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FELDMAN, Richard. Epistemology. Upper Saddle River, New Jersey: Prentice-Hall, 2003. 197 p. Traduzido por Eduardo A. Peter

Capítulo 7: Ceticismo (II)

Os argumentos céticos discutidos no capítulo 6 foram (todos) argumentos para ‘o ceticismo dos altos padrões’ (high standards skepticism). Eles contam com a suposição de que os padrões para o conhecimento são extremamente altos, e que não, ou não podemos, satisfazêlos. O falibilismo e o fundacionismo modesto1 fornecem uma resposta inteligente para todos esses argumentos. Isso, entretanto, não é o fim da discussão da Perspectiva Cética. Outro tipo de argumento cético desafia a afirmação que nossas razões para nossas crenças ordinárias são tão boas quanto falibilistas e fundacionistas moderados pensam que são. Em outras palavras, esse tipo de argumento nega que podemos encontrar padrões ordinários para a justificação. Nesse capítulo examinaremos dois desses argumentos.

I. O PROBLEMA DA INDUÇÃO A. Inferências Indutivas O raciocínio indutivo está no coração da ciência e é igualmente crucial no raciocínio do senso comum. Muito grossamente, o raciocínio indutivo é o raciocínio que conta com padrões (patterns) observados para extrair conclusões sobre o que ocorre em outros casos. Se você foi a um restaurante várias vezes e achou a comida muito boa, você provavelmente acredita que achará a comida igualmente boa da próxima vez que for lá. Se um pesquisador acha que os pacientes que ele tem visto com uma doença em particular sempre ou geralmente recuperamse quando tratados de uma certa forma, então o pesquisador poderia concluir que esse padrão igual se aplicaria a futuros pacientes. Esses são exemplos simples de raciocínio indutivo. É claro que a Perspectiva Padrão repousa na suposição que podemos aprender sobre o mundo através desse tipo de raciocínio. A resposta falibilista ao ceticismo, defendida no capítulo 6, claramente conta com a suposição que o raciocínio indutivo pode produzir justificação. O mais amplamente discutido padrão geral de inferências indutivas é Argumento 7.1: Padrão Indutivo 1-1. Todos os As examinados até agora têm sido Bs.

1-2. O próximo A a ser examinado será B. Um exemplo padrão usado para ilustrar esse tipo de raciocínio é a inferência da observação que o Sol tem nascido em todos os dias no passado que leva a conclusão que ele nascerá amanhã. Para fazer esse exemplo se ajustar ao padrão exibido, precisamos fazer a premissa 1

Ou fundacionismo moderado


declarada (stated premisse) – o Sol tem nascido em todos os dias no passado – significar que o Sol tem nascido em todos os dias que foi observado até agora. Argumento 7.2: O Argumento do Nascer do Sol 2-1. Todos os dias examinados até agora têm sido dias nos quais o Sol nasceu.

2-2. O próximo dia (amanhã) será um dia no qual o Sol nascerá. Para os presentes propósitos, é aceitável tomar essa premissa como verdadeira. Esse parece ser um bom exemplo de raciocínio indutivo. Nem todas as inferências indutivas seguem exatamente esse padrão. O padrão declarado arranca uma conclusão sobre apenas o próximo caso. Mas às vezes as pessoas extraem uma conclusão geral sobre a mesma premissa: Argumento 7.3: O Argumento do Nascer do Sol (II) 3-1. Todos os dias examinados até agora têm sido dias nos quais o Sol nasceu.

3-2. Todos os dias serão dias nos quais o Sol nasce. Ainda que a conclusão aqui seja diferente, o raciocínio é similar. Em ambos argumentos 7.2 e 7.3, os modelos observados em casos anteriores são usados para predizer o futuro.2 Nos casos recém mencionados, a premissa é sobre todos os As observados. Mas algumas inferências similares não são. Suponha que todo o outono um jardineiro plante alguns bulbos de lírio em seu jardim. Alguns dos bulbos brotam e os outros não. Suponha que em um período de muitos anos o jardineiro observou que aproximadamente 80% dos bulbos brotaram cada ano. Se o jardineiro não é demasiadamente otimista, ele provavelmente acredita que o mesmo acontecerá esse ano. A inferência que o jardineiro faz é Argumento 7.4: O Argumento dos Lírios 4-1. 80% dos bulbos de lírio que eu plantei brotaram em cada ano no passado.

4-2. 80% dos bulbos de lírio que plantarei esse ano brotarão. Obviamente, uma informação adicional poderia solapar tal inferência. Por exemplo, se o jardineiro sabe que a previsão do tempo é fora do comum para os próximos meses, ou se ele comprou bulbos de uma fonte diferente e desconhecida, então ele, de forma menos provável, extrairia a conclusão. Ainda, o modelo geral da inferência parece ser correto. As pessoas, às vezes, pensam que todas as inferências indutivas são inferências nas quais alguém extrai uma conclusão sobre o futuro através de premissas sobre o passado. Mas nem todas as inferências que contam com o mesmo estilo de raciocínio são exatamente assim. Considere uma modificação o exemplo dos lírios. Suponha que o jardineiro esteja muito 2

Ao levantar essas questões voltamos nossa atenção para a questão (Q5) do capítulo 1.


ocupado na primavera para olhar (no jardim), durante toda a temporada, eles (os bulbos) brotarem. No fim da primavera, o jardineiro poderia fazer essencialmente a mesma inferência, concluindo que 80% dos bulbos que ele plantou brotaram. Então agora a inferência é inteiramente sobre o passado, mas o raciocínio é o mesmo. A característica central das inferências indutivas é, assim, que elas envolvem inferências de casos observados para casos não observados. É dito, algumas vezes, que o princípio sobre o qual as inferências indutivas repousam é que o futuro será como o passado. Mas o princípio real é que casos não observados são como casos observados. É claro que a Perspectiva Padrão e o fundacionismo moderado contam com o mérito epistemológico do raciocínio indutivo. Não são apenas nossas predições sobre o que acontecerá no jardim que são em perigo. A justificação da sua crença que sua cadeira favorita irá lhe suportar em vez de ejetá-lo quando você sentar nela depende de indução. Muito do que usualmente tomamos como conhecimento similarmente depende da legitimidade do raciocínio indutivo. Existe, entretanto, uma questão filosófica de longa data sobre os méritos de tal raciocínio. Voltaremo-nos para isso.

B. O problema de Hume David Hume levantou uma questão sobre os méritos das inferências indutivas que inquietou bastante os filósofos. Expresso mais simploriamente, o problema de Hume (ou questão) é: Temos uma boa razão para aceitar as conclusões dos argumentos indutivos? Esses argumentos são bons? Uma afirmação (statement) clássica do problema de Hume está na seguinte passagem: Todos os raciocínios podem ser divididos em dois tipos, a saber, raciocínio demonstrativo, ou que diz respeito a relações de idéias; e raciocínio moral, ou que diz respeito às matérias de fato (matters of fact) e à existência. Que não haja argumentos demonstrativos no caso parece evidente; desde que implique em não contradição que o curso da natureza possa mudar, e que um objeto, aparentemente igual aquele os quais temos experiência, poderia ser acompanhado de efeitos diferentes ou contrários. Eu não posso imaginar clara e nitidamente que um corpo, caindo das nuvens, o qual, em todos outros aspectos, assemelhe-se com neve, tenha ainda o gosto de sal ou sensação de fogo?3

Hume diz aqui que o raciocínio em inferências indutivas não é demonstrativo. Isso é dizer que as conclusões podem ser falsas ainda que as premissas sejam verdadeiras. Isso certamente é verdade. Na próxima passagem ele continua a considerar a possibilidade dos argumentos indutivos envolverem ‘raciocínio moral’. Ele não quer dizer com isso que eles envolvem questões sobre a moralidade, mas que ‘esses argumentos devem ser prováveis apenas.’4 Ele escreve: ... todas as nossas conclusões experimentais procedem da suposição que o futuro será conforme o passado. Procurar, então, a prova dessa última suposição através de argumentos prováveis, ou argumentos com respeito à existência, deve ser, evidentemente, entrar em um círculo e admitir isso, o qual é o mesmo ponto em questão.5

3

David Hume, Enquiry Concerning Human Understanding (Ensaio Sobre o Entendimento Humano), 2a ed., editado por L. A. Selby-Bigge (Oxford: Oxford University Press, 1962), Seção IV, Parte II, p. 35 4 Enquiry Concerning Human Understanding (Ensaio Sobre o Entendimento Humano), Seção IV, Parte II, p. 35 5 Enquiry Concerning Human Understanding (Ensaio Sobre o Entendimento Humano), Seção IV, Parte II, p. 3536


A idéia aqui parece ser que se você pensa que inferências indutivas são boas inferências porque elas têm funcionado, então você está nesse mesmo argumento que conta com a suposição que o futuro será como o passado. Você está, com isso, assumindo a mesma coisa em questão. A questão era: Por que pensamos que inferências indutivas são boas inferências? Por que pensamos que o futuro será como o passado? Para fazer essa suposição argumentando que será dessa forma é assumir a mesma coisa em questão. Como notado anteriormente, inferências indutivas são na verdade inferências dos fenômenos observados para os não observados, e inferências do passado para o futuro são apenas um caso particular disso. Mas elas são instâncias claras e interessantes de raciocínio indutivo, e será inócuo seguir a vanguarda (lead) de Hume e discutir a indução como se ela sempre envolvesse inferências do tipo passado-para-o-futuro (past-to-future). PF. O futuro será como o passado. (Ou, um pouco mais preciso, se x porcento de As observados foram Bs, então X porcento dos As não observados são Bs.) Poderíamos também ter formulado isso como uma uniformidade do princípio da natureza, desde que isso falasse que padrões encontrados para conter a natureza continuem contendo-a. Existem detalhes sobre esse princípio que necessitam atenção. Obviamente, uma inferência específica desse tipo é forte quando muitos As em diversas circunstâncias foram observados. Além disso, o futuro não será, certamente, igual ao passado em todos os aspectos. Uma pessoa com 49 anos perto (temporalmente) do seu próximo aniversário poderia usar (PF) argumentando que porque em todos os seus aniversários até agora ela esteve abaixo dos 50 anos, ela estará abaixo dos 50 também no próximo. Claramente, alguma coisa está errada aqui. Entretanto, desde que Hume esteja desafiando a idéia de que nada parecido com (PF) está justificado, nós estabeleceremos esses detalhes aparte. Uma das formas de interpretar os comentários de Hume é o seguinte. Inferências indutivas dependem do princípio (PF) ou alguma variação dele. Mas (PF) não é uma verdade necessária; ele não pode ser provado por um argumento demonstrativo. E se tentarmos estabelecer (PF) em termos de algum argumento não-demonstrativo (ou moral), contaremos com o próprio (PF). Argumentamos, com isso, ‘em círculo’ (‘in a circle’) e falhamos ao estabelecer o princípio. E não existe nenhum outro argumento disponível para (PF). A própria perspectiva de Hume parece ser que a mente é tal que fazemos essas inferências como resultado do hábito, mas não existe uma justificação real para elas. Essa é uma conclusão decepcionante e cética. Se for verdade que a ciência conta com, essencialmente, raciocínio indutivo, se segue disso que não existe boa justificação para o raciocínio científico. Se a alegação (contention) da Perspectiva Padrão que conhecemos muito sobre o mundo depende da suficiência do raciocínio indutivo, então o argumento de Hume coloca em dúvida a Perspectiva Padrão. Se o fundacionismo moderado implica que o raciocínio indutivo produz conclusões justificadas, então o problema de Hume o põe em dúvida. Não é surpreendente que muitos filósofos tenham tentado encontrar uma resposta ao problema de Hume. Devemos expor uma forma precisa do Argumento de Hume como a seguir: Argumento 7.5: Argumento de Hume 5-1. Se (PF) pode ser justificado, então ele pode ser justificado ou por um argumento ‘demonstrativo’ ou por um argumento ‘moral’ (uma inferência dos fatos observados).


5-2. Apenas verdades necessárias podem ser justificadas por argumentos demonstrativos. 5-3. (PF) não é uma verdade necessária. 5-4. (PF) não pode ser justificada por um argumento demonstrativo. (5-2), (5-3) 5-5. Todos os argumentos morais assumem a verdade de (PF). 5-6. Qualquer argumento para (PF) assumiria a verdade de (PF). (5-5) 5-7. Qualquer argumento para um princípio que assume a verdade daquele princípio falha ao justificar aquele princípio. 5-8.

(PF) não pode ser justificado por um argumento moral. (5-6), (5-7)

5-9. (PF) não pode ser justificado. (5-1), (5-4), (5-8) Esse argumento é válido. As linhas (5-4), (5-6), e (5-9) se seguem de passos anteriores. Então as únicas respostas legitimadas envolverão a rejeição de uma das outras premissas: (5-1), (5-2), (5-3), (5-5), (5-7). Cada uma dessas premissas parece bastante razoável. Talvez estejamos perplexos com a conclusão surpreendente de Hume. Merece ênfase que o problema de Hume não depende, pelo menos não explicitamente, do ceticismo dos altos padrões. Ele não está perguntando como podemos estar certos que (PF) é verdadeiro. Contrariamente, eles está negando que possamos ter uma boa razão para acreditar em (PF).

C. Três Repostas ao Problema de Hume C1. Defesas Indutivas da Indução Alguém pode tentar responder ao problema de Hume mostrando que a indução funciona. Isto é, fizemos boas inferências indutivas no passado, então é razoável concluir que as inferências indutivas continuarão funcionando. Como um argumento para (PF), esse pensamento pode ser formulado como a seguir: Argumento 7.6: O Argumento Indutivo para (PF) 6-1. (PF) foi verdadeiro no passado.

6-2. (PF) será verdadeiro no futuro. (6-1)

Talvez de (6-2) continuaríamos para inferir que (PF) é simplesmente verdadeiro, e então que estamos justificados ao fazer uso dele. Se o Argumento 7.6 justifica (PF), é necessário também expor algum defeito (flaw) no argumento de Hume. Voltaremos a esse ponto em breve.


Hume, certamente, poderia pensar que o Argumento 7.6 é uma versão do tipo de argumentos que ‘andam em círculos’ e ‘admitiria... o mesmo ponto em questão’. Uma forma de um argumento assumir o ponto em questão poderia ser tomando o mesmo ponto como premissa. Nesse caso, desde que a verdade de (PF) seja o ponto em questão, um argumento objetável teria (PF) como uma premissa. Mas a premissa do Argumento Indutivo para (PF) parece não tomar o ponto em questão como premissa. Uma resposta a Hume, então, é que a premissa (5-5) do seu argumento é falsa. O Argumento 7.6 é um argumento moral para (PF), mas ele não assume a verdade de (PF). A razão para o Argumento 7.6 não assumir a verdade de (PF) é que (PF) não está entre as suas premissas. E uma vez que (5-5) é rejeitada, os passos restantes do argumento são deixados sem suporte. O Argumento de Hume parece estar solapado. Existe, entretanto, uma segunda forma na qual um argumento pode assumir o ponto em questão. Uma forma é tendo a regra como uma premissa explícita. Isso é o que discutimos até agora. A outra forma é fazer com que a regra conecte a(s) premissa(s) do argumento à sua conclusão. Isso é o que acontece no caso do Argumento 7.6. (PF) não é uma premissa do argumento, mas é a regra da inferência ou o princípio da inferência que conecta a premissa do Argumento 7.6 à sua conclusão. Se alguma regra de inferência está em questão – se estamos em dúvida se estamos justificados ao usá-la – então um argumento que utiliza essa mesma regra assume a verdade dessa regra. (PF) é a mesma regra exigida para da premissa se chegar a conclusão do Argumento 7.6, então esse argumento assume a verdade de (PF). Por isso, a premissa (5-5) é verdadeira afinal.6 O argumento falha ao responder o desafio de Hume. O fato que o Argumento 7.6 não fornece uma resposta adequada para Hume não mostra que a premissa do Argumento 7.6 é falsa ou que os argumentos indutivos são, em geral, defeituosos. O problema é que esse argumento não estabelece a legitimidade do uso de (PF) em uma circunstância na qual sua legitimidade do uso está em dúvida.

C2. Defesas Pragmáticas de (PF) Alguns filósofos perceberam que o raciocínio indutivo possui certas vantagens sobre qualquer estratégia concorrente para formar crenças sobre coisas não observadas.7 Duas analogias aparentadas revelarão a idéia. Primeiro, considere uma situação na qual uma médica vá executar uma operação em um paciente. A médica não está certa que a operação funcionará, mas ela sabe que A. Se algo adiantará para salvar o paciente, esse algo é a operação. Para o segundo caso, suponha que você esteja na seguinte situação infortunada: ... você foi forçosamente posto em um quarto fechado e disseram que sua vida depende da sua vitória ou não em uma aposta. O objeto da aposta é uma caixa com luzes vermelhas, azuis, 6

É possível que um defensor da justificação indutiva da indução conteste a premissa (5-7). A afirmação seria que a justificação indutiva apela, de fato, para (PF) (da maneira descrita no texto), mas que o argumento ainda pode justificar o princípio. As considerações apresentadas nesse presente parágrafo pareceriam, igualmente, solapar essa resposta. 7 Veja Hans Reichenbach, Experience and Prediction (Experiência e Predição) (Chicago: University of Chicago Press, 1938)


amarelas e laranjas nela. Você não sabe nada sobre a construção da caixa, mas é dito que ou, de todas as luzes, alguma delas, ou nenhuma delas ligará. Se a luz colorida que você escolheu ligar, você vive; se não, você morre. Mas antes de fazer sua escolha, também lhe é dito que nem as luzes azuis, nem amarelas, nem laranjas, podem ligar sem que a vermelha também esteja ligada. Se essa é a única informação que você possui, você certamente apostará na vermelha.8

Nessa situação é verdade que B. Se alguma aposta terá êxito, então a aposta na vermelha será exitosa. Advogados da justificação pragmática da indução alegam que alguma coisa similar é verdadeira da indução; Eles dizem C. Se algo funcionará para formar crenças acuradas sobre coisas não observadas, esse algo é a indução. A razão de (C) ser verdadeira tem a ver com a natureza auto-retificante (auto-correcting) da indução. Suponha que alguma coisa rival à indução seja considerada. Talvez ler folhas de chá forneça uma alternativa para formar crenças verdadeiras sobre o futuro. Neste caso, esse padrão será descoberto em algum momento. E o raciocínio indutivo, por fim, o aprovará (will sanction). Isto é, a indução autorizará (will license) uma argumento para a conclusão que predições baseadas em folhas de chá são verdadeiras. Se uma política (policy) geral de formar crenças funciona corretamente, a indução, conseqüentemente, a aprovará. Isso pode levar tempo, então o caso para (C) não é exatamente paralelo ao caso (A) e (B), mas ele ainda assim fornece algum tipo de defesa (vindication) de (PF). A resposta paradigmática ao Argumento de Hume, então, é que existe outra forma de justificar (PF) em adição aos argumentos demonstrativos e morais. Existe o argumento paradigmático recém dado. Logo, a premissa (5-1) é falsa. Essa justificação do raciocínio indutivo pode fornecer menos do que alguém poderia querer. Primeiro, reconsidere as analogias. Ainda que (A) seja verdadeira, não se segue disso que a operação tenha mais chance de ser exitosa. Ainda que (B) seja verdadeira, não há razões para pensar que uma aposta no vermelho será exitosa ou, ainda, que seja mais provável (or is even likely to be successful). A operação e a aposta poderiam ser nada mais do que a melhor entre as piores opções. Não é claro que essa defesa da indução implique que a indução é algo melhor do que a melhor opção entre um conjunto de más opções. Além disso, o ponto sobre a natureza auto-retificante da indução é um pouco enganoso. Se a natureza é uniforme, então a indução, conseqüentemente, levará a bons princípios (presumivelmente), mas se não é o caso, logo a indução não precisa levar a bons princípios. Não existe nenhuma garantia (guarantee) que a indução produzirá bons princípios para a formação de crenças sobre as coisas não observadas.

8

Brian Skyrms, ‘The Pragmatic Justification of Induction’ (A Justificação Pragmática da Indução), Choise and Chance, 2ª Edição (Belmont, CA: Wadsworth, 1975), p. 43.


Finalmente, se o que foi procurado é um caso para a racionalidade epistêmica de (PF), a defesa parece ser insuficiente. Isso não mostra que temos boas razões para acreditar que (PF) é verdadeiro. No máximo, isso mostra que estamos ao menos usando (PF) em circunstâncias satisfatórias assim como usaríamos qualquer alternativa a ele. Isso é menos do que foi procurado. Logo, essas considerações sugerem que não existe justificação pragmática da indução no sentido de ‘justificação’ preterido por Hume. O Argumento de Hume não foi refutado. C3. Uma Defesa a priori da Indução O Argumento de Hume é sobre o princípio do passadopara-o-futuro (past-to-future), (PF). PF. O futuro será como o passado. Hume diz, corretamente, que nenhum argumento ‘demonstrativo’ verifica (establishes) (PF). Não é verdade por definição, e argumentos demonstrativos são aqueles que provam aquele tipo de coisa. Hume diz que qualquer argumento para (PF) baseado na experiência é ‘circular’, ou pressupõe a mesma coisa em questão. E isso parece estar igualmente correto. Em um capítulo de Os Problemas da Filosofia (The Problems of Philosophy), Bertrand Russel tenta apontar o mesmo problema que Hume discutiu, mas, de maneira interessante, ele formulou o princípio em discussão de forma um pouco diferente. Uma versão um pouco simplificada da afirmação discutida por Russel é PFR. Sabendo que as coisas foram de tal maneira no passado lhe proporciona uma boa razão para crer que elas serão dessa mesma tal maneira no futuro.9 A diferença chave entre (PF) e (PFR) é que o último é sobre o que temos razão para crer. Se (PFR) é verdadeiro, então as premissas dos argumentos indutivos podem nos fornecer conclusões, com boas razões para crermos nelas. Essas razões, com certeza, não são conclusivas. Alguém pode ter outras razões que anulam (defeat), ou solapam (undermine), a conclusão de um bom argumento indutivo diferente. (A pessoa de 49 anos de idade que pensa ainda que estará abaixo dos 50 em seu próximo aniversário tem tais razões). (PF) e (PFR) também diferem na maneira que é diretamente relevante para o Argumento de Hume. Hume está certamente correto ao dizer que (PF) não é verdadeiro por definição e que não pode ser verificado por meio de uma argumento ‘demonstrativo’. As coisas poderiam mudar amanhã, como ele diz. (PF) não é necessariamente verdadeiro. Mas esse mesmo fato não ratifica que (PFR) não seja verdadeira por definição10. Uma analogia imperfeita ilustra o porque. Suponha que exista um jarro com 1000 pedras de mármore nele. Você sabe que 999 das pedras são pretas e uma é branca. Você escolhe, randomicamente, uma das pedras, mas não olha para ela. Você pensará que pegou uma preta, e que essa é uma crença razoável. Agora compare: 9

Bertrand Russell, ‘The Problems of Philosophy’ (Os Problemas da Filosofia) (Oxford: Oxford University Press, 1959), p. 65. Russell continua formulando explicitamente de uma maneira diferente, e mais detalhada, o princípio. 10 A idéia aqui apresentada é baseada na proposta feita por Peter F. Strawson em ‘Introduction of Logical Theory’ (Introdução da Teoria Lógica) (New York: John Wiley & Sons, 1952).


M1. Se existem 1000 pedras de mármore no jarro, 999 são pretas, 1 é branca, e 1 foi randomicamente escolhida, então essa escolhida é preta. M2. Se você sabe que existem 1000 pedras de mármore no jarro, 999 são pretas, 1 é branca, e que 1 foi escolhida randomicamente (e você não tem nenhuma informação relevante), então é razoável para você acreditar que a selecionada é preta. (M1) e (M2) são relacionados um a outro de forma muito parecida a que (PF) e (PFR) estão relacionados um a outro. (M1), como (PF), diz que se uma condição prevalece, então outra prevalecerá. (No caso de (PF), a primeira condição é que alguma regularidade foi mantida no passado, e a segunda é que ela será mantida no futuro.) (M2), como (PFR), diz que se você sabe que a primeira condição prevalece então você tem boas razões para pensar que a segunda prevalece. (M1) não é necessariamente verdadeira. Realmente, existem situações nas quais (M1) é falsa. É falso no caso no qual você seleciona a pedra branca. Em contraste, (M2) pode ser necessariamente verdadeiro. Muito plausivelmente, a definição ou natureza do conceito de ser racional faz disso verdade. Não existe situação possível na qual a situação no antecedente possa ser verdadeira, mesmo você não seria razoável acreditando que a pedra selecionada é preta11. (M2) é algo que podemos saber que é verdade a priori; isto é, podemos saberia isso simplesmente pelo entendimento dos conceitos envolvidos. Não temos que observar casos e inferir sua verdade12. Analogamente, de acordo com a presente reposta ao problema de Hume, (PFR) é verdadeiro por definição e então conhecível a priori. É parte do conceito de ser razoável usar os casos do passado como guia do futuro. Não existe situação possível na qual a condição dita por (PFR) – o conhecimento que as coisas aconteceram de certa forma no passado – poderia falhar ao lhe fornecer uma boa razão para pensar que as coisas serão dessa forma no futuro. Pode haver casos nos quais aquela crença é falsa, e pode haver casos nos quais aquela boa razão é anulada (overriden) por outras razões (como no exemplo sobre a pessoa de 49 anos predizendo sua idade em seu próximo aniversário). Mas não existem casos nos quais uma informação sobre regularidades do passado falhe ao fornecer alguma razão para crenças sobre o futuro. Isto é, exatamente como um ser razoável funciona. A resposta ao Argumento de Hume, então, é que o argumento como formulado é forte. (PF) não pode ser provado. Entretanto, o mérito epistêmico do raciocínio indutivo não depende da verdade de (PF). Em vez disso, o raciocínio indutivo depende da verdade de (PFR). E, de acordo com a presente resposta, (PFR) é uma verdade necessária. Se o Argumento de Hume fosse reformulado para ser sobre (PFR), ele teria uma versão da premissa (5-3) modificada, para ser sobre (PFR). Essa premissa seria 5-3*. (PFR) não é uma verdade necessária.

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Assumindo, é claro, que você não possua evidência anuladora (defeating evidence) sobre a sua cor. O assunto relativo ao conhecimento a priori é um assunto complexo e controverso. A afirmação aqui é simplesmente que (PFR) é o tipo de coisa que podemos saber simplesmente através do entendimento, da mesma forma como pode ser sabido que todos os solteiros são homens ou que todas as mães são mulheres. Para ver mais sobre o conhecimento a priori, veja o capítulo 8.

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Essa premissa é falsa. O Argumento de Hume não é forte quando modificado para contemplar (PFR). Note que essa resposta a Hume não conta com a suposição que qualquer um sabe que algum princípio ao longo das linhas de (PFR) é verdadeiro. A afirmação não é que, a fim de saber coisas por inferência indutiva, as pessoas tenham que estudar epistemologia para poderem ver que (PFR) é verdadeiro. Preferivelmente, (PFR) é verdadeiro, e, porque é verdadeiro, qualquer um (inclusive aqueles que não pensaram sobre ele) está justificado ao crer nas conclusões de bons argumentos indutivos. Em outras palavras, se você está justificado ao crer na premissa de um argumento indutivo, e não tem nenhuma evidência anuladora para sua conclusão, então você está justificado ao crer na sua conclusão.13

D. Indução e Folhas de Chá Os críticos podem pensar que a solução para o problema de Hume recém desenvolvida não é melhor do que meramente uma estipulação que a indução é razoável. Pode ser observado (It might be charged) que os defensores de outra prática para a formação de crenças sobre os objetos não observados defenderiam sua prática de uma forma parecida. Por exemplo, se a prática de uma pessoa é crer na primeira coisa que estala em sua cabeça sobre coisas não observadas, essa pessoa poderia argumentar que algo análogo a (PFR) relativo aquele método de formação de crenças é razoável. Ou, tomando um caso mais comum, considere uma leitora de folhas de chá, madame Malarkey. Exemplo 7.1: Madame Malarkey, a Leitora de Folhas de Chá Madame Malarkey usa a configuração das folhas de chá para formar crenças sobre objetos não observados. Se você quer saber alguma coisa sobre algum objeto, Madame Malarkey olhará nas folhas de chá, e através de alguma fórmula secreta, utilizará o que ela vê nas folhas para formar uma crença sobre o objeto não observado. Os críticos objetarão que seus métodos são absurdos irracionais (irrational nonsense). Uma forma de desafiá-la é perguntando se ela acha que suas crenças provaram estar corretas. Ela responde, é claro, que se preocupar com arquivos ou performances do passado é um preconceito completo aos indutivistas irracionais. As folhas de chá lhe dizem que elas mesmas são a forma de derivar. E, quando, mais além, desafiada, ela oferece uma defesa a priori de sua abordagem. Ela diz que existe um princípio que é verdadeiro por definição: TLR. Saber que as folhas de chá predizem que p será verdadeiro fornece boas razões para crer que p será verdadeiro

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Considerando isso, alguém poderia querer reexaminar o que foi dito anteriormente sobre a defesa indutiva da indução.


A defesa da Madame Malarkey é, certamente, uma bobagem (malarkey). Mas a resposta a priori da indução é melhor? A Madame Malarkey está tão bem fundamentada quando nós estamos? Talvez não. Existem coisas a serem ditas em nome da indução. Primeiro, suponha que isso confirme que não podemos oferecer uma prova que (PFR) é verdadeiro. É um erro inferir que isso é falso ou que nosso raciocínio indutivo não é razoável. Suponha que você possua algumas premissas (ou evidências) e acredite em algo baseado nelas. Uma coisa a ser dita é que a conclusão é razoável apenas se a evidencia fortaleça (supports) a conclusão. Outra coisa a dizer é que a conclusão é razoável apenas se você pode ‘mostrar’ ou ‘provar’ que a evidência fortalece a conclusão. É difícil ver porque a última, a mais forte, exigência é correta. Segundo, precisamos admitir que a Madame Markeley pode não estar impressionada com a nossa resposta. Mas devemos ser cuidadosos para distinguir esquemas: convencer céticos intransigentes ou tolos e ver se existe uma perspectiva sensata de acordo com o qual nossas crenças ordinárias sejam crenças razoáveis. Hume não era nem intransigente nem tolo. Mas é plausível pensar pensar que ele misturou (conflated) dois princípios, (PF) e (PFR). Talvez ele achasse algum mérito na resposta a priori, ainda se a Madame Malarkey não. Terceiro, e mais importante, existe uma boa razão para pensar que a defesa a priori da indução é superior a defesa da Madame Malarkey de (TLR). A razão é baseada na distinção entre princípios fundamentais e princípios derivados. Alguns princípios são, se verdadeiros, verdadeiros apenas derivativamente ou como resultado de algo mais fundamental. Se alguém propusesse, como um princípio fundamental, que é razoável acreditar que as coisas relatadas em um jornal específico, essa afirmação deve ser certamente rejeitada. Mesmo se o jornal é de fato merecedor de confiança, qualquer princípio especificamente sobre o jornal é um princípio derivativo. O mesmo é verdade para (TLR). Alguém pode imaginar, dificilmente, situações nas quais isso seria verdade. Talvez existam algumas situações possíveis, um pensamento não-realístico, nas quais algo observado sobre folhas de chá seja regularmente conectado a propriedades de objetos não observados que esse alguém investiga. Com tais padrões descobertos, seria razoável aceitar (TLR), ou algum variante dele. Mas não é o caso no mundo real. No mundo real nós temos boas razões para pensar que folhas de chá não são profetas confiáveis. De qualquer forma, (TLR) é o tipo de coisa que, se verdadeiro, no melhor dos casos, é verdadeiro de forma contingente. E, de fato, não temos evidências que seja verdadeiro. Por outro lado, (PFR) não é contingente ou derivativo da mesma forma. Quando entendido corretamente, não existe situação na qual não seja razoável utilizar padrões do passado (do tipo adequado) como guia dos resultados futuros. Finalmente, é possível que a idéia de inferência para a melhor explicação, a ser discutida mais tarde nesse capítulo, possa ser de alguma ajuda aqui. Retornaremos para esse ponto no fim do capítulo.

E. Conclusão


A defesa a priori da indução fornece uma resposta plausível ao problema que Hume põe ao raciocínio indutivo. A chave para a resposta exige olhar o problema não como verificando que o futuro será como o passado, mas particularmente como uma defesa da idéia que os casos do passado (ou observados) são utilizados como evidência para os casos do futuro (não observados). A resposta conta com a idéia que ele é um fato a priori sobre a natureza da evidência, não um fato contingente sobre como as coisas são no mundo real, que é razoável utilizar casos observados como evidência. Essa defesa deixa em aberto muitas questões difíceis sobre o raciocínio indutivo. Como notado, não é verdade que o futuro seja como o passado em todos os aspectos, nem é razoável acreditar que ele será. Sabemos que seremos mais velhos no futuro do que fomos a qualquer hora no passado. Determinar exatamente qual padrão observado é razoável para crer continuará sendo um problema excessivamente difícil.14 No entanto, a defesa a priori do raciocínio indutivo pelo menos fornece uma resposta apropriada ao problema de Hume. É seguro concluir que o Argumento de Hume não solapa o raciocínio indutivo e a Perspectiva Padrão.15

II. CETICISMO DOS PADRÕES-ORDINÁRIOS E MELHORES EXPLICAÇÕES16 A. Hipóteses Alternativas e Ceticismo Advogados da Perspectiva Padrão têm outro argumento para sua perspectiva. O argumento pode ser trazido à tona levantando uma simples, mas difícil, questão: O que, exatamente, é a característica da sua evidência que lhe oferece tão boa razão para pensar que, por exemplo, você realmente vê um livro em vez de estar dormindo, ou alucinado, etc.? Aqui, a questão não é uma certeza. Céticos que levantam essa questão admitem que não precisamos ter certeza para ter conhecimento. Entretanto, eles alegam que se nossa evidência é boa o suficiente para nos dar conhecimento, então nossa evidência deve ser boa suficiente para nos fornecer boa razão para pensar que nossas crenças ordinárias são verdadeiras e que as alternativas céticas são falsas. Entretanto, eles afirmam, quando alguém olha para a sua evidência, não é claro que nossas razões sejam tão boas. O assunto pode ser formulado um pouco mais precisamente como a seguir. Em algum momento, as observações correntes de alguém são experiências presentes e memórias aparentes. Eu, agora, pareço estar vendo um computador sobre a mesa, pareço lembrar ter visto o mesmo tipo de mesa ontem, e assim por diante. De forma mais geral, assim como eu pareço lembrar e experienciar coisas agora, minhas experiências seguem padrões. Os objetos 14

Esse problema é freqüentemente chamado de ‘A Nova Charada da Indução’ (‘The New Riddle of Induction’). A formulação clássica do enigma é encontrado em Nelson Goodman, Fact, Fiction, and Forecast (Fato, Ficção, e Previsão) (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1955). 15 No capítulo 8 consideraremos estender a defesa a priori da indução a questões sobre percepção e memória. 16 Ordinary-standards skepticism and Best explanations.


que eu experiencio ou ficam parados ou se movem em torno de formas relativamente estáveis. Os objetos, simplesmente, não aparecem ou desaparecem de uma forma randômica e desorganizada. Além disso, os lugares parecem similares através do tempo, ou eles mudam de forma regular. Meu escritório parece, hoje, aproximadamente da mesma forma que era ontem. Quando vou para casa, minha casa estará de forma semelhante como estava quando saí de casa. As plantas no meu jardim mudam gradualmente de forma regular. As coisas aparecem da mesma forma relativamente estável que objetos apareceriam ao indivíduo que percebe com um sistema perceptual relativamente estável. Podemos resumir isso como se segue: O. Eu tenho memória e experiência perceptual que são regulares e de forma ordenada. A explanação do senso-comum para (O) é CS. Existe um mundo com objetos físicos duradouros e relativamente estáveis. Minhas experiências são tipicamente causadas por aqueles objetos ao estimular meus órgãos sensitivos. É claro, (CS) pode ser desenvolvida de muitas formas. De fato, alguém pode observar muitos dos resultados de uma investigação científica descrevendo os detalhes dessa ‘teoria’ simples. Existem explanações alternativas que alguém pode oferecer para (O). Elas incluem: BIV. Eu sou um cérebro em um tonel conectado a um computador poderoso. O computador estimula meu cérebro, me dando experiências sensórias. O computador foi programado para tornar minhas experiências regulares e ordenadas. DR. Todas as minhas experiências são experiências de sonhos. Meus sonhos são (geralmente) relativamente sistemáticos e ordenados. EG. Minhas experiências são causadas por um gênio maligno. Esse gênio me faz ter experiências regulares e ordenadas a fim de me enganar ao crer em (CS). Essas explanações alternativas também são incompletas. Parece possível que elas também possam ser completadas de forma que forneçam explicações mais detalhadas de (O). A questão levantada pelos céticos dos padrões-ordinários é, ‘Por que acreditar em (CS) quando existem essas explanações alternativas dos nossos dados fundamentais?’ Atrás da questão levantada pelos céticos dos padrões-ordinários existe um argumento final para o ceticismo. A idéia principal no argumento é que a evidência que temos não nos fornece boa razão para acreditar nas proposições do senso-comum que todos acreditamos e não nas alternativas céticas mencionadas. O argumento pode ser formulado como a seguir: Argumento 7.7: O Argumento da Hipótese Alternativa 7-1. A evidência que as pessoas têm, (O), não fornece melhor razão para crer em proposições ordinárias do mundo externo e (CS), do que acreditar em uma hipótese rival cética, tal como (DR), (BIV) e (EG).


7-2. Se a evidência de alguém não fornece melhor razão para acreditar em uma hipótese do que em alguma hipótese rival, então esse alguém não está justificado em crer naquela hipótese.

7-3. As pessoas não estão justificadas em crer (e, portanto, não sabem) em proposições ordinárias sobre o mundo externo e (CS). (7-1), (7-2) Esse é um argumento válido e, mais uma vez, a conclusão assere uma tese cética significante. Então qualquer defensor da Perspectiva Padrão, e fundacionismo modesto, precisa encontrar uma boa resposta para o argumento. Para encontrar uma razão para negar (7-1), ele precisa descobrir razões para pensar que sua evidência realmente apóia nossas crenças de senso-comum e não as rivais. Para encontrar a razão para negar (7-2), ele precisa encontrar razão para pensar que nossas crenas podem estar justificadas ainda se elas não sejam melhores sustentadas que suas rivais.17 O fundacionismo modesto, como discutido no capítulo 5, assegura que nossas crenças perceptuais ordinárias são respostas ‘apropriadas’ para estímulos perceptuais. É plausível encarar o Argumento da Hipótese Alternativa como um desafio a essa perspectiva. As respostas a serem consideradas na próxima seção, então, são todas as maneiras de descrever uma resposta do fundacionismo modesto (ou moderado) ao argumento.

B. Três Respostas B1. Tradicionalismo Epistemológico O tradicionalismo epistemológico é a perspectiva que alguém está justificado em reter uma crença existente fornecida por uma evidência que não fornece melhor apoio para uma crença rival18. Essa perspectiva é epistemologicamente análoga ao que parece ser um suficientemente razoável princípio prático. Suponha que alguém esteja considerando trocar alguma posse material, tal como uma casa, um carro, ou um computador. Geralmente, seria bobagem comprar o substituto se o que foi trocado é igualmente bom àquele que o sujeito possuía antes da troca. Fazer uma troca não faz sentido ao menos que ela haja uma melhora, de uma forma ou outra, ao que já se tinha. Alguém pode, sabiamente, trocar um carro mais velho por um carro mais novo do mesmo modelo, através disso ganhando acréscimo de confiabilidade e características adicionais. Alguém poderia trocar uma casa existente por uma menor e menos cara se sua família ou circunstâncias financeiras indicam que será melhor desse jeito. Então o princípio não diz que sempre é melhor comprar coisas maiores e mais caras. Ele apenas diz que é mais inteligente fazer uma troca apenas quando algo é ganho com isso. Talvez uma razão para isso seja que existe sempre algum custo – financeiro ou outro qualquer – ao fazer uma troca. Seria bobagem arcar com esses custos para acabar na mesma situação que o sujeito que fez a troca já estava. Uma implicação desse princípio prático é digna de nota explícita. Suponha que existam dois caros muito similares, A e B. Você poderia estar na seguinte situação. Dada a 17

A discussão aqui foca na melhor explanação que abrange todas as nossas experiências. Versões mais estreitamente centradas dos mesmos assuntos podem ser desenvolvidas. Essas versões examinariam as melhores explanações de experiências específicas que alguém está tendo em um momento particular. Essencialmente, os mesmos pontos seriam aplicáveis. 18 Para uma discussão crítica dessa perspectiva, veja Richard Foley, ‘Epistemic Conservatism’ (‘Tradição Epistemológica’) Philosophical Studies 43 (1983): 165-82


similaridade dos carros, se você já é dono do carro A, então é razoável ficar com A e não é razoável trocá-lo por B. Mas se você já possuiu B, seria razoável permanecer com B e não seria razoável trocá-lo por A. Mesmo que o que você possui não seja melhor do que o outro, permanecer com o que você já tem é mais razoável do que trocar. É essa preferência por ficar com aquilo que já se tem que torna esse princípio conservador. A tradição epistemológica diz que um princípio, de alguma forma, análogo ao recém descrito igualmente é válido ao acreditar. Quando nossa evidência confirma uma série de teorias igualmente boas, então se você já acredita em uma dessas teorias, é mais razoável continuar acreditando nela do que trocá-la. Realmente, o fato de você já acreditar em uma delas é o fator que desequilibra. Aplicado ao Argumento da Hipótese Alternativa, o tradicionalismo epistemológico diz que (7-2) é falsa: É razoável manter nossas crenças do senso-comum embora não sejam melhor sustentadas por nossas evidências do que as rivais. O tradicionalismo epistemológico é matéria de uma importante objeção. Para começar, existe uma forma significante na qual a analogia entre o acreditar e as ações práticas falha. Suponha que você já é dono de um caro e está considerando ficar com ele ou trocá-lo. Como estamos entendendo esse exemplo, todas as suas opções incluem possuir um carro ou outro. Talvez você escolha não ter nenhum, mas isso, podemos assumir, é uma opção terrível para você. Nos exemplos de crença, porém, você tem a opção de suspender o juízo sobre as proposições em questão. Para ver a significância disso, considere o exemplo a seguir: Exemplo 7.2: Dois Suspeitos O detetive Jones limitou, definitivamente, os suspeitos de um crime a dois indivíduos, Lefty e Righty. Existem boas razões para pensar que Lefty cometeu o crime, mas existem razões igualmente boas para pensar que Righty o fez. Existem razões conclusivas para pensar que nenhum outro indivíduo além de Lefty ou Righty cometeu o crime. O que Jones deveria pensar? Sobre essas circunstâncias, seria claramente não razoável para ele pensar que Lefty o fez e não Righty. Seria igualmente não razoável para ele pensar que Righty o fez e não Lefty. Claramente, ele deveria suspender o juízo sobre se Lefty cometeu o crime, e, igualmente, deveria suspender o juízo sobre se Righty o cometera. Além disso, o mero fato que dele já acreditar que um deles, dito Lefty, o cometera, não é de nenhuma significância epistemológica seja qual for. Suponha que Jones encontre uma evidência sobre Lefty primeiro e então razoavelmente passe a acreditar que Lefty cometeu o crime. Uma vez que ele percebe que existe, igualmente, boa evidência para a proposição que Righty o cometera, ele deveria parar de acreditar que Lefty o cometera. Retornando ao assunto prático do carro, quando uma pessoa que é dona de um carro percebe que existe outro carro igualmente bom, mesmo que esse possa ser negociado sem custo algum, não é verdade que ele deveria livrar-se do carro já possuído. Parte da razão para isso é que não existe algo análogo à suspensão de juízo. Pode ser que existam alguns custos ao trocar crenças. Pelo menos, pode ser cognitivamente disruptivo19 (disruptive). Pode haver outras crenças que precisam ser mudadas quando aquela em consideração é trocada. Isso levaria você a pensar que existem fatores a serem pensados contra as considerações evidenciais e que essas outras considerações alterariam o resultado em alguns casos. Mas ao pensar junto com essas linhas está se permitindo a entrada de considerações práticas nas avaliações epistemológicas. Como vimos 19

Que rompe ou produz ruptura.


nos capítulos anteriores, pode haver considerações relevantes para crenças, mas tais considerações não afetam a avaliação epistêmica das crenças. É possível que os defensores do tradicionalismo epistemológico possam achar uma forma de modificar sua teoria para evitar a objeção levantada. Talvez exista alguma diferença relevante entre as crenças do detetive no exemplo recém dado e nossas crenças ordinárias que um princípio conservador apropriadamente modificado poderia apelar. Mas até que uma diferença seja estabelecida, é melhor olhar além do tradicionalismo epistêmico ao desenvolver uma resposta para o Argumento da Hipótese Alternativa. B2: Justificação Perceptual Imediata Alguém poderia pensar que nossas evidências provindas da experiência realmente são evidências melhores para proposições de que existem coisas assim como parecemos experiência-las do que para a proposição que estamos sonhando que existam tais coisas, ou que estamos sendo enganados por um demônio maligno ou por um computador ao pensar que existem tais coisas, ou qualquer alternativa cética específica. Defensores dessa perspectiva rejeitarão a premissa (7-1) do Argumento da Hipótese Alternativa. Uma declaração dessa perspectiva pode ser encontrada no trabalho de Roderick Chisholm. Nessa Teoria do Conhecimento (Theory of Knowledge), Chisholm propõe como princípios epistemológicos fundamentais tais princípios como a seguir: Se S acredita que percebe que algo tem certa propriedade F, então a proposição que ele percebe que algo é F, assim como a proposição que existe algo que é F, é tal que seja razoável para S.20

Note que o antecedente desse princípio exige que S acredite que ele percebe algo que é F, não meramente que seja verdade que ele parece ver algo F. Então esse princípio pode não se adequar a nossa situação exatamente, porque a perspectiva fundacionista modesta que consideramos toma a evidência fundamental como sendo as experiências perceptuais, não as crenças sobre elas. Ainda, a perspectiva de Chisholm é fechada o bastante para ser relevante aqui. O que merece destaque é que Chisholm não deriva esse princípio de outro, de verdades mais fundamentais. Alguém pode imaginar um cético produzindo um princípio rival, que quando alguém tem uma experiência e acredita que está sonhando ou que está sendo enganado por um demônio maligno, ele é razoável nessas crenças. A perspectiva de Chisholm seria que seu próprio princípio é correto e que esses outros são errados. Ele defenderia sua perspectiva em parte notando que seu princípio pode explicar como temos conhecimento do mundo externo. A abordagem de Chisholm sustenta alguma similaridade com a perspectiva de Moore discutida anteriormente. Outro filósofo que defende uma perspectiva nesse sentido é James Pryor. Ele escreve: Minha perspectiva é a que não importa quando você tem uma experiência como de p, você então, imediatamente, tem uma justificação prima facie para crer em p. Suas experiências não, da mesma forma, lhe fornecem justificação prima facie para crer que você está sonhando, ou sendo enganado por um demônio maligno, ou crer em alguma outra hipótese cética.21

A idéia de Pryor é que nossas experiências perceptuais fazem parecer como se existissem certas coisas externas a nós, coisas tais como árvores, casas, outras pessoas, e assim por diante. Ele pensa que estamos justificados ao tomar as coisas como sendo aquilo que parecem, 20 21

Theory of Knowledge (Teoria do Conhecimento) (Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1966), p. 45 ‘The Skeptic and the Dogmatist’ (O Cético e o Dogmático), Nous 34 (2000):517-49. A citação é da p. 536.


desde que não existam evidências anuladoras. É por isso que ele fala que a justificação é meramente prima facie. Isso quer dizer que o apoio evidencial pode ser anulado por outra evidência. No caso geral, não é anulado. Pryor reconhece que alguém poderia gostar de ter uma explicação mais informativa do porque nossas experiências justificam nossas crenças do senso-comum. Ele rejeita um certo número de potenciais explicações. Por exemplo, sua perspectiva não é que nossas crenças do senso-comum sejam justificadas pelas nossas experiências porque existe uma conexão confiável entre elas.22 Alguém poderia tentar achar suficiente o fato que nossas crenças perceptuais parecem ser irresistíveis à luz das nossas experiências, mas Pryor nega que isso carregue alguma significância epistêmica.23 Nem pode dar qualquer peso para a descrição da ‘melhor explicação’, a qual será tratada na próxima seção. O melhor que ele fornece em defesa da sua perspectiva é que nossas experiências têm um tipo de ‘força fenomenal’: Quando vemos uma mesa, se ‘parece como se (feel as if)’ existisse, de fato, uma mesa lá. E isso, ele pensa, é significante. A tese da justificação perceptual imediata assim foi somada ao seguinte princípio: IPJ. A qualquer hora que uma pessoa tenha uma experiência como se fosse o caso de que p (as of p’s being the case), a pessoa tem imediatamente justificação prima facie para crer em p. Desde que essa justificação seja meramente prima facie, é possível que ela seja anulada. É também possível, certamente, para alguém ter uma segunda fonte de justificação para a proposição que tem justificação do tipo descrito em (IPJ). Logo, a proposição que existe uma mesa em frente a mim poderia ser justificada dessa forma, e poderia ter a justificação adicional do fato que eu ouvi alguém falando que existe uma mesa ali. Uma dificuldade para (IPJ) é que ela parece ser de certa forma ad hoc. Isso pode ser trazido à tona imaginando um defensor da teoria do gênio maligno. Tal pessoa pode igualmente asserir que nossas experiências ‘são apenas’ evidências para proposições sobre o gênio maligno e não para proposições sobre os objetos ordinários. Além disso, é possível que a idéia que nossas experiências fazem isso ‘parecer como se’ existisse objetos externos é um erro. Talvez nossas crenças resultem em parte do treinamento ou da doutrinação. Talvez elas resultem de uma propensão nata. Isso poderia ser bom para ter uma defesa mais geral da nossa posição escolhida. Então, alguém pode concordar com a afirmação de Pryor que nossas experiências nos fornecem razões para acreditar nas proposições do senso-comum e não nas alternativas céticas, mas alguém poderia também pensar que deve existir alguma descrição teórica mais geral de crenças razoáveis que explica esse fato. É possível que os defensores de (IPJ) defenderão sua perspectiva apelando a considerações similares àquelas usadas na defesa do raciocínio indutivo. A idéia era que usar casos observados como base para tirar conclusões sobre os casos não observados era simplesmente parte de uma idéia de bom raciocínio. Analogamente, defensores de (IPJ) poderiam afirmar, acreditar nas proposições do senso-comum sobre o mundo externo como base as experiências perceptuais apenas é bom raciocínio. Deve haver, os críticos alegam, alguma explicação do porque as experiências que temos justificam as crenças que elas produzem. Diferentemente de (PFR), princípios tais como (IPJ) e o princípio de Chisholm sobre a percepção não são princípios fundamentais. 22 23

‘The Skeptic and the Dogmatist’ (O Cético e o Dogmático), notas finais 6. ‘The Skeptic and the Dogmatist’ (O Cético e o Dogmático), notas finais 37.


Existe uma segunda, e possivelmente relatada, dificuldade para (IPJ). O princípio faz uso da idéia de que uma pessoa tem uma experiência como se fosse o caso de que p. Essa idéia parece razoavelmente clara. Quando você olha para uma mesa, você tem uma experiência como se fosse o caso que existisse uma mesa lá. Quando você vê um livro, você tem uma experiência como se fosse o caso que existisse um livro diante de você. Entretanto, existe uma questão difícil sobre essa idéia, como trazida à tona pelo seguinte exemplo: Exemplo 7.3: Três Pessoas em um Jardim Três pessoas, Expert, Novice, e Ignorant, estão em pé em um jardim olhando para um cárpino24. Eles têm uma visão clara e não obstruída da árvore. A aparência visual presente a cada um dos três no jardim é exatamente a mesma. (Pequenas diferenças devido a sua pouca diferença de posições são irrelevantes para o exemplo.) Expert sabe muitas coisas sobre árvores e pode facilmente identificar muitas árvores, incluindo essa, imediatamente. Novice conhece um pouco sobre árvores, mas cárpinos não lhe parecem familiares. Ignorant não sabe nada sobre árvores. Ele não sabe qual das coisas no jardim é uma árvore e qual é uma flor. Uma questão que um defensor de (IPJ) precisa encarar é essa: O que essas pessoas experienciam? Isto é, eles três têm uma experiência como se fosse o caso que houvesse um cárpino na sua presença, ou que existisse uma árvore na sua presença, ou que existe um objeto verde e marrom na sua presença? Ou eles têm experiências que diferem em termos de conteúdo? Se os defensores de (IPJ) afirmarem que todos eles têm uma experiência de haver um cárpino lá, então sua teoria parece produzir o resultado incorreto de que tanto Novice quanto Ignorant estão justificados em acreditar que existe um cárpino lá. Se os defensores afirmarem que eles todos têm uma experiência de haver uma árvore lá, então a teoria parece produzir o resultado incorreto de que Ignorant está justificado em acreditar que a coisa que ele está olhando é uma árvore. Talvez, então, os defensores de (IPJ) devam dizer que a experiência é apenas de que existe alguma coisa parcialmente verde e parcialmente marrom lá. Enquanto não obviamente inaceitável, isso torna o conteúdo daquilo que é imediatamente justificado mais limitado do que os defensores pareciam ter em mente. É possível aos defensores de (IPJ) argumentar que informações gerais (background information) e experiências anteriores possam afetar as experiências de alguém. Assim, ainda que Expert, Novice e Ignorant tenham visto experiências idênticas, Expert teve a experiência de haver um cárpino na sua presença, enquanto nem Novice nem Ignorant tiveram tal experiência. Novice (e, presumidamente, Expert) teve uma experiência como se fosse o caso que houvesse uma árvore lá, mas Ignorant não a teve. Deste modo, os defensores de (IPJ) podem explicar a aplicação da sua perspectiva para esse exemplo de uma forma que possa produzir os resultados desejados. Mas precisam admitir que a idéia daquilo que alguém toma como se fosse o caso que p, quando tem uma experiência, não é clara. Uma melhor descrição de como tudo isso funciona é necessária. Tem-se a impressão que os defensores dessa perspectiva estão, simplesmente, dizendo seja o que eles precisam para atingir os resultados desejados. Uma base teórica mais geral para essa perspectiva é desejável.

24

Gênero de árvore de madeira dura, existente no hemisfério norte.


Essas considerações, de forma alguma, são decisivas. Eles não refutam a idéia que algumas crenças perceptuais gozam de justificação prima facie imediata. Talvez a idéia possa ser estendida para a memória também: As crenças da memória também têm justificação prima facie imediata. Se é assim, temos uma resposta para a premissa (7-1) do Argumento da Hipótese Alternativa e alguma esperança que a Perspectiva Padrão, e o fundacionismo modesto, possam ser justificados. No entanto, as duas considerações recém levantadas mostrar que existe certa falta de clareza na idéia daquilo que alguém toma como se fosse o caso que p, quando tem uma experiência e que é, pelo menos, razoável se espantar com o porquê nossas experiências fornecem evidências para nossas crenças do senso comum ao invés de fornecer para suas alternativas céticas. Voltaremo-nos para uma perspectiva que tenta fornecer a explicação desejada. B3: Inferência para a Melhor Explicação Uma terceira resposta para o Argumento da Hipótese Alternativa divide com a segunda a afirmação que a premissa (7-1) do argumento é falsa. Mas a terceira resposta sustenta que não é um fato simples ou fundamental sobre a experiência perceptual que dá suporte para as nossas crenças do senso comum. Particularmente, de acordo com essa perspectiva, as crenças perceptuais são suportadas pelas nossas evidências experimentais da mesma forma como as teorias na ciência podem ser suportadas por evidências experimentais relevantes. Muito grosseiramente, a idéia é que podem existir muitas explicações teóricas alternativas de um evento particular ou padrão de eventos. Isto é, cada teoria fornece uma explicação do porque as coisas acontecem de tal forma. Mas, nessa perspectiva, pode haver argumentos teóricos para pensar que uma explicação é melhor que outra, e que essa melhor explicação é, portanto, mais razoável para se acreditar do que a outra.25 A idéia geral daquilo que conta como uma melhor explicação é razoavelmente familiar. No entanto, é extremamente difícil descrever a idéia de forma precisa. Um exemplo ilustrará a idéia. Exemplo 7.4: O Colega Variável Você trabalha em um escritório e possui um colega que trabalha com você todos os dias. Você nota que o comportamento do seu colega de escritório é bastante variável, embora não seja bizarro ou fora do comum. Alguns dias ele está de bom humor, outros dias não. Você pode abstrair duas explanações potenciais das suas observações. A explanação 1 é a que o humor de seu colega, e conseqüentemente seu comportamento, varia de acordo com a qualidade do seu sono. Essa explanação pode ser completada com descrições de porque ele dorme melhor em algumas noites do que em outras e explicações de como o sono afeta o comportamento. A explanação 2 é a que seu ‘colega’ é, na realidade, duas pessoas diferentes, irmãos gêmeos com personalidades acentuadamente diferentes. Eles nunca saem juntos em público e não deixam ninguém saber que são gêmeos. Eles falam, um para o outro, tudo o que

25

Uma defesa interessante dessa resposta ao ceticismo pode ser encontrada em Jonathan Vogel, Skepticism and Inference to the Best Explanation (Ceticismo Cartesiano e Inferência para Explicação)’, Journal of Philosophy 87 (1990): 658-66. Para discussão crítica, veja Richard Metaepistemology and Skepticism (Meta-epistemologia e Ceticismo) (Lanaham, MA: Rowman and 1995). Veja, especialmente, o capítulo 4.

‘Cartesian a Melhor Fumerton, Littlefield,


acontece todos os dias, de modo que não existem episódios relevantes nos quais parecem não saber coisas que deveriam lembrar de dias anteriores. Cada explanação é consistente com suas observações. Cada uma, de alguma forma, fornece uma explanação do porque você observa variações no comportamento. Pode haver algo exótico e intrigante sobre a explanação 2. No entanto, parece altamente não razoável aceitá-la. A explanação 1 é uma explanação muito melhor. Um dos motivos que faz da explanação 1 melhor é sua simplicidade em relação a explanação 2. A explanação 2 é de uma complexidade sem sentido. Ela introduz duas pessoas, com motivações e hábitos distintos, e um complexo esquema para enganar as pessoas, quando tal complexidade não é necessária para explicar esses dados. É muito mais razoável acreditar na estória da mudança de humor. Talvez uma segunda virtude da explanação 1 é que ela se ajusta melhor às nossas informações básicas sobre pessoas. As pessoas simplesmente não aceitam os esquemas complexos que a explanação 2 introduz. Um segundo exemplo pode ajudar a tornar a idéia mais clara. Suponha que nós vemos pegadas na areia ao longo da praia. As pegadas são da forma de botas usadas comumente pelas pessoas, apesar de não ser tipicamente usada por pessoas na praia. Poderíamos ter curiosidade em saber por que aquelas pegadas estão na praia. Existe uma explanação óbvia e um grande número de explanações alternativas. A explanação óbvia e a alternativa são T1. Pessoas calçando botas caminharam, recentemente, ao longo da praia. T2. Vacas calçando botas e caminhando sobre suas patas traseiras caminharam, recentemente, ao longo da praia. Tanto (T1) quanto (T2), quando convenientemente descritas, explicam as pegadas que você observa. Mas (T1) tem a virtude da simplicidade. Ela não introduz a complexidade desnecessária que (T2) introduz. (T1) é a melhor explicação. É necessário admitir que é muito difícil esclarecer em detalhes o que é a melhor explicação. Simplicidade e informações básicas são duas características mencionadas previamente. Entretanto, como Peter Lipton aponta, em uma discussão do tamanho de um livro da inferência para a melhor explicação, existem casos nos quais explanações, que parecem ser simples, são, no entanto, não razoáveis.26 Por exemplo, alguns teóricos da conspiração propõem explanações que unificam numerosos assassinatos importantes ou outros eventos políticos significantes. Eles propõem a existência de alguma organização internacional por trás de todos esses eventos. Existe um tipo de simplicidade para isso, em contraste às explanações diversas e independentes que a maioria dos peritos considera muito mais plausíveis. Talvez a teoria da conspiração seja complexa porque atribui um complexo conjunto de comportamentos e motivações para a organização, embora consiga unificar as explanações de muitos eventos. Lipton declara, brevemente, a aplicação da inferência para a melhor explicação para os céticos: [Como] parte de uma resposta ao cético cartesiano, que pergunta como podemos conhecer que o mundo não é apenas um sonho, ou que não somos cérebro em tonéis, o realista pode argumentar que estamos designados a acreditar no mundo externo desde que a hipótese que 26

Inference to the Best Explanation (Londres: Routledge, 1993). Veja especialmente o capítulo 4.


pressupõe isso forneça a melhor explicação das nossas experiências. É possível que tudo é um sonho, ou que somos cérebros em tonéis, mas essas não são explicações tão boas sobre nossas experiências quanto a que não estamos em um sonho, nem somos cérebros em tonéis, então somos designados, racionalmente, a crer no mundo externo.27

A resposta ao Argumento da Hipótese Alternativa, então, é que (7-1) é falso. Podemos demonstrar isso através de um argumento formal: Argumento 7.8: O Argumento da Melhor Explanação 8-1. As nossas evidências experimentais são melhores explicadas por (CS) que por (DR), (BIV), (EG), ou qualquer outra alternativa disponível. 8-2. Se uma explanação explica melhor a evidência de alguém do que outra, alternativa, então a evidência de alguém suporta, de maneira melhor, tal explanação e nenhuma outra.

8-3. Nossa evidência melhor suporta (CS) do que (DR), (BIV), (EG), ou qualquer outra alternativa (então (7-1) do Argumento da Hipótese Alternativa é falso). (8-1), (8-2).28 Em apoio à (8-1) podemos apontar o fato que as explanações alternativas trazem um tipo de complexidade – computadores espantosamente sofisticados, gênios malignos monitorando nossos pensamentos, sonhos ordenados de forma não plausível. Essas explicações parecem ser ad hoc, complexas e ridículas. O Argumento da Melhor Explanação parece promissor. Ainda existem problemas difíceis. Existem, como notado, questões sobre o que, exatamente, em geral, conta para uma melhor explanação. Existe, além disso, a questão de por que, exatamente, a hipótese do gênio maligno é tão má explanação. De certa forma, ela é elegante e simples. Em vez de um mundo complexo de objetos eternos, ela propõe uma causa universal de todas as coisas. Existe algo de simples nisso. Então (8-1) não é, obviamente, verdadeira. Finalmente, existe uma difícil questão sobre (8-2). Como formulada, essa premissa diz que uma pessoa está justificada em crer em uma proposição quando ela é uma melhor explanação para os dados relevantes do que sua rival. Uma difícil questão é se é suficiente para a explanação ser realmente a melhor explanação, ou se a pessoa precisa perceber que ela é a melhor explanação? O exemplo 7.3 pode ser usado para ilustrar a base para se pensar que (8-2) deveria ser revisada para incluir a exigência que a pessoa percebe que a explanação é a melhor. Nesse exemplo, Expert, Novice e Ignorant estavam olhando para aquilo que era, realmente, um cárpino. Novice não era capaz de identificar a árvore, a propósito olhada. Mas suponha que Novice tivesse curiosidade do porque a árvore parecia de tal forma e porque tinha folhas da forma particular que tinha. Em um uso do termo ‘melhor explanação’, parece correto que a melhor explanação da experiência de Novice era que existia um cárpino na 27

Inference to the Best Explanation, p. 72 (8-3) nega a premissa (7-1) do Argumento das Explanações Alternativas. Mas (8-3) não implica que estamos justificados ao crer em (CS). (8-3) deixa em aberto a possibilidade que (CS) seja, meramente, a melhor de um conjunto de más explanações, e então não justificada. Para usar o tipo de perspectiva sobre consideração aqui para suportar a afirmação que nossas crenças do senso-comum são justificadas, em vez de apenas refutar (7-1) do argumento, seria necessário defender uma afirmação mais forte: (CS) não é apenas melhor que as rivais, mas é uma explanação muito boa. Defensores do fundacionismo moderado (modesto) que apelam para as explanações alternativas provavelmente também defendem essa afirmação mais forte. 28


frente dele. Depois de tudo, nada mais poderia se parecer com aquilo. Mas então, por (8-2), Novice está justificado que vê um cárpino. Entretanto, esse não é o resultado correto. Nós poderíamos nos esquivar desse problema revisando (8-2), exigindo que uma explanação não seja, meramente, a melhor explanação, mas que o sujeito que crê (believer) tenha razões para acreditar que ela é a melhor explanação. Novice, no exemplo recém considerado, não satisfaz essa condição. Então o novo princípio poderia possui os resultados corretos. Isso sugere que o Argumento da Melhor Explanação precisa de uma revisão, talvez ao longo das seguintes linhas: Argumento 7.9: O Argumento da Melhor Explanação (Revisado) 9-1. Nós estamos justificados em crer que nossas evidências experimentais são melhores explicadas por (CS) do que por (DR), (BIV), (EG), ou qualquer outra alternativa. 8-2. Se estamos justificados em crer que uma explanação explicar melhor as evidências de alguém, então as evidências de alguém sustentam de forma melhor essa explanação do que qualquer outra.

8-3. Nossa evidência melhor suporta (CS) do que (DR), (BIV), (EG), ou qualquer outra alternativa (então (7-1) do Argumento da Hipótese Alternativa é falso). (9-1), (9-2). Talvez (9-2) evita o problema sugerido por (8-2). E talvez (9-1) seja igualmente aceitável, ao menos para aqueles (de nós) que pensam sobre esses assuntos. Mas existe uma questão para se preocupar aqui. Se a perspectiva da melhor explanação é adequada para defender a Perspectiva Padrão, e o fundacionismo modesto, então é necessário que considerações sobre melhores explicações justifiquem as crenças das pessoas que não pensam (people who have not given a moment’s thought) sobre assuntos céticos e sobre o mérito comparativo dessas explanações. Assim, se essa aproximação é para dar conta do conhecimento de todos, então, aparentemente, ainda aqueles que nunca pensaram sobre nada disso precisam estar justificados ao crer que (CS) explica suas observações de maneira melhor que as suas rivais. Talvez isso seja verdade, mas é mais provável que críticos tenham reservas sobre essa visão. Deste modo, eles estariam mais inclinados a aceitar (8-1) do que (9-1). Existe, portanto, um dilema para os defensores da reposta da melhor explanação ao ceticismo. A premissa (8-1) parece mais plausível que (9-1), ao menos se o ‘nós’ em (9-1) incluir pessoas normais que não pensam sobre o ceticismo. Mas a premissa (9-2) é consideravelmente mais plausível que (8-2), dada a objeção baseada no exemplo 7.3. A melhor opção para os defensores da perspectiva da melhor explanação é afirmar que (9-1) é verdadeira e afirmar que pessoas normais, que não pensam sobre esses assuntos, estão, apesar disso, justificadas em crer que (CS) é a melhor explanação das nossas experiências.29

C. Conclusão 29

Isso não é o mesmo que dizer que eles acreditam justificadamente (i.e., ter uma crença bem-fundada) que (CS) é a melhor explanação; isso é apenas afirmar que suas evidências suportam tal proposição.


As três respostas ao Argumento da Hipótese Alternativa abrangidas nessa seção não esgotam as possibilidades, mas elas dão uma boa indicação da variação (range) das respostas. O conservadorismo epistêmico parece ser sujeito a objeções definitivas. A idéia de que muitas crenças do senso comum desfrutam de justificação prima facie imediata tem certa plausibilidade, mas existe uma falta de clareza crucial nessa perspectiva e deixa não respondida o que parece ser uma questão perfeitamente lógica: Por que nossas experiências justificam nossas crenças do senso-comum mais do que qualquer outra coisa rival? A perspectiva da melhor explanação tenta responder essa questão. Ainda que existam questões difíceis sobre os detalhes dessa perspectiva, ela sobrevive como uma resposta plausível para o ceticismo de padrões-ordinários (ordinary-standads skepticism). Alguém pode querer saber se estamos justificados em crer que as melhores explanações estão sempre corretas. Alguém pode imaginar uma crítica levantando questões analogamente aquelas que Hume levantou acerca da indução. E a resposta pode ser a mesma: Não é o caso que, necessariamente, melhores explanações sejam sempre verdadeiras. Mas é o caso que, necessariamente, que o sujeito esteja justificado em crer que ele sabe qual é a melhor explanação. Isso pode até mesmo proporcionar algum suporte a reposta do problema de Hume proposto anteriormente, neste capítulo. Uma razão para acreditar que continuarão havendo as regularidades observadas é que isso é parte da melhor explanação sobre as experiências do sujeito. Temos, então, uma plausível, mas não definitiva, resposta para o ceticismo de padrõesordinários. Alguém poderia esperar por uma refutação mais nítida do ceticismo. A dificuldade em fornecer tal refutação é agonizante e revela o poder do desafio intelectual posto pela Perspectiva Cética.

APÊNDICE: CONTEXTUALISMO Uma perspectiva amplamente discutida na epistemologia recente é o contextualismo. Alguns filósofos pensam que ele fornece base para uma boa resposta ao ceticismo enquanto, ao mesmo tempo, dá à Perspectiva Padrão seu devido apreço. Nessa seção examinaremos, brevemente, o contextualismo. O contextualismo é, fundamentalmente, uma perspectiva sobre como a palavra ‘saber’ funciona. A idéia central é que os padrões para aplicar a palavra ‘saber’ variam de contexto para contexto. Algumas vezes os padrões para sua aplicação são muito altos, e nessas colocações o que expressamos dizendo ‘S sabe que p’ é, geralmente, falso. Mas em outras colocações os padrões são mais facilmente encontrados, e aquilo que expressamos dizendo aquelas mesmas sentenças pode ser verdadeiro. A idéia dos contextualistas pode ser melhor apreciada considerando uma analogia relativamente não controversa. Suponha que você vai ao zoológico com uma criança pequena. Os primeiros animais que você vê são macacos e pássaros. Você, então, vai para a área dos elefantes e avista um bebê elefante. Você diz para a criança, ‘Olhe para o elefante. Ele é grande’. Você anda pelo resto do zoológico e vê elefantes adultos, entre outros animais grandes. No seu caminho de saída, você vê o elefante bebê de novo, agora próximo dos adultos. Apontando para o mesmo elefante bebê, você diz, ‘Olhe para o bebê elefante. Ele é tão pequeno. Ele não é grande.’


Um espectador atrevido poderia acusá-lo de se contradizer (a si mesmo). Ele poderia lhe pedir para ‘arrumar’ (make up) sua mente e decidir se o bebê elefante é grande ou não. ‘Ele não pode ser ambos,’ ele poderia dizer. Mas você tem uma resposta inteligente para essa acusação. A resposta se utiliza do fato sobre como a palavra ‘grande’ funciona. Não importa se falamos que algo é grande, estamos comparando a coisa em questão aos membros de uma classe de comparação. Freqüentemente, não declaramos explicitamente qual é essa classe. Em lugar disso, o fundo (background) da conversa, ou o contexto, ajuda a determinar a comparação. Em sua primeira observação sobre o elefante, você estava comparando o bebê elefante com o grupo geral dos animais no zoológico. Relativamente a esse grupo, o bebê é grande. Mais tarde, você comparou o bebê elefante a um grupo mais restrito, o dos elefantes. Relativamente a esse grupo, o bebê elefante não é grande. Você não se contradisse. O contexto no qual você usou a palavra ‘grande’ mudou. Os contextualistas, na epistemologia, pensam que a palavra ‘saber’ é, algumas vezes, como a palavra ‘grande’. Em diferentes contextos (settings), a palavra tem diferentes padrões (ou níveis: standards) de aplicação. Em contextos corriqueiros, quando falamos sobre o mundo e fazemos afirmações sobre o que conhecemos, fazemos uso dos padrões ordinários. Podemos, freqüentemente, satisfazê-los. Algumas vezes, entretanto, levantamos o nível para a aplicação da palavra ‘saber’. Os contextualistas, tipicamente, dizem que isso acontece quando discutimos argumentos sobre o ceticismo. Sob essas circunstâncias, eles dizem, os céticos estão certos. Não podemos satisfazer os altos níveis nesses contextos. Os contextualistas afirmam que sua teoria tem uma força que as teorias que discutimos aqui até agora não possuem. A força é que ela pode explicar nossas variadas reações a afirmações sobre o conhecimento. Em um contexto ordinário, aceitamos uma variedade de afirmações de conhecimento, sem reservas. Elas parecem, claramente, corretas. E então os argumentos céticos aparecem e muitas pessoas negam que conhecem coisas. Ainda, depois, essas pessoas afirmarão, convictamente, de novo, que possuem conhecimento. Os contextualistas afirmam que as pessoas estão certas em cada situação: No contexto ordinário, suas afirmações sobre o conhecimento são corretas; e no contexto cético, suas negações sobre o conhecimento também estão corretas. Não existe contradição envolvida aqui, assim como não existe contradição nas coisas ditas no zoológico. Existe uma variedade de formas nas quais contextualistas podem descrever os detalhes de sua perspectiva. O contextualismo evidencialista aceita uma perspectiva evidencialista sobre a justificação e pode ainda aceitar muito do que o fundacionismo moderado diz sobre conhecimento.30 De acordo com essa aproximação, quando atribuímos conhecimento a alguém, quanto bem justificada a pessoa precisa estar para nossa atribuição ser verdadeira varia de um contexto para outro. Geralmente, estamos no contexto dos níveis ordinários. Podemos satisfazer esses níveis. Mas algumas vezes os níveis são mais altos. E algumas vezes, como quando estamos discutindo ceticismo, os padrões (ou níveis) são tão altos que não podemos alcançá-los. Nestes contextos, atribuições de conhecimento não são, tipicamente, verdadeiras. O contextualismo não-evidencialista faz uso de uma descrição de conhecimento que é mais próxima de uma das teorias não-evidencialistas discutidas no capítulo 5. Tal perspectiva é a teoria das alternativas relevantes.31 De acordo com essa perspectiva, uma pessoa sabe que 30

Para uma defesa desse tipo de contextualismo, veja Stewart Cohen, ‘Contextualism, Skepticism, and the Structure of Reasons,’ Philosophical Perspectives 13 (1999): 57-89. 31 Uma versão dessa teoria é defendida por David Lewis em ‘Elusive Knowledge,’ Australasian Journal of Philosophy 74 (1996): 549-67


uma proposição é verdadeira no caso que a pessoa pode ‘rejeitar’ (‘rule out’) ou ‘eliminar’ todas as alternativas relevantes a essa proposição. Mas o que conta como uma alternativa relevante depende do contexto da pessoa que atribui (ou nega) conhecimento (e não do contexto da pessoa de que se está julgando). Em contextos ordinários, apenas alternativas ordinárias são relevantes. Mas em alguns contextos, tal como quando o ceticismo está em questão, uma gama mais larga de alternativas contam como relevantes. Com respeito a muitas proposições, podemos rejeitar alternativas ordinárias, mas não algumas mais exóticas. Por conseguinte, em contextos ordinários é verdade que temos conhecimento, mas em outros não. Um exemplo tornará a idéia mais clara. Suponha que Jones vê Smith no corredor. Ao comentar sobre isso, você diz que Jones sabe que vê Smith. Isso é porque Jones pode rejeitar as alternativas sobre se quem ele vê é Smith. As alternativas são que ele vê Black ou White. Mas ele pode dizer, pelo tamanho das pessoas e forma, que é Smith e não Black ou White. Então, neste contexto, quando você diz que Jones sabe que vê Smith, o que você diz é verdade. Mas agora suponha que a conversa se dirija ao ceticismo. Agora existem novas alternativas relevantes. Talvez Jones esteja tendo uma alucinação. Talvez seja o irmão gêmeo de Smith, previamente escondido, que está no corredor. Jones não pode rejeitar essas alternativas, porque as coisas poderiam parecer idênticas se fossem o caso. Então agora, de acordo com a teoria, não seria correto dizer, ‘Jones sabe que vê Smith.’ Uma questão que os defensores da teoria das alternativas relevantes precisam enfrentar relaciona-se o uso das expressões ‘rejeitar’ ou ‘eliminar’. Eles afirmam que não podemos rejeitar alternativas tais como aquelas recém mencionadas. Isso porque essas alternativas são consistentes com nossa experiência.32 Em outras palavras, Jones não pode rejeitar a alternativa de que ele vê o irmão gêmeo de Smith tendo como base que ele nunca ouvir falar que Smith tem um irmão gêmeo e que, porque ele conhece bem Smith, ele teria ouvido sobre seu irmão gêmeo. E ele não poderia rejeitar a alternativa da alucinação tendo como base que ela é uma explanação inferior das suas observações. A teoria das alternativas relevantes é, portanto, comprometida com níveis extremamente altos para o conhecimento. Isso sustenta que você pode rejeitar uma alternativa quando, e apenas quando, essa alternativa é inconsistente com suas observações. No entanto, quando os detalhes do contextualismo são esclarecidos precisamente, a teoria tem certos atrativos. Ela implica que muitas das atribuições ordinárias de conhecimento estão corretas. Se, ao chegar a sala de aula pela manhã você diz, ‘Eu sei que eu trouxe meu livro comigo,’ os contextualistas poderão concordar que o que você disse pode ser verdade. Diferentemente, os céticos diriam que você estava errado. Mas o contextualismo pode também explicar a atração da Perspectiva Cética. Ele sustenta que nos contextos que discutimos o ceticismo, os argumentos céticos são bons argumentos. Nesses contextos, as conclusões céticas traçadas são corretas. Isso porque a discussão do ceticismo nos deixa em condições nas quais os níveis para o conhecimento são muito altos, tão altos que não podemos atingi-los. O contextualismo possui, igualmente, algumas obrigações.33 Primeiramente, ele cede muito para os céticos, talvez mais do que o correto. Muitas pessoas, especialmente falibilistas de todos os tipos, pensam que os céticos estão errados quando dizem que não temos 32

Essa é a perspectiva que David Lewis defende em ‘Elusive Knowledge.’ O material nesta seção foi extraído de Richard Feldman, ‘Skeptical Problems, Contextualism and Solutions,’ Philosophical Studies 103 (2001): 61-85 33


conhecimento. Eles pensam que existem defeitos nos argumentos céticos. Mas o contextualismo, ao menos nas formas discutidas aqui, implica que nos contextos nos quais o ceticismo é discutido, as afirmações do ceticismo são corretas. Assim como vimos, existem respostas razoavelmente boas ao ceticismo, logo é difícil ver porque tanta coisa deve ser concedida aos céticos. Além disto, está longe de ser claro que a palavra ‘saber’ altere seus níveis da maneira como os contextualistas afirmam. No caso das palavras que mais, obviamente, variam de acordo com o contexto, tal como ‘grande’, é muito fácil ver que contradições aparentes não necessitam ser contradições genuínas. Logo, quando lhe foi falado que no exemplo anterior você primeiro disse que o bebê elefante era ‘grande’ e depois disse que ele ‘não é grande’, você provavelmente não se sentiria como se tivesse se contradito. Se você é moderadamente sofisticado sobre esses assuntos, você poderia simplesmente explicar que você quis dizer ‘grande com relação a um animal’ e ‘não grande com relação a um elefante’. Você não colocaria em questão sua primeira afirmação com a segunda. Diferentemente, se você estiver envolvido por argumentos céticos, você provavelmente pensará que suas afirmações ordinárias serão colocadas em questão. Isso sugere que ‘saber’ difere, crucialmente, de palavras como ‘grande’ e derruba algumas dúvidas na análise contextualista. Finalmente, não há nenhuma similaridade entre o que as versões evidencialistas do contextualismo dizem sobre o ceticismo e o que os fundacionistas moderados dizem sobre o ceticismo. Recorde que as versões evidencialistas do contextualismo dizem que temos boas razões para acreditar em muitas das coisas que acreditamos ordinariamente, razões boas o suficiente para produzir conhecimento. Relativamente aos níveis ordinários, também temos boas razões para negar que somos cérebros em tonéis. À luz do Argumento das Explanações Alternativas, esses contextualistas precisam ter alguma descrição do porque essas razões são boas o suficiente para nos proporcionar conhecimento (em níveis ordinários). Eles, presumivelmente, precisarão apelar para umas das perspectivas que discutimos em resposta ao ceticismo. O contextualismo por si – a mera perspectiva de que os níveis para atribuição de conhecimento variam – não explica porque é verdade que atingimos os níveis ordinários. Isso não é uma objeção ao contextualismo. Particularmente, o ponto é importante porque revela que a versão evidencialista do contextualismo como uma resposta parcial ao ceticismo depende da adequação de uma das repostas previamente discutidas. A adequação da versão não-evidencialista do conhecimento previamente mencionada, a teoria das alternativas relevantes, como uma resposta ao ceticismo depende dos méritos da idéia que ter conhecimento é ser capaz de rejeitar, no sentido distinto de ‘rejeitar’ (rule out) que a teoria usa, alternativas. Isto é, por ela mesma, uma teoria controversa. Uma dificuldade aparente a ser enfrentada é que é difícil ver como ela pode descrever o conhecimento baseada no raciocínio indutivo. Isso porque a falsidade de uma conclusão indutiva nunca é rejeitada pelas evidências, e que é difícil ver porque a falsidade da conclusão não é uma alternativa relevante em nenhum caso de raciocínio indutivo.34 O contextualismo poderia também ser desenvolvido de maneira que se aproxime de outras teorias não-evidencialistas discutidas no capítulo 5. Isso, no entanto, herdaria as dificuldades dessas teorias.

34

Para discussão sobre esse ponto, e objeções adicionais a teoria das alternativas relevantes, veja Jonathan Vogel, ‘The New Relevant Alternatives Theory,’ Philosophical Perspectives 13 (1999): 155-80


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