva que se baseia na proporção, na razão e na função. (...) Sem entrar em grandes detalhes, a evolução do renascimento ao neoclassicismo consiste na introdução de graus mais elevados de racionalismo em detrimento das legitimações mitológicas e religiosas.” 7

A história e a razão faziam parte de uma metodologia que se baseava na experiência, ou seja, através da história fazia-se uma análise crítica das formas clássicas, ao mesmo tempo que eram eleitas como objeto de expressão e de exaltação. Surgia uma metodologia que se mostrava irrepreensível, apoiada na experiência humana e onde os valores artísticos não eram considerados como certos e garantidos o que levou à descoberta de novos conceitos e novas formas, ainda ecléticos, baseados na perceção humana. O filósofo Karl Marx aprofundou a questão do período iluminista, com uma passagem ainda hoje atual, argumentando que: “A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo no cérebro dos vivos, e mesmo quando parecem ocupados em se transformarem, a eles e às coisas, em criarem o que nunca existiu... é precisamente nessas épocas de crise revolucionária que se evocam com angústia os espíritos do passado, tomando-lhes de empréstimo os seus nomes, as palavras de ordem, os trajes, para surgirem sob esse velho e venerável disfarce e com essas frases tomadas de empréstimo na nova cena da história. (...) A ressurreição dos antepassados serviu, portanto, nessas revoluções, para exaltar as novas lutas, e não para parodiar as antigas; para engrandecer na sua fantasia as tarefas que se apresentavam, e não para escapar à sua realização; para reencontrar o espírito da revolução, e não pôr de novo em circulação o seu fantasma.” 8 7 8

Josep Maria Montaner, op. cit., p. 61. Karl Marx, O 18 do Brumário de Luís Bonaparte, apud Manfredo Tafuri, op. cit., pp. 50 e 52.

Fig. 10 e 11


030

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 12 - Monumento a Isaac Newton (séc. XVIII), de Boullée, demonstrando a extrema racionalidade e a redução da arquitetura a formas puras.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

031

Esta atitude conferia legitimidade à nova metodologia que se fundamentava na história à luz da razão. No entanto, e como já havia acontecido anteriormente, continuava a verificar-se uma certa arbitrariedade nos modelos escolhidos, deixando o problema do historicismo aberto a novas interpretações. A tradição neoclassicista comtemplou algumas variantes, tendo surgido manifestos de arquitetura utópica, à época, em que muitos projetos não passaram do papel, mas que exercem influência na arquitetura do séc. XX em diante. Boullée e Ledoux foram os principais autores, projetando edifícios com formas geométricas puras, desprovidas de qualquer tipo de decoração, valorizando a fruição do espaço em si mesmo. O racionalismo da revolução iluminista está ligado ao fim do historicismo, na medida em que os métodos empregues pelo primeiro pressupõem a racionalização crítica dos processos criativos, partindo de uma base abstrata. Esta ação constituiu um corte com a metodologia empírica até então em voga e que foi preterida por uma forma de conhecimento que valorizava o caráter científico e o abstracionismo. Desta forma, a ‘morte’ do historicismo está diretamente relacionada com a ‘morte’ da arte romântica, opondo-se a objetividade racional à subjetividade idealista. O filósofo alemão Hegel, distanciando-se devidamente no tempo, relacionou a morte da arte com a morte do historicismo numa análise objetiva: “Nos nossos dias, o desenvolvimento da reflexão e da crítica entre quase todos os povos e em nós, alemães, também a liberdade de pensamento, apoderaram-se dos artistas e, uma vez concluídos os necessários estádios característicos da forma de arte romântica, tornaram-nos, por assim dizer, uma tábua rasa, quer relativamente à matéria, quer à forma da sua produção. Estarem ligados a um conteúdo particular e a um modo de representação exclusivamente adaptado a esta matéria constitui para os artistas hodiernos algo de passado, de tal modo que a arte se tornou um livre instrumento que o artista pode manejar uniformemente de acordo com a sua habilidade subjectiva relativamente a cada conteúdo, qualquer que seja o seu género.” 9 9

G. W. Fr. Hegel, Aesthetik, apud Manfredo Tafuri, op. cit., p. 56.

Fig. 12


032

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 13 - Prudential Building (1894), de Louis Sullivan e Dankmar Adler, constituiu uma das primeiras reações ao revivalismo exacerbado das produções românticas e marcou o início do movimento Moderno.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

033

Na arquitetura, o romantismo revelou-se impotente, contribuindo para a morte do historicismo. Os seus ideais pressupunham a junção entre o tempo presente e o passado; no entanto, o presente era algo temível e difícil de aceitar e o passado revelava leituras que poderiam contradizer o presente, alterando-o significativamente – algo que os artistas e arquitetos ecléticos queriam evitar a todo o custo. Ficou, desta forma, consumada a ‘crise semântica das artes’, nas palavras de Garroni, que a explicou, afirmando que “é

precisamente [a] não institucionalidade, a institucionalidade da arte do século XIX”. 10 Ao mesmo tempo, a revolução industrial e as engenharias conduziram a um avanço tecnológico que abriu um mundo de oportunidades à arquitetura, tendo inclusivamente, algumas batalhas sido ganhas por engenheiros, em detrimento de arquitetos. O papel da história foi relativizado, tendo-se renegado a instrumentalização da arquitetura pela história. A estocada final deu-se com o aparecimento das primeiras vanguardas artísticas do séc. XX, que originaram uma reação contra o historicismo e os seus métodos de investigação, decretando o seu afastamento e a imposição de uma nova página na história. O historicismo foi, desta forma, totalmente preterido pelos artistas e arquitetos das novas vanguardas, em favor da tabula rasa e de uma metodologia abstrata. No estudo do percurso do historicismo, desde a primeira revolução moderna até à cisão referenciada pelas vanguardas do séc. XX, Manfredo Tafuri conclui que: “Ao fazerem-no, o nítido corte com todas as tradições precedentes torna-se

paradoxalmente o símbolo de uma continuidade histórica. Fundando a anti-história, apresentando as suas obras não tanto como anti-históricas mas antes como produtos que superam o próprio conceito de historicidade, as vanguardas realizam o único acto, para a época, historicamente legítimo. (...) O anti-historicismo das vanguardas modernas não é, portanto, o produto de uma escolha arbitrária, mas é a saída lógica de uma experiência que tem o seu epicentro na revolução brunelleschiana e as suas bases no debate que durante mais de cinco séculos se desenvolveu na cultura europeia.” 11 10 11

Emilio Garroni, La crisi semantica delle arti, apud Manfredo Tafuri, op. cit., p. 57. Manfredo Tafuri, op. cit., pp. 57 e 58.

Fig. 13


034

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 14 - Playtime (1967), de Jacques Tati, ironizando a era mecanizada.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

035

1.3. O modernismo e as vanguardas Na viragem do século XIX para o século XX, a sociedade havia-se transformado num mundo dominado pela máquina, processo responsável pela modificação dos hábitos e costumes, com um grande impacto na economia e na sociologia que se veio a repercutir na produção da arte em geral e da arquitetura em particular. Os objetos artísticos, que outrora se apoiavam em fundamentos empíricos, revestiam-se de uma natureza artificial e tecnológica, criada pelo próprio autor, que procurava incessantemente novos tipos de expressão, num universo mecanizado, geométrico e racional, com o objetivo de superar-se a si próprio e às imagens convencionais do tempo passado, tentando criar uma nova história. A arte, num contexto geral, passaria a ser “uma espécie de protótipo dos processos tecnológicos” 12. A necessidade de reescrever a história ocorreu como uma urgência, dado que o processo teria que ser o mais imediato possível, de modo que este proliferasse com maior celeridade na sociedade moderna. Para isso, contribuíram os movimentos de vanguardas artísticas do início do século XX, lançados por grupos efémeros, compostos essencialmente por artistas plásticos, arquitetos e filósofos, que atingiam picos de mediatismo. Estes artistas, na generalidade, seguiam a vertente idealista e a celeridade dos seus percursos ofuscou a historicidade da arte. O Futurismo poderá ser interpretado como um dos primeiros movimentos a rever-se na era mecanizada, com manifestos fervorosos sobre o mundo que estava a despoletar. Filippo Marinetti assumiu-se como um dos principais percursores do movimento e materializou pensamentos explicitando o sentimento vivido na nova era: “De repente, ouvimos o rugido de carros famintos. (...) Vamos, gritei, partamos

já. A mitologia e o idealismo místico foram finalmente derrotados. Estamos presenciando o nascimento dos centauros, veremos os primeiros anjos voar. Devemos escancarar as portas da vida, testar os gonzos e os ferrolhos. Vamos partir. Aqui na terra está raiando o primeiro alvorecer da história, e não há nada que se possa comparar à espada rubra do Sol, que rasga pela primeira vez as sombras de um milênio.” 13 12 13

Manfredo Tafuri, op. cit., p. 62. Filippo Marinetti, Le Figaro, apud Kenneth Frampton, História Crítica da Arquitetura Moderna, p. 95.

Fig. 14


036

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 15 - Fountain (1917), de Marcel Duchamp, representando a subversão dos valores artísticos. Fig. 16 - The Mechanical Head (The Spirit of Our Time) (1920), Raoul Hausmann, representa a metáfora do homem abruptamente influenciado pela força do meio que o rodeia.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

037

A era mecanizada e tecnológica introduziu novas variantes no domínio da arquitetura, em diferentes escalas, tanto na conceção do objeto arquitetónico individual, como na estruturação de agregados de objetos arquitetónicos. As novas variantes prenderam-se, sobretudo, com o carácter de mutabilidade que o objeto arquitetónico entretanto desenvolveu, contrapondo-se à estaticidade que o regia anteriormente, indo ao encontro da filosofia experimentalista das vanguardas modernas. Esta filosofia era intencionalmente faseada para que, ao longo do seu processo, se criasse um distanciamento abstrato entre o objeto e o meio que o sugeria, com o objetivo de, posteriormente, se voltasse a ele com um novo olhar crítico. 14 Sant’Elia, referindo-se aos novos paradigmas que deveriam reger a arquitetura, especifica que: “O problema da arquitetura moderna não consiste em reajustar suas linhas; não é uma questão de encontrar novas molduras, novas arquitraves para portas e janelas; tampouco se trata de substituir colunas, pilastras e modilhões por cariátides, vespões e rãs, (...) mas sim de erguer uma nova estrutura edificada em um plano ideal, valendo-se de todos os benefícios da ciência e da tecnologia (...), estabelecer novas formas, novas linhas, novas razões para a existência exclusivamente a partir das condições especiais da vida moderna e de sua projeção como valor estético em nossas sensibilidades.” 15

Apesar da sua efemeridade, o Futurismo incentivou novos manifestos. O manifesto Dada, lançado por Tristan Tzara em 1918, foi um dos melhores exemplos da negação da historicidade nos processos artísticos por parte do movimento Moderno, deixando explícito a imprescindibilidade de voltar a um estado inicial e puro da comunicação visual para contemplar o mundo, enquanto imagem crítica da sociedade. O ato de regredir ao

Fig. 15

estado inicial constituiu um dos modos de tabula rasa do movimento Moderno, que nascia da revolta contra a desordem do comportamento humano e que anunciava a criação de um “novo código de valores” 16, que só seria possível alcançar relegando os valores da história para um plano inferior e superável. Manfredo Tafuri, op. cit., p. 63. Sant’Elia, Messaggio, apud Kenneth Frampton, op. cit., p. 95. 16 Manfredo Tafuri, op. cit., p. 64. 14 15

Fig. 16


038

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 17 - Merz-bau (1923), Kurt Schwitters representou a experiência efémera subjetiva do espaço dadaísta. Fig. 18 - L’Aubette Café (1927), Theo van Doesburg, representação do elementarismo abstrato da sua pintura, aplicado à arquitetura.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

039

No âmbito da arquitetura, revelou-se difícil o movimento dadaísta ter uma expressão notória, dada a dificuldade em concretizar “uma destruição formal tão radical

numa linguagem necessariamente construtiva, como a arquitectónica”

17

e, porque o

dadaísmo defendia o conceito de cidade a-lógica, isenta do objeto arquitetónico limitador, confirmando a morte do historicismo e acentuando a crise do próprio objeto.

Fig. 17

A morte do historicismo e a crise do objeto serviram precisamente de elo de ligação entre dois movimentos morfologicamente antagónicos; se o manifesto Dada se regia pela destruição conceptual da forma, o De Stijl surgiu como um dos movimentos de cariz mais construtivista. Theo Van Doesburg, pintor e arquiteto, incidiu a sua produção artística de acordo com o ponto de vista do abstracionismo mecanizado, reduzindo as imagens visuais a linhas retas, formas puras e cores primárias. O seu método conceptual traduzia-se num formalismo próprio do seu tempo e da sociedade de produção mecanizada que permitia a universalidade de processos de conceção e a consequente estandardização do homem enquanto manipulador da máquina. Mondrian teve um papel ativo na superação do historicismo, durante o período das vanguardas modernas, tendo, de certa forma, profetizado, a par da teoria messiânica

hegeliana, a morte da própria arte. O autor marcou a sua posição fazendo uma analogia com o facto de a arte se encontrar no lugar outrora ocupado pela religião, estabelecendo um paralelismo entre as suas práticas. A religião enquanto moderadora da harmonia entre o homem e a natureza, no seu conceito empírico, perdera o lugar para a arte que representava a natureza interiorizada e transformada, criando uma “nova representação” do equilíbrio, a partir do qual Mondrian afirma poder decretar o fim da arte. 18 Mondrian defendia a arquitetura enquanto natureza transformada pelo homem novo, elevando-a a um estatuto paradisíaco. Nesse quadro, a metrópole representava o estado da natureza mais verdadeiro que o artista moderno alcançaria, porque era nela que se encontrava concentrada a emoção estética, de uma forma puramente geométrica e, consequentemente, era a partir dela que se criaria um novo estilo. 19 Manfredo Tafuri, op. cit., p. 64. Piet Mondrian, La realizzazione della nuova rappresentazione, apud Manfredo Tafuri, op. cit., p. 66. 19 Piet Mondrian, De Stijl III e I, apud Manfredo Tafuri, op. cit., p. 67. 17 18

Fig. 18


040

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 19 - Casa Comunal de Narkomfin (1929), de Moisei Ginzburg e Ignaty Milinis, constitui a adaptação dos ideais corbusianos ao Construtivismo soviético. Fig. 20 - Monumento à Terceira Internacional (1920), de Vadimir Tatlin, demonstrando a dialética entre o programa produtivista e construtivista.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

041

A opressão pelo passado e pelo historicismo ficou explícita numa passagem de Mondrian, onde exalta as produções modernas em detrimento das velhas, caracterizando-as de obscuras: “(...)devemos recordar que a vida, que é crescer contínuo, está liberta do tempo e do espaço que cria através da destruição e da construção. Para o homem moderno, a grande arte da antiguidade revela-se mais ou menos como obscuridade, mesmo quando não é obscura ou trágica... Em geral, todas as particularidades do passado são opressivas como a obscuridade. O passado exerce uma influência tirânica, a que é difícil escapar. E o pior é que há sempre algo do passado em nós. Temos memórias, sonhos... entramos nos velhos museus e nas igrejas; por toda a parte vemos velhos edifícios. Por sorte podemos ainda beneficiar de construções modernas, das maravilhas da ciência, das técnicas de toda a espécie e também da arte moderna. Podemos deleitar-nos com um jazz autêntico e a sua dança; vemos as luzes eléctricas do luxo e da utilidade; abre-se a janela. Só pensar em tudo isto já é reconfortante. Damo-nos então conta da grande diferença entre os tempos modernos e o passado. A arte e a vida moderna estão a anular a opressão do passado.” 20

O Construtivismo soviético surgiu como um dos manifestos que, dentro do seu conceito idealista, revelou uma maior vertente socialista, baseado na construção comunitária que viria a absorver muitos dos conceitos de Le Corbusier. Retirando o

Fig. 19

caráter formal à arte, esta passou a ser encarada como uma prática do passado que em nada contribuía para o desenvolvimento social e que mascarava a impotência da humanidade perante os novos desafios da sociedade moderna. Segundo os construtivistas, a arte era responsável pelo pensamento humano, e estava ligada à religião – conceção semelhante à defendida pelo Neoplasticismo –, e as tradições artísticas negavam os valores do presente que os seus autores faziam questão de exaltar. A negação da historicidade por parte dos construtivistas conferia primazia à técnica de construção dos objetos utilitários, dando forma à vida construtivista. 20

Piet Mondrian, Liberazione dall’oppressione nell’arte e nella vita, apud Manfredo Tafuri, op. cit., p. 69.

Fig. 20


042

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 21 - Bauhaus (1919-1932), da autoria de Walter Gropius. Escola de design, artes plásticas e arquitetura que contribuiu para a abstração na metodologia projetual, minimizando o valor histórico em prole da experiência empírica.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

043

As ideias até aqui apresentadas referentes aos movimentos de vanguarda do séc. XX permitem-nos ter uma visão mais clara dos seus modus operandi e entender os fundamentos do movimento moderno em arquitetura e da sua a-historicização. Em comum, partilhavam a ideologia idealista genérica, defendendo o liberalismo humanitário,

o pluralismo reformista e um vago utopismo social com o objetivo de propor visões alternativas à ordem social existente. 21 O estado da arquitetura relacionava-se diretamente com o ideal tecnológico que a restringia a um objeto puramente industrializado, ou seja, tratava-se de um objeto do presente, de natureza artificial, desprovido de qualquer outro tipo de referências temporais. Dentro dos manifestos estudados, o De Stijl foi um dos que mais se relacionou com a produção industrial massificada, através do desenvolvimento do seu próprio código de investigação estrutural, com o objetivo de estabelecer um modelo concreto de ação que possibilitasse a apropriação do meio industrializado e a sua exaltação. Os ideais apresentados acabariam por refletir os objetivos defendidos pela

Bauhaus, cujos paradigmas de ação seguiam as diretrizes conceptuais apresentadas anteriormente, referentes aos movimentos de vanguarda. A mais importante para o nosso estudo será, certamente, o facto de a Bauhaus ter abolido os cursos de história do seu programa de estudos, optando por um ensino apoiado no culto do conhecimento empírico. A Bauhaus, enquanto instituição artística, fundada por Walter Gropius, adotou o método de trabalho em atelier fechado, longe das influências culturais externas, propiciando um estado de isolamento a quem a frequentava. O objetivo era proporcionar um ambiente laboratorial que, juntamente com o método experimentalista, fomentasse a produção artística na sua vertente mais pura e abstrata, criando um sistema próprio de arte global. Apesar de, inicialmente, não existir o curso de arquitetura, os alunos da

Bauhaus fomentavam a colaboração entre artesãos e artistas com o objetivo de superar a barreira entre a arte e a produção industrial, democratizando o seu acesso. 21

Charles Jencks, Movimentos Modernos em Arquitectura, p. 34.

Fig. 21


044

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 22 - Chicago Tribune (1922), de Gropius e A. Meyer, representando a expressão da imagem do futuro.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

045

As metodologias empregues pela Bauhaus e as tendências manifestadas pelas vanguardas modernas acentuaram o culto isolado do tempo presente, renegando as relações miméticas que poderiam advir de um método historicista. Durante a proclamação da Bauhaus, o objetivo de iniciar um novo estilo através da metodologia experimentalista ficaria explícito nas palavras de Gropius que transmitiam o fervor de uma nova era que se iniciava com o papel dos artistas divididos entre a criação intelectual e a realização técnica. “Criaremos uma nova guilda de artesãos, sem as distinções de classe que erguem uma barreira de arrogância entre o artesão e o artista. Juntos, vamos conceber e criar o novo edifício do futuro, que abrangerá arquitetura, escultura e pintura em uma só unidade e que um dia se erguerá para o céu a partir das mãos de um milhão de operários, como o símbolo cristalino de uma nova fé.” 22

Relacionado com a Bauhaus, ligado à atividade museográfica, o historiador Alexander Dorner deu continuidade à problemática desenvolvida por Gropius, fazendo uma analogia entre a arquitetura moderna e a cidade antiga. O autor questionou a legitimidade da conservação dos antigos legados, uma vez que o período moderno havia tentado institucionalizar o design enquanto processo industrializado das várias conceções artísticas, levando inevitavelmente à profecia hegeliana sobre a morte da própria arte. A preocupação de Dorner incidia sobre um problema declarado, não só enquanto imagem plástica, mas a própria escala urbana – onde o contacto com as presenças históricas era inevitável. A sua reflexão originava a analogia em torno da museificação da realidade do passado, enquanto história do presente. Partilhando da posição defendida por Dorner, Walter Benjamin e Brecht também haviam teorizado sobre o rumo do conceito de obra de arte, fazendo uma analogia do seu valor enquanto objeto artístico e o seu conceito tipológico enquanto mercadoria de rápido consumo. A grande questão era antever qual o rumo que a arte tomaria, o que restaria dela depois do consumo da ação modernista e qual seria o papel desempenhado pelo historicismo durante esse processo. 22

Walter Gropius, Proclamação da Bauhaus de Weimar, apud Kenneth Frampton, op. cit., p. 147.

Fig. 22


046

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 23 - Plan Voisin (1925), de Le Corbusier e Jeanneret, idealizando a reestruturação de Paris em função do automóvel e da nova era mecanizada.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

047

Relacionando estes princípios com as vanguardas, Manfredo Tafuri afirma: “O que surgir extinguirá o seu passado: as novas funções da arte, do design,

da arquitectura, anulam a historicidade dos processos artísticos, revolucionam os seus significados, comprometem os seus valores, envolvem-nos numa dinâmica de contínua construção do mundo. É isto o que liga as vanguardas arquitectónicas ao pensamento de Dorner, de Benjamin, de Brecht: a história não condiciona a actuação, mas antes será esta que transformará as funções daquela.” 23

Ainda sobre o constante medo dos movimentos de vanguarda em relação aos efeitos que o historicismo poderia exercer sobre a arte moderna, o autor explicita: “A extinção do passado empreendida por um presente elevado à categoria de novo valor é inexorável. A produção artística, portanto, não se consome devido a um processo inevitável de adequação do público às formas, mas nasce com o objetctivo preciso de ser rapidamente consumida. Porém, a condição para alcançar esse objectivo é o consumo contemporâneo de todo o passado, cuja presença comporta a recordação de um modo extinto de produzir valores, inquietante e perigoso porque pode ainda iludir acerca das possibilidades de se voltar a uma concepção sacra do acto artístico.” 24

Estas afirmações corroboram as reflexões que temos vindo a fazer sobre a celeridade dos processos das vanguardas modernas em relação aos objetivos de rápido consumo, querendo marcar uma posição forte do período a afirmar, deixando clara a posição reacionária dos movimentos de vanguarda, comparativamente com os valores da história. Esta ação confirma o paradoxo de que a superação do tempo histórico levado a cabo pelos movimentos de vanguarda era o único registo de historicidade desse período. À escala urbana e retomando a temática desenvolvida por Dorner, as posições de Frank Lloyd Wright e de Le Corbusier em relação aos centros históricos eram sintomáticas dos avanços conceptuais do urbanismo moderno. Ambos teorizaram acerca da abordagem dos antigos legados e qual seria o seu papel no novo contexto da cidade moderna, transpondo a problemática do historicismo para a cidade. 23 24

Manfredo Tafuri, op. cit., p. 79. Idem, op. cit., pp. 79 e 80.

Fig. 23


048

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 24 - Unité d’Habitation (1925), de Le Corbusier, em Marselha, constituiu a experiência isolada de um conjunto habitacional que se poderia reproduzir em larga escala, respondendo aos problemas de habitação do pós-guerra europeu segundo o plano para a Ville Radieuse.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

049

O movimento moderno propagava-se em diferentes frentes, sendo o CIAM um dos principais organismos de propaganda arquitetónica, formulando normativas que deveriam ser seguidas no exercício da arquitetura, com o objetivo de uniformizar, racionalizar e universalizar a metodologia de produção. Numa segunda fase, liderados por Le Corbusier, a temática do novo urbanismo, funcional e positivista, ocupava o lugar central das discussões arquitetónicas, onde foi apresentado o plano para a Ville Radieuse e, posteriormente, a Carta de Atenas, que viriam a ser alvo de forte contestação. Os antigos aglomerados urbanos assumiam-se como estruturas aparentemente estáticas, de valor imutável, cujo valor artístico residia no seu conteúdo formal e temporal. Os grandes mestres aceitavam o seu valor estético e cultural, mas declaravam-nos inadequados para responder aos problemas técnicos e sociais da nova era mecanizada e, portanto, obsoletos e impróprios para servirem os fundamentos da cidade moderna. No entanto, os centros históricos continuavam a ter um papel importante na componente teórica dos grandes planos urbanos, como contraponto das funções desempenhadas pelos novos aglomerados. A função dos centros históricos tinha a ver essencialmente com a mera fruição romântica do espaço cujo propósito já não servia a sociedade moderna e deixava os antigos legados à mercê dos princípios da museificação. Vemo-nos confrontados de novo com as teorias de Dorner para constatar os seguintes factos, que seriam reafirmados posteriormente na Europa do pós-guerra: “Reduzir a museu os centros históricos significava ainda aceitar a dialética com eles, superando um anti-historicismo vulgar. Encontramo-nos agora na presença de uma historicidade fetichizada porque não concretamente apreendida – os centros históricos são considerados como organismos exteriores à dialética que preside o seu desenvolvimento –, sendo importante notar que desse modo se torna evidente e legível para todos e a todos os níveis, na fruição quotidiana da cidade, que a oposição entre história e arquitectura moderna pode reingressar, precisamente como confronto entre diversas «estruturas», no universo de discurso codificado

pelas novas técnicas de comunicação visual.” 25 25

Manfredo Tafuri, op. cit., p. 84.

Fig. 24


050

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 25 - Weissenhof Siedlung (1927) constitui a materialização da imagem do International Style.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

051

O movimento moderno, padronizado na sua vertente ideal e formalista, veio a tipificar-se com a exposição International Style no MoMA, por Henry-Russel Hitchcock e Phillip Johnson, que reuniram em catálogo um conjunto de obras morfologicamente específicas que demonstravam a expressão da arquitetura moderna. As obras do International Style pressupunham uma universalidade metodológica que facilitasse a contrução em série, afirmando a sua autonomia morfológica nos diferentes meios em que se inseria. A sua génese morfológica incluía conceitos como a manipulação planimétrica dos volumes arquitetónicos, a substituição da axialidade tradicional por novas regras compositivas e a ausência decorativa. Desta forma, tornou-se possível organizar, racionalmente, um movimento através dos seus princípios formais e tipificar um estilo que reduzia a tabula rasa o historicismo de um determinado período. A proliferação do International Style – apoiada pelo CIAM e outros grupos semelhantes – que pretendia assemelhar-se ao movimento neoclassicista enquanto modelo genérico de princípios arquitetónicos, conseguiu fazer-se representar por obras dispersas por todo o mundo, ainda que tenha revelado fragilidades que levaram à sua contestação e ao fim do movimento moderno. Como movimento reacionário, no período pós-guerra, o Neoliberty surgiu nos anos 50, em Itália como uma forma de revivalismo. Reagindo contra a corrente moderna, estávamos perante um retorno historicista, que, no entanto, se revelou um movimento deficitário e com pouca expressão, consequência da indefinição do tempo histórico a recuperar. Tal como se havia verificado em momentos anteriores, a tentativa de recuperar uma linguagem preexistente prevalecia enquanto metodologia historicista, porém existia uma grande dificuldade em pôr em prática tal intenção. A recuperação do historicismo enquanto instrumentalização do projeto no

Neoliberty revelou-se timidamente, o que impossibilitou a sua afirmação enquanto estilo. As intervenções evidenciavam alusões históricas, sem se comprometerem excessivamente com os seus valores, optando por uma abordagem individualista das suas interpretações.

Fig. 25


052

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 26 - Pruitt-Igoe (1954-68), de Minoru Yamasaki, em Missouri, foi construído na sequência de um projeto de urbanismo composto por trinta e três blocos habitacionais, para albergar a população de St. Louis. No entanto, após a ocupação dos primeiros edifícios, rapidamente entrou em declínio, devido à criminalização, pobreza e segregação social. O complexo é tido como um ícone da política falhada de planeamento urbano. Os edifícios foram demolidos durante a década de 60.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

053

Manfredo Tafuri acrescenta: “Como expressão de um desejo, o neoliberty era demasiado cauteloso; como sintoma de uma vontade de mergulhar na dialéctica da arquitectura contemporânea, deixava a meio a tarefa iniciada, expondo-se a riscos demasiado calculados e em termos de uma polémica provinciana. O fracasso do neoliberty assume, portanto, um valor sintomático: exprime a impossibilidade de um regresso ao fetichismo pelos objectos, no âmbito do universo de discurso da arquitectura contemporânea. (...) não era a história que se recuperava, mas eram as emoções, as nostalgias, os interesses contingentes de tipo autobriográfico que passavam a estruturar ambiguamente as suas escolhas linguísticas.” 26

No entanto, apesar de efémero e fracassado, entende-se que, no período pós-guerra, com a Europa em reconstrução, o Neoliberty obteve algum protagonismo devido aos ideais que defendia, em relação ao movimento moderno e aos seus princípios, alvos de contestação por parte de uma sociedade em transformação que almejava novos rumos e novas conceções e que encarava o historicismo como metodologia a seguir. De novo, a temática do urbanismo voltaria à ordem do dia com a reformulação de alguns conceitos proclamados anteriormente. Alguns anos antes, no IV CIAM realizado em 1933, um grupo de arquitetos liderado por Le Corbusier, havia elaborado a Carta de

Atenas, cujo tema principal era a cidade funcional e positivista, definindo o conceito de urbanismo moderno. No entanto, segundo a crítica ao documento, o conceito do novo urbanismo assemelhava-se aos modelos “capitalistas” da produção em série, promovendo uma cidade fragmentada em zonas funcionais demasiado rígidas e bastante limitadoras. 27 O plano apresentado contemplava os centros históricos enquanto organismos a preservar, no entanto, teoricamente, retirava qualquer valor semântico aos mesmos. A fragmentação imposta pelo plano moderno levava a que os centros históricos fossem encarados como cenários de culturas das tradições passadas, a contemplar numa visão romântica, retirando-lhes as funções utilitárias originais, considerando-as obsoletas e inadequadas para as novas conceções. 26 27

Manfredo Tafuri, op. cit., p. 87. Kenneth Frampton, op. cit., p. 329.

Fig. 26


054

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 27 - Drop City (1965-70), em Colorado, constituiu um manifesto artístico desenvolvido por uma comunidade composta por estudantes de arte, arquitetura, cinema, entre outras áreas. Tendo ocupado terrenos alheios, construíram habitações inspiradas na cúpula geodésica de Buckminster Fuller, compostas por materiais cedidos, como chapas de carros e coberturas metálicas. Além da sua vertente artística, o exemplo também se afirmou como manifesto anti-capitalista.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

As diretrizes apresentadas pela Carta de Atenas seriam recusadas pela vertente tradicionalista italiana do pós-guerra que encarava os centros históricos como entidades essenciais no desenvolvimento da cidade e combatia a ideia do centro histórico reduzido a fetiche de contemplação. “Recusada a confrontação dialéctica preconizada por Le Corbusier, a cidade antiga era considerada um objecto a defender: desse modo era reduzida a mito, e sancionava-se, no fundo, o direito, de quem era estranho àquele mito, a ignorar os seus valores. Quando Brandi teorizava a cisão entre cidades antigas e nova arquitectura era realmente coerente, dado que a sua posição partia da negação da arquitectura moderna. Mas menos coerentes eram os arquitectos modernos, que aceitavam nos factos o que não teriam aceite em teoria e que demonstravam as suas profundas inibições face quer à história quer à arquitectura moderna. O que faltava era um código novo, de estrutura clara, através do qual se pudesse decifrar o corpus dos ambientes urbanos e territoriais, na sua complexa dialética histórica.” 28

A contestação do movimento moderno da segunda metade do século XX – que também se manifestou no interior do CIAM pelas novas gerações – traduziu-se numa procura por novas soluções para os problemas atuais, uma vez que as soluções modernistas haviam sido consideradas utópicas, desajustadas e politicamente capitalistas. No entanto, a tentativa, por parte dos arquitetos italianos, de recuperarem a vertente histórica na arquitetura voltaria a esbarrar com o problema das escolhas arbitrárias, que não conferia a expressão desejada ao movimento historicista. O criticismo empregue nas obras individuais não era suficientemente forte para expressar o historicismo da sociedade a uma grande escala, apresentando-o na forma de manifesto dos seus princípios, mas improdutivo na sua vertente prática. Porém, a teorização da temática dos centros urbanos e a implantação de edifícios individuais com vista a novas leituras da vertente historicista continuaria a desenvolver-se e a obter maior protagonismo, à medida que o movimento modernista ia chegando ao fim dos seus limites conceptuais. 28

Manfredo Tafuri, op. cit., p. 96.

055


056

arquitetura moderna e a aniquilação da história

Fig. 28 - Playtime (1967), Jacques Tati, exibição de vários cartazes de diferentes destinos turísticos, cuja imagem arquitetónica dos edifícios permanece homogénea, fazendo uma analogia com o International Style.


arquitetura moderna e a aniquilação da história

057

Apesar da dificuldade sentida em traduzir o fim do que seriam os ideias do movimento moderno aqui apresentados, precisamente por estes assumirem um papel

a-histórico na arquitetura, existiram momentos e acontecimentos que serviram para justificar a sua superação e embarcar na busca de novos conceitos.

Fig. 28

Um dos seus principais objetivos teria sido a transformação da sociedade pelos meios mecânicos e construtivos, encarando a arquitetura como um grande movimento universal de configuração social. No entanto, os seus cânones haviam atingido o limite de exploração e revelavam-se impotentes para assegurar o futuro das conceções arquitetónicas. A isto poderíamos chamar de crise tipológica na arquitetura. As novas gerações de arquitetos do CIAM, e de outros organismos semelhantes, alheias ao início do movimento moderno, mostravam uma sensibilidade diferente em relação aos conceitos arquitetónicos. O questionamento crítico feito aos grandes mestres levou à reformulação das diretrizes da arquitetura e a uma aceitação, por parte dos impulsionadores do modernismo dos novos valores a seguir. Com as premissas anunciadas, encerrava-se o ciclo de um movimento cujas marcas podiam ser interpretadas de formas distintas. Por um lado, a renúncia consciente à influência da história no projeto, devido à procura de novos valores para o futuro. Esta atitude revelava ousadia por parte dos autores que não seria possível caso não estivessem plenamente convictos das suas opções. Desta forma, confere-se legitimidade às vanguardas pela introdução de uma nova perspetiva no percurso da arte e da arquitetura que encarava a história como um evento, e não como um valor em si mesma.

29

Por outro lado, a

materialização resultante dos seus conceitos revelou demasiadas limitações, eclodindo na crise anunciada. Ao considerar a história como um evento, a caracterização da evolução do movimento moderno apresenta características que se revelaram fundamentais para a constituição do seu código de valores, com reflexos na arquitetura contemporânea: “a

destruição do objeto, a destruição da «aura» [e] a morte da história” estavam acima de um processo criativo transitório. 30 No entanto, a dialética entre a história e o projeto de arquitetura estava longe de ter chegado ao fim, como evidenciaram os períodos seguintes. 29 30

Manfredo Tafuri, op. cit., p. 104. Idem, op. cit., p. 105.



059

Cap铆tulo II Crise tipol贸gica e o combate ao anti-historicismo


060

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 29 - International Style (1931), exposição organizada por Henry-Russel Hitchcock e Philip Johnson, caraterizando a expressão normativa arquitetónica do movimento Moderno.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

061

2.1. O início da crise O movimento Moderno e os seus princípios, incluindo a necessidade de superar o historicismo enquanto valor em si mesmo, haviam marcado o rumo da arte em geral e da arquitetura em particular, com as consequentes respostas dadas pelos arquitetos que clamaram por uma evolução – ou mesmo reformulação – conceptual. No entanto, a crítica de um movimento tão radical e dos seus fundamentos não era algo novo, uma vez que, a par do movimento modernista e do International Style, havia já movimentos e vozes que defendiam uma arquitetura que dialogasse diretamente com a história e conjugasse os seus fundamentos temporais. São exemplos deste movimento as crenças de Auguste Perret nos princípios universais da arquitetura clássica e a monumentalidade desejada pela arquitetura estadista, em prole de uma simbologia relacionada com o poder instituído, como aconteceu nas conceções fascistas. Por crise, entende-se a perturbação de uma continuidade ou desenvolvimento histórico, que conduz a uma rutura do ideal vigente, verificando-se um momento de mudança. Em arquitetura, esta perturbação ocorre dentro da esfera projetual, diretamente relacionada com a tipologia arquitetónica, conduzindo a uma reação contra os movimentos precedentes, sob o pretexto de incoerências ou de estagnação conceptual. A crise tipológica na arquitetura verificou-se no período que sucedeu à Segunda Guerra Mundial, quando as novas gerações de arquitetos rejeitaram a continuidade do que seriam as normativas modernistas e do International Style. Com uma sensibilidade renovada, sentiram a necessidade de devolver a atenção à arquitetura vernacular – radicada na história – e à fruição do espaço, tendo desenvolvido uma metodologia baseada “na

defesa da estrutura da cidade tradicional com o objetivo de recuperar a dimensão cultural coletiva da arquitetura”, por oposição ao racionalismo exacerbado, que elegia como objetivo a simplificação e repetição de protótipos. 31 Durante a segunda metade do séc. XX, os arquitetos assumiram o arrojado objetivo de superar o estado incipiente a que o movimento Moderno havia conduzido a arquitetura, preservando, no entanto, os seus fundamentos básicos, numa vertente mais humanista, de caráter social e utilitário. 31

Josep Maria Montaner, A Modernidade Superada / Arquitetura, arte e pensamento do século XX, p. 119.

Fig. 29


062

crise tipol贸gica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 30 - Mon Oncle (1957), Jacques Tati. Villa Arpel, representando a vis茫o positivista do movimento Moderno. Fig. 31 - Mon Oncle (1957), Jacques Tati. A casa de monsieur Hulot, representando a complexa vertente tradicionalista.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

063

2.2. O problema da visão positivista Será interessante iniciar o estudo sobre a crise do movimento Moderno a partir do filme Mon Oncle (1957) do cineasta Jacques Tati que retrata magistralmente o paradigma da casa ortodoxamente moderna, constituindo-se como uma crítica mediante a exibição das suas incongruências. O filme proporciona uma síntese crítica do nosso objeto de estudo, expondo questões que vão desde a conceção da estrutura urbana até à conceção do espaço habitacional. Em Mon Oncle, Tati apresenta-nos a visão padronizada do ideal de família positivista, corporizada pelo casal Arpel e o seu jovem filho e a vertente tradicionalista interpretada por monsieur Hulot – o próprio Jacques Tati. Para possibilitar a comparação, são apresentadas duas casas distintas; a casa moderna da família Arpel, na qual centraremos

Fig. 30

a nossa atenção, por oposição à casa tradicional de monsieur Hulot, de onde decorrem

Fig. 31

os estilos de vida antagónicos impostos pelas mesmas. Para habitar a casa moderna, Tati elege o que considera ser uma família representativa da sociedade para a qual os arquitetos modernos julgavam projetar eficazmente. Trata-se de uma família que aceita a modernidade como valor irreversível e absoluto, projetando-se no futuro onde imperaria a fé positivista e ideológica, inserindo-se num contexto de evolução social que caminhava para a estandardização de valores, renegando qualquer afinidade com o passado histórico. A família Arpel representa o ideal

corbusiano, em que a articulação dos espaços poderia ser feita em unidades de tempo, num universo de aperfeiçoamento social onde a grande falha seria precisamente a falta da diferença. É importante reter que a tentativa de padronizar uma família para habitar uma casa constituía uma visão taylorista do mundo. É um exemplo demonstrativo do quanto a visão moderna acreditava que a arquitetura seria capaz de atingir a formatação e revolução social por oposição à casa intimista concebida para alguém, ou para um grupo específico de pessoas. A visão taylorista da casa pré-concebida teria como expoente máximo o planeamento urbano, uma vez que ao projetar-se para uma sociedade uniformizada obtinha-se a aglomeração habitacional em grande escala, que correspondia aos grandes planos modernos.


064

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 32 - Mon Oncle (1957), Jacques Tati, representação do desencontro visual entre as duas senhoras, imposto pela sinuosidade do passadiço. Fig. 33 - Mon Oncle (1957), Jacques Tati, representação do monsieur Hulot, tentando descodificar o funcionamento complexo da ‘cozinha-robot’.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

065

A morfologia da casa representava a ‘máquina para habitar’ idealizada por Le Corbusier, onde cada espaço era composto de acordo com a sua função, de forma a otimizar a realização das tarefas domésticas e evitar que estas sofressem qualquer tipo de perturbação. Esta intenção traduzia o conceito do Existezminimun preconizado pelo CIAM, uma vez que cada unidade espacial era reduzida racional e funcionalmente, submetendo-a exclusivamente às tarefas a desempenhar no seu interior. Ao longo do filme, Tati exemplifica a ideia da submissão espacial e da inversão comportamental em relação aos espaços. No exterior, o jardim, que constituía a primeira aproximação à habitação, era marcado pela ligação sinuosa entre o portão principal e o lobby, desdobrando-se numa mescla de espaços ‘naturais’ com um lago central e lajetas de betão que condicionavam a mobilidade dos usuários, condicionando também o seu percurso visual. O lago

Fig. 32

representava o expoente máximo da imagem tecnológica no exterior, com a fonte em forma de peixe que a senhora Arpel fazia questão de ligar antes de abrir o portão a visitas. A casa, elemento de estudo da ideologia positivista, assentava num podium através do qual se tinha acesso ao lobby que comunicava diretamente com todas as divisões da casa, facto enfatizado ao longo do filme. O salão contíguo ao lobby era um espaço assético indiferente ao espaço exterior, o que resultava numa fusão de espaços onde o único elemento que os separava era uma fina cortina de vidro, numa analogia às conceções de Mies van der Rohe. A cozinha, local onde a conceção segundo unidades temporais adquiria maior evidência, apresentava-se como um espaço high-tech, completamente robotizado, constituindo uma metáfora do espaço fabril transposto para a habitação. Os quartos, que deveriam preservar a intimidade dos usuários, viram a sua função invertida, assumindo a condição de vigilância sobre o resto do mundo, seja para vigiar a criança enquanto esta estuda (ou brinca), ou para vigiar as ações dos vizinhos, na procura do ‘aperfeiçoamento’ social. A orientação da casa recuperava a ideia do eixo heliotérmico preconizado por Le Corbusier no plano da Ville Radieuse, onde o arquiteto erguia uma cidade para três milhões de habitantes organizada em função da luz solar. 32 32

Iñaki Ábalos, La buena vida, p. 76.

Fig. 33


066

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 34 - Mon Oncle (1957), Jacques Tati, representação da família Arpel, vendo televisão a partir do exterior da casa.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

067

Construtivamente, a casa positivista excluía o emprego de qualquer material que não afirmasse a sua condição moderna. Os materiais produzidos industrialmente, em série, associados à assepsia e à higiene, tornaram-se motivo de exaltação, por oposião ao preconceito relativamente aos materiais tradicionais que evocavam um passado nocivo. O espaço verde natural foi substituído por um jogo labiríntico de passadiços, com elementos dispostos simetricamente, sem lugar para o improviso. O branco e o cinza assumiam o papel de cores homogeneizadoras das divisões interiores, em busca da harmonia platónica entre o ser humano e a arquitetura. O vidro, enquanto material sintético e produzido industrialmente em larga escala, foi um dos elementos fundamentais na exaltação da nova estrutura, contribuindo para alcançar a condição moderna. O próprio mobiliário filiava-se no design ‘contemporâneo’, de produção industrial, neste caso com o plástico produzido na fábrica de monsieur Arpel. Não havia lugar para materiais naturais, uma vez que estes remetiam para o passado histórico que interessava reprimir com o objetivo de enaltecer um futuro industrializado. O comportamento dos habitantes da villa Arpel é também determinado pelo contexto envolvente, não havendo espaço para o mínimo desvio do padrão socialmente aceite pelo modernismo. O ideal da casa positivista pressupunha a eleição de um produto comercializável que dependia de uma exposição ao exterior e, como tal, nevessitava de uma transparência exacerbada. É por este motivo que assitimos a uma dona de casa sempre acompanhada de um espanador, limpando todas as superfícies com as quais se cruzava, procurando uma higienização que transmitisse o moralismo [repressivo] e uma [falsa] transparência, típicos do movimento moderno. O menino via-se impossibilitado de se apropriar do espaço do seu próprio quarto, uma vez que estava definida a priori a sua própria imagem funcional. A dimensão e organização espacial do salão pressupunha que a família se tivesse de se deslocar até ao [indefinido] exterior, como se de um limbo se tratasse –, instalados nas suas poltronas, de costas voltadas para o resto do mundo, para poder assistir à televisão, resultando na imagem irrisória e paradoxal de um momento íntimo... à vista de todos.

Fig. 34


068

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 35 - Mon Oncle (1957), Jacques Tati, ilustração da impossibilidade de personalização do espaço modernista. Consternação de monsieur Arpel quando vê monsieur Hulot, dormindo num divã virado ao contrário.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

069

A sonoridade mecânica dos elementos constituintes da casa, como os eletrodomésticos, a sinalética da cozinha presente no salão e o sons resultantes das ações sobre os aparelhos modernos simbolizavam a metáfora fabril como modo de expressão, tornando inviável qualquer fruição intimista do espaço. Iñaki Ábalos analisa a questão: “Lo que deja de tener presencia en la casa positivista es toda cultura material desplegada en la construcción del yo, cualquier atisbo de individualización del espacio, sustituido por la presencia autoritaria y fantasmagórica de otro que dirige invisiblemente sus pautas de conducta privada: el arquitecto moderno.” 33

Enquanto produto resultante de métodos industriais, a villa Arpel representava apenas uma célula dentro de um macroorganismo coletivo reproduzível em larga escala, constituindo um projeto específico para um público estandardizado. A sua reprodução permitia a conceção de planos urbanísticos, racionalmente estratificados em zonas funcionais que monopolizavam a atividade humana, numa analogia direta com a Carta de

Atenas redigida pelo CIAM e o plano da Ville Radieuse de Le Corbusier, representativo da utopia social que movia os arquitetos modernos. Ábalos critica a postura moderna: “El arquitecto es siempre un turista fascinado ante un maquinismo cuja mecánica desconoce, un turista que se embeleza con la belleza del transatlántico en el que decide viajar para pontificar sobre la ciudad, pero que es incapaz de mostrar una misma sensibilidad frente a la memoria histórica de la ciudad, mientras visita distraídamente Córcega y Atenas elaborando su ciudad ideal. A este turista no le temblará el pulso cuendo propugne la destrucción del passado en favor de la lógica maquínica social (...). Sin duda que esta insensibilidad, produto e los valores positivistas, marcará el comienzo del fin de la ciudad moderna y servirá a la crítica sitemática que otras formas de pensar y habitar (...) irán poniendo a punto en la segunda mitad del siglo XX.” 34

O método positivista retrata, genericamente, a posição tomada pelos arquitetos modernos e de que forma estes tentaram anular qualquer espécie de historicismo. No entanto, as respostas surgiram prontamente, a partir das premissas apresentadas. 33 34

Iñaki Ábalos, op. cit., p. 81. Op. cit., pp. 80 e 81.

Fig. 35


070

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 36 - Golden Lane (1952), Alison e Peter Smithson. A proposta para a cidade bombardeada de Coventry constituiu uma crítica à Ville Radieuse de Le Corbusier, opondo o zoneamento repartido pelos conceitos habitação, trabalho, lazer e transporte a códigos fenomenológicos como casa, rua, bairro e cidade.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

071

2.3 A estrutura urbana A estrutura urbana na Europa, afetada pela destruição causada pela Segunda Guerra Mundial, foi um dos motores para a reformulação dos valores que a compunham, principalmente na definição do papel reservado aos centros históricos dentro do novo urbanismo. Ao retomar as analogias elaboradas por Dorner, Brecht e Benjamin, será possível analisar o tipo de respostas, historicamente fundamentadas, encontradas para teorizar o anti-historicismo moderno aparente, apresentado metaforicamente. Recuperando o conceito de superação da própria arte enquanto metodologia modernista, seria o design industrial, com os seus processos tecnológicos, a ocupar o lugar de destaque, reafirmando os seus propósitos num constante processo de transformação sociocultural. Essa transformação era materializada através da arquitetura e do próprio conceito de arte já, eventualmente, superado, através da procura incessante de libertação de ideias pré-concebidas. No entanto, o conceito de arte, enquanto ideia abstrata, encerra em si mesmo considerações que transcendem o simples valor transformador transitório de uma sociedade e cultura que os modernistas pretendiam afirmar. Por outro lado, o próprio movimento Moderno regia-se por princípios de transformação e afirmação de um novo mundo. Então, é possível concluir que o movimento Moderno não poderia negar os seus atributos artísticos caracterizadores que, paradoxalmente, estariam historicamente radicados no tempo. O que acontecia não representava uma ideia premeditada, mas resultava de um paradoxo consequente que impossibilitava a coexistência das duas ideologias juntas. A arte, enquanto transformação transitória corria o risco de se confundir com os avanços modernistas que também atuavam num tempo transitório, logo as duas ideologias poderiam anular-se mutuamente. Com a conjugação destes elementos, Dorner pôde justificar a morte da própria arte, como consequência do anti-historicismo da corrente moderna, resultado de uma ideologia abstrata de intenções historicizantes, mascarada por uma tentativa de superação histórica, através da pura redução artística à tabula rasa.

Fig. 36


072

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 37 - Berlim-Haupstad (1958), Alison e Peter Smithson e Sigmond. A proposta visava o conceito de cidade de uma perspetiva museográfica, onde a incapacidade de se ajustar às preexistências impõe um traçado artificial, com planos elevados sobre a mesma, permitindo a sua contemplação.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

073

No pós-guerra, e retomando a estrutura urbana, a reflexão em torno da museificação da realidade do passado enquanto história do presente levou Dorner a formular uma solução para a dialética entre o design contemporâneo e as presenças históricas: “Antes de mais, o museu deve tornar-se finalmente uma ponte sobre o abismo que existe entre arte e a nossa vida industrial. E só poderá sê-lo desempenhando uma parte activa nas lutas do presente; mostrando como a mais recente evolução está orientada para alcançar uma nova integração, e que o design moderno já não é uma arte auto-suficiente – produzida por sonhadores desligados da vida –, mas uma componente activa da nova economia e da nova sociedade, que ele contribuirá para ampliar. Por outro lado, deve mostrar que o movimento moderno é inseparável de toda a evolução da arte histórica e que essa evolução seguiu o seu curso, com um impulso irresistível, do mais remoto passado até ao presente imediato... A única garantia, tanto do museu como da estética e da história da arte em que ele se baseia, é o momento presente, com as suas exigências específicas. Mas o momento presente de uma época já não é o dos nossos dias. As exigências passadas requeriam insistentemente a confirmação de uma verdade imutável, e o museu na sua forma hodierna continua a ser um alcoviteiro suficientemente complacente para satisfazer essas exigências. Todavia, assim as nossas exigências de hoje não serão satisfeitas, mas antes frustradas. Para realizar as nossas aspirações, o museu deveria aprender a extrair dos objectos artísticos do passado uma nova energia dinâmica.” 35

A solução preconizada por Dorner deve ser encarada como uma metáfora representativa do que deveria acontecer nos centros urbanos marcados pelos testemunhos históricos. Uma vez que os antigos testemunhos seriam encarados como valores permanentes, as suas leituras estariam condicionadas pelos valores das conceções contemporâneas, porque estas apresentavam um conjunto de valores em constante transformação. A dialética entre as duas estruturas estaria no centro da cena e seria a solução mais viável para o problema dos novos centros urbanos. 35

Alexander Dorner, The Way beyond Art, apud Manfredo Tafuri, Teorias e História da Arquitectura, pp. 77 e 78.

Fig. 37


074

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 38 - Novo Parlamento de Roma (1967), Giuseppe e Alberto Samoná. A proposta consistia na libertação do edifício do solo através de pilotis, onde o vazio seria substituído pela contemplação da complexa estrutura urbana.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

075

Ao serem remetidos à mera contemplação, os antigos testemunhos perderiam todo o seu valor enquanto objetos pertencentes a um contexto urbano, logo – e aqui estaria patente a analogia de Dorner – estes deveriam sofrer uma revitalização a fim de apresentarem valores que os afirmassem enquanto história do presente, libertos da submissão funcionalista que os prendera ao passado. Giuseppe Samoná também desenvolveu um conjunto de teorias sobre a preservação dos centros históricos que, apesar da distância temporal em que foram delineadas, ainda hoje se mantêm bastante atuais. A posição do autor passava pela leitura de conjunto dos elementos que constituíam os aglomerados urbanos, argumentando que, na generalidade, a problemática em questão se prendia com a “organização dinâmica de uma dialética incessante entre permanências

de estruturas e mutações morfológicas”. 36 Para Samoná, o desenvolvimento das cidades era consequência das pretensões funcionais que adquiriam valores em si mesmas e se tornavam emergentes através da sua vertente utilitária. A função seria o fator que tipificava o crescimento natural das urbes. O autor reitera que, ao existir um processo de reformulação dos aglomerados urbanos, a inserção do tecido histórico deveria ser efetuada de forma espontânea – ou de forma intencional, caso a situação o exigisse – mas sempre com a preocupação de não segregar o seu valor ativo na cidade. A posição mais forte do autor, e na qual ele se centra constantemente, é o objetivo de converter o contexto urbano numa unidade pura, num jogo de relações intrínsecas entre os seus diversos estratos históricos. Para complementar a ideologia, tome-se como exemplo o seu projeto, juntamente com Alberto Samoná, para os novos gabinetes do Parlamento, em Roma, projeto que nunca saiu do papel. Neste projeto ficou explícita a importância do novo edifício público dentro da estrutura urbana, através da transparência conferida pela construção ao elevá-la sobre perfis metálicos e libertando visual e espacialmente todo o contexto envolvente da cidade antiga e consolidada. Seria, precisamente, a oposição de elementos que permitiria a dialética entre as duas estruturas. 36

Manfredo Tafuri, op. cit., p. 98.

Fig. 13


076

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 39 - Hospital de Veneza (1965), de Le Corbusier. A proposta sugeria o remate da consolidação urbana a partir da implantação de um novo equipamento público inserido numa estrutura urbana antiga.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

077

Samoná reforça a sua posição e discute abertamente o futuro dos centros históricos e das suas relações intrínsecas com o design contemporâneo, argumentando que: “Penso que uma norma inspirada numa conservação mais restritiva poderia ser eficiente, desde que fosse inserida nas linhas programáticas de um plano acabado da cidade; nele, mais do que escolher a extensão das zonas antigas a conservar, preparando instrumentos graduais para a introdução de actividades económicas regeneradoras que pudessem ser inseridas sem a alterarem, devemos propor corajosamente a conservação da forma global da cidade. (...) O único modo possível de projectar no centro histórico é o que sucede à descoberta de todas as relações intrínsecas à sua configuração física; elas constituirão razões fundamentais para definir as suas características e para organizar a sua restauração, segundo um projecto de estabilização futura totalmente independente de acontecimentos estranhos aos próprio centro. Isto significa conferir ao centro histórico uma finitude que contenha o máximo de expressividade dos elementos formais e da sua coerência, segundo uma figurabilidade a descobrir.” 37

O projeto de Le Corbusier para o hospital de Veneza poderia constituir o exemplo de diálogo entre linguagens bipolares. De um lado, a cidade de Veneza apresentava-se como estrutura singular e, praticamente, consolidada; do outro lado, estaria a intenção de colmatar uma parte da cidade com uma estrutura modernista com um programa bastante específico e complexo – o hospital. Manfredo Tafuri mostrou-se taxativo concluindo que: “A relação com uma cidade tão particularmente «acabada» e orgânica, na sua historicidade, como Veneza, permite a Le Corbusier determinar, como termo de mediação entre a nova intervenção e história consolidada, a articulação do organismo arquitectónico: tal como, nos planos para Argel ou para as cidades sul-americanas, ele tinha sabido abordar um novo código de valores e um novo universo de significados, absorvendo, em organismos articulados, elementos naturais, geográficos, históricos, como se fossem ready-made objects, disponíveis para uma revolução dos seus próprios atributos semânticos.” 38 37 38

Giuseppe Samoná, L’urbanistica e l’avvenire della cittá negli Stati europei, apud Manfredo Tafuri, op. cit., pp. 99 e 100. Manfredo Tafuri, op. cit., p. 101.

Fig. 39


078

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 40 - Teatro Paganini, Piazza della Pilotta (1964), de Aldo Rossi. A proposta assinala a fase em que Rossi se dá conta da importância dos elementos figurativos tradicionais dos quais não se consegue dissociar.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

079

Apesar do ideal de Samoná, o autor deixa transparecer alguma frustração ao reconhecer que a sua ideologia, em relação aos tecidos históricos nos centros urbanos, enfrentava uma forte oposição. De facto, haveria algo no seu trabalho que o aproximava dos planos dos grandes mestres modernos, como o “isolamento figurativo do centro histórico” que se apresentava como uma fatalidade consequente. Tafuri, ao analisar a fatalidade defendida por Samoná, aceitou o seu ponto de vista, mas propôs uma nova argumentação que, aliada ao apresentado anteriormente, poderia constituir uma nova solução requalificada: “Isto não significa que a arquitectura moderna não possa intervir no âmbito de escolhas ditadas pela evolução das estruturas urbanas, para clarificar o significado dos tecidos históricos, tornar perceptíveis as suas valências internas, reconstituir os seus significados. Será uma operação de certo modo violenta; mas o seu resultado estará ligado à capacidade de fazer surgir, do embate entre o antigo e o novo, precisamente a relação dialéctica que liga a historicidade e a permanência dos antigos tecidos aos valores do presente, do mutável, do arbitrário, do energético próprios da arquitectura e da existência contemporâneas.” 39

O pensamento que une os autores citados prende-se com o funcionalismo das entidades constituintes da estrutura urbana, os seus limites e a reformulação do papel atribuído aos centros históricos enquanto elementos estruturantes e elementos artísticos. Apesar dos exemplos arquitetónicos apresentados anteriormente, a sua conceção não passou de uma utopia que tentava, desesperadamente, responder às questões levantadas pela nova estrutura urbana. Aldo Rossi foi um agente bastante interventivo no processo de transição entre as ideologias relacionadas com a arquitetura moderna, incidindo também na estrutura urbana. Rossi encarava a arquitetura como uma prática objetiva, recuperando a noção de tipologia que a aproximava novamente dos processos científicos, o que lhe permitiu fazer uma decomposição da estrutura urbana a fim de encarar as suas valências e organizar a sua recomposição. 39

Manfredo Tafuri, op. cit., pp. 100 e 101.

Fig. 40


080

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 41 - Piazza Segrate (1965), de Aldo Rossi. A praça, enquanto paradigma tipológico do espaço público, estabelece uma analogia com as ágoras gregas.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

081

O objetivo proposto por Rossi passava pela humanização do pensamento arquitetónico, identificado a estrutura urbana como local de atuação da arquitetura, pois representava a condição humana na sua génese. A sua decomposição permitia ao arquiteto “explorar como ela foi construída, quais os princípios que guiaram o seu desenvolvimento

e de que modo se formaram as diferentes áreas e bairros que a compõem.” 40 As operações propostas visavam a manutenção da intemporalidade na arquitetura, sem que esta assumisse uma posição a-histórica. O que Rossi defendia era a desvinculação da forma em relação à função, permitindo a valorização da forma arquitetónica, assegurando a sua permanência na estrutura urbana graças à sua versatilidade funcional. O racionalismo aparente em Rossi era uma ferramenta usada a priori, para posteriormente o superar, relegando-o a um papel secundário na arquitetura, constituindo um meio dentro de um processo tecnológico e não a expressão máxima do mesmo. A noção de tipo adquiria um novo papel dentro da estrutura urbana, conferindo valor à forma e convertendo-se em elemento estruturante da cidade, superando o individualismo que marcou as vanguadas modernistas. Montaner completa afirmando: “Esta postura vai ligada a uma atitude classificatória, baseada na crença em princípios imutáveis e em formas que permanecem vivas ao longo de séculos e sobre as quais é possível estabelecer critérios lógicos. Manifesta a importância da herança histórica e, primordialmente, a relação de toda tipologia com a malha urbana. (...) O conceito de tipologia dirige as bases da arquitetura ao espaço, mas não um espaço funcional, distributivo, construtivo ou matemático, senão que, em consonância com o estruturalismo, mostra que a essência das formas arquitetónicas radica nos modos de estruturação do espaço. Trata-se, paradoxalmente, de um estruturalismo que é, ao mesmo tempo, historicista.” 41

Ao afirmar-se como elemento estruturante do espaço urbano, o tipo compunha uma função dupla, assegurando a continuidade da estrutura urbana e afirmando singularidades dentro da mesma – os monumentos – que representavam a memória histórica da cidade, operando sobre a dialética preconizada por Dorner e Samoná. 40 41

Rafael Moneo, Inquietação Teórica e Estratégia Projetual, p. 98. Josep Maria Montaner, op. cit., p. 122.

Fig. 41


082

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 42 - Playtime (1967), de Jacques Tati. Representação da padronização de valores inerentes à vertente positivista das novas vanguardas arquitetónicas.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

083

2.4. Contradições e analogias com o passado A ideia de modernidade ficou sempre associada aos movimentos das vanguardas artísticas e arquitetónicas que pretendiam exaltar o culto do novo e da originalidade, cuja metodologia moderna consistiu na tentativa de superar o tempo histórico através da tabula rasa. No entanto, a efemeridade dos seus manifestos, que havia dotado os seus processos de celeridade e impacto no quotidiano, deixou transparecer algumas questões contraditórias que influenciaram a crise artística e arquitetónica. As contradições das vanguardas modernas fizeram notar-se logo a partir do seu código operacional, uma vez que este encarava a obra de arte como um produto associado à nova estética da máquina e à produção industrial em série. Aqui poderia existir um paradoxo entre os conceitos de ‘originalidade’ e de ‘reprodutibilidade’, uma vez que a condição inovadora do produto estaria ultrapassada a partir do momento em que este se tornasse em algo reproduzível. O próprio conceito de ‘originalidade’ defendido pelas vanguardas remete para uma conceção precedente, ou seja, com ‘origem em’, ideia antagónica à ‘inovação’ que pressupõe uma ação nova e de rutura, sem quaisquer antecedentes. 42 A condição moderna tinha como objetivo reformar a ordem social existente, assente no liberalismo humanitário e no pluralismo reformista, o que se mostrou incoerente com a autonomia necessária da atividade artística, uma vez que esta pressupunha um abstracionismo e nunca chegou a relacionar-se expressivamente com as questões que marcavam o quotidiano. A crise tipológica instalada também se alargou às vanguardas, o que se traduziu, em arquitetura, na recuperação da vertente tradicionalista. Josep Maria Montaner faz uma comparação interessante e pertinente, colocando em análise dois edifícios da mesma época, incluídos no paradigma geral de arranha-céus, que clamavam por um objetivo comum – a monumentalidade – recorrendo a diferentes metodologias. O autor opõe o

Seagram building (1958) em Nova Iorque, de Mies van der Rohe em colaboração com Philip Johnson, à Torre Velasca (1958) em Milão, do grupo BBPR, liderado por Ernesto Nathan Rogers. 42

Josep Maria Montaner, op. cit., p. 135.

Fig. 42


084

crise tipol贸gica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 43 - Seagram building (1958), de Mies van der Rohe e Philip Johnson, em Nova Iorque. Fig. 44 - Torre Velasca (1957), do grupo BBPR, em Mil茫o.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

085

Na procura pela monumentalidade, Mies e Johnson exaltaram o ideal da visão positivista, concebendo um edifício a partir de materiais e pormenores construtivos que transpareciam a condição moderna, cujo resultado se traduziu numa fina cortina de vidro que revestia todo o edifício. A noção de modernidade do Seagram building adotou a linguagem e a conceção espacial características do International Style. Por sua

Fig. 43

vez, a Torre Velasca surgiu com o intuito de conferir uma nova imagem à noção de modernidade, recuperando os valores da tradição e integrando as pré-existências numa estrutura monumental alusiva às torres medievais. Montaner colocou uma questão retórica sobre as duas conceções: “(...) quem é o mais moderno, o que continua os padrões da modernidade estabelecida de forma acrítica ou o que enfatiza a crise desta modernidade, e para afrontá-la introduz referências à tradição?” 43

O objetivo do nosso estudo não passa por dar resposta à questão levantada por Montaner, mas alertar para um problema declarado, uma vez que o grupo BBPR foi acusado de ecletismo gratuito e exacerbado, tendo a sua produção contribuído para a confusão instalada sobre o critério da metodologia historicista, por este não evoluir de uma escolha, que se considerava arbitrária. A crise das vanguardas tem a ver também com a cultura vigente e a falta de recetividade à componente inovadora das produções vanguardistas que, na procura de novos meios de expressão e superação das imagens convencionais, quebram os códigos de leitura pré-estabelecidos da arte e da arquitetura – algo para o que a sociedade não estava preparada. Ao romper com os códigos de leitura, a produção perdeu uma das vertentes essenciais à sua afirmação, que seria a comunicação, recuperada posteriormente pelos autores que lideraram a reação às vanguardas da primeira metade do séc. XX. A resposta surgiu pelas investigações de, por exemplo, Aldo Rossi e Robert Venturi, agentes interventivos na reconstituição da comunicação entre os grupos sociais, a partir da recuperação interdisciplinar da memória e das linguagens convencionais, adotando uma metodologia inclusiva e originando a nova vaga vanguardista pela qual se ansiava. 44 43 44

Josep Maria Montaner, op. cit., p. 137. Idem, op. cit., p. 138.

Fig. 44


086

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 45 - Balneários de Trenton (1958), de Louis Kahn. O balneário materializava a pré-forma do desenho para o projeto Jewish Comunity Center, que não chegou a concretizar-se, assente nos princípios de espaço, estrutura e função.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

087

O estudo de Aldo Rossi não se cingiu à estrutura urbana, tendo o arquiteto particularizado um exemplo interessante que será dissecado mais á frente. Importa recuperar a ideia de que a arquitetura reconhecia nos princípios clássicos uma base de sustentação projetual credível na qual os arquitetos se poderiam apoiar para continuar a haver uma aceitação natural dos seus trabalhos, principalmente num período conturbado de transição. Esta forma de atuação teve maior expressão na arquitetura estadunidense, uma vez que os seus precedentes históricos não atingiam a imponência da arquitetura europeia, com Charles Jencks a afirmar que: “A razão reside unicamente no facto de que quando um grande número de grupos heterogéneos não chegavam a acordo sobre uma direcção nova e positiva para o seu trabalho, acabavam forçosamente por cair no estilo que era o mais familiar e o que menos divisões causava: o classicismo.” 45

Esta afirmação demonstra o quanto a linguagem e os fundamentos clássicos influenciaram a arquitetura e o movimento Moderno não foi exceção, apresentando analogias com o passado histórico quando o tentava superar. As analogias com o passado histórico na arquitetura moderna sucederam a vários níveis na metodologia projetual e revelavam metodologias adotadas e conceitos apreendidos que remetiam o pensamento arquitetónico para um outro espaço temporal. Desta forma, tornou-se percetível o facto de, apesar de o movimento Moderno almejar uma projeção no futuro, fê-lo operando direta ou indiretamente com os valores do passado histórico. Rossi demonstra um destes princípios ao referir-se às investigações de Louis Kahn sobre as alusões clássicas e a sua aplicação na arquitetura moderna na sua fase de transição e recuperação de valores históricos. A obra de Kahn apresentava uma base metódica consistente baseada no processo contrastante ao método usado pelos arquitetos do movimento Moderno e que se repercutia num possível retorno historicista. A arquitetura de Kahn refletia o resultado de um amadurecimento processual, onde o arquiteto estabelecia o fim do processo como um novo começo, numa metodologia inversa. 45

Charles Jencks, Movimentos Modernos em Arquitectura, p. 196.

Fig. 45


088

crise tipol贸gica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 46 - Woolton house (1958), de James Stirling. O projeto transparecia a sensibilidade do arquiteto em adaptar o objeto arquitet贸nico ao terreno, fazendo uma analogia com as constru莽玫es rurais, combinando a arquitetura moderna com a imagem do pitoresco.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

089

Kahn iniciava o processo estabelecendo a priori uma pré-conceção do fim a atingir, à qual poderemos associar a noção de ‘tipo’. Só após apreender na totalidade este estado, o arquiteto avançaria no desenho formal e concebia a aproximação a uma forma finalizada, mostrando flexibilidade para responder às exigências programáticas. Este processo traduzia a importância da noção de conceito em arquitetura, e que conferia à metodologia projetual um caráter historicista. Ao estabelecer um pré-conceito na fase inicial do processo de conceção, Kahn já estaria a denunciar os princípios do ecletismo da sua arquitetura, metodologia que se opunha à tradição moderna de Gropius, por exemplo, e à sua tabula rasa conceptual, onde a arquitetura e o design deveriam ver-se livres das imagens pré-concebidas com o objetivo de começarem do zero. No entanto, e retomando a investigação de Aldo Rossi, os objetivos de Kahn não passavam por uma tentativa desesperada de combater o anti-historicismo aparente do movimento Moderno, recorrendo ao pastiche para o conseguir, mas antes trabalhar diretamente com a história, promovendo a ambiguidade presente na complexidade e

contradição da arquitetura. Tratava-se de uma forma de enriquecimento do léxico arquitetónico, abrindo novas possibilidades e projetando uma nova monumentalidade onde a história não seria um elemento a superar, mas um instrumento de trabalho. 46 A inversão metodológica empregue por Kahn evidenciava a demarcação do racionalismo exacerbado e do funcionalismo submissivo do movimento Moderno, esgotado nos seus princípios. Partindo da consciencialização da iminente crise do racionalismo, o arquiteto James Stirling assumiu uma posição divergente, tendo elaborado teorias que confirmariam o conturbado cenário contemporâneo em que o autor interveio quando percebeu que a linguagem moderna se havia esgotado nos seus princípios. Com sensibilidade, Stirling adotou uma postura mais flexível, pois cedo interiorizou que era necessário superar as normativas ditadas pelo período moderno, ao ponto de tentar conferir uma nova estrutura à sua linguagem, baseada na estética pitoresca, retomando a temática historicista. 46

Kenneth Frampton, História Crítica da Arquitetura Moderna, p. 296.

Fig. 46


090

crise tipol贸gica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 47 - Villa Stein (1927), de Le Corbusier, em Garches. Fig. 48 - Jaoul houses (1956), de Le Corbusier, em Paris.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

091

O retorno a uma linguagem historicista por parte de Stirling e a sua posição divergente face às normativas modernas, pondo em causa o racionalismo ideológico da primeira metade do séc. XX, surgem de uma investigação metódica das contradições apontadas às obras dos grandes mestres modernistas, principalmente Le Corbusier. Stirling observou com atenção a evolução dos conceitos patentes nas obras de Le Corbusier para poder constatar que o rumo que a arquitetura moderna levava era o oposto aquele traçado nos seus primórdios. Para tal, Stirling colocou em evidência as diferenças de vocabulário empregues por Le Corbusier nos projetos Villa Garches (1927)

Fig. 47

e as Jaoul houses (1953), em nome do funcionalismo. O autor inicia a sua teoria alegando

Fig. 48

que: “If style is the crystallization of an attitude, then these buildings, so different even at the most superficial level of comparison, may, on examination, reveal something of a philosophical change of attitude on the part of their author.” 47

Para uma melhor análise da afirmação de Stirling, o autor parte para uma comparação das duas obras parisienses. Segundo ele, a Villa Garches representava o protótipo canonizado pela publicação Vers une Architecture do próprio Le Corbusier – tida como o tratado da arquitetura moderna – de carácter urbano, sofisticado e interpretando na perfeição a estética maquinizada proposta pelo modernismo, enquanto que as Jaoul houses tinham um carácter primitivo, retomando a arquitetura Provençal e deslocada do contexto parisiense, sendo o Le Modulor a característica formal que aproximava as duas obras. 48 Construtivamente, as Jaoul houses afastavam-se completamente do que seriam os requisitos da construção moderna. A perplexidade de Stirling é justificada pelo facto de os operários estarem somente equipados com escadas, martelos e pregos, sendo o vidro o único material sintético empregue na obra, o que, no seu conjunto, não constituía nenhum avanço tecnológico simbólico, optando pelo banalizado sistema construtivo medieval.

49

Esta opção seria um paradoxo relativamente ao paradigma da construção

racional de Le Corbusier. James Stirling, The Architectural Review, vol 118, apud Charles Jencks e Karl Kropf, Theories and Manifestoes of Contemporary Architecture, p. 14. 48 Ibidem. 49 Kenneth Frampton, op. cit., p. 273. 47


092

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 49 - Le Corbusier de visita à acrópole de Atenas, durante a sua viagem ao oriente (1911).


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

093

Em relação aos princípios funcionalistas, Stirling concluiu que seria impossível para uma família tradicional viver na Villa Garches, funcionando esta apenas como protótipo da visão positivista, contrariamente ao que sucedia com o modelo intimista proposto nas Jaoul houses, onde qualquer família, rural ou urbana, poderia viver. 50 A analogia feita entre os dois modelos de habitação ficaria concluída com a constatação, por parte de Stirling, da utopia que regia os arquitetos modernos: “A monument, not to an age which is dead, but to a way of life which has not generally arrived, and a continuous reminder of the quality to which all architects must aspire if modern architecture is to retain its vitality.” 51

De facto, uma transformação quase radical transparecia nas obras corbusianas. A linha e o ângulo reto, associados à estética da máquina, tinham dado lugar à linha curva, quase arbitrária, retomando a linguagem primitiva e vernacular da arquitetura. No entanto, apesar da recente aproximação a um léxico tradicionalista, será legítimo afirmar que a arquitetura de Le Corbusier, na sua génese purista, constituía um corte com conceitos arquitetonicamente históricos? A distância temporal permitiu aos estudos atuais adquirirem uma nova dimensão sobre a posição polémica de Le Corbusier e são variados os exemplos que sustentam a sua dualidade de posições. Através da análise do seu trajeto, o início da carreira de Le Corbusier foi marcado por uma linguagem clássica, influenciado pelos seus mentores, como, por exemplo, Auguste Perret, numa primeira fase. No entanto, sabemos também que a sua viagem ao oriente foi determinante para o estudo dos fundamentos da arquitetura e para a apreciação da ordem Dórica, a mais simples e despojada ordem arquitetónica, na qual Le Corbusier identificava qualidades divinas e caracterizava como a mais pura criação da mente humana e o elo de ligação mais natural entre a natureza e a construção. Segundo William Jr. Curtis, Le Corbusier, aquando da sua passagem por Atenas, visitou todos os dias, durante três semanas, o Parthenon, produzindo inúmeros esquissos, teorizando sobre a origem da arquitetura e estudando a adaptabilidade da sua morfologia, comparando-a a uma máquina. 52 James Stirling, op.cit., apud Charles Jencks e Karl Kropf, op. cit., p. 14. Ibidem. 52 William Jr. Curtis, The Classical Ideals of Le Corbusier, Architectural Review, http://www.architectural-review.com/the-classicalideals-of-le-corbusier/8619974.article. 50 51

Fig. 49


094

crise tipol贸gica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 50 - Villa Savoye (1928), de Le Corbusier, em Poissy. Fig. 51 - Peristilo do Parthenon de Atenas. Fig. 52 - Exterior da Villa Savoye, onde se pode apreciar a analogia com o peristilo dos templos cl谩ssicos.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

095

Este evento viria a influenciar grande parte da sua obra, principalmente na forma como Le Corbusier organizava os elementos definidores do espaço. A Villa Savoye constitui um bom exemplo desse processo de pensamento. Ao nível do piso térreo, a

Fig. 50

estratificação espacial é bastante semelhante, com um primeiro plano decomposto por pilares, e só posteriormente, no interior dessa esquadria, era formalizada a compactação dos planos definidores do volume, delineando desta forma a barreira entre o espaço interior e exterior. Curtis identifica esta dualidade conceptual, acrescentando que: “In 1929, the same year that the Villa Savoye was in construction, Le Corbusier, the pope of Modernism let it be known that ‘the past is my real master’. His architecture was radical in a double sense: both revolutionary and returning to roots. The Villa Savoye itself is about many things – a utopian vision of modern existence, a ‘machine à habiter’, a Purist language of form, a post-Cubist sense of space, a gramar for reinforced concrete – but it is also a distillation and abstraction of Classical Order and in some ways may be thought as a machine age temple. (...) In line with his concept of ‘standards’ the cylindrical pilotis holding up the Villa are instruments of urbanism lifting up the superstructure of buildings and cities to permit the free flow of circulation, but they are also surely distillations of classical columns. As usual, Le Corbusier aspired to the type and the Platonic idea.” 53

As ruínas gregas e romanas demonstraram a sua influência, mas havia algo mais na estratificação espacial e no desenho das villas burguesas corbusianas que as remetiam para outro tempo histórico, também ele clássico. No início da sua carreira, Le Corbusier recorreu ao emprego de “linhas

reguladoras”, um recurso clássico e considerado um elemento essencial na arquitetura, que permitia ao arquiteto maior controlo da proporção sobre a fachada, esquema percetível na Villa Schwob e aperfeiçoado ao longo do tempo nos projetos das restantes

villas. 54 O processo de estratificação do espaço foi um aspeto muito estudado e aprofundado por Le Corbusier que encontrou nas villas palladianas uma fonte de inspiração: 53 54

Ibidem. Kenneth Frampton, op. cit., p. 182.

Fig. 51 e 52


096

crise tipolĂłgica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 53 - Estrutura da Maison Dom-Ino (1915), de Le Corbusier. Fig. 54 - Comparação entre a estrutura da Villa Malcontenta (1560), de Palladio, e a estutura da Villa Stein (1927) de Le Corbusier.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

“A subdivisão estrutural da Maison Dom-Ino (com a fórmula rítmica AAB

097

Fig. 53

compreendendo duas grandes esquadrias mais outra, estreita, que continha uma escada) liga o paladianismo explícito da Villa Schwob ao paladianismo reprimido da “villa” em Garches, com as duas casas aparentemente organizadas segundo o clássico ritmo paladiano ABABA, sobre o qual Colin Rowe chamou a atenção. A Villa Malcontenta de Palladio, de 1560, e a “villa” de Le Corbusier em Garches, construída cerca de 350 anos mais tarde, são igualmente baseadas, na direção longitudinal, na alternância de vãos duplos e simples que produzem um ritmo de 2:1:2:1:2. (...) Se Garches deve ser associada à Villa Malcontenta, a Villa Savoye, como afirma Rowe mais uma vez, pode ser comparada à Villa Rotonda de Palladio. A planta quase quadrada da Villa Savoye, com o seu andar térreo elíptico e a sua rampa centralizada, pode ser interpretada como uma metáfora complexa da planta centralizada e biaxial da Rotonda. Aí, porém, termina toda e qualquer semelhança, pois Palladio insiste na centralidade e Le Corbusier afirma, dentro do seu quadrado auto-imposto, as qualidades espirais da assimetria, da rotação e da dispersão periférica.” 55

No entanto, no início da segunda metade do século, a obra de Le Corbusier sofreu uma transformação, tendo posto em causa as suas intenções racionais e funcionalistas, em prole de uma imagem vernacular e pictórica. Gradualmente, a imagem branca, composta por linhas e ângulos retos que haviam definido o protótipo modernista e do International Style, de carácter inovador e intemporal, foi sendo substituída pelas formas quase arbitrariamente curvas, pela materialidade do betão em bruto e pelos materiais tradicionais. O momento de viragem coincidiu com a reestruturação europeia e com a contestação por parte do CIAM às intenções da arquitetura corbusiana. A Unité

d’Habitation de Marselha tentava conjugar o racionalismo moderno com a imagem pitoresca, que viria a caracterizar o resto da produção arquitetónica de Le Corbusier, mas apresentava traços de uma utopia social como modelo da vida positivista padronizada. 55

Idem, op. cit., pp. 188-190.

Fig. 54


098

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 55 - Interior da Unité d’Habitation idealizado por Le Corbusier. Fig. 56 - Interior da Unité d’Habitation mobilado pelos usuários.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

099

Projetada para funcionar como uma ‘máquina para habitar’, seria um protótipo de habitação social e da visão positivista, e um fragmento que seria replicável a grande escala, segundo os planos urbanísticos de Le Corbusier. No entanto, a utopia social idealizada para o futuro não correspondia à direção que a própria sociedade tomava e aquilo que aspirava a ser revolucionário tornou-se desajustado da realidade. A produção em massa de planos urbanos compostos por este tipo de construção pressupunha a abdicação da própria memória do lugar em prole da construção massiva de betão – algo que a sociedade não estava preparada. A vertente social que compunha a unidade habitacional foi também posta em causa e a padronização de um estilo de vida falhou. O espaço inferior, livre e fluído através de pilotis, contendo a sexta fachada do edifício, tornou-se num espaço sem utilidade, com os habitantes a usarem os espaços anexos para o estacionamento de viaturas. As células habitacionais, que refletiam as propostas sobre o Existenzminimum, ou seja, as questões sobre os requisitos mínimos de habitação, tornaram-se espacialmente insuficientes pela ambição da condição humana, e até o próprio mobiliário modernista, idealizado por Le Corbusier especificamente para aquele espaço foi preterido em favor

Fig. 55

de uma imagem tradicional, deslocada tanto no tempo como na envolvente espacial.

Fig. 56

Com o exemplo da Unité d’Habitation ficou patente que os valores funcionais e sociais que constituíam o racionalismo da arquitetura europeia demonstravam uma rejeição por parte dos usuários e um atraso em relação ao que se produzia noutros continentes, ou seja, um deslocamento temporal e conceptual. No que diz respeito à estagnação do vocabulário arquitetónico e à crise do racionalismo, Stirling referiu-se ao tema como sendo um problema sintomático da arquitetura europeia, uma vez que o funcionalismo permanecia como metodologia humanista de projetação para um uso específico, enquanto que nos EUA já se teria evoluído para a adaptação de produtos e processos industriais ao próprio edifício, alargando a possibilidade de respostas e aumentando o grau de complexidade compositiva. 56 56

James Stirling, The Architectural Review, vol 119, apud Charles Jencks e Karl Kropf, op. cit., p. 16.


100

crise tipol贸gica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 57 - Chapelle Notre-Dame-du-Haut (1955), de Le Corbusier, em Ronchamp.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

101

Na sua análise, Stirling ressalta a importância da última fase da obra de Le Corbusier, recorrendo à capela de Ronchamp como o edifício mais plástico erguido sob a égide do modernismo, impulsionador de novos rumos da arquitetura e, consequentemente, a crise racionalista, ainda que esta, na obra corbusiana, possa ser interpretada erradamente.

57

O abandono da crença funcionalista não afirmava uma resposta clara, mas as premissas demonstravam algo mais: “With the loss of direction in modern painting, European architects have been looking to popular art and folk architecture, mainly of an indigenous character, from which to extend their vocabulary. (...) If folk architecture is to re-vitalise the movement, it will first be necessary to determinate what it is that is modern in modern architecture. The scattered openings on the chapel walls may recall de Stijl but a similiar expression is also commonplace in the farm buildings of Provence...”58

No entanto, poder-se-ia afirmar que se verifica um princípio de recusa da racionalidade por parte de Le Corbusier nos seus últimos projetos, em prole da não racionalidade e do retorno historicista? Não negando o historicismo inevitavelmente recuperado pelo retorno vernacular, através da imagem pitoresca, a ideia da não racionalidade em Le Corbusier poderá não corresponder à realidade. Na verdade, poderíamos estar perante a evolução do léxico tipológico moderno, através da apreensão dos conceitos modernistas, evoluindo para um novo estado, ainda que se baseasse na recuperação de valores já conquistados anteriormente e aplicados sobre a forma de subversão de elementos. A ideia foi reforçada por Stirling e, mais uma vez na história da arquitetura, poderia constatar-se a espiral existente na evolução dos estilos arquitetónicos: “The desire to deride the schematic basis of modern architecture and the ability to turn a design upside down and make it architecture are symptomatic of a state when the vocabular is not being extended, and parallel can be drawn with the Mannerist period of Renaissance. Certainly, the forms which have developed from the rationale and the initial ideology of the modern movement are being mannerized and changed into a conscious imperfectionism...” 59 57

Ibidem. Ibidem. 59 Ibidem. 58

Fig. 57


102

crise tipolĂłgica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 58 - Lafayette Towes (1963), de Mies van der Rohe, em Detroit, ilustram a simplificação da fachada, composta por uma cortina de vidro, aplicada a diversas tipologias.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

103

O que será legítimo afirmar, tendo em conta a análise sintética do percurso de Le Corbusier, é a existência de um binómio de significados adquiridos através do diálogo histórico e da revolução conceptual. No entanto, continuará por apurar a base da aceitação lógica desse binómio, ficando presente “a dissolução da função tradicional

da história, do objecto artístico, do próprio conceito de arte, realizando, a partir de bases radicalmente novas, a recuperação dos valores da memória, da história, do indefinido.” 60 As analogias com o passado que deram o mote para a viragem da arquitetura estariam longe de terminar e os exemplos multiplicam-se indefinidamente com as investigações dos grandes mestres modernistas a servirem como exemplo. Mies van der Rohe constituíu um deles, tendo o seu trabalho sido bastante valorizado, mas igualmente criticado por ter conduzido à simplificação redutora da arquitetura positivista. Mies van der Rohe acreditava na força da sua arquitetura, pois tinha a convicção de que ela era verdadeiramente pura, sem ‘mentiras’ nem artifícios, podendo ser estudada e reproduzida enquanto modelo genérico, afirmando um novo estilo e resolvendo muitas das questões que lhe eram contemporâneas. É possível encontrar um paralelismo entre esta convicção recuando aos fundamentos da arquitetura neoclássica, quando a razão levou a que os projetos arquitetónicos retomassem o modelo genérico classicista, por este ser racionalmente apreendido e possibilitar uma reprodução rápida e globalmente eficaz. Philip Johnson, que havia colaborado com Mies em alguns projetos, incluindo o

Seagram building, não considerava que tal convicção fosse completamente positiva. Para Johnson, Mies havia executado um trabalho meticuloso na simplificação arquitetónica, mas ao tornar-se disciplina académica da arquitetura, constituíu um grande entrave à proliferação de outros sistemas. Johnson refere que o mais importante para algumas gerações de arquitetos era saberem projetar ‘à Mies’, o que, de certa forma, conduziu à limitação conceptual da arquitetura moderna. 61 Analisando a questão, é possível encontrar precedentes históricos na arquitetura de Mies que possibilitem a analogia do nosso estudo, nomeadamente no racionalismo clássico já abordado e na concepção estrutural que provém do gótico. 60 61

Kenneth Frampton, op. cit., p. 278. David Richardson, The Shock of the New - Trouble in Utopia.

Fig. 58


104

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 59 - Propostas de Mies van der Rohe para torres de escritórios, em vidro, para Friedrichstrasse, em Berlim. As propostas traduziam a procura da verticalidade típica do período Gótico.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

105

Um dos principais objetivos da evolução da arquitetura românica para o estilo gótico prendia-se com a otimização espacial para o culto, através da reformulação da estrutura do edifício. A ação de suporte dos tetos abobadados, levada a cabo por paredes grossas e maciças, passou a ser exercida pelos contrafortes exteriores, ampliando o espaço interior. À medida que o sistema construtivo foi evoluindo, as paredes exteriores foram-se desmaterializando por já não serem necessárias, dando lugar aos enormes vitrais que preenchiam os vazios, até que estes dominaram por completo a superfície da parede gótica que passou a ser constituída por janelas e contrafortes, tendo o próprio pilar adquirido uma nova dimensão estética. 62

Fig. 59

Desta forma, é possível constatar que a arquitetura moderna procurava consumar o sonho gótico, tendo a evolução tecnológica permitido explorar a relação entre o espaço interior e exterior, convertendo os vitrais góticos em finas paredes de vidro.

63

Isto

permitiu também uma nova organização do espaço interior, que passou a ser dotado de maior liberdade de manipulação com base na fluidez da planta livre. As premissas partiam, na maior parte das vezes, da necessidade de responder a novas questões sociais relativamente à construção, aliando o desenvolvimento de sistemas construtivos que permitissem alcançar maior versatilidade, com o mínimo de custos. Ao mesmo tempo, a visão positivista conferia um novo caráter formal à construção moderna. O nível de exigência do arquiteto perante o comportamento de um edifício especificamente construído para desempenhar uma função havia evoluído, sendo necessário atuar com grande precisão. O racionalismo e o funcionalismo eram as palavras de ordem, levando o arquiteto a formular a máxima ‘less is more’, com a qual triunfaria o modernismo. Este foi o paradigma marcante da arquitetura de Mies, cuja obra se desdobrou em duas fases: a primeira caraterizada por um esquema tipicamente suprematista, de planta livre e de uma assimetria informal, e a segunda, num estado mais evoluído e influenciado por questões políticas, caraterizada por uma monumentalidade neoclassicista e simétrica, através de um método construtivo bastante racional. Kenneth Frampton, ao caraterizar a evolução da obra de Mies, referencia os aspetos historicistas presentes: 62 63

R. Furneux Jordan, História da Arquitectura do Ocidente, p. 129. Bruno Zevi, Saber Ver a Arquitetura, p. 121.


106

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 60 - Pavilhão alemão (1929), de Mies van der Rohe, para a exposição internacional de Barcelona, assente numa composição suprematista. Fig. 61 - Crown Hall, IIT (1962), de Mies van der Rohe, em Chicago, onde sobressai a simetria clássica influenciada pelos projetos de Schinkel.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

107

“A evolução de Mies van der Rohe depois de meados de 1930 esteve ligada à conciliação de dois sistemas antagônicos. Um deles foi a herança do Classicismo Romântico que, ao ser traduzido para a estrtura de aço, apontou para a desmaterialização da arquitetura, para a conversão da forma construída em planos mutáveis suspensos num espaço diáfano – a imagem do Suprematismo. O outro foi

Fig. 60

a autoridade da arquitetura travejada (e não com arcos), do modo como fora herdada do mundo antigo, os elementos implacáveis do telhado, da viga, da coluna e da parede. Apanhado, por assim dizer, entre o “espaço” e a “estrutura”, Mies procurou constantemente expressar ao mesmo tempo a transparência e a corporalidade.” 64

No entanto, a obra de Mies foi também marcada pela crítica, com autores posteriores a apontarem algumas fragilidades que contribuíram para a crise tipológica da arquitetura e, numa fase seguinte, para o retorno consagrado do historicismo. A realização técnica exacerbada empregue por Mies nas suas obras constituía uma dualidade interpretativa. Segundo Charles Jencks: “O problema de Mies van der Rohe, tanto para os críticos como para os habitantes da sua arquitectura, é que ela exige uma adesão absoluta à visão platónica do mundo para que possam apreciar seus edifícios. Sem esta adesão, os erros técnicos e funcionais que Mies cria são tão danosos que não será possível aceitar a forma platónica como sendo «perfeita», «ideal» ou mesmo «plausível».” 65

As palavras de Jencks, apesar de constituírem uma dura crítica à investigação arquitetónica de Mies, são o eco de observações constatadas por outros arquitetos que concordaram com o facto de que na visão positivista não havia lugar para o mínimo imprevisto, caso contrário, toda a harmonia seria inatingível. Um dos fatores que mais influenciou a viragem do rumo da arquitetura na segunda metade do século XX foi a obra teórica produzida por Robert Venturi Complexidade e

Contradição em Arquitetura, publicada em 1966, devidamente fundamentada com a sua obra construída, e que se tornou no manifesto de arquitetura mais importante desde Vers

une Architecture, de Le Corbusier, publicado em 1923. 64 65

Kenneth Frampton, op. cit., p. 283. Charles Jencks, Movimentos Modernos em Arquitectura, p. 91.

Fig. 61


108

crise tipol贸gica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 62 - Lafayette Park (1963), de Mies van der Rohe. As aberturas das casas de banho e as antenas de televis茫o perturbam a volumetria purista e minimalista a que se deve aderir para admirar a obra do arquiteto.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

109

Rafael Moneo caracteriza a obra da seguinte forma: “Complexidade e contradição é, em primeiro lugar, um discurso contra a tirania ideológica da arquitetura moderna. A realidade, a arquitetura, não é simples. Não pode ser submetida a normas linguísticas estabelecidas pela ortodoxia. A condição gregária dos seus colegas, dispostos a admitir que, de uma vez por todas, tinham explorado todos os meios de expressão da arquitetura, faz Venturi sublevar-se. E irado, ergue-se contra os defensores de uma ortodoxia que fazia do “less is more” miesiano o seu estandarte.”66

A obra de Venturi classifica a simplificação miesiana, contagiosa a vários arquitetos, como vimos nas palavras de Philip Johnson, como um problema grave, uma vez que, para ela ser possível, os seus autores teriam que ignorar uma série de questões fundamentais relativamente aos seus projetos. Venturi inicia a obra citando Paul Rudolph: “Nunca será possível resolver todos os problemas. (...) Na verdade, é uma característica do século XX que os arquitetos sejam altamente seletivos na determinação de quais problemas querem resolver. Mies, por exemplo, realiza edifícios maravilhosos simplesmente porque ignora muitos aspectos de um edifício. Se ele resolvesse mais problemas, seus edifícios seriam muitíssimo menos potentes.”67

As citações apresentadas representavam o estado em que a arquitetura se encontrava, uma vez que, tanto os arquitetos, como os que encomendavam os seus serviços, tinham aceite o movimento Moderno como irreversível e se haviam conformado com a vulgarização e estandardização do seu vocabulário. O que Venturi introduziu foi um exercício de análise e reflexão pessoal, uma vez que o autor encarava o movimento Moderno como estando subordinado à simplificação redutora. Sem que o leitor tivesse que se comprometer com as suas ideias a priori, Venturi propunha-se formular um conjunto de aplicações práticas baseadas na complexidade, na ambiguidade e na tensão, recorrendo a imagens exemplificadoras e citações para sustentar os seus pontos de vista, deixando aos recetores a livre assimilação dos mesmos. Rafael Moneo, Inquietação Teórica e Estratégica Projetual, pp. 52 e 53. Paul Rudolph, Perspecta no.7, The Yale Architectural Journal, apud Robert Venturi, Complexidade e Contradição em Arquitetura, p. 4. 66 67

Fig. 62


110

crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 63 - Chestnut Hill house (1965), de Robert Venturi, na Pensilvânia. A fachada readquire e exprime a importância da separação do domínio público e privado, recuperando a consciência social perdida com o movimento Moderno.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

111

“Os arquitetos já não se podem deixar intimidar pela linguagem puritanamente moralista da arquitetura moderna ortodoxa. Gosto mais dos elementos híbridos do que dos “puros”, mais dos que são fruto de acomodações do que dos “limpos”, distorcidos em vez dos “diretos”, ambíguos em vez de “articulados”, perversos tanto quanto impessoais, enfadonhos tanto quanto “interessantes”, mais dos convencionais do que dos “inventados”, acomodatícios em vez de excludentes, redundantes em vez de simples, tanto vestigiais quanto inovadores, inconsistentes e equívocos em vez de diretos e claros. Sou mais favorável à vitalidade desordenada do que à unidade óbvia. Incluo o non sequitur e proclamo a dualidade. Sou mais pela riqueza de significado do que pela clareza de significado; pela função implícita, tanto quanto pela função explícita. Prefiro “tanto... como” a “ou... ou”, preto e branco, e às vezes cinza, a ou preto ou branco. Uma arquitetura válida evoca muitos níveis de significado e combinações de enfoques: o espaço arquitetônico e seus elementos tornam-se legíveis e viáveis de muitas maneiras ao mesmo tempo. Mas uma arquitetura de complexidade e contradição tem uma obrigação especial em relação ao todo: sua verdade deve estar em sua totalidade ou em suas implicações de totalidade. Deve consubstanciar a difícil unidade de inclusão, em vez da fácil unidade de exclusão. Mais não é menos.” 68

Com a presente citação, Venturi captou a atenção dos círculos arquitetónicos e deu o mote para um novo início da idealização da arquitetura, com conceitos renovados mas inclusivos, por oposição às normas exclusivas e restritas do movimento Moderno, metodologia que fez questão de traduzir na sua obra. Contrariamente à conceção do espaço modernista, onde o interior correspondia à extensão do exterior, Venturi marcava a diferença no elemento que dividia os dois espaços, ou seja, o plano, separando o lado urbano do lugar intimista, resultando na dualidade ambígua que defendia na sua posição. A grande diferença residia na oposição criada face à padronização da sociedade moderna positivista que Venturi desacreditava, defendendo a pluralidade social. 68

Robert Venturi, op. cit, pp. 1 e 2.

Fig. 63


112

crise tipol贸gica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 64 - Farnsworth house (1946-50), de Mies van der Rohe, em Illinois. Fig. 65 - Glass house (1949), de Philip Johnson, em Connecticut.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

113

A complexidade, a contradição, a riqueza de significados e a ambiguidade da experiência moderna defendidas no manifesto de Venturi encontraram em Philip Johnson um intérprete bastante ativo e, talvez, o auge das analogias arquitetónicas. Johnson revelou uma enorme capacidade de observação e de aprendizagem dos estilos arquitetónicos e o seu trajeto, tanto enquanto curador como arquiteto, foi o reflexo da aceitação e reinterpretação dos valores da história como fazendo parte da idealização projetual e revelava a facilidade com que o arquiteto captava e caracterizava o epírito do momento – o zeitgeist. Ao interpretar as exigências da audiência sofisticada emergente e a necessidade de uma viragem conceptual da arquitetura, Johnson fez valer a sua bagagem cultural, influenciada pelo seu diversificado trajeto, de forma explicitamente crítica. O espaço criado por Johnson, nas suas primeiras obras, resultavam da reinterpretação do espaço

miesiano conjugado com a ambiguidade conceptual defendida por Venturi, originando a inversão das características modernistas. Partilhando alguns princípios semelhantes aos de Kahn, a armação estrutural deixara de representar o expoente máximo da estética para voltar a passar os testemunho aos restantes elementos constituintes da construção, geradores de composições análogas e materialidades expressivas, como pavimentos, tetos e paredes. A inversão originada seria suficiente para abalar os princípios modernistas e para conferir uma nova singularidade na composição espacial, uma vez que a materialidade da superfície traduzia uma sensibilidade renovada que não passava despercebida e materializava as alusões historicistas tão reclamadas pela sociedade emergente. Através da reinterpretação do espaço miesiano, Johnson projetou a sua Glass

house (1949), poucos anos depois da conclusão da Farnswaorth house de Mies, expondo criticamente a sua posição em relação ao movimento moderno na sua vertente idealista. A

Fig. 64

Glass house, composta por um retângulo com finas paredes de vidro e estrutura miesiana, assentava num pavimento expressivo, sobre um jardim cuidado, com um elemento cilíndrico no seu interior destinado à lareira e à casa de banho, que representava um manifesto contra a impessoalidade da visão positivista.

Fig. 65


114

crise tipol贸gica e o combate ao anti-historicismo

Fig. 66 - Wiley house (1952), de Philip Johnson, em Connecticut. Fig. 67 - AT&T building (1984), de Philip Johnson, em Nova Iorque. Fig. 68 - PPG Place (1984), de Philip Johnson, na Pensilv芒nia.


crise tipológica e o combate ao anti-historicismo

115

Philip Johnson havia projetado a casa para si, numa combinação harmoniosa entre a sua vontade enquando morador e a imposição espacial, resultando no paradoxo da casa intimista, apesar de toda a sua exposição. A casa não deixava de ser um produto do racionalismo neoclássico, mas acrescia a condição da singularidade humana, assim como aconteceu noutros projetos seus, como a Wiley house e a Boissonas house que traduziam a conjugação entre a sua cultura miesiana e o gosto pelas alusões historicistas, tendo o arquiteto esclarecido que: “Mies era um génio extraordinário! Mas eu estou envelhecendo! E cada vez me aborreço mais! E a minha tradição é clara: tradição eclética. Isto não é um revivalismo académico. Não há ordens clássicas nem remates góticos. Tento é agarrar o que me agrada em toda a história. História é qualquer coisa que não podemos desconhecer.”69

A ambígua riqueza de significados em Philip Johnson permitiu ao arquiteto expressar-se livremente dentro dos estilos arquitetónicos com que sentia afinidade, com analogias clássicas, góticas, modernas e estadistas, e batizado estilos como o International

Style modernista e o futuro Desconstrutivismo. A expressão da arquitetura na segunda metado do séc. XX havia procurado novos rumos através da reinterpretação dos antigos modelos, incorporando a estética moderna. A procura de uma nova monumentalidade conduziu a uma dualidade de características, onde a simplificação redutora e a renúncia à história em prole da experiência formal do presente deram lugar à conjugação da vontade de afirmar uma imagem contemporânea com figurações históricas abundantes de significados expressivos. O movimento Moderno revelou-se ineficaz na transformação social e no desenvolvimento urbano que almejava na sua vertente utópica, tendo dado lugar à reação que incrementou uma morfologia urbana que distinguia o contextualismo e o léxico arquitetónico fundamentado na analogia histórica. Assim como o Renascimento gerou o Maneirismo, o movimento Moderno deu lugar ao Pós-modernismo. 69

Philip Johnson apud Charles Jencks, op. cit, p. 190.

Fig. 66 - 68



117

Capítulo III Reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada


118

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 69 - Exposição Dadaísta (1920), em Berlim.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

119

3.1. A metodologia historicista O binómio arquitetura / história, e a sua emergente instrumentalização, adquiriu um novo caráter após a superação do período modernista e da sua consequente crise, possibilitando, com o devido distanciamento temporal, tirar ilações sobre metodologias de atuação em momentos de perturbação conceptual. Apesar da constante intermitência do papel do historicismo na conceção artística e arquitetónica, é possível constatar as suas diferentes fases desde a individualização e emancipação do Homem enquanto agente interventivo na sociedade e na cultura. Sinteticamente, enquanto que, no período renascentista, as construções pertencentes a tempos idos eram vistas como modelos genéricos de uma linguagem universal e contínua, sem expressão enquanto valores históricos, na segunda metade do séc. XVIII, tomado pela metodologia racionalista, as precedências históricas eram motivo de estudo académico. A conjugação entre o estudo das precedências históricas e a forma como eram encaradas enquanto modelos de projetação na arquitetura contemporânea conduziu aos diferentes fenómenos de revivalismo, que ocorreram ao longo dos tempos, instrumentalizando a história numa metodologia de valores ecléticos. A reação contestatária por parte dos artistas e arquitetos do fim do séc. XIX surgiu com o intuito de superar o conformismo histórico dos movimentos ecléticos, clamando por uma nova objetividade e originalidade dos seus conceitos e produções. A ação levada avante pelos artistas e arquitetos modernos, independentemente da maior ou menor expressão e radicalismo, insere-se no paradigma resultante de um modo de atuação reacionária presente no campo historiográfico onde a contestação de um movimento em voga conduz a um contrastante, por vezes radicado em períodos históricos mais ou menos distanciados temporalmente. A recusa da metodologia eclética por parte das vanguardas do movimento Moderno reivindicou a independência da projetação, usando-a, juntamente com a libertação de investigações historicistas concretas para a afirmação de um novo estilo, caracterizado pela originalidade e objetividade conceptual, numa forma de expressão assente na era industrial, opondo-se à metodologia tradicional.

Fig. 69


120

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

O aparecimento das vanguardas artísticas no início do séc. XX marcou deliberadamente a cisão entre história e arquitetura na investigação moderna, resultando nas variadas experiências que hoje temos a possibilidade de avaliar e julgar com base no que foi consumado e não apenas idealizado. O movimento Moderno na sua aceção radicalista e, paradoxalmente, na sua afirmação histórica através da supressão de todo o tipo de historicismo, promoveu uma revisão conceptual que permitiu alcançar novas formas de conhecimento que, doutra forma, não seriam possíveis. Sobre a revisão levada a cabo pelo movimento Moderno, Vittorio Gregotti explica: “Esta revisão parece confirmar-se pela atenção que a antropologia, a linguística e a arte dedicam (através dos estudos sobre os aspectos míticos dos diversos modelos de cultura e, em particular, dos modelos culturais dos povos primitivos) a condições de quase suspensão do próprio tempo histórico. A pesquisa histórica parece dirigir-se à construção de modelos de interpretação da história concebida como uma série de configurações sucessivas, descontínuas e que nós conscientemente colocamos em diferentes níveis de valor.” 70

A revisão sintomática da interrupção objetiva da relação entre a metodologia projetual da arquitetura e a instrumentalização historicista permitiu o distanciamento com as obras históricas, de forma a poder encará-las dentro do seu verdadeiro valor temporal e retirar-lhes apenas os elementos fundamentais para as conceções contemporâneas, sem a tentação de cair nos pastiches recorrentes. As gerações que contestaram e sucederam ao movimento Moderno tiveram a oportunidade de se abstrair do que havia sido feito anteriormente e de absorver os seus valores mediante objetivos diferenciados. A abstração perante um movimento precedente e a absorção dos seus conceitos, mediante o ponto de vista da instrumentalização da história, permitiu aos arquitetos, por um lado, enriquecer o seu léxico mediante as condições análogas ou paradoxais com a restante conjuntura que englobava o movimento anterior, ou, por outro lado, a recuperação de um estilo passado, numa metodologia eclética, transpondo para a contemporaneidade o revivalismo de uma corrente estilística. 71 70 71

Vittorio Gregotti, Território da Arquitetura, p. 143. Leonardo Benevolo, A Cidade e o Arquiteto, p. 118.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Na ideia que agora apresentamos residem as questões fulcrais que, por vezes, dificultam e limitam os processos de transição entre movimentos, não só arquitetónicos, mas artísticos em geral, que se prendem com a dúvida metódica, decompondo um problema à imagem do processo racionalista. No caso concreto da transição do movimento Moderno para o Pós-moderno, Tafuri identificou alguns pontos que assolaram os arquitetos e que poderão servir de analogia para outras situações paradigmáticas no domínio artístico: “A tradição do movimento moderno, que constantemente coloca trágicas questões a si mesma; a insegurança em que mergulha a mesma tradição do novo revelada pela necessidade de investigar num «espesso estrato» de coisas históricas; as frustrações que essa exploração descontínua provoca em quem descobre por seu intermédio a fragilidade do presente; a quase-suspensão do tempo histórico como absurdo resultado de uma sincera vontade de confirmação histórica.” 72

Os pontos enunciados por Tafuri são representativos da relutância apresentada face ao desconhecido, ainda que este possa resultar em alguma forma de revivalismo, mas sobretudo, o estigma da resistência à mudança por parte da condição humana. O que acontece acaba por ser um paradoxo, pois perante um período de produção conturbada existe a necessidade de reagir, mas, ao mesmo tempo, não deixam de se colocar algumas reservas a essa mudança. No entanto, a base consciente para a progressão poderá refugiar-se no conhecimento e instrumentalização da história, inserindo-a no processo de projetação em determinados momentos, sem que esta assuma por completo as rédeas da formalização do objeto artístico ou arquitetónico. A este respeito e em jeito de diálogo respondendo aos pontos enunciados por Tafuri, Gregotti preconizou o que poderia constituir uma solução: “Esta tarefa na qual história e projetação se confundem poderia ser definida como a busca da essência da arquitetura, busca que nunca culmina na descoberta do em-si do objeto, mas na confirmação de seu estar (para nós) em transformação numa determinada direção. Em certo sentido, podemos descobrir esta essência, se concebemos a própria história como projeto.” 73 72 73

Manfredo Tafuri, Teorias e História da Arquitectura, pp. 89 e 90. Vittorio Gregotti, op. cit., pp. 143 e 144.

121


122

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

A essência da arquitetura à qual Gregotti se refere traduz-se na simples utilização da história enquanto matéria-prima projetual, onde a mínima referência deve ser um ato frequente, na medida em que uma breve consulta ao longo do processo de conceção poderá contribuir positivamente para a obtenção de um produto final. Na história, poderemos identificar diferentes tradições que vigoraram em diferentes conjunturas, mas que poderão ter alguma analogia com o que se perspetiva para determinado projeto, num dado momento, enriquecendo-o com um testemunho histórico. A arquitetura, na sua essência, é o resultado de um produto humano, cujo objetivo principal visa a integração do objeto arquitetónico não só no meio físico, mas também no meio temporal e, como tal, é necessário compreender de onde provém o conhecimento que permite agir em determinadas circunstâncias. Ora, o conhecimento que nos permite tomar decisões enquanto pensadores de arquitetura provém do conhecimento empírico, limitado à nossa experiência, e do estudo dos factos históricos. O que ambos têm em comum é que, uma vez adquiridos, convergem na esfera de conhecimento que nos permite analisar cada situação como elemento singular dentro de uma grande estrutura histórica decomposta. Enquanto humanos com uma condição terrena limitada, a atuação do arquiteto cinge-se a um curto espaço de tempo – o presente – que se mostra demasiado curto para uma aplicação fundamentada da prática projetual. Como tal, vê-se perante uma cronologia de acontecimentos que conduzem a um presente – o nosso tempo – que o arquiteto pode absorver para melhor compreender os seus fundamentos e orientar a sua experiência num sentido concreto, desenvolvendo a sensibilidade face a algumas situações históricas da arquitetura, mediante os meios disponíveis e os seus objetivos. Uma vez tendo desenvolvido tal sensibilidade, o arquiteto automaticamente fará, com maior ou menor relutância, escolhas sobre determinada tradição histórica com que, em determinadas circunstâncias, sente maior afinidade, possibilitando-lhe a seleção e a manipulação de elementos formais. Esta afinidade tem a sua base em motivações pessoais e é determinante na formalização do objeto arquitetónico.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

A demonstração formal de uma afinidade perante determinados conceitos históricos conduz-nos a uma questão pertinente levantada por Christian Norberg-Schulz que poderia rebater diversos manifestos de revivalismo: “Para fundamentar mejor las preguntas sobre los fines y los efectos de la arquitectura, es necesario perguntarse si deben relacionarse formas específicas con funciones específicas. Por qué un edificio de determinado período tiene una forma determinada? Este es el principal problema de la Historia y de la Teoria de la Arquitectura. No pretendemos que el estudio de la historia conduzca a un nuevo historicismo basado en la copia de las formas del pasado. La información que la historia nos proporciona debería ilustrar, sobre todo, las relaciones entre problemas y soluciones, y ofrecer así una base empírica para trabajos posteriores.” 74

A questão levantada por Norberg-Schulz poderia ramificar-se em diversas direções relacionadas com a morfologia arquitetónica, mas para o nosso estudo o que é determinante é entender que o que se pretende com a instrumentalização da história em arquitetura é a evolução conceptual face aos problemas apresentados pelo quotidiano e não o revivalismo da forma histórica por qualquer motivo específico. O que se torna fundamental no processo de instrumentalização da história é a consciencialização do tempo presente, pois este determinará criticamente quais as crenças que poderão intervir no futuro, com base nos ensinamentos da história passada. Concluído este passo, inicia-se a construção de um metodologia estrutural assente em fundamentos históricos. A metodologia em questão, onde história e projetação convergem, visa projetar a primeira em direção ao futuro, transformando o paradoxo temporal em analogia harmoniosa, sendo proveitoso compreender os processos de tranformação e os fundamentos que compõem a contemporaneidade, com o objetivo de encontrar os pontos de flexão da estrutura a consolidar. Neste processo, não se dispensa o método racionalista da divisão de um problema em partes diferenciadas, pois é necessário decompor a estrutura histórica de modo a poder estudar aprofundadamente os seus problemas e virtudes. 74

Christian Norberg-Schulz, Intenciones en Arquitectura, p. 16.

123


124

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Esta metodologia, uma vez alcançada, não permanece intacta, pois a sua atualização permanente será uma necessidade, o que será feito empiricamente e de forma cíclica, consoante as necessidades e exigências contemporâneas. A junção entre história e teoria como pilar operativo do projeto não deve encerrar em si valores que apenas dependam dessa condição para se afirmar, espacial ou temporalmente, devendo a sua conceção ser abastada conceptualmente, munindo-se de elementos que defendam a sua sustentabilidade face à crítica, uma vez que o universo projetual não se resume aos elementos em estudo. A construção de uma metodologia estrutural implica a existência de abstração relativamente à forma final, uma vez que é durante o processo que esta atua, limitada ao âmbito em que se insere. É impreterível compreender que a construção de uma metodologia crítica historicista não tem o objetivo de funcionar como modelo aplicável a qualquer situação, pois cada caso é singular e a sua aplicação deve ser partilhada com um fator extremamente importante – o ‘bom senso’. O importante é a ideia de que a arquitetura é a forma do arquiteto comunicar com o mundo na construção de uma memória coletiva e, estando confinado a uma comunicação de grande responsabilidade, o seu interesse pelos problemas quotidianos, associados a um tempo presente, podem encontrar soluções na recuperação filológica dos códigos de leitura do passado, sem ter que recorrer à sua falsificação. As relações extraídas da estrutura historicista tornar-se-ão autónomas, pois a história não é diretamente aplicável a um contexto. Uma vez projetadas no futuro incerto, ficam à mercê de si mesmas, suscetíveis de fracassarem, mas perdurando enquanto experiências históricas, contribuindo para a ampliação do ciclo da teoria arquitetónica. A metodologia historicista oferece uma variedade indefinível de soluções, uma vez que o seu processo é individualizado conforme o seu autor e apenas partilha a mesma limitação complexa: “(...) a história se apresenta como curioso instrumento, cujo conhecimento parece indispensável mas, uma vez adquirido, não é diretamente utilizável; uma espécie de corredor através do qual é necessário passar para chegar, mas que não nos ensina nada acerca da arte de caminhar.” 75 75

Vittorio Gregotti, op. cit., p. 139.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Foi, precisamente, o ‘corredor da história’, da metáfora de Gregotti, que o movimento Moderno tentou suprimir, acreditando que seria possível habituar a sociedade a desfazer-se inesperadamente dos valores da tradição, subvertendo a ordem existente. O tempo presente deveria ter capacidade para reunir as condições necessárias para atingir novas dimensões na produção artística e arquitetónica sem ser necessário olhar diretamente para trás, acreditando que a simplificação redutora da morfologia ao estado puro, vazio e disponível seria suficiente para envolver o espectador. Angelo Guglielmi levou o experimentalismo mais longe e afirma que: “Desde que o mundo é mundo o homem realizou-se na história, e nela encontrou o significado das suas acções e da sua vida. Entre a sua vida e a história existia uma relação directa e para ele lutar pela vida significava lutar pela história. Ser significava ser na história... Tudo isto acabou. Hoje a história já não compensa. É certo que continua a ser o homem a construir a história, a emprestar-lhe os seus gestos. Todavia, a história agora nada lhe restitui... A história agora é um valor perdido. Já não é um significado, mas apenas um acontecimento. (...) A linha visceral da cultura contemporânea é a-ideológica, não empenhada, a-histórica; não contém mensagens, nem produz significados de carácter geral... O seu objetivo é recuperar o real na sua totalidade: o que pode fazer subtraindo-o à história, descobrindo-o na sua acepção mais neutra, na sua versão mais imparcial, no grau zero.” 76

Como demonstrámos em exemplos anteriores, o desfasamento desta ideologia iniciou-se precisamente através das suas incongruências internas, com muitas das principais investigações e conceções arquitetónicas da segunda metade do séc. XX a reagirem, aprofundando propositadamente as contradições que marcaram o movimento precedente. Assim como o experimentalismo em tempos anteriores – como sucedeu no Maneirismo e no Iluminismo – resultou da revisão do movimentos precedentes, também o Pós-modernismo atuou da mesma forma face ao movimento Moderno, encarando a história como componente interdisciplinar da projetação, prolongando os seus critérios e instrumentos na nova história. 76

Angelo Guglielmi, Avanguardia e sperimentalismo, apud Manfredo Tafuri, op. cit., pp. 104 e 105.

125


126

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 70 - Pousada de Santa Maria do Bouro (1989-97), em Amares, intervencionada por Eduardo Souto de Moura.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

127

3.2. Um exemplo contemporâneao Ao longo da dissertação, foram expostos variados exemplos de projetos arquitetónicos, executados ou apenas idealizados, que nos permitiram estabelecer paralelismos com situações análogas com o intuito de melhor esclarecer as teorias apresentadas. Na generalidade, os exemplos situavam-se devidamente localizados no tempo histórico que se pretendia estudar e em contextos determinantes para a evolução da teoria arquitetónica. No entanto, um objetivo paralelo ao apresentado, mas não menos importante, prende-se com o facto de estes contribuírem positivamente para o conhecimento empírico que consolidou a contemporaneidade, sensibilizando para a importância de uma metodologia interdisciplinar apoiada na história durante o processo de projetação. Para dar continuidade ao estudo da importância da instrumentalização do historicismo na arquitetura, proceder-se-á à análise de um exemplo contemporâneao, considerando o devido afastamento temporal com o movimento Moderno, com o intuito de melhor compreender o paralelismo entre a teoria e a metodologia historicista e o projeto de arquitetura. O critério de seleção do local do projeto deve-se à intenção de aproximar o estudo desenvolvido na presente dissertação do panorama nacional. Por fim, considerou-se pertinente que o projeto resultasse da dialética entre uma preexistência e uma função renovada, com o objetivo de analisar a forma como o arquiteto lidou com a imposição de uma memória coletiva externa ao programa, onde o contacto com a história é inevitável. A escolha da obra em análise recaiu sobre o projeto do arquiteto Eduardo Souto de Moura, para a recuperação e reconversão do mosteiro de Santa Maria do Bouro, em Amares, em pousada, iniciado em 1989, e concluído em 1997. O mosteiro que pertenceu à Ordem de Cister, cuja construção das primeiras dependências data do séc. XII, evocava os primórdios dos monges cistercienses, com uma monumentalidade sóbria e austera. O mosteiro era de grandes proporções, à época, pois os monges cistercienses viviam em clausura total e tinham necessariamente que ser autosuficientes, produzindo todos os bens necessários à sua sobrevivência e subsistência.

Fig. 70


128

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 71 e 72 - Estado de ruínas em que se encontrava o mosteiro da Ordem de Cister.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

129

A conceção do mosteiro traduz as primeiras manifestações dos princípios funcionalistas adequados ao utilizador, uma vez que todo o edifício terá sido projetado de acordo com as necessidades funcionais dos monges e a austeridade preconizada pela Ordem de Cister, que radicava a questão da construção com poucos recursos, constituindo esse aspeto uma condicionante da metodologia projetual. Como a generalidade dos edifícios religiosos medievais, o mosteiro foi alvo de sucessivas intervenções, sendo os seus limites expandidos no início do séc. XVIII e tendo sido introduzido alterações funcionais nos seus espaços, acompanhando as exigências postas pelo tempo. Uma vez extintas as ordens religiosas em Portugal, o tempo encarregou-se da decadência do edifício, chegando à contemporaneidade composto por uma mescla de espaços em ruína. Como ponto de partida para uma reflexão teórica, as palavras do arquiteto são fundamentais para a compreensão e interpretação dos seus conceitos enquanto metodologia radicada no historicismo: “O projecto tenta adaptar, ou melhor, servir-se das pedras disponíveis para construir um novo edifício. Trata-se de uma nova construção, onde intervêm depoimentos (uns já registados, outros a construir) e não da recuperação do edifício na sua forma original. Para o projecto as ruínas são mais importantes que o ‘mosteiro’, já que são material disponível, aberto, manipulável, tal como o edifício o foi durante a história. Não pretendemos com essa atitude construir uma excepção, procurando a originalidade do manifesto, mas sim cumprir uma regra de arquitectura quase sempre constante ao longo do tempo. Durante o projecto, o ‘desenho’ tentou encontrar a lucidez entre forma e programa. Perante duas hipóteses, optámos por recusar a consolidação pura e simples da ruína para uso contemplativo, apostando por injectar materiais, usos, formas e funções ‘entre les choses’, como dizia Corbusier. O ‘pitoresco’ é uma fatalidade que acontece e não por vontade de um programa.” 77 77

Eduardo Souto de Moura, apud AAVV, Santa Maria do Bouro, Eduardo Souto de Moura, p. 5.

Fig. 71 e 72


130

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 73 - Preservação da imagem de ruína após a intervenção.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

131

As palavras do arquiteto traduzem a importância que a ruína apresenta enquanto elemento condicionador e determinante da metodologia de projeto, revelando uma abstração relativamente ao caráter funcional da preexistência. Antes de comportar qualquer tipo de função, o conjunto representa massa construída, um grande espaço físico recetível à reinterpretação do seu valor e adaptação à contemporaneidade. A abstração poderá resultar do exercício mental de reduzir a formas puras toda a massa volumétrica a fim de apreender as suas relações físicas. Este será, porventura, o primeiro estágio da abordagem metodológica, que num primeiro momento poderá relegar a história para um segundo plano, apenas pela necessidade de apreender as potencialidades espaciais do volume. No entanto, a relegação da história é meramente temporária, fazendo parte de um processo decompositivo racional. Uma vez apreendida a morfologia do espaço presente, a história regressa para atribuir significados a todas as formas apresentadas, num ato de grande simbolismo, que permitirá qualificar as tipologias espaciais e iniciar a atribuição de funções às dependências que permanecem visíveis, ou mesmo, não visíveis. A partir deste momento, a dialética com a história torna-se um elemento aberto à manipulação interdisciplinar. Concluído o processo de abstração e apreensão das formas presentes, cada caso, e cada arquiteto, estará em condições de definir os estágios seguintes cuja ordem sucessiva de aplicação é impossível de definir. Falamos da forma, da função e da linguagem, cujas diferentes combinações, ordem de instrumentalização metodológica, submissão e até supressão, se transformam nos elementos definidores da imagem do arquiteto. No exemplo em análise, a maior parte das formas já se encontravam presentes no local e o programa funcional havia sido determinado previamente pelo cliente, cabendo ao arquiteto trabalhar a conciliação entre os dois elementos. Este processo engloba a dialética entre a distribuição do programa funcional pela massa volumétrica disponível e, uma vez que se trata de uma reconversão de usos, a simbologia da história atribuída previamente aos espaços desempenhou um papel determinante na metodologia do projeto, no que diz respeito à preservação da memória coletiva.

Fig. 73


132

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 74 - Esquisso de Souto de Moura, onde a proposta dialoga diretamente com a envolvente.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

133

A definição da linguagem é um processo que, no caso particular em análise, sucede à assimilação de todos os elementos referenciados, embora também faça parte da consolidação estrutural do edifício através do detalhe construtivo, algo em que Souto de Moura se revela magistral. Durante este processo, o arquiteto faz uso da convergência entre a experiência empírica adquirida e o estudo feito a partir dos levantamentos arqueológicos, confluindo em diferentes ponderações e na escolha de uma imagem préconcebida da abordagem a ter – o conceito – que determinará a identidade do novo edifício. A questão da linguagem foi colocada pelo próprio arquiteto nos seguintes termos: “Mas tinha que escolher uma imagem para o mosteiro: Românico? (...) Quando se identifica o edifício com um século específico, a restauração deverá ser feita tendo em vista essa poderosa identidade. Caso contrário, terei de escolher um século: para mim, a única possibilidade será o século XX. Tenho que construir um edifício próximo da cultura contemporânea e não faz sentido construí-lo seiscentos anos mais velho, o que é uma longevidade pouco significativa. (...) Isso fez-me sentir melhor e perder alguns complexos. Afinal de contas, não estou a restaurar um mosteiro, estou a construir uma pousada com as pedras de um mosteiro. Fiz um edifício moderno, como queria e com as pedras que estavam disponíveis.” 78

Reunidos estes pressupostos, Souto de Moura desenvolveu uma solução que dialoga diretamente com as transformações naturais a que um edifício está sujeito. Apesar de assumir uma postura interventiva, o projeto do arquiteto demonstra preocupação em conservar a narrativa natural da história e a identidade do lugar. Segundo o arquiteto, a abordagem a uma temática tão sensível comporta dois momentos na fase projetual: o primeiro revela a rigidez defensiva com que se encara a preexistência, suscetível a diferentes tipos de intervenções que geram sempre relutância, mas que transparecem o potencial que já mencionámos. Superado o primeiro momento, a confiança surge com o intuito de tomar decisões relativamente à intervenção sobre a preexistência, aceitando a mudança e a metodologia inclusiva, no que diz respeito à artificialidade empregue, que resultará na nova naturalidade, determinante para a sua sustentabilidade histórica. 79 78 79

Idem, apud AAVV, op. cit., pp. 45 e 46. Idem, apud AAVV, op. cit., p. 58.

Fig. 74


134

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 75 - Os vãos permanecem ‘buracos vazios’ na parede, enfatizando a preservação da ruína.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

135

Souto de Moura atua no sentido de preservar a imagem da ruína que se traduz nas intervenções feitas no edifício, mas o que aparenta ser uma atitude redutora, traduz-se, afinal, na simplificação exemplar de uma transformação segundo um novo código funcional e construtivo. O arquiteto usa a ruína como invólucro da sua intervenção e não se coíbe de aplicar materiais modernos, forçando a dialética compositiva entre o velho e o novo. No entanto, na procura da nova naturalidade, os elementos conjugam-se harmoniosamente e a dicotomia que daí poderia resultar deixa de ser um problema. O exterior preserva a imagem romântica da ruína, justificado, por exemplo, pela opção do arquiteto por não reconstruir o telhado, optando por uma cobertura verde e plana, como se a vegetação voltasse a cobrir as antigas pedras do mosteiro; as janelas não apresentam caixilharia visível, aparentando serem buracos vazios nas paredes; e a piscina que constituiria um elemento novo dentro da tipologia antiga, foi parcialmente colocada num segundo plano, rodeada por elementos naturais. Já no interior, a dicotomia entre a modernidade e as preexistências é superada pela naturalidade compositiva, ou seja, ela reside na afirmação dos novos materiais, mas ao mesmo tempo é inclusiva, sem que estes perturbem as preexistências, parecendo que fazem parte da evolução histórica, numa lógica de narrativa contínua. Importa realçar que, neste projeto, o arquiteto privilegia o princípio metamórfico da preexistência como expressão do historicismo. A atitude de Souto de Moura conduz-nos a uma dupla interpretação metodológica que nos permitirá evocar analogias com conceitos que abordámos anteriormente. Numa primeira instância, ao pretender preservar a imagem de ruína, o arquiteto evoca claramente os conceitos do romantismo ruskiano, mas, posteriormente, o seu exercício de consolidação estrutural do edifício traduz-se numa narrativa bastante mais próxima das teorias de intervenção racionalistas de Viollet-le-Duc. Este binómio metodológico, podendo ser lido como um paradoxo, é o resultado da experiência do arquiteto, em busca da metamorfose morfológica, e remete-nos para uma analogia feita através da interpretação dos conceitos apresentados por Robert Venturi em Complexidade e

Contradição em Arquitetura.

Fig. 75


136

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 76 - Hall de circulação interior onde os novos materiais se adaptam aos existentes, não deixando de afirmar a sua condição de modernidade.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

137

Ao observar a intervenção de Souto de Moura, constata-se que existem elementos que identificamos como sendo novos e elementos que reconhecemos como preexistências, mas existem também elementos, como por exemplo alguns pavimentos, que não distinguimos, numa analogia à premissa venturiana que privilegia o ‘tanto... como’ em vez do ‘ou... ou’. A questão dos pavimentos também foi importante na definição dos tetos, uma vez que a preexistência impossibilitava a criação de uma estereotomia uniforme, dada a existência dos arcos, das portas e das janelas. O arquiteto viu-se forçado a deslocar alguns desses elementos, embora a sua ação não seja percetível. O desenho estereotómico dos pavimentos e dos tetos parte de uma regra criada pela arquiteto que se adapta pontualmente à preexistência. A imposição do programa funcional exigia a instalação de elementos alheios à tipologia histórica, como por exemplo, o ar condicionado, que o arquiteto integrou recorrendo a artifícios de adaptação que os mantêm ocultos. Os novos volumes projetados pelo arquiteto não se regem por princípios de mimese, mas também não são percetíveis do exterior. Estas são apenas algumas ações tomadas pelo arquiteto que nos remetem mais uma vez para os princípios da ambiguidade, da complexidade e da contradição projetual defendidos por Venturi – onde o arquiteto recorre a diferentes metodologias para que a sua arquitetura seja inclusiva e participe ativamente na expressão do historicismo metamórfico. Consequentemente, Souto de Moura demonstra que é capaz de alcançar a ordem através da desordem e a naturalidade através da artificialidade. A analogia com os conceitos defendidos por Robert Venturi remete-nos para o período histórico de transição entre dois movimentos que se complementavam sucessivamente. A arquitetura de Souto de Moura no projeto da pousada pretende declaradamente reafirmar a expressão da história pela inclusão de soluções e, quando especificamos que procura a naturalidade através da artificialidade, esta premissa só se torna possível porque o arquiteto tem muita atenção aos detalhes construtivos, de modo a que estes não perturbem a leitura dos códigos linguísticos históricos. É através da atenção aos detalhes que a arquitetura de Souto de Moura revela a sua mestria, refletindo outra figura histórica na qual o arquiteto deposita as suas crenças – Mies van der Rohe.

Fig. 76


138

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 77 e 78 - Pormenor do caixilho da janela, invisível a partir do exterior e muito simplificado no interior.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

139

A inclusão dos vários sistemas construtivos e o princípio da metamorfose historicista só poderiam atingir a sua verdadeira essência perante a conjugação do binómio histórico arquitetura e técnica, de que a contemporaneidade se encarregou de acentuar o valor de acordo com a interpretação racionalista de August Choisy, segundo o qual a história da arquitetura seria o resultado da evolução tecnológica e da disponibilidade dos materiais, ou seja, a história da construção e da técnica. A faculdade que o arquiteto tem de usar a técnica divide-se em dois diferentes estados que se relacionam com a instrumentalização da mesma. A questão principal reside na quimera de que o Homem pode, ou não, dominar a técnica, revelando a sua verdadeira essência, ou trabalhando na procura da mesma, projetando sempre o ‘impossível’ na procura de novas soluções. Esta ideologia foi uma constante nas investigações de Mies van der Rohe, tendo o próprio afirmado nas suas reflexões teóricas que: “A tecnologia é muito mais que um método, é um mundo em si mesma... Mas só revela a sua verdadeira essência quando pode libertar-se, como acontece nas estruturas gigantescas de engenharia.” 80

A libertação da técnica na pousada de Amares revela a sua essência no diálogo alcançado entre os vários elementos históricos. Esta libertação é feita de forma silenciosa, inserida num longo processo, e resulta das constantes interpretações de Mies que refletem ‘o entendimento poético da tecnologia, que consiste no reconhecimento da sua natureza abstracta’. 81 O que realmente interessa na arquitetura de Souto de Moura, e não só no caso específico em análise, prende-se com a obtenção de formas, sistemas construtivos e mecanismos conceptuais próprios à resolução dos programas funcionais com que se depara, encontrando no movimento Moderno um precedente ideal para o início do seu processo metodológico. A linguagem racionalista de Mies permite-lhe uma maior adaptabilidade ao projeto, através das regras fornecidas e da linguagem abstrata, passíveis de serem reinterpretadas e transformadas de acordo com as exigências providenciadas pelas diferentes situações. 80 81

Mies van der Rohe apud AAVV, op cit, p. 15. Ibidem.

Fig. 77 e 78


140

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 79 - Pousada de Santa Marinha da Costa (1972-85), intervenção de Fernando Távora, em Guimarães. Constitui um exemplo de arquitetura moderna em Portugal, associado à intervenção em preexistência, tendo servido de referência a Souto de Moura e a outros arquitetos portugueses em projetos semelhantes.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

141

Recuperando a premissa de que a instrumentalização do historicismo provém da convergência contemporânea entre experiência empírica e estudo dos valores históricos, torna-se importante salientar que tanto a formação académica, profissional e pessoal, e o tempo presente em que estas ocorreram revelaram-se determinantes na modelação da expressão arquitetónica de Souto de Moura. Quando a arquitetura moderna chegou a Portugal, o seu academismo havia sofrido fortes contestações que enunciámos anteriormente e a sua expressão era bastante mais próxima de conceitos como a adaptação ao lugar e das conceções vernaculares, valores que sempre integraram a tradição portuguesa. Durante a formação do arquiteto, o panorama internacional debatia a falência dos valores modernistas, o que terá levado Souto de Moura a fazer uma triagem das suas referências arquitetónicas. Se a técnica é evocada em nome de Mies van der Rohe, a leitura e a continuidade do caráter histórico da arquitetura aproximam-no da ideologia de Aldo Rossi, na procura de arquétipos tipológicos. Ao fazê-lo, verifica-se a seleção pessoal que o estudo da arquitetura não pode negar: “Mesmo que a presença de Mies seja dominante, a postura de Souto de Moura é totalmente contrária em certos aspetos. Souto de Moura forma parte de uma cultura empírica e contextualista, que enfatiza os detalhes e aceita os condicionantes específicos de cada projeto e lugar como um dado positivo.” 82

No projeto para a pousada , Souto de Moura fez valer a sua pluralidade linguística, marcada pela tensão e pela contraposição de elementos, numa recuperação e adaptação de uma ruína que permanece aberta a diferentes leituras e interpretações, criando espaços ajustados aos mecanismos da história, ao mesmo tempo que exaltam a sua condição moderna. O exemplo apresentado e analisado afirma-se como um conjunto de valores de onde se destaca a sobriedade, numa intervenção que não cedeu à tentação do pastiche nem do conservacionismo. Por outro lado, Souto de Moura enfatiza o emprego de uma metodologia que contempla o historicismo em diferentes momentos – afirma-o perante a abundância de conceitos e referências históricas – e dá continuidade à memória coletiva na qual foi invocado a intervir. 82

Josep Maria Montaner, A Modernidade Superada / Arquitetura, arte e pensamento do século XX, p. 174.

Fig. 79


142

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 80 - Buvette do Parque Termal. Fig. 81 - Propriedade a intervir e contexto envolvente.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

143

3.3 Análise crítica de um caso de estudo A convergência entre a investigação da metodologia historicista e a análise dos princípios utilizados por Eduardo Souto de Moura, na recuperação e renovação do mosteiro de Santa Maria do Bouro em pousada, permite-nos fazer uma reflexão objetiva sobre a possível aplicação de conceitos a um caso de estudo desenvolvido em conformidade com a temática da dissertação. Os critérios que definiram a seleção do local e os critérios da intervenção são análogos à da obra de Souto de Moura, o que permite uma aproximação ao contexto real e a aplicação dos conceitos apreendidos. A intervenção tem o intuito de estimular questões pertinentes à reflexão teórica e não pretende afirmar-se como modelo de aplicação generalizada; pretende-se contribuir com a exposição de um exemplo que resulta da obtenção de aptidões ao longo da elaboração da dissertação. No âmbito das premissas enunciadas, selecionou-se a ruína de um hotel localizada

Fig. 80

na zona do Peso, dentro da freguesia de Paderne, pertencente ao concelho de Melgaço, seleção justificada pelo conjunto de oportunidades que o exemplo possibilitava explorar na aplicação de diversos conceitos. O território de Melgaço encontra-se inserido na região do Minho, sendo a zona do Peso caraterizada pelo termalismo, resultado da existência de um parque termal, fator que influenciou o desenvolvimento da região em estudo, com uma quinta circunscrita onde se encontra a ruína do hotel a intervir, bem como outras dependências anexas. O edifício arruinado havia sido uma casa senhorial dos viscondes do Peso, convertido posteriormente em hotel – de seu nome, Grande Hotel do Pezo –, fator que obrigou a sucessivas intervenções de ampliação ao longo dos tempos. No interior da propriedade, além do edifício principal, encontra-se uma capela para a prática do culto religioso, com uma construção anexa que funcionou como sacristia; uma fonte, resultado da tentativa falhada da viscondessa de explorar águas mineromedicinais no seu terreno; um edifício anexo, de menor escala, que serviu de cozinha; um espigueiro; e um casebre, numa cota inferior que serviu de abrigo aos caseiros. Todas as dependências encontram-se em avançado estado de ruína.

Fig. 81


144

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 82 e 83 - Plantas e alçados da nova intervenção (1931), para a construção de quartos, uma cozinha, uma adega. Constitui um exemplo dos sucessivos aumentos que o edifício sofreu e demonstra parte do seu funcionamento no interior.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

145

O edifício principal, datado do fim do séc. XIX, apresenta uma contrução granítica bastante sólida, com uma geometria planificada em forma de ‘L’, cuja configuração deixa transparecer algumas das intervenções de que foi alvo, especificamente devido à mudança de ritmo dos vãos nas fachadas, acrescentando secções complementares que, no seu conjunto, resultaram num edifício de dois pisos e uma cave, destinada à adega. Apesar do seu avançado estado de degradação, é possível observar o tratamento em reboco azul nos alçados, sem decoração aparente, que apresentam uma ambiguidade métrica de vãos constituídos por janelas e varandas com molduras graníticas. A cobertura, hoje inexistente, sabe-se que era em telha, constituída por quatro águas em cada corpo. De acordo com plantas datadas de 1931, o edifício apresentava um esquema de circulação central, libertando os espaços confinados às fachadas. O seu interior era composto por paredes de tabique tradicional, rebocado com gesso, e, em algumas dependências, existiam vigas de aço, de intervenções posteriores, que suportavam o piso superior. Apesar do termalismo ser uma atividade proveniente da Antiguidade Clássica, a exploração das termas do Peso datam, segundo o seu primeiro registo no livro de atas do município de Melgaço, do ano de 1884 e foram um fator de grande desenvolvimento para a região. As suas águas ‘alcalinogasosas’ eram benéficas no tratamento da diabetes e rapidamente começaram a atrair aquistas para as suas dependências, ainda numa fase inicial. A proximidade com Espanha revelou-se um fator importante no desenvolvimento da prática termal e o constante aumento do número de aquistas originou o aparecimento dos primeiros equipamentos hoteleiros para albergarem os utentes que permaneciam por longos períodos de tempo na região, enquanto faziam os seus tratamentos. O facto da propriedade se situar no Parque Termal contribuiu para que o antigo hotel se tornasse num local de grande afluência durante os anos áureos do turismo termal. No entanto, com o desenvolvimento da medicina e o aparecimento dos medicamentos, o hotel entrou, por volta dos anos setenta, em decadência, com o número de aquistas a diminuir drasticamente, contribuindo para isso a deficiência, ou inexistência, de estruturas e equipamentos que complementassem os existentes, que se tornaram entretanto obsoletos.

Fig. 82 e 83


146

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 84 - Grande Hotel do Pezo, em funcionamento. Fig. 85 - Grande Hotel do Pezo, em ruína.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

147

Hoje, o Parque Termal de Melgaço permanece aberto ao público, após ter sido alvo de intervenções de melhoramento das suas infraestruturas, com equipamentos redesenhados e recuperados, composto pela buvette principal numa estrutura de ferro e vidro, o balneário termal renovado e uma nova piscina para os aquistas. O Grande Hotel do Pezo, por sua vez, deu lugar a uma enorme ruína romântica, de paredes sólidas erguidas, impregnada de vegetação abundante, transparecendo sensações frias e bucólicas produzidas pela ação do tempo e, à imagem da preexistência encontrada por Souto de Moura, aberta a novas leituras e interpretações. Iniciou-se desta forma o processo que possibilitaria pôr em prática os conceitos identificados a partir de uma metodologia assente em princípios historicistas, num projeto com o intuito de recuperar a ruína do hotel, devolvendo-lhe a sua função, de acordo com as exigências atuais, mas preservando a memória coletiva do lugar. A primeira abordagem à preexistência segue as diretrizes apontadas anteriormente por Souto de Moura onde, num primeiro momento, perante a necessidade de uma intervenção, a rigidez defensiva toma conta de todo o processo, ainda que se esteja ciente do seu potencial. Para superar este estádio, procedeu-se ao processo de abstração de todos os valores presentes na preexistência, para que se pudesse contemplar a morfologia espacial de todo o volume envolvente, bem como a ausência de matéria. Este processo constitui o momento que especificamos anteriormente, onde a decomposição racional da preexistência através do abstracionismo pressupõe que a história se desloque temporariamente para um plano secundário, para mais tarde regressar e atribuir valências, consolidadas pela história, aos diferentes espaços. No caso específico da nossa investigação, a ruína era constituída apenas pelas paredes exteriores e consequentes vazios, pelo que a apreensão das valências históricas dos espaços foi feita de acordo com as informações disponíveis através de fragmentos de plantas que chegaram aos nossos dias, ainda que fossem pouco precisos. Dados os primeiros passos da metodologia projetual, procedeu-se à formulação de um programa funcional base que seria distribuído pelo volume preexistente.

Fig. 84 e 85


148

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 86 - Pousada de Arraiolos (1995), de José Paulo dos Santos. Fig. 87 - Pousada Flor da Rosa (1996), de João Luís Carrilho da Graça.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

149

A formalização do programa funcional revela-se uma das fases mais determinantes da metodologia projetual, uma vez que, ao convergir com o resultado da premissa abstracionista, determinará a usabilidade da preexistência. Na nossa investigação, após formalizar-se o programa que garantia a sustentabilidade das funções para o que se estava a projetar, concluiu-se que o volume da preexistência seria insuficiente para responder às exigências atuais. Partindo do pressuposto que se aceita a mudança como uma necessidade da intervenção, estaremos em condições de tomar decisões que consolidarão a história do presente, concluindo-se assim o segundo momento da abordagem de que nos fala Souto de Moura. Depois de assimiladas as primeiras fases da metodologia projetual, impunha-se a questão da imagem e, uma vez que a intervenção contemplava um novo volume, associou-se à questão da forma. Tal como Souto de Moura se questionou em relação à imagem que iria atribir à sua intervenção, a dúvida também se levantou no nosso projeto, à qual procuramos encontrar respostas, a partir da análise de diferentes tipologias. Um dos objetivos da dissertação passava pelo estudo de diferentes tipos de leituras que uma intervenção poderia conferir, através da inclusão de linguagens diferenciadas na mesma obra, como se de um enxerto se tratasse, e considerou-se que a solução poderia adaptar-se à nossa investigação, uma vez que o edifício original havia sido intervencionado ao longo do tempo e o estado em que se encontrava permitia essa ação. A opção por conceber a ampliação do volume preexistente levantava também a questão da distribuição espacial que teria no terreno a que estava confinado e o tipo de espaço que geraria. Nesta fase do processo, as condicionantes que determinaram a solução relacionaram-se com o acesso ao hotel, tanto viário como pedonal, que se mantiveram fiéis à sua originalidade, e a exposição que o novo volume viria a ter no contexto envolvente. Uma vez que se estava a intervir no limiar do Parque Termal, sendo este um espaço público, considerou-se benéfico que o novo volume, de acordo com o seu programa funcional, se desenvolvesse em função da apropriação do seu próprio espaço, permitindo a continuação do diálogo com o restante espaço envolvente.

Fig. 86 e 87


150

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 88 - Proposta de intervenção no Grande Hotel do Pezo e requalificação do espaço envolvente.

01

5m


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

151

Através das premissas enunciadas, o novo volume desenvolveu-se sob uma lógica metamórfica, tirando partido da sua preexistência, usando-a como invólucro e desenvolvendo-se a partir do seu interior de forma contínua. O novo corpo desenvolveu-se horizontalmente sobre o terreno, consolidando o espaço envolvente, e encerrando-se entre a preexistência e a natureza do lugar. Contrapondo-se à linguagem do edifício original na perspetiva de formular regras próprias e assumir um caráter austero e sóbrio, o novo volume projeta-se segundo longos planos brancos com vãos que aliam a plasticidade da composição dos alçados à iluminação controlada dos espaços interiores e à contemplação pitoresca do Parque Termal.

Fig. 88

Naquele que se afirmava como um dos momentos de forte tensão formal, a articulação com a preexistência foi feita com convicção, numa dialética onde as paredes do novo volume se desenvolvem recuando no plano horizontal, de forma que os dois volumes se distingam e se afirmem perante as suas regras próprias. Na procura da valorização equivalente, os dois volumes respeitam sobretudo os valores de escala, articulação e textura, onde cada um serve de cenário ao outro. Uma vez que se estaria a conferir uma nova leitura ao lugar, o programa funcional desenvolveu-se de forma descomprometida, convertendo a preexistência em sala de receção e deambulatório, ocupando-o o menos possível relativamente ao novo volume que comporta todas as outras funções do hotel, numa lógica de servidão onde um já não se afirma sem o outro. A opção por recuperar a pele exterior da preexistência justifica-se por esta constituir a única imagem da história que se projetaria no futuro, optando pela sua valorização, o que influenciou também o emprego dos materiais nas fachadas. Assim, para que o conjunto tivesse uma leitura contínua e sem perturbações, optou-se, por exemplo, pela ausência de caixilhos nos vãos percetíveis a partir do exterior. O redesenho dos percursos dentro da propriedade foi conformado ao do restante Parque Termal, tendo-se preservado a imagem romântica dos restantes elementos preexistentes e proporcionando a reinterpretação e a contemplação da envolvente de forma inclusiva.

Fig. 89 e 90


152

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Piso -1

Piso 0

Piso 1

Cobertura

Fig. 89 - Proposta de intervenção no Grande Hotel do Pezo. Plantas por pisos.

01

5m


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Alçado Sul

Alçado Este

Alçado Norte

Alçado Oeste Fig. 90 - Proposta de intervenção no Grande Hotel do Pezo. Alçados.

0 1

5m

153


154

reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

Fig. 91 - Proposta de intervenção no Grande Hotel do Pezo. Esquisso do jardim interior. Fig. 82 - Proposta de intervenção no Grande Hotel do Pezo. Esquisso da nova ala, virada para o Parque Termal.


reflexão para uma intervenção historicamente fundamentada

155

As opções tomadas durante a intervenção na preexistência não surgiram com o intuito da obtenção de uma forma finalizada e estática, mas visavam a comparação de diferentes metodologias de intervenção na lógica da decomposição racional de uma problemática em diferentes partes. O método racionalista permitiu-nos analisar e resolver as questões de forma hierárquica, através da realização de várias investigações e verificações até se encontrarem soluções que se adaptassem à realidade em questão, de acordo com os objetivos propostos. As investigações realizadas permitiram a consolidação da metodologia projetual, uma vez que conduziram ao revisionismo da evolução da teoria arquitetónica, na tentativa de apreender a relação entre os seus conceitos, contextualizando-os com as conjunturas em que estavam circunscritos. No âmbito geral da intervenção, considerou-se que a abordagem do estudo dos conceitos venturianos se revelou determinante no processo projetual, dada a pluralidade inclusiva que o seu manifesto permitia. À imagem de Souto de Moura, a inclusão de elementos linguisticamente diferenciados prevaleceu na proposta, mas a intervenção afasta-se na expressão visual que adquire. Se em Amares o binómio metodológico entre o romantisto de John Ruskin e a intervenção estrutural de Viollet-le-Duc assumiram a preservação da imagem romântica da ruína para, posteriormente, se abrir em novas leituras no interior, em Melgaço a metodologia inverteu-se, optando-se pela articulação marcada dos dois volumes exteriores, dando lugar à materialidade, que se fundem interiormente na amenização da transição espacial. A intervenção revelou-se um verdadeiro laboratório de soluções, desenvolvendo-se de forma a colocar criticamente questões que polemizassem as premissas consideradas, desafiando a capacidade de responder ao maior número de problemas, sem nada excluir. A instrumentalização do historicismo na investigação desenvolvida traduziu-se na consciencialização do tempo presente, cuja convergência com a metodologia projetual obrigou a algumas inflexões da estrutura que se propunha consolidar, resultando numa intervenção contemporânea abundante de significados históricos.

Fig. 91 e 92



conclusão

Conclusão A reflexão sobre a instrumentalização do historicismo na arquitetura revela-se uma prática de grande complexidade que é resultado da ambiguidade de conceitos e direções a que está sujeita, sendo da responsabilidade do arquiteto operar sobre a matéria histórica com base nos instrumentos da crítica. Desenvolver uma reflexão em torno desta temática, associando-a ao período específico do movimento Moderno, revela-se um estudo paradoxal, uma vez que aquele se regia por princípios a-históricos e conduz-nos diligentemente na procura dos seus fundamentos. Ao referenciar fundamentos que conduziram a um determinado desfecho, referimo-nos a um conjunto de premissas que contribuiram para a consolidação do tempo presente, sendo importante estudar a verificabilidade do seu percurso através do historicismo. Desta forma, enquanto doutrina que permite rever a originalidade dos factos históricos com o intuito de os estudar e interpretar mediante os seus contextos, o historicismo adquire relevância na sistematização de uma metodologia projetual em arquitetura, uma vez que a atividade desenvolvida pelo arquiteto relaciona-se interdisciplinarmente com o ordenamento do meio em que se insere e interfere diretamente nas relações que estabelece com a sociedade. A importância da história na consolidação do presente parte da decomposição racional de uma cronologia composta por diferentes momentos passíveis de serem analisados criticamente. No entanto, a ideia de que os fundamentos da história se encontram disponíveis de forma abstrata e transparente, como um depósito de soluções preparadas para responder objetivamente às exigências do presente, é uma falácia. O processo de apreensão da história revela-se uma aprendizagem morosa e fragmentada, através da análise cronológica e contextualizada dos fenómenos que observamos, cuja utilidade permite, posteriormente, o distanciamento em relação ao passado. Então, enquanto arquitetos e agentes interventivos no meio sociocultural e definidores da própria história, as questões que se colocam perante uma metodologia historicista prendem-se com a possibilidade de esta providenciar garantias em relação à sua usabilidade e à orientação do processo de projetação, e, posteriormente, identificar os instrumentos com que se poderia reduzir o leque de opções e tornar mais eficaz a nossa escolha.

157


158

conclusão

Refletir sobre uma resposta objetiva a estas questões, de forma a estruturar um modelo de atuação, permanece na incerteza da sua verificabilidade científica. No entanto, estamos convencidos de que o seu exercício no quotidiano permitir-nos-ia adquirir competências essenciais na metodologia projetual, tais como: o conhecimento de diferentes períodos que marcaram os fenónemos históricos; a distinção entre gramáticas linguísticas e códigos de leitura do tempo presente e do passado; desenvolver a atenção sobre os pontos de viragem da estrutura da história; interpretar criticamente as leituras feitas por especialistas, incorporando-as no conhecimento empírico; formar juízos de valor em relação aos diferentes momentos da história; e, por fim, atuar sobre a história com base analítica e comparativa, recorrendo aos seus fundamentos para controlar a intervenção. Como já referimos, o processo não é infalível, é descontínuo e fragmentado, mas, independentemente do resultado, constitui mais uma verificação na sedimentação histórica do presente. As premissas apresentadas permitem-nos compreender que para se refletir sobre os fundamentos do anti-historicismo moderno é necessário revolver a história e encontrar a sua origem, com o intuito de perceber a evolução dessa problemática ao longo do tempo. O conceito de metodologia historicista, quer diga respeito à recuperação de um fenómeno histórico ou à sua superação, associa-se, como já vimos, a períodos de transição e de transformação social. A partir da investigação apresentada e tendo assumido o classicismo como a origem da tipologia arquitetónica, compreende-se a razão pela qual o período situado entre a Antiguidade Clássica e o Renascimento era considerado um hiato, necessário para a formalização da reação renascentista, que se baseou em princípios antropológicos. A consciencialização e a necessidade de afirmação do ‘eu’ enquanto agente interventivo no meio sociocultural, contribuiram para a estruturação da primeira revolução moderna, num mundo em que o Homem estava no centro das preocupações. A recuperação de uma metodologia precedente, na sua vertente reacionária, não poderia recair sobre o período que o precedia imediatamente, ainda que este se tenha tornado determinante na sedimentação histórica das metodologias projetuais da época.


conclusão

O critério para a afirmação da Antiguidade Clássica enquanto modelo de projetação é uma discussão que ainda hoje permanece em aberto, com autores defendendo posições com base em princípios racionais e outros com base em princípios arbitrários. O que se torna determinante para a nossa investigação é a constatação de que a linguagem clássica prevaleceu na história da arquitetura, definindo os seus princípios e atravessando diversas fases de sedimentação histórica que a consolidou até aos nossos dias. No entanto, conclui-se também que a vontade de afirmar um fenómeno na história conduz, frequentemente, à sua superação, de modo que as novas conceções se libertem das imagens convencionais de forma reacionária. Através da investigação levada a cabo, concluímos que o anti-historicismo moderno foi o resultado pragmático da intermitência do historicismo na metodologia projetual, onde o abstracionismo racional foi dominante no processo metodológico das conceções modernas, aliado à vontade de afirmação de uma nova era tecnológica, superando o valor da própria arte. Conclui-se, desta forma, que a superação do historicismo que as vanguardas modernistas pretendiam afirmar contituiu, paradoxalmente, a única afirmação legítima de um tempo histórico. Em contrapartida, à medida que a sedimentação de um movimento se vai consolidando, a necessidade de uma nova reação vai ganhando contornos, ato justificado pela condição humana e da sua necessidade constante de se superar. Esta ação conduziu à emergência das incongruências e contradições do movimento Moderno, o que o levou a renovar-se, recuperando as premissas que se haviam suprimido no seu processo abstrato e devolvendo o historicismo à arquitetura, ainda que, na sua essência, prevaleçam valores clássicos. Numa projeção abstrata da história da arquitetura, diríamos que o seu percurso corresponde a uma linha helicoidal, ora ascendente ora descendente, que parte de premissas clássicas e se desenvolve mediante reações que a aproxima e a afasta da sua origem, adaptando-a às exigências das conjunturas a que se encontra circunscrita, bem como aos seus avanços tecnológicos.

159


160

conclusão

A história da arquitetura é a história do Classicismo, da evolução da sua realização técnica, da ordem e da desordem, da sua superação e do seu revivalismo, da sua simplificação e da sua complexidade, da sua racionalidade e da sua desconstrução,... uma panóplia de metodologias inseridas num longo processo de amadurecimento, apenas ao alcance daqueles que historicamente se querem envolver na assimilação dos seus fundamentos, projetando novas imagens, num ciclo que se perpetua num futuro incerto.




bibliografia

Bibliografia Fontes Impressas ÁBALOS, Iñaki, A boa-vida, Barcelona, Gustavo Gili, 2008. ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, Alto Minho, Lisboa, Editorial Presença, 1987. BAEZA, Alberto Campo, A Ideia Construída, 2ª ed., Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2008. BANDEIRA, Pedro, Projectos específicos para um cliente genérico, Porto, Dafne, 2006. BANHAM, Reyner, Theory and Design in the first Machine Age, 2ª ed., Cambdridge, MIT Press, 1960. BARTHES, Roland, A Câmara Clara, Lisboa, Edições 70, Lda., 2007. BENEVOLO, Leonardo, A Cidade e o Arquiteto, 2ª ed., São Paulo, Editora Perspectiva, 2001. BENEVOLO, Leonardo, O Último Capítulo da Arquitectura Moderna, Lisboa, Edições 70, Lda., [s.d.]. BENEVOLO, Leonardo, ALBRECHT, Brenno, As Origens da Arquitectura, Lisboa, Edições 70, Lda., 2004. BENJAMIN, A Modernidade, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007. BENJAMIN, Walter, Imagens do Pensamento, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004. CAPITEL, Antón, Metamorfosis de monumentos y teorías de la restauración, Madrid, Allianza Ed., 2009. CECILIA, Fernando Márquez, LEVENE, Richard, El Croquis 124, Eduardo Souto de Moura, 1995-2005, Madrid, A ASPPAN, 2005. CHING, Francis D. K., Forma, Espaço e Ordem, São Paulo, Martins Fontes, 2005. CHOAY, Françoise, Alegoria do Património, Lisboa, Edições 70, Lda., 2010. CHOAY, Françoise, As Questões do Património, Lisboa, Edições 70, Lda., 2011. COELHO, Paulo, Fernando Távora, Vila do Conde, QuidNovi, 2011. CONSIGLIERI, Victor, A Morfologia da Arquitectura 1920 - 1970 I, 2ª ed., Lisboa, Editorial Estampa, 1995. CONSIGLIERI, Victor, A Morfologia da Arquitectura 1920 - 1970 II, 2ª ed., Lisboa, Editorial Estampa, 1995. CURTO, Diogo Ramada, Para Que Serve a História?, Lisboa, Tinta da China, 2013. DAL CO, Francesco, MAZZARIOL, Giuseppe, Carlo Scarpa: obra completa, Madrid, Electa, 1985.

163


164

bibliografia

DELEUZE, Gilles, A Filosofia Crítica de Kant, 2ª ed., Lisboa, Edições 70, Lda., 2012. DESCARTES, René, Discurso do Método, 3ª ed., Lisboa, Publicações Europa-América, [1986?]. DORFLES, Gillo, A Arquitectura Moderna, Lisboa, Edições 70, Lda., 2000. FRAMPTON, Kenneth, História Crítica da Arquitectura Moderna, 4ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 2008. FRANÇA, José Augusto, Unicórnio, Etc., Lisboa, Biblioteca Nacional, 2006. GARRONI, Emilio, Projecto de semióptica, Lisboa, Edições 70, Lda., 1970. GIEDION, Sigfried, Space, Time and Architecture: the growth of a new tradition, Cambridge, Harvard University, 1982. GOITIA, Fernando Chueca, Protótipos na Arquitectuta Greco-Romana e a sua Influência no Mundo Ocidental, Lisboa, Ulmieiro, 1996. GREGOTTI, Vittorio, Território da Arquitetura, 2ª ed., São Paulo, Editora Perspectiva, 1994. JENCKS, Charles, Movimentos Modernos em Arquitectura, Lisboa, Edições 70, Lda., 2006. JENCKS, Charles; KROPF, Karl, Theories and Manifestoes of Contemporary Architecture, 2ª ed., [s.l.], Wiley Academy, 2006. KAHN, Louis I., Conversa com estudantes, Barcelona, Gustavo Gili, 2002. KANDINSKY, Wassily, Curso da Bauhaus, Lisboa, Edições 70, Lda., 2009. KANDINSKY, Wassily, Gramática da Criação, Lisboa, Edições 70, Lda., 2008. KANDINSKY, Wassily, Ponto, Linha, Plano, Lisboa, Edições 70, Lda., 2011. LE CORBUSIER, Maneira de Pensar o Urbanismo, 4ª ed., Mem Martins, Publicações Europa América, 2008. LE CORBUSIER, Towards a New Architecture, New York, Dover Publications, 1986. LYNCH, Kevin, A Imagem da Cidade, Lisboa, Edições 70, Lda., 2009. MAIA, Maria Helena, Património e Restauro em Portugal (1825 – 1880), Lisboa, Edições Colibri – IHA / Estudos de Arte Contemporânea, FCSH – Universidade Nova de Lisboa, 2007. MONEO, Rafael, Inquietação Teórica e Estratégia Projetual, São Paulo, Cosac Naify, 2008. MONTANER, Josep Maria, Después del Movimiento Moderno, arquitectura de la segunda mitad del siglo XX, Barcelona, Gustavo Gili, 1993.


bibliografia

MONTANER, Josep Maria, A Modernidade Superada / Arquitetura, arte e pensamento do século XX, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, S.A., 2001. MONTANER, Josep Maria, As Formas do Século XX, Barcelona, Gustavo Gili, 2002. NESBITT, Kate, Theorizing a New Agenda for Architecture : an anthology of architectural theory : 19651995, New York, Princeton Architectural Press, 1996. NETO, Maria João Baptista, Memória, Propaganda e Poder – restauro dos monumentos nacionais, Porto, FAUP, 2001. NORBERG-SCHULZ, Christian, Intenciones en Arquitectura, 2ª ed., Barcelona, Gustavo Gili, 1998. PEVSNER, Nikolaus, Panorama da Arquitetura Ocidental, 2ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 2002. PEVSNER, Nikolaus, Pioneers of modern design: from William Morris to Walter Gropius, London, Penguin Books, 1991. PORTOGHESI, Paolo, Depois da Arquitectura Moderna, Lisboa, Edições 70, Lda., 1999. PUGLISI, Luigi Prestinenza, New Directions in Contemporary Architecture: Evolutions and Revolutions in Buildings Design Since 1988, Chichester, John Wiley & Sons, Ltd, 2008. RIBEIRO, Orlando, Geografia de Portugal, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1991. RICHARDS, J. M., Introdução à Arquitectura Moderna, Porto, Sousa e Almeida, [1960?]. SCHULZE, Franz, Mies van der Rohe : a critical biography, Chicago, University of Chicago, 1985. SILVA, Jorge Henrique Pais da, Estudos sobre o Maneirismo, 2ª ed., Lisboa, Editorial Estampa, 1986. SILVA, Sofia Helena, SANTOS, André, Souto de Moura, Vila do Conde, QuidNovi, 2011. SUMMERSON, John, The Classical Language of Architecture, Singapore, Thames & Hudson world of art, 2006. SUTTON, Ian, História da Arquitectura no Ocidente, Lisboa, Editorial Verbo, 2004. TAFURI, Manfredo, Teorias e História da Arquitectura, Lisboa, Editorial Presença, Lda., 1979. TAFURI, Manfredo, DAL CO, Francesco, Architettura Contemporanea, Milão, Electa, 1992. TOMÉ, Miguel, Património e Restauro em Portugal (1920 – 1995), Porto, FAUP, 2002. TZONIS, Alexander, Le Corbusier, The Poetics of Machine and Metaphor, 10ª ed., Bath, Universe, 2004. VENTURI, Robert, Complexidade e Contradição em Arquitetura, 2ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 2004.

165


166

bibliografia

VIDLER, Anthony, Histories of the Immediate Present : inventing architectural modernism, Cambridge, The MIT Press, 2008. WATEAU, Fabienne, Conflitos de Água e Rega - Ensaio sobre a organização social no vale de Melgaço, Lisboa, Dom Quixote, 2000. WESTON, Richard, A Casa no Século Vinte, Lisboa, Editorial Blau, 2002. WITFORD, Frank, Bauhaus, London, Thames and Hudson, 1984. ZEVI, Bruno, Saber Ver a Arquitetura, 5ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1996. ZEVI, Bruno, Architectura in Nuce, Uma Definição de Arquitectura, Lisboa, Edições 70, Lda., 1999. ZEVI, Bruno, A Linguagem Moderna da Arquitectura, 3ª ed., Lisboa, Dom Quixote, 2004. ZUMTHOR, Peter, Atmosferas, Barcelona, Gustavo Gili, 2009. ZUMTHOR, Peter, Pensar a Arquitectura, 2ª ed., Barcelona, Gustavo Gili, 2009.

Fontes digitais http://www.architectural-review.com/# http://www.archdaily.com/ http://archinect.com/ http://www.youtube.com/ https://maps.google.pt/

Fontes audiovisuais ALLEN, Woody, Sleeper, 1973. ALLEN, Woody, Midnight in Paris, 2011. CHAPLIN, Charles, Modern Times, 1936. KAHN, Nathaniel, My Architect, 2003. LANG, Fritz, Metropolis, 1927.


bibliografia

MENZIES, William Cameron, Things to Come, 1936. OLIVEIRA, Manoel de, Viagem ao PrincĂ­pio do Mundo, 1997. RICHARDSON, David, The Shock of the New, 1980. SCOTT, Ridley, Blade Runner, 1982. TATI, Jacques, Mon Oncle, 1958. TATI, Jacques, Playtime, 1967. TATI, Jacques, Trafic, 1971. WIMMER, Kurt, Equilibrium, 2002.

167



índice de figuras

Índice de figuras Todas as figuras presentes na dissertação foram editadas pelo autor. Capa da dissertação. Fonte: desenho do autor. Separador do capítulo I - Pavilhão alemão para a exposição internacional de Barcelona, de Mies van der Rohe. Fonte: fotografia do autor. Fig. 1 - Modernidade parisiense. Fonte: Jacques Tati, Playtime (1967), captação do autor. Fig. 2 - Cúpula de Santa Maria del Fiore, de Brunelleschi. Fonte: http//upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a6/ View_of_the_Duomo%27s_dome%2C_Florence.

Fig. 3 - Fachada de Santa Maria Novella, de Alberti.

Fonte: http://employees.oneonta.edu/farberas/arth/Images/

ARTH213images/florence/sta_maria_novella.jpg.

Fig. 4 - Templo do Deus Rómulo, de Palladio. Fonte: Manfredo Tafuri, Teorias e História da Arquitectura, Fig. V. Fig. 5 - Villa Capra, de Palladio. Fonte: http://abrancoalmeida.files.wordpress.com/2009/11/villalarotonda.jpg. Fig. 6 - S. Ivo alla Sapienza, de Borromini. Fonte: Manfredo Tafuri, Teorias e História da Arquitectura, Fig. X. Fig. 7 - Túmulo do cardeal Giussano, de Borromini. Fonte: Manfredo Tafuri, Teorias e História da Arquitectura, Fig. XI. Fig. 8 - Templo de Apolo em ruínas.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/bd/Cyark_pompeii_

reconstruction1.jpg.

Fig. 9 - Templo de Apolo reconstruído virtualmente.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f9/

Cyark_pompeii_reconstruction2.jpg.

Fig. 10 - Altar-mor da Igreja de S. Maria del Piorato, de Piranesi.

Fonte: Manfredo Tafuri, Teorias e História da

Arquitectura, p. 55.

Fig. 11 - Altar-mor da Igreja de S. Maria del Priotato, de Piranesi.

Fonte: http://archive.cooperhewitt.org/piranesi/

piranesi.cooperhewitt.org_/images/large/WILTONELY-27.jpg.

Fig. 12 - Monumento a Isaac Newton, de Boullée. Fonte: http://www.bu.edu/av/ah/fall2008/ah382/lecture05/32.jpg. Fig. 13 - Prudential building, de Louis Sullivan e Dankmar Adler.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/

commons/f/fd/Prudential_buffalo_louis_sullivan.jpg.

Fig. 14 - A era mecanizada. Fonte: Jacques Tati, Playtime (1967), captação do autor. Fig. 15 - Foutain, de Marcel Duchamp. Fonte: fotografia do autor. Fig. 16 - The Mechanical Head (The Spirit of Our Time), de Raoul Haussmann. Fonte: fotografia do autor. Fig. 17 - Merz-bau, de Kurt Schwitters. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/1/1b/Merzbau.jpg.

169


170

índice de figuras

Fig. 18 - L’Aubette Café, de Theo van Doesburg. Fonte: Charles Jencks, Movimentos Modernos em Arquitectura, p. 35. Fig. 19 - Casa comunal de Narkomfin, de Moisei Ginzburg e Ignaty Milinis. Fonte: http://upload.wikimedia.org/ wikipedia/en/8/81/Narkmomfinfoto1.jpg.

Fig. 20 - Monumento à Terceira Internacional, de Vladimir Tatlin.

Fonte: http://25.media.tumblr.com/tumblr_

m57896Jg7Q1qbo39mo1_1280.jpg.

Fig. 21 - Bauhaus, de Walter Gropius.

Fonte: http://historyofads.the-voice.com/wp-content/gallery/de-stijl-modernism/

bauhaus002.jpg.

Fig. 22 - Chicago Tribune, de Walter Gropius e A. Meyer.

Fonte: http://classconnection.s3.amazonaws.com/414/

flashcards/785414/png/picture131330700851667.png.

Fig. 23 - Plan Voisin, de Le Corbusier e Jeaneret.

Fonte: http://projets-architecte-urbanisme.fr/images-archi/2010/10/

plan-voisin-corbusier-paris.jpg.

Fig. 24 - Unité d’Habitation, de Le Corbusier.

Fonte: http://www.uncubemagazine.com/sixcms/media.php/1323/

MG_6131-Edit.jpg.

Fig. 25 - Weissenhof Siedlung. Fonte: http://catalog.quittenbaum.de/daten/M/BilderJPG/56700/56707.jpg. Fig. 26 - Pruitt-Igoe, de Minoru Yamasaki. Fonte: http://rustwire.com/wp-content/uploads/2011/02/Cohn01.jpg. Fig. 27 - Drop City.

Fonte: http://static.wixstatic.com/media/a77b8c_621a8718f7970b489dfda75b523abfe3.jpg_srz_3986_1306 _85_22_0.50_1.20_0.00_jpg_srz

Fig. 28 - Proliferação da expressão do International Style. Fonte: Jacques Tati, Playtime (1967), captação do autor. Separador do Capítulo II - Maison du Brésil, de Le Corbusier. Fonte: fotografia do autor. Fig. 29 - Exposição International Style, de Henry-Russel Hitchcock e Philip Johnson. Fonte: http://ad009cdnb. archdaily.net/wp-content/uploads/2013/08/51f822b8e8e44ef7d4000151_ad-classics-modern-architecture-international-exhibitionphilip-johnson-and-henry-russell-hitchcock_515f52f5b3fc4bc5260001f3_o.jpg.

Fig. 30 - Villa Arpel. Fonte: Jacques Tati, Mon Oncle (1958), captação do autor. Fig. 31 - Casa de monsieur Hulot. Fonte: Jacques Tati, Mon Oncle (1958), captação do autor. Fig. 32 - Desencontro visual. Fonte: Jacques Tati, Mon Oncle (1958), captação do autor. Fig. 33 - ‘Cozinha-robot’. Fonte: Jacques Tati, Mon Oncle (1958), captação do autor. Fig. 34 - Intimidade... à vista de todos. Fonte: Jacques Tati, Mon Oncle (1958), captação do autor. Fig. 35 - Personalização do espaço. Fonte: Jacques Tati, Mon Oncle (1958), captação do autor. Fig. 36 - Golden Lane, de Alison e Peter Smithson.

Fonte: http://www.mixite.es/wp-content/gallery/golden-lane/


índice de figuras

identidad_3.jpg.

Fig. 37 - Berlim-Haupstad, de Alison e Peter Smithson. Fonte: http://www.mixite.es/wp-content/gallery/haupstadt-berlin/ haupstadt-berlin_3.jpg.

Fig. 38 - Proposta para o Parlamento de Roma, de Giuseppe e Alberto Samoná.

Fonte: http://www.

festivalarchitettura.it/Upload/Articoli/zoom/B81BQ7DOxk_276.jpg.

Fig. 39 - Proposta para o Hospital de Veneza, de Le Corbusier. Fonte: http://classconnection.s3.amazonaws.com/856/ flashcards/749856/png/venice_hospital_project1322586670279.png.

Fig. 40 - Teatro Paganini, Piazza della Pillota, de Aldo Rossi.

Fonte: http://www.aamgalleria.it/

GALLERY/2/1/4/7/2147/1164822431.jpg.

Fig. 41 - Piazza Segrate, de Aldo Rossi. Fonte: http://25.media.tumblr.com/tumblr_luu6oeZIgo1qe0nlvo1_1280.jpg. Fig. 42 - Padronização vanguardista. Fonte: Jacques Tati, Playtime (1967), captação do autor. Fig. 43 - Seagram building, de Mies van der Rohe.

Fonte: http://designkultur.files.wordpress.com/2010/06/mies_van_

der_rohe_seagram_building_chicago2_jpg.jpg.

Fig. 44 - Torre Velasca, do grupo BBPR. Fonte: http://www.neuperlach.org/blog/wp-content/uploads/2010/09/371239734 _96bac1a570_o1.jpg.

Fig. 45 - Balneários de Trenton, de Louis Kahn. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/39/T_bath_ house_3.JPG.

Fig. 46 - Woolton house, de James Stirling. Fonte: Rafael Moneo, Inquietação Teórica e Estratégia Projetual, p. 20. Fig. 47 - Villa Stein, de Le Corbusier. Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-zaKCqUsqYZQ/TouXLITuyXI/AAAAAAAAAnw/L_ h4lyimroY/s1600/01_11a_Le_Corbusier%252C_Villa_Stein%252C_Garches_1927_vanaf_oprit.jpg.

Fig. 48 - Jaoul houses, de Le Corbusier.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/30/Maisons_

Jaoul_d%C3%A9tail.jpg.

Fig. 49 - Viagem ao Oriente.

Fonte: https://fbcdn-sphotos-c-a.akamaihd.net/hphotos-ak-ash3/735912_562742787108780_16

47246916_o.jpg.

Fig. 50 - Villa Savoye, de Le Corbusier. Fonte: fotografia do autor. Fig. 51 - Peristilo do Parthenon de Atenas. Fonte: Bruno Zevi, Saber Ver a Arquitetura, p. 58. Fig. 52 - ‘Peristilo’ da Villa Savoye. Fonte: fotografia do autor. Fig. 53 - Estrutura da Maison Dom-Ino, de Le Corbusier.

Fonte: http://dome.mit.edu/bitstream/

handle/1721.3/5427/102602_sv.jpg?sequence=2.

Fig. 54 - Comparação entre a estrutura da Villa Malcontenta, de Palladio, e a estrutura da Villa Stein, de Le Corbusier. Fonte: desenho do autor.

171


172

índice de figuras

Fig. 55 - Interior da Unité d’Habitation idealizado por Le Corbusier. Fonte: fotografia do autor. Fig. 56 - Interior da Unité d’Habitation mobilado pelos seus usuários. Fonte: David Richardson, The Shock of the New - Trouble in Utopia (1980), captação do autor.

Fig. 57 - Chapelle Notra-Dame-du-Haut, de Le Corbusier.

Fonte: http://www.alltouristattractions.org/ala/2012/10/

Chapelle-Notre-Dame-du-Haut-Ronchamp-France.jpg.

Fig. 58 - Lafayette towers, de Mies van der Rohe. Fonte: http://static.flickr.com/69/206449766_cab8009eff_o.jpg. Fig. 59 - Glass towers, de Mies van der Rohe.

Fonte: http://thesexysix.files.wordpress.com/2012/09/mies.jpg e http://25. media.tumblr.com/tumblr_lq2w6azX6F1qgpvyjo1_1280.jpg.

Fig. 60 - Pavilhão alemão para a exposição internacional de Barcelona, de Mies van der Rohe. Fonte: fotografia do autor.

Fig. 61 - Crown Hall, IIT, de Mies van der Rohe. Fonte: http://s3.transloadit.com.s3.amazonaws.com/4b30ae61b7c84e4 2b6be045272ec3211/31/7671daac5f10830a17da6989513ca6/Mies_van_der_Rohe_Crown-Hall1.jpg.

Fig. 62 - Lafayette Park, de Mies van der Rohe. Fonte: Charles Jencks, Movimentos Modernos em Arquitectura, p. 92. Fig. 63 - Chesnut Hill house, de Robert Venturi.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/29/V_

Venturi_H_720am.JPG.

Fig. 64 - Farnsworth house, de Mies van der Rohe.

Fonte: http://ad009cdnb.archdaily.net/wp-content/

uploads/2010/05/1274069742-melpic.jpg

Fig. 65 - Glass house, de Philip Johnson. Fonte: http://ad009cdnb.archdaily.net/wp-content/uploads/2010/05/1274069742melpic-528x396.jpg.

Fig. 66 - Wiley house, de Philip Johnson. Fonte: http://www.trianglemodernisthouses.com/pjohns32.jpg. Fig. 67 - AT&T building, de Philip Johnson.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/84/Pittsburgh-

pennsylvania-ppg-place-2007.jpg.

Fig. 68 - PPG Place, de Philip Johnson.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/84/Pittsburgh-

pennsylvania-ppg-place-2007.jpg.

Separador do Capítulo III - Ruína do Grande Hotel do Pezo, Paderne, Melgaço. Fonte: fotografia do autor. Fig. 69 - Exposição Dadaísta. Fonte: https://fbcdn-sphotos-g-a.akamaihd.net/hphotos-ak-ash3/559887_10151909401704441_ 166244156_n.jpg.

Fig. 70 - Pousada de Santa Maria do Bouro, de Eduardo Souto de Moura. Fonte: El Croquis 124, Eduardo Souto de Moura, 1995-2005, p 29.

Fig. 71 - Ruína do mosteiro. Fonte: El Croquis 124, Eduardo Souto de Moura, 1995-2005, p 29.


índice de figuras

Fig. 72 - Ruína do mosteiro. Fonte: El Croquis 124, Eduardo Souto de Moura, 1995-2005, p 29. Fig. 73 - Preservação da imagem de ruína. Fonte: El Croquis 124, Eduardo Souto de Moura, 1995-2005, p. 35. Fig. 74 - Esquisso de Eduardo Souto de Moura. Fonte: El Croquis 124, Eduardo Souto de Moura, 1995-2005, p. 28. Fig. 75 - ‘Buracos vazios’ na parede. Fonte: El Croquis 124, Eduardo Souto de Moura, 1995-2005, p. 41. Fig. 76 - Hall de circulação. Fonte: El Croquis 124, Eduardo Souto de Moura, 1995-2005, p. 39. Fig. 77 - Namoradeira. Fonte: El Croquis 124, Eduardo Souto de Moura, 1995-2005, p. 43. Fig. 78 - Pormenor do caixilho da janela. Fonte: El Croquis 124, Eduardo Souto de Moura, 1995-2005, p. 43. Fig. 79 - Pousada de Santa Marinha da Costa, de Fernando Távora. Fonte: Paulo Coelho, Fernando Távora, p. 57. Fig. 80 - Buvette do Parque Termal de Melgaço. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a9/Termas_ de_Melgaco.JPG.

Fig. 81 - Área de intervenção. Fonte: https://maps.google.pt/ Fig. 82 - Planta de ampliação do Grande Hotel do Pezo. Fonte: arquivo da Câmara Municipal de Melgaço. Fig. 83 - Alçados da ampliação do Grande Hotel do Pezo. Fonte: arquivo da Câmara Municipal de Melgaço. Fig. 84 - Grande Hotel do Pezo, em funcionamento. Fonte: AAVV, Águas Minero-medicinais de Melgaço, p. 121. Fig. 85 - Grande Hotel do Pezo, em ruína.

Fonte: http://r8---ams03t01.c.bigcache.googleapis.com/static.panoramio.com/ photos/original/20069234.jpg?redirect_counter=1&st=ts&ir=1&rr=12.

Fig. 86 - Pousada de Arraiolos, de José Paulo dos Santos. Fonte: AAVV, José Paulo dos Santos, p. 99. Fig. 87 - Pousada Flor da Rosa, de João Luís Carrilho da Graça. Fonte: AAVV, João Luís Carrilho da Graça, Opere e Progetti, p. 66.

Fig. 88 - Proposta de intervenção no Grande Hotel do Pezo. Fonte: desenho do autor. Fig. 89 - Proposta de intervenção no Grande Hotel do Pezo. Fonte: desenho do autor. Fig. 90 - Proposta de intervenção no Grande Hotel do Pezo. Fonte: desenho do autor. Fig. 91 - Proposta de intervenção no Grande Hotel do Pezo. Fonte: desenho do autor. Fig. 92 - Proposta de intervenção no Grande Hotel do Pezo. Fonte: desenho do autor.

173


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.