Tradução de Dinah de Abreu Azevedo
1ª edição
2020
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
D979f
Dutton, Kevin Flipnose [recurso eletrônico] / Kevin Dutton; [tradução Dinah de Abreu Azevedo]. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Record, 2020. recurso digital Tradução de: Flipnosis Formato: epub Requisitos do sistema: adobe digital editions Modo de acesso: world wide web Inclui bibliografia e índice ISBN 978-65-5587-033-6 (recurso eletrônico) 1. Persuasão (Psicologia). 2. Livros eletrônicos. I. Azevedo, Dinah de Abreu. II. Título.
20-64574
CDD: 153.852 CDU: 159.947
Leandra Felix da Cruz Candido – Bibliotecária – CRB-7/6135
Copyright © Kevin Dutton, 2010 Título original em inglês: Flipnosis: The art of split-second persuasion Design de capa: Leticia Quintilhano Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito. Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela EDITORA RECORD LTDA. Rua Argentina, 171 – 20921-380 – Rio de Janeiro, RJ – Tel.: (21) 2585-2000, que se reserva a propriedade literária desta tradução. Produzido no Brasil ISBN 978-65-5587-033-6
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Sumário
Introdução 1. O instinto de persuasão 2. Atração fetal 3. Cuidado com o roubo de automóveis 4. Os grandes mestres da persuasão 5. O peso do número 6. A flipnose 7. O psicopata — um artista nato da persuasão 8. Os horizontes da influência Apêndices Agradecimentos Créditos das imagens Notas Índice
Nota do autor
Por motivos legais (e, às vezes, pessoais), os nomes e detalhes que poderiam levar à identificação de certas pessoas apresentadas neste livro foram alterados. No caso de um deles, o presidiário Keith Barrett, foram combinados atributos de vários indivíduos reais para evitar espremer uma dessas personalidades pitorescas em 90 mil palavras. Nada foi exagerado e todos os detalhes factuais baseiam-se em conhecimento do autor em primeira mão, ou em pesquisa empírica. O autor também assume total responsabilidade pela turbulência gramatical com a qual você vai se deparar de quando em quando neste livro — uso excessivo de travessões ou de infinitivos combinados com advérbios, por exemplo. E início de frases com “e”.
Flipnose sf. 1. Influência incisiva, perfeita nos mínimos detalhes. 2. O exercício dessa influência. Palavras derivadas Flipnotizador/a s. Flipnótico/a adj.
Origem provável: do ingl. Flip s.1. Sacudidela. 2. Arremesso rápido. 3. Estalido. 4. Algo que causa prazer ou hilaridade. vt + vi. 1. Sacudir, mover com sacudidelas bruscas. 2. Atirar para o ar. 3. Atirar algo movendo o polegar contra o indicador. 4. Reagir violentamente, irritar-se. adj. coll. Petulante, verboso, irreverente. [Michaelis Moderno Dicionário Inglês-Português — http://michaelis.uol.com.br] + -ose - suf. nom. = ‘ação’; ‘processo’; ‘funcionamento’; ‘alteração’, ‘passagem’, ‘transformação’; ‘processo patológico, mórbido’, ‘doença’, ‘moléstia’: apoteose (lat. gr.), metamorfose (gr.), osmose, simbiose (gr.); abiose, acantose, acidose, bacilose, dermatose, furunculose. ou nose el.comp. suf. = afecção, moléstia: artrose, avitaminose.
[F.: Do gr. nósos, ou de verbos gregos em — oo, como, por ex., no gr. metamórphosis, eos, do v. gr. metamorphóo, ‘transformar’, ‘metamorfosear’.] {Aulete/digital — http://www.aulete.com.br}
Introdução
Certa noite, no final de um pródigo banquete oficial em homenagem a dignitários da Comunidade das Nações em Londres, Winston Churchill percebe que um dos convidados está prestes a roubar um saleiro de prata de valor incalculável. O cavalheiro em questão faz deslizar o precioso objeto para dentro do smoking e, depois, se dirige discretamente para a saída. O que Churchill deve fazer? Dividido entre a lealdade para com seu anfitrião e um desejo igual e oposto de evitar uma situação embaraçosa, de repente ele tem uma ideia. Sem um minuto a perder, pega rapidamente o potinho de prata que fazia par com o saleiro e o enfia no bolso do próprio smoking. Depois, aproximando-se do “cúmplice”, tira a peça do galheteiro que havia surrupiado e a coloca na frente dele. — Acho que eles nos viram — sussurra ele. — É melhor a gente devolver...
Comissária: — Por favor, apertem os cintos antes da decolagem. Muhammad Ali: — Eu sou o Super-Homem. O Super-Homem não precisa de cinto de segurança. Comissária: — O Super-Homem não precisa de avião!
Pelotão de fuzilamento São seis horas da tarde numa noite tranquila de dezembro na região ao norte do rio Tâmisa, em Londres. Dois homens estão bebendo num bar em Camden Town. Esvaziam as respectivas canecas de cerveja, colocam-nas de novo no balcão e olham um para o outro. Mais uma? Claro, por que não? Embora
ainda não saibam, esses dois homens estão prestes a se atrasar para um compromisso, um jantar. Num restaurante indiano que fica longe, do outro lado da cidade, outro homem está à espera deles. De vez em quando, a leve doença de Parkinson faz tremer a sua mão direita, e ele está cansado. Está usando uma gravata nova de cor berrante que comprou especialmente para essa ocasião, e cujo nó levou meia hora para acertar. A estampa é de ursinhos. É domingo. O homem que está no restaurante olha o temporal que fustiga as janelas mal-iluminadas. Hoje é aniversário do seu filho. No bar de Camden Town, os outros dois homens também observam a chuva que está cor de âmbar sob o fulgor desolado das lâmpadas da rua e enverniza as pedras molhadas do pavimento com uma camada de néon dourado. Hora de cair fora, dizem eles. De pegar o metrô. De ir para o restaurante. De encontrar o homem que está lá à espera deles. De modo que vão embora. Estão quase 45 minutos atrasados. Por um motivo qualquer, acham graça nisso. Haviam calculado mal — por uma margem bem considerável — o tempo necessário para consumir quatro canecas de cerveja e depois chegar a Piccadilly e às linhas de metrô da região norte de Londres. Em vez de reservar algumas horas para tudo aquilo, reservaram algo em torno de 10 minutos. E, para coroar, estão bêbados. Quando chegam ao restaurante, a situação desanda. — Atrasados de novo? — pergunta sarcasticamente o homem que estava esperando por eles. — Vocês nunca vão se tocar, não é mesmo? A resposta é tão veemente quanto instantânea — um milhão de mágoas antigas desembocam todas num único momento crítico. Um dos recémchegados, o menor dos dois — bem menor mesmo —, depois de dizer algumas palavras bem escolhidas de sua própria lavra, vira-se e sai do restaurante sem hesitação. É o filho. E lá está ele, o homem pequeno. Alguns minutos antes, chacoalhando numa linha de metrô que ia na direção oeste, estava na expectativa de um jantar de aniversário simples com o pai e o melhor amigo. Agora, está sozinho sob os desolados céus de dezembro, indo a mil por hora pela rua na direção da estação do metrô. Congelando e encharcando-se com a chuva, pois se esquecera da capa. Engraçado como as coisas mudam de repente. Quando aquele homem pequeno chega à estação, está fervendo de raiva. Fica alguns momentos diante da catraca tentando achar o bilhete e pensa consigo mesmo que nem um pelotão de fuzilamento seria capaz de fazê-lo
voltar àquele restaurante. O saguão do metrô está alagado e não há ninguém à vista. Mas, subitamente, ele ouve algo na rua: o som de passos que se aproximam. De repente, do nada, surge um cara grandalhão. Depois de ter corrido do restaurante até a estação do metrô, ele se apoia numa coluna da entrada. O pequeno afasta-se. — Espera! — diz o grandalhão, depois de finalmente recuperar o fôlego. O pequeno não lhe dá a menor atenção. — Nem diga nada — diz ele erguendo a mão uns três centímetros, talvez cinco, acima da cabeça. — Estou por aqui com as ironias dele! — Espera aí! — repete o grandalhão. A raiva do pequeno só faz aumentar. — Olha — diz ele —, está perdendo o seu tempo. Pode voltar pra lá. Volta pro restaurante. Vá pra onde bem entender. Mas sai da minha frente! O grandalhão está preocupado, achando que o pequeno vai agredi-lo. — Tudo bem — diz ele. — Tudo bem. Mas, antes de eu ir, você me deixa falar uma coisa? Silêncio. A chuva fica vermelha quando as luzes do semáforo mudam no cruzamento próximo à entrada da estação do metrô. Só para ficar livre do outro, o pequeno concorda. — Tá bom — diz ele. — O que é? Há um momento de verdade quando os dois homens se encaram — o grandalhão e o pequeno — com a catraca entre eles. O pequeno nota que alguns botões tinham se soltado do sobretudo do grandalhão e que seu gorro de lã caíra no chão e estava numa poça d’água a alguma distância dali. Deve ter vindo voando, pensa o menor consigo mesmo. Do restaurante até a estação. E, nesse momento, ele se lembra de uma coisa. De uma coisa que o grandalhão lhe dissera certa vez. Que a mãe dele havia feito aquele gorro de tricô para lhe dar de presente de Natal. O grandalhão abre os braços — um gesto de desalento, de receptividade, talvez de ambas as coisas. E então diz o que queria dizer: — Qual foi a última vez que você me viu correr? O pequeno abre a boca, mas descobre que não sabe o que dizer. De repente, está numa encrenca. É que o grandalhão pesa algo próximo de 200 quilos. E, embora sejam amigos há um bom tempo, o pequeno nunca tinha visto o grandalhão correr. O que, na verdade, não deixa de ter a sua graça.
Como ele próprio reconhece, o fato é que o grandalhão tem dificuldade até para andar. Quanto mais aquele homem pequeno pensa na questão, tanto mais vê que está batalhando para encontrar uma resposta. E, quanto mais batalha, tanto mais sente a raiva diminuir. Por fim, ele diz: — Bom, nunca. Há um momento de silêncio. E aí o grandalhão estende a mão. — Então vamos lá — diz ele. — Vamos voltar. E eles voltam. Quando chegam de novo no restaurante, aquele homem pequeno e o pai pedem desculpas um ao outro e os três homens, mais sábios, ainda que não inteiramente sábios, sentam-se para jantar. Pela segunda vez. Ninguém está falando de milagre, mas você pode apostar que eles estão pensando que um deles aconteceu. O grandalhão perdeu alguns botões. E o gorro de lã que a mãe havia feito para ele nunca mais seria o mesmo. Mas, de alguma forma, em algum lugar, no vento, na chuva e no frio, ele o havia trocado por algo melhor. Não havia nada, pensa aquele homem pequeno consigo mesmo, que alguém poderia lhe ter dito naquela estação de metrô que o fizesse voltar àquele restaurante. Um pelotão de fuzilamento não o teria obrigado a voltar lá. Mas o grandalhão o arrastou de volta com apenas dez palavras simples. Palavras que tinham vindo de um reino ao sul da consciência: — Qual foi a última vez que você me viu correr? De alguma forma, das profundezas daquele inverno londrino, o grandalhão fez surgir um raio de sol.
Honestidade é a melhor política Eu gostaria de lhe fazer uma pergunta: quantas vezes por dia você acha que alguém tenta persuadi-lo a respeito de alguma coisa? Sobre o que fazer. O que comprar. Aonde ir. Como chegar lá. E estou falando daquele período compreendido entre a hora em que você acorda de manhã até o momento em que encosta a cabeça no travesseiro à noite. Vinte? Trinta? É isso que quase
todo mundo responde quando lhe fazem essa pergunta. Na verdade — prepare-se —, as estimativas tendem a girar em torno de quatrocentas vezes! Parece meio chocante à primeira vista, não parece? Mas vamos pensar nessa questão durante um minuto. Pense nas opções. Que moléculas de influência podem se infiltrar nos circuitos do seu cérebro? Bom, para começo de conversa, temos o ramo da propaganda. TV. Rádio. Cartazes de rua. Internet. Quantas vezes por dia você acha que vê um anúncio? Certo — um monte. Fora todas as outras coisas que a gente vê. O homem vendendo cachorro-quente na esquina. O policial orientando o trânsito. O cara religioso que está de homem-sanduíche no meio desse trânsito. E também temos, claro, aquele sujeitinho que vive na nossa cabeça e quase sempre está martelando alguma coisa lá dentro. Certo, talvez a gente não o enxergue realmente, mas com certeza o ouvimos com uma boa frequência. A coisa começa a tomar corpo quando pensamos nela, não começa? E, acredite — ainda nem começamos. Quando você para e pensa no assunto, vê que a gente não dá valor para isso tudo, não é? E é por isso que, quando alguém pergunta quantas vezes por dia as pessoas tentam obrigar a gente a fazer coisas, respondemos vinte ou trinta, em vez de quatrocentas. Mas aqui existe uma questão mais fundamental ainda, uma questão que raras vezes é sequer considerada. De onde vem essa persuasão — quer dizer, qual a sua origem? Muito já foi escrito sobre as origens da consciência humana, mas o que se sabe sobre as origens de fazer a cabeça da gente? Vamos imaginar uma sociedade diferente dessa que acabamos de descrever — uma sociedade em que a coerção, e não a persuasão, seja o principal instrumento de influência. Pense no que seria a vida se, toda vez que resolvêssemos não comprar um cachorro-quente, o vendedor da esquina viesse atrás de nós com um taco de beisebol. Ou se, quando ultrapassamos os 80 quilômetros por hora — o nosso limite oficial de velocidade —, um sensor encarregado de executar a pena de morte começasse a metralhar nosso parabrisa. Ou se tivéssemos de aguentar as consequências de não termos concordado com o partido político “certo”, ou com a religião “certa” — ou de não termos sequer a cor de pele “certa”. É claro que algumas dessas situações são mais fáceis de imaginar do que outras. Mas o que estou querendo dizer aqui é simples. É em grande parte por causa da persuasão que chegamos a ter uma “sociedade”. Já houve várias tentativas, em várias épocas, de questionar essa ideia. Mas, a certa altura,
todas elas erraram o alvo. A persuasão é que nos mantém vivos. Muitas vezes, de forma bem literal. Considere o seguinte exemplo: no outono de 2003, pego um avião para São Francisco para fazer uma conferência. Pressionado pela falta de tempo — e como sou louco varrido —, antes de sair de Cambridge resolvo — contrariando a sabedoria comprovada de reservar um quarto de hotel com antecedência — procurar acomodações depois de chegar a meu destino: de preferência um lugar barato e, se possível, um pouco frenético, num bairro tão perigoso que nem mesmo assassinos em série andam sozinhos. Toda manhã, ao sair do meu bordel — quer dizer, do meu hotel — e toda noite ao voltar, topo com o mesmo bando de caras em volta da banca de jornais da rua: um veterano da Guerra do Vietnã com expectativa de seis meses de vida, uma prostituta brasileira que caiu na vida por falta de coisa melhor e vários sem-teto esfomeados que já consumiram mais drogas do que se possa ver num vídeo do YouTube de um grupo de amigas que tenha ido farrear com Paris Hilton. Todos eles tiveram a sua dose de infortúnios. Todos eles tiveram as suas desgraças. E todos eles estão ali desesperados no meio da rua, com seus cartazes e painéis de homem-sanduíche açoitados pelo vento e empapados de chuva tristemente amontoados a seu lado. Bom, não estou dizendo que essas criaturas não precisam de dinheiro. Precisam. Mas, depois de uma semana falando abobrinhas e de começarmos a nos familiarizar pouco a pouco, cheguei a um ponto em que nossa sorte simplesmente tinha se invertido — e eu é que estava lhes pedindo dinheiro emprestado. Eu já estava íntimo da maioria dos membros do bando e, depois de contribuir generosamente com a minha parte durante os primeiros dias, todo e qualquer desejo de continuar enchendo os seus cofres desapareceu mais depressa do que um fundo de investimentos de Bernie Madoff. Ao menos era o que eu achava. E aí, uma noite, perto do final da minha estada, notei a presença de um cara que nunca tinha visto antes. A essa altura, eu já havia desenvolvido certa imunidade às histórias tristes e, ao passar por ele, lanço apenas um rápido olhar ao pedaço de cartolina caindo aos pedaços que ele mantém à sua frente. Apesar disso, assim que me dou conta da situação, começo a apalpar o bolso do casaco para ver se tenho alguma coisa pra lhe dar. E não quero um trocadinho, e sim algo mais substancioso. Não foram necessárias mais que cinco palavras para me fazer pegar a carteira sem pestanejar: — PRA QUE MENTIR? QUERO CERVEJA!
Senti que havia sido assaltado legalmente. De volta à segurança — bom, a uma segurança relativa — do meu quarto de hotel, fiquei lá pensando sobre aquela frase. Até Jesus Cristo teria aplaudido. Eu não tinha o hábito de repartir meu dinheiro com os bebuns da vida. Principalmente quando, a poucos centímetros de distância, havia causas mais merecedoras de ajuda. Mas foi exatamente isso que eu fiz. Fiquei me perguntado o que havia naquelas cinco palavras que teve esse efeito sobre mim. O cara não teria conseguido me arrancar o dinheiro com tanta facilidade se tivesse puxado um revólver do bolso do casaco. O que é que tinha desarmado de forma tão completa, de forma tão absoluta e, apesar disso, tão sub-reptícia, todos aqueles sistemas de segurança cognitivos que me custaram tanto para instalar desde a minha chegada? Sorrio. De repente, lembro-me de uma ocasião semelhante, muitos anos atrás, quando discuti com meu pai num restaurante. E depois saí pisando firme. Não havia nada nesse mundo, pensei comigo mesmo naquele momento, capaz de me fazer voltar àquele restaurante naquela noite. Nem um pelotão de fuzilamento seria capaz de me obrigar a ir até lá. No entanto, reles trinta segundos e dez palavras depois, um amigo meu havia mudado drasticamente a minha opinião. Comecei a me dar conta de que havia algo inerente a ambos esses incidentes que era atemporal, algo sem peso e fundamentalmente diferente dos modos normais de comunicação. Havia neles uma dimensão transformadora, transcendental, quase sobrenatural. Mas o que exatamente?
Uma linhagem espetacular de persuasão Em meu quarto de hotel, achei que, como psicólogo, devia ter uma resposta para essa pergunta. Mas, quanto mais eu pensava nela, mais lutava para encontrá-la. Era uma pergunta a respeito da persuasão; sobre mudança de atitude. A respeito de influência social. Temas comuns em piadinhas no vestiário da psicologia social — e, no entanto, agora parecia haver um grande buraco negro na literatura. Eu estava perplexo. Como um cara totalmente
desconhecido conseguia me limpar a carteira com apenas cinco palavras simples? E como, com apenas dez, meu melhor amigo conseguiu limpar a minha cabeça? Em geral, funciona da seguinte maneira: se, como o meu amigo, queremos acalmar alguém, ou como o mendigo, arrancar dinheiro de alguém, tendemos a nos dedicar à questão. Montamos os nossos argumentos com o maior cuidado. E com bons motivos. A cabeça das pessoas — basta perguntar a qualquer vendedor de carros — não é fácil de mudar. De nove vezes em dez, a persuasão depende de uma combinação complexa de fatores que não está relacionada apenas ao que dizemos, mas também à forma como dizemos. Para não falar na interpretação daquilo que dissemos. Na esmagadora maioria dos casos, a influência depende da lábia. De um coquetel audacioso de concessões, iniciativas e negociações. De envolvermos o que quer que seja que desejamos numa complexa embalagem de palavras. Mas, com o meu amigo e com o cara sem-teto, foi diferente. Com eles, não foi tanto a embalagem que fez a mágica — e sim a falta dela. Foi a incisão imaculada da influência; a elegância crua e purificadora; o toque hábil e leve da genialidade psicológica que, mais que qualquer outra coisa, emprestou-lhe seu poder. Será? Assim que me livrei de São Francisco e voltei para o meio igualmente caótico, ainda que um pouco menos previsível, da vida acadêmica de Cambridge, comecei a me tocar da amplitude dessa questão. Será que existe, muito além das fronteiras da persuasão, um elixir de influência — a arte secreta da “flipnose” — que todos nós poderíamos dominar? Para fechar aquele negócio. Para conseguir aquele cara. Para dar aquele empurrãozinho no prato da balança que vira a maré a nosso favor. Muito do que sabemos agora a respeito do cérebro — a relação entre função e estrutura — não é fruto do estudo do convencional, e sim do extraordinário. Dos extremos do comportamento em desavença com o cotidiano. Será que o mesmo se aplicaria à persuasão? Pense nas sereias da Ilíada de Homero: mulheres belíssimas cujo canto é tão fascinante que os marinheiros, mesmo correndo risco de vida, são irresistivelmente atraídos por ele. Ou em Cupido e suas flechas. Ou na “nota secreta que agrada ao Senhor” que Davi toca na música “Hallelujah” de Leonard Cohen. Será que essa nota existe fora dos domínios da mitologia? À medida que minha pesquisa avançava, a resposta a essa pergunta começou a ficar clara. Lenta e gradual, mas seguramente, enquanto a lista de
exemplos aumentava e o frio vodu digital das estatísticas começava a fazer efeito, passei a estruturar os elementos de um tipo completamente novo de influência. A definir o genoma de uma forma espetacular de persuasão, misteriosa e desconhecida até agora. A maioria de nós tem uma certa ideia do que fazer para persuadir alguém. Mas, em geral, é na base da tentativa e erro. O tiro sai pela culatra com a mesma frequência com que acerta o alvo. No entanto, algumas pessoas — comecei a me dar conta — conseguem realmente o que querem. Com uma precisão absoluta. E não é só na intimidade do lar. Nem lá fora com os amigos. Mas em confrontos violentos, onde tanto os riscos quanto as emoções são extremos. E quem são esses faixas pretas da influência? E o que os faz ser o que são? Mais importante ainda — o que podem ensinar a nós outros, se é que há algo que pode ser transmitido? Mais um exemplo. Imagine se fosse você quem estivesse no avião. O que você teria dito naquele momento? Estou num voo (classe executiva, graças a uma companhia cinematográfica) para Nova York. O cara que está na minha frente, do outro lado do corredor, está preocupado com a comida. Depois de vários minutos remexendo nela com o garfo, ele chama o comissário de bordo. — Essa comida — declara ele — está uma droga. O comissário concorda e é muito compreensivo. — Ai, meu Deus! — exclama ele. — Que pena... O senhor nunca mais vai viajar conosco? Nunca vamos ter a chance de compensá-lo por isso? Você entendeu. Mas aí acontece uma coisa que vira completamente o jogo. Uma coisa que, além de virar a mesa, salva a situação. — Olha — insiste o homem (que, pelo jeito, era muito insistente) —, sei que a culpa não é sua. Mas essa comida não está legal. E, quer saber? Estou por aqui com todo mundo ter de ser sempre tão educado. — E TÁ CERTO ISSO, SEU FILHO DUMA ÉGUA? POR QUE ENTÃO, CARALHO, VOCÊ NÃO FECHA A PORRA DESSA MATRACA ASQUEROSA, SEU BROCHA DOS INFERNOS? Um silêncio mortal recai sobre a cabine inteira (a essa altura, por uma coincidência engraçada, o aviso de “Apertem os cintos” também começa a ser dado). Que porra foi essa? Um cara que estava sentado um pouco mais à frente (um músico famoso) se vira para trás. Olha para o sujeito que estava se queixando e dá uma piscada.
— Acha que assim está bom? — pergunta ele. — Porque, se não, eu posso dar mais uma forcinha... Todo mundo está petrificado. Mas aí, como se um gatilho oculto tivesse sido acionado, nosso passageiro descontente... sorri. E depois ri. E acaba às gargalhadas. O que, por sua vez, desconcerta o nosso comissário de bordo. E que, como seria de se esperar, deixa todo mundo numa boa. Problema resolvido só com meia dúzia de palavras simples. Prova definitiva, se é que há necessidade de alguma, do que costumava dizer o sr. Johnson, meu velho professor de inglês: “Você pode ser tão malcriado quanto quiser, desde que seja educado na sua má-criação.” Mas voltemos à minha questão original. Como acha que você teria reagido nessas circunstâncias? Como você teria se saído dessa? Eu? Não tão bem, como veremos. Porém, quanto mais pensava no assunto, tanto mais entendia o que exatamente havia em situações desse tipo que as tornava especiais. Não era só o tiro psicológico certeiro — por mais espetacular que sejam alguns deles. Não, era mais que isso. Era o indivíduo que dava o tiro. Quer dizer, pensa bem. Esquece o músico por um momento. Na falta de excêntricos como ele, os comissários de bordo (para não falar, em situações mais hostis, policiais, membros das forças armadas, negociadores profissionais, assistentes sociais e samaritanos) enfrentam esses dilemas todos os dias de sua vida. Esses são indivíduos treinados na arte da persuasão; que usam técnicas provadas e comprovadas para manter o status quo. Essas técnicas pressupõem a capacidade de estabelecer contato com o outro e de atraí-lo para o diálogo com um estilo interpessoal calmo, paciente e empático. Técnicas, em outras palavras, que são reforçadas pelo processo de entrosamento social. Mas é claro como água que, para alguns de nós, essas técnicas são “naturais”. Não exigem prática. Na verdade, eles são tão bons nisso, tão extraordinariamente diferentes, que têm o dom de fazer as pessoas mudarem de opinião. E não é através de negociações. Nem do diálogo. Nem de regras de toma lá dá cá. Trata-se apenas de algumas palavras simples. Parece loucura? Eu sei. Quando essa ideia me ocorreu pela primeira vez, pensei a mesma coisa. Mas não por muito tempo. Logo comecei a desenterrar uma série de evidências chocantes — dados circunstanciais, anedóticos, sugestivos — que mostravam a possibilidade de haver realmente faixas pretas entre nós. E que, além disso, nem todos eles são gente boa.
Para decifrar o código da persuasão Este é, portanto, um livro sobre persuasão. Mas é um livro sobre uma linhagem espetacular de persuasão — a flipnose —, com um período de incubação de segundos e uma história evolutiva só um pouquinho mais longa. A incongruência (ou surpresa) é, obviamente, um componente-chave. Mas é só o começo. Se a gente vai aproveitar uma situação ou se vai deixar as coisas pra lá é algo que depende de quatro fatores adicionais: simplicidade; interesse pessoal evidente;a autoconfiança; e empatia — fatores tão importantes para a persuasão nos reinos vegetal e animal quanto são para as falcatruas de alguns dos caloteiros mais brilhantes do mundo. Combinados entre si, esses cinco ingredientes do coquetel de influência são letais. E mais ainda quando são tomados puros, sem a diluição da retórica, sem a contaminação do argumento. Winston Churchill sabia disso, com certeza. E, quanto à comissária que certa vez enfrentou O Maior Lutador do Mundo — duvido que Muhammad Ali tenha levado um golpe mais certeiro na vida. É um tipo de persuasão que pode fazer você conseguir tudo o que quiser. Reservas. Contratos. Descontos. Bebês. Qualquer coisa. Nas mãos certas. Mas que, nas mãos erradas, pode ser desastroso. Tão brutal e mortal quanto qualquer outra arma do mundo material. A viagem começa com uma ideia simples: que alguns de nós são mais talentosos que outros na arte da persuasão. E que, com a persuasão, assim como com qualquer outra coisa, existe uma gradação do talento na qual cada um de nós tem o seu lugar. Numa das extremidades estão aqueles que sempre “enfiam os pés pelas mãos”. Que não só parecem entender mal uma situação, como ainda, de vez em quando, põem tudo a perder. Na outra extremidade estão os flipnotizadores. Aqueles que têm uma propensão estranha, quase sobrenatural, de “fazer a coisa certa”. Nas próximas páginas, identificamos as coordenadas dessa misteriosa forma de persuasão. Lenta e gradual, mas seguramente, à medida que fomos lançando a rede da investigação empírica e levando-a para além dos recifes familiares da influência social até as águas mais profundas e menos conhecidas do desenvolvimento do recém-nascido, da neurociência cognitiva, da matemática e da psicopatologia, navegamos pelas teorias sobre a arte quimérica da persuasão que começam lentamente a convergir. Esse processo
destila gradualmente uma única fórmula definitiva. Nossa viagem revela perguntas preciosas: O que os bebês recém-nascidos e os psicopatas têm em comum? Será que houve alguma evolução na nossa capacidade de fazer a cabeça dos outros, assim como houve na nossa própria cabeça? Que segredos os grandees marciais têm em comum? Será que existe um “circuito de persuasão” no cérebro? As respostas vão deixá-lo pasmo.s mestres da persuasão de todos os tempos e os grandes mestres das art E, com toda a certeza, da próxima vez que você quiser se dar bem, elas vão ajudá-lo.
Nota Refiro-me aqui ao interesse pessoal do alvo. É claro que a persuasão nem sempre está de acordo com o interesse real do alvo. Mas, se o alvo acha que é, a tentativa é muito mais eficaz. a
1 O instinto de persuasão
Juiz: — Considero o réu culpado da acusação feita contra ele e o condeno a 72 horas de prestação de serviços à comunidade e a uma multa de £150. Mas você tem uma opção. Pode pagar esse valor dentro do prazo de três semanas, ou pagar £50 a menos se a multa for quitada imediatamente. O que prefere? Batedor de carteiras: — Tenho só £56 no bolso no momento, Meritíssimo. Mas, se me der alguns momentos com o júri, eu preferiria pagar já.
Um agente de trânsito para um motorista que está ultrapassando o limite de velocidade e pedelhe para encostar o carro no meio-fio. — Dê-me uma boa razão para não lhe dar uma multa. — Bom — diz o motorista —, na semana passada a minha mulher fugiu com um de vocês. E, quando vi o seu carro, pensei que a estavam trazendo de volta.
Uma história de revirar o estômago — uma história espúria?a Em 1938, em Selma, sul da Geórgia, o médico Drayton Doherty foi chamado para atender um homem cujo nome era Vance Vanders. Seis meses antes, num cemitério, na calada da noite, Vanders topou com um bruxo-curandeiro e a criatura lhe rogou uma praga. Cerca de uma semana depois, Vanders sentiu uma dor no estômago e resolveu ficar de cama. Para grande aflição da família, não se levantou mais.
Doherty fez um exame completo em Vanders e sacudiu a cabeça num gesto de desalento. É um mistério, disse ele, e fechou a porta atrás de si. Mas, no dia seguinte, estava de volta. — Fui atrás do bruxo-curandeiro e o atraí de volta ao cemitério — anunciou ele. — Quando ele chegou, pulei em cima dele, joguei-o no chão e jurei que, se ele não me dissesse qual era a natureza exata da praga que lhe rogou, e se não me desse o antídoto, eu o mataria ali mesmo. Os olhos de Vanders arregalaram-se. — O que foi que ele fez? — perguntou. — Por fim, depois de uma luta daquelas, ele se rendeu — continuou Doherty. — E tenho de confessar que, depois de todos esses anos de exercício da medicina, nunca tinha ouvido falar de nada parecido com isso. O que ele fez foi o seguinte: implantou um ovo de lagarto no seu estômago e depois fez com que ele chocasse. E a dor que você andou sentindo nos últimos seis meses é o lagarto, ele está comendo você vivo! Os olhos de Vanders quase saltaram para fora das órbitas. — O senhor pode fazer alguma coisa por mim, doutor? — implorou ele. Doherty deu um sorriso tranquilizador. — Por sorte sua — disse ele —, o corpo é extraordinariamente resiliente e a maior parte dos danos é superficial. De modo que vamos lhe administrar o antídoto que o bruxo-curandeiro teve a bondade de me revelar e esperar para ver o que acontece. Vanders concordou entusiasmadíssimo. Dez minutos depois, com o paciente vomitando incontrolavelmente por causa do emético potente que lhe dera, Doherty abriu a maleta. Lá dentro estava um lagarto que havia comprado na loja de animais de estimação. — Arrá! — anunciou ele com um floreio, brandindo o réptil pela cauda. — Aqui está o culpado! Vanders ergueu os olhos e depois teve mais uma violenta crise de vômito. Doherty guardou suas coisas. — Não há com o que se preocupar — disse ele. — O pior já passou e você logo vai ficar bom. E foi embora. Claro que, pela primeira vez em muito tempo, Vanders dormiu maravilhosamente bem naquela noite. E, quando acordou de manhã, comeu ovos e cereal no café da manhã.
Persuasão. Assim que a palavra é pronunciada, passam pelos circuitos duvidosos e retorcidos da nossa cabeça montes de imagens de vendedores de carros usados, políticos melífluos, diplomatas jeitosos, vigaristas de boa lábia, conquistadores baratos e muitíssimos outros que usam e abusam de sua capacidade de convencer os outros. É esse tipo de palavra. Embora não haja dúvida alguma de que é um dos territórios mais em moda e mais procurados na psicologia social, a persuasão também tem tristes conotações de pilantragem: uma área cheia de cabines portáteis e salas de tribunais, galpões abandonados e caóticas faixas de néon. Que, evidentemente, é onde você muitas vezes a encontra em ação. Mas a persuasão é mais do que simples lábia e processos judiciais escandalosos. Ou, já que usamos essas imagens, é mais que lábias escandalosas e simples processos judiciais. Um bruxo-curandeiro e um médico enfrentam-se (literalmente) por causa da saúde de um habitante do local. O bruxo-curandeiro dá o que parece ser um golpe mortal. Seu oponente o neutraliza e vira o feitiço contra o feiticeiro. Essa história extraordinária de um xamã e um flipnotizador sintetiza o conceito de influência na sua forma mais simples e mais pura: uma batalha pela supremacia dos circuitos nervosos. Mas de onde vem a persuasão? Por que funciona? Como é possível que aquilo que está na minha cabeça, quando traduzido em palavras, seja capaz de mudar o que está na sua? Os gregos antigos, que pareciam ter um deus para praticamente tudo, tinham um para a persuasão, lógico. Peitho (na mitologia romana Suadela) era um membro do séquito de Afrodite e era representado na cultura grecoromana com um rolo de fio de prata na mão. Hoje em dia, claro, com Darwin, a teoria dos jogos e avanços na ressonância magnética para captação de imagens dos neurônios, vemos as coisas de forma um pouco diferente. E, com os deuses contra e os gregos mais interessados em basquete do que em mitologia, tendemos a procurar confirmações em outros lugares. Na ciência, por exemplo. Ou com a Oprah. Neste capítulo, voltamos a atenção para a biologia evolutiva — e descobrimos que a persuasão tem uma linhagem mais antiga do que nós, ou os deuses, poderíamos imaginar. Saímos em busca das primeiras formas de persuasão — pré-linguísticas, pré-conscientes, pré-humanas — e chegamos a uma conclusão chocante. Além de ser endêmica na existência terrestre, a persuasão também é sistêmica; faz parte do ritmo da ordem natural tanto quanto o surgimento da própria vida.
O rom-rom da persuasão Recado para os arquitetos atualmente em processo de criar edifícios modernos, brilhantes e cheios de vidros em bairros afluentes, cheios de verde e fileiras de árvores: reservem um momento de reflexão para a população local de pássaros. Em 2005, a Unidade de Ciências Cognitivas e Cerebrais do Conselho de Pesquisa Médica de Cambridge estava tendo problemas com pombos camicases. O pátio de um novo bloco do programa de ampliações da instituição tinha se transformado numa área de aves suicidas — até dez delas se lançavam todos os dias, com força total, contra a janela de seu moderníssimo anfiteatro. Não foi preciso muito tempo para descobrir o motivo. As árvores e arbustos refletiam-se nos vidros. E os pássaros — como alguns arquitetos conhecidos meus — não conseguiam distinguir entre aparência e realidade. O que fazer? Ao contrário do diagnóstico, o remédio foi difícil de encontrar. Cortinas, quadros — e até mesmo um espantalho — não deram em nada. Então, certo dia, Bundy Mackintosh, uma das pesquisadoras que trabalhavam no prédio, teve uma ideia. Por que não conversar com os pássaros na sua própria língua? Foi o que ela fez. Numa folha de cartolina colorida, Mackintosh desenhou e recortou o perfil de uma águia, que depois colou na vidraça. No fundo do cérebro, pensou ela, as aves devem ter um painel de controle; uma espécie de console primitivo no qual silhuetas como as das aves de rapina fazem aparecer uma série de sinais luminosos de alarme. Assim que um desses predadores entra no seu campo visual, a luz correspondente fica vermelha na hora — e um antigo campo de força evolutivo se instalaria de repente na unidade, repelindo as aves e desviando-as do perigo. Na mosca. Conversar com os animais na sua própria língua (como fez Bundy Mackintosh de forma muito simples com sua cartolina e suas tesouras) pressupõe empatia. E conhecimento da sintaxe do vernáculo biológico. E, se você acha que só os seres humanos conseguem fazer uma coisa dessas, pense bem. A bióloga Karen McComb, da Universidade de Sussex, descobriu uma coisa muito interessante sobre os gatos: eles usam um rom-rom especial — um rom-rom “pidão” — que liga os circuitos de seus donos para eles encherem suas tigelas de comida na hora do jantar.
McComb e seus colaboradores compararam as respostas de donos de gatos a tipos diferentes de rom-rom — e descobriram que, quando os gatos estavam com fome, seus rom-rons ficavam mais irritantes e difíceis de ignorar do que outros emitidos na mesma altura. A diferença é de timbre. Quando os gatos estão pedindo comida, emitem uma “mensagem mista” clássica — que embute um grito bem agudo no som mais grave do rom-rom de contentamento. Isso, segundo McComb, além de servir de salvaguarda contra uma expulsão instantânea do quarto de dormir (o som agudo sozinho), também ativa aqueles antigos instintos mamíferos de nutrir e cuidar da prole vulnerável e dependente (mais sobre isso adiante).1 — Embutir um grito no meio de um som que normalmente associamos ao contentamento é um meio bem sutil de obter uma resposta — explica McComb —, e o rom-rom pidão talvez seja mais aceitável para os seres humanos do que um miau puro e simples. Em outras palavras: os gatos, sem a bagagem linguística de 40 mil palavras (o vocabulário estimado do adulto comum que usa a língua inglesa), aprenderam a usar um meio mais simples e mais eficiente de nos persuadir a fazer o que eles querem — exatamente a mesma estratégia que Bundy Mackintosh criou para “conversar” com os pombos de Cambridge. O uso daquilo que é conhecido na etologia como estímulos-chave.
Mais do que as palavras podem dizer Um estímulo-chave é influência na sua forma mais pura. É puro controle mental — sem nenhuma diluição causada pela linguagem verbal, nem pelos campos mentais da consciência —, um controle mental que é exercido diretamente, na lata, um tiro certeiro. Os estímulos-chave são simples, sem ambiguidades e de fácil compreensão — a persuasão em sua forma original. Oficialmente, é claro que a definição é um pouco diferente: um estímulochave é um gatilho ambiental que ativa, por sua simples presença, algo conhecido como modelo de ação fixa — uma unidade de comportamento inato que, depois de iniciado, continua ininterruptamente até sua conclusão. Mas tem mais ou menos o mesmo sentido.
Existe uma grande incidência de estímulos-chave no mundo natural, sobretudo quando se trata de acasalamento. Alguns são visuais, como a silhueta de águia de Bundy Mackintosh. Alguns são acústicos, como o romrom pidão. E alguns são cinéticos, como a dança que as abelhas usam para comunicar a posição de uma fonte de alimento. Alguns combinam todos os três. O Chiroxiphia pareola é célebre pelo casaco azul-cobalto, pelo canto doce e melodioso e pelo sofisticado ritual de namoro (o único a envolver um macho dominante apoiado por um bando de outros cinco machos fortes). Não, o Chiroxiphia pareola não é o nome científico do Barry White, e sim uma ave canora tropical, o tangará-falso, que vive nos confins da selva amazônica. Seu cérebro é do tamanho de uma ervilha. O tangará-falso não faz parte da Comunidade da Sedução.b Apesar disso, não há nada que você possa lhe ensinar a respeito da arte da conquista. Quando o macho da espécie encontra uma fêmea que desperta o seu interesse, ele não começa, do nada, a tentar passar-lhe uma cantada. Na verdade, muito ao contrário: afasta-se dançando. E consegue o que quer. Em certas espécies de rãs, é basicamente o som que constitui a linguagem do amor.2 A Hyla cinérea (rã-verde-das-árvores) é uma das criaturas mais fáceis de reconhecer — principalmente quando você está cansado e tentando dormir. Mais conhecida na Louisiana (EUA) como rã-sino (por causa do som distinto que faz para atrair um par sexual, que lembra as badaladas de um sino), sente-se igualmente em casa num grande número de ambientes, como poças d’água, valas de beira de estrada, rios e pântanos. Para não falar de varandas bem iluminadas, onde alimenta, entre outras coisas, a insônia. O arsenal acústico da rã-sino é, na verdade, mais complicado do que parece. Quando cantam em uníssono, por exemplo, os indivíduos frequentemente coordenam seus esforços — e a cacofonia resultante soa quase sempre como um refrão, harmonioso, reconheço, mas exasperante! A pesquisa mostrou também que os machos tendem a variar o som que emitem para atrair as fêmeas de acordo com as circunstâncias. Ao crepúsculo, por exemplo, como preâmbulo de chegada à poça d’água onde pretende se acasalar, emitem um som “territorial” preliminar (um som que avisa os outros machos para manter distância) e depois, enquanto estão a caminho da tal poça d’água, recorrem a um som mais agudo e penetrante quando, de forma rude, ainda que um pouco lerda, topam uns com os outros. É só depois que chegam à poça do acasalamento que eles realmente põem a boca no trombone — fazendo o coro chegar a seu glorioso grand finale. Na verdade, esse convite
para o acasalamento ressoa de tal maneira que as fêmeas da rã-sino conseguem ouvi-lo de uma distância de até 300 metros. Um dado que, por estranho que pareça, os moradores locais estão sempre prontos a confirmar.
Capa e espada Até agora, a influência que investigamos nos pássaros e nas rãs foi do tipo honesto e direto de persuasão que vemos repetido um milhão de vezes na sociedade humana — a única diferença é que esses caras se saem melhor do que nós na empreitada. De encontrar um par amoroso a fechar aquele negócio crucial, o êxito depende de falar a mesma língua. E ele é tão comum quanto o estímulo-chave. Contudo, a importância dessa linguagem comum na persuasão — esse entendimento mútuo, ou empatiac — fica muito mais clara quando consideramos um tipo de persuasão completamente diferente, o mimetismo: quando o membro de uma espécie assume ou manipula as características de outra (embora isso também possa ocorrer no interior da mesma espécie) com a intenção de obter alguma vantagem. Vamos continuar com a rã-sino, por enquanto. Para a maioria das rãs, o ritual de acasalamento é rígido. Quer dizer, pense bem — quando tudo o que você pode fazer é coaxar, não tem muito espaço de manobra. O que tende a acontecer é o seguinte: os machos só ficam ali sentados coaxando... e as fêmeas, quando eles têm sorte, chegam pulando. Não poderia ser mais simples. Mas parece que os machos das rãs-sino tiveram uma boa ideia. Esses putinhos incorporaram um elemento de desonestidade ao ritual e não é nada raro um barítono de voz retumbante, coaxando a todo vapor, estar cercado, sem saber, por um grupo sinistro e silencioso de aproveitadores. Mais uma prova do engenho impressionante da seleção natural. Pense bem. Um coaxar retumbante no meio da noite consome reservas de energia vital. E, por causa disso, uma de duas coisas pode acontecer. Por um lado, o barítono pode não atrair fêmea alguma e — exausto — chamar um táxi. Por outro lado, pode ter sorte e acabar no leito nupcial de sua poça d’água. Na verdade, não importa muito como a noite vai terminar. Seja como for que ela termine, o importante é o que acontece no lugar original do coaxar depois que
seu ocupante vai embora. De repente, seu preço de mercado sobe. E, durante o processo, transforma-se num maravilhoso imóvel de locação para ser ocupado por qualquer um dos ladrões de identidade que não têm aquela voz. Qualquer fêmea inocente que aparecer depois que o barítono foi embora encontra — no lugar do outro e como se nada tivesse mudado — um impostor que não consegue coaxar direito. E de que forma poderia ela descobrir a diferença? Resposta: ela simplesmente não tem como.d
Camufolhagem Como arma de persuasão, o mimetismo é engenhoso.3 Se o estímulo-chave é influência direta, então o mimetismo é, por assim dizer, empatia direta. Assim como o estímulo-chave, há vários tipos diferentes de empatia — e nem todos, como acabamos de ver no caso dos machos das rãs-sino, são honestos. Para começo de conversa, vamos falar do mais óbvio — o mimetismo visual —, que é o tipo a que recorrem os ladrões de amor que não coaxam bem lá na Louisiana. Mas, dependendo da escala da fraude biológica, e do seu grau de sofisticação, há também formas mais sutis que incorporam, junto com os dados visuais, tanto informações auditivas quanto olfativas. Temos um bom exemplo desse mimetismo híbrido entre as plantas (quando digo que a persuasão é um elemento indispensável da ordem natural, refiro-me à totalidade dela). O fungo discomiceto (Monilinia vacciniicorymbosi) é um vegetal patogênico que infecta as folhas do mirtilo, fazendo com que elas segreguem substâncias doces, açucaradas, como a glicose e a frutose.4 Quando isso acontece, outra coisa muito interessante ocorre. Com as folhas agora produzindo o que é de fato um néctar — e assim imitando fraudulentamente as flores — passam, como estas últimas, a atrair insetos polinizadores, mesmo que sua aparência não lembre em nada as flores e continuem, em todos os outros aspectos, salvo o cheiro, sendo de folhas. E a seleção natural cuida do resto. Aparece uma abelha que acredita que o açúcar é néctar. Suga um pouco da substância (e, durante o processo, o fungo fixa-se no seu abdômen) e, em seguida, chega à flor do mirtilo propriamente dito, onde o fungo se transfere para os ovários. Ali, nos ovários da flor, o fungo reproduz-se — produzindo bagas mumificadas que não são comestíveis e que
hibernam durante o inverno, antes de irem infectar um novo grupo de plantas na primavera. Espertinho, não? Mas a desonestidade não acaba aí. Conforme descobrimos, há toda uma outra dimensão nesse pequeno e desgastado triângulo amoroso. As substâncias olfativas emitidas pela superfície das folhas do mirtilo não são o único ingrediente do processo. A pesquisa também descobriu que as folhas infectadas pelo fungo refletem raios ultravioleta (que, em condições normais, elas absorvem) — mas que as flores os emitem como uma forma sutil de boas-vindas aos insetos. De repente, parece que as folhas não roubaram só um elemento da identidade da flor do mirtilo, mas dois, o visual e o olfativo. Bom, para um fungo comum de horta, este aqui é de fato um cara esperto.
Teia de enganos Como exemplo de mimetismo natural, as artes do fungo discomiceto são mesmo um pouco inusitadas. Em geral, em vez de implicar um terceiro na falcatrua — nesse caso, as folhas —, a criatura que apela para o mimetismo faz ela mesma o trabalho sujo. A coruja-anã (Glaucidium gnoma), por exemplo, tem “olhos falsos” na parte de trás da cabeça para levar os predadores a pensar que ela tem — literalmente — olhos nas costas. Por outro lado, a borboleta-coruja (Caligo memnon) tem desenhos muito parecidos com olhos na parte inferior das asas, de modo que, quando levanta voo de repente, parece o rosto de uma coruja (ver Figura 1.1).5 Por sua vez, a borboletinha Hypaurotis crysalus (conhecida em inglês como hairstreak butterfly, borboleta fio de cabelo) vai mais longe ainda e, como muitas espécies de inseto, possui “caudas” filamentosas na extremidade das asas. Essas caudas, quando se combinam com outros desenhos das asas, criam a nítida impressão de uma cabeça falsa — que engana os predadores e evita um ataque. Como diz o ditado, duas cabeças é melhor do que uma. Usos menos honestos da ilusão podem ser vislumbrados no mundo dos aracnídeos. Uma aranha muito comum no Novo Mundo, a Nephila teragnathidae (conhecida em inglês como golden orb weaver — tecelã de círculos de ouro)6, recebeu esse nome pitoresco por causa da deslumbrante teia dourada que tece (à primeira vista, não é a ideia mais brilhante do mundo
para conseguir seu jantar, se você for uma aranha), em áreas chamativas feericamente iluminadas. Figura 1.1 A forma inequívoca de olhos muito bem-desenhados nas asas de uma borboleta-coruja.
Mas a loucura da nossa tecelã tem método. A pesquisa revelou que as abelhas, contrariando o bom-senso, acham mais fácil se livrar da teia quando a iluminação é ruim, quando os filamentos são difíceis de enxergar, e quando a pigmentação amarela é indistinta. Por quê? Ora, pense bem. Quando se trata de flores que produzem néctar, qual é a cor que você acha que é a mais comum? A confirmação dessa teoria é resultado de experimentos que variaram engenhosamente a cor das teias das aranhas. Embora as abelhas tenham pouca dificuldade em associar outras cores com o perigo — o vermelho, o
azul e o verde, por exemplo — e aprendam posteriormente a reconhecê-las, é o amarelo que, muitas e muitas vezes, constitui o seu maior problema. Também existem falcatruas zoológicas semelhantes no mundo dos insetos. A “isca de polícia” pode muito ter sido o ás na manga de alguns dos agentes secretos mais famosos de Hollywood ao longo dos anos — mas você já se perguntou algum dia quem foi que a usou pela primeira vez? Pois não precisa investigar mais: foi o vaga-lume. Alguns estudos mostraram que as fêmeas do vaga-lume do gênero Photuris emitem exatamente os mesmos sinais luminosos que as fêmeas do gênero Photinus emitem em seus convites para o acasalamento.7 Mas isso não é tudo. A pesquisa também revelou algo mais. Os machos do gênero Photinus que tentam se acasalar com essas femmes fatales disfarçadas recebem muito mais do que o esperado. São devorados. Tive uma namorada assim certa vez.
A alma do negócio Até essa altura do capítulo 1, examinamos a maneira pela qual os animais — e as plantas — “exercem” a persuasão. A maneira pela qual, na falta da linguagem oral, os interesses são atendidos e a influência é praticada. E é influência, sem dúvida alguma — exatamente o mesmo tipo de influência que vemos em ação entre os seres humanos. Só que mais rápida, menos confusa, mais concentrada. De que outra maneira você a descreveria? Ao contrário do que sugerem as aparências, a nossa tecelã de círculos de ouro não tem diploma em artes plásticas, nem frequenta cursos noturnos de decoração de interiores. No entanto, sua teia é amarela. Por quê? Por uma razão, e por uma razão somente. Para manipular as abelhas, para levá-las a fazer uma besteira. Para fazer o que elas, em sua condição de abelhas, jamais sonhariam em fazer. Aparecer para uma visita. O mesmo acontece com o nosso fungo discomiceto. Esse fungo inescrupuloso e psicopata, com sua astuciosa falta de moral botânica, sabe muito bem que as abelhas e outros insetos polinizadores jamais, de acordo com a ordem natural das coisas, iam querer qualquer tipo de contato com ele. Nesse caso, o que ele faz? Faz o que qualquer outro predador social arrivista e inescrupuloso faria: pede a ajuda de um terceiro inocente e o explora
impiedosamente como intermediário. O fato de não haver linguagem verbal envolvida não quer dizer que não haja persuasão em jogo — como descobri logo depois que me casei. Um único olhar vale por volumes inteiros, certo? A linha divisória entre a persuasão animal e a persuasão humana fica mais indistinta ainda quando pensamos no quanto grande parte da espécie humana é — como sua congênere animal — instintiva. Em geral, o segredo da boa propaganda não está no apelo às nossas faculdades cognitivas racionais, e sim em sua capacidade de ativar diretamente os centros emocionais de nosso cérebro: estruturas primitivas, antigas, que não só temos em comum com os animais, mas que, na verdade, herdamos deles. Lembro-me de quando era criança e os arquitetos urbanos, repórteres e peritos na investigação de acidentes de automóveis ficaram completamente perplexos com uma série repentina de acidentes que, ao que parece, da noite para o dia, começou a acontecer num entroncamento rodoviário movimentado, mas até então sem nada de excepcional. Mais ou menos uma semana depois, o jornal da cidade publicou uma matéria de primeira página sobre um grupo de funcionários da prefeitura que retirara um cartaz de beira de estrada de 6 metros de altura com uma loira curvilínea seminua, colocado num lugar destacado das proximidades. Sexo vende, sempre vendeu. Até a palavra “sexo” vende. Na verdade, uma pesquisa realizada em 2001 revelou que sexo estava em 45% de todas as capas das revistas Cosmopolitan e Glamour.8 Essa simples combinação de letras — sexo — funciona como um estímulo-chave vistoso, que chama a atenção e enche o bolso de grana. Pense, por exemplo, no título engenhoso desse panfletozinho trazido por um corretor de imóveis que bateu na minha porta não faz muito tempo: Figura 1.2 Pensa em mudar? Então venha comprar sua casa de nós.
Descaradinho, não? É claro que os grandes do marketing e outros capitães da indústria nos bombardeiam constantemente com estímulos-chave sub-reptícios — aqueles que os nossos radares não captam. Na campanha incessante pelo espaço de reprodução mais lucrativo que existe — aquele que fica entre nossas orelhas —, o uso de estímulos-chave é o equivalente psicológico de usar um gás tóxico absorvido pela pele que danifica o sistema nervoso e o sistema respiratório. Repare na imagem de Marilyn Monroe a seguir. Nota alguma coisa estranha nela? O que me diz da cintura? Será que ela não se parece meio demais com uma ampulheta? Imagens como essa, em que o modelo — seja por pura boa sorte biológica, graças a um espartilho superapertado ou a um retoquezinho aqui e ali — mostra formas extraordinariamente sugestivas, estão espalhadas por toda a parte na sociedade (a essa altura, é bom eu explicar que esse diabólico estado de coisas é tão penoso para nós, homens, quanto para vocês, mulheres). E por
quê? Porque vendem bem. Mas uma pergunta mais pertinente do que “por quê?” seria “como”? Como essas imagens vendem? O que exatamente tem a cintura de Marilyn Monroe nessa fotografia que excita tanto? Na verdade, a resposta a essa pergunta é simples. O que temos aqui é uma caricatura biológica — um macho de rã-sino com um megafone. Ou, em outras palavras, um estímulo-chave “sintético”. Explico. Figura 1.3 Um belo violão.
Vamos considerar a gaivota-argêntea (Larus argentatus) por um momento. Os filhotes da gaivota-argêntea respondem instintivamente a uma manchinha vermelha situada na parte inferior do bico da fêmea adulta.9 Bicar nesse ponto faz com que a fêmea adulta regurgite comida — em outras palavras, a mancha vermelha constitui um estímulo-chave. Mas o que exatamente tem esse estímulo que faz com que ele seja “chave”? A pesquisa sugere cinco fatores principais. Ao apresentar modelos diferentes de bico ao
filhote da gaivota, ficou provado, por exemplo, que tanto as variações de cor da cabeça quanto do bico não são tão importantes. Por outro lado, a mancha vermelha em si, a estreiteza do bico, o movimento, a posição baixa da cabeça e a direção descendente do bico são todos fatores essenciais para gerar uma resposta. Na verdade, esses cinco componentes básicos são tão essenciais para a resposta que uma representação refinada, sintética — o que é conhecido como conjunto supranormal de estímulos —, faz o serviço melhor ainda. Uma vareta marrom fina com três listas vermelhas próximas à ponta, quando movimentada numa direção descendente, induz — além de seu protótipo darwinista original — não só uma resposta positiva, como também uma resposta positiva mais intensa. Em outras palavras, aperta ainda mais os botões que fazem o filhote da gaivota-argêntea bicar. Bem, o negócio é o seguinte. Exatamente os mesmos processos de persuasão que são ativados na gaivota-argêntea acontecem nos seres humanos — exatamente pelas mesmas razões e com os mesmos mecanismos. Peitos e bunda bem grandes; lábios artificialmente modificados; músculos abdominais bem definidos e duros como granito; e pernas que chegam ao infinito... todos esses artefatos são os equivalentes sexuais humanos daquelas três faixas vermelhas e daquela vareta marrom fina. São caricaturas — literalmente — de estímulos sexuais “vistosos” que, num momento ou outro, “despertaram a nossa atenção”. E, por isso, nossas respostas a eles são mais intensas. Figura 1.4 Não sou burro. É só uma tendência do design.
Vitória com um pé nas costas Felizmente para a gaivota-argêntea, o uso comercial do estímulo-chave continua exclusividade dos seres humanos. Mas não é só no plano empresarial que somos suscetíveis a esse tipo de influência. A gente também tem vislumbres de versões antigas — quando a persuasão era feita mais de biologia que de psicologia — no comportamento simples do cotidiano. E, quando acontecem, são espetaculares. A amiga de uma amiga me falou de Marco Mancini numa festa. Ela havia trabalhado com ele, certa ocasião, no Job Centre [Central de Empregos, um órgão do governo inglês associado ao Ministério do Trabalho], antes de lhe entregar seu aviso prévio e ir viver à beira-mar. Na verdade, ela foi embora depois de trabalhar ali só uns meses — lutando, como muita gente antes dela, para não enlouquecer na hora dos acertos de contas. Quatro vezes, numa
determinada semana, o extintor de incêndio foi arrancado da parede. Não para apagar um incêndio, e sim para jogar mais lenha na fogueira, lançado contra a grade de segurança de ferro fundido que separava sua mesa de trabalho da sala de espera. E alguém sacou uma arma. Marco, disse ela, era diferente. E boa parte da diferença estava na forma que usava para falar com as pessoas. Enquanto todos os outros covardes se escondiam atrás de vidros espelhados, Marco trabalhava cara a cara — fazendo tudo às claras. Sempre tinha café recém-passado. E sua mesa ficava bem no meio, onde todos podiam vê-lo. O que, para ela, era imprudente ao extremo. Loucura. Tenho de admitir que concordei. Mas aí que estava o x da questão. Apesar de todos os problemas — e havia, disse-me ela, um montão deles —, em dois anos e meio que Marco trabalhou no Job Centre, não se sabe de uma única vez em que ele tenha sido atacado. Nem uma única vez. No entanto, havia outra coisa nele. Não era tanto a forma como falava com as pessoas, era também... não, ela não sabia dizer o que era. Mas assim que as pessoas entravam em contato com ele, parecia que elas simplesmente... se acalmavam. Como se um interruptor tivesse sido apertado, ou algo do gênero. Ninguém sabia por que, mas todo mundo havia notado esse lance. Talvez ele fosse louco, diziam. E os outros loucos sacassem isso. Fiquei surpreso com Marco quando o conheci. Havia esperado... Não, na verdade, não. De Niro em Fogo contra fogo? Al Pacino em Perfume de mulher? Mas, em vez disso, topei com um Jesus moderno, urbano, que dava a impressão de trabalhar numa lanchonete de sucos e vitaminas. — E aí, Marco — disse eu. — Nos dois anos e meio em que você trabalhou no Job Centre, nunca teve problemas. Qual é o segredo? O segredo, conforme descobri, era surpreendentemente simples. Ficava sentado em cima das próprias mãos e não mexia uma palha. Isso, mais o fato de haver um lance qualquer nas cadeiras. A cadeira do cliente, que ficava na frente da sua mesa, havia sido ajustada para ficar só um tiquinho mais alta que a dele, de modo que as pessoas olhavam literalmente de cima enquanto ele ouvia. Ah, e mais uma coisinha: assim que a poeira baixava um pouco e o pior já havia passado, ele as olhava nos olhos, essas pessoas irritadas, loucas, e sorria. E tocava nelas, uma vez, no braço. — Nunca me esqueci de uma coisa que me aconteceu quando eu tinha 10 anos — Marco me disse. — Havia um menino na escola que havia dito alguma coisa sobre mim ao professor, e eu fiquei com raiva. Com muita raiva. Saí atrás dele no pátio do recreio com a intenção de lhe arrancar o
couro quando o encontrasse. E aí, quando topei realmente com ele, tudo quanto eu fiz foi gritar. E depois calei a boca. “Foi alguma coisa na postura dele. Estava encostado numa parede, sentado em cima das próprias mãos. Quer dizer, como é que você bate em alguém que está sentado em cima das próprias mãos? É como atirar em alguém a sangue-frio. Como é que ele ia conseguir se defender? Além disso, ele ficou de cabeça baixa o tempo todo em que eu gritei e depois ele meio que olhou bem nos meus olhos, ainda sentado em cima das próprias mãos. Era como se estivesse dizendo: ‘Tudo bem, tô aqui. Pode me bater, se quiser.’ E eu não consegui. Por um motivo qualquer, simplesmente não consegui. E me afastei. E fui embora.” Uma façanha tão extraordinária de persuasão genial e temerária não pode ser realizada de qualquer jeito. Além de fazer o tipo certo de lances, você também precisa — se aspira ser o tipo de flipnotizador que Marco Mancini é, com certeza — ter o tipo certo de qualidades: em primeiríssimo lugar, a autoconfiança e a empatia sobre as quais falei sucintamente na introdução (e que revisitamos no início deste capítulo, relacionada a animais). Apesar disso, os lances que você faz ainda são importantes — e é aqui que a coisa fica interessante. Examinada mais de perto, a estratégia de Marco tem uma semelhança impressionante com os princípios do apaziguamento animal: gestos ritualísticos simbólicos que têm o objetivo de evitar o conflito e “conversar para se entender com o outro”. Quando a fuga não está no menu, você está. Pense, por exemplo, naquele lance das cadeiras: um estar mais alto que o outro. Se o mimetismo é empatia direta, então o poder primordial de um estímulo-chave apaziguador reside inteiramente na arte da surpresa. Da incongruência. Ou, como diz Darwin na obra A expressão das emoções no homem e nos animais, “o princípio da antítese”. Um babuíno subordinado — independentemente do gênero — vira as costas para um agressor e coloca-se em posição de acasalamento (pseudocópula). Tudo bem, o infeliz subordinado pode, de quando em quando, ser realmente montado pelo macaco dominante — felizmente, só por um breve momento; mas, muitas vezes, o gesto, a antítese da agressão, é aceito como um gesto de submissão e o subordinado é poupado. E tem o lance de se sentar sobre as próprias mãos. Um estudo recente sobre o pitu, um camarão de água doce, vai além daquele sobre os babuínos — e sugere que o apaziguamento pode chegar a ser uma estratégia superior à
dominação.10 Quando o pitu macho compete por uma fêmea, mostra aos outros quem é que manda no pedaço virando os rivais de costas e depois assumindo uma posição de acasalamento. O animal subordinado tem duas opções: por um lado, pode oferecer resistência; e por outro, antiteticamente, pode assumir a posição receptiva e submissa da fêmea. Fadi Issa e Donald Edwards, da Universidade Estadual da Geórgia, descobriram, para grande prazer dos membros mais metrossexuais da população de pitus, que ceder e deixar os tipos machões subirem em cima deles, na verdade, paga dividendos. Depois de 24 horas de confrontos de duplas de machos, metade dos que resistiram estavam mortos, ao passo que todos os que se submeteram estavam vivos. É inegável que ficar por baixo — ou, no caso de Marco, sentar-se num nível mais baixo — tem lá as suas vantagens.
Rebaixar-se para vencer Os conhecimentos que temos dos estímulos-chave, de seu modus operandi e da grande influência que exercem no reino animal permitem, como acabamos de ver no caso de Marco, que os usemos em proveito próprio. Assim como é possível demolir os edifícios mais altos e resistentes que há fazendo-os ceder ao próprio peso com o uso bem pensado de explosivos, até os problemas mais intratáveis podem ser resolvidos com algumas palavras e gestos cuidadosamente escolhidos. Ao longo da história, os grandes da persuasão sempre souberam disso. No Evangelho segundo João, por exemplo, Jesus é encurralado. Os fariseus apresentam-lhe uma mulher acusada de adultério e pedem seu conselho. — Mestre — dizem eles —, esta mulher foi surpreendida em adultério, foi pega em flagrante. Bom, a lei de Moisés diz que ela deve ser apedrejada até a morte. O que tem a dizer? É óbvio que os fariseus não estavam realmente interessados na visão moral de Jesus a respeito dessa questão. E Jesus sabia disso. Suas intenções não eram nada salutares. O que estavam querendo realmente era envolvê-lo numa questão jurídica. Segundo a lei mosaica, a mulher, como os escribas
observaram corretamente, devia ser apedrejada. Até aí, nenhum problema — em circunstâncias normais. Mas, como agora a Palestina estava sob ocupação romana, as coisas tinham mudado. A lei mosaica cedera seu lugar à lei romana — e, se Jesus concordasse com a primeira em detrimento da segunda, ficaria vulnerável à inevitável acusação de provocação e agitação política. Mas essa era a menor de suas preocupações. Por outro lado, se ele declarasse que a mulher não devia ser apedrejada, poderia ser alvo da acusação exatamente oposta — de virar as costas para as tradições veneráveis de seus antepassados. O que também não era uma boa. Uma verdadeira multidão se reuniu à sua volta e as tensões só faziam aumentar. Sair de uma dessas é, ao que tudo indica, uma tarefa dificílima até mesmo para o mais convincente dos diplomatas ou vigaristas — quanto mais não seria para um carpinteiro itinerante sem absolutamente nenhuma educação na arte da retórica. O que aconteceu a seguir é descrito da seguinte forma: Eles assim diziam para pô-lo à prova, a fim de terem matéria para acusá-lo. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo. Como persistissem em interrogá-lo, ergueu-se e lhes disse: “Quem dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra!” Inclinando-se de novo, escrevia na terra. Eles, porém, ouvindo isso, saíram um após outro, a começar pelos mais velhos. Ele ficou sozinho e a mulher permanecia lá, no meio. (João, 8,6-9; grifos do autor).
Essa passagem do Evangelho segundo João é singular. É a única ocasião em todo o Novo Testamento em que Jesus escreve alguma coisa. Há muita especulação entre os estudiosos da Bíblia a respeito de que palavras teriam sido estas. Os pecados dos acusadores da mulher? Seus nomes, talvez? É claro que vão continuar sendo um mistério para sempre. Mas, de uma perspectiva psicológica, o motivo exato que levou Jesus a sentir necessidade de escrever alguma coisa num momento daqueles é um enigma maior ainda. Não faz sentido. Isto é, a menos que ele tivesse um trunfo na manga. Será que escrever aquelas palavras não teria sido uma cortina de fumaça? O significado de seus atos estaria menos na escrita em si — e mais na sua execução? Vamos analisar a linguagem corporal de Jesus durante seu confronto com os fariseus. Na verdade, a conversa compreende três fases distintas. Na primeira, ao ser interrogado, qual é a sua reação inicial? Bom, o texto nos diz
que ele “se inclina” imediatamente (antítese: incongruência: apaziguamento). E depois, quando os fariseus persistem em seus sofismas, ele “se ergue” para dar sua famosa resposta (confiança: assertividade) — antes de voltar à posição agachada e retomar a postura de apaziguamento. É um movimento engenhoso que tem o objetivo de realizar uma mudança e conquistar uma posição. Claro, Jesus teve mesmo uma grande sacada com a frase “atirar a primeira pedra”. E, além disso, é praticamente certo que sabia disso: este é um dos melhores exemplos de flipnose com que me deparei. Apesar disso, ele ainda tem um problema. Afinal de contas, por mais genial que uma frase tenha sido ou deixado de ser, por mais revelador que tenha sido o confronto, ele ainda por cima lança um desafio aos fariseus. E, apesar de sua genialidade, poderia tê-los deixado putos da vida. Uma eventualidade sobre a qual, sem dúvida alguma, Jesus tinha plena consciência. E que explica, ao contrário das conjeturas teológicas, que ele não falou só em uma língua, falou em duas. Uma moderna, fonêmica, obscura. A outra antiga, silenciosa, profunda.
Incêndio e resgate Marco Mancini e Jesus têm pouco em comum. Certo, Marco se parecia mesmo um pouco com Jesus quando o conheci. Mas acho que aí termina a similaridade. Marco descobriu os primeiros segredos da flipnose no pátio de recreio da escola. E Jesus... Vai saber... A questão é que não é preciso ter poderes sobrenaturais para primar na arte da persuasão como eles. Todos nós temos essa capacidade. Mas, ao contrário de nossos parentes animais, nós temos de desenvolvê-la. E esse tipo de influência também não se restringe a situações extremas. Tudo bem, de quando em quando, ela pode nos ajudar a sair de uma enrascada. Ou do alcance de um soco. Mas pode nos ajudar em outros momentos também. Pense bem. Quanto mais você consegue falar sem dizer realmente uma única palavra, tanto maior a vantagem que você tem, seja qual for a porra da situação em que se encontra.
Pense no comércio. A pesquisa mostrou que os melhores vendedores muitas vezes se inclinam ligeiramente para a frente, na direção do cliente, quando estão fechando um negócio — um duplo encantamento que não implica só empatia (através da maior proximidade física), mas também uma subserviência astuciosa. Ou na educação dos filhos. Da próxima vez em que você tiver de aplicar a lei a uma criança desobediente de 6 anos de idade, tente colocá-la numa posição superior. Em vez de se agigantar à sua frente, agache-se a seu lado e então — no tom de voz mais calmo possível (mais fácil falar do que fazer, eu sei) — diga o que tem a dizer. Descer ao nível de alguém tem o efeito de muitos milhares de palavras. Lembra da história do Churchill e do cara que quis roubar o saleiro de prata que contei na introdução? O que você está dizendo (sem ter de dizer com palavras) é o seguinte: “Olha, não é só você que está na merda aqui. Somos nós dois. Portanto, será que não daria para a gente trabalhar em equipe daqui pra frente? Topa? Aqui está Winston de novo — com mais uma de suas tiradas. No verão de 1941, James Allen Ward, sargento da aeronáutica, recebeu a Victoria Cross por ter subido na asa do seu bombardeiro Wellington — voando a quase 4 mil metros de altura acima de Zuider Zee — e apagado um incêndio no motor de estibordo. Sua segurança foi garantida naquele momento por uma simples corda amarrada à cintura.11 Algum tempo depois, Churchill mandou chamar esse neozelandês reservado e temerário ao número 10 de Downing Street para cumprimentá-lo pessoalmente pela façanha. O começo da entrevista foi meio constrangedor. Quando aquele piloto corajoso — que realmente não tinha medo de nada — se viu incapaz de dizer uma única palavra na presença do grande homem — sentindo-se completamente impossibilitado de responder até as perguntas mais simples que lhe foram feitas, Churchill tentou algo diferente. — Você deve se sentir muito pequeno e constrangido na minha presença — começou ele. — Sim, senhor — gaguejou Ward. — Isso mesmo. — Bom, então você pode muito bem imaginar — disse Churchill — o quanto me sinto pequeno e constrangido na sua.
Resumo Neste capítulo, examinamos as origens da influência. Como a persuasão era feita antes do advento da linguagem verbal e como ainda é feita hoje em dia no reino animal. As conclusões a que chegamos são inquestionáveis. Com a aparecimento da linguagem verbal e o surgimento do neocórtex, a persuasão, em vez de se tornar mais eficiente, tornou-se menos, na verdade. Quando se trata de persuasão, os animais são melhores do que nós. O segredo da persuasão no reino animal é a parcimônia. Nos animais, as unidades básicas da influência são o que os etólogos chamam de estímuloschave — balas de prata de persuasão que, quando atiradas por um membro de uma espécie contra outro, geram uma série de respostas instintivas, préprogramadas. Essas balas de prata — inatas, imediatas e incisivas — resolvem as situações rapidamente e com um mínimo de efeitos colaterais indesejáveis para o sistema cognitivo. No entanto, com os seres humanos, é diferente. Entre nós e o expediente do instinto, há uma cunha — uma camada de ozônio de consciência — que a linguagem, nosso instrumento preferido para exercer influência, costuma achar difícil de penetrar. Só gente muito especial é que consegue. A questão é, evidentemente, como desenvolver essa influência. Será que todos nós somos capazes de tocar esses pontos sensíveis à persuasão? Ou será que é exclusividade de uma elite diminuta? Você pode achar a resposta surpreendente. Todos nós nascemos sob as bênçãos do gênio da persuasão. Mas, conforme ficamos mais velhos, seu esplendor declina.
Notas Na verdade, não. O caso está documentado em Symptoms of Unknown Origin: A Medical Odyssey, de Clifton K. Meador (Nashville: Vanderbilt University Press, 2005). Também foi reproduzido num artigo de Helen Pilcher (2009), “The Science and Art of Voodoo: When Mind Attacks Body”. New Scientist, n. 2.708, 13 de maio. a
A Comunidade da Sedução é um grupo de homens conquistadores que usam os princípios da psicologia social evolutiva para atrair mulheres. A comunidade e suas práticas estão documentadas na obra de Neil Strauss intitulada The Game: Penetrating the Secret Society of Pickup Artists (Canongate, 2005). [Edição brasileira: O jogo — A bíblia da sedução: Penetrando na sociedade secreta dos mestres da conquista. Rio de Janeiro: Best Seller, 2008]. b
Nesse contexto, uso o termo “empatia” de forma bem vaga para me referir, na falta da consciência, à capacidade de “estabelecer relações” — de estabelecer uma comunicação de forma a dar o máximo de ênfase ao receptor. c
E o roubo de identidade não é único tipo de fraude a que esses conquistadores traiçoeiros recorrem. Os machos psicopatas da espécie das rãs-sino — da comunidade que não coaxa — passam rotineiramente a perna em seus exaustos semelhantes barítonos pulando do meio das sombras no último segundo e transando com as fêmeas: as mesmíssimas fêmeas para as quais seus congêneres exaustos acabaram de passar a noite inteira fazendo serenata. d
2 Atração fetal
Uma senhora de Houston acabou de me contar que uma amiga ouviu o choro de um bebê em sua varanda na noite passada e chamou a polícia porque era tarde e ela achou aquilo estranho. O policial disse a ela o seguinte: “Aconteça o que acontecer, não abra a porta.” A senhora disse então ter pensado que o bebê tinha engatinhado perto de uma janela e ela ficou com medo de a criança chegar à rua e ser atropelada. O policial disse: “Já temos uma viatura a caminho. Não importa o que a senhora ouça, não abra a porta.” E acrescentou que havia um assassino em série que havia gravado o choro de um bebê e usava a gravação para atrair as mulheres para fora de casa, achando que alguém havia abandonado uma criancinha pequena. Disse que não haviam provado nada ainda, mas que tinham recebido vários telefonemas de mulheres dizendo que tinham ouvido choro de bebê do lado de fora da porta quando estavam sozinhas em casa...
“O choro de um bebê humano indefeso não é um estímulo fraco, ineficiente e arcaico. É a força mais profunda e potente da natureza. Até um homem e uma mulher o ouvirem pela primeira vez, a paternidade e maternidade estão latentes dentro deles... O choro [do bebê] não está no espaço exterior, e sim nas profundezas do amor e da compaixão dos seres humanos” — Jonathan Hanaghan, Society, Evolution and Revelation1
O prodígio da persuasão Estou sentado num café na região sul de Londres, prestes a me encontrar com um homem que, há alguns anos, teria sido assassinado num lugar como esse.
Pelas redondezas, há um monte de outros lugares onde ele poderia ter sido morto. Mas aqui? Com suas luvas de pelica Fair Trade e suas botas Ugg? Não. Lá vem ele agora. Embora nunca o tenha visto antes, tenho certeza de que é ele. É alto — quase 1,90 metro. Vinte e tantos anos. E está bronzeado. Não aquele tipo de bronzeado que você pega na Grécia, mas do tipo que os bebuns pegam nas praças por passarem muito tempo nos bancos. Seu nome é Daryl. Daryl já me identificou — estou certo, é ele — e está se aproximando. A primeira coisa que reparo nele é o tremor. Em algum lugar do seu cérebro as coisas desandaram e alguns circuitos se romperam. E tem a cicatriz. E as tatuagens malfeitas. E a mochila, que ele pressionou em direção à minha perna. O que será que tem ali dentro?, pergunto-me. Há alguns anos, Daryl fazia parte de uma organização criminosa barrapesada que operava nessa área. Passava a maior parte do tempo sob o efeito do crack. E já experimentou de tudo. E já fez de tudo. De tudo: de arrombar casas a roubar, sem falar na falsificação de passaportes. E aí, certo dia, as coisas começaram a dar certo. Passando por um estacionamento numa tarde de sábado, ele viu uma mulher pondo as compras num carro. Ele tirou uma faca do bolso e aproximou-se dela por trás. Mas, quando ela se virou, Daryl teve uma surpresa. Apertado entre seu braço e seu corpo, havia um bebê recémnascido. Ele gelou. Ela gelou. Todos gelaram. O bebê só ficou olhando para ele, e Daryl para o bebê. E aí a mulher gritou, ele largou a faca e fugiu. E, depois disso, entrou num programa de reabilitação. — Simplesmente não sei o que aconteceu — diz ele enquanto tomo golinhos do meu café com leite de soja sem espuma, sem açúcar e com uma pitada de baunilha. — Mas aconteceu uma coisa fodida. A criança foi um choque daqueles. O jeito de me olhar... Era como um “alto lá!” Não sabia o que fazer com aquela merda. Eu nunca quis machucar ninguém. Só queria a grana. Sabe como é, para a heroína e coisas assim. Um dia, fui uma criança como aquela. Como é que as coisas chegaram a esse ponto? O que aconteceu com a criança que eu fui um dia? — pensei.
Missão impossível
Um bebê recém-nascido é uma máquina de persuasão. Não há outra forma de dizer o que quero dizer. A capacidade do recém-nascido de impor sua vontade aos outros, de fazer o que quer, de nos fazer girar na palma da sua mãozinha, não tem igual. As suas técnicas de influência social são refinadíssimas. A resposta humana aos bebês é universal, seja qual for a demografia que você quiser se dar o trabalho de citar. Seja qual for a cultura, a idade, o gênero — ou qualquer outro fator — a reação é praticamente idêntica. Considere a idade. Alguns estudos revelaram que bebês bem novinhos — de até quatro meses — olham durante mais tempo para figuras de rostos de outros bebês do que para as de crianças maiores, ou de adultos.2 E que, aos dezoito meses, essa preferência por rostos de bebês é acompanhada não só por mais sorrisos, como também por gesticulação e vocalização. Mais surpreendente ainda talvez seja que isso não acontece só com os seres humanos.3 A partir dos dois meses de idade, os macacos Rhesus criados em isolamento mostram uma preferência similar por figuras que mostram macacos bebês, em detrimento daquelas que mostram macacos adultos. A atração exercida pelo recém-nascido é irresistível e universal. Essas tendências perceptivas espreitam nas profundezas do cérebro. Uma pesquisa dirigida pelo neurocientista Morten Kringelbach na Universidade de Oxford revelou, por meio da magnetoencefalografia (MEG — uma técnica de captação de imagens que monitora a ativação do cérebro em milésimos de segundo), que, quando observamos imagens de recém-nascidos, a área do cérebro que codifica os estímulos gratificantes — o córtex medial orbitofrontal — responde quase que imediatamente — em um sétimo de segundo — logo às primeiras figuras que aparecem.4 Nosso cérebro, diz Kringelbach, tem uma propensão inata a “classificar” os rostos de bebês como imagens especiais. Descobrir por que exatamente o recém-nascido é tão persuasivo não é algo que exija um esforço titânico. Como muitas coisas da vida, reduz-se basicamente a marketing. Os filhotes de chimpanzés fazem o maior escarcéu. Os filhotes de gaivota grasnam. As larvas do besouro-coveiro (Nicrophorus americanos) puxam as pernas dos pais. Em todo o reino animal, os recémnascidos revelam um talento consumado para chamar a atenção dos pais — mostrando um leque eclético de engenhosos estímulos-chave para conseguir alimentação e inibir a agressividade dos adultos.
Esse tipo de propaganda é da maior importância. Houve um momento (não que a gente se lembre bem) em que todos nós — sozinhos e sem retaguarda — chegamos à vida. Foi uma manobra arriscadíssima. Considere a enormidade do desafio inicial que enfrentamos. De alguma forma, desde o primeiríssimo momento em que chegamos a este mundo, tínhamos de influenciar aqueles que estavam à nossa volta — sem dispor de pensamentos, nem de linguagem verbal, nem de controle sequer sobre as funções corporais mais básicas —, tínhamos de convencê-los a cuidar de nós. De alguma forma tínhamos de persuadi-los de que valia a pena. Hoje em dia, consideremos tudo isso ponto pacífico, claro. Porque conseguimos. Não — sou obrigado a acrescentar — por meio de qualquer recurso pessoal (se nós tivéssemos qualquer coisa a ver com isso, quem sabe o que poderia ter acontecido?), e sim através da genialidade da seleção natural. Através do poder do advogado biológico, a seleção natural tomou as providências necessárias: equipando-nos não só com um atributo-chave — a capacidade de fazer um escarcéu dos diabos —, mas com três. Três estímulos-chave de influência social, com cujo protótipo já chegamos neste mundo e que nós achamos absolutamente irresistíveis: a capacidade de chorar e gritar com uma eficiência acústica brilhante; um encanto e uma graça diabólicos (que, para aqueles que têm a sorte de continuar com esses atributos, também são uma arma infalível mais tarde); uma capacidade hipnótica de fazer contato visual. A persuasão, seja qual for sua forma ou meio, jamais é tão incisiva quanto essa. Neste capítulo, continuamos nossa busca das origens da influência social, a linhagem primitiva de fazer os outros mudarem de ideia, examinando um pouco mais de perto esses três estímulos-chave da influência exercida pelo recém-nascido. O que exatamente existe no choro que o torna tão especial? E quais são as características do rosto de um recém-nascido que nos enfeitiçam de tal maneira?
Talento inato para o som A influência instantânea não é uma coisa com que a gente tope a toda hora na esfera da interação humana. Isso nós já vimos no capítulo anterior. Conosco, ao contrário dos animais, em geral as coisas levam tempo. O que se deve em boa parte ao fato de termos cérebros tão grandes que dá pra passar um ônibus por eles. Temos a capacidade de aprender. De refletir. De decidir. E também de falar a respeito dessas coisas mais tarde. Mas, ao longo do itinerário, espreitam vestígios do passado: pontos de ônibus antigos que caíram em desuso e que, de quando em quando, voltam à vida. Certas formas de comunicação, certos meios de interação podem, até hoje, levar-nos a fazer coisas sem que a gente sequer se dê conta, graças à sua enorme importância em nossa história evolutiva. Há momentos na vida em que nosso cérebro manda a razão para o espaço. Em 1998, o Pentágono contratou Pam Dalton, do Monell Chemical Senses Center da Filadélfia, para fazer uma coisa inusitada.5 Fascinado pela possibilidade de controlar a ordem pública por meio do olfato, esse órgão do governo encarregou Dalton de fazer o experimento químico mais perigoso do mundo. Ela devia criar, pela primeira vez na história, um cheiro que todos achassem repulsivo. Será que poderia existir, perguntaram-se as autoridades de alto escalão do Ministério de Defesa dos Estados Unidos, algo tão fedorento que conseguisse dispersar uma multidão irada depois de um momento de exposição a essa substância? Pam achou que poderia existir, sim. Na verdade, ela descobriu que não havia só uma infusão desse tipo, mas duas. Um par de preparados igualmente fedorentos que transcendiam não só todas as diferenças individuais conhecidas, como também todas as fronteiras culturais de que temos notícia: um deles recebeu o nome pertinente de “Fedor de Banheiro Padrão do Governo dos Estados Unidos” (constituído — que surpresa! — pelo cheiro concentrado de fezes humanas), e o nome igualmente pertinente, embora um pouco eufemístico, de “Quem, Eu?” (um conjunto hediondo de moléculas de enxofre que simula o cheiro mefítico de cadáveres em decomposição e comida estragada). Resultados para os quais, poderíamos dizer, ninguém torceria o nariz. O avanço tecnológico provou muitas vezes ser fonte de inspiração. Qualquer um que alguma vez não conseguiu pregar o olho a noite inteira porque o alarme do carro do vizinho disparou, ou que já foi distraído pelo
toque de celular personalizado do idiota que mora na casa em frente, sem dúvida alguma deve ter se perguntado se uma pesquisa semelhante não foi feita com o som. Foi. Roncos, gritos de gente brigando, tosse e puns estão entre os sons mais exasperantes que há. Para muita gente, isso pode ser uma surpresa. Comparado ao ruído de um ancinho raspando num pedaço de ardósia — que, de acordo com um estudo da década de 1980, é a melhor coisa que existe para provocar irritação —, esses sons mais “orgânicos” parecem bem inofensivos.6 Mas, como observou Trevor Cox, do Centro de Pesquisa Acústica da Universidade de Salford, a inferência de irritação a partir somente da física de uma onda sonora não é tão direta quanto pode parecer. Fatores psicológicos também fazem parte da reação. — O bum, bum, bum do aparelho de som do seu vizinho não é tão exasperante se você vai participar da festa mais tarde — diz Cox. E ele tem razão. Em síntese: como no caso de muitos elementos potencialmente estressantes, o grau de tensão gerado de fato depende do grau de controle que o receptor tem, ou acha que tem, sobre o ambiente à sua volta. — Quando você tem controle sobre o barulho, ele tende a ser menos irritante — diz Cox. — Mas, se você teme a fonte do ruído, esse fator em geral agrava o estresse. O inventor inglês Howard Stapleton testou há pouco tempo a teoria de Cox.7 Bem literalmente, na praça do mercado. Seu aparelho, batizado de Mosquito — concebido, como os cheiros irresistivelmente repugnantes de Dalton, para reduzir o comportamento antissocial por sua capacidade de dispersar multidões — emite um som agudo muito alto e irritante numa frequência que é inaudível para qualquer pessoa com mais de 30 anos. O aparelho, batizado de “repelente eletromecânico de adolescentes” está em uso agora nas ruas movimentadas e nas alamedas comerciais de todo o Reino Unido com um êxito comprovadamente maior que o de seu predecessor na guerra contra a agressividade no ambiente social, principalmente dos jovens: Wagner. Com um som um pouco mais alto que uma tosse ou um pum (na faixa dos 85 decibéis — mais ou menos a mesma de um cortador de grama), mas ainda não agressivo a ponto de causar danos físicos reais, a principal vantagem do Mosquito parece ser sua capacidade de irritar. Segundo as últimas notícias, ele vai muito bem, obrigado.a
O lance do choro A faixa normal de audição do ser humano adulto vai de mais ou menos 40Hz a 15KHz.8 A faixa típica da voz humana está entre 100Hz e 7KHz. E também há um ponto em que a audição humana chega a seu extremo em termos de captação de sons agudos: cerca de 3,5KHz. Do ponto de vista da seleção natural, este é um dado interessante. Um grande número de sons opera em frequências próximas à marca de 3,5KHz (o sonar submarino, por exemplo) — sons criados especificamente para situações que prometem um dividendo bem polpudo para os recursos da atenção. Mas há um outro som, cuja altura se encontra entre 200 e 600Hz, que tem uma linhagem um pouco mais antiga. E que, entre todos os estímulos acústicos conhecidos do ser humano, implica as maiores demandas à nossa atenção: o choro de um recém-nascido. O choro de um bebê é genialidade traduzida em som — a coisa mais profunda que pode acontecer a uma molécula de ar. Opera em dois planos fundamentais de influência, dois planos relacionados entre si: o fisiológico e o psicológico. Em comum com outros sinais de alarme e emergência, suas propriedades acústicas evoluíram, bem literalmente, na calada da noite — despertando a atenção e transmitindo dados relativos à sua posição aos responsáveis pela criança, ao mesmo tempo em que minimiza as pistas de sua posição para predadores (as frequências elevadas das vocalizações dos bebês não são tão aerodinâmicas quanto as baixas frequências — favorecendo os membros próximos da própria espécie em detrimento de predadores distantes). Mas o choro de um recém-nascido tem algo mais que a transmissão de dados para a sua localização. Além de seus benefícios para a base de operações, a tonalidade e a gradação deste sinal provocam uma resposta fisiológica instintiva embutida no corpo da mãe: desaceleração cardíaca seguida de aceleração rápida (associada à ação ou intervenção iminente), junto com uma elevação da temperatura dos seios e um reflexo de secreção de leite — que tornam os seios pesados e leva a mãe a alimentar a criança. Lá na época de nossos ancestrais, o choro de um bebê era uma linha direta para chamados de emergência. E de pizza em domicílio também. Mas, paradoxalmente, o choro do bebê também “irrita”. Embora sua representação auditiva não alcance a faixa de “exasperação acústica máxima”b (sua altura é suficiente para não ser ignorada, mas não é tanta a
ponto de provocar uma reação agressiva), o choro do recém-nascido está em primeiro lugar na lista de estímulos acústicos aversivos de praticamente todos os seres humanos — de homens e mulheres, de pais e filhos igualmente —, provocando ansiedade, aflição e impulsos avassaladores de “ajudar”. O equivalente, em termos de som e empatia, ao “Fedor de Banheiro Padrão do Governo dos Estados Unidos”. Em 2007, Kerstin Sander, do Instituto Leibnitz de Neurobiologia, da Alemanha, demonstrou com exatidão a profundidade a que chega o choro de um bebê.9 Sander tocou gravações de quatro tipos diferentes de choros para um grupo de dezoito adultos (nove homens e nove mulheres), enquanto eles estavam ligados a aparelhos de captação de imagens por meio de ressonância magnética funcional.c Depois, ela misturou os choros (dividindo cada gravação em segmentos de 150 milésimos de segundo), recombinou os fragmentos e comparou os resultados dos dois experimentos. Será que os tipos de atividade cerebral se manteriam constantes em ambas as situações? Era isso que Sander queria saber. Ou será que misturá-los faria diferença? Suas descobertas confirmam a genialidade coreográfica da seleção natural. Os resultados mostraram um aumento dramático tanto na atividade da amídala (a parte do cérebro que processa as emoções) quanto na atividade do córtex cingulado anterior (a parte do cérebro sensível a anomalias) quando os choros reais foram ouvidos, em contraposição aos segmentos misturados. Mas o aumento foi maior nas mulheres que nos homens — um resultado que, na opinião de Sander, pode refletir uma predisposição neurológica específica das mulheres para responder à vocalização pré-verbal do bebê (ver Figura 2.1). Figura 2.1.a Áreas aproximadas da atividade cerebral feminina ao ouvir um choro de adulto. As seções sombreadas indicam áreas de maior atividade cerebral (à esquerda). Figura 2.1.b Áreas aproximadas da atividade cerebral feminina ao ouvir um choro de bebê (à direita). Figura 2.1.c Áreas aproximadas de atividade cerebral masculina ao ouvir um choro de bebê (embaixo).
E, quando Sander usou um subgrupo de seus sujeitos experimentais e comparou a atividade da amídala ao ouvir um choro natural de bebê com o choro natural de um adulto, levou realmente um choque. Aqui, o aumento em relação ao choro do bebê foi mais pronunciado ainda: 900%. O choro de um bebê, ao contrário do que indicam as aparências, não é tão simples assim.
Quando a nota errada faz soar a nota certa E também não é uniforme, como você poderia imaginar que fosse. Uma pesquisa adicional promoveu um avanço na investigação e revelou que, embora as vocalizações pré-verbais aumentem de fato a ativação da amídala, são as mudanças repentinas, dramáticas e inesperadas na altura do choro — conhecidas como “pulsação” ou “vibrato” — que transmitem a emoção mais intensa e despertam nas mães, ou outros responsáveis pela criança, as
respostas afetivas mais potentes. Além disso, são exatamente essas mudanças imprevistas que mais nos tocam quando se trata de música: fazem um calafrio nos subir pela espinha, o que cria aquele “tremor” inimitável. Não é a vibração previsível das notas que abre a tampa da caixa das nossas emoções. Aliás, também não é o esperado que, numa comédia, faz a gente rir. É a ignomínia maluca do erro que leva ao êxtase. Como exemplo, considere o seguinte: Paul Rozin e seus colaboradores da Universidade da Pensilvânia chamaram a atenção para um elemento comum que existe no humor — um elemento a que deram o nome de sequência AAB.10 Todos nós sabemos o que é isso: (A1) Alguns homens estão prestes a ser executados. O guarda empurra o primeiro da fila e o carrasco pergunta se ele tem um último pedido. Ele diz que não, e o carrasco grita: — Atenção! Apontar! De repente, o homem grita: — Terremoto! Todos se assustam e olham em volta. No meio da confusão, o homem foge.
(A2) O guarda empurra o segundo homem para a frente e o carrasco pergunta-lhe se tem um último desejo que gostaria de realizar. Ele diz que não, e o carrasco grita: — Atenção! Apontar! De repente, o homem grita: — Furacão! Todos se assustam e olham em volta. No meio da confusão, o segundo homem foge.
(B) O último homem já está com toda a sua estratégia montada. O guarda o empurra para a frente e o carrasco pergunta se ele tem um último pedido. Ele diz que não, e o carrasco grita: — Atenção! Apontar! E o último homem grita: — Fogo!
Nessa piada em particular (tenho outras), a violação das expectativas — B — é criada pela interpretação alternativa do último termo, que tem duplo sentido. A expectativa é que seja dita outra palavra relativa a uma catástrofe natural, e ela é dita — agora se trata de um incêndio. Só que, quando ela é pronunciada, tem um significado diferente, fatal e radicalmente pertinente. Mas também existe uma sequência AAB na música — talvez menos conhecida.
Figura 2.2 A estrutura AAB no tema inicial de Mozart, Sonata para piano em lá maior, K. 331, I (Andante grazioso), movimentos 1-4.
Aqui, vemos o motivo original de cinco notas (A1) repetido um tom abaixo (A2), que depois começa de novo mas um tom abaixo (B). Só nesse terceiro fragmento é que ele muda de forma, usando uma sequência de notas completamente diferente. Essas “inversões de roteiro” — ou inversões de expectativas — são comuns em uma grande variedade de gêneros musicais, do clássico ao contemporâneo, passando pela Broadway e pelo jazz. Nem é preciso dizer que, na cultura britânica, também constitui a base de inúmeras piadas de “inglês, irlandês, escocês” e de “padre, ministro, rabino”. Será que essa incongruência manifesta, essa violação ostensiva das expectativas constitui uma lei universal de persuasão? Muito possivelmente. É, com certeza, um componente do que Darwin tinha em mente com seu princípio de antítese — a inversão de roteiro presente na vida dos animais tão indispensável ao apaziguamento. E, como vimos no capítulo anterior, na vida dos seres humanos também. “A música”, escreve V.S. Ramachandran, da Central do Cérebro e da Cognição da Universidade da Califórnia, “implica gerar picos de variação em certas vocalizações de primatas primitivos e passionais, como o choro provocado por uma separação; a reação emocional a esses sons pode estar ligada parcialmente a estruturas permanentes de nosso cérebro.”11 David Huron, em seu livro Sweet Anticipation: Music and the Psychology of Expectation, vai mais além.
Criar expectativas, afirma Huron, é o que os seres humanos e outros animais fazem para sobreviver; só prevendo o futuro é que conseguem se preparar para ele. E, como o cérebro garante que uma previsão acurada paga dividendos, nós nos sentimos bem quando provamos estar certos. A ligação entre previsão e recompensa leva-nos a estar sempre tentando descobrir uma estrutura e sempre tentando prever o desenrolar dos acontecimentos. Enquanto textura que evolui no tempo, a música é um superestímulo para essas previsões.12
Em outras palavras: quando as expectativas são violadas, o nosso cérebro (mais especificamente, áreas como o córtex cingulado anterior e partes da junção temporoparietal) é levado a restaurar a homeostase. Para neutralizar a emoção aversiva que acompanha essa violação. Nas artes — na música e na comédia, por exemplo — essa emoção aversiva é parte indispensável do barato. No conforto de nossa poltrona, ou na segurança do nosso círculo mais íntimo, a gente se põe voluntariamente nas mãos do artista. Mas, em outras áreas da vida, não temos toda essa boa vontade, não. Quando um evento ou estímulo contraria nossas previsões, somos obrigados a tomar uma providência qualquer: ou desacreditá-lo, ou eliminá-lo. Ou então repensar nossa posição. E é por isso que é quase impossível — principalmente para as mães, pais ou outros responsáveis por crianças pequenas — ignorar o choro de um bebê. Além do som propriamente dito gerar sentimentos aversivos, o mesmo fazem elementos essenciais de sua estrutura.
A bela e a fera Você consegue reconhecê-los a quilômetros de distância. Na verdade, é provável que sejam visíveis do espaço sideral — aqueles caras do shopping com pranchetas na mão. Por um motivo qualquer, parece que o lance sempre acontece quando você está com pressa. Ou quando ficou sabendo, há poucos momentos, que a sua casa está pegando fogo. — Você tem um minutinho para responder algumas perguntas... Muitos de nós criamos estratégias sofisticadas para enfrentar esse tipo de situação. Tosse persistente. Celulares que começam a tocar de repente. E o encontro inesperado de conhecidos imaginários do outro lado da rua. Mas nenhum deles funciona, evidentemente, se a pessoa que está segurando a
prancheta é uma linda loira curvilínea. Nesse caso, longe de querer arrancar os próprios olhos para evitar um contato visual, a maioria de nós faz fila. Para um psicólogo social — um sujeito perito nas vicissitudes da atração interpessoal —, um acontecimento desses não surpreende. É um fato conhecido de todos que gente bonita consegue mais assinaturas para abaixoassinados do que seus congêneres feiosos, e que as instituições de caridade que contam com voluntárias(os) bonitas(os) obtêm contribuições mais generosas. A beleza também faz diferença nas salas dos tribunais. Réus bonitos têm menos probabilidade de ser considerados culpados do que os outros. E, na eventualidade de serem condenados, recebem penas mais leves. Gente de boa aparência é gente boa.d Folheie as páginas de uma dúzia de revistas de psicologia popular — vai ser difícil você não encontrar cem declarações do tipo “Gente bonita é melhor nisso e naquilo”, “Quem não é bonito tem mais dificuldade na vida” etc. e tal. Mas onde estão as provas? Mark Snyder, da Universidade de Minnesota, realizou uma pesquisa em que estudantes do sexo masculino recebiam uma série de informações com detalhes relativos a uma colega (na realidade, uma colaboradora dos pesquisadores). Entre esses detalhes, havia uma fotografia retocada da estudante, na qual os retoques feitos pelos pesquisadores tinham o objetivo de torná-la ora mais ora menos atraente. Com o pretexto de discutir certas exigências do curso, os pesquisadores bolaram uma conversa telefônica de dez minutos entre os participantes e suas “colegas” (nesse caso, a mesma pessoa) e observaram a forma de interação para tentar saber se a beleza teria algum impacto sobre a maneira de falar ao telefone.14 A resposta foi sim. Impressionante. Aqueles que acreditavam que a pessoa com quem estavam conversando era bonita, reagiram a ela de uma forma mais simpática e positiva que aqueles que achavam que ela era feia. Além disso, quando lhes foi pedido — antes da conversa — que registrassem suas impressões iniciais da estudante, as expectativas diferiram claramente com base no elemento beleza. Os participantes que receberam a fotografia da moça bonita previram uma interação com uma colega extrovertida, bemhumorada e competente em termos sociais. Os que receberam a foto da moça feia não fizeram esse tipo de previsão.e
Estimulador cerebral
Em 2007, num estudo com lapdancers (moças que dançam no colo do cliente de uma boate), clubes de striptease e feromônios sexuais, o psicólogo evolutivo Geoffrey Miller descobriu outro fator que ajuda a prever a atração — dessa vez, no ramo do entretenimento adulto.15 Ao longo de um período de alguns meses, Miller e seus colaboradores Joshua Tybur e Brent Jordan selecionaram 5.300 dançarinas eróticas (sim, este é o número exato) e dividiram-nas em três grupos: as que estavam ovulando, as que estavam menstruando e as outras. A pergunta era simples: qual dos três grupos estava com mais dinheiro na bolsa depois de seu turno de cinco horas? Segundo os preceitos da psicologia evolutiva, deviam ser as moças que estavam ovulando. No caso de alguém com a sorte de transar com uma delas, este era o grupo com mais probabilidade de engravidar. E conseguiriam ganhar mais dinheiro. Como seria de se esperar, os frequentadores dos lugares onde elas trabalhavam achavam mais atraentes as dançarinas que estavam ovulando. E, como forma de expressar admiração, soltavam a grana. Na verdade, os resultados do experimento não poderiam ser melhores. Em média, as moças que estavam ovulando ganhavam US$ 325 de gorjeta. As que estavam menstruando, US$ 185. As outras, US$ 260. O estudo de Miller é interessante por vários motivos, mas o principal é o seguinte: na maior parte do tempo, temos tanta capacidade de pôr em palavras o motivo pelo qual achamos alguém atraente quanto temos de explicar por que gostamos do tipo de música de que gostamos. Claro, podemos invocar determinados aspectos dessa música, como o ritmo ou a harmonia; mesmo assim, algumas questões persistem: por que esse ritmo em particular? Por que essa harmonia? Para tentar esclarecer as coisas, vamos inverter os dados do estudo de Miller por um momento e procurar um elemento qualquer de previsão na beleza masculina. Na Figura 2.3, qual rosto você acha mais bonito? O da esquerda? Ou o da direita? Figura 2.3 Descubra a diferença.17
Em geral, a maioria das mulheres prefere o rosto da direita. A menos que estejam ovulando. Nesse caso, escolhem o outro. Mas, ovulando ou não, simplesmente não sabem dizer por quê. Por outro lado, David Perrett, da Universidade St. Andrews, da Escócia, sabe explicar o motivo com precisão: pistas imperceptíveis de intensificação de características do gênero.18 Entre um cara de fuinha e o Arnold Schwarzenegger e seus congêneres, Perrett descobriu que as mulheres em geral preferem realmente o rosto masculino que se parece um pouquinho mais com o seu. Em outras palavras, que são mais femininos. Aqui, o rosto da direita foi feminilizado em 30% — a quantidade ótima para maximizar a capacidade de atrair. O maxilar, como você pode ver, foi arredondado e suavizado. A testa e a região em volta dos olhos também foram suavizadas. Mas, durante a ovulação, essa tendência se inverte misteriosamente. Para as mulheres que estão ovulando, na verdade são os traços faciais masculinos que as atraem mais. Mais fortes, mais robustos, eles evocam claramente uma competência imunológica maior — uma resistência à doença que pode ser herdada —, e rostos que encarnam
uma fisionomia mais masculina assumem uma importância ligeiramente maior (ver Figura 2.4.a). Figura 2.4.a Durante a ovulação, em geral as mulheres preferem as características de rostos mais masculinos, como o de Bruce Willis (à esquerda), em detrimento de traços mais femininos como, por exemplo, Leonardo DiCaprio (à direita). A atração maior exercida por rostos como o do ator inglês Robert Pattinson (Figura 2.4.b) está em sua combinação de atributos tanto masculinos QUANTO femininos — observe a linha angulosa do maxilar, os lábios carnudos e as sobrancelhas baixas, proeminentes.
Figura 2.4.b
Mas, por outro lado, há um indicador da capacidade de atrair que é irresistível para quase todos nós; um indicador que passa pela merda toda do processamento consciente-inconsciente e, exatamente como a estudante bonita no experimento do telefone, desperta o que há de melhor em nós. Esse indicador é o rosto de bebê.
Você tem uma carinha fofíssima de bebê
Em 1943, em seu artigo clássico intitulado “As formas inatas da experiência potencial”, o etólogo austríaco Konrad Lorenz apresentou um conceito radical.19 Os seres humanos, sugeriu ele, estão equipados com uma preferência inata por traços faciais infantis, em detrimento das características faciais dos adultos. A principal razão dessa preferência, afirma ele, gira em torno dos cuidados exigidos por uma criança pequena. Uma tendência perceptiva inata em prestar atenção ao rosto de recém-nascidos intensifica o incentivo de proteger e cuidar de membros vulneráveis da espécie. Como exemplo, Lorenz apresentou uma série de silhuetas em que, tanto no rosto de bebês humanos quanto de filhotes de animais, era sublinhado um subconjunto distinto de características — kindchenschema (um esboço ou conjunto de traços de bebê), como ele o batizou — que eram comuns a ambos: uma forma craniana suave, redonda; uma testa de curvas largas; grandes olhos redondos; e bochechas redondas protuberantes (Figura 2.5). Essas características, dizia ele, despertam instintivamente a atração e abrem as portas da compaixão. São os estímulos-chave humanos ligados à alimentação e aos cuidados. Figura 2.5 Similaridade interespécies em características faciais de bebês em comparação com traços de adultos.20
A pesquisa subsequente na esfera da ciência da atração facial revelou vários outros desses kindchenschema: um queixo pequeno, um narizinho curto e a posição relativamente “baixa” dos olhos são o epítome do bebê “fofo.” Na verdade, esses estímulos são tão potentes para designar imaturidade que chegam a ser transferidos para objetos inanimados aleatórios. Considere, por exemplo, a série de perfis craniofaciais apresentados como exemplo na Figura 2.6:21 Figura 2.6 Alterações no perfil craniofacial que mostram uma maturidade crescente.
Aqui, a forma da cabeça foi modificada sequencialmente com o uso de uma transformação matemática que simula, na geometria craniana, os efeitos da maturação. Poucos de nós teriam dificuldade em identificar a direção da maturidade crescente que vem da esquerda para a direita. Mas aí é que está. Além de acharmos fácil diferenciar entre uma forma de cabeça infantil e outra madura, também achamos fácil distinguir entre carros maduros e infantis! Dê uma olhada na Figura 2.7, por exemplo.22 A mesma função matemática que acabamos de usar para simular a maturação craniana foi aplicada a um dos fuscas Volkswagen. Figura 2.7 Características craniofaciais de bebês versus seres maduros em veículos motorizados.
O que acha disso? Qual dos dois carros você acha que parece “mais novo” e qual parece “mais velho” no estágio de transformação do crescimento? Qual dos dois fuscas é mais “fofo”?
Encarar a responsabilidade Em 2009, Melanie Glocker, do Instituto de Biologia Neurológica e Comportamental da Universidade de Munster, realizou um experimento para testar a teoria de Lorenz.23 Será que realmente achamos o kindchenschema mais atraente? E, se achamos, como essas preferências se refletem no cérebro? Usando uma técnica semelhante àquela de Morten Kringelbach, Glocker apresentou figuras de bebês recém-nascidos aos participantes do estudo enquanto estavam submetidos à captação de imagens por ressonância magnética funcional. Só que, dessa vez, ela avançou um pouco mais. Enquanto no estudo de Kringelbach as fotografias eram sempre fiéis aos originais, Glocker, usando um programa especial de edição de imagens, manipulou-as de tal modo que algumas ficaram mais “infantis” que outras: Figura 2.8 Kindchenschema que passou pela manipulação (pouca/muita) e que não passou.
Os resultados foram exatamente os que Lorenz teria previsto. A análise revelou que quanto maior o grau de kindchenschema (isto é, quanto maiores e mais redondos os olhos, e quanto mais redondo e rechonchudo o rosto) tanto maior a atividade do nucleus accumbens — a parte do cérebro, tanto nos seres humanos quanto nos animais, que faz a mediação da recompensa. Não se tratava apenas de kindchenschema, como Glocker descobriu, mas de superkindchenschema também. As aventuras de Glocker nas profundezas do cérebro têm seus paralelos na vida cotidiana. Imagine que você encontrou uma carteira na rua. O que fazer? Entregá-la à polícia? Mandá-la para o dono pelo correio? Ahn... ficar com ela? O psicólogo Richard Wiseman, da Universidade de Hertfordshire, fez exatamente essa pergunta a alguns habitantes de Edimburgo.24 Só que havia uma pegadinha — ele fez a pergunta na vida real. Wiseman espalhou
um monte de carteiras pelas ruas da capital escocesa, todas elas contendo uma de quatro fotografias: um casal sorridente e feliz; um cachorrinho fofo, que dá vontade de pegar no colo; um casal de velhos contentes; e um bebê forte, saudável e alegre. Quais, perguntou-se ele, voltariam com mais frequência a seus “donos”? Conseguiu a resposta, com toda a certeza. Das quarenta carteiras de cada tipo que haviam sido espalhadas pela cidade, voltaram 28% das que tinham a foto do casal de velhos contentes; 48% das famílias sorridentes e felizes; 53% dos cachorrinhos fofos que davam vontade de abraçar; e impressionantes 88% dos bebês fortes, saudáveis e alegres. — O bebê desperta um sentimento protetor nas pessoas — diz Wiseman —, um instinto de cuidar de bebês vulneráveis que evoluiu para garantir a sobrevivência das gerações futuras. Outro estudo feito na América evocou um tipo similar de sentimento protetor com a colocação de um rosto de bebê numa prancha de tiro ao alvo.25 Os participantes receberam seis dardos e ganhavam 25 centavos de dólar por cada dardo que acertasse o alvo. Apesar de terem tido um período de “aquecimento” durante o qual atiraram seis dardos num círculo em forma de rosto, adivinha o que aconteceu? Quando o alvo foi substituído pelo rosto de um bebê, os participantes acertaram menos do que antes. E não são apenas os estudos com recém-nascidos que confirmam as teorias de Wiseman. Estudos que empregaram adultos com “cara de bebê” também sugerem que há algo de especial nos traços de bebês recém-nascidos. Sheila Brownlow e Leslie Zebrowitz, da Universidade Brandeis, fizeram uma análise sistemática de 150 comerciais de televisão.26 Como, perguntaram-se elas, o conteúdo e a forma se harmonizam? Para descobrir, pediram a ajuda de dois grupos de estudantes universitários. Um grupo de estudantes leu transcrições dos comerciais, classificando-os durante a leitura de acordo com o grau de credibilidade e conhecimentos especializados refletidos por cada mensagem. O outro grupo assistiu gravações em vídeo — dessa vez classificando os rostos dos comunicadores de acordo com uma escala de maturidade facial.f Mas havia uma pegadinha. O crucial é que, nas classificações do segundo grupo (o que classificou rostos), as imagens foram apresentadas sem o som — implicando, por conseguinte, uma “dissociação dupla” entre as informações dadas a cada grupo. O primeiro recebeu a mensagem sem os rostos. O segundo viu os rostos sem a mensagem. Qual seria o resultado da comparação entre os dois?
Os resultados revelaram uma tendência óbvia. Nas ocasiões em que o apelo persuasivo dependia menos de conhecimentos especializados (a comunicação bem-informada e inteligente de fatos objetivos e válidos) e mais de credibilidade (o endosso sincero e honesto de um usuário do produto), foram os atores ou atrizes com cara de bebê que tenderam a dar uma classificação melhor ao comercial. Mas, por outro lado, quando a força do apelo tendia mais para o “factual,” o rosto preferido do porta-voz era o que apresentava mais maturidade. E esses contornos da capacidade de persuasão não se encontram só na propaganda. Na política também eles estão bem-representados.27 A pesquisa mostrou que, quando os eleitores acreditam que um candidato age por uma questão de interesse pessoal, os políticos de cara de criança “honesta”, em contraposição a seus colegas de rostos mais maduros e “inescrutáveis,” é que são considerados os mais persuasivos. Mas, por outro lado, quando são os conhecimentos especializados que estão em jogo, os políticos “espertos,” de traços faciais mais maduros, é que são considerados os mais persuasivos. Na verdade é bem interessante comparar o rosto de vários políticos para ver como se saem em termos de impressão de honestidade. Em 2008, uma equipe da Universidade de Kent pediu a cem pessoas comuns para classificar uma série de rostos numa escala de 1 a 5 de acordo com o seu grau de credibilidade.28 A partir desses dados, os membros da equipe chegaram a uma série de características em geral associadas à honestidade: um rosto mais cheio, mais redondo; um maxilar mais suave, mais delicado; olhos grandes e redondos; e sobrancelhas mais finas. Isso faz você se lembrar de alguma coisa? Os pelos faciais foram vistos com uma desconfiança profunda, mas um nariz bem-feito e uma boca mais larga e mais fina também receberam uma boa classificação. Usando um programa de edição digital de imagens, a equipe alterou o rosto de vários políticos e examinou a diferença entre sua aparência “normal” — na vida cotidiana — e seus avatares que inspiravam/não inspiravam confiança. O programa não foi a única coisa a mexer com as pessoas. Dê uma olhada na Figura 2.9.a e repare na disparidade entre os traços faciais normais de Gordon Brown e aqueles de seu clone que “inspira mais confiança”. E depois, na Figura 2.9.b, repare em David Cameron. Figura 2.9.a e 2.9.b Imagens de Gordon Brown e David Cameron manipuladas digitalmente (da esquerda para a direita), a imagem original, traços que inspiram confiança e traços que inspiram
desconfiança.
Brown se sai pior por causa de suas “sobrancelhas grossas, nariz largo e tamanho da boca.” Cameron, por outro lado, tem um “rosto jovem, pele lisa, boca mais larga e forma dos olhos mais arredondada”. Uma cirurgia plástica para fazer você parecer mais digno de confiança? É só uma questão de tempo...
Estudos como esse são apenas a ponta do iceberg. Na verdade, os pesquisadores já descobriram tudo quanto é tipo de diferença entre indivíduos com cara de bebê e com cara de pessoas maduras. Ou, mais especificamente, nas formas com as quais interagimos com eles. Nas relações afetivas, as mulheres têm mais probabilidade de confiar num amigo com cara de criança do que em outro que parece mais maduro.29 Na sala de um tribunal, os réus com cara de bebê têm mais probabilidade de serem condenados por crimes que envolvem negligência do que por outros que envolvem um delito intencional (o inverso acontece com os indivíduos com feições mais maduras). E, no local de trabalho, os indivíduos com cara de bebê têm menos probabilidade de assumir cargos que implicam o exercício de poder do que seus colegas de traços mais maduros. Observe as quatro fotografias de cadetes militares mostradas aqui:30 Figura 2.10a Retratos tirados de The Howitzer, 1950.
Você acha que poderia prever, com base só na aparência, o grau de êxito de cada um deles na profissão que escolheram? Acha que poderia dizer, com base na aparência que tinham no início de sua carreira militar, a patente que teriam no final? Faça uma tentativa. Classifique os rostos em ordem decrescente, pondo aquele que você acha que vai ser o mais bem-sucedido em primeiro lugar e, em último, aquele que você acha que vai ter menos êxito de todos. Qual foi o resultado? Se você tem a ordem ACBD na sua frente, você fez a mesma escolha de 80% da população. O que você fez foi organizar as fotografias na ordem inversa da impressão de maturidade que elas provocam.
O rosto A tem os traços do estereótipo do rosto maduro (olhos menores, sobrancelhas mais baixas, nariz mais comprido, bochechas mais angulares, mais “duras”, e um queixo mais fino) e é, por conseguinte, associado com domínio, com ascendência. O rosto D, por outro lado, tem os traços do estereótipo da cara de bebê (olhos maiores, sobrancelhas mais altas,g nariz mais curto, bochechas mais “delicadas” e um queixo menor) — que é associado com submissão. Na verdade, conforme se viu, todos os quatro cadetes chegaram a altas patentes. As fotografias abaixo mostram a aparência deles no auge da carreira, junto com sua identidade: Figura 2.10b Retratos tirados do Instituto de História Militar do Exército dos Estados Unidos e do Centro de História da Força Aérea.
À beira do abismo Em março de 2004, Maggie, a mulher de Keith Lane, cometeu suicídio mergulhando para a morte de Beachy Head — um despenhadeiro alto e íngreme no litoral sul da Inglaterra. Eles ficaram casados durante oito anos. Beachy Head é um lugar notório pelos suicídios acontecidos ali. Só em 2004 foram registrados cerca de trinta casos. No dia da morte de Maggie, Keith, de Eastbourne, cuja profissão era limpar janelas, recebera um telefonema da esposa no trabalho, mas não percebeu nada de diferente. A notícia veio mais tarde.
Vários dias depois, quando o horror inicial já havia tido tempo de decantar, Keith fez uma viagem de carro. Sentiu-se atraído pelo lugar onde a esposa tinha passado seus últimos momentos. Queria ver com os próprios olhos o que ela vira com os seus. Depois de examinar o cenário por alguns segundos tristíssimos, uma mulher ali perto atraiu sua atenção. Era jovem, talvez uns 20 anos, tinha uma caneta e alguns papéis na mão. Estava sentada num banco, usava uma camiseta e olhava para o mar. A princípio, Keith não viu nada de especial na cena. Imaginou que ela pudesse ser escritora. Ou artista plástica. Mas aí sua cabeça disparou. “O que exatamente ela estaria escrevendo?”, perguntou-se ele. Será que poderia ser outra Maggie? Agitado, resolveu se aproximar e conversar com ela. Assim que chegou perto da moça, percebeu que seu palpite estava certo. As emoções ainda à flor da pele por causa do choque pela morte de Maggie, Keith estava em terreno minado. Afinal de contas, haviam se passado só alguns dias. No entanto, apesar de sua perda ser recentíssima — na verdade, em retrospectiva, exatamente por causa disso —, ele lançou mão de todos os argumentos que conhecia para convencer a moça a não se matar. Chegou até a citar o nome de Maggie. Mas, quanto mais ele tentava convencê-la, tanto mais a determinação da moça parecia aumentar. — Minha família não liga a mínima pra mim — disse ela. — De que adianta continuar? No final, ela enfiou o que havia escrito entre as ripas do banco, levantouse e saiu correndo na direção do penhasco. Keith correu atrás dela. A beira do abismo não estava a mais que 15, talvez 20 metros de distância. — Todo o meu treinamento de rugby na escola me voltou naquele momento — lembra ele. — Mergulhei para agarrá-la pelas pernas e rezei para dar tudo certo. Aquele treinamento foi muito oportuno. Keith conseguiu agarrá-la. Como se a sua vida dependesse disso. Literalmente. Dizer que a moça ficou agradecida seria, para dizer o mínimo, um exagero. Se quisermos algo mais perto da verdade, diríamos que ela ficou furiosa. Vários dias depois, quando Keith foi visitá-la no hospital, ela lhe bateu a porta na cara. Mas, por fim, um dia apareceu para lhe agradecer. E aí ele teve uma ideia. Se podia salvar a vida de uma suicida em potencial, por que não a de outras pessoas? Por que não criar uma unidade salva-vidas em Beachy Head exatamente para isso? Foi o que ele fez.
Em novembro de 2009, aproximadamente cinco anos e meio depois que Maggie pôs fim à própria vida, conversei com Keith em Eastbourne. Àquela altura, a vida por um fio na beira do abismo estava encerrada para ele, e o Posto de Observação de Beachy Head — seis membros fortes e 29 almas salvas — havia sido desativado. Aos poucos, os problemas com as autoridades cobraram o seu tributo. Assim como as acusações.h — O que você fazia quando via alguém que parecia querer tirar a própria vida? — perguntei a ele. Sua resposta foi curiosa. — O melhor indicador de uma dissuasão bem-sucedida — diz Keith — era o olho no olho. Quando eu olhava em seus olhos e eles nos meus, então sabia que tinha conseguido.
Não é muita gente que sabe disso Os comentários de Keith Lane não vão surpreender ninguém que algum dia teve de pegar a estrada num entroncamento rodoviário movimentado. A mágica, como todos sabem, é estabelecer contato visual com os motoristas que estão vindo na sua direção. Depois que você conseguiu estabelecer esse contato, as chances de lhe darem passagem aumentam dramaticamente. É por isso que é muito mais difícil você conseguir entrar no fluxo do trânsito num dia ensolarado do que quando está chovendo. A razão poderia dizer que os motoristas estão mais bem-humorados num dia de sol, mas nove vezes em dez eles também estão usando óculos escuros. Da mesma forma, as coisas são mais fáceis durante as horas do dia que da noite. Em outras palavras: quantas vezes você não bloqueou alguém acidentalmente e depois fez o possível para evitar olhar a pessoa nos olhos? Entende o que quero dizer? Olho no olho — assim como uma aparência infantil — é um estímulo-chave da persuasão.i Durante os primeiros anos de sua carreira, o ator de cinema Michael Caine teve uma sacação intuitiva do poder persuasivo dos olhos. Numa campanha diabólica para melhorar sua cotação em Hollywood, Caine começou a treinar para não piscar — a fim de maximizar a intensidade de seus close-ups (quando seus olhos, ampliados na tela, estariam a poucos centímetros de distância) e, com isso, reduzir as chances do diretor excluí-lo.
O público, concluiu Caine, gostava que lhe prestassem atenção. E, ao tentar atraí-los ativamente com seu olhar, poderia aumentar a ilusão de que ele realmente achava atraente cada pessoa que o estava vendo na tela. Além disso, havia a questão inversa: o quanto o público achava que ele era atraente. O estudo empírico comprova a eficiência do estratagema de Caine. Pense na persuasão simples do cotidiano. Imagine que eu lhe apresentei um argumento com o qual você não concorda. Mostro-lhe todos os prós e contras e depois tento fazer você passar para o meu lado. O que fazer para aumentar minhas chances de convencê-lo? Uma das formas, como já foi demonstrado, é olhar bem nos seus olhos. Alguns estudos revelam que, quando duas pessoas estão conversando, elas não olham nos olhos uma da outra na mesma medida. Em média, a pessoa que está ouvindo olha diretamente para aquela que está falando durante 75% do tempo — comparados a apenas 40% do contato visual que quem fala estabelece com quem ouve. Mas aumente esta segunda porcentagem para 50% (mais que isso já começa a ficar desagradável) e um ar de autoridade começa a se irradiar claramente. Em geral, esse tipo de estatística surpreende muita gente — ainda que a maioria de nós, quando se encontra no papel receptivo dessas situações, certamente “saque” o lance.31 Será que esse pequeno aumento do contato visual faz diferença realmente? Quase sempre a resposta é sim. A pesquisa mostrou que o contato visual pode ser responsável por até 55% da transmissão de informações numa determinada conversa — sendo o resto dividido entre “estímulos não verbais” (como o tom da voz) — 38% — e o conteúdo verbal “formal”, que fica com apenas 7%. Esse é exatamente um dos motivos pelos quais os psicopatas — esses inquestionáveis reis da persuasão que vamos conhecer mais adiante — desfrutam a sua merecida reputação. Em média, os psicopatas tendem a piscar um pouquinho menos que o resto de nós — uma aberração fisiológica que muitas vezes lhes dá aquela sua expressão tipicamente desconcertante e hipnótica. “Há um caminho”, disse G.K. Chesterton certa vez, “que vai do olho ao coração e que não passa pelo intelecto.”
O poder do olhar
Os bebês recém-nascidos têm muita coisa em comum com os psicopatas. Pergunte a qualquer mãe ou pai. Não têm empatia, são superficialmente charmosos, não estão nem aí com as consequências de seus atos e pensam única e exclusivamente em si mesmos. Mas também têm algo em comum com seus congêneres übertransados e superatraentes: o poder de encantar com os olhos. Esta última observação é muito familiar a qualquer um que já tenha olhado nos olhos de um bebê e tentado desviar o olhar. A não ser que você seja Uri Geller, esqueça. Mas os bebês não prendem o seu olhar numa base aleatória. Alguns estudos revelaram que essa orientação perceptiva é uma predisposição inata — neles e em nós. Em 2007, uma equipe da Universidade de Genebra comparou o grau de “captura da atenção” de imagens de rostos adultos e infantis num experimento computadorizado de tempo de reação.32 Os resultados mostraram que a reação era mais lenta quando eram apresentados rostos de crianças — indício de sua maior capacidade de “distração”. Por outro lado, a psicóloga Teresa Farroni, da Universidade de Londres, mostrou pares de fotografias de rostos a bebês na faixa de 2 a 5 dias de vida.33 Numa das fotografias, a pessoa olha para a frente e na outra, para o lado. E ela descobriu uma coisa incrível: os bebês olhavam durante mais tempo para os rostos com os quais podiam estabelecer um contato visual do que para os outros. Um estudo subsequente, feito para confirmar essa descoberta, também revelou um aumento da atividade elétrica no cérebro de bebês de quatro meses quando lhes eram apresentados rostos que olhavam diretamente para eles. E parece que nunca superamos realmente essa predisposição. Uma pesquisa realizada em galerias de arte mostrou que, sempre que olhamos para retratos, nossa atenção se dirige principalmente para a região dos olhos. Por que será? O que queremos com isso? Por que os olhos e não a boca, digamos, ou o nariz? Uma resposta a essa pergunta tem a ver com a sobrevivência. Em si, os olhos não têm nada de especial para nos atrair — o x da questão é mais a direção do olhar. Ao longo de nossa história evolutiva, voltar subitamente o olho-olhar para um determinado ponto teria funcionado como uma pista importantíssima para as fontes potenciais de perigo, e a receptividade a esse tipo de pista teria conferido uma vantagem considerável quando se tratava de evitar a ameaça. Para provar essa hipótese, Chris Friesen, da Universidade Estadual de Dakota do Norte, e Alan Kingstone, da Universidade de British Columbia,
bolaram um experimento que define exatamente essa capacidade de dar/perceber pistas que chamam a atenção.34 O procedimento tem três fases. Na primeira, esboços esquemáticos de rostos sem traços, com o espaço dos olhos em branco, aparecem no centro de uma tela de computador por cerca de meio segundo. Na segunda fase, as pupilas dos olhos materializam-se, tomando uma de três direções: olham diretamente em frente; para a esquerda; ou para a direita (Figura 2.11). Por fim, na terceira fase, uma letra (um F ou um T) aparece no lado esquerdo ou no lado direito da tela — em outras palavras, na mesma direção, ou na direção oposta àquela para a qual os olhos estão voltados. O que Friesen e Kingstone queriam saber era que efeito teriam sobre a atenção essas regiões para as quais os olhos estavam voltados — especificamente, sobre a maneira pela qual processamos informações de nosso meio ambiente. Será que a direção do olho-olhar aumentaria a velocidade com que os indivíduos determinavam a direção/posição do alvo? Ou será que isso tinha pouca importância? Figura 2.11 Esboços esquemáticos com diferentes direções do olhar similares àqueles usados por Friesen e Kingstone.
A resposta não poderia ter sido mais clara. A velocidade aumentava. Os resultados mostraram que os indivíduos eram mais rápidos na hora de indicar a posição da letra-alvo (à esquerda ou à direita) em tentativas congruentes (quando a letra aparecia na mesma direção para a qual os olhos estavam voltados) do que em tentativas incongruentes (quando ela aparecia na direção oposta à pista). Arrá! — os olhos, então, têm poder — como observaram os autores do artigo.
De olho em você, criança O paradigma de pistas de Friesen e Kingstone certamente constitui uma explicação plausível para nossa tendência perceptiva inata de procurar primeiro ver os olhos. Mas o que ele diz que a gente já não soubesse?35 Nos meados da década de 1960, o psicólogo social Stanley Milgram reuniu um grupo de pessoas numa esquina.36 — Olhem pra cima! — disse-lhes ele. O que aconteceu? Todo mundo que passava fez a mesma coisa.j E isso não é tudo. Saber se essa hipótese das pistas explica tudo sobre os olhos também é uma questão em aberto. A gente pensa, por exemplo, nos profundos déficits de atenção de quem sofre de autismo. Está comprovado que os bebês autistas também são a exceção à regra quando se trata de se concentrar na região ocular dos rostos — eles tendem a prestar atenção à área da boca. À medida que vão crescendo, os indivíduos autistas também não têm a capacidade de ver, tanto no sentido cognitivo quanto psicológico, de onde os outros “estão vindo” — um déficit conhecido como ausência de uma Teoria da Mente. A maioria das crianças adquire os rudimentos de uma Teoria da Mente por volta dos 4 anos de idade, segundo estimativas de um experimento agora clássico batizado de Tarefa de Sally Anne.37 Até os 4 anos, as crianças dão invariavelmente a resposta errada a essa pergunta: na caixa. Como elas têm conhecimento da nova posição da bola, é inconcebível para elas que outros não tenham. Mas, por fim, a partir dessa idade, a resposta certa começa a aparecer aos poucos, à medida que os circuitos neurológicos da percepção de si passam a distinguir a própria consciência da dos outros. Figura 2.12 A tarefa de Sally Anne.
Isto é, exceto no autismo. De uma perspectiva clínica, esse é um dado interessante. Os problemas do leque autista são os únicos presentes no DSM IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders [Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais], publicação da American Psychological Association) caracterizados pela ausência de uma Teoria da Mente.38 Além disso, também são os únicos problemas em que uma incapacidade de estabelecer contato visual é considerada uma característicachave do diagnóstico. Será que nossa tendência perceptiva inata de procurar os olhos do outro, além de intensificar nossa propensão a detectar ameaças, também precede nossa capacidade de “interpretar” as pessoas? De inferir o estado mental dos outros? Pense, por um momento, nas consequências potenciais de longo prazo que uma incapacidade de estabelecer contato visual pode implicar. Se não temos condições de acompanhar o olhar do outro, de sintetizar até mesmo as unidades mais básicas de informação a respeito daquilo para o que o outro está olhando, como poderíamos chegar a compreender a noção de que, na verdade, o outro pode ter uma visão diferente da nossa? E, se não conseguimos perceber sequer essas gradações mais fundamentais da autonomia, que chance teríamos de algum dia perceber o subjetivo — as esperanças e temores, as intenções e motivações dos outros?
De olho na influência As pistas relacionadas à atenção e à percepção do estado mental do outro são as duas explicações mais comuns dadas para a nossa atração pelos olhos e, combinadas, as duas cobrem um terreno considerável. Mas saber se elas cobrem todo o terreno é uma questão em aberto. Por que, por exemplo, o olho no olho torna a persuasão mais eficiente? E por que nossos olhos, com seus oceanos de branco e minúsculas íris coloridas, são tão radicalmente diferentes — ao menos aparentemente — daqueles encontrados por toda parte do reino animal? As respostas a essas perguntas dependem, a meu ver, do estado de dependência total em que nos encontramos ao chegar a este mundo. Como
sabemos, os recém-nascidos possuem uma tendência perceptiva inata de procurar os olhos. Mas será que essa tendência seria um pouco mais complexa do que parece? Pode ser que não sejam os olhos em si — e sim outra coisa, bem, uma outra coisa um pouco mais fundamental? O contraste perceptivo entre claro e escuro que caracteriza sua forma? Poderia ser que o que acontece aqui não é, na verdade, um processo que nada tem de unitário, e sim um modelo de influência de duas camadas? Quando o contraste perceptivo chama a atenção do recém-nascido, e quando o recém-nascido nos “prende” com seu fascínio, com aquela força encantatória e compulsiva como a de um vício? Se considerarmos primeiro este segundo ponto de vista — o fator encanto —, não é preciso ir além do próprio recém-nascido. Além dos olhos de um bebê serem desproporcionalmente grandes em relação ao rosto (o rosto, ao contrário dos olhos, continua crescendo após o nascimento), as pupilas também são similarmente desproporcionais em relação à esclerótica (a superfície branca externa do globo ocular) — Figura 2.13. Há quem acredite que esta última observação reflete a ineficiência relativa da retina imatura de captar a luz. Mas a pesquisa revelou também que as pupilas dilatadas podem estar ligadas a uma função completamente diferente: forjar os laços da atração. — Qual a parte da anatomia humana fica o dobro do seu tamanho normal quando estimulada? — pergunta a professora à sua classe de estudantes de medicina do primeiro ano. Figura 2.13 O rosto de um bebê em formato de superestímulo. Note os olhos enormes e as íris e pupilas tamanho jumbo.
Há um silêncio constrangido. — Vamos lá — insiste ela. — Vocês devem ter uma ideia qualquer do que se trata. Chutem alguma coisa. Silêncio ainda. Por fim, o único representante do sexo masculino levanta a mão. E a professora descarta imediatamente a sua resposta. — É a pupila — diz ela. — A pupila! Esta é uma piada contada rotineiramente pelos membros da fraternidade médica e que é particularmente familiar — o que talvez não seja de admirar — entre o contingente feminino. Mas eu tenho uma suspeita maldosa de que, se nossa professora tivesse feito essa pergunta às mulheres da Itália do século XVI, talvez ficasse surpresa. Na Itália daquela época, era costume as mulheres aplicarem algumas gotas de beladona — em italiano, belladonna = mulher bela — nos olhos para dilatar as pupilas e elas ficarem mais atraentes para pretendentes em potencial. Elas certamente sabiam o que estavam
fazendo. Mas duvido que soubessem como e por que aquelas gotinhas funcionavam. Quando nos mostram imagens de dois rostos idênticos, um com as pupilas dilatadas e outro com as pupilas normais e nos perguntam qual das duas achamos mais atraente, a maioria de nós escolhe o rosto com pupilas dilatadas (Figura 2.14). Mas, quando nos pedem para apresentar uma razão específica para nossa escolha, simplesmente parece não haver nenhuma. Intuitivamente, achamos um rosto “mais bonito” que o outro. Mais cativante, talvez. Ou mais amistoso. Mas, quando queremos descobrir por quê — bem, aí é outra história. Figura 2.14 Se você fosse obrigado a fazer uma escolha, qual desses dois rostos você acharia mais atraente? A maioria das pessoas “pensa” que é o da direita. Mas, quando pressionadas, não têm a menor ideia do porquê. Agora preste atenção aos olhos.
Na verdade, a razão pela qual achamos os rostos com pupilas dilatadas mais atraentes do que aqueles com pupilas normais reduz-se à ideia de reciprocidade. Nossas pupilas se dilatam quando ficamos excitados — quando descobrimos um estímulo que “salta à vista” ou sobre o qual queremos saber mais. Em ocasiões como aquelas em que procuramos, bem literalmente, nos “abrir” ao máximo. Mas, além dessas reações da pupila acontecerem automaticamente — estão fora do alcance do nosso controle consciente —, o mesmo ocorre com nossa receptividade a elas nos outros.
Portanto, sempre que nos apresentam a imagem de um rosto com pupilas dilatadas, inferimos inconscientemente que a pessoa nos acha atraentes e a lei da reciprocidade entra em ação. Nós, por nosso lado, também nos sentimos mais atraídas por elas. Incidentalmente, isso explica por que achamos um jantar à luz de velas uma proposta mais romântica do que um jantar no McDonald’s (seja como for, é uma das razões). Na penumbra, nossas pupilas se dilatam para compensar a luminosidade menor de nosso ambiente e permitir que aquela quantidade menor de raios estimule nossas retinas. Portanto, agora você já sabe (caso esteja se perguntando) por que em muitas lanchonetes de fast food você quase precisa de óculos escuros para se sentar e comer. É por causa da ênfase no rápido. Nada de olhares demorados para as batatas fritas!
O preto no branco Os olhos do recém-nascido parecem ter sido fabricados sob medida para desarmar. Suas proporções incongruentes e suas lagoas de empatia latente agem como ímãs sobre a nossa atenção — atraindo-nos para suas profundezas cintilantes e inocentes. Bom, e o outro lado da equação? O gosto inato pelo contraste que lhes permite não só retribuir o nosso olhar, mas também nos prender nele sem fazer a menor força? Aqui a evidência é igualmente fascinante. Alguns estudos revelaram que, quando mostramos a um recém-nascido duas figuras que estão lado a lado — uma com um círculo escuro dentro de uma forma oval (simbolizando um olho) e um círculo escuro dentro de uma forma quadrada —, há pouca dúvida quanto à sua preferência.39 Mas, quando essas duas figuras são apresentadas ao lado de uma forma oval e de uma forma quadrada — sem os círculos escuros dentro — surge um quadro um pouco diferente. Há uma grande preferência pelo primeiro estímulo, um estímulo que “salta mais à vista”. Figura 2.15 Preferências de bebês por combinações de forma e contraste.
Descobertas como essas parecem indicar que não há nada de particularmente especial no olho em si que chama a atenção do recémnascido, e sim que é a “novidade” do estímulo — o contraste perceptivo inerente à sua apresentação — que o torna inusitadamente saliente. E, além disso, que quanto maior o contraste, tanto mais fácil é definir a sua direção. — Temos uma capacidade fantástica — diz o etólogo norte-americano R.D. Guthrie — de determinar a posição exata do olhar de um indivíduo, mesmo quando ele se encontra do outro lado da sala — a julgar somente pelo alinhamento simétrico de uma forma redonda (a íris) sobre uma forma esférica (o globo ocular). A exposição da esclerótica branca promove consideravelmente essa capacidade. [A esclerótica] permite a transmissão de sinais muito precisos enviados pelos olhos.40 O que, fechando o circuito, nos traz de volta aos esboços de rostos e ao olhar. E aos benefícios adaptativos da atenção despertada pelo olhar. Será que o talento para a flipnose explicaria a preferência do recémnascido pelos olhos? O mesmo efeito que ele consegue com seu choro e sua beleza encantadora, sua “fofura”? Será que temos no recém-nascido a
persuasão em sua forma mais pura? Uma capacidade primordial de transmitir uma mensagem do tipo, “Sou vulnerável. Sou indefeso. E você — sim, VOCÊ! — precisa fazer algo a respeito”? A partir da evidência apresentada neste capítulo, você teria bons argumentos para provar que sim. Tanto a trilha sonora quanto o roteiro do comportamento do recém-nascido foram coreografados de uma maneira engenhosa, sob a batuta da seleção natural, com um único objetivo simples em vista: a indução imediata de alimentação e proteção. A simplicidade e a empatia, tão indispensáveis aos estímulos-chave da persuasão animal, também estão presentes nos bebês. O choro de um recém-nascido, combinado à sua aparência, constitui um protótipo primitivo, 100% comprovado, de persuasão. E note também como a incongruência perceptiva desempenha o seu papel: com a beleza, com olhos grandes bem abertos; com o choro, aquelas mudanças repentinas, dramáticas e inesperadas de altura. O grau máximo da nossa vulnerabilidade é no momento em que nascemos. No entanto, por um estranho desígnio evolutivo, este é também o momento em que estamos no auge de nosso poder de persuasão. Daryl, o criminoso londrino que conhecemos no início deste capítulo, certamente não discordaria. Não fosse o confronto com um dos seres mais persuasivos do mundo, o tipo de barras atrás das quais ele estaria agora não seriam as de chocolate. Ele agora estaria comendo mingau.
Resumo Neste capítulo, continuamos nossa exploração da base biológica da influência estudando a extraordinária capacidade de persuasão dos recém-nascidos. Os bebês chegam a este mundo com dois objetivos somente — segurança e alimentação —, e com uma isca avassaladora para conseguir ambos. Apesar disso, os recém-nascidos viajam com pouca bagagem. Sem a tecnologia neurológica para uma comunicação sofisticada, eles parecem espetacularmente mal-equipados para o desafio à sua frente. Como, sem a linguagem verbal, podem esperar ter qualquer chance de sobrevivência?
A resposta, exatamente como no caso dos animais, está nos estímuloschave. Um choro irresistível, uma propensão fundamental para estabelecer contato visual e um encanto que não lhes custa esforço algum, todos esses elementos convergem para formar um raio laser psicológico de influência: um raio que é lançado diretamente em nossos sistemas cerebrais de recompensa. Não existe um único diplomata ou vigarista na história capaz de competir com um recém-nascido. Nunca seremos mais persuasivos do que no nosso primeiro dia na terra. No próximo capítulo, lançamos a luz dos holofotes numa direção ligeiramente diferente. Ao tratar do tema da influência imediata e incisiva, desviamos a atenção para outro tipo de estímulo-chave — um tipo que não tem impacto somente sobre antigos sistemas subcorticais de recompensa, mas também sobre o processo cognitivo: a maneira pela qual nosso cérebro avalia o mundo. Como vimos, quando o negócio é persuasão, os animais e os bebês têm duas vantagens distintas sobre o resto de nós. Em primeiro lugar, eles não pensam. Em segundo, eles não falam. Mas a cognição e a linguagem verbal têm suas próprias vias expressas de influência — e nelas se anda tão depressa quanto em qualquer outra surgida antes. Como veremos, é possível aprender a se deixar persuadir.
Pergunta: Por qual tipo de crime você tem mais probabilidade de ser condenado se for bonito?
Resposta: Os crimes que envolvem mentira e fraude. É exatamente por causa de seu efeito de auréola que a beleza constitui uma das armas mais eficientes de quem abusa da confiança dos outros.
Notas Usando a mesma tecnologia, Stapleton criou o “toque de telefone silencioso” — um toque de telefone que os adolescentes conseguem ouvir, mas os seus professores, não. O que deve tornar as aulas mais interessantes. a
b
Que fica entre 2.500-5.500Hz, com modulações temporais na faixa de 1-16Hz.
RMf, ou captação de imagens por meio de ressonância magnética funcional, é uma técnica que mede a quantidade de oxigênio no sangue do cérebro, o que permite aos pesquisadores determinar que áreas estão mais ativas em qualquer momento determinado. c
Essas conclusões podem ser explicadas por algo conhecido como efeito auréola: a presença de um ou dois traços positivos distintos — entre os quais beleza física — que evocam, por sua vez, uma aura genérica de bondade, competência, honestidade ou um outro superlativo qualquer. O interessante é que não é verdade que em todos os tipos de crime os réus bonitos têm menos probabilidade de ser condenados. Existe mesmo um tipo de crime em que a probabilidade de condenação é realmente maior. Será que você consegue adivinhar qual é? A resposta está no final do capítulo.13 d
Caso você esteja se perguntando, isso não funciona apenas para os homens. Susan Andersen, da Universidade de Nova York, e Sandra Bem, da Universidade Cornell, modificaram todo o cenário e mudaram os papéis de forma que os participantes foram mulheres e o estudante com a foto retocada era homem. Não fez a menor diferença.16 e
Essa escala ia de pessoas com cara de bebê (associadas muito frequentemente com credibilidade e muito pouco com conhecimento), por um lado, até pessoas com cara de gente madura (associadas muito frequentemente com conhecimento), por outro. f
Já se perguntou algum dia por que é que as mulheres “desenham” as sobrancelhas numa posição mais elevada do que a natural? Agora você já sabe a resposta. g
Tanto a Guarda Costeira quanto a Equipe da Capela de Beachy Head teriam acusado Keith de não ter o treinamento adequado para salvar vidas e, por isso, estaria arriscando a própria e, ironicamente, que a pessoa que ele estaria tentando salvar correria um perigo maior ainda. A resposta de Keith foi pragmática. “Cada segundo conta”, diz ele. “Quando você está no ramo de salva-vidas, em geral você não tem tempo de pedir ajuda. Você tem de agir.” h
E é também um elemento indispensável da empatia — estabelecer contato com o outro. Temos um exemplo disso no ambiente militar. As forças de manutenção da paz no Iraque, por exemplo, cujos membros usam óculos escuros, têm mais ocorrências de tumulto e sofrem mais baixas que aqueles membros que mantêm os olhos visíveis. i
Milgram descobriu também que o grau de conformidade variava de acordo com o tamanho do grupo. Quando era só uma pessoa olhando para o céu, a proporção de transeuntes que fazia o mesmo era de 40%. Essa proporção passou para 60% quando havia três indivíduos olhando para cima; 75% quando eram dez; e 80% quando eram 15. j
3 Cuidado com o roubo de automóveis
Um homem parte para uma viagem de pescaria com sua vara de pescar numa das mãos e a mala na outra. Justo quando ele está prestes a subir no avião, é detido por um dos comissários de bordo. — Qual o comprimento da sua vara de pescar? — pergunta o comissário. — Um metro e meio — responde o sujeito. — Desculpe, senhor — diz o comissário —, mas não permitimos nada com mais de 1,22m neste voo. Dá para diminuir o comprimento da vara de alguma forma? — Não — responde o homem. — Então receio que o senhor tenha de deixá-la para trás. O sujeito fica furioso. De que adianta fazer uma viagem de pescaria sem uma vara de pescar?, pergunta-se ele. Mas aí, justo quando tinha acabado de se conformar com o cancelamento da viagem, ele tem uma ideia. Alguns minutos depois, ele e sua vara de pescar estão a bordo do avião. O que ele fez para resolver o problema?
Pescador de homens Há algo mais do que autoconfiança, charme e beleza (embora nenhum desses ingredientes lhes faça mal algum) em um malandro descolado, brilhante e psicopata. Não acredita? Então vou apresentar Keith Barrett a você. Durante a maior parte dos anos 1980 e a primeira metade dos anos 1990, Barrett era um vigarista compulsivo. Aliás, era bom pra caralho nisso. Era um mestre do conto do vigário — golpes elaborados e sofisticados, em geral,
embora não só, restritos ao setor empresarial e envolvendo grandes somas de dinheiro. E então, certo dia, enfiou os pés pelas mãos. Havia ido longe demais — uma falcatrua grande no centro financeiro de Londres, complexa, no valor de 1 milhão de dólares, talvez mais — levou-o a férias compulsórias de seu trabalho. E, quando saiu da cadeia cinco anos depois, e após ter um caso com a psicóloga da prisão, ele estava enxergando o mundo de outro jeito. Tinha — acredite se quiser — encontrado Deus. Desde que estava na escola, Barrett sempre teve talento para conseguir que as pessoas fizessem o que ele queria. Considerava-se um cientista, e a mente humana, o seu laboratório. E a maioria das fórmulas contidas nos manuais de psicologia, ele tinha conseguido chegar a elas sozinho. Partindo de princípios básicos. Ele era — a gente poderia dizer — um prodígio da persuasão. Portanto, não causou surpresa que, seis meses depois de começar a participar de sua igreja local, a congregação tenha aumentado num grau sem precedentes e o jovem ministro, em êxtase, ainda que um pouco preocupado, estivesse pensando seriamente em se mudar para um imóvel maior. Para o que, graças a Barrett, havia dinheiro de sobra nos cofres. Não havia sido tanto o caso de Barrett encontrar Deus, pensou na época o ministro entusiasmado, e sim de Deus o encontrar. Para Barrett, a realidade era um pouco diferente. Longe de a igreja ser um novo começo, abrira-lhe apenas uma nova janela de oportunidade. Uma nova série de recursos com os quais testar velhos experimentos. — A persuasão era, e ainda é, um vício — diz ele. — Peguei a doença da enganação, da fraude, da trapaça. Ficava de barato quando conseguia que as pessoas fizessem coisas que não fariam normalmente. E, quanto maior a resistência que eu tinha de superar, tanto maior o barato. Todo mundo bate a porta na cara de gente com a Bíblia na mão, certo? De modo que pensei comigo mesmo: sou bom no que faço. Um dos melhores do ramo. Tenho um dom. Um dom de Deus — quem sabe? Só que, no passado, usei esse dom para meus próprios fins. E por que não fazer algum bem com ele ao menos uma vez? Ele sorri. — Bom, seja como for, foi isso que eu disse ao ministro. Aquele sujeito pomposo e metido a besta teria engolido qualquer coisa que o fizesse parecer bom diante de seu rebanho!
A técnica de Barrett era pouco ortodoxa, para dizer o mínimo. Também era completamente ilegal. Desfazendo-se da haute couture suntuosa de antigamente — gravatas de seda, sapatos Gucci, camisas Armani e ternos Savile Row de £2 mil —, ele começou a se vestir mais modestamente. Uma calça jeans, tênis e camisa esporte: o epítome do maltrapilho chique. Um retrocesso no modo de se vestir como esse (indo, observa ele sacrilegamente, contra todos os seus instintos naturais) denuncia a atenção extraordinária ao detalhe, a sagacidade predatória e calculada do virtuose supremo da persuasão. E também temos Vic Sloan, outro vigarista com quem conversei, cuja visão de um figurino apropriado implica cores, além do estilo, e as propriedades persuasivas ocultas de uma camisa rosa de trabalho: — O cérebro responde bem ao rosa — esclarece ele. — É um fato comprovado cientificamente. O rosa é uma cor tranquilizante. Produz um tipo de ondas cerebrais como nenhuma outra cor. Resulta da nossa evolução. O homem antigo deve ter visto o rosa no céu ao nascer do sol e na hora do crepúsculo — e, nesses momentos, dada a luminosidade do ambiente e os ritmos circadianos, o rosa deve ter sido associado ao sono e ao relaxamento. Portanto, se você está querendo manter as coisas num astral de calma, o rosa é uma boa cor para se ter à mão. Na verdade, Sloan pode muito bem ter marcado um tento aqui.1 O êxito de um determinado tom de rosa — a eficácia do rosa Baker-Miller [o rosachiclete] ou, como é mais conhecido, rosa de prisão, usado nas paredes das celas pintadas com essa cor para acalmar presos violentos, foi comprovada cientificamente num grande número de estudos norte-americanos. A redução do grau de ansiedade, e também da pressão sanguínea — tanto a sistólica quanto a diastólica —, foi igualmente detectada em presos mantidos em celas pintadas com essa cor, tanto em cadeias civis quanto militares.a Na verdade, depois de um experimento feito na Universidade de Iowa, em que os vestiários das equipes esportivas visitantes eram pintados de rosa BakerMiller para deixar os jogadores menos competitivos, a Associação Atlética Ocidental aprovou — como devia — uma lei que proíbe expressamente qualquer outra falcatrua do gênero na decoração interna dos vestiários. O regulamento não poderia ser mais claro. No futuro, declarava ele, os vestiários, tanto aqueles da casa quanto do time visitante podem ser pintados com qualquer porra de cor que existir sob o sol. Desde que sejam as mesmas.
Mas estou fazendo uma digressão. Depois de escolher seu guarda-roupa, Barrett — vestido a caráter — arregaçou as mangas e meteu a mão na massa. E fez isso usando uma técnica que ele descreve como trabalhar os “Três As” da influência social: atenção, abordagem e associação. Esse coquetel, segundo Barrett, leva tanta psicologia para a corrente sanguínea do cérebro que o receptor perde toda a resistência à persuasão que por acaso tiver. É o equivalente do Rohypnolb em termos de relaxamento. Tomando sistematicamente como alvo um grupo pré-selecionado de vizinhos ricos, Barrett — durante um período de seis semanas, digamos — conseguia entrar sem ser visto no carro dos moradores do bairro. E então, depois de ligar as lanternas laterais, ele pregava a peça do “bom vizinho”, batendo nas portas e informando-os de seu “descuido”. Depois de entabular conversa com sua vítima (como a maioria dos membros de sua espécie, Barrett conseguiria vender creme de barbear a um talibã), ele acaba explicando que simplesmente “aconteceu de estar passando” por ali e pedia, talvez, uma pequena doação. Que, nove vezes em dez, ele conseguia. O pedido era programado com perfeição para o momento mais oportuno, de modo que era feito — num tom de voz neutro — justo quando Barrett estava se afastando de seu alvo. Atenção ao detalhe. — Quando eles tinham de chamar você de volta, quando tinham de ser ativos e pedir para você parar de propósito — explica ele —, sem saber eles tinham se comprometido mais do que se você só tivesse ficado na frente deles esperando passivamente que lhe dessem algo. Algum tempo depois, os moradores notariam o anúncio — da igreja — que Barrett havia persuadido o ministro a colocar no jornal local. As leis da psicologia encarregavam-se do resto. O fato de terem feito uma doação antes criava nos moradores um compromisso simbólico com a igreja. E — veja só! — alguns deles se davam realmente o trabalho de dar uma olhada nela. Nem todos, veja bem. Mas alguns deles. Mais do que teriam feito se só tivessem visto o anúncio e não tivessem feito uma doação. E, como dizem, o negócio era esse. Simples. Como tirar doce de criança. A igreja estava com gente saindo pelo ladrão e Barrett tinha tomado o seu pico na veia. O bom Deus trabalha de formas misteriosas, tudo bem. E — sou obrigado a acrescentar — elas não podem ser mais misteriosas do que Keith Barrett.
As linhas certas Keith Barrett é um insondável gênio do mal. Um psicopata. Um agente duplo evolutivo. Um hacker mental predatório que transformou em sentido de vida interceptar e decodificar o DNA psicológico do livre-arbítrio. Os interruptores de seu cérebro estão conectados de uma forma diferente do resto de nós e sua meteorologia neurológica é imprevisível. Keith Barrett tem uma coisa boa. Além de ser um vigarista implacável e frio como gelo, é também um dos maiores artistas da persuasão em atividade. E o que dá certo para o vigarista psicopata também pode dar certo para o resto de nós. Faz quinze anos que estudo os princípios da influência social. Durante esse período, encontrei um grande número de taxonomias que, como a teoria das cordasc aplicada à psicologia, afirmam ter reduzido a ciência da persuasão a algo que você pode escrever numa camiseta. Algumas delas, é bom lembrar, são melhores que outras. Mas, quer saber? Os Três As de Barrett — atenção, abordagem e associação — estão pau a pau com as melhores delas e são a base do meu próprio modelo de influência que vamos discutir daqui a pouco. — Olhe as coisas do seguinte ângulo — diz Barrett. — Sabe aquelas caricaturas de gente famosa que você vê nos jornais? Você consegue reconhecer as pessoas a partir de quase nada, do mínimo de detalhes. Só algumas linhas-chave no lugar certo, mas elas têm de estar no lugar certo, e você exclama “Nossa, é, saquei!” O mesmo se dá com a persuasão. Você só tem de saber onde estão os pontos do cérebro que tem de tocar. Onde estão os pontos cegos psicológicos das pessoas. É claro que ele tem razão sobre as caricaturas. Veja o exemplo da Figura 3.1. Figura 3.1 A economia da arte: algumas linhas simples falam por livros inteiros.
Todos sabemos quem é, certo? Mas dê só uma olhada na quantidade de informações transmitida por tão poucos elementos. Na maneira pela qual toda a fisionomia de um indivíduo pode ser reduzida a uns poucos rabiscos estratégicos. Exatamente como disse Barrett, não é tanto a quantidade de detalhes que você põe no papel. É mais como você os organiza. E ele também está certo a respeito dos pontos de pressão. Nas próximas páginas, vamos examinar um ou dois deles. Vamos decodificar os segredos de sua sinistra psicologia popular. E, usando como guia os seus Três As, vamos apresentar um quadro geral da maneira pela qual é possível manipular o cérebro.
ATENÇÃO No decorrer de qualquer momento determinado, milhares de estímulos do ambiente externo inundam nosso cérebro. No entanto, só temos consciência de alguns deles — só prestamos atenção a alguns deles. Pense no que você está fazendo nesse exato momento, por exemplo — lendo este livro. Enquanto seus olhos se movem pelo texto, você tem consciência das palavras e das páginas sobre as quais elas estão impressas, mas provavelmente não — até eu mencionar o fato — na sensação do livro nas suas mãos. A razão disso é simples. O cérebro tem um departamento para priorizar informações, e só as que importam para o que estamos fazendo — que se destacam num determinado momento — têm permissão de serem filtradas. O resto vai para o incinerador. O fato de haver maneiras de invadir o departamento de informações do cérebro — e ver o que acaba de chegar à sua caixa de entrada — é conhecido desde a Antiguidade. Na hipnose, por exemplo, a capacidade que o hipnotizador tem de apertar os botões da consciência, de orientá-la como se fosse uma antena parabólica neuropsicológica, é indispensável para induzir o transe. Para fazer mágica, desviar a atenção também é essencial. Mas a distração cognitiva também faz parte da persuasão. Aqui, como na mágica, tudo depende da capacidade de desviar a atenção — só que na persuasão se trata de uma capacidade verbal, e não física. O artista da persuasão, assim como um mestre da prestidigitação, também tem de controlar “a direção do nosso olhar”. Mais importante ainda, porém, é controlar o que pensamos. Na verdade, às vezes (lembra de Drayton Doherty e do lagarto?), a linha divisória entre mágica e persuasão é, na verdade, muito difícil de traçar.
Ouro de trouxa Três amigos que moram juntos numa república entram numa loja de eletrodomésticos com a intenção de comprar um aparelho de TV barato de segunda mão para pôr na sala. Veem um do qual gostam e perguntam o preço ao vendedor. O dono da loja diz que é £25 e os três resolvem dividir o custo
em partes iguais. Cada um deles tira da carteira uma nota de £10 e o dono da loja vai até os fundos, onde está a sua caixa registradora, pegar o troco. Mas, enquanto está lá nos fundos, tem uma ideia. Na verdade, pensa ele consigo mesmo, se eu lhes disser que me confundi e que a televisão custa £27, consigo um lucro extra e ninguém vai achar ruim. E é exatamente isso o que faz o vendedor. Coloca as três notas de £10 dentro da caixa registradora, tira cinco moedas de £1 e põe duas delas no bolso. Depois informa os compradores de que se enganou no preço — a televisão custa £27, e não, como havia dito antes, £25 — e entrega £1 a cada um deles. Os três amigos saem da loja muito satisfeitos — afinal de contas, a televisão continua sendo uma pechincha — e o dono está satisfeitíssimo consigo mesmo por lhes ter arrancado umas librazinhas extras. Todo mundo sai ganhando. Mas, espera aí — há um problema aqui, não há? Vamos repassar a história. Os três amigos deram £30 ao dono da loja, que voltou com cinco moedas de £1 que havia tirado da caixa registradora. Como ele embolsou duas delas e deu a cada um deles o troco de £1, quanto cada um dos amigos pagou realmente pela televisão? Correto — £9. 3 × £9 + £2 = £29. De repente, falta uma libra. É assim que funciona um célebre problema capcioso, apesar de diabolicamente simples. Muita gente — sim, eu inclusive — já foi ludibriada com essa psicoaritmética astuciosa. E por quê? Por que as coisas mais simples desse mundo passam despercebidas a tantos de nós? A resposta a essa pergunta deixa a gente sério, para dizer o mínimo. A razão pela qual a gente poucas vezes consegue resolver problemas desse tipo é que temos o que poderíamos chamar de “preparo” para sermos enganados: um talento impressionante para sermos ludibriados. Ele funciona da seguinte forma: ao longo de nossa história evolutiva, nosso cérebro, através da assimilação repetida de milhões e milhões de fragmentos microscópicos de informações, aprendeu a usar atalhos. Ele usa regras práticas, em vez de elaborar todo o problema isolado a partir do zero. Para cunhar uma frase, “ele já viu isso antes”. Fazemos inferências a respeito do mundo. Criamos expectativas. Convertemos, traduzindo a famosa observação de La Place, o cálculo em senso comum. E, com base nessas expectativas, ficamos vulneráveis a prestidigitações mentais.
“A vida”, escreveu Kurt Vonnegut, “acontece tão depressa que não dá tempo de pensar nela”. A seleção natural concorda com ele. A eficiência do problema da libra desaparecida resume-se ao que Keith Barrett chamaria de “vírus” da atenção. Nosso cérebro é induzido a olhar para um lugar para onde não deveria olhar. E aí — pá! — exatamente como na hipnose, o inacreditável acontece bem debaixo do nosso nariz. E há muito mais a dizer sobre a direção de onde ele vem. Considere, por exemplo, as duas fotografias de Margaret Thatcher na Figura 3.2.2 Tudo bem, eu sei que elas estão de cabeça para baixo. Mas, fora isso, qual das duas você acha que tem mais semelhança com o original? A da esquerda ou a da direita? Figura 3.2 A ilusão Thatcher.
Agora pense na seguinte pergunta: quantos 9 existem entre 1 e 100? Vá em frente, conte-os — 9, 19, 29... Por fim, leia a frase abaixo. Leia a frase uma vez na velocidade normal e, enquanto estiver lendo, conte o número de vezes em que aparece a letra F.
Lembre-se: é para ler a frase só uma vez. FINAL FOLIOS SEEM TO RESULT FROM YEARS OF DUTIFUL STUDY OF TEXTS ALONG WITH YEARS OF SCIENTIFIC EXPERIENCE.
Muito bem — quantas vezes? Cinco? Seis? Sete? Na verdade, a resposta certa é oito. Não se preocupe se você errou — não foi o único. Muita gente erra. Mesmo que você tenha lido a frase de novo, é provável que se engane. Na verdade, a maioria das pessoas precisa lê-la ao menos três vezes para dar a resposta certa. O mesmo acontece com os 9. Quantas vezes eles aparecem na sequência entre 1 e 100? Dez? Onze? Se eu lhe dissesse que a resposta certa é 20, você talvez não acreditasse em mim. E se a gente repetisse a sequência de 90, 91, 92, 93...? Igualmente bizarro é a chamada “Ilusão Thatcher”. Se você ainda não fez isso, tente virar a Dama de Ferro de cabeça para cima. E quanto ao nosso pescador do início do capítulo? Bem, não há nada ali que um pouquinho das teorias de Pitágoras não explique. O processo é chamado de pensar dentro da caixa. Figura 3.3 O triângulo 3, 4, 5.
Confusões antigas
Cascas de banana cognitivas como essas, e a infeliz tendência de nosso cérebro escorregar nelas, fazem parte, na psicologia, do que chamamos de “arcabouço mental”. Na linguagem do cotidiano, o arcabouço mental pode ser traduzido aproximadamente como “configuração ou estrutura mental” e refere-se à modalidade de “piloto automático” em que nós, mais frequentemente do que imaginamos, levamos a vida. Em tremos da maneira plea qaul porecssmaos a lignuaegm, por eemxlpo, etsa moadildade de piolto auotmtáico revlea o pdoer feonmenla da mnete hamuna. Seugndo uma psequsia da Uinervsidade de Cmabridge, não imrpoat em que oremd as lteras de uma paalvra eãsto; a úinca ciosa que cnota é que a prmiera e a útltima lteras etsejam no lguar creto. O rseto pode ser uma cnofsusão ttoal que, msemo aissim, a gnete cnoesgue ler a farse sem porlbemas. Isso ancotece prouqe a mnete hamuna não lê cdaa ltera ioslaadmnete, e sim a paalvra cmoo um tdoo. Isso acnoetce pirnciaplmnete com paalvras realitavmnete comuns, cahamdas de “paalvras-fnução,” cmoo “de”— o que sginfiica que a psseoa tem mneons porabbiiladde, nssees csoas, de porecssar os cmpoonneets idnvidauis. Icnrível, hien? O arcabouço mental também explica por que ladrões psicológicos como Keith Barrett conseguem persuadir pessoas que nunca viram na vida a fazer coisas absurdas sem que haja nenhum bom motivo para tal. Ellen Langer, professora de psicologia da Universidade de Harvard, deu uma demonstração clássica disso num experimento realizado no último lugar do mundo onde esperaríamos um estudo desses: em torno de uma fotocopiadora de biblioteca.3 Sabendo muito bem que todos nós parecemos detestar tanto quem fura uma fila quanto tirar um xerox (eu não ficaria nem um pouco surpreso se os antropólogos anunciassem a existência de mais esses dois tabus universais — ao lado do incesto e do assassinato), Langer bolou dois tipos diferentes de desculpa destinados especificamente a permitir a alguém passar na frente de todo mundo na fila de uma fotocopiadora. A primeira delas era o fato de o indivíduo em questão estar numa pressa terrível e só ter uma única folha para xerocar: a porra de uma desculpa comum e irritante, mas eficaz. A segunda era a seguinte: — Por favor, será que eu poderia usar a fotocopiadora primeiro porque preciso usar a fotocopiadora? Por incrível que pareça, esta segunda desculpa esfarrapada foi tão eficaz quanto a primeira: prova cabal de as razões, em determinadas circunstâncias, serem processadas exatamente da mesma forma que palavras-fnução como
“de”. Desde que elas existam, não precisamos, em muitos casos, mergulhar mais profundamente na natureza de sua composição. Estão presentes — bem perifericamente — e isso basta. São, em resumo, uma parte inviolável da sintaxe da vida cotidiana. (Sacou o lance? Volte cinco linhas.)
Casado e roubado Os vírus de atenção como o arcabouço mental são algo a que todos nós somos suscetíveis de quando em quando. E não só quando estamos na fila da fotocopiadora. Como vimos um pouco antes com os F e os 9, há momentos da vida em que nosso cérebro fica com mania de grandeza — quando toma suas decisões antes de nós! Jim e Ellie Ritchie descobriram o arcabouço mental do jeito mais difícil. A caminho de sua recepção de casamento, num hotel bacana da Escócia, o padrinho descobriu subitamente que os presentes não estavam onde deveriam estar. Depois de fazer uma investigação discreta entre os funcionários do hotel, uma moça da recepção finalmente esclareceu as coisas. Mais ou menos uma hora antes, tinham chegado uns caras num caminhão. Os caras estavam usando uniforme e mostraram rapidamente um pedaço de papel. Não se preocupe, disseram eles, já está tudo combinado. E aí encheram o caminhão com os presentes e se mandaram. — Combinado? — perguntou o padrinho. — Como assim, “combinado”? A recepcionista começou a entrar em pânico. — Combinado — disse ela. — Os presentes. Eles iam ser todos levados para a casa. — Que casa? — perguntou o padrinho. — Ahn, não sei — respondeu a recepcionista. — Eu achei que... talvez... E rompeu em lágrimas. — Que tinham vindo a mando do noivo? “Ai, puta que pariu”, pensou o padrinho. O feliz casal morava a mais de mil quilômetros de distância. Aos poucos, tudo foi se esclarecendo. A recepcionista, foi a informação que vazou, não havia checado a carteira de identidade dos homens do
caminhão. No exato momento em que os vigaristas apareceram, ela estava no meio de uma conversa com o cara do 308. Um problema qualquer com o serviço de quarto, disse ela. A moça simplesmente os despachou com um aceno de mão. Além disso, observou ela, por que suspeitaria deles? Pareciam ser do ramo de mudanças. Agiram como se fossem do ramo. Eram do ramo. Não eram? Infelizmente para Jim e Ellie, não, não eram. E o cara do 308 também não era apenas um hóspede. Conforme se viu depois, o quarto havia sido reservado em nome de Smith. Mas, no momento em que Smith estava se queixando do mensageiro do hotel, o quarto estava — você adivinhou! — vazio. Smith ainda não tinha aparecido. Na verdade, nunca apareceu. Crimes como esses, que se valem da distração de alguém para serem cometidos, são a galinha dos ovos do vigarista comum. Que nem precisa ser bom. Quando contei essa história a Keith Barrett, ele achou graça. Esse tipo de ladrão, deduziu ele, deve ter andado estudando os jornais locais — procurando especificamente casamentos como o de Jim e Ellie. Depois, arriscaram a sorte. Nada pessoal, entende? Uma questão estritamente profissional. Você só precisa definir o ramo. Ter um pouco de autoconfiança e apostar na capacidade infalível do cérebro de saltar para as conclusões. Tudo num desonesto dia de trabalho. (Quer uma demonstração da maneira pela qual — exatamente como a nossa recepcionista — não prestar atenção faz a gente saltar para as conclusões? Dê uma olhadinha no exercício que está no final deste capítulo, na p. 136). Mas talvez, pensando melhor, não devíamos jogar a culpa toda na recepcionista. Afinal de contas, não foi ela quem fugiu com os presentes. Na verdade, se tivéssemos de acusar alguém, o verdadeiro arquiteto do roubo foi realmente aquele crápula do Smith — o esperto e misterioso hóspede do quarto 308. Smith agiu como um condutor de atenção: um ímã potentíssimo que desvia todos os recursos psicológicos à disposição da recepcionista do problema real para outro inexistente — de forma muito parecida, por exemplo, com que um falso encarregado da manutenção apresenta — num movimento rápido como um raio — um documento falso de identidade e então, imediatamente depois ou, melhor ainda, simultaneamente, entabula uma conversa. Talvez seus cabelos sejam bonitos. Ou o carro bem em frente seja bacana. Logo depois você fica sabendo que tem dívidas. E o pessoal do
cartão de crédito começa a lhe telefonar. As palavras, principalmente as doces, são excelentes para romper circuitos cognitivos.
A roda da fortuna Os efeitos da distração sobre nossa capacidade de tomar decisões ilustram a necessidade de mantermos a vigilância quando estamos sob pressão. Checar a carteira de identidade do cara da manutenção. Verificar as informações. Os recursos cognitivos são exatamente como qualquer outro tipo de recurso. São limitados. O que, claro está, tem implicações para a forma de alocá-los. Já se perguntou algum dia, ao ler sobre eles nos jornais ou ouvir falar deles na TV, por que muitos dos maiores vigaristas do mundo também são, frequentemente, as criaturas mais charmosas que há? Há um motivo para isso. Fascinar e envolver com palavras tem um preço. Exige um estado mental que tem uma manutenção cara e implica uma carga cognitiva muito maior — exige muito mais de nossos limitados fundos cognitivos — do que a função oposta: averiguar a realidade. O que, por sua vez, significa que, quando estamos saboreando os elogios, estamos devorando os nossos ativos. Os ativos cerebrais. E, por conseguinte, há menos o que investir no negócio do pensamento crítico. Figuras 3.4a e 3.4b O x marca o ponto.
O princípio da “carga cognitiva” — que quanto maior o número de operações que o nosso cérebro tem de fazer em qualquer momento determinado, maior o gasto dos recursos à nossa disposição — pode ser ilustrado por uma tarefa simples de atenção, mostrada nas Figuras 3.4.a e 3.4.b.4 Primeiro, cubra ambas as figuras com uma folha de papel em branco. Em seguida, depois de cobri-las, descubra a figura da esquerda e localize o “x” em negrito dentro do quadro. Agora descubra a figura da direita e faça o mesmo. Achou mais fácil encontrar o x em negrito na primeira figura, ou na segunda? Aposto que foi na primeira. O motivo? No segundo quadro, as demandas pelos recursos de atenção do cérebro são o dobro do que são no primeiro. No primeiro, o cérebro só tem de discriminar o contraste. No segundo, entre contraste e forma. No entanto, a carga cognitiva também pode funcionar a nosso favor. Ironicamente (uma vez que é o artifício predileto dos vigaristas), pôr o cérebro sob um pouco de pressão — aumentando a quantidade de trabalho que ele tem de fazer — também pode ser útil quando queremos virar a mesa: descobrir se alguém está mentindo. O que, se você pensar bem, faz muito sentido. Quanto mais você dá o que pensar a alguém, tanto menos recursos o cérebro tem à sua disposição para ajudar a esconder a verdade. De fato, nos interrogatórios policiais e militares, esse é o procedimento-padrão. Técnicas provadas e comprovadas como a troca de olhares “entendidos” entre os
oficiais; grande proximidade física; manipulação vigorosa; posicionamento dos detidos longe dos chamados “gatilhos de controle”, como interruptores de luz e maçanetas de portas; oficiais chamados para fora da sala sob o pretexto da chegada de “novas informações”; “provas incriminadoras” (às vezes, só folhas em branco) colocadas de modo a se ver só o verso; e dossiês nos quais não é possível ver nada com nitidez, a não ser o nome do suspeito, são, quando introduzidos na hora certa, condutores eficientíssimos de persuasão que desvia a atenção. De modo que você já fica sabendo. Para a próxima vez.
ABORDAGEM Não existem duas pessoas exatamente iguais. Isso é o que diziam os velhos empíricos de antigamente, e com razão. Existem realmente entre os indivíduos pequenas diferenças de percepção consciente. Mas, por outro lado, quando se trata da maneira pela qual vemos o mundo em geral, temos muito mais em comum do que imaginamos. Considere, por exemplo, o seguinte: imagine que alguém compra um bilhete de loteria com os números 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Em qual dessas duas situações você acharia mais graça: Se a sequência vencedora fosse 4, 14, 22, 33, 40 e 45? Ou se fosse 7, 8, 9, 10, 11 e 12? Quase todo mundo diria que é a segunda (a menos que o bilhete fosse seu). E por quê? O fato é que a probabilidade do bilhete vencedor ter qualquer uma das duas sequências é a mesma. Considere outro exemplo. Imagine que você comprou uma rifa e que o número vencedor é 672. O que você acharia mais difícil de suportar? Se o seu número fosse 671? Ou 389? Esses dois exemplos revelam uma coisa bem interessante sobre o nosso cérebro. Eles são preguiçosos escravos do hábito. Em vez de se preparar para tomar decisões usando ingredientes frescos da estação, eles preferem a variedade prêt-à-porter — lotada de conjeturas, pressupostos e raciocínios congelados ou secos em embalagem de plástico.
Essas informações, nas mãos erradas, podem ser perigosas. No esporte, interpretar as informações dadas pelo adversário, saber o que os mobiliza, saber a probabilidade que eles têm de tentar uma determinada jogada — esses são os objetivos de qualquer atleta. Exatamente os mesmos da persuasão.
História cheia de altos e baixos Suponha que você está trabalhando para uma empresa de marketing e está analisando uma série de pesquisas de opinião feitas com uma amostra aleatória de homens adultos nos Estados Unidos.5 Um dos participantes, que declarou que sua altura era de mais de 1,95 metro, foi muito pouco preciso quando chegou à pergunta sobre emprego. Não fica claro se pôs uma cruz ao lado de “gerente de banco” ou do item seguinte da lista, “jogador de basquete”. Cabe a você tomar a decisão no lugar dele. Que profissão você vai escolher para ele? Se você optou por “jogador de basquete,” parabéns! Você deu a mesma resposta que 78% dos calouros da Universidade de Cambridge. Mas, infelizmente — da mesmíssima forma que eles —, você está errado. Deixe-me começar fazendo uma pergunta. Na população geral dos Estados Unidos, que tipo de profissional você acha que existe em maior número — jogadores de basquete ou gerentes de banco? A resposta — acho que você vai concordar — é de gerentes de banco. Vamos atribuir a cada uma dessas categorias profissionais um número arbitrário. Digamos que há trezentos jogadores de basquete profissionais e 15 mil gerentes de banco. Muito bem — e agora, entre esses trezentos jogadores de basquete, quantos você acha que têm mais de 1,95 metro? Sessenta por cento? Setenta? Digamos que são 70%. O que significa, pelos meus cálculos, que há 210 jogadores de basquete profissionais nos Estados Unidos com mais de 1,95 metro. Agora vamos falar dos gerentes de banco. Daqueles 15 mil, quantos deles você acha que têm mais de 1,95 metro de altura? Vamos fazer uma estimativa conservadora e dizer que são 2%.
No entanto, mesmo que sejam só 2%, essa porcentagem ainda corresponde a trezentas pessoas — o que significa que há pelo menos noventa gerentes de banco a mais com altura superior a 1,95 metro do que jogadores de basquete. Ai, meu Deus. O que acaba de acontecer aqui com o jogador de basquete e o gerente de banco introduz o segundo ingrediente-chave da influência de Keith Barrett — abordagem. No sistema de Barrett, a abordagem refere-se a nossas atitudes e visões de mundo. Ou, mais especificamente, qual o impacto que essas atitudes e visões de mundo têm sobre os tipos de decisões que tomamos. A razão pela qual nos saímos tão mal em tarefas como essa é, na verdade, bem simples. Tem a ver com a maneira pela qual o nosso cérebro processa as informações a respeito do mundo. No exemplo acima, é exigido do cérebro que ele resolva um enigma. Seus recursos de detetive são requisitados. O “crime” é ter mais de 1,95 de altura, e há dois “suspeitos” — o gerente de banco e o jogador de basquete. À luz dessa informação inicial, o cérebro faz uma investigação preliminar em seu banco de dados — “Simples rotina, senhor!” — e, ao fazê-la, uma coisa bem interessante surge na tela. O jogador de basquete tem um grande número de “condenações anteriores” exatamente por esse crime. Por outro lado, não há nenhum dado relativo ao gerente de banco. Portanto, diante dessa “evidência”, o que o cérebro faz? Bem, como qualquer policial tarimbado, ele manda prender o jogador de basquete para fazer um interrogatório e resolve não incomodar o gerente de banco. A analogia do cérebro com um banco de dados da polícia não é uma analogia com que você tem muita probabilidade de se deparar nas páginas dos textos de psicologia. E é possível que, em algum lugar, você encontre razões muito boas para isso. Mas, para os nossos objetivos imediatos, ela é bem pertinente. Pois, exatamente como um sistema desses, nosso cérebro processa as informações que está recebendo segundo probabilidades conscientes e associações conhecidas. Começa a raciocinar rapidamente. Ou, para usar o jargão do ramo, ele usa a heurística. Na categoria da altura, por exemplo, 1,95 metro ou mais é uma “associação conhecida” com jogador de basquete. Nesse sentido, parece muito mais provável que esses dois dados estejam relacionados do que 1,95 metro de altura e um gerente de banco. Na linguagem mais ortodoxa da psicologia cognitiva, estruturamos, com base na experiência anterior, um
esquema ou rede associativa de jogadores de basquete e gerentes de banco — um conceito geral de “quem eles são” — e esses esquemas são sublinhados por certas descrições ultrassalientes, como “alto” ou “usa terno e gravata”. Depois que esses exemplares entram no sistema, aqueles que estão nos arquivos e “correspondem à descrição” são considerados merecedores de um estudo mais detalhado. Mas, às vezes, como vimos, os verdadeiros culpados escapolem através das malhas da rede.
O quadrado mágico A heurística é absolutamente indispensável no decorrer da vida cotidiana.6 É o equivalente cortical dos tipos de ação inalterável que vimos nos animais no capítulo 1 — surtos breves e concentrados de comportamento automático, desencadeados pela presença de um estímulo-chave. Eles oferecem vias expressas subterrâneas que atravessam a hora do rush da consciência e permitem ao cérebro cruzar a cidade num piscar de olhos. Mas essas vias expressas são perigosas. E vigaristas como Keith Barrett as conhecem como a palma da mão. São rápidas. São escuras. E são cobertas de gelo negro psicológico. E os acidentes, como acabamos de ver, acontecem a toda hora. — O cérebro — diz Barrett — é como um tabuleiro do antigo jogo indiano Serpentes e Escadas, que se tornou um clássico no mundo inteiro. Você pode tomar o caminho mais longo e percorrer todos os números. Ou pode acertar a escada do número 9 que leva você para o 99. É uma escada na qual ele subiu muitas vezes. Com a possível exceção de alguns guichês novos de autoatendimento no check-in do aeroporto de Heathrow, o cérebro humano é a máquina mais complexa que existe. Apesar disso, somos estruturados para ser bodes expiatórios. O bizarro é que, levando tudo em consideração, há método nessa loucura. Por mais brilhante que o nosso cérebro seja, não conseguimos verificar duas vezes cada coisa isolada que nos acontece com base na veracidade. A vida, bem literalmente, é muito curta. Em vez de funcionar como um médico ao diagnosticar uma doença (ou como um policial tentando descobrir o culpado de um crime), temos de confiar nos sintomas “provados e comprovados” que se apresentam — em estímulos-chave superinformativos
— para orientar nosso comportamento. Não em manchas, como a gaivotaargêntea. Nem no som que fazem as rãs-sino da Louisiana. E sim na profunda sabedoria acumulada das associações aprendidas. E, às vezes, pelo fato de nosso cérebro ter a infeliz tendência de tomar atalhos, recebemos a resposta errada.
As raposas e as uvas O que aconteceu antes com o gerente de banco e o jogador de basquete é conhecido na psicologia como representatividade heurística: uma regra prática através da qual o nosso cérebro faz inferências sobre a probabilidade de uma hipótese ser comprovada considerando sua correspondência com os dados já à sua disposição. E, acredite, isso não acontece só quando estamos à mesa de trabalho preenchendo nossos formulários. Num estudo que examinava os efeitos das expectativas sobre o paladar, Hilke Plassman e seus colaboradores do Instituto de Tecnologia da Califórnia trocaram furtivamente as etiquetas de preços de uma garrafa de cabernet de qualidade mediana.7 Alguns voluntários foram informados de que a garrafa valia US$ 10. Outros, de que valia US$ 90. Será que essa diferença de preço fez diferença no sabor do vinho? Pode apostar que sim. Os participantes informados de que a garrafa valia US$ 90 consideraram o vinho muito melhor do que aqueles que pensaram que ela valia US$ 10. E isso não é tudo. Mais tarde, num experimento com sujeitos submetidos à ressonância magnética funcional, Plassman descobriu que, na verdade, esse truque mental simples tinha reflexos na anatomia — na atividade neurológica das profundezas do cérebro. Além do vinho “mais barato” ter um sabor pior, e o “mais caro” um sabor melhor — este último de fato ativou o córtex orbitofrontal medial, a parte do cérebro que reage a experiências de prazer. Resultados semelhantes foram encontrados entre os especialistas.8 Frederic Brochet, psicólogo cognitivo do Laboratório Geral de Enologia da França, usou um bordeaux de qualidade mediana e o serviu em duas garrafas diferentes. Uma era a garrafa de um vinho maravilhoso de uma safra excepcional de uvas. A outra, de um vin de table.
Será que as garrafas teriam algum impacto sobre o paladar refinado dos connoisseurs? Ou será que os entendidos em vinho perceberiam que havia algo de errado? Sem chance. Apesar do fato de lhes estarem servindo a mesma bebida, os especialistas — exatamente como no estudo de Plassman — avaliaram as diferentes garrafas... de forma diferente. O vinho da garrafa de gran cru foi descrito como “saboroso, amadeirado, complexo, equilibrado e redondo” — ao passo que a avaliação do vin de table foi muito menos positiva: foi considerado “fraco, limitado, aguado, sem graça e imperfeito”. John Darley e Paul Gross, da Universidade de Princeton, foram um pouco mais longe e demonstraram esse efeito num estudo sobre classe social.9 De acordo com sua visão do paradigma, os participantes avaliaram o desempenho de uma criança enquanto ela procurava resolver uma série de problemas de matemática. Os participantes foram divididos em dois grupos. A um dos grupos, disseram que a criança era de uma família de classe socioeconômica baixa, enquanto o outro recebeu a informação contrária: que se tratava de uma criança da alta sociedade. Quem você acha que considerou a criança mais inteligente? Certo — aqueles a quem falaram que ela era de classe socioeconômica alta. Além disso, essa simples crença preconceituosa foi além da matemática em si — bastou para explicar a avaliação da inteligência em geral. Aqueles que achavam que a criança era pobre classificaram seu desempenho como abaixo da média, ao passo que aqueles que a julgavam de classe social elevada consideraram seu desempenho acima da média. O status socioeconômico — relativo ao vinho, às pessoas, a qualquer coisa — é um estímulo-chave de abordagem. E influencia a nossa percepção mais do que supomos.d
Algo em mente As expectativas, claro está, não têm impacto somente sobre percepções de desempenho. Também afetam o desempenho em si. Considere a universidade, por exemplo. Ao fazer os exames de vestibular nos Estados Unidos, voluntários negros têm um desempenho significativamente pior
quando lhes dizem, antes da prova, que os testes revelam o grau de inteligência de uma pessoa. Descobertas como essa, onde noções de inferioridade relativas a um grupo ao qual pertencemos podem afetar consideravelmente a nossa capacidade como indivíduos, refletem o que é conhecido como “ameaça dos estereótipos” — ao passo que “a vantagem dos estereótipos”, por outro lado, descreve o oposto: quando saber que você faz parte de um grupo considerado superior pela sociedade melhora o desempenho. Margaret Shih, da Universidade de Harvard, demonstrou essa noção empiricamente.10 Numa pesquisa que estudava mulheres de origens asiáticas, Shih descobriu que quando as mulheres eram levadas a pensar em si mesmas como “mulheres”, saíam-se pior em testes de matemática do que os homens — confirmando assim o estereótipo familiar de “cérebro masculino/feminino”. Mas, inversamente, quando pensavam em si mesmas como “asiáticas”, na verdade o seu desempenho era melhor que o dos homens — uma vez que o estereótipo “asiático” em geral desfruta de um crédito maior no domínio da matemática do que outros grupos étnicos. Jeff Stone, da Universidade do Arizona, obteve resultados semelhantes no esporte.11 Quando o golfe é apresentado como prova de capacidade atlética, os golfistas negros têm um desempenho melhor que o dos brancos. Mas, quando o jogo é apresentado como prova de estratégia cognitiva, a tendência se inverte misteriosamente: os brancos se saem melhor que os negros. A raça, como o status socioeconômico, é um estímulo-chave da abordagem. Ao conceito de representatividade está associado o de disponibilidade. Se a representatividade se refere à maneira pela qual o nosso cérebro faz inferências probabilísticas sobre as relações entre variáveis (como ocupação e altura, por exemplo; ou status socioeconômico e capacidade acadêmica), a disponibilidade descreve um tipo mais “temporal” de inferência: nossa tendência a confundir a frequência com que um evento acontece com a facilidade com que exemplos dele nos vêm à mente. Para ilustrar o que quero dizer, peço-lhe que considere as seguintes declarações animadoras: Mais gente morre por causa de armas de fogo que de asma. Mais gente morre de câncer que de derrame.
Mais gente morre de acidente que de enfisema. Mais gente morre por homicídio do que em inundações.12 Com quantas dessas estimativas você concorda? Será que, por acaso, seria com todas elas? Se for, então você está em boa companhia. A maioria das pessoas acha o mesmo. Mas, na verdade, você vai ter uma surpresa. Todas essas estimativas estão erradas. Algumas delas erraram o alvo por quilômetros. Agora pergunte a si mesmo o seguinte: entre os tipos de fatalidade que acabo de citar, sobre qual você ouve falar com mais frequência? Quais estão mais facilmente “à disposição” na sua cabeça? É difícil dar uma ideia do poder heurístico da disponibilidade sem um exemplo concreto.13 Portanto, vamos dar uma olhada num deles agora. Abaixo temos uma lista de nomes. Leia-os com cuidado e depois, assim que terminar, cubra-os com uma folha de papel: Elizabeth Taylor
Mark Radcliffe
Michelle Obama
Hillary Clinton
Andrew Marr
Raymond Carver
Agatha Christie
Stuart Rose
Angelina Jolie
Madonna
Norman Foster
Amy Winehouse
Ian Poulter
Margaret Thatcher
Cheryl Cole
Chris Martin
Oprah Winfrey
Anthony Eden
Steve Jobs
Paul Simon
Robert Frost
Kate Moss
Rowan Williams
Britney Spears
James Nesbitt
Barbara Streisand
Damien Hirst
Bruce Chatwin
Ruby Wax
Florence Nightingale
Ranulph Fiennes
Princesa Diana
Muito bem. Agora que você já leu os nomes, procure se lembrar do maior número possível. Depois veja se havia mais mulheres na lista, ou mais homens. Só depois de fazer a sua conta é que você deve continuar lendo... Pronto? Ótimo — e então? Mais mulheres que homens, por acaso? Muito bem, é isso o que responde a maioria das pessoas. Mas, agora, dê outra olhada na lista. Conte os nomes. Engraçado, né? A proporção entre mulheres e homens é exatamente a mesma. Há exatamente tantos homens na lista
quanto mulheres. Mas repare em mais uma coisinha — será que as mulheres eram mais famosas? Mais um exemplo: dê a si mesmo 60 segundos para se lembrar do maior número de palavras que correspondam à sequência - - - - - n - -. Depois de terminar, repita o teste, só que, dessa vez, com a sequência - - - - ando. É provável que você tenha se lembrado de mais palavras da segunda vez que da primeira — certo? Mas, na verdade, isso não deveria ter acontecido. Preste atenção que você vai notar que o primeiro exemplo é, na verdade, idêntico ao segundo. Só com as letra a, d e o omitidas. O que significa que qualquer palavra que corresponda ao segundo exemplo deve corresponder automaticamente ao primeiro. O que significa — isso mesmo — que as palavras que se encaixam no primeiro exemplo são, na verdade, mais comuns. Só que as palavras que se encaixam no segundo exemplo vêm à mente com mais facilidade.
Toque leve Nossa propensão inata de saltar para as conclusões, de responder — de forma completamente instintiva — ao que poderíamos chamar de estímulos-chave “conceituais” — constructos que têm um alto grau de representatividade e disponibilidade, por exemplo — dão lucros fáceis aos tubarões da influência social. E, claro está, para o resto de nós. Como observa Keith Barrett de forma gélida, se você sabe onde estão as escadas e sabe jogar um dado, o jogo — e, para esses caras, é um jogo — acaba num instante. Considere Shaffiq Khan, por exemplo. Khan, como Barrett, é outro psicopata supertransado. Mas Khan, ao contrário de Barrett, prefere concentrar sua persuasão mortal em indivíduos, em vez de grandes empresas. A motivação de Khan é a boa vida. “Não há tipo de luxo ao qual eu não aspire”, me diz ele durante um almoço num restaurante chique de Londres. Olhando para ele — Rolex, Porsche, Armani — é difícil discordar. O modus operandi de Khan desarma pela simplicidade. Ele viaja pelo mundo todo na condição de empresário glamoroso (o que, de certa forma, eu acho que ele é), mostrando uma dedicação incansável à arte de parecer rico.
Fica nos hotéis mais luxuosos. Frequenta os bares mais badalados. E sempre viaja de primeira classe. E é aqui, nos pontos de encontro mais exclusivos do mundo, que ele exerce seu negócio mortal: encantar, e depois seduzir, às vezes mulheres que fazem parte do quadro de funcionários, outras passageiras, hóspedes ou clientes que ele posteriormente depena. Khan é reservado sobre seus métodos de sedução. Mas nos dá a seguinte dica: — O toque é importante: contato físico. Você o vê nos primatas quando eles dão um trato um no outro. É uma forma de agradar. Você coça as minhas costas, eu coço as suas. Bom, com os seres humanos, agradar costuma ser algo que as pessoas de status mais baixo fazem a pessoas superiores a elas.e Aqui também, exatamente como os primatas. É algo inato em nós, faz parte da nossa história evolutiva. Elas vão tentar construir pontes e acumular favores com o uso do tato. De modo que nosso cérebro é programado para esperar que pessoas de status mais baixo tenham uma tendência maior de expressar seus sentimentos através do toque. Inverta essa expectativa, que é o que eu faço: sempre estabeleço contato com um toque muito leve no braço ou nas costas. Ele tem um poder incrível. Ele diz: você tem mais valor que eu, em vez do contrário. E o outro pensa: “Por que eu teria algum valor para ele? Ele já tem tudo de que precisa. Deve gostar de mim realmente.” Embora aparentemente mundano, o que Khan faz com as mãos é de fato inebriante. Para os bajuladores, tanto a heurística da representatividade quanto da disponibilidade envolvem pessoas de status inferior puxando o saco de seus superiores. Mas, se você confundir essa expectativa, se introduzir uma pequena dose de antítese — se ativar aqueles sinais aleatórios das vias expressas cognitivas super-rápidas — e, de repente, de forma dramática, metemos o pé no freio. Temos de encontrar o fio da meada e dar sentido a essa confusão. O psicólogo David Strohmetz e seus colaboradores da Universidade Monmouth demonstraram um princípio muito similar àquele usado por Khan.14 Só que, no caso de Strohmetz, o objetivo não é esfolar as pessoas, e sim aumentar as gorjetas de um restaurante. Strohmetz dividiu os frequentadores que iam jantar em três grupos, de acordo com a quantidade de doces que cada um recebia no fim da refeição. Para um grupo, o garçom serviu um doce. Para outro, dois. E, para o terceiro — e aqui é que está a pegadinha — primeiro o garçom lhe deu um doce e se afastou. Mas voltou em seguida (como se tivesse pensado melhor) e lhe deu outro. De modo que
um grupo recebeu um doce. E dois grupos receberam dois doces. Mas os dois que receberam dois receberam-nos de formas diferentes. Certo? Será que o número de doces e maneira pela qual foram servidos tiveram, como previra Strohmetz, alguma relação com o valor da gorjeta? Teve, sim, claro. Comparado a um grupo de controle de pessoas que haviam ido jantar no restaurante e que não recebeu nenhum doce (ótimo!), aqueles que receberam um deram, em média, uma gorjeta 3,3% maior. Um retorno nada mau para um investimento de apenas dez centavos de dólar. Da mesma forma, aqueles que receberam dois doces deram, em média, uma gorjeta 14.1% maior. Melhor ainda. Mas o maior de todos os incrementos foi daqueles que primeiro receberam um doce, e depois outro — um aumento de 23% na generosidade do freguês! Essa mudança inesperada e aparentemente inexplicável de sentimentos de bondade (ei, cara, toma aqui dois doces em vez de um!) faz a pessoa abrir a carteira com uma facilidade espantosa — exatamente da mesma forma que o toque de Shaffiq Khan, inesperado e aparentemente inexplicável, abre a carteira de suas vítimas inocentes. Por um lado, a evolução programou nosso cérebro com uma pista de alta velocidade: heurística cognitiva como a representatividade e a disponibilidade. Mas também o equipou com outro tipo de programa mais especializado: uma facilidade inata para dar sentido ao mundo — para converter dados em significados e o acaso em paradigmas. Se você puser um desses programas contra o outro — contrariando as expectativas — o sistema todo desmorona temporariamente. Um momento perigoso se você está se relacionando com alguém como Khan.
ASSOCIAÇÃO Certa vez, um rei visitou uma cadeia de seu país e ouviu atentamente enquanto um detento após outro implorava a liberdade, afirmando ser inocente. De repente, o rei percebeu um prisioneiro muito quieto e triste, sentado sozinho num canto. Aproximou-se dele e perguntou-lhe: — Por que está tão abatido?
— Porque sou um criminoso — respondeu o homem. — É mesmo? — perguntou o rei. — É — respondeu o homem. — Essa é que é a verdade. Impressionado com a honestidade do homem, o rei deu ordens para libertá-lo com a seguinte observação: “Não quero este criminoso na companhia de todos esses homens inocentes. Seria uma péssima influência para eles.” “Nenhum homem é uma ilha”, escreveu o poeta John Donne que, com as minhas desculpas a Kurt Lewin, devia realmente ser considerado o pai da psicologia social. Nosso comportamento, desde a aurora dos tempos, está inextricavelmente ligado ao comportamento daqueles que nos rodeiam, e é dos outros que recebemos a maior influência sobre cada um de nós.
A in-fluência do grupo Nós, seres humanos, temos a necessidade inata de nos associarmos. De formar grupos. Além disso, também temos a necessidade inata de favorecer os grupos aos quais pertencemos em detrimento dos outros. Sem nenhum motivo aparente. Essa talvez seja uma coisa estranha de se dizer. Mas é verdade. Lá na época de nossos ancestrais, participar de um grupo foi a primeira apólice de seguro de vida da história. E olha, cara, a gente bem que precisava de uma. Desde então, venho renovando essa apólice antiquíssima. Em 1971, o falecido Henri Tajfel, da Universidade de Bristol, realizou um experimento que ilustrava exatamente o tipo de acordo que tivemos de fazer com a seleção natural.15 Na verdade, o experimento foi tão revelador que se tornou um clássico, emprestando seu nome a todo um paradigma da psicologia social: o paradigma do grupo mínimo. O que Tajfel fez foi o seguinte: primeiro, selecionou uma amostra de estudantes do curso fundamental e mostrou-lhes uma série de pontos. — Quantos pontos você vê na tela à sua frente? — perguntava ele a cada um deles em separado. Como havia um bocado deles — de pontos — e o tempo para contá-los era de menos de meio segundo, os estudantes não tinham a menor ideia do
grau de exatidão de suas estimativas. Mas faziam suas avaliações assim mesmo — e essa manipulação deliberada era o recurso usado por Tajfel para dividir os estudantes — de forma inteiramente arbitrária — em dois “grupos mínimos”: os que faziam estimativas baixas e os que faziam estimativas altas. “Mínimos” porque a classificação tinha sido feita com base numa diferença trivial e inexistente. “Grupo” porque havia muitos estudantes. Após a divisão, Tajfel pediu a cada estudante para atribuir pontos — depois de lhe dizer que tinha correspondência com uma determinada soma de dinheiro — a dois outros participantes do estudo. Esses outros estudantes só podiam ser identificados por meio de um código — em outras palavras, eram anônimos — através dos seguintes rótulos: “do seu grupo” e “do outro grupo”. Será que o simples fato de os estudantes serem membros de um grupo em contraposição a outro influenciaria sua atribuição de pontos? A resposta — que Tajfel e seus colaboradores previram corretamente — foi sim. E por uma bela margem. As perspectivas positivas de ganho financeiro choveram torrencialmente sobre membros do próprio grupo e só umas gotinhas — se tanto — sobre os membros do outro. Além do mais, isso aconteceu apesar do fato de que, antes de se apresentarem para o estudo, nenhum dos participantes jamais tinha visto o outro mais gordo. E, para coroar, também não havia nem o mais leve indício de que viriam a se encontrar de novo. Portanto, mesmo que você não coce as minhas costas, eu coço as suas. As recompensas foram distribuídas pura e simplesmente com base no rótulo: minha turma em contraposição à sua.
As linhas erradas Não é difícil, quando você olha para o mundo, dar-se conta do poder da influência do grupo ao qual você pertence. Só é preciso pensar numa partida de futebol para saber do que estamos falando. Mas o que pode ser uma surpresa é que os efeitos da participação num grupo vão além de um favoritismo superficial. Na verdade, eles chegam até a nossa maneira de ver as coisas.
Considere o problema simples apresentado na Figura 3.5. Qual das três linhas perpendiculares que estão no Retângulo A tem o mesmo comprimento da linha do Retângulo B? Moleza, não? A linha do meio — a linha 2. Você precisa fazer um exame de vista se errou a resposta. E, quer saber? Aposto que eu poderia persuadir você a fazer exatamente isso — a dar a resposta errada — usando uma manobra muito simples. Não acredita? Por sorte, você nem precisa acreditar. Figura 3.5 Uma simples tarefa de avaliação de percepção.
Em 1955, Solomon Asch, um psicólogo social norte-americano, realizou exatamente uma façanha dessas numa das primeiras demonstrações clássicas do poder da conformidade.16 O que Asch fez foi o seguinte: primeiro, reuniu um grupo de nove pessoas na frente de um projetor de slides. Em segundo lugar, apresentou ao grupo uma série de dezoito tarefas idênticas às de
estimativas de comprimento de linhas que está na Figura 3.5. E depois, antes de começar, instruiu oito dos nove membros do grupo (seus cúmplices) a dar a mesma resposta errada — combinada de antemão — a seis das dezoito comparações. Por fim, sentou-se e ficou observando o que diria o nono cara. Será que, diante de um erro tão unânime, ele ainda manteria sua opinião e daria a resposta correta? A resposta óbvia? A resposta que, literalmente, saltava à vista? Ou cederia à pressão dos pares e contrariaria a evidência de seus sentidos? O que Asch descobriu foi espantoso. Entre os que participaram do estudo, 76% deram ao menos uma resposta errada no decorrer do processo. Pense nisso por um momento. Eles deram a resposta errada — mais de três quartos deles — a uma tarefa tão simples quanto a que acabamos de apresentar. A conclusão era tão evidente quanto assustadora. Tão grande é o nosso desejo de sermos aceitos, de sermos bem ajustados, que a maioria de nós está disposta a deixar de acreditar até mesmo naquilo que nossos olhos estão nos mostrando, para não destoarmos do resto. A opinião da maioria é uma das forças mais potentes do universo. Parece que poucos de nós têm peito para se contrapor a ela.f Por que você acha que aquela gargalhada gravada é tão comum nos programas humorísticos da TV? Ou por que, numa campanha eleitoral, nem todos os aplausos são — é preciso dizer — tão espontâneos quanto parecem? Estratagemas desse tipo insinuam-se em nosso cérebro pela porta dos fundos e envolvem nossas emoções numa pantomima neurológica. Persuadem-nos (ou, melhor dizendo, ajudam-nos a nos persuadir a nós mesmos) de que, seja o que ou quem for que estivermos vendo, é mais engraçado, mais divertido ou mais interessante do que é de fato. Quer dizer, se todos os outros estão rindo, ou aplaudindo, ou ridicularizando — por que não nós? No entanto, há algo mais nessa pantomima do que julgamos à primeira vista. A afirmação — ou descrédito — de um comunicador frente a seu público afeta nossa percepção não só sobre o quanto ele é engraçado ou divertido, mas também sobre o seu grau de influência. Sobre o quanto ele é adequado para um cargo. E é aqui que as coisas começam a ficar sérias. Há poucos exemplos melhores desse tipo de influência que um estudo realizado em 1993 durante o terceiro debate entre Bush e Clinton no decorrer da campanha para a presidência dos Estados Unidos.17 Três grupos de trinta estudantes foram cuidadosamente selecionados com base em sua afiliação política. O primeiro grupo (que, na verdade, consistia só de vinte
participantes “reais” — uma mistura de republicanos e democratas) guardou segredo sobre dez provas incriminadoras que favoreciam Bush e prejudicavam Clinton. O segundo grupo — que também era constituído só de participantes “reais” — guardou segredo sobre dez provas incriminadoras que — certo, você adivinhou — favoreciam Clinton e prejudicavam Bush. Um terceiro grupo — o grupo de controle — manteve-se neutro. Que impacto teriam, respectivamente, as duas facções em luta política sobre a opinião dos participantes “reais” a respeito dos candidatos? Os resultados do grupo a favor de Clinton (o grupo com as dez provas incriminadoras que favoreciam Clinton e prejudicavam Bush) são mostrados na Figura 3.6. Muito esclarecedores. Figura 3.6 O efeito da reação do público sobre a afiliação política.
À direita — entre os verdadeiros partidários de Clinton — vemos a porcentagem de Clinton subir vertiginosamente quando Bush é prejudicado e Clinton, favorecido. Nenhuma surpresa até agora. Mas veja só o que acontece à esquerda — dessa vez no campo de Bush — nas mesmas condições. É inacreditável, mas os partidários de Bush na “vida real” fizeram uma avaliação mais favorável de Clinton que de seu próprio candidato quando o primeiro foi vaiado e o segundo aplaudido! Às vezes, ao que tudo indica, a nossa maneira de ver os outros não depende de nada mais substancioso que da maneira como os outros veem os outros.
Libra por libra Exemplos como este são conhecidos na disciplina da influência como prova social. Prova social é o que Keith Barrett definiria como um vírus de associação — e prolifera em situações sociais ambíguas quando a pessoa é incapaz de determinar o que exatamente é a “coisa a fazer”. Todos nós já passamos por isso. Acho que o exemplo clássico é participarmos de uma daqueles jantares complicados de 35 pratos e acabarmos descobrindo que a organização dos talheres tem uma semelhança apavorante com algo que encontraríamos numa sala de cirurgia. O que fazer? Por onde começar? Que faca usar para a manteiga? Que negócio pontudo engraçado é este ao lado daquele outro negócio pontudo esquisito com um ganchinho na ponta? Supondo que o cara sentado a nosso lado já conheça toda aquela parafernália, a maioria de nós recorre à tática de guerrilha. Observamos o vizinho com o canto dos olhos. Prestamos atenção ao lugar onde seus dedos pousam sobre a prataria... e aí pegamos aquele mesmíssimo instrumento — totalmente inconscientes de que o bon vivant mundano a nosso lado passou os últimos cinco minutos observando secretamente a nós. Uma demonstração fascinante do poder da prova social aconteceu há pouco tempo num programa de TV norte-americano. Colleen Szot, uma roteirista de informerciais, bateu o recorde de movimento num canal de compra em domicílio mudando só três palavras de um argumento de venda agora familiar. O recorde manteve-se durante quase vinte anos. Claro, o canal usava toda a artilharia usual do marketing: aval de celebridades, slogans
fáceis de lembrar e um público que parecia estar com pressa. Mas o incrível é que não foi nenhum desses ingredientes que finalmente fez as vendas subirem verticalmente. Foi, ao contrário, uma mudança para pior. Ou assim parecia à primeira vista. O golpe de mestre de Colleen foi mudar a frase “Os atendentes estão à sua espera, ligue agora, por favor” — destinada a incitar os espectadores à ação —, para “Se os nossos atendentes estiverem todos ocupados, ligue de novo, por favor”. À primeira vista, essa nova nuance parece desastrosa. Como alertar os fregueses para a perspectiva de um inconveniente — discar e rediscar a porra do mesmo número — pode se traduzir num aumento de vendas? Mas, nesse caso, a lógica deixa muito a desejar — e não leva em conta a magia da prova social. Pense bem. Que imagem lhe vem à mente quando você escuta a frase, “Os atendentes estão à sua espera, ligue agora, por favor”? Legiões de telefonistas entediados olhando para o nada? Se for essa, então, a despeito de todo aquele merchandising espalhafatoso e inútil, sua impressão do produto é negativa. É uma impressão de pouca demanda e poucas vendas. Por que raios você haveria de querer comprar um treco desses se ninguém mais compra? Agora pergunte a si mesmo o seguinte: o que me vem à mente quando ouço a frase, “Se os nossos atendentes estiverem todos ocupados, ligue de novo, por favor”? Uma central telefônica cheia de funcionários superestressados para dar conta da demanda? Bom, quer dizer que muita gente gosta do produto. Se todo mundo está querendo comprar esse produto, então você é que não vai perder uma chance dessas! Exatamente o mesmo princípio opera no eBay.18 A análise de leilões online revela algo primal, profundo e fundamentalmente biruta a respeito do comportamento do consumidor: se você quiser vender aquele Rembrandt que encontrou no sótão, comece com um lance de US$ 10! Aqui a psicologia é de fato bem direta. Vender coisas com um lance inicial pequeno atrai um número maior de pessoas para o leilão — o que, por sua vez, faz com que o produto pareça mais desejável. O que gera um número maior ainda de participantes que, a cada aumento da oferta, não aumenta só o seu investimento financeiro no produto, mas também o seu investimento emocional. Um amigo meu, que dá cursos sobre a Ciência da Decisão, demonstrou isso numa sala de aula. Não com um Rembrandt, mas com uma moeda de £1. Todo ano, no começo do curso de inverno, ele fica na frente de um auditório
lotado de calouros e anuncia que vai fazer um leilão... de £1. “O que vou leiloar?” O leilão tem duas regras simples. A primeira — como a de qualquer leilão — é que a pessoa que fizer o lance mais alto leva a mercadoria. Nenhum problema até aqui. A segunda regra é que a pessoa que fizer o segundo lance mais alto tem de entregar a quantia correspondente ao leiloeiro, como se fosse uma multa. Nenhum problema aqui também — desde que você ganhe. Desde o leilão inaugural de £1 há vários anos atrás, os alunos de meu amigo, todos, sem exceção, ficaram neuroeconomicamente impermeáveis à justaposição dessas duas condições. Eles a veem todas as vezes como uma oportunidade de ouro para ganhar uma coisa de bandeja. Ou, se não for de bandeja, ao menos por menos de £1. Ele deve estar louco, pensam eles. Em geral, o primeiro lance é de 1 pêni. Surpresa!!! Em seguida, dois. E três. E assim por diante. Todo mundo participa. E ninguém saca a pegadinha. E então, de repente, quando a batalha dos lances chega ao estágio 50/51, eles começam a se dar conta do que está acontecendo. Meu amigo está no lucro! Pense bem. Segundo as regras do jogo, se o leilão terminasse naquele exato minuto, ele já teria ganho 1 pêni. Um roubo! Mas o leilão não termina ali, claro. Continua ainda um tempão. Na verdade, não é raro aquela £1 sair por £2, resultando num lucro líquido de quase £3 (o lance vencedor de £2 + £1.99 de multa do segundo lugar) em relação ao investimento inicial. O que começou como a velha e boa ganância, logo se transformou em uma pilhagem horrível, mutuamente dependente — e, ao mesmo tempo, mutuamente exclusiva — e, depois, em limitação dos danos. Não competimos só para maximizar os lucros. Mas também — já pensou nisso? — para maximizar nossas perdas.
Faça aos outros Em 1993, o Manchester United ganhou seu primeiro título da liga em 26 anos. Foi o primeiro de onze (contando com este) sob a direção de seu lendário técnico escocês, sir Alex Ferguson. Ferguson foi o responsável pelo Manchester United até 2013 e é o técnico de futebol com mais tempo de serviço — e o mais bem-sucedido — da Inglaterra. Até aquele primeiro título
da liga, a prateleira de troféus do Manchester United ficou acumulando poeira por um bom tempo — e Ferguson estava com medo de que a chegada de alguma prata subisse à cabeça dos jogadores. O que fazer? Alguns técnicos teriam deixado os jogadores colocarem a mão nela, apoderando-se de sua glória suada. O que, a bem da verdade, Ferguson fez mesmo. Até certo ponto. Mas esse glasgowniano perspicaz não se satisfez só com um título. De modo que bolou um plano para fazê-los abrir caminho para o topo: um simples golpe de mestre que não só fez com que os atletas dessem tudo de si, como também os deixou mortos de medo. Ferguson se lembra bem dele: Eu disse a eles: “Escrevi três nomes num pedaço de papel e pus o papel dentro de um envelope. Eram os três jogadores que iam ser postos no olho da rua na próxima temporada”. Todos eles olharam uns para os outros e disseram: “Bom, eu é que não sou!” De modo que, na temporada seguinte, repeti a dose [...]. É claro que não existia envelope nenhum [...] era apenas um desafio para eles, porque lidar com o sucesso não é nada fácil.19
A estratégia de Ferguson foi certeira. Além do Manchester United ganhar de novo o título da liga no ano seguinte, até 2010, dezessete anos depois, o time abocanhou um total de 22 troféus importantes sob a sua orientação. O êxito subiu realmente à cabeça dos jogadores — mas de uma forma instrutiva. Eles ficaram querendo mais. E por quê? Porque Ferguson usou um tipo virulento de persuasão que jogou todos eles lá embaixo. E esse tipo virulento de persuasão ativou aquela necessidade antiga e inata de fazer parte de um grupo. E tudo não passou de simples enganação. Um policial amigo meu usa uma estratégia similar em seu trabalho com crianças problemáticas. Richard Newman, que trabalha meio período na Equipe de Jovens Delinquentes de Cambridge, observa que os adolescentes são particularmente suscetíveis à pressão dos pares e que a frase “Você está criando a maior encrenca para todo mundo” costuma dar certo onde argumentos e coerção fracassam. Para exemplificar, ele lembra um incidente que aconteceu há vários anos num grupo que saiu para uma excursão ao zoológico. Eram quinze crianças numa van e uma delas, um menino difícil pra burro, não quis pôr o cinto de segurança. — Gavin — disse eu —, ponha o cinto de segurança. Agora!
Ele fingiu não ter ouvido. Parei o veículo no acostamento e disse-lhe que queria dar uma palavrinha com ele lá fora. — Vai em frente — disse ele depois de sairmos —, pode bater! E eu respondi: — Gavin, eu não vou bater em você. Mas quero lhe dizer uma coisa. Não vamos a parte alguma enquanto você não puser o cinto de segurança. E depois apontei para dentro da van. — Bom, catorze colegas seus que estão lá dentro querem ir ao zoológico — disse eu. — Quanto mais tempo ficarmos aqui conversando, tanto menos tempo vamos ter quando chegarmos lá. Portanto, que tal você pôr o cinto e a gente se mandar? O resultado foi praticamente instantâneo. Ele pensou no assunto uns cinco segundos mais ou menos, e depois entrou na van. Depois daquilo, virou um santo.
Morrer de vontade de fazer parte de um grupo A sabedoria da estratégia de Newman não surpreendeu muito os seus colegas encarregados de manter a ordem pública. Certo, nem todos os adolescentes são tão fáceis de levar como outros. E aqueles que não são, como mostra um estudo recente, têm de fato sutis diferenças neuroanatômicas: atividade menor, quando expostos a estímulos relevantes socialmente, nas áreas do cérebro associadas à preparação motora, ao planejamento e controle da atenção (o córtex pré-motor dorsal direito e o córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo), e maior conectividade funcional entre essas regiões e áreas do córtex temporal associadas à observação e processamento da ação.20 Mas alguém poderia dizer, junto com incontável número de pais, que essa tendência é bem difícil de ignorar. A síndrome do homem jovem é um tipo de comportamento bem conhecido tanto dos psicólogos forenses quanto dos policiais investigativos.21 O subgrupo da população com mais probabilidade de matar ou ser morto compreende homens cuja idade varia entre 13 e 25 anos. O que, como sabemos, também é o período de maior competição por pares sexuais. Para observadores casuais do mundo inteiro, muitas vezes parece inconcebível que o assassinato e ferimentos graves estejam inextricavelmente ligados a disputas evidentemente triviais. Mas não devíamos ficar muito surpresos com isso. Há leis territoriais em ação aqui, que vão das florestas e savanas de nosso passado até as mesas de sinuca e pistas de danças de bares do centro deteriorado das cidades grandes: um sussurro primordial, uma sugestão fantasmagórica de que o importante não é tanto como a gente se vê,
e sim como os outros nos veem. E, quando a gente pensa no assunto, faz todo o sentido. Um sábado à noite no centro de Londres ou de Nova York não é, na verdade, tão diferente assim de uma noite na savana da África Oriental primitiva. Mais filas, eu acho, mas essencialmente a mesma dinâmica. Na verdade, os homens que estão por volta dos 25 anos têm seis vezes mais probabilidade que as mulheres de serem vítimas de homicídio. Além disso — e aqui está a chave —, a maioria desses homicídios são cometidos na presença de terceiros. Na rua. Num bar. Num clube. São, por assim dizer, propaganda. Mas propaganda de que exatamente? Há alguns anos, entrevistei um criminoso sexual que estuprara uma mulher ameaçando-a com uma faca. Dois de seus amigos fizeram o mesmo. — Por que fez isso? — perguntei-lhe. — É como comprar bebida num bar — respondeu — Você adquire senso de identidade. De camaradagem. De fazer parte de um grupo. Esse ponto de vista tem ecos na literatura. Embora ninguém negue — e vemos isso com muita frequência — a ligação insidiosa entre identidade de grupo e violência, a polaridade dessa dinâmica também pode ser vista numa situação inversa. O comportamento violento também pode facilitar a coesão do grupo. “Uma das dinâmicas exclusivas do estupro em grupo”, escreve o psicólogo clínico Nicholas Groth, “é a experiência de conexão, de camaradagem e cooperação entre os cúmplices. Parece [que o criminoso] usa a vítima como veículo de interação com outros homens [...] comportando-se [...] de acordo com o que ele sente que esperam dele [...] validando-se e participando de uma atividade grupal”.22 Um fenômeno similar também pode ser encontrado na comunidade gay.23 “Foda suicida” (nas palavras de um homem com quem conversei) refere-se à prática de fazer sexo para pegar o vírus HIV. O sujeito consegue isso por meio de uma penetração sistemática e combinada de antemão com uma série de parceiros HIV positivos. Um atrás do outro. E depois fecham o reto para impedir o sêmen de sair. Nesse mundo, isso é chamado de “carimbo”. Num bar de São Francisco, perguntei a um cara por que fez isso. Ele não hesitou em me explicar. — Você se sente, não sei, mais parte das coisas — respondeu ele. — Como se você fizesse parte de um grupo mais intensamente. Um amigo — jovem, lindo e também HIV positivo — aparece e se junta a nós. Fiz a ele a mesma pergunta. Ele sorri.
— É um símbolo de envolvimento, de compromisso — diz ele. — De solidariedade. É transformar um negativo num positivo. É como fazer uma tatuagem, só que dentro. É como uma tatuagem imunológica.
Resumo Neste capítulo, continuei nossa viagem pelos estímulos-chave da influência cruzando a fronteira da consciência. Entramos no espaço aéreo da percepção e da cognição social e descobrimos que a sofisticação neural não elimina nenhum tipo daqueles conjuntos de respostas rápidas, instintivas, que vemos nos animais. A consciência pode ser muito conveniente, mas é lenta: lenta demais, às vezes, para a vida ficar esperando. De modo que, para transpor o fosso, o cérebro emprega a heurística — regras práticas que dependem de experiência passada; de associações aprendidas entre estímulos encontrados antes. Se a consciência tivesse rodas, seriam dezoito. E seria um veículo tão grande que você teria de pedir permissão para estacioná-lo com bastante antecedência. Não é exatamente o ideal para atravessar a cidade a mil por hora. Aceitando o conselho de um vigarista psicopata genial (e por que não?), examinamos aqui três áreas do processo cognitivo: atenção, abordagem e associação. Em cada uma dessas áreas, vimos como o cérebro pode ser neutralizado tão depressa quanto qualquer tipo de ação fixa que encontramos no reino animal. Descobrimos, usando algumas técnicas simples de influência, como canalizar a impulsividade do cérebro em benefício próprio. E como, nas mãos de um gênio da persuasão, essas mesmas técnicas muitas vezes nos custam caro. No próximo capítulo, ampliamos o foco do holofote da pesquisa. Depois de nos familiarizarmos com a magia negra da influência social, agora vamos considerar a magia branca e ver como arrombadores psíquicos como os advogados, os publicitários, os vendedores e os líderes religiosos — aqueles que trabalham a nosso favor, e não contra nós — decifram nossos códigos mentais e neurológicos. É mais fácil do que você pensa. O sistema de segurança do cérebro não é exatamente perfeito — e, se você sabe o que está fazendo, pode entrar e sair em questão de segundos.
Teste de memória Você tem dez segundos para olhar para as palavras abaixo. Depois que esses dez segundos passarem, vá à página 138 e responda à pergunta que está lá embaixo. Depois volte e continue lendo para ver como se saiu na empreitada... AZEDO BALA AÇÚCAR AMARGO BOM GOSTO MEL REFRIGERANTE DENTE BONITO ERVILHA CHOCOLATE BOLO AMOR PICANTE TORTA Muito bem. Quantos de vocês responderam BUMERANGUE? Vamos lá, seja honesto! Se respondeu bumerangue, está em maioria. Mas dê outra olhada e vai descobrir que a palavra DOCE também não estava lá! O lance funciona da seguinte maneira: o cérebro gosta de impor ordem ao mundo. De tornar as coisas agradáveis e fáceis. Quando há lacunas, ele gosta de preenchê-las; a gente tem uma espécie de palpite, uma espécie de sensação visceral a respeito das coisas. Leia a lista outra vez. O que você notou agora? Certo, todas as palavras que aparecem nela estão ligadas de alguma forma à palavra DOCE. Seja semanticamente (como CHOCOLATE), seja linguisticamente (AMOR). O que leva você a pensar que essa palavra estava aqui quando, na verdade, não estava. Seu cérebro fez uma aposta e acabou pagando o preço. Felizmente, dessa vez, ele não foi muito alto.
Entre as quatro palavras apresentadas a seguir, qual NÃO aparece na lista? AÇÚCAR, GOSTO, DOCE, BUMERANGUE?
Notas Segundo Alexander Schauss, do Instituto Americano de Pesquisa Biossocial, o marrom-escuro ou o cinza neutro no piso é melhor, e a quantidade ótima de iluminação — “que oferece uma forma mais moderada de penumbra com uma distorção produzida pela cor chegando ao auge na faixa vermelholaranja” — é de aproximadamente 100 watts. Quanto à ciência que corrobora essa informação, hoje em dia ela gira em torno de especulações — com a pesquisa focalizando as alterações metabólicas de neurotransmissores como a serotonina e norepinefrina, ou em hormônios que estimulam o hipotálamo (a parte do cérebro que supervisiona o controle da emoção). Parece que o rosa é o Prozac da natureza. a
Nome comercial da droga batizada de Flunitrazepam, sedativo usado no tratamento de curto prazo da insônia e como pré-medicação em procedimentos cirúrgicos. [N. da T.] b
Na física, uma teoria segundo a qual as unidades básicas da matéria não são pontos, e sim cordas — linhas ou círculos extremamente pequenos. [N. da T.] c
No Apêndice 1 (p. 341, você pode testar essa hipótese por si mesmo distribuindo conjuntos simples de traços de personalidade — e uma tarefa subsequente de formação de impressões — a seus amigos. Você vai ficar pasmo com o que algo tão ostensivamente simples como o tipo de casa em que você mora fala de você aos outros! d
Exatamente como Sloan e suas camisas cor-de-rosa, Khan marcou um tento aqui. Em seu livro The Right Touch: Understanding and Using the Language of Physical Contact (Hampton Press, 1994), Stanley E. Jones descreve um experimento realizado numa instituição de saúde pública. Ali, escreve o seguinte: “O grupo estudado foi [de internos] de uma clínica de desintoxicação, um lugar que trata de alcoolismo. Este era um cenário ideal para estudar status, papéis de gênero e toque... [As] descobertas revelaram duas tendências claras. Em primeiro lugar, as mulheres em geral iniciavam mais toques nos homens do que o contrário. Em segundo, tocar tendia a seguir uma linha ascendente, e não descendente, na hierarquia (ênfase do autor). e
Um estudo recente feito por Vasily Klucharev, do Instituto Donders de Estudos do Cérebro, da Cognição e do Comportamento, da Universidade Radbound, Holanda, revelou um possível correlato neurológico da conformidade. Numa tarefa de avaliação do grau de atração exercido por um rosto, Klucharev e seus colaboradores descobriram que o conflito individual com a opinião do grupo desencadeia um aumento de atividade tanto da seção rostral do córtex cingulado anterior quanto do striatrum ventral: áreas do cérebro implicadas na detecção de erros e na tomada de decisões em circunstâncias inusitadas (Ver Klucharev, Vasily et al. “Reinforcement Learning Signal Predicts Social Conformity” Neuron 61(1), (2009): 140-151). f
4 Os grandes mestres da persuasão
Certa manhã, ao chegar a seu escritório, um advogado descobre um pacote-surpresa à sua espera sobre a mesa. Depois de retirar a embalagem, encontra uma caixa dos melhores charutos de Havana: um presente de um de seus clientes por um desempenho particularmente brilhante. Dada a raridade dos charutos, e de seu valor nada insignificante, o advogado resolve pô-los no seguro. Por US$ 25 mil. Nos meses seguintes, ele começa então a fumar os charutos um por um (há uma dúzia deles), até que, uma noite, enquanto solta uma baforada satisfeita no último, ele tem uma ideia. Não tinha ele posto a mercadoria no seguro exatamente como precaução contra o destino que agora se abatia sobre eles? De serem destruídos, veja bem, pelo fogo? Arriscando o pescoço, o advogado entra na justiça contra a companhia de seguros. E esta, o que talvez não seja de surpreender, contesta a ação. O caso vai para os tribunais e o advogado — dá para acreditar? — sai vitorioso. Mesmo que a ação pareça ridícula, observa o juiz, não há nada nos detalhes do acordo que impeça o pagamento dos danos materiais sofridos. De modo que ele assina um parecer judicial em favor do queixoso. E o advogado embolsa cerca de US$ 25 mil. Belo trabalho, se você tiver condições de fazê-lo. No decorrer de várias semanas, a questão logo é esquecida. Ou assim parece. E então, certa manhã, tudo muda de figura. Um envelope é posto na caixa de correspondência do escritório do advogado. É da companhia de seguros. Ela está processando o advogado por incêndio criminoso — em 12 pontos — e foi fixada uma data para a audiência. Dessa vez, claro está, a situação inverteu-se. Observando que seria ilegal o advogado agora contradizer o argumento que havia assegurado sua vitória no processo anterior, o juiz, dessa vez, dá ganho de causa à companhia de seguros, condenando o advogado a pagar uma indenização por danos materiais + custas. O que totalizou US$ 40 mil. Um caso sobre o qual poderíamos dizer que onde há fumaça, há fogo.
“A propaganda pode ser definida como a ciência de prender a inteligência humana pelo tempo necessário para lhe arrancar dinheiro.” — Stephen Butler Leacock, The Garden of Folly
(1924)
A arte de contar uma boa história O que faz um bom advogado? Quer dizer, um advogado bom mesmo? Qual é a diferença entre o cara que é brilhante numa sala de tribunal e o cara que é só competente? O que é que sua boa estrela lhe deu que o resto não tem? Quando comecei a pensar nessas questões, não tinha a menor ideia da resposta. Mas conhecia um homem que tinha. Michael Mansfield é um dos maiores advogados do mundo. Durante seus quarenta anos de profissão, criou fama de vencer processos que nenhum outro advogado assumiria. Consumido pelo horror à hipocrisia e à injustiça, o currículo de Mansfield parece um resumo da história social britânica de nossos dias. O Inquérito do Domingo Sangrento, o desastre Marchioness, Os Seis de Birmingham, Stephen Lawrence, Dodi Fayed e a Princesa do País de Gales, e o caso mais recente, o fuzilamento de Jean Charles de Menezes. Eu o conheci em seu escritório no centro financeiro de Londres. É um cara elegante de 67 anos e ombros largos, cabelos penteados para trás e olhos azuis grandes e penetrantes. Está usando um terno de risca de giz e uma camisa de algodão xadrez aberta, sem gravata. A camisa é rosa e os cabelos, prata. Keith Barrett, penso eu. Só que, dessa vez, do lado certo da lei. Pergunto-lhe o que faz um advogado excepcional. — Ganhar ou perder um processo não depende só da força dos fatos — ronrona ele —, e sim das impressões. A gente consegue muita coisa por meio do poder da sugestão. O advogado experiente conta uma história na sala do tribunal e, como num passe de mágica, faz os jurados entrarem numa viagem narrativa. A primeira coisa que é ativada nos membros de um júri ao se sentarem numa sala de tribunal é um instinto visceral. Eles tomam decisões com o coração. Portanto, o lance é apresentar a evidência de tal maneira que ela corrobore aquele instinto visceral do início da sessão. Na vida cotidiana é a mesmíssima coisa. É muito mais fácil convencer alguém de que está certo o tempo todo a convencê-lo do contrário — de que está errado o tempo todo! Bons advogados são também bons psicólogos. Não se trata apenas de apresentar provas. Crucial mesmo é como você as apresenta.
A importância de uma narrativa coerente é um dos princípios fundamentais de qualquer tipo de persuasão. Não só numa sala de tribunal, mas também na sala de reuniões da diretoria, numa campanha eleitoral ou simplesmente na vida cotidiana. Frank Luntz é um autor de livros que também trabalha com pesquisa de opinião, além de ser um especialista em persuasão política. No começo de sua carreira, Luntz trabalhou para o candidato independente Ross Perot durante sua primeira campanha presidencial — quando Perot estava no auge do seu poder e no zênite de sua popularidade. Certa vez, recorda Luntz, em Detroit, ele organizou um grupo focal para aferir o interesse despertado por vários anúncios televisivos de Perot. Eram três ao todo: uma biografia, um discurso de Perot e depoimentos de outras pessoas. Quando Luntz apresentou os anúncios nessa ordem — biografia, discurso e depoimentos — descobriu que o grau de popularidade de Perot no grupo refletia precisamente as pesquisas de opinião feitas lá fora, entre o público geral. Nenhuma surpresa aqui. Mas quando, por engano, ele apresentou os anúncios na ordem “errada” — depoimentos, discurso, biografia — aconteceu uma coisa muito estranha. De repente, os membros do grupo focal não gostaram mais tanto assim de Perot. Divorciado de sua história pessoal, as opiniões pareceram exageradas, extremas. O que, segundo Luntz, prova simplesmente que “a ordem em que você apresenta as informações determina o que as pessoas vão pensar”.1 Roz, uma amiga minha, dá um exemplo maravilhoso desse “efeito da ordem” da persuasão. Molly, a mãe de Roz, tem 85 anos e é ferozmente independente. Desde que a conheço, Molly resiste à ideia de ter até mesmo um mínimo de ajuda em casa — apesar do fato de agora ela ter dificuldade para se vestir e a memória já não ser mais o que era. Pobre Roz. Inúmeras vezes ela pediu à mãe para ceder aos ditames da razão. Para ao menos considerar a possibilidade de ajuda, acrescentando: “Vai fazer uma grande diferença na sua vida — como fez na vida da sra. McIntyre, que mora ali pertinho.” Mas seus esforços foram em vão. E então, certo dia, exatamente como Frank Luntz, ela pôs a fita para tocar na ordem “errada”. Primeiro ela disse que Kay [McIntyre], que morava ali pertinho, parecia muito mais feliz depois que passou a receber cuidados profissionais de saúde
em casa. Depois ela sugeriu à mãe a possibilidade de ela também ter esse tipo de assistência. O novo roteiro deu certo. Molly aceitou a ideia. — Foi como se alguém a tivesse tocado com uma varinha mágica — lembra Roz. — Antes ela resistia à ideia com unhas e dentes e, de repente, do nada, ela disse: “Hummm. Bom, acho que a gente pode tentar. Acho que preciso de um pouquinho de ajuda de manhã. E, se deu certo com a Kay, mal não vai me fazer.” Kay foi a camada de tinta que serviu de base para o verniz da influência. O quanto exatamente somos impressionáveis, a facilidade com que podemos ser enganados por uma boa história são coisas que podemos ver no exemplo apresentado a seguir. E lembre-se de que, na sala dos tribunais, esses julgamentos são decisivos. O que quero que você faça é ler a história abaixo e depois responder à pergunta feita logo em seguida: John está dirigindo a 60 quilômetros por hora numa zona onde a velocidade máxima é de 40 quilômetros por hora e bate em outro carro num cruzamento. O ponto do impacto é no lado do motorista. O motorista do outro carro sofre ferimentos múltiplos, entre os quais lacerações, uma clavícula quebrada e um punho fraturado. O próprio John sai ileso. John ultrapassou o limite de velocidade porque estava com pressa de chegar em casa para esconder um presente de aniversário para os pais que havia deixado inadvertidamente em cima da mesa da cozinha. O acidente foi agravado pelo fato de ele ter derrapado numa poça de óleo ao se aproximar do cruzamento.
Pergunta: Numa escala de 1 a 10, onde 1 = nenhuma culpa e 10 = inteiramente culpado, em que medida você acha que John foi responsável por causar o acidente? Indique sua resposta com um círculo em volta dos números abaixo:
Agora apresente a situação a seguir a um amigo e peça-lhe para fazer um julgamento similar:
John está dirigindo a 60 quilômetros por hora numa zona onde a velocidade máxima é de 40 quilômetros por hora e bate em outro carro num cruzamento. O ponto do impacto é no lado do motorista. O motorista do outro carro sofre ferimentos múltiplos, entre os quais lacerações, uma clavícula quebrada e um punho fraturado. O próprio John sai ileso. John ultrapassou o limite de velocidade porque estava com pressa de chegar em casa para esconder dos pais um pacotinho de cocaína que havia deixado inadvertidamente em cima da mesa da cozinha. O acidente foi agravado pelo fato de ele ter derrapado numa poça de óleo ao se aproximar do cruzamento.
Bom, eu poderia jurar que você e seu amigo discordariam um pouco a respeito dessa segunda situação. E também seria capaz de apostar que seu amigo teve um julgamento mais severo do acidente de John do que você. Mas pare um minutinho para pensar. Por quê? Por que John seria mais culpado quando está indo para casa por conta da cocaína? Seja o que for que John tenha deixado inadvertidamente em cima da mesa da cozinha, ele ainda estava a 60 por hora numa zona de 40, não estava? A essa altura, você pode achar que foi enganado. Não foi. Essas duas situações exatamente foram apresentadas a um grupo de estudantes universitários como parte de um experimento realizado na Universidade de Ohio pelo psicólogo Mark Alicke.2 Quer saber de uma coisa? Suas respostas foram exatamente iguais à sua e a de seu amigo. Quando John estava a caminho de casa para esconder o presente de aniversário, a causa do acidente foi dividida meio a meio entre “a culpa foi de John” e “a culpa foi da situação” (isto é, da poça de óleo). Mas, quando ele estava a caminho de casa para esconder sua droga, a história foi completamente diferente. A culpa era toda dele. De alguma forma, as intenções prévias de John fizeram dele um indivíduo muitíssimo mais “culpado”. E, quanto mais culpado a gente considera alguém, tanto mais atribuímos uma causa interna, uma “propensão” para o mal quando seus atos têm consequências perniciosas.
Quem vê cara não vê coração Um homem está dando os últimos retoques nos preparativos de seu casamento. Está tudo muito bem, exceto por uma coisinha: o fato da irmã caçula da noiva ser lindíssima. Uma tarde, uma semana antes do casamento, ele se vê sozinho com ela na casa. Ela se aproxima dele furtivamente e sugere
que subam para o seu quarto — antes de ele finalmente assentar a cabeça e dar início à vida abençoada de homem casado. O homem começa a entrar em pânico. Depois de examinar suas opções, ele sai correndo da casa — e lá, no jardim, descobre o resto da família da moça à sua espera. Assim que ele aparece, todos o aplaudem calorosamente. — Parabéns — diz o futuro sogro. — Você passou na prova. Mostrou que é um homem honrado, um homem de palavra, e vou sentir muito prazer em lhe dar a mão da minha filha em casamento. A noiva mal pode acreditar em tudo aquilo e solta um grande suspiro de alívio. A futura esposa planta-lhe um sonoro beijo no rosto. Moral da história? Sempre deixe a camisinha no carro. Na psicologia social, o tipo de erro que você provavelmente cometeu — o tipo de armadilha em que todos caímos antes com John, sua droga e seu presente de aniversário — sustenta nada menos que uma empresa familiar de pesquisa que investiga a maneira pela qual o nosso cérebro nos prega peças. A forma pela qual, em pouco mais de um instante, o computador mais complexo do mundo pode se transformar, sem que os olhos percebam, na mais complexa almofada de pum do planeta. Essa flatulência cognitiva — a tendência irresistível, ao avaliar o comportamento individual, de dar precedência aos fatores internos, às disposições inatas, em detrimento dos elementos externos, situacionais (principalmente quando esse comportamento é o nosso e acontece de ser bom, ou quando é de outra pessoa, e acontece de ser mau) — tem um nome na psicologia: erro fundamental de atribuição. E com bons motivos. É algo, como sugere o nome, fundamental. O quanto é fundamental é revelado por um estudo feito por Lee Ross, professor de psicologia social da Universidade Stanford.3 Pares de estudantes universitários tiraram a sorte antes para determinar quem seria o participante de uma simulação de programa de teste de conhecimentos gerais que faz as perguntas e quem seria o participante que tentaria dar as respostas certas. Depois, cada um dos que fariam as perguntas teve 15 minutos para gerar uma série de questões “de conhecimentos gerais universais”. Mas havia uma pegadinha. Essas perguntas tinham de ser boladas de tal maneira que provavelmente só seus próprios criadores conheciam as respostas. Como seria de se esperar, depois que as perguntas e respostas começaram, a maioria dos participantes que procuravam dar as respostas certas foram eliminados. Beleza. Só que o objetivo do estudo não era esse. O objetivo era, no final do programa, pedir a todos os envolvidos — os que fizeram as perguntas, os que
tentaram dar as respostas, mais os observadores que não tinham participado realmente da brincadeira, só olhado — que avaliassem o grau de conhecimentos gerais de cada um dos presentes. Os resultados são mostrados na Figura 4.1. Figura 4.1 Os atos falam mais alto que as palavras — mesmo quando são de mentirinha.
Como se pode ver, os estudantes que fizeram as perguntas — ou fingiram modéstia, ou reconheceram as restrições da situação — classificaram-se só um pouquinho acima dos que responderam as questões. O que pode corresponder à verdade, ou não. Mas, quanto aos que responderam as perguntas e os observadores — bem, essa foi uma história completamente diferente. Basta examinar as disparidades das seções do meio e da direita do gráfico em relação à base de conhecimentos dos estudantes que fizeram as perguntas e de suas “vítimas”.
Mesmo que os estudantes que responderam as perguntas tenham ouvido inadvertidamente as instruções do pesquisador no sentido de as perguntas serem retiradas de um patrimônio idiossincrático de conhecimento exclusivo dos estudantes que fizeram as perguntas... e mesmo que se lembrassem claramente de haver tirado a sorte para decidir quem faria as perguntas e quem as responderia, de modo que, num universo paralelo, os papéis pudessem inverter-se facilmente... mesmo que esta tenha sido uma experiência em primeira mão — e eles tivessem plena consciência das pouquíssimas chances que a situação lhes oferecia... ainda assim mostraram uma desconsideração flagrante pelo impacto que essas chances diminutas tiveram no desenrolar dos acontecimentos. Os estudantes que fizeram as perguntas agiram com inteligência. De modo que a inferência correspondente tinha de ser que ele/ela era inteligente. Na verdade, os observadores consideraram os estudantes que fizeram as perguntas mais instruídos do que 80% de todos os estudantes da universidade! O erro fundamental de atribuição oferece um exemplo espetacular daquilo a que Michael Mansfield estava se referindo quando falava a respeito de impressões e do poder da narrativa. Considere um caso de estupro, por exemplo. Na sala do tribunal, o estupro constitui muitas vezes uma prova dificílima de jiu-jítsu de persuasão em que advogados defendendo causas opostas se digladiam para conquistar não tanto a cabeça dos jurados, e sim o seu coração. Vamos examinar cada um dos lados por vez, começando com a argumentação do promotor. O promotor sabe que, seja qual for o comportamento, a atribuição de uma propensão (responsabilidade pessoal) suplanta a situação (influências externas) quando a atenção se concentra no sujeito daquele comportamento. Foi isso o que aconteceu na brincadeira que imitava um programa que testa conhecimentos gerais. Ser inteligente (a propensão de um estudante que fez as perguntas, ou sujeito) falou mais forte do que o protocolo experimental (a situação na qual o sujeito estava agindo), e isso aconteceu de forma bem espontânea. Simplesmente não temos como evitar uma coisa dessas. Temos uma poderosa tendência inata que nos predispõe a pensar de uma certa maneira, qual seja, que fazemos as coisas que fazemos porque somos o tipo de pessoa que faz essas coisas! É uma regra prática evolutiva. Um artifício que poupa tempo inculcado em nosso cérebro durante milhões e milhões de anos pela seleção natural. Se, para cada comportamento em particular, não
tivéssemos outra alternativa além de uma longa investigação de todos os possíveis fatores que contribuem para ele, até onde você acha que a gente iria? Exatamente. É por isso que preferimos começar com a pessoa. O promotor experiente tem plena consciência desse princípio. Ele tem, exatamente como disse Mansfield, tanto de psicólogo quanto de advogado. E então, o que ele faz? Qual é o seu plano de ataque? Bem, é o seguinte: o que o promotor vai tentar fazer é concentrar a atenção do júri exclusivamente no suposto estuprador. Manobrar os jurados até eles chegarem a uma posição em que são obrigados a se fazer a pergunta: Por que ele fez isso? Eles vão se concentrar nas relações anteriores do réu com as mulheres. (Será que ele mostrou tendências agressivas no passado?) Ou em seu estado mental no momento do incidente — talvez estivesse bêbado, ou sob a influência de drogas. Isso, combinado com uma ênfase concomitante no estupro enquanto ato violento, em contraposição a um ato erótico, conta uma “história” simples, coerente — uma história que combina muito bem com o erro fundamental de atribuição. Com a atenção concentrada exclusivamente no réu, e obrigado a explicar seus atos, só há, no tocante ao júri, uma conclusão lógica. Seus membros concluem que o réu é culpado. Mas, por outro lado, a argumentação da defesa vai tentar concentrar a atenção do júri exclusivamente no comportamento da vítima. Levá-los a fazer a si mesmos a seguinte pergunta: Por que ela foi estuprada? Os membros do júri vão se concentrar em fatores como a maneira como ela estava vestida — provocadoramente? Como ela se comportou antes do ataque — deu “bola” pra ele? E em sua história sexual anterior — promíscua? Esses elementos, combinados a uma ênfase contrária nos possíveis elementos eróticos do estupro, contam uma “história” completamente diferente — uma história que provavelmente vai engendrar a inferência oposta: ela pediu aquilo. E, caso você esteja se perguntando o que a história sexual anterior tem a ver com isso — a resposta, infelizmente, é: muita coisa. Estudos envolvendo júris simulados mostraram que o grau de culpa atribuído a um estuprador depende muitas vezes tanto de características da vítima quanto do estupro em si.4 Um estuprador é considerado menos culpado quando, por exemplo, ataca uma dançarina que está com os seios nus do que quando ataca uma freira; e quando ataca uma mulher divorciada do que quando ataca outra que é casada. Exatamente como John. E as drogas. E o presente de aniversário.
O ponto de vista Depois de muita especulação da mídia sobre a morte de Osama bin Laden, o próprio Bin Laden resolve mandar a Barack Obama uma carta de próprio punho para lhe provar que ainda está vivo. Ao abrir a carta, Obama descobre que tem o seguinte criptograma: 370HSSV-0773H. Apesar de horas de estudo cuidadoso, o presidente continua sem entender nada, de modo que digita os caracteres e os envia por e-mail para Hillary Clinton. Hillary e seus assistentes também não entendem nada e, por sua vez, mandam os caracteres para a CIA. De novo falta de sorte. E, com o tempo, a mensagem vai para a NSA [National Security Agency — órgão encarregado da segurança nacional dos Estados Unidos], para o MIT [Massachusetts Institute of Technology], para a Nasa e, por fim, para o Serviço Secreto. Mas nenhuma dessas instituições consegue decifrar a mensagem. E, em desespero, o Secret Service a encaminha para o M16 de Londres. — Essa mensagem — diz um representante do Serviço Secreto — manteve-se inescrutável para as melhores cabeças dos Estados Unidos, bem como para Hillary Clinton. Como último recurso, temos esperanças de que vocês consigam decifrar o seu significado. Cinco minutos depois, um cabograma chega à Casa Branca: “Digam ao presidente para ler a mensagem de cabeça para baixo.” Ela fica assim: HELLO-ASSHOLE — Oi, bunda-mole. A pegadinha psicológica que vemos nos processos judiciais é bem familiar aos estudiosos da influência social. Tem até um nome — enquadramento — e não se restringe às salas dos tribunais. Claro, Mansfield e seus colaboradores podem muito bem ser os melhores do ramo, mas há outros em outros setores igualmente rápidos na hora de usar essa arma. A publicidade, a política e as vendas, por exemplo, são apenas alguns exemplos de profissões em que esse artifício simples da persuasão também é empregado. E também, como acabamos de ver no caso do criptograma, temos a vida cotidiana. O psicólogo George Bizer, do Union College de Nova York,
estudou o papel do enquadramento na política.5 Mais especificamente, nas campanhas eleitorais. Será que as formas usadas pelos eleitores para expressar sua opinião, perguntou-se Bizer, têm algum impacto sobre a força de suas convicções? Para descobrir a resposta, Bizer pediu a um grupo de estudantes universitários para ler “notícias curtas” a respeito de dois candidatos fictícios (Rick, um conservador, e Chris, um liberal). Em seguida, dividiu os estudantes em dois grupos. Um grupo deveria escolher entre as frases “Eu apoio Rick” e “Eu me oponho a Rick.” O outro tinha de fazer uma opção equivalente em relação a Chris. Depois disso, cada grupo também expressou sua preferência por ambos os candidatos numa escala que ia de “apoio incondicional” a “oposição incondicional”. E aí vinha o x da questão. Depois de manifestar seu grau de apoio a Rick e a Chris, cada grupo leu uma notícia que depreciava evidentemente o seu candidato. Depois disso, suas preferências foram avaliadas de novo. Será que a maneira pela qual os participantes definiram — enquadraram — inicialmente as suas preferências pelos dois candidatos teria alguma relação com o quanto sua opinião mudou durante essa segunda fase das eleições? A resposta, conforme se viu, foi sim. Em geral, os estudantes que conceituaram sua preferência por um candidato em termos de oposição ao outro candidato (“Eu me oponho a Rick”, em vez de “Eu apoio Chris”) mostraram uma resistência maior a mudar de opinião (isto é, manifestaram uma tendência maior de apoiar Chris quando ele foi atacado) do que aqueles cuja preferência foi definida — enquadrada — em termos positivos. — Uma simples mudança de enquadramento, que leva as pessoas a julgar suas avaliações em termos de alguém a quem se opõem, em vez de alguém que apoiam — diz Bizer —, leva a opiniões mais fortes, mais resistentes. O enquadramento, é claro, não diz respeito somente a emoções. É, basicamente, como diria Keith Barrett, um vírus de atenção. Para dispor de um exemplo, faça a um amigo a seguinte pergunta: — Quantos litros de óleo diesel são necessários para encher o tanque de um avião a jato tamanho jumbo? Mais ou menos de 500? Depois faça exatamente a mesma pergunta a outro amigo; mas, dessa vez, com uma pequena alteração:
— Quantos litros de óleo diesel são necessários para encher o tanque de um avião a jato tamanho jumbo? Mais ou menos de 500 mil? Depois peça a ambos, em separado, para lhe fazer uma estimativa concreta de quantos litros de diesel são realmente necessários para encher o tanque de um jato jumbo (na verdade, cerca de 220 mil). É provável que você note uma coisa bem interessante nas respostas. O amigo ao qual você fez a segunda pergunta (mais ou menos de 500 mil) vai fazer uma estimativa mais alta do que o amigo ao qual você fez a primeira (mais ou menos de 500). A razão disso tem a ver com algo chamado ancoramento. O que acontece é o seguinte: ambos os amigos usam, bem literalmente, o número que você lhes pôs na cabeça (500 x 500 mil) como referência — pontos de ancoramento — sobre a qual basear suas estimativas. Esses números nem precisam ser relevantes para a questão em pauta (no exemplo do jato jumbo, tanto faria termos dito um litro quanto um milhão de litros). Só é preciso que eles estejam ali. Eles persuadem com sua simples presença. Em 2006, uma equipe de psicólogos alemães, Birte Englich, Fritz Strack e Thomas Mussweiler, fez uma demonstração clássica do poder do ancoramento — e o engraçado é que foi no ramo do direito.6 A equipe reuniu um grupo de juízes tarimbados e pediu a todos eles para ler o resumo de um processo. O processo em questão dizia respeito a um homem condenado por estupro. Depois de se familiarizarem com os detalhes, os juízes foram divididos em dois grupos. Um grupo devia imaginar o seguinte: que, enquanto o júri estava deliberando, seus membros receberam um telefonema de um jornalista. Esse jornalista fez a seguinte pergunta: a sentença seria superior ou inferior a três anos? Uma situação diferente foi apresentada ao outro grupo: também foi dito a seus membros que receberiam um telefonema de um jornalista — só que, nesse caso, o jornalista perguntaria se a sentença seria superior ou inferior a um ano. Será que essa simples diferença de número — três x um — teria algum efeito sobre o número real de anos da sentença definida pelos juízes? Com toda certeza. Exatamente como previra a hipótese do ancoramento, a duração média da sentença definida pelos juízes do primeiro grupo foi de 33 meses. Do segundo, foi de 25.
A manha do detalhe
O lugar mais óbvio para se procurar o ancoramento é, claro está, no setor publicitário. Todos nós já pechinchamos na hora de comprar uma coisa ou outra — e começamos com uma quantia que sabemos que vamos ter de aumentar. Mas o que não é tão óbvio é a facilidade com que algumas das estratégias mais sofisticadas da persuasão — métodos dos quais a gente nem se dá conta — ludibriam nosso cérebro e abrem a nossa carteira. Considere a definição de preços, por exemplo. Já se perguntou por que seu xampu favorito custa £9,95 e não £10? Há pouco tempo, Chris Janiszewski e Dan Uy, da Universidade da Flórida, fizeram-se exatamente essa pergunta — e chegaram a uma conclusão surpreendente.7 Em vez de “nove libras simplesmente parecer um preço menor que dez” (que é o motivo apresentado pela maioria das pessoas quando essa questão lhes é apresentada), a resposta é um pouco mais complicada. Janiszewski e Uy realizaram uma série de experimentos nos quais várias situações hipotéticas de compra e venda foram apresentadas aos voluntários. Em cada uma delas, os voluntários imaginaram que estavam comprando um produto (como um aparelho de TV com monitor de plasma de alta definição) a um determinado preço de varejo. Depois lhes foi pedido para fazer uma estimativa do preço que o vendedor paga no atacado. Os “consumidores” foram divididos em três grupos. A um grupo de compradores foi dito que o preço de custo do aparelho de TV era de US$ 5 mil; a um segundo grupo, que era de US$ 4.988; e, ao terceiro, que era de US$ 5.012. Será que esses diversos pontos de ancoramento — insignificantes em relação ao preço real — teriam algum impacto sobre as estimativas que os participantes fariam quanto ao preço de custo do aparelho? Tiveram, sim, por incrível que pareça. Os compradores aos quais se disse que o preço era de US$ 5 mil fizeram uma estimativa consideravelmente menor do preço de custo do aparelho do que aqueles que tiveram de julgar a partir de quantias menos precisas. Além disso, aqueles que receberam um número redondo como referência — US$ 5 mil — mostraram uma propensão muito maior de estimar o preço de custo em números igualmente redondos do que os que partiram dos outros números. E por quê? Para explicar os resultados, Janiszewski e Uy especularam o que o cérebro estaria fazendo ao realizar esses cálculos — a anatomia exata do procedimento de comparação. Ou, mais especificamente, suas unidades de
mensuração. Será que essas unidades de mensuração variam e essa variação depende de certas características do preço inicial? Digamos, por exemplo, que entramos numa loja e vemos um rádio relógio no mostruário por £30. Ao ver o rádio, podemos muito bem dizer a nós mesmos: na verdade, esse rádio vale só £28 ou £29. Números inteiros. Por outro lado, se o preço for de £29,95, ainda podemos achar que ele vale menos que o preço pedido — mas o quadro de referências que usamos para avaliar a disparidade é outro. Nesse segundo caso, os intervalos são menores. Em vez de pensar em números inteiros, redondos, pensamos, ao contrário, em trocados. Talvez a gente ache que £29,75 ou £29,50 sejam o “verdadeiro” preço de custo — uma diferença menor do que se estivéssemos pensando em números inteiros. O que o faz parecer uma pechincha. Para testar sua teoria, Janiszewski e Uy saíram do laboratório e foram para o mundo real. Para o condado de Alachua, na Flórida, para ser mais exato. Lá, procuraram um imóvel — e compararam o preço que estava sendo pedido pelas casas com a soma pela qual eram de fato vendidos. Exatamente como haviam previsto, os corretores que punham as casas à venda por números fracionados (US$ 596.500, por exemplo, em vez de US$ 600 mil), conseguiam frequentemente chegar mais perto do preço que pediam do que os que usavam números redondos. E isso não era tudo. Em caso de uma queda do preço de mercado, o valor daquelas casas anunciadas por quantias redondas era mais depreciado que os imóveis com “preços exatos” — os preços fracionados. Durante um breve período de só alguns meses.
A embalagem dos sonhos Nos tipos de propaganda mais viscerais, como os de comida e bebida, em geral o enquadramento e a inferência lógica separam-se completamente. Aqui, as maquinações empresariais voltadas para a distorção da realidade atingem diretamente a neurofisiologia — precipitando mudanças diminutas e inconscientes da percepção sensorial de pequena intensidade. Considere o setor de bebidas, por exemplo. A Cheskin, uma companhia de pesquisa de mercado com sede em Redwood Shores, Califórnia, fez experiências com fundos de cores diferentes de latas do refrigerante 7-Up. Algumas latas eram
mais amareladas. Outras, mais esverdeadas. Em ambos os casos, a bebida que estava lá dentro era a mesma. Se os consumidores não tivessem pirado, os chefões lá do quartel-general da 7-Up bem que poderiam ter visto o lado engraçado da coisa. Aqueles que compraram as latas amarelas disseram ter percebido um sabor desconhecido “de limonada” no refrigerante, ao passo que aqueles que compraram as latas verdes queixaram-se — você entendeu certo — de haver limão demais na bebida. — Ao concluir num piscar de olhos se o sabor de um alimento qualquer é bom ou não — diz Darryl K. Rhea, diretor-executivo da Cheskin —, não estamos reagindo só à evidência de nossas papilas gustativas e das glândulas salivares, mas também à evidência de nossos olhos, lembranças e fantasias.8 David Deal, diretor de criação do Deal Design Group de San Diego, concorda. Imagine que você vai dar uma festa. Já aconteceu com todos nós — pegar uma garrafa de vodca que nunca vimos antes por um preço de varejo de £30 quando, bem ao lado dela, está uma marca mais familiar de £10. Por quê? Será que pensamos realmente que vamos sentir uma diferença de sabor? Acho que não. Para mim, a vodca não tem gosto de nada. Será que nada — mesmo que custe £30 a garrafa — pode acabar tendo gosto de alguma coisa? Deal encontrou a resposta — e ela não tem nada a ver com o sabor. Tem a ver com sentir. No jargão da área, algo conhecido como impressão emocional da marca. — Eles estão vendendo pra você a experiência de participar de uma festa chique e tomar um martíni feito com uma vodca recém-tirada do gelo nos confins da Finlândia — explica ele. — Se você puser uma bela garrafa para servir a bebida ao consumidor, ele vai dizer que ela contribui para o sabor.9 O que explica, segundo o grupo empresarial Point-Of-Purchase Advertising International, com sede em Washington, por que até 72% de nossas decisões de compra são de impulso. Tomadas ali na hora. E por que uma simples mudança de cor, ou a escolha de uma palavra errada pode, com igual facilidade, tanto nos afastar quanto nos aproximar de uma marca. O empresário britânico Gerald Ratner, fundador da cadeia de joalherias Ratner’s do Reino Unido, ficou célebre também por ter visto seu negócio multimilionário ir pelo ralo depois de um comentário desastroso feito numa reunião do Instituto de Diretores. Ratner — chamado muito a propósito de Sultão da Bijuteria — deu a seguinte dica pela qual os objetos vendidos em suas lojas eram tão baratos.
— É por que são uma merda. E esmiuçou a questão — com astúcia, eloquência e uma desconsideração terminal pela arte da ilusão — da qualidade de alguns de seus brincos: “... mais baratos que um sanduíche merreca, mas provavelmente não vão durar tanto quanto este”. As ações da Ratner’s caíram verticalmente. Não porque um segredo sinistro e bem guardado finalmente tivesse vazado (qualquer pessoa que ainda não soubesse que relógios de ouro de 18 quilates com incrustações de diamantes custam mais de £19,99 precisaria fazer um teste de sanidade mental). Não. Não foi porque, de repente, todo mundo ficou sabendo que o estava comprando era uma merda. Foi porque, de repente, todo mundo ficou sabendo que todos os outros sabiam que o que estava comprando era uma merda.
Dar e receber Enquadramento e ancoramento são apenas duas das técnicas que podem aumentar o poder de persuasão. Há outras — como o profissional de televendas Pat Reynolds sabe perfeitamente bem. Em sua primeira semana de trabalho numa companhia de seu ramo, Pat Reynolds despejou tudo quanto lhe haviam ensinado num grande arquivo chamado “críticas” (palavras dele, não minhas) e desenvolveu o seu próprio estilo — bem original — de argumentos de venda. No decorrer dos últimos anos, esse estilo granjeou-lhe um BMW Z4 Roadster, uma licença de piloto para um avião leve (nada barata) e uma entrada substancial para um apartamento. A companhia para a qual ele trabalha é especializada em construção e reforma de imóveis. Seu segredo? Uma combinação demoníaca de fazer as pessoas rirem — ao mesmo tempo em que namora ativamente a rejeição. Eis aqui, nas palavras do próprio Pat, como o seu método funciona: As pessoas chamam o meu estilo de cold calling;a mas, quando faço meu trabalho como ele deve ser feito, só um em cada dez telefonemas é realmente frio. Começo fazendo as pessoas rirem. “Você é supersticioso?” é uma das perguntas que faço. Quando alguém liga pra você de repente, do nada, e lhe faz essa pergunta, você fica curioso, não fica? Ao menos você tem
menos probabilidade de desligar o telefone na minha cara do que se eu dissesse: “Meu nome é Joe Bloggs e estou ligando por isso e aquilo.” Essa é a primeira chave. Você tem de manter as pessoas na linha. Não dá pra vender nada para um sinal de ocupado. De modo que a maioria responde, “não, não sou supersticioso”. E aí eu digo, “Bom, você me daria £13,13?” Nove vezes em dez essa pergunta tem resposta. Em geral as pessoas riem e dizem: “Quem está falando?” É aí que entro. Mas não tento vender nada. Isso não funciona. Faço exatamente o contrário. Digo: “Olha, sei que você quer assistir EastEnders (ou Coronation Street); então é bom ligar uns 15 minutos antes desses seriados começarem, para a gente poder conversar.” Isso faz a pessoa achar que você é exatamente como ela, sempre pensando que alguém quer lhe vender alguma coisa) “e sei que provavelmente você não quer construir nem reformar nada agora, mas será que conhece alguém — um amigo, um parente, ou amigo de um amigo — que quer?” Como fiz a pessoa rir, e como ela também acha que lhe fiz um favor por não insistir em lhe vender nada, em geral ela me dá alguns nomes, ou pede para eu telefonar mais tarde, depois que ela tiver feito algumas ligações. E faço questão de lhe perguntar se não vou incomodá-las com isso. Eu digo: “Tudo bem eu telefonar de novo?” E ela diz, “Sim.” Parece trivial, mas é importante. E faz a coisa parecer um contrato. Meio que cimenta um combinado — como um aperto de mão verbal. Incrível, não? Depois de só dois ou três minutos ao telefone, a pessoa está trabalhando para mim! Talvez eu deva pensar em lhe dar um desconto. De modo que o telefonema seguinte que você dá não tem mais nada de frio. É uma referência. Um favor chama outro etc. e tal...
A rigor, Pat Reynolds faz parte do capítulo anterior. Faz mesmo? Não sei se ele é um vigarista de primeira linha ou só extraordinariamente bom no que faz. Talvez um pouco de ambas as coisas. Mas, seja como for, sua estratégia para despertar interesse pelo seu negócio traz à mente um estilo completamente diferente de enquadramento — um vírus, não de atenção, mas de abordagem. Um vírus tão endêmico no ramo das vendas quanto é, infelizmente, o seu irmão gêmeo: a chantagem emocional. Nas vendas (ao contrário do casamento), a chantagem emocional precisa ser sutil. Passar sermão, dar lição de moral, implorar e intimidar são tão úteis no showroom quanto um botão para desligar a campainha de um alarme de incêndio. O vendedor bem-sucedido, exatamente como Pat Reynolds, pisa em ovos. Pense por um momento só na maneira como Reynolds trabalha. Apesar de todas as suas bravatas e de todo o seu charme de malandro de rua, ele é um cara sério no que faz. Nem todo mundo que trabalha numa central telefônica consegue desenvolver os procedimentos que ele usa. Nem sai de uma garagem cintilante num conversível top de linha. Ele ganha um montão de dinheiro onde um montão impressionante de gente simplesmente afunda. E como? Revertendo aos princípios primordiais. A uma época em que a persuasão ainda tinha de acertar na linguagem verbal. Liberando das
profundezas da evolução humana um dos gênios mais poderosos da influência conhecidos do homem: o princípio da reciprocidade. Robert Cialdini, professor de psicologia e marketing da Universidade Estadual do Arizona, mostrou com precisão a força magnética da reciprocidade, o quanto merece um lugar de destaque no arsenal de um profissional de elite da persuasão, num estudo que (na superfície, pelo menos) examinava as diferenças individuais do altruísmo. Na verdade era realmente sobre aquiescência.10 Eis aqui como foi: em primeiro lugar, Cialdini e seus colaboradores pararam aleatoriamente pessoas que estavam passando na rua e depois as dividiram em dois grupos. Depois foi feita uma pergunta a cada grupo. Perguntaram aos membros do primeiro grupo o quanto estariam dispostos a supervisionar alguns internos de um centro de detenção de delinquentes juvenis num passeio ao zoológico que duraria um dia inteiro. Por estranho que pareça, poucos deles mostraram interesse. Só 17%. Mas, para os membros do segundo grupo, os mecanismos de influência foram sutilmente reorganizados. Primeiro foi feita a esses participantes uma pergunta bem diferente: considerariam a possibilidade de reservar duas horas por semana para trabalhar como conselheiros voluntários num centro de detenção durante os próximos anos? Dessa vez — surpresa! — absolutamente ninguém respondeu que sim. Mas aí aconteceu uma coisa assombrosa. Quando Cialdini e seus colaboradores reagiram a essas recusas com o adendo “Tudo bem, já que vocês não estão dispostos a ser conselheiros, estariam a fim de supervisionar alguns internos de um centro de detenção de delinquentes juvenis num passeio ao zoológico que duraria um dia inteiro?” — exatamente a mesma pergunta feita ao primeiro grupo —, a aquiescência ao pedido subiu para 50%. O índice de aquiescência anterior praticamente triplicou. É claro que não é preciso ser um gênio para entender o que houve aqui. O poder da reciprocidade, concluiu Cialdini, vai muito além da distribuição de presentes e favores. Também pode ser aplicado aos tipos de concessões que fazemos uns aos outros. Se você recusou meu pedido mais oneroso e eu, ostensivamente, faço uma concessão substituindo aquele pedido mais oneroso por outro mais simples, então é provável que você faça o mesmo: também vai fazer uma concessão a mim.
O que significa que, se tudo quanto eu queria o tempo todo era que você concordasse com o meu pedido mais simples, consegui o que eu queria. Certo?
Laços e tratos O uso do princípio da reciprocidade por Pat Reynolds está, de uma perspectiva científica, bem próximo da perfeição. Não se sairia melhor se fosse, como Cialdini e seus colaboradores, parte de um experimento psicológico cuidadosamente controlado. Pelo fato de não insistir em enfiar um produto ou serviço goela abaixo de seus “clientes” — mostrando simpatia por sua aversão por alguém telefonar justamente quando seu seriado favorito de TV está prestes a começar, e perguntando “com a maior consideração”, chegando mesmo a pedir desculpas, ao procurar descobrir se a pessoa conhece alguém que poderia estar interessado nos serviços de sua empresa — ela se sente na obrigação de lhe dar um nome. O que eles ignoram convenientemente (do ponto de vista de Reynolds) é que, longe de ser cavalheiro, ele é, na verdade, um pé no saco; um chef de cuisine da pesada que serve um tormento doce de duas camadas: primeiro telefonando para eles e depois, durante o intervalo dos comerciais, ou em outro momento qualquer, arrancando-os de suas poltronas para saquear suas cadernetas de endereço e extorquir-lhes contatos. E a história não termina aqui. Conforme vimos, a reciprocidade não é o único vírus de abordagem que Reynolds inocula em sua clientela. Há um outro: a coerência cognitiva. O pedido inesperado de licença para ligar outra vez mais tarde não é, como o próprio Reynolds observa, tão casual quanto parece. Longe disso. É uma manobra antiga de persuasão pura, primitiva. Uma forma de obrigar, se a permissão para ligar depois for dada, o cliente a manter a palavra — honrar o seu lado do “acordo” e fazer devidamente a propaganda do negócio de construção e reforma de Reynolds. E funciona. Rápido. Sub-repticiamente. Subcorticalmente. Na verdade, para os connoisseurs da aquiescência, a reciprocidade, combinada à coerência, é uma tramoia bem comum. Em geral, esses dois ingredientes andam de mãos dadas. Se as origens evolutivas da reciprocidade remontam à
divisão de trabalho e promovem a coesão do grupo (a caça, o transporte de objetos grandes e a construção de abrigos envolvem o trabalho coletivo), então as propriedades psicológicas da coerência e do envolvimento podem ser vistas como uma espécie de “cartão de visitas” para essa inclusão. Esses são os atributos que garantem a credibilidade. Aquele sinal enviado ao grupo de que somos tão confiáveis quanto a nossa palavra. Que grau de influência exatamente o desejo de parecer coerente pode exercer sobre o nosso comportamento, e até que ponto exatamente alguém pode se tornar persuasivo se encanar de entrar nessas frequências evolutivas antigas é algo que pode ser deduzido a partir do exemplo estonteante de persuasão subterrânea dado por Gordon Sinclair, dono de um restaurante de Chicago.11 No fim dos anos 1990, Sinclair estava tendo problemas com gente que não aparecia. É um problema que todo dono de restaurante enfrenta; aliás, um dos piores — o cliente fazia uma reserva por telefone e depois, sem nenhum aviso prévio, simplesmente não dava as caras. Do jeito que as coisas estavam na época, a quantidade de clientes que não ligavam para desmarcar a reserva e não apareciam no restaurante de Sinclair estava por volta dos 30%. Mas, de um só golpe, ele fez essa porcentagem cair para 10%. A chave do problema, como Sinclair descobriu, estava no que a sua recepcionista dizia ao telefone. Ou, mais exatamente, no que ela não dizia. Antes de sua intervenção, a recepcionista, sempre que um cliente ligava para fazer uma reserva, seguia a seguinte INSTRUÇÃO: Por favor, ligue se tiver de mudar seus planos. Mas, depois de sua intervenção, ela fez uma ligeira alteração, passando a fazer o seguinte PEDIDO simples: Por favor, SERÁ QUE você poderia ligar se tiver de mudar seus planos? E então ela fazia uma pausa e esperava o outro responder. Só essas duas palavrinhas extras, mais aquela pausa da maior importância, mudaram toda a escala do problema. Por quê? Porque a pergunta implicava uma resposta, e o silêncio — como todos os silêncios ao telefone — é um vácuo que precisa ser preenchido. Ao responder “Sim” à pergunta “Por favor, será que você poderia ligar se tiver de mudar de planos?”, os clientes estavam dando a si mesmos um ponto de referência memorável: um marco contratual com o qual marcar posição. De repente, a ação futura é iluminada por um compromisso anterior. E, depois de assumido o compromisso, o locus da responsabilidade muda sutilmente. Em vez do
cliente simplesmente deixar o restaurante numa situação delicada, agora ele enfrentava a possibilidade de também ficar numa situação delicada. A técnica de Sinclair tem um nome na literatura da influência — pé na porta, uma iniciativa ou o primeiro passo para concretizar um objetivo — que foi desvendada oficialmente nos meados de 1966 num experimento tão inusitado que os pesquisadores, Jonathan Freedman e Scott Fraser, realizaram uma façanha rara nos anais da investigação científica: surpreenderam até a si mesmos.12 O lance começou num bairro chique e rico de Palo Alto, Califórnia. Um colaborador dos pesquisadores, apresentando-se como trabalhador voluntário, começou a bater nas portas e sobressaltar os moradores com uma proposta extraordinária: construir, bem no meio do gramado da frente, um cartaz de serviço público e proporções gargantuélicas com as palavras DIRIJA COM CUIDADO. Para facilitar o processo de tomada de decisão, era apresentada aos moradores uma imagem da construção — onde ela ficaria, qual seria a aparência —, e não era boa. O cartaz era tão grande quanto a casa e ocupava a maior parte do gramado. Não surpreendeu ninguém que a maioria (73%) tenha dito aos pesquisadores, em termos bem claros, exatamente o que fazer com aquilo. O que também não foi bom. Isto é, exceto um grupo determinado: 76% do qual concordou com a instalação do cartaz. E o que havia de tão especial neste grupo em particular? Seus membros eram loucos? Receberam suborno? O que os teria induzido a aceitar tal afronta ao senso estético? A guardar seus regadores e dar adeus às suas hortênsias? Na verdade, a resposta é muito simples. Duas semanas antes da visita para falar do cartaz, outro “voluntário” também batera às suas portas. Mas, nessa ocasião, o pedido havia sido relativamente inofensivo: colocar, na janela da frente da casa dos moradores do bairro, um cartazinho quadrado de 10 centímetros com as palavras: SEJA UM MOTORISTA CUIDADOSO. Absolutamente nenhum problema. Na verdade, esse pedido havia sido tão insignificante e tão sintonizado com o sentimento dos moradores daquele bairro, que quase todos que haviam sido abordados concordaram. Mas ele se mostrou muito complicado a longo prazo. Aquele único pedido insignificante — depois de concordarem com ele e de ter sido esquecido há muito tempo — havia dado início às ondas de um tsunami assassino do compromisso assumido; havia precipitado a aquiescência a uma demanda congruente, mas muito maior, que estava à espreita logo ali: a colocação subsequente de um cartaz cem vezes maior.
De repente, vendedores de janelas de vidros duplos do mundo inteiro viram aquilo e começaram a prestar atenção. O segredo vazara — usando botas esportivas de pele de cobra e um chapéu gasto de abas bem largas. Conseguir que uma pessoa deixe alguém pôr um cartaz daquele tamanho no seu gramado, um cartaz que vai lhe custar a vida, é uma coisa que só acontece de vez em quando.
Difícil de levar No setor de vendas, uma técnica análoga à do pé na porta é aquela conhecida como pechincha enganosa.13 Tomei conhecimento desse método num emprego de vendedor de aparelhos de TV que tive quando estudante. O procedimento era o seguinte: o Cliente entra calmamente pela porta e aproxima-se do Aparelho. O Assistente — eu, provavelmente — aborda o Cliente e, depois de um breve comentário sobre o tempo, oferece-lhe um bom negócio. Esse negócio implica um desconto considerável em relação ao preço pedido por outros showrooms do bairro e o Cliente agarra aquela oportunidade ímpar. Mas o Gerente tem outra coisa em mente. Sem que o Cliente saiba, ele não tem a menor intenção de cumprir sua palavra. Nenhum de nós tem. Seja como for, não pelo preço pedido inicialmente. Este preço é um engodo, uma isca. Um lance de prestidigitação psicológica para induzir o Cliente a se decidir a fazer a compra. Mas isso aí é só o começo. Depois disso, há todo um Ritual Bizantino de Fechamento do Negócio — procedimentos criados por nenhum outro motivo além de consolidar a decisão: o preenchimento de um Contrato Complicado; uma longa conversa (tão exaustiva quanto possível) do Labiríntico Contrato Financeiro; e um generoso incentivo ao cliente — “Experimente, você vai gostar!” — de levar o aparelho de TV para casa para um período de experiência: “Só pra você ver se ele combina com a decoração, sabe esse tipo de coisa?” E ele combina, claro. Onze vezes em dez. Entende o que acontece aqui? Quanto maior o número de obstáculos que o cliente for obrigado a transpor, tanto maior se torna seu envolvimento com a causa. Um dos obstáculos favoritos de um filho da puta para quem trabalhei era descobrir quantos formulários de cadastro o cliente já havia preenchido na
loja e depois insistir, fosse qual fosse esse número, em preencher mais um: “Para aumentar a segurança, é a lei.”b Sem se deixar intimidar por mais esse estorvo — na verdade, incentivado pelos termos generosos oferecidos inicialmente —, o cliente então seria despachado para sair em busca da documentação exigida, sem desconfiar de nada, tal como na hora que entrou na loja, com o seu livre-arbítrio preso nas rodas de um contrato iminente de autorização de débito direto. Inevitavelmente, claro, alguma coisa acontecia durante o processo, alguma coisa “vinha à tona”. O preço original não incluía os impostos; Eu, ou outro membro incompetente da equipe de vendas tinha “cometido um erro” ao qual o gerente — “Desculpe, mas estou de mãos atadas” — simplesmente não podia fechar os olhos. Mas você acha que isso fazia alguma diferença? Alguém sabotar suas chances de fechar um bom negócio? De jeito nenhum. Na maioria esmagadora dos casos, o cliente ainda saía da loja com o aparelho de TV, mesmo que o preço tenha deixado de ser competitivo e, na verdade, estivesse acima daquele pedido pelas outras lojas. Cada linha pontilhada por preencher, cada formulário extra de dados cadastrais preenchido, cada aperto de mão fazia com que valesse cada vez mais a pena comprar o aparelho. No fim, a ideia de pôr as mãos naquele aparelho de TV era a única coisa que restava na cabeça do cliente. Ele não conseguia tirar aquilo da cabeça, não conseguia se “desligar” daquele negócio.
Assassinato linguístico Mary, uma samaritana carola e fofoqueira de carteirinha da igreja local, estava sempre metendo o nariz onde não era chamada. Não era muito popular entre os outros membros da igreja, mas tinha uma reputação formidável e ninguém queria encrenca com ela. Certo dia, depois de notar a picape de Bill estacionada do lado de fora de um bar, ela o acusou de alcoolismo. Na verdade, na reunião seguinte do comitê da igreja, ela deixou bem claro, para Bill e para todos os demais, que se tratava de um caso provado e comprovado: qualquer um que visse sua picape estacionada ali saberia exatamente o que ele estava fazendo lá dentro. Que outra explicação poderia haver?
Bill, um homem de poucas palavras, olhou para ela por um momento e depois foi embora. Não fez nenhuma tentativa de se explicar, nem negou que o que Mary vira fosse verdade. Não falou nada. Mais tarde, naquela mesma noite, Bill estacionou sua picape na frente da casa de Mary. E a deixou lá pela noite toda. A linguagem verbal evoluiu como uma forma auxiliar da comunicação. Mas, agora que dispomos dela, você já notou a frequência com que as coisas que não dizemos parecem ser as mais importantes? Que, nas mãos certas — ou, na verdade, nas mãos erradas — uma única palavra (às vezes menos!), pronunciada discretamente na hora e no lugar certo, faz toda a diferença? Certa vez, The West Wing, o seriado político norte-americano, apresentou um episódio no qual os democratas queriam chamar Arnold Vinick (o candidato republicano à presidência) de velho. Mas o problema é que não queriam fazer isso diretamente. Um ataque declarado e premeditado à idade avançada de Vinick, além de ser contraproducente para a campanha do candidato democrata Matt Santos, também correria o risco de não “colar”. O que fazer? A solução aparece num diálogo breve, mas hilário, entre Lou (diretor de comunicações de Santos) e Josh (o vice do seu chefe do Estado-Maior). Depois de rejeitar a ironia de considerar Vinick “vigoroso”, Lou, sem pestanejar, refere-se a ele como “ativo”. Inconvenientemente ativo para as ambições políticas de Santos. Josh aproveita a dica. — Quem é que já ouviu alguém se referir a uma pessoa com menos de 70 como “ativo”? — pergunta ele. Embora aparentemente um termo elogioso, ativo é uma daquelas palavras capciosas: o que o sentido óbvio dá, o outro lado da moeda tira. Ela diz, “um cara velho contra um cara jovem”, sem a mínima referência que seja à idade — uma cortina de fumaça perfeita para um tiro dado no pobre republicano! Palavras como “ativo” são incríveis, não são? Dizem uma coisa, mas insinuam algo completamente diferente. Josh tem razão. Embora tecnicamente um elogio, ativo é um termo que, na verdade, só se aplica aos velhos. E era exatamente isso que a campanha de Matt Santos estava querendo. Ao se referir a Arnold Vinick como um homem “ativo”, um político chama a atenção do público para a idade do oponente, ao mesmo tempo em que dá a impressão de ser imparcial: um golpe dado com as costas
da mão que está lhe dando um presente. (Foi mais ou menos o que Barack Obama fez ao se referir ao “meio século de bons serviços prestados” por John McCain durante a campanha das eleições presidenciais de 2009 à Presidência dos Estados Unidos.) Em 1946, Solomon Asch — de cujo trabalho sobre conformidade já falamos no capítulo anterior — demonstrou com precisão o poder que a linguagem verbal tem de refratar a nossa percepção social num estudo agora considerado o clássico sobre a maneira de organizar nossas impressões.14 Primeiro, Asch apresentou aos participantes de seu estudo uma lista com descrições de características. Essas características todas diziam respeito — ao menos supostamente — ao mesmo indivíduo. Mas havia uma pegadinha. Antes de fazer a lista, ele dividiu os participantes em dois grupos — e depois adaptou a lista de tal modo que cada grupo recebia exatamente as mesmas descrições, exceto uma variação (que se revelou crucial). A lista apresentada a um grupo foi a seguinte: Inteligente, habilidoso, trabalhador, caloroso, determinado, prático, cauteloso...
... ao passo que o segundo grupo recebeu a seguinte: Inteligente, habilidoso, trabalhador, frio, determinado, prático, cauteloso.
Localizou a diferença? As listas são indistinguíveis, exceto pelas palavras “caloroso” e “frio” introduzidas com uma astúcia diabólica no meio das outras, como o recheio de um sanduíche. Depois de entregar a cada grupo as suas respectivas listas, Asch pediu a seus membros que usassem as descrições para orientá-los na escolha de outras características — selecionadas de uma lista suplementar — que eles achavam que “combinavam” com a personalidade apresentada inicialmente. Asch queria saber se a inclusão do diferencial simples “caloroso-frio” seria suficiente para criar uma disparidade perceptível na escolha de atributos feita por cada grupo. A resposta, sem sombra de dúvida, foi sim. O grupo que recebeu a lista com “caloroso” escolheu, no inventário suplementar de traços, descrições como “alegre” e “generoso”.
Por outro lado, o grupo que recebeu a lista com “frio” selecionou características como “calculista” e “antipático”; termos pouco elogiosos, para dizer o mínimo, comparados a seus congêneres praticamente idênticos.c
O avesso das nossas próprias palavras Um homem está caminhando pelo zoológico certo dia quando vê uma menininha abaixando-se para entrar na jaula do leão. De repente, o leão pega a menininha pela jaqueta e tenta puxá-la lá para dentro. Os pais da criança começam a gritar histericamente. O homem corre para a jaula e ataca o focinho do leão com a ponta do guarda-chuva. Rugindo de dor, o leão recua e larga a menininha. O homem entrega a criança aos pais — que lhe agradecem repetidas vezes por salvar a vida de sua filha. Sem que o homem soubesse, um jornalista havia assistido à cena. — Meu senhor — diz ele ao aproximar-se dele logo em seguida —, essa foi a coisa mais corajosa que já vi na vida. O homem dá de ombros. — Não foi nada — respondeu ele. — A fera estava na jaula e eu sabia que Deus me protegeria, exatamente como protegeu Daniel na cova dos leões. Quando vi a menininha em perigo, só fiz o que me pareceu o certo. O repórter ficou abismado. — Isso aí no seu bolso é uma Bíblia? — perguntou ele. — É — respondeu o homem. — Sou cristão. Na verdade, estou indo dar o meu curso de Bíblia nesse exato momento. — Eu sou jornalista — respondeu o repórter. — Quer saber de uma coisa? Vou publicar o que você fez na primeira página de amanhã. Vou fazer de tudo para o seu ato abnegado de altruísmo não passar despercebido. Na manhã seguinte, o homem compra o jornal. A manchete diz o seguinte: Cristão fundamentalista de direita ataca imigrante africano e rouba-lhe o almoço. As palavras, como deve ter ficado claro a essa altura, são psicoativas. Entrando na gente pela aura ou pela visão e enviadas ao cérebro em
milésimos de segundos, elas podem modificar nossas estruturas mentais e influenciar nossa maneira de abordar as situações num piscar de olhos. Na mídia, por exemplo, o tipo certo de palavra pode chamar nossa atenção e inflamar nossas emoções tanto quanto um cartaz monumental. Um exemplo é a ascensão do politicamente correto. Em 2005, a Global Language Monitor — uma instituição sem fins lucrativos que faz exatamente o que sugere o seu nome — acompanha, observa e simultaneamente avalia a linguagem de todo o planeta — publicou uma lista irônica das palavras e frases pronunciadas naquele ano e consideradas as mais corretas politicamente.15 O termo que estava no alto dessa lista era “malfeitores desencaminhados” — um eufemismo elegante usado por um comentarista da BBC depois do lançamento de bombas em ônibus e no metrô de Londres. Mais de cinquenta civis inocentes morreram na explosão. Mas parece que “terroristas” foi um termo considerado emotivo demais. Também faziam parte da lista termos como “vitória retardada” no lugar de “fracasso”, e “womyn/wymyn”.d Diante dessa palhaçada, é difícil concordar com a possibilidade de haver um lado sério em tudo isso. Mas há. Nas salas dos tribunais, por exemplo, o potencial hipnótico da linguagem é reconhecido por quase todo mundo como um impedimento ímpio à justiça. Essa é exatamente a razão pela qual, no interrogatório cruzado, as perguntas “capciosas” são proibidas com tanta veemência. Um estudo clássico realizado em 1974 por Elizabeth Loftus, da Universidade de Washington, e seu colaborador John Palmer dá provas irrefutáveis do motivo para esse tipo de pergunta continuar sendo proibido.16 Esse estudo girou em torno de um videoclipe de um acidente rodoviário de pouca importância — um carro em movimento bate num veículo parado — que Loftus e Palmer apresentaram a dois grupos de participantes. Depois de assistir ao vídeo, os pesquisadores fizeram a mesma pergunta aos dois grupos. Com que velocidade o carro em movimento bateu no veículo estacionado? Por incrível que pareça, apesar de ambos os grupos terem visto exatamente o mesmo vídeo, deram respostas radicalmente diferentes. A resposta de um grupo (com uma média tirada entre seus membros) foi de 51 quilômetros por hora, ao passo que o outro grupo (do qual também se tirou uma média), foi de 65 quilômetros por hora.e Como explicar a disparidade? A razão era simples, claro. Ao fazer a pergunta, Loftus e Palmer usaram palavras sutilmente diferentes.
A um grupo, perguntaram: — Com que velocidade o Carro 1 raspou no Carro 2? Ao passo que, ao outro grupo, perguntaram: — Com que velocidade o Carro 1 bateu no Carro 2? A introdução de uma única palavra traiçoeira entre as duas perguntas fez toda a diferença nas respostas. Além disso, àquelas testemunhas a quem foi feita a pergunta com bater disseram ter visto vidros quebrados na cena do acidente — mesmo que nada disso tenha aparecido nas imagens do vídeo. Não é de surpreender que perguntas capciosas que possam induzir a testemunha a fazer certas afirmações despertem objeções tão imediatas e indignadas. Mas não é só nas salas dos tribunais que precisamos estar em guarda. Efeitos semelhantes àqueles documentados por Loftus e Palmer também podem ser encontrados na política. Enquanto escrevo, o período de lua de mel de Barack Obama como presidente competente está morto e enterrado. Não foi a Berlim para o 20º aniversário da queda do muro. Ficou preocupado demais com a reforma do sistema de saúde — e indiferente demais em relação ao desemprego. Curvou-se demais ao cumprimentar o imperador japonês. E permitiu ao presidente chinês vetar perguntas em sua coletiva conjunta à imprensa. É claro que é tradição os democratas terem dificuldade no seu primeiro ano de mandato. Na política, o pior tipo de demônio é aquele que se encontra nos detalhes — e entre os últimos sete presidentes, os Bushes I e II chegaram ao auge da popularidade depois de seu ano inaugural no poder, e Clinton e Obama chegaram a seu ponto mais baixo. Além disso, você talvez pergunte que presidente norte-americano já conseguiu tudo dos chineses? Mas Obama, mesmo antes de chegar à Casa Branca, não era avesso a atitudes inusitadas na política de quando em quando. Durante a campanha eleitoral de 2008, a história mostra que, apesar de desfrutar um apoio quase unânime dos afro-americanos nas pesquisas de opinião, ele resistiu bravamente a todos os esforços de apresentá-lo como “candidato negro”. “Rejeito uma política que se baseia exclusivamente na identidade racial, na identidade de gênero, na orientação sexual ou na condição de vítima de modo geral”, declarou Obama em The Audacity of Hope [A Audácia da Esperança] — uma frase que ele usou nos primórdios de sua campanha. Por quê? Por que, quando você tem o apoio universal de uma proporção significativa da população, não tirar proveito de sua etnia? Por que não apelar para o senso histórico que vive dentro de todos nós?
A resposta, como observa o colunista da Time David von Drehle, é que “negro” é justamente uma dessas palavras. Uma daquelas “características básicas” como “caloroso” e “frio” com que Solomon Asch foi o primeiro a brincar nos idos da década de 1940. “Assim que o rótulo racial é usado”, escreve Von Drehle, “parte do público se desliga, outra parte é desligada e outra parte ainda salta para conclusões a respeito de quem você é e de sua forma de pensar. Obama escreveu que raça era sua ‘obsessão’ quando era criança, mas que faz muito tempo que se livrou dessa carga. Agora ele reivindica todo o espectro: ‘o filho de um homem negro do Quênia e de uma mulher branca do Kansas’ com ‘irmãos, irmãs, sobrinhas, sobrinhos, tios e primos de todas as raças e de todas as cores espalhados por três continentes’”.17 Certo, talvez. Mas conveniente também.
A senha Frank Luntz, que conhecemos no início deste capítulo, trabalha com grupos focais criados com a finalidade exclusiva de revelar o poder da linguagem. De descobrir a frase perfeita — uma palavra ou combinação de palavras que valha ouro, cujo significado não seja refratado pela interpretação. O slogan que traduz o zeitgeist e diz exatamente o que os eleitores querem ouvir — bem como aquilo que os políticos querem que eles ouçam. Uma nota semântica que ressoa com precisão. Luntz é um mergulhador que explora as profundezas da língua — um pirata do inconsciente idiomático. Primeiro ele lança uma palavra ou frase de efeito — termos-chave da política ou slogans familiares, tópicos — com os quais os membros dos grupos fazem associações livres. Essas associações livres são fatoradas em palavras ou frases de segunda geração que depois constituem a base de discussões de grupos subsequentes. A partir dessas discussões, Luntz filtra uma terceira geração de palavras. Em seguida, depois de outras rodadas de debates, uma quarta ou uma quinta. O resultado final é um destilado de sentido retirado várias vezes da palavra ou frase apresentada originalmente e, apesar disso, profundamente imbuída da conotação original.
Uma nova palavra ou frase que significa, bem literalmente, o que ela quer dizer. Nos meados do ano 2000, Nicholas Lemann, correspondente do New Yorker, participou de um dos grupos focais de Frank Luntz e foi testemunha ocular de sua alquimia linguística, que se tornou uma marca registrada.18 O espetáculo começou com a palavra “governo”. O que, perguntou Luntz aos participantes do grupo, essa palavra significa para vocês? As respostas — no começo — não tinham nada de excepcional. “Controle”, “leis”, “segurança”, “burocracia”, “corrupção”... Nenhuma surpresa até agora. E aí, um dos participantes, um empreiteiro, deixou escapar o seguinte: “Um monte de regulamentos... um monte de coisas que não tenho necessidade de aguentar. Eles bem que podiam me deixar em paz um pouco. Eu seria uma companhia maior se pudesse ter duas coisas: um pouco menos de leis e um pouco mais de ajuda.” Bam! As coisas tinham acabado de dar um salto qualitativo. Ali estava algo que Luntz poderia aproveitar — e, com a habilidade de um mestre de judô para identificar a oportunidade, ele a agarrou. Virou-se para o resto do grupo. — O que vocês acham disso? — perguntou ele. Um pouco mais tarde, depois de uma longa invectiva contra as leis, os políticos e — olha só! — todo aquele lance de Washington em geral, ele estava escrevendo cinco palavras-chave num quadro-negro. Oportunidade. Comunidade. Responsabilidade. Seriedade. Sociedade. Luntz foi mais fundo na sua sondagem. Depois que o grupo refletiu sobre seus valores fundamentais, sobre as coisas que realmente tinham importância para a sua vida, qual das cinco era a principal? Mãos levantadas logo revelaram a resposta. A oportunidade veio em primeiro lugar. A seriedade, em segundo. E comunidade, por último. — Mas o que exatamente a palavra “oportunidade” significa para as pessoas? — perguntou Luntz. Enquanto o grupo gritava respostas — “direito de escolher”, “controle da própria vida”, “sem obstáculos”, “todo mundo merece uma chance”, “princípio fundador do país” —, ele apagou tudo o que estava no quadronegro. Mais uma vez foi posta em votação a hierarquia a respeito da importância relativa desses átomos centrais da democracia, dessas mitocôndrias da liberdade. Dessa vez, o “princípio fundador” ganhou a
medalha de ouro, “todo mundo merece uma chance” ganhou a de prata e “direito de escolher” ficou com a de bronze. E então, Luntz voltou-se para Lemann. — Você tem bem aqui as definições republicana e democrata de oportunidade — declarou ele. — A republicana é “direito de escolher” e a democrata, “todo mundo merece uma chance”. Individual versus global. Claro que a filosofia de Luntz não é exatamente uma novidade. No começo do século XX, Theodore Roosevelt foi o primeiro a articular as vantagens de ler pensamentos na arena política. “O político mais bemsucedido de todos”, observou Roosevelt, “é aquele que diz com a maior frequência, no mais alto e bom som, o que todo mundo está pensando”. Ou, como um outro disse mais sucintamente: “A melhor forma de controlar um cavalo é ir na direção em que ele já está indo.” Mas o que Luntz faz é arrastar Roosevelt para os tempos modernos, usando perspicácia política e psicologia discursiva como senha para entrar no cérebro; como um teste de ressonância magnética da forma afetiva, semântica — que revela fraturas imperceptíveis a olho nu e lesões microscópicas às quais toda comunicação está sujeita. Considere a frase “perfuração de petróleo”, por exemplo. Se você acha que ela não poderia ser mais clara, pense duas vezes. Em 2007, Luntz reuniu um grupo de pessoas e mostrou a elas a imagem de um projeto de perfuração de petróleo em alto-mar nas proximidades de Katrina, golfo do México. Depois perguntou aos membros do grupo o que viram na imagem. Ela “parecia ser de exploração ou de perfuração?”. Por incrível que pareça, 90% do grupo disse que parecia exploração. — Se, depois de olhar para as imagens, o público diz que elas não se parecem com a minha definição de perfuração, que se parecem com a minha definição de exploração — disse Luntz —, então você não acha que devíamos chamar o projeto pelo nome daquilo que as pessoas veem nele, em vez de acrescentar um aspecto político a tudo isso?... Perfuração sugere que o petróleo está sendo lançado no mar. Em Katrina, nem uma única gota de petróleo vazou no golfo do México dos equipamentos propriamente ditos. É por isso que exploração em alto-mar é um termo mais apropriado. Nos meados de 2002 — numa época, como ele próprio reconhece, em que a evidência científica talvez não fosse tão convincente quanto é agora — Luntz prescreveu um tipo similar de reabilitação para o termo “aquecimento global”. Num memorando enviado a George W. Bush, intitulado “O
ambiente: uma América mais limpa, mais segura, mais saudável”, ele escreveu o seguinte: O debate científico está terminando [contra nós], mas ainda não terminou. Ainda há uma janela de oportunidade através da qual questionar a ciência [...]. Os eleitores acreditam que não há consenso sobre o aquecimento global na comunidade científica. Se o público passar a acreditar que as questões científicas estão resolvidas, sua opinião sobre o aquecimento global vai mudar em função disso. Portanto, o senhor precisa continuar fazendo da falta de certeza científica uma questão primordial do debate e transferi-la para os cientistas e outros especialistas do ramo.
O resultado? O aquecimento global escorregou para algo mais cômodo. Algo menos alarmista, menos carregado — e, politicamente ao menos, mais compreensível. Algo — você talvez já tenha ouvido falar — chamado “mudança climática”.f
Resumo Este capítulo, no tema, se não no conteúdo, dá seguimento a muito do que ficou pendente no capítulo 3. Lá, se você se lembra, Keith Barrett, o gênio psicopata e mestre inato da persuasão, apresentou-nos ao que ele chamava de os Três As da influência social — atenção, abordagem, associação — e examinamos a maneira pela qual sua tipologia, criada a partir de uma vida inteira pensando rápido, enfrentou os rigores da investigação científica. E não se saiu mal, não, conforme vimos. Aqui, no capítulo 4, abrimos um pouco mais a porta. Saímos das sombras e entramos no mundo do trabalho e examinamos a forma pela qual “os grandes mestres da persuasão” — dessa vez do lado certo da lei — exercem o seu talento. Como advogados, políticos, publicitários e vendedores obtêm acesso a nossos fluxos de pensamento — e desviam sutilmente o seu curso. Nossa investigação foi reveladora. O cérebro emprega algumas regras práticas bem simples — e, se você souber driblá-las, levar a bolada prometida pela persuasão não é muito difícil. No próximo capítulo, continuamos a turnê pelo cassino da influência social “subindo” de nível — do individual para o grupo. A sugestão e o
enquadramento podem muito bem levar o livre-arbítrio para as cucuias, mas é o que os outros estão fazendo que muitas vezes leva a palma. Na época de nossos ancestrais, a segurança contida no número era vital — e esse antigo imperativo evolutivo deixou marca indelével no nosso cérebro.
Notas Literalmente, telefonema frio — a palavra “frio” é usada porque quem atende a ligação não a pediu, ou não a está esperando, e trata friamente quem chamou. [N. da T.] a
b
Às vezes, ficava ridículo. Um cara tinha seis, pelo amor de Deus!
Esta é uma pesquisa que você pode fazer com seus amigos sem a menor dificuldade. A lista completa de adjetivos suplementares usados por Asch na versão original de seu trabalho é apresentada no Apêndice 2. Familiarize-se primeiro com a versão original e depois faça a experiência variando o conteúdo tanto da primeira lista (isto é, com caloroso/frio) quanto da segunda (isto é, inteligente, prático) para ver que descrições fazem realmente diferença. c
Mulher, mulheres — pronúncia feminista das palavras woman ou women, de forma a não conter man ou men (homem, homens). [N. da T.] d
A velocidade real com que o carro em movimento bateu no veículo estacionado foi de 19 quilômetros por hora. e
Deve-se notar que, desde então, Luntz tem tentado distanciar-se da política da administração de Bush, e agora aceita que as pessoas exercem, de fato, um impacto direto sobre o aquecimento global. f
5 O peso do número
Um irlandês velho está em seu leito de morte, com o filho ao seu lado. O velho ergue os olhos para ele e diz: — Filho, está na hora de você chamar o ministro protestante. O filho está incrédulo. — Mas, pai! — retruca ele. — Você foi um católico convicto a vida toda! Está delirando. É um padre que você vai querer agora, não um ministro. O velho sorri levemente e sacode a cabeça num gesto de discordância. — Filho, por favor — diz ele —, é o meu último desejo. Traga um ministro aqui! — Mas, pai — grita o filho —, você foi um bom católico a vida toda. Você criou A MIM como bom católico. Não vai querer um ministro numa hora dessas! O velho continua teimando. — Filho — sussurra ele —, se você me respeita e me ama como pai, vai sair agora e trazer um ministro protestante aqui. O filho cede e faz o que o pai está pedindo. O ministro vai até a casa e converte o velho. Quando o pastor está indo embora, passa pelo padre O’Sullivan, que está entrando às pressas na casa. Com um grande prazer íntimo, olha solenemente nos olhos do padre. — Temo que seja tarde demais, padre — diz ele. — Agora ele é protestante. O padre sobe as escadas correndo e entra intempestivamente no quarto do velho. — Seamus! Seamus! Por que fez isso? — grita ele. — Você era tão bom católico! Íamos juntos para St. Mary’s! Você estava lá quando eu rezei a minha primeira missa! Por que você fez uma coisa dessas? O velho olha atentamente para o amigo. — Bem, Patrick — responde ele —, achei que, se alguém tinha de ir na frente, seria melhor que fosse um DELES do que um de NÓS.
“Permitimos que nossa ignorância leve a melhor sobre nós e nos faça pensar que temos condições de sobreviver sozinhos, sozinhos a dois, sozinhos em grupos, sozinhos nas raças,
sozinhos até no gênero.” Maya Angelou, discurso proferido no Colégio Centenário de Louisiana em março de 1990.
Nas alturas Cheguei ao aeroporto de Londres em meio a um caos total. Uma falha no sistema geral significava que o check-in de todo mundo seria feito na base da manivela e que o saguão, em geral com pouca gente, estava lotado de filas organizadas tão geometricamente que até Stephen Hawking teria ficado maravilhado. Naquele aeroporto, ninguém andava depressa. Na verdade, alguns não estavam nem andando. Um cara um pouco mais à frente estava louco para puxar uma briga. Já tinha checado o celular várias vezes e estava visivelmente de saco cheio. Marchou, ou melhor, desfilou até o começo da fila, pôs no chão a sua maleta Prada e exigiu que seu check-in fosse feito imediatamente. A assistente, nem aí. Levantando-se bem devagar da cadeira, ela subiu, muito metodicamente, em cima do balcão — e ficou de pé lá em cima. E então, numa voz alta, controlada e delicadamente desdenhosa, ela se dirigiu a ele lá de cima. — O que faz você pensar que você tem de ser tratado de forma diferente daquela de todos os outros que estão nesse aeroporto? Ele nunca pegou aquele voo. No último capítulo, examinamos em detalhe a dinâmica daquilo a que podemos dar o nome de sugestão cognitiva. Vimos como os grandes mestres da persuasão profissional, os advogados, os vendedores, os publicitários e os políticos conseguem manipular não só o tipo de informações que nosso cérebro absorve (a matéria-prima da influência), mas também o que exatamente fazemos com essa informação depois que ela entra no nosso sistema. Mas histórias como essa da assistente de check-in do aeroporto aludem a um tipo de influência diferente destes que discutimos até agora — uma influência que não depende só do poder da informação, mas também do poder das relações humanas. Considere, por exemplo, o que aconteceu em Jonestown. No dia 18 de novembro de 1978, o reverendo Jim Jones gravou numa fita uma mensagem de 44 minutos onde instruía novecentos membros do Templo do Povo a
tomar Koo-Aid [marca de pó para refresco] misturado com cianureto numa comunidade agrícola remota que vivia na selva do noroeste da Guiana. A mortandade que se seguiu continua sendo, até hoje, a maior perda de vidas de civis norte-americanos com exceção do 11 de Setembro.a Depois foi Londres, há cinco anos. No dia 7 de julho de 2005, às 8h50 da manhã, um professor de escola primária, um fixador de carpetes e um auxiliar de cozinha de um restaurante só de entregas em domicílio provocaram uma série de explosões no centro movimentado da cidade que tirou, a sangue-frio, a vida de 39 pessoas que estavam indo para o trabalho. Menos de uma hora depois, às 9h47, um quarto membro desse esquadrão da morte — de 18 anos de idade e que acabara de se formar no ensino médio — conseguiu detonar outra bomba, elevando a marca da devastação para 52 mortes. Desnecessário dizer que esses são casos extremos. Exemplos de influência grupal — de radicalismo e lavagem cerebral — tão distantes da experiência cotidiana que parecem a todos — com exceção de uma minoria enlouquecida — incompreensíveis. E, em muitos casos, são mesmo. Mas eles também têm as impressões digitais da persuasão — forças antigas de magnetismo interpessoal que ligam identidades e compreendem um leque de influência que vai de simples mudanças de opinião, numa ponta, a transformações radicais da visão de mundo, na outra. Das questões miúdas da subsistência do dia a dia a questões de vida ou morte. Preste atenção mais uma vez a Solomon Asch e seu “estudo das linhas” apresentado no capítulo anterior. Ficou óbvio, caso você se lembre, quais as linhas que eram do mesmo tamanho e quais não eram. Mas acrescente alguns dissidentes a essas combinações — dissidentes autoconfiantes, coerentes, unânimes — que as coisas ficam mais complicadas. Os participantes começam a ver as linhas não como elas são, e sim como aqueles à sua volta as veem. E é aí — quando se começa a envolver ideologias, quando as linhas se transformam em dogmas — que as coisas começam a ficar perigosas.
A convicção do número
A facilidade de radicalizar um grupo de indivíduos moderados — mesmo que tendenciosos — é mostrada pela pesquisa com algo chamado polarização de grupo.1 A polarização de grupo descreve o que acontece às opiniões das pessoas quando elas fazem parte de um grupo. Elas se tornam extremas. Isso é algo que você pode comprovar por si mesmo se tiver a ajuda de alguns amigos.2 Em primeiro lugar, peça a eles para lhe dar suas opiniões individuais — em particular — sobre uma questão como essa apresentada a seguir: Um agente secreto que está operando por trás das linhas inimigas é preso por forças da oposição e condenado a vinte anos de trabalhos forçados num centro de detenção remoto. As condições de vida nesse centro são duríssimas e a chance de ele ser resgatado, mínimas. O agente reflete sobre a sua situação — que vai passar os melhores anos de sua vida em tormento abjeto e interminável — e começa a traçar um plano de fuga. Mas, se este plano for descoberto e ele for recapturado, será executado.
Pergunta: Se você fosse dar um conselho a esse agente, que grau de risco você consideraria aceitável, além do qual uma tentativa de fuga não deveria ser feita? Selecione uma das opções abaixo (os números da escala representam a probabilidade de ser pego, isto é, a chance de captura varia de 10% (à esquerda) a 90% (à direita):
Depois que seus amigos deram sua opinião pessoal, passe-os para o estágio 2. Dessa vez, você lhes diz, eles têm de discutir a mesma questão em grupo e, no final, precisam chegar a uma recomendação conjunta. Você vai descobrir o seguinte: Se a média das opiniões individuais for menos de 5/10 (isto é, se ela tende à cautela) então a decisão grupal vai fazêla a diminuir ainda mais (isto é, ela vai ser mais conservadora do que a soma das decisões individuais). Se, por outro lado, a média das opiniões individuais for maior que 5/10 (isto é, se tender ao risco), então a decisão grupal vai fazê-la aumentar ainda mais (isto é, vai aconselhar a assumir mais riscos do que a soma das recomendações individuais).
Os efeitos da polarização de grupo foram estudados em todo tipo de ambiente — das pistas de corrida e ruas comerciais aos processos de tomada de decisão dos ladrões.3 Em todos os casos, as conclusões mostram exatamente o mesmo tipo de coisa. Se você sair em grupo, vai gastar mais dinheiro nas lojas. Se você sair em grupo, vai roubar... menos casas (os ladrões, quando fazem avaliações coletivas a respeito da vulnerabilidade de um lugar, tendem, por natureza, a ser avessos ao risco). Mas é em relação ao preconceito — e, mais recentemente, à intensificação do extremismo — que foi feito o trabalho mais importante. A pesquisa mostrou que quando indivíduos preconceituosos se reúnem para discutir questões de raça, suas atitudes enrijecem e eles ficam mais preconceituosos.4 Por outro lado, as pessoas que são pouco preconceituosas ficam ainda mais tolerantes. Figura 5.1 Polarização de grupo e preconceito.
A tática de recrutamento usada por muitas organizações terroristas funciona de acordo com princípios similares. O processo começa com a identificação de indivíduos simpáticos às suas ideias (muitas vezes, no começo, através da ideologia dominante) que, depois, reúnem-se num grupo de partidários para absorver a propaganda e discutir “a causa”. Shehzad Tanweer, de 22 anos, foi descrito por seus amigos como politicamente moderado. Na escola inglesa que frequentou, parecia promissor como atleta: como jogador de críquete, de futebol e corredor de longa distância. Em 2004, formou-se na Universidade Metropolitana de Leeds com diploma em ciência do esporte e depois se matriculou num curso de “estudos islâmicos” no Paquistão: numa madrasa de Lahore, com ligações — acreditam agora as forças de segurança da Grã-Bretanha — com um grupo islâmico ilegal. No mês de julho seguinte, numa manhã ensolarada de verão no centro financeiro de Londres, ele explodiu junto com a carga mortal de explosivos que havia escondido em sua mochila ao fazer um ataque de surpresa na entrada de uma das principais artérias orientais do metrô, deixando-a coberta de sangue. A gente vê um tipo similar de transição na vida de seus três cúmplices. Caras comuns, sem nada de excepcional que, aos poucos, através dos círculos nos quais começaram a frequentar, passaram a ver as coisas “de outra forma”. Que passaram a ver as linhas como elas não são de fato. E sim como os outros as viam.
O hotel verde É claro que, em nome da simplicidade, estou resumindo as coisas aqui. Além do peso do número, há toda uma série de fatores que andam de mãos dadas com uma conformidade maior. Entre eles, como mostraram estudos de laboratório, estão: sentimentos de incompetência ou insegurança; a presença no grupo de ao menos três indivíduos (membros adicionais geram incrementos mínimos na conformidade); unanimidade (o efeito de até mesmo um único dissidente da opinião é catastrófico); admiração do grupo; nenhum envolvimento ou compromisso anterior; e a vigilância do grupo sobre o
indivíduo.5 No estudo de Asch, por exemplo, a incidência da conformidade diminuiu drasticamente quando os participantes, em vez de apresentar suas opiniões em público, responderam às perguntas em particular. Acrescente a isso um líder carismático como Jim Jones, segregação daqueles com uma visão de mundo diferente (entre os membros do Templo do Povo, a opinião dissidente era mínima no meio da selva do noroeste da Guiana — assim como na madrasa que Shehzad Tanweer frequentou em Lahore) e um procedimento adicional de indução que incorpore gestos progressivamente mais significativos de compromisso com o grupo (distribuição de panfletos, instrução de novos membros, participação na tomada de decisões — em outras palavras, a técnica do pé na porta) e você acaba com algo muito perigoso mesmo. A matéria-prima básica da lavagem cerebral. O equivalente psicológico de uma bomba atômica. No entanto, mesmo assim parece estar faltando alguma coisa: uma peça vital do quebra-cabeça ainda não considerada. Pense, por um instante, no impacto — na pura enormidade existencial — de um grande ataque terrorista ou suicídio em massa. Será que os eventos ocorridos em Jonestown, as atrocidades do 7 de Julho, a devastação do 11 de Setembro podem mesmo ser explicados por algo tão simples quanto pressão dos pares? Ou há outras forças em ação? Algo mais profundo, algo mais forte, algo talvez um pouco mais neurológico? Será que os sintomas da associação são sempre tão amenos quanto aqueles apresentados por Asch? Ou será que, às vezes, há linhagens do vírus em estado latente — seus efeitos mantidos abaixo das fronteiras do campo da consciência? Talvez haja uma pista no trabalho de Robert Cialdini — aquele do zoológico e do passeio com os jovens infratores. Em 2007, ele e seus colaboradores realizaram um estudo que alcançou a imortalidade.6 Como, queriam eles saber, os hoteleiros poderiam conseguir o impossível — persuadir os hóspedes, ao menos uma vez durante sua estada, a reutilizar as toalhas? Cialdini estava interessado nos tipos de mensagens com maior probabilidade de induzir a aquiescência. Seriam aquelas que defendiam normas descritivas (isto é, aquelas que descrevem como outras pessoas reutilizam suas toalhas)? Ou o tipo de mensagem mais convencional que promove a consciência ambiental? Para descobrir, cinco cartões, cada um com uma das seguintes mensagens, foram distribuídos aleatoriamente por mais de duzentos quartos de hotel — e
o número de toalhas foi contado depois: Ajude o hotel a economizar energia. Ajude a preservar o meio ambiente. Junte-se a nós para ajudar a preservar o meio ambiente. Ajude a economizar recursos para as gerações futuras. Junte-se a outros hóspedes nossos para ajudar a preservar o meio ambiente (num estudo realizado no outono de 2003, 75% dos hóspedes participaram de nosso programa de economia de recursos usando sua toalha mais de uma vez...) Qual das mensagens você acha que foi a mais eficiente? Com qual delas você teria mais probabilidade de concordar? Se você acha que foi a última — “Junte-se a outros hóspedes nossos para ajudar a preservar o meio ambiente” —, não foi o único. Entre os hóspedes que viram esse cartão em seu quarto, 44% reutilizou suas toalhas. A menos eficaz — surpresa! — foi aquela que enfatizava o benefício para o hotel: menos de 16% dos hóspedes reutilizaram suas toalhas nesse caso. E, num estudo subsequente, em que a mensagem bem-sucedida recebeu nuances que enfatizavam ainda mais o seu conteúdo e dizia, “Junte-se a outros hóspedes nossos para ajudar a preservar o meio ambiente (num estudo realizado no outono de 2003, 75% dos hóspedes que ficaram neste quarto participaram de nosso novo programa de economia de recursos usando suas toalhas mais de uma vez...)”, a concordância foi ainda maior, chegando a 49%. — Quando você está numa determinada situação e não sabe bem o que fazer — comenta Noah Goldstein, um dos pesquisadores envolvidos no estudo —, vai procurar ver o que as outras pessoas fazem e quais são as normas dessa situação. O que nos traz de volta — você adivinhou — diretamente a Asch. Traz mesmo? Vamos, por um momento, examinar mais de perto o experimento de Cialdini e compará-lo com o estudo das linhas. Notou alguma coisa diferente? Bem, para começo de conversa, é claro que o experimento de Cialdini não parte de um fato passível de verificação. Lógico, a maioria dos hóspedes que ficou no quarto 320 pode muito bem ter reciclado suas toalhas. Mas, espera aí, isso não é a mesma coisa em relação à qual você possa pegar
uma régua ou algo do gênero e medir esse comportamento — se é acertado ou não — como você pode fazer com o estudo das linhas de Asch. Mas essa não é a única diferença. Há outra disparidade mais reveladora. No estudo de Asch, a maioria estava presente de fato. As pessoas estavam ali, e nenhuma delas se afastou. Enquanto fio condutor de influência, elas eram conspícuas, visibilíssimas, tanto física quanto psicologicamente. Por outro lado, no estudo de Cialdini — bem, não havia maioria. Em todo caso, ninguém que você pudesse ver. E, o que é mais importante, não havia ninguém que pudesse ver você. No papel, claro havia uma força a enfrentar. Mas isso não é, de forma alguma, o mesmo de estar ali em carne e osso — saindo de trás da cortina do banheiro com um monte de toalhas reutilizáveis. Mesmo assim, essa força conseguiu persuadir os hóspedes a reciclarem suas toalhas. Os resultados do estudo de Cialdini são fascinantes. Há mais, sugerem eles, na conformidade, do que o olho consegue perceber — literalmente. Não se trata apenas de ser visto como o cara diferente, o cara que destoa do grupo. Longe disso. A questão vai muito mais fundo. Parece que realmente temos uma aversão inata a virar a mesa. Mas outro corpo de pesquisa vai mais longe — sugere que certos tipos de influência vão tão fundo que conseguem realmente afetar a nossa percepção. De uma maneira muito fundamental, na verdade. E, além disso, que essa influência insidiosa que nos faz mudar de ideia não é a preservação do Sistema — dos grandes e dos bons, dos caras que estão no alto da pirâmide — e sim de uma camada social completamente diferente. A minoria. As vítimas da injustiça social. Aqueles que “veem as coisas de outro jeito”.
Verde, que te quero verde Em 1980, Serge Moscovici, um psicólogo social francês, realizou um estudo que até hoje faz os pesquisadores coçarem a cabeça.7 O objetivo do estudo era fazer um test drive da teoria “genética” de influência social de Moscovici — de que a mudança definitiva, fundamental, filtra-se para o alto, e não para
baixo da sociedade. E, olha, ele conseguiu o que queria. O problema é que, desde então, ninguém mais conseguiu.8 Um elemento-chave da teoria de Moscovici era um modelo de “processo dual” da influência social — a noção de que a influência da minoria não difere só quantitativamente daquela da maioria, mas também qualitativamente. A minoria, segundo Moscovici, trabalha atrás de portas fechadas — por meio da reestruturação das ideias e da guerra civil cognitiva — ao passo que a maioria, como demonstrou Asch, tem uma plataforma completamente diferente: suas pretensões persuasivas não consistem em nos levar a questionar o status quo, e sim a aceitá-lo. Testar essa teoria foi uma façanha e tanto. Mas o paradigma de Moscovici chocou profundamente a psicologia social. Aliás, chocou também certos escalões da psicologia cognitiva — nos quais os especialistas especularam sobre o mecanismo neurológico exato que poderia lhe dar uma base verossímil. No cerne do experimento havia pós-imagens [afterimages] — aquelas cores fantasmagóricas que flutuam diante de nossos olhos sempre que olhamos durante muito tempo para determinadas cores. Mais especificamente, pós-imagens negativas — aquelas que são de uma cor ou tom diferente do estímulo original. Será que essas imagens são imutáveis, como ditam as leis da percepção? Ou são — nas mãos certas — suscetíveis à influência? O estudo pode ser dividido em duas fases gerais.9 Na Fase I, a fase básica, uma série de slides azuis é apresentada aos participantes aos quais se pede, depois de vê-los um por um, para escrever no papel de que cor eles são. Depois de uma “desintoxicação” visual para a qual era usada uma tela completamente branca, também se pedia a eles, de novo em relação a um de cada vez, para dizer qual a cor da pós-imagem. Isso eles fizeram numa escala de nove pontos, que ia do amarelo/laranja numa ponta (a pós-imagem do azul) até o rosa/vermelho na outra (a pós-imagem do verde). Depois que essas medidas preliminares foram registradas, Moscovici dividiu os participantes em dois grupos. A um grupo ele disse que uma proporção fixa de voluntários anteriores (18,2%) tinha visto realmente a cor verde nos slides, ao passo que o restante (81,8%) tinha visto o azul. E disse o oposto ao outro grupo: que 81,8% tinha visto a cor verde nos slides, enquanto o resto... você já entendeu... viu o azul. Absurdo total, mas — veja só! — o
suficiente para instilar na cabeça dos participantes a ideia de “minoria” e “maioria”. Depois das formalidades, a brincadeira começou a sério. Em seguida, foi apresentada a ambos os grupos de participantes uma outra série de slides — 15 deles, dessa vez, todos eles da mesma cor azul que aqueles mostrados inicialmente — e lhes foi pedido, depois da apresentação de cada um deles, que especificassem a cor em voz alta. E assim começou a “fase da influência” — a Fase 2. Mas havia uma pegadinha. Dessa vez, juntou-se a eles um colaborador que gritava, depois de cada tentativa, VERDE. Absurdo. Não havia dúvida alguma. VERDE. E havia mais. Dessa vez, depois de falar em voz alta qual era a cor dos 15 slides, os participantes também tinham de dizer a cor de cada uma das pósimagens — onde tinham de usar a mesma escala de nove pontos de antes. Será que a minoria funcionava de fato de uma forma diferente da maioria? Geraria mudanças mais profundas, mais duradouras, mais estruturais na opinião? Conversão versus conformidade? A chave estava nas pós-imagens. Se a teoria de Moscovici estivesse certa, então as pós-imagens usadas como referência na Fase 1 deveriam, depois da exposição à influência da minoria na Fase 2,b passar para a ponta rosa/vermelho do espectro (a pósimagem do verde). A dissidência consistente e consensual da minoria, afirmou Moscovici, fez as pessoas pensarem. Principalmente — e isso é importante — quando não havia interesses pessoais em jogo. E levantou questões profundas. Por que a discordância? Por que o desvio da norma? Se não há nisso vantagem alguma para os indivíduos — e não parecia haver nenhuma — bem, então deve haver algum motivo para seus atos, não deve? Em algum ponto do caminho deve haver alguma coisa. Talvez eles estejam certos. Talvez o problema seja comigo. Talvez o slide seja realmente verde... Mas, para aqueles expostos à influência da maioria (nesse caso, aqueles participantes aos quais se disse que 81,8% de voluntários anteriores tinham visto a cor verde nos slides, em contraposição aos outros 18,2%), não havia sido prevista essa mudança na pós-imagem. A maioria — lembra? — ao contrário da minoria, simplesmente “passa batido” pelas coisas. Os participantes, pensou Moscovici, podem muito bem concordar com o colaborador associado à maioria num nível superficial. Declarar, em público, que sim, os slides eram verdes. Mas, privadamente, por trás do véu da autopreservação social, a história era completamente diferente. Bem lá no
fundo, eles não acreditavam realmente no que estavam dizendo. Claro que não poderiam acreditar. Nada mudaria realmente. Os slides continuariam sendo azuis — exatamente como eram da primeira vez — com as mesmas pós-imagens correspondentes. Era apenas o caso de afirmar o contrário publicamente. Os resultados do estudo, quando finalmente apareceram, foram inacreditáveis. Para alguns, bem literalmente. Será que poderia realmente existir uma linha de persuasão tão virulenta que chegasse a desfazer o tecido da percepção visual de baixa intensidade? Evidentemente, parecia que sim. Dê só uma olhada no gráfico. Figura 5.2 Número médio de pontos da pós-imagem. Os pontos mais altos mostram uma mudança na direção da pós-imagem VERDE.
Exatamente como previra Moscovici, quando um colaborador que representava a posição da minoria gritava verde,c a cor das pós-imagens começou a mudar na direção da ponta vermelha do espectro, o que indicava uma alteração real da percepção. O que indicava uma alteração real do circuito cognitivo inato, subterrâneo. E isso aconteceu a despeito do fato de a minoria — o que também havia sido previsto — ter pouco impacto sobre as respostas públicas dos participantes. Por outro lado, observe o que aconteceu no grupo da maioria (ao qual havia sido dito que 81,8% dos voluntários anteriores tinham visto a cor verde nos slides). Claro, o colaborador que representava a posição da maioria certamente vencera seu congênere da minoria em público, quando os participantes tinham de dizer em voz alta a cor dos slides. Mas, em particular, os resultados não poderiam ser mais díspares. Aqui, a percepção da pósimagem alterou-se de fato na direção oposta: tomou a direção do vermelho. Do amarelo/laranja. “Coinfluência” da minoria? Essa era, com certeza, a impressão que dava.
A pegadinha dos cartões As descobertas de Moscovici foram terrivelmente difíceis de reproduzir, mas não impossíveis. Na verdade, hoje em dia o modelo de “processo dual” da influência do grupo está em terreno bem sólido — e é universalmente aceito que, ao contrário da maneira pela qual a conformidade funciona, a tarefa da minoria é insinuar-se por baixo das partes superficiais do cérebro. Ali, desde que se mantenha coerente e seja considerada genuína, ela pode conseguir arrancar, com o seu cinzel, as camadas de velhas certezas bem consolidadas — e obrigar-nos a nos perguntar qual é a verdadeira natureza da realidade. No momento presente, só podemos especular. Mas isso — ou algo bem parecido — pode muito bem ser o que aconteceu a Shehzad Tanweer e a seus companheiros e que os levou aos bombardeios de Londres. E aos seguidores do reverendo Jim Jones. Ou, depois de pensar bem, a algo um pouco mais orquestrado: uma combinação dupla de processo grupal de minoria e maioria. Num nível, é inteiramente possível que os efeitos da radicalização da minoria tenham realmente alterado a maneira de Tanweer e seus cúmplices
verem o mundo. Não só metaforicamente, mas neurologicamente, nas profundezas de seus cérebros. Em outro, é igualmente plausível que as pressões do grupo de pares em termos de lealdade e comprometimento — de inclusão e identidade — tenham agido sobre eles de uma forma completamente diferente: fazendo com que segurassem o rojão, que se mantivessem firmes, amarrando-os a uma trajetória de morte da qual simplesmente não tinham como escapar. Também nesse caso, pode ser que não tenham sido só as forças grupais que atuaram sobre eles. Depois que os efeitos da radicalização começaram a criar raízes, eles poderiam ter-se aberto para um grande número de vírus de persuasão — o vírus do viés de confirmação, por exemplo: a tendência que todos nós temos, e não só aqueles que estão nas regiões mais externas da reforma mental, de buscar provas que confirmem nossas suposições, e não aquelas que as desacreditam. A seguir, na Figura 5.3, há quatro cartões.10 Cada um deles tem um número num lado e uma cor do outro. Como você pode ver, a sequência é: 3, 8, VERMELHO e MARROM. Essas são as faces visíveis dos cartões. Mas imagine por um momento que você pode virá-los — quantos você quiser — e ver o que há do outro lado. Figura 5.3 A tarefa de seleção de quatro cartões de Wason.
Pergunta: Que cartão(ões) você viraria para testar a verdade da proposição de que, se um cartão tem um número par de um lado, na sua outra face está escrito VERMELHO? Esse quebra-cabeça clássico — a tarefa de seleção de quatro cartas de Wason — foi bolado em 1966 por Peter Cathcart Wason, psicólogo e especialista em raciocínio humano. Ele é, na verdade, enganosamente
simples. Mas isso não impede que quase todo mundo que tenta resolvê-lo dê um palpite errado. Sim, temo ser um deles. Instintivamente, a maioria das pessoas opta pelos cartões do 3 e do VERMELHO. Por acaso foram esses que você escolheu? Se foram, vamos parar e pensar por um momento sobre o que você esperava encontrar. Digamos, por exemplo, que você virou a carta do 3 para ver se o VERMELHO estava no verso. Arrá, pensa você, estamos indo bem. Será? Vamos relembrar a proposição e refrescar a memória quanto à sua formulação exata. Ela diz o seguinte: “Se um cartão tem um número par de um lado, na sua outra face está escrito VERMELHO?” Na verdade, a resposta é não. Hummm. Será que um 3 e um VERMELHO invalidam realmente essa regra? Na verdade, a resposta é não. Só o fato de VERMELHO estar nas costas do cartão onde há um 3 não invalida de forma alguma a possibilidade de também estar escondendo um 2. Da mesma forma, se virarmos o cartão do VERMELHO e descobrirmos... no verso... um 5 — bem, isso não também não invalida a regra. Só porque VERMELHO está na parte da frente do cartão onde há um 5, isso não quer dizer que não possa estar na frente de um 4... Por outro lado, se você virar o cartão do MARROM e descobrir um 4 do outro lado, aí sim, você está realmente indo bem. Isso contraria a regra. Assim como um cartão com um 8 com PRETO escrito do outro lado. Portanto, como vimos, a resposta certa é, na verdade, 8 e MARROM. É só ao virar esses dois cartões e atentar para a falsidade da afirmação — ao procurar ativamente exemplos que não estão de acordo com ela — é que podemos questionar sua veracidade. Mas o que faz a maioria de nós? A maioria de nós — de uma forma inteiramente inconsciente — procura exemplos que estão de acordo com ela. Tentamos, na maior parte do tempo, e sem sequer nos dar conta, confirmar o que já sabemos.
À flor da pele Além de ser um lembrete delicado, esse testezinho é uma demonstração concreta do poder da convicção. De como a bagagem que carregamos dentro
da cabeça constitui um comitê de seleção de todas as outras coisas que deixamos entrar — ou não. E não é que esse teste seja tendencioso de alguma forma. Afinal de contas, ninguém tem nenhum interesse pessoal naquilo que o outro lado dos cartões vai mostrar (se você tem, procure ajuda). É um quebra-cabeça, só isso. Nos meados de 1979, os psicólogos Mark Snyder e Nancy Cantor realizaram um experimento agora clássico que demonstrou o poder do viés de confirmação não só dentro do laboratório, mas também fora: quando o que conta são os tipos de decisões que tomamos numa base cotidiana.11 Snyder e Cantor fizeram aos participantes uma descrição de uma mulher chamada Jane, que a apresentava como uma pessoa introvertida e extrovertida em igual medida. Alguns dias depois, os pesquisadores pediram à metade dos participantes que a avaliassem para um emprego extrovertido (corretora de imóveis) e, à outra metade, que a avaliassem para um emprego introvertido (bibliotecária). O que aconteceu? Você adivinhou. Cada grupo se lembrou mais dos atributos mais apropriados para o emprego para o qual a estavam avaliando. Exatamente o mesmo princípio está por trás do efeito placebo. Num experimento divertido e engenhoso (embora, infelizmente, inédito), que supostamente examinava a influência de mensagens subliminares sobre a interação social, a palavra SEXO foi pintada no rosto dos membros de um grupo de estudantes com filtro solar, antes de eles saírem e se exporem a alguns raios. Ficaram ao ar livre só o tempo suficiente para o efeito do filtro solar se tornar perceptível (isto é, para o pesquisador, não para os participantes — esses voluntários não tinham a menor ideia do teor da mensagem) —, em outras palavras, até a palavra SEXO se tornar ligeiramente visível na sua pele. E então, no decorrer da semana seguinte, eles mantiveram um diário a respeito de suas interações sociais.12 Será que o “estímulo” subliminar teria algum impacto sobre as interações dos estudantes com outras pessoas? Com toda certeza. Quase três quartos deles disseram ter tido ao menos uma experiência que era novidade para eles — e que atribuíram à mensagem que estava no seu rosto. Uma dessas experiências foi chamar mais a atenção de membros do sexo oposto; outra, ser mais bem tratados por vendedores e colegas de escola. Mas aí é que está o x da questão. Na verdade, a palavra SEXO só foi escrita no rosto de um terço dos voluntários. Quanto ao resto, ou foi escrita
com filtro solar uma palavra sem sentido, ou uma palavra sem sentido foi escrita com água. Será que isso fez diferença? Pode crer que fez. O fato de os voluntários acreditarem que havia algo escrito no seu rosto fez com que procurassem provas que confirmassem sua suposição. Que, como vimos, foram surpreendentemente fáceis de encontrar.
Crer para ver Infelizmente, Jonestown e o 7 de Julho de Londres não foram eventos isolados, únicos. No dia 26 de março de 1997, 39 membros da seita Porta do Céu — a pedido do seu líder Marshall Applewhite — tomaram um coquetel letal de vodca e fenobarbital (e, por via das dúvidas, cobriram a cabeça com sacos plásticos para terminar o serviço) para conseguir entrar na nave que eles acreditavam estar aterrissando na Terra. Foram encontrados deitadinhos nos seus beliches, todos vestidos com camisas pretas e calças de moletom, tênis Nike preto e branco novinhos em folha e braçadeiras com a frase “Time de Partida para a Porta do Céu”. Infelizmente, nunca participaram do jogo. Eis aí uma coisa que daria vontade de rir — se as consequências não tivessem sido tão trágicas. E se os sistemas de ideias bizarros não tivessem uma lógica interna tão apavorante por trás do arame farpado cortante da psicologia de grupo (motivo pelo qual, como vimos antes, os líderes de cultos muitas vezes instalam suas comunidades em lugares remotos: para isolar seus membros do questionamento ideológico e cultivar as condições daquilo que os psicólogos chamam de pensamento de grupo).d Mas nenhum de nós é imune ao viés de confirmação. Todos a temos. Mostre aos fãs de dois times rivais de futebol uma jogada idêntica: para os fãs de um deles, é uma falta; para os do outro, um lance legítimo — dependendo do resultado. Na verdade, dada a nossa ancestralidade tribal, nossos laços estreitos nos desertos primitivos esturricados pelo sol da África Oriental antiga são particularmente recorrentes naquelas situações em que a lealdade ao grupo é importante. Considere, por exemplo, a prisão do professor de Harvard Henry Louis Gates na casa onde morava em Boston, no verão de 2009, ao voltar de uma
viagem à China — uma prisão que chamou a atenção da mídia do mundo inteiro. O que sabemos sobre ela? Bem, Gates, que é negro, disse que, ao voltar para casa, encontrou a porta emperrada — e que ele e seu motorista tentaram arrombá-la. E disse que, depois de entrar na casa pela porta dos fundos, estava ao telefone falando com a imobiliária que administrava o imóvel quando a polícia chegou. A polícia disse que Gates ficou irado depois que o sargento James Crowley, que é branco, pediu que se identificasse. Disseram que Gates acusou Crowley de racismo, começou a vociferar e foi preso. Gates afirma ter aquiescido ao pedido de Crowley e diz que mostrou seus documentos de identificação. Crowley o prendeu, conforme a versão de Gates, depois que ele seguiu o policial até a varanda, exigindo repetidamente o nome do sargento e o número do documento que certificava tratar-se mesmo de um policial, pois não tinha gostado nem um pouco da forma como havia sido tratado. Crowley recusou-se a pedir-lhe desculpas, dizendo ter seguido o procedimento normal. Como deve estar claro a partir da discrepância entre essas duas versões da história, uma das partes está sendo um pouco econômica com a verdade. Mas qual delas? É provável que o partido que você tomou tenha menos a ver com um exame detalhado da evidência e muitíssimo com... bem, com o lado no qual você está. Se, por exemplo, você é contra o racismo institucionalizado, ou sofreu violações de seus direitos de propriedade no passado, ou já foi maltratado pela polícia, tem muitas chances de considerar culpados os ditos homens da lei. Se, por outro lado, você é um republicano linha-dura e acha que Obama é um muçulmano fanático que favoreceu os terroristas e — uau, olha, eis aí a prova — está mexendo os pauzinhos em favor do amigo que é negro... bom, nesse caso, a situação mais provável é que Gates, sendo pavio curto, tenha provocado o policial que o prendeu.e O viés de confirmação existe em todos nós em estado latente. A maioria de nós nunca vai participar de uma seita, mas todos nós estamos sujeitos à gravitação potencial das convicções que alimentamos. Em Jonestown, os sermões diários do reverendo Jim Jones confirmavam para seus seguidores a validade de sua causa e que, em última instância, a morte lhes traria paz e justiça. Parece familiar? Devia. Ligue a TV e ouça as notícias sobre o Afeganistão.
Na verdade, um estudo recente feito pelos psicólogos Scott Wiltermuth e Chip Heath, da Universidade Stanford, sugere que as seitas e os militares têm mais em comum do que você poderia pensar.13 Os exércitos treinam com uma marcha cadenciada. As religiões incorporam a música e os hinos a seus rituais. Por quê? Wiltermuth e Heath descobriram que os grupos cujos membros realizam juntos atividades sincronizadas tendem a ter mais coesão — tendem a cooperar mais uns com os outros — que com os demais. Mesmo quando há boas razões financeiras para cooperar — como no caso em que o pesquisador distribui dinheiro. Será que a sincronia e o ritual se desenvolveram por isso? Levando alguns grupos a florescer e outros a se extinguir? Certamente não é impossível. O psicólogo social Miles Hewstone pediu a estudiosos de duas tradições religiosas diferentes, a muçulmana e a hinduísta, para imaginar que um membro de sua própria fé os havia ajudado ou ignorado num momento de necessidade. Depois lhes pediu para imaginar exatamente o mesmo com relação a um membro da fé religiosa oposta. Em seguida, pediu aos estudiosos que estabelecessem hipóteses do motivo do comportamento tanto daqueles de sua própria fé quanto da outra.14 Será que eles tentariam justificar as atitudes daqueles de sua própria religião e desacreditar os da outra? Ou se manteriam imparciais? Imparciais o quê? Tanto os muçulmanos quanto os hinduístas citaram fatores internos, pessoais, como as razões do altruísmo de membros do seu próprio grupo; e fatores externos, circunstanciais, para o altruísmo dos outros. Em outras palavras: os membros do mesmo grupo agiram por livre e espontânea vontade, por força da bondade de sua natureza — e, além disso, agiriam exatamente da mesma forma se a mesma coisa acontecesse de novo —, ao passo que os atos de membros do outro grupo eram resultado do fato de não terem outra escolha. E, no caso de a situação se repetir, era pouco provável que membros do outro grupo repetissem um comportamento altruísta. Mas, quando foi tratada a questão de membros do próprio grupo não ajudarem, seguiu-se, de ambos os lados, um silêncio constrangido. Assim como tinha havido “surpresa” no caso de alguém de fora do grupo ajudar, a neutralidade foi registrada na situação oposta. As mãos estavam atadas. Foi um infeliz caso isolado. E quanto a alguém de fora não ajudar? Bem, essa
pergunta era fácil de responder, não era? Era exatamente o que se esperava. Falta de consideração. Falta de princípios. E, para coroar, egoísmo. E não é só o que pensamos a respeito dos outros que influencia nossa maneira de ver as coisas. Igualmente importante é como vemos a nós mesmos. Na Copa do Mundo de Futebol de 2006, na Alemanha, a polícia local elogiou os torcedores ingleses — que não são conhecidos por ser exatamente comedidos nessas ocasiões — dizendo que eram “os melhores torcedores do mundo”. O torneio foi concluído sem incidentes. Não que o elogio fosse sincero, claro. Piada. É que os alemães tinham feito seu dever de casa. A pesquisa havia mostrado que dar aos indivíduos um feedback falso a respeito de si próprios pode, na verdade, induzi-los a confirmá-lo. A se comportar de forma coerente com esse feedback. Eles se tornam as pessoas que acreditam ser. Ou, mais acuradamente, a pessoa que acreditam que os outros acreditam que eles são. O que, teoricamente, pode ser qualquer coisa.15
Aliança em cadeia Em agosto de 2006, uma idosa residente no distrito de Strasshof, na região nordeste de Viena, pegou o telefone e ligou para a emergência. Uma jovem desgrenhada e aflita martelara a janela da sua cozinha, pedindo-lhe para chamar a polícia. Alguns minutos depois, chegou uma radiopatrulha. Uma briga de namorados, desordem de uma festa que havia durado a noite toda — poderia haver um grande número de justificativas de rotina para aquele pedido. Mas não nesse caso. A mulher em questão era, conforme se viu, Nastascha Kampusch. E sua história era tudo, menos rotina. Oito anos antes, quando tinha só 10 anos, Natascha Kampusch desapareceu como que por encanto quando estava a caminho da escola. Na época, seu desaparecimento foi noticiado por toda a mídia austríaca — na primeira página dos jornais ao menos durante algumas semanas — e seguiuse uma busca que mobilizou todo país. Houve mergulhadores e cães, uma unidade especial da polícia e voluntários civis. Até os húngaros se envolveram. Mas tudo isso deu em nada. Até aquele momento.
Na verdade, durante todo o tempo em que ficou desaparecida, Nastascha Kampusch estivera bem embaixo do nariz da polícia. A história poderia facilmente ter sido tirada de um romance de Stephen King. Natascha passou a maior parte daqueles anos presa numa masmorra que ela acreditava estar cheia de explosivos. Sozinha. Durante toda a sua provação, durante todo o período de seu extraordinário encarceramento subterrâneo, o único meio que ela tinha de interação humana era o seu sequestrador, Wolfgang Priklopil, um técnico de comunicações de 36 anos de idade. Foi ele quem a levou para lá, dando-lhe comida, roupas e tudo o que uma criança de 10 anos poderia desejar. Tudo que uma moça de 18 anos poderia desejar. Exceto liberdade. Aqui, infelizmente, foi onde Priklopil traçou a linha divisória. — Ele lhe dava livros, chegou até a ensiná-la a ler e escrever — declarou um dos investigadores encarregado do caso. — E matemática, e todas essas coisas, segundo o que ela nos disse. A masmorra media só 4 x 3 metros, e tinha uma porta de 50 x 50 centímetros. Inteiramente à prova de som, havia sido construída numa garagem subterrânea. Como a própria Natascha Kampusch, o calabouço provavelmente nunca teria vindo à luz se a garota não tivesse feito uma tentativa de se libertar enquanto passava o aspirador no carro de seu carcereiro.f O estudo de Miles Hewstone com os estudiosos muçulmanos e hinduístas mostra o que pode acontecer quando, de repente, a identidade de grupo tornase saliente. Divinizamos aqueles que são como nós e demonizamos aqueles que não são. Acreditamos no que queremos acreditar. Mas nem toda dinâmica entre grupos funciona desse jeito. Em determinadas circunstâncias, em circunstâncias excepcionais, surpreendemo-nos acreditando naquilo que não queremos acreditar. E ajudando aqueles que nos fazem mal — e até mesmo gostando deles. Considere uma doença chamada síndrome de Estocolmo — um fenômeno bem-documentado na literatura sobre negociação de reféns, e talvez mais bem-documentado ainda na cabeça de Natascha Kampusch.16 A síndrome de Estocolmo refere-se a uma dinâmica psicológica em que os reféns chegam a gostar e até mesmo a defender seus sequestradores. Tipicamente, isso acontece depois de gestos conciliatórios por parte dos
sequestradores, gestos contrários às expectativas dos reféns. Esses gestos podem começar com algo tão simples quanto lhes ser oferecida uma xícara de chá ou repartirem com eles uma barra de chocolate — e que podem chegar a pedidos de assistência médica ou ajuda “de fora”. E até mesmo, em certos casos, a apelos de apoio emocional. E há os casos realmente extremos — como o de Natascha Kampusch. Aqui, as gentilezas de seu sequestrador Wolfgang Prilopil não pararam na xícara de chá. Nem na barra de chocolate. Percorreram toda a gama da relação pai-filha, indo da provisão de comida e roupas à educação dada em escolas que funcionam em regime de tempo integral. E, além disso, não só durante alguns dias, mas por oito anos. Pense bem, por um momento que seja, no grau de dissonância emocional que essa intensidade de envolvimento fomentaria; nas forças sombrias da mente que devem ter pulsado pra lá e pra cá no âmbito opressivo e paralisante daquela prisão. Será que nos surpreende de fato que, mesmo num confinamento estarrecedor como esse, tenha surgido algum grau de ligação entre sequestrador-refém?17 Como exatamente funciona a síndrome de Estocolmo é uma questão complexa. Ela age, para a maioria, por meio de uma dose dupla de reciprocidade e coerência — daquele coquetel letal de influência do qual tomamos conhecimento no capítulo anterior por cortesia de Pat Reynolds. O ponto de apoio da dinâmica é o diferencial de poder entre sequestrador e refém. O comportamento conciliatório por parte do sequestrador cria um desequilíbrio na mente do refém, um desequilíbrio entre seus sentimentos pelo sequestrador (negativos) e os atos do sequestrador (positivos). Impotente para mudar os atos do sequestrador, o refém só tem um único meio a seu dispor — por mais pernicioso que seja — de restaurar a coerência cognitiva: mudar de atitude em relação a esses atos. Acrescente a isso o nosso velho conhecido, o princípio de reciprocidade — amor com amor se paga —, e os resultados, como vimos, são devastadores. Mas a reciprocidade e a coerência não são os únicos vilões aqui. Como Marshall Applewhite, Jim Jones e outros como eles sabiam muito bem, um dos maiores segredos do controle da mente é o controle sobre tudo o mais.
Morde e assopra
Em meados da década de 1960, o psicólogo Martin Seligman topou — em parte acidentalmente — com um fenômeno muito curioso. Tudo começou com um experimento rotineiro de condicionamento. Alguns cães, de acordo com o procedimento habitual de condicionamento, foram expostos a um par de estímulos em rápida sucessão — um som, seguido de um choque elétrico inofensivo, mas doído —, sendo o objetivo, por meio da associação repetida entre os dois, provocar medo só com o som.18 Para garantir que a associação preliminar entre o som e o choque seria feita da maneira esperada, Seligman prendeu os cães na fase inicial do condicionamento de modo que, depois de ouvir o som, a exposição ao choque era inevitável. Em outras palavras, eles não poderiam fugir. Mas, durante a “fase do teste” — em que o som não era acompanhado do choque —, as coisas eram diferentes. Os cães tinham a chance de fugir — prova, caso eles a aproveitassem, de que o condicionamento havia tido êxito. Deu tudo errado nesse experimento. E errado de uma forma que ninguém teria previsto. Para grande surpresa de Seligman... nada aconteceu. Absolutamente nada. Mesmo que na fase de teste os cães tivessem uma rota de fuga bem visível sempre que o som se fazia ouvir, eles simplesmente ficavam ali parados. Por incrível que pareça, eles não fizeram nenhuma tentativa de fugir do choque “iminente”. Mais incrível ainda foi o que aconteceu em seguida — quando Seligman dispensou o som por completo e só administrou choques. Choques fortes. Mesmo assim, os cães não se moviam. Sentimentos de impotência aprendida — o termo cunhado por Seligman para descrever esse comportamento — tinham sequestrado o cérebro dos animais e tomado seu “raciocínio” como refém. Tanto que eles simplesmente não se incomodavam mais. Hoje, Martin Seligman ainda dá o que pensar. Em 2002, em San Diego, ele apareceu inesperadamente num fórum organizado pela CIA como parte de um programa militar dos Estados Unidos batizado de SERF (sobrevivência, evasão, resistência, fuga) — um curso destinado especificamente a vacinar pilotos, membros da tropa de elite do Exército e outros prisioneiros potenciais de valor contra a tortura. Ou, se você prefere definições completas, técnicas de interrogatório proibidas explicitamente pela Convenção de Genebra. Ali, para um público de psicólogos e outros funcionários do governo norte-americano, Seligman discorreu durante três horas — sim, você adivinhou — sobre a dinâmica da impotência aprendida. Mesmo que depois ele tenha repudiado — e repudiado em alto e bom som — até a mais leve
insinuação de que ele poderia ter se associado voluntariamente com a formulação dos chamados “programas de tortura”, entre os presentes ao fórum estava um grande número de militares-chave dos Estados Unidos que, mais tarde, foram cruciais para o desenvolvimento de técnicas de “interrogatório intenso”.19 É claro que algumas pessoas têm uma tendência maior aos sentimentos de impotência aprendida do que outras. Tudo depende de seu estilo atribuicional — ou, em outras palavras, da forma como você interpreta as coisas que lhe acontecem.20 Tanto resultados positivos quanto negativos podem ser vistos como função de duas dimensões psicológicas: 1. Locus de — se você infere uma causa interna para o resultado e assume responsabilidade pessoal por ele x se você infere uma causa externa controlee a atribui à situação (temos exemplos de ambas as possibilidades no estudo dos muçulmanos/hinduístas feito por Miles Hewstone); 2. Generalidade — se você vê o resultado como um caso isolado e específico, ou algo de mais longo prazo. Imagine, por exemplo, que você acabou de ir mal numa prova. Com base nessas duas dimensões, há quatro formas diferentes de você racionalizar o seu desempenho: LOCUS
GENERALIDADE
Causa interna
Causa externa
Específica
Não estudei o suficiente Este exame não foi um verdadeiro teste da minha capacidade
Geral
Nunca fui bem em provas
As provas em geral não são uma medida acurada da capacidade
Se você é pessimista, ou tende à depressão, em caso de resultados negativos como esse é mais provável que você tenha um estilo atribuicional geral/interno (parte de baixo à esquerda da tabela) — e corre um risco maior de ser vítima da impotência aprendida do que alguém que vê as coisas de maneira mais específica. Mas, por outro lado, imagine o seguinte: você acabou de receber o relatório trimestral de seu corretor de ações e descobriu que as ações de uma nova emissão que você comprou subiram verticalmente. Aqui também, de acordo com as duas dimensões, há quatro formas diferentes de você ver a situação: LOCUS
GENERALIDADE
Causa interna
Causa externa
Específica
Tive sorte e ganhei A companhia foi bem sozinho na loteria dessa administrada durante vez esse trimestre
Geral
Em geral sou bom para avaliar o mercado
A economia está em boa forma — aproveitei uma boa chance
Aqui, quando o resultado é positivo, os estilos atribuicionais invertem-se. É o otimista que tem o perfil geral/interno (embaixo, à esquerda) — enquanto o pessimista é mais específico. Em resumo: os otimistas assumem o crédito pelos resultados bons e contextualizam os ruins, enquanto os pessimistas fazem o oposto: externalizam as coisas boas e assumem a responsabilidade pelas coisas ruins.g Mas aí é que está. Manipule o ambiente de alguém por um bom tempo — inunde-o de estímulos sobre o qual a pessoa não tem controle — e, cedo ou tarde, as atribuições vão começar a mudar. Exatamente como os cães do experimento de Seligman, o externo torna-se interno — e o câncer da vontade se manifesta. Um estudo dos anos 1970 colocou voluntários para resolver quebra-cabeças em uma sala enquanto ouviam gravações dos sons de máquinas de escrever.21 Adivinha o que aconteceu? O desempenho deles foi melhor quando acreditavam que o barulho podia ser controlado do que
quando achavam que era incontrolável: mesmo que fosse exatamente a mesma fita, com os mesmos ruídos tocados exatamente no mesmo volume. Até no trabalho de rotina da polícia, em salas de interrogatório e suítes de custódia a milhares de quilômetros da austeridade dos centros de detenção militares, a dinâmica do controle desempenha um papel crucial na obtenção de informações. Principalmente, ao que tudo indica, quando a possibilidade de exercer algum controle é mínima. Um tarimbado policial britânico me disse o seguinte: Pense bem. Algumas das pessoas que trazemos para cá estão habituadas a mandar. A fazer as coisas do seu jeito. Temos chefes de quadrilhas, espancadores de mulheres, tudo o que você imaginar. Mas, assim que o cara cruza aquela porta, os papéis se invertem. Nós controlamos tudo o que acontece aqui. Todo movimento que a pessoa faz. Tudo o que a pessoa quer — cabe inteiramente a nós decidir. Cabe a nós decidir quando a pessoa pode tomar uma xícara de chá. Cabe a nós decidir quando a pessoa pode usar o banheiro. Cabe a nós decidir se as luzes da cela vão ficar acesas ou apagadas. Todas essas pequenas coisas que tendemos a não valorizar quando estamos em casa — esqueça. Assim que a pessoa entra aqui, nós mandamos. Podemos observá-los o quanto quisermos pelo olho mágico da porta. E, se não quisermos falar com o sujeito, basta trancafiá-lo. Entende o que quero dizer? Quando digo que controlamos tudo, quero dizer tudo mesmo. E eles simplesmente não estão acostumados a isso, um monte de indivíduos que trazemos para cá. Eles não gostam nem um pingo quando a batuta não está na mão deles. No entanto, mais cedo ou mais tarde, eles começam a entender o que se passa.
Em ponto de bala A gente vê exatamente o mesmo nas seitas. Além dos fatores que examinamos antes — aqueles destinados a aumentar o fluxo de conformidade — os líderes das seitas seguem um modelo: um currículo de influência tão devastador quanto imprevisível. Jonestown ficava nos ermos do noroeste da Guiana, onde a dificuldade de “sair” superava, em muitos casos, os benefícios (tendo as ligações com amigos e familiares lá de fora sido erodidas gradualmente com o passar do tempo). A voz de Jones ressoava 24 horas por dia num sistema interno de comunicações — não tanto para fazer uma lavagem no cérebro, e sim para impregná-lo —, e os filhos dos seguidores eram incentivados a chamá-lo de pai. Lentamente, insidiosamente, sistematicamente, Jones — com uma persistência monótona, coerente —
elevou-se à condição de Deus. Primeiro ele estava em toda parte. Depois, ele era tudo. As vítimas de violência doméstica enfrentam uma situação quase idêntica. Veja o que diz Lisa, uma mulher de 35 anos e mãe de dois filhos: Começou com as minhas amigas. Ele dizia: “Ela não merece lamber a sola dos seus sapatos!” E, aos poucos, era o que eu acabava achando. Fosse quem fosse, eu ia perdendo o contato. A mesma coisa aconteceu com a minha família. Ele achava que minha mãe estava contra ele, que meu irmão estava contra ele; por que raios então eu teria qualquer tipo de relação com eles? Até me encontrar com alguém para tomar uma xícara de chá era visto como tomar partido. Ele me deixava no trabalho às 9h e me pegava às 17h, de modo que eu não tinha tempo de ter relações sociais com ninguém. E ele me telefonava na hora do almoço para ver se eu estava sozinha. Quanto ao salário, eu não vi a cor do meu dinheiro durante quase um ano e meio — ele deu um jeito de ele ser depositado direto na conta dele... A violência começou por causa das minhas roupas. Quando íamos a um lugar qualquer e eu resolvia me vestir bem e usar maquiagem, ele me batia e me chamava de puta. E, se eu não me vestisse bem, ele me batia por não fazer nada para agradá-lo. Tudo o que eu fazia estava errado. No fim, ele estava examinando até a minha roupa de baixo para ver se eu não tinha feito sexo com alguém. Isso, na verdade, foi o que me libertou. Foi a gota d’água.
Casos como o de Lisa parecem inacreditáveis até mesmo quando você os vê friamente numa página impressa como esta. Mas pergunte a qualquer membro de qualquer Equipe de Combate à Violência Doméstica das forças policiais de qualquer país se são só os detalhes que variam que ele vai lhe dizer exatamente a mesma coisa: a gente fica sabendo de centenas de incidentes desse tipo todo ano. Andy Green, chefe das forças policiais de Cambridgeshire, fala comigo sobre o perfil dos diversos tipos de criminosos. Ao ouvi-lo, de repente fico impressionado com a ubiquidade da lista: essas descrições, além de estarem relacionadas à violência doméstica, poderiam ser igualmente aplicadas ao local de trabalho. Do meu ponto de vista pessoal, há ao menos um antigo colega de trabalho que reconheço nela! Green concorda com um gesto de cabeça. — Isso mesmo — diz ele. — Estes são, basicamente, apenas estilos de persuasão que podem ser postos em prática em qualquer lugar. Só por terem sido identificados como violências acontecidas no lar não significa que não possam ser encontrados em qualquer outro local. Em outros contextos. São apenas meios diferentes para o mesmo triste fim.
A melhor definição para a taxonomia que Andy Green me apresenta seria “semioficial”.22 Não foi ratificada como tal, mas baseia-se em anos de experiência operacional e acabou virando um livrinho. O inventário vai do Intimidador que grita e vocifera, ao Chefe de Seção que acaba com você — dizendo que você é feio, burro ou imprestável. Ou todas as três coisas juntas. Mas há também o Rei do Castelo que trata você como criado, o Mentiroso — “Relaxa, é só uma brincadeirinha!” — e o Artista da Persuasão — que ameaça, elogia e bajula na mesma medida. — Muitas vezes — acrescenta Green — os efeitos da manipulação são tão fortes que até mesmo quando você abre a porta [para a vítima] e diz, “Olha, você pode ir embora... tem um lugar pra onde você pode ir... não deixa ele fazer isso com você mais não...”, ela olha pra você como se você estivesse louco. “Ele vai ficar com mais raiva ainda”, diz ela. Ou então, “Na verdade, ele não queria fazer isso”. É como se o cérebro dela tivesse sido imobilizado mês após mês, ano após ano, depois de ouvir a mesma coisa muitas e muitas vezes. Como se ela tivesse sido infectada por algum tipo de vírus. Quando lhe falo de Martin Seligman, Green sacode a cabeça num gesto de desalento. — Eu gostaria de dizer que isso aí é novidade — diz ele. — Mas não é. Certa vez, há vários anos, num workshop sobre autossugestão, eu mesmo fui infectado pelo vírus da imobilização nas mãos de um instrutor de artes marciais que já havia sido membro da tropa de elite do Exército. Esqueci seu nome agora, mas digamos que seja Curt. Curt começou o workshop encostando-nos numa parede e pedindo-nos para apertar as mãos o máximo possível. Depois disse que, no decorrer dos próximos minutos, ele ia invadir o nosso cérebro e sequestrar nosso livre-arbítrio. Em silêncio. Subrepticiamente. Mas de forma implacável. Enquanto isso, continuou ele, devíamos continuar apertando as mãos. A declaração de Curt foi recebida com desconfiança. Mesmo que não — sou obrigado a confessar (e tenho certeza de que não era o único) — sem um certo pressentimento ruim. Eu já sabia de algumas coisas a respeito dos membros da tropa de elite do Exército — das coisas que eles eram capazes de fazer. Será que Curt tinha conseguido de algum jeito passar cola nas nossas mãos sem que a gente percebesse? Para ser franco, eu não tinha certeza. Claro que, durante os minutos seguintes, Curt pôs mãos à obra. — Vocês vão começar a sentir as mãos grudando lentamente umas nas outras — disse ele como se entoasse um cântico —, como se elas estivessem
sendo mantidas no lugar por um adesivo muito forte. Enquanto sentem isso — acrescentou —, vocês devem apertar as mãos com mais força ainda, para facilitar o processo de grudá-las uma na outra e tornar a cola o mais forte possível. Dedo por dedo — continuou ele num tom de voz relaxado, mas firme e impositivo. — Vocês vão cimentar as mãos nessa posição de modo que, mesmo que queiram, não vão conseguir movimentá-las. E repetiu aquilo com cada um de nós por sua vez. — Torne a cola dura como uma rocha — disse ele pondo as mãos em concha em volta das nossas e aumentando ainda mais a pressão. — Na verdade — continuou ele —, faça com que ela fique tão dura que nada, absolutamente nada seja capaz de separar as suas mãos... E Curt continuou com essa ladainha por mais ou menos um minuto — incentivando-nos de forma confiante, metódica e prática a cimentar nossas mãos uma na outra. Isso é loucura, pensei comigo mesmo enquanto apertava os dedos o mais que podia. E, de repente, comecei a entrar em pânico. E se a brincadeira grudasse? — perguntei a mim mesmo. E se as nossas mãos ficassem presas mesmo? E aí? Será que ele ia nos atacar e roubar? Talvez toda aquela história de autossugestão fosse um golpe baixo destinado especificamente a juntar um monte de babacas sugestionáveis como nós numa sala para nos arrancar uma matrícula bem gorda. E, olha só! Tudo está funcionando como um relógio suíço. Talvez, depois que a gente assinar os cheques, Curt pegue o resto. Nossos cartões de crédito. Enquanto nós todos estamos aqui grudados com uma supercola. O vigarista filho da puta — pensei. Era isso, não era? Claro que sim. Como é que eu podia ter sido tão burro? Éramos nós que estávamos loucos, não ele. Calmamente, freneticamente, comecei a ruminar. Minha carteira... quanto é que tem lá dentro... hummm, não sei... cancelar os cartões vai ser um pé no saco... mas... pera aí... é melhor do que levar um TIRO — bom, e as fotos dos documentos de identidade?... bem, para começo de conversa tem a minha carteira de motorista... Enquanto isso, eu continuava apertando os dedos. Até que, de repente, Curt parou. — Muito bem — disse ele. — O que quero que vocês façam agora é parar completamente de apertar as mãos e soltar os dedos devagar. Façam isso enquanto eu conto até três. Estão prontos? Um... dois... três...
Todos olhamos uns para os outros meio constrangidos. Lancei um rápido olhar para o cara a meu lado, e ele fez o mesmo. — Não tenho certeza sobre esse lance — falou ele sem muita convicção. — Nem eu — respondi também do mesmo modo. Percebi que eu estava suando. Depois começamos a soltar as mãos. Alguns conseguiram instantaneamente. E outros tatearam imediatamente os bolsos de trás. Outros ainda, como eu, tiveram mais dificuldade. Mas, para um ou dois, foi simplesmente impossível. As mãos estavam realmente grudadas! Exatamente como Curt previra, por mais que tentassem, simplesmente não conseguiam separá-las. Por fim, evidentemente, depois que a poeira baixou e as coisas se acalmaram um pouco, eles também conseguiram se soltar. E aí todos nós sacudimos a cabeça num gesto de descrença e começamos a rir. Rá, rá, rá. Mas a lição, como bem sabe todo bom prestidigitador e mágico de palco, era clara como água. Repita uma coisa às pessoas por tempo suficiente — a certa altura, algumas delas vão acreditar piamente em você. Vão acreditar em você, seja o que for que você estiver dizendo, sejam quais forem as consequências.
Resumo Neste capítulo, vimos como uma força ancestral profundamente enterrada nos recessos últimos do cérebro — a necessidade de estar de acordo com os outros, de se conformar, de se ajustar — pode exercer uma influência tão grande sobre nossas atitudes e comportamentos quanto qualquer das estratégias de persuasão empregadas pelos publicitários modernos em seu papel de formadores de opinião. Hábitos antigos são difíceis de eliminar, e os atos daqueles que nos rodeiam — principalmente daqueles parecidos conosco — colocam poderosos ímãs evolutivos ao lado das bússolas que orientam as ideias em nosso cérebro. A conformidade está impressa de maneira indelével nos nossos genes. Na época de nossos antepassados, quando “sobrevivência” e “grupo” eram mais ou menos sinônimos, o mercado da individualidade era um pouco menos exuberante do que hoje — e é praticamente certo que a
capacidade de “abaixar a cabeça” conferia uma vantagem. É uma lição que nunca esquecemos. Num mundo alimentado por ideologias conflitantes, às vezes nossas origens tribais são motivo de preocupação. A dinâmica de grupo conforma-se a certas leis, e aqueles que têm conhecimento delas, se tiverem propensão para tal, “modificam geneticamente” um grupo para criar, na sociedade, linhagens mutantes de extremismo muito afastados da norma. Mas nem todos os grupos seguem as mesmas leis. E, embora o poder do maior número nos reforme “a partir de cima”, a minoria trabalha “a partir de dentro”: induzindo o cérebro a questionar a realidade — primeiro desmanchando e depois refazendo o tecido transformador da verdade. No próximo capítulo, o foco dos nossos holofotes vai incidir diretamente sobre a flipnose — colocando-a sob o microscópio e mapeando seu DNA. Existe, perguntamos, escondido dentro da melodia da mente, uma nota de ouro de influência que todos nós poderíamos tocar? Não só o virtuose da persuasão, mas os artistas de rua também? A resposta, como veremos, é sim. Nossa análise descobre a hélice dupla da influência, escondida no relicário que existe dentro do código secreto da persuasão. Teste do estilo atribuicional As dez frases apresentadas a seguir referem-se a formas diferentes de interpretar os acontecimentos da vida. Indicam, na escala apresentada junto com elas, o grau com que você concorda ou discorda de cada uma delas. Por exemplo: se você concorda inteiramente com a frase, faça um círculo em volta do número 4. Se discorda profundamente, faça um círculo em volta do número 1. 1. Quando faço bem uma tarefa, ou me saio bem numa prova, é principalmente porque ela foi fácil.
2. Quando vou mal numa prova, posso me sair melhor da próxima vez se estudar mais.
3. “O lugar certo, a hora certa” são uma receita infalível para o êxito.
4. Participar de comícios políticos em geral é ineficaz: ninguém dá muita bola.
5. A inteligência é determinada na hora do nascimento — não há muito o que você possa fazer para aumentá-la.
6 Atribuo meus êxitos mais à minha capacidade do que ao acaso.
7. A impressão que você causa nos outros cabe a eles — na verdade, você não tem como mudá-la.
8. Se você vai adoecer, não há como evitar — não há praticamente nada a fazer a respeito.
9. Não dá para fugir do seu destino.
10. Se o verdadeiro amor existe, você vai acabar por encontrá-lo — está escrito nas estrelas.
Contagem de pontos: Em relação às frases 2 e 6, inverta a contagem de modo que 1 = 4 e 2 = 3. Depois some os pontos relativos a todas as dez frases. Em geral, um total de 15 ou menos indicam um estilo atribuicional interno, ao passo que os totais superiores a 25 indicam um estilo atribuicional externo. Os totais que se encontram na faixa entre 15 e 25 indicam uma mistura dos dois.
Notas a
Essa estatística se refere somente a calamidades que não são naturais.
Isto é, depois de ouvir as declarações do colaborador que representava a minoria de voluntários anteriores (18,2%). b
Isto é, o colaborador que acompanhava os participantes aos quais foi dito que 18,2% dos voluntários anteriores tinham visto a cor verde nos slides. c
Segundo Irving Janis, que realizou grande parte das primeiras pesquisas sobre o pensamento de grupo na década de 1970, este fenômeno compreende “uma modalidade de pensamento que as pessoas adotam quando estão profundamente envolvidas num grupo coeso, quando os esforços dos membros para chegar à unanimidade superam sua motivação para avaliar realisticamente cursos de ação alternativos”. O inventário completo dos sintomas do pensamento de grupo é o seguinte: sentimentos de invulnerabilidade que geram um otimismo excessivo e encorajam os membros de um grupo a assumir riscos e ignorar as advertências que podem questionar seus pressupostos; crença inabalável na moralidade do grupo, o que leva seus membros a minimizar as consequências de seus atos; visões estereotipadas dos líderes inimigos; pressão no sentido da conformidade aplicada aos membros dissidentes, “desleais”; exclusão das ideias que se desviam do consenso aparente do grupo; ilusão de unanimidade; e “guardas mentais” — membros autonomeados que protegem o grupo de opiniões dissidentes (Janis, Irving L. e Mann, Leon, Decision Making: A Psychological Analysis of Conflict, Choice and Commitment, Nova York: Free Press, 1977). d
Depois que o incidente se tornou notícia nacional, Obama acabou convidando ambos os protagonistas — Gates e Crowley — para tomar uma cerveja com ele na Casa Branca, no que se tornou conhecido imediatamente como “reunião de cúpula da cerveja”. Embora nenhuma das partes tenha pedido desculpas por seu papel no caso, concordaram em que todos têm direito à sua opinião e prometeram voltar a conversar. e
Kampusch tinha, sim, permissão para sair da masmorra (situada embaixo da casa de Priklopil) durante períodos limitados para ajudar seu sequestrador nas tarefas domésticas. Mas o combinado era que, se ela tentasse fugir, ele a mataria. f
g
Você pode descobrir seu estilo atribuicional respondendo ao questionário no final do capítulo.
6 A flipnose
Um voo de Londres à Cidade do Cabo passa por várias turbulências sobre as selvas da África Central. O comandante fica sabendo que alguns dos passageiros estão extremamente nervosos. Alguns momentos depois, a voz do piloto se faz ouvir: — Jesus, vamos todos morrer! Vamos todos morrer! — grita ele. — Ai, que merda! Era a luz do interfone, e não a do motor... Uma grande gargalhada ressoa por todo o avião e a calma é restaurada.a
Graham Chapman, coautor dos quadrinhos do papagaio, não existe mais. Foi-se. Sem vida, descansa em paz. Bateu as botas, abotoou o paletó, partiu desta para melhor, soltou seu último suspiro e entregou a alma ao grande Senhor das Luzes do céu. E eu acho que estamos todos pensando no quanto é triste um homem com tanto talento, com um coração tão grande, com uma inteligência tão rara ter agora, de repente, puxado o carro só com 48 anos de idade, antes de realizar muitas das coisas de que era capaz e antes de curtir tudo o que poderia ter curtido. Bom, acho que devia dizer: “Besteira. Feliz desintegração para ele, para aquele filho da puta folgado, espero que ele frite no inferno!” E o motivo de eu achar que devo dizer isso é que ele nunca me perdoaria se eu não dissesse. Se eu desperdiçasse essa oportunidade única de chocar você em nome dele. Pra ele, qualquer coisa servia, menos o bom gosto. Parece que o ouvi sussurrar no meu ouvido na noite passada, enquanto eu escrevia essas palavras. “Beleza, Cleese”; parece que ele estava dizendo, “você tem muito orgulho de ser a primeira pessoa a dizer merda na televisão britânica. Se você está realmente prestando esse serviço pra mim, ao menos para os iniciantes eu queria que você fosse a primeira pessoa que já esteve presente a um serviço fúnebre britânico a dizer ‘foda-se’”. John Cleese, discurso feito durante o funeral de Graham Chapman em 1989.
Um gênio da persuasão Certa tarde, numa sala de aula da Alemanha rural, um professor apresenta a seus alunos o seguinte problema: somem, diz ele, todos os números entre 1 e 100. Vai até o quadro-negro e esboça a soma: 1 + 2 + 3 ... 98 + 99 + 100. E depois se senta e pega uma pilha de trabalhos escolares para corrigir. As crianças de sua classe têm só 7 anos de idade. De modo que o professor supõe que elas vão levar o resto do dia para realizar a tarefa. Exatamente o tempo de que precisa para terminar suas obrigações. Mas aí, depois de mais ou menos 20 segundos, um dos alunos levanta a mão. — Professor — diz o menino —, acho que tenho a resposta. — Duvido! — diz o professor. — É 5.050 — replica o menino. O professor fica pasmo. Aproxima-se do garoto e pede que ele explique como chegou ao resultado. Como ele conseguiu encontrar a solução tão depressa. — Foi simples — disse o menino. Vai até o quadro-negro e começa a escrever: 100 + 1 = 101 99 + 2 = 101 98 + 3 = 101 E, de repente, ele para. — Está vendo? — pergunta ele. — Tem uma lógica. Entre 1 e 100 tem cinquenta pares de números que, quando a gente soma, dá 101. De modo que a resposta deve ser 50 multiplicado por 101. Que dá 5.050.1 Alguns anos depois, entre uma miríade de outras descobertas, Carl Friedrich Gauss desenvolveu a aritmética modular — uma contribuição muito importante para o campo da teoria dos números — e é considerado hoje um dos maiores matemáticos da história. Adoro essa história sobre Carl Friedrich Gauss. Se é verídica ou não, não tenho a menor ideia. O que eu gosto nela é a matemática. O segredo escondido nos algoritmos. Gosto da ideia de que, embutida na sequência
tediosa dos números, há uma lógica clara e simples. Uma lógica que revela, desde que a gente seja capaz de discerni-la, uma solução elegante e inteligente. O que se aplica à matemática aplica-se também à persuasão. Diante de um problema que precisa ser resolvido, a maioria de nós toma o caminho mais longo e faz o que aprendeu na sala de aula: soma os números. Mas é que existem gênios. Aquelas pessoas que, além de acertarem na mosca, ainda por cima lhe dão um bom chute no saco. Imagine que lhe pediram para fazer o discurso fúnebre no enterro de um de seus melhores amigos. Você assume seu lugar na frente da congregação e começa a fazer o esperado: 1 + 2 + 3... — Ele foi um grande amigo meu e todos nós vamos sentir muito a sua falta. E blá-blá-blá... Tudo bem. Você consegue resolver a parada. Mas agora vamos imaginar que você resolve os problemas de uma forma ligeiramente diferente: “Graham Chapman, coautor dos quadrinhos do papagaio, não existe mais...”b Cinco mil e cinquenta. Ou então imagine que você é o piloto de um avião que está atravessando uma turbulência séria e que seus passageiros estão apavorados. O que você faz? Bem, você poderia lhes explicar que, na verdade, as viagens aéreas são uma das formas mais seguras de transporte. Que a turbulência não é perigosa. E que logo, logo o pior vai passar... 1 + 2 + 3... Ou então poderia fazer o que fez o piloto daquele voo entre Londres e a Cidade do Cabo. Acalmar os nervos com uma única frase nocauteadora. Por fim, coloque-se no lugar do experiente policial Ron Cooper — 23 anos de janela — e lá está você, de frente com um homem a mais de 30 metros de altura. E cabe a você dissuadi-lo de pular. Você saca sua calculadora e começa a fazer contas. — Por que você não vem até aqui por um momento, tenho certeza de que podemos resolver isso... Será? — Importa-se se eu tirar o meu casaco? — pergunta Cooper. — Dá um pouco de calor a gente subir correndo catorze lances de escadas. — Faça o que bem entender — responde o cara. — Não estou nem aí. Lenta e penosamente, no meio do vento que uiva e da chuva que cai torrencialmente, Cooper começa a desabotoar o sobretudo de policial. Vinte minutos — e catorze andares — antes, ele havia sido o primeiro a chegar
àquele lugar depois que alguém ligou para a polícia. Um homem jovem. Por volta dos 25 anos. No telhado de um estacionamento de vários andares. Ameaçando pular. — O mundo é um monte de bosta! — o cara tinha gritado para a multidão de curiosos que começava a se juntar lá embaixo. — Ninguém liga mais pra nada. Não faz a menor diferença pra ninguém se eu estou vivo ou morto. Por que haveria de fazer diferença pra mim? Cooper tira o sobretudo. Depois a gravata. E aí, vigiando o cara o tempo todo com o rabo do olho, começa a desabotoar a camisa. — Não tente fazer nenhuma gracinha — diz o cara, quando Cooper está prestes a tirá-la —, ou eu pulo! — Claro que não — diz Cooper enquanto a dobra cuidadosamente e a põe no chão. — Só estou querendo ficar à vontade, só isso. Ele está só de camiseta e o vento continua uivando e a chuva continua torrencial. QUE SE FODA! — JÁ TENHO AMIGOS DEMAIS! — diz o slogan da parte da frente da camiseta. Ele consegue chegar no beiral e vira-se para olhar para o jovem de frente e o slogan ficar bem visível. Olha bem nos olhos dele. — E aí? — pergunta ele. — Vai querer conversar comigo, ou não vai?
A anatomia da influência As soluções que Ron Cooper, John Cleese e o piloto do avião deram a seus respectivos problemas dificílimos e muito diferentes entre si foram brilhantes (você vai ter o prazer de saber que o cara do beiral viu o lado engraçado da camiseta de Cooper). Mas não existem duas pessoas iguais. Suas soluções deram certo com eles, naquele momento em particular. Sorte deles, não é? Essa observação tem implicações importantes para a forma de ver a persuasão até agora. O discurso fúnebre. A estratégia para convencer o sujeito a desistir de pular. Os passageiros nervosos. Teoricamente, o número de soluções para esses problemas poderia ser enorme. Igualmente irreverente (ou não, dependendo do caso). E igualmente “gaussiano”. Depende de quem
você é. E — o que talvez seja mais importante ainda — depende de quem é o outro, os outros. Mas, por outro lado, também vimos um sistema. Uma fórmula. Um algoritmo da persuasão — que, se estiver certo, parece fatorar essa variação, essa diversidade de estilo, numa tríade de constantes retóricas: 1. A matéria-prima básica do que você diz — aquilo a que seu(s) ouvinte(s) presta(m) atenção. 2. A maneira pela qual você entrega essa matéria-prima — um bom indicador da maneira pela qual seu ouvinte vai processá-la ou abordá-la; 3. Fatores psicológicos relacionados à maneira pela qual seu(s) ouvinte(s) avalia(m) você, ou o grau de importância que atribui(em) ao que você diz no contexto das relações dele(s) com os outros: os parâmetros da associação. E então? Como é que você reconcilia esses dois pontos de vista contrários? Será que toda persuasão bem-sucedida, em suas muitas formas diferentes, reduz-se aos Três As? Ou há alguma coisa mais? Alguma coisa que passou despercebida a Keith Barrett mesmo com o passar dos anos? Para responder a essa pergunta, tornei-me um colecionador de formas de persuasão. Durante um período de dezoito meses, utilizando uma grande variedade de fontes, montei um “banco de influência”: uma antologia definitiva, com mais de 150 exemplos, de mudanças de opinião radicais, súbitas, dramáticas. Como aquela obtida por Ron Cooper. Ou, se você ainda se lembra lá da introdução, do músico do avião. Exemplos como esses — exemplos de flipnose, como batizei esse tipo de persuasão — eram indispensáveis, a meu ver, para mapear o genoma da influência. Se os Três As eram realmente endêmicos à persuasão, se realmente constituíam as unidades básicas do controle da mente, onde é que teriam mais probabilidade de se manifestar? Em quem consegue virar o jogo? Em quem se pendura à beira de um precipício? Nas questões de vida ou morte? Ou nas badaladas bombinhas de creme e chocolate de Michelin na primeira classe (supondo, é claro, que não havia ninguém que fosse um porre total na cabine)? Depois que o banco de dados começou a ganhar força, consegui alguns voluntários. Leiam a descrição dessas situações, eu disse. E depois, um de cada vez, ponha no papel os fatores que vocês acham que mais contribuíram
para o resultado persuasivo. As descobertas foram espantosas. A análise revelou que a persuasão tem cinco eixos principais: 1. 2. 3. 4. 5.
simplicidade; interesse pessoal evidente; incongruência; autoconfiança; empatia.
Em inglês, a sigla é SPICE.c O interessante que esses cinco fatores, além de se harmonizarem perfeitamente com os Três As de Keith Barrett (se tomarmos a simplicidade e a incongruência como equivalentes ao fator Atenção; autoconfiança como equivalente ao fator Abordagem e interesse pessoal evidente e empatia como equivalentes ao fator Associação), também fazem parte daqueles princípios tão indispensáveis à influência no reino animal, sobre os quais já falamos. E também, claro está, à persuasão neonatal. Aqui estava uma influência que incorporava todas as demais. Que tinha um período de incubação de segundos. Uma linhagem do vírus da persuasão tão instantânea, tão perigosa, tão antiga — que ela não só virava a mesa, ela a mandava pelos ares. Com o número de palavras (basta perguntar a Ron Cooper) que você pode estampar na parte da frente de uma camiseta.
SIMPLICIDADE Daltonismo Lembro-me de ter lido, alguns anos atrás, uma história num jornal londrino. Um velho afro-caribenho estava voltando do trabalho para casa de ônibus. Numa das paradas, subiu um bêbado que não achou lugar para se sentar. — Levanta daí, seu negro fedorento, gordão filho da puta! — gritou o cara. — Tá me chamando de gordo? — perguntou o homem.
Gargalhadas explodiram em todo o ônibus, e o bêbado desceu. Uma catástrofe evitada com apenas quatro palavras incríveis. A regra de ouro de qualquer tipo de persuasão — da política à publicidade, de negociar aquele contrato a evitar um confronto racial de larga escala — é que não é o que você diz que necessariamente ganha o dia, mas como. Em geral, quanto mais simples, melhor. A pesquisa comprovou muitas e muitas vezes que nosso cérebro tem preferência pela simplicidade. Considere, por exemplo, o problema de adição apresentado abaixo. Cubra-o com um pedaço de papel e depois vá descendo o papel para revelar cada número em sequência enquanto você faz a soma de cabeça: 1000 40 1000 30 1000 20 1000 + 10 A que resultado você chegou? Se foi 5.000, tente outra vez. Na verdade, a resposta certa é 4.100. Por que deu errado? Bom, quando o cérebro chega ao penúltimo subtotal de 4.090, ele espera que o total final seja um belo número redondo, exato. De modo que ele aposta naquele que lhe ocorre mais depressa: 5.000.2
Influência de primeira classe A sensação de fluência ao processar uma informação é o elemento crucial para o cérebro prever se vai “dar conta” dela ou não. Simples é bom. Complicado é ruim. É por isso que a flipnose é tão potente. Consiste, em termos zoológicos, no equivalente humano moderno de um estímulo-chave
da influência. Como os maiores expoentes mundiais das artes marciais — alguns dos quais, como veremos adiante, já têm seus 80 anos e pedrada —, o flipnotizador despende pouca energia. Exatamente da mesma forma que aqueles grandes mestres espectrais e monges misteriosos que parecem sair do nada e procuram pontos físicos de pressão, o flipnotizador, por seu lado, vai direto na jugular psicológica. Em outrs plavrs, na flpnse, só infrmçs esencis pra cmuncção são icluids na massg. Luke Conway, professor de psicologia da Universidade de Montana, estuda o papel da simplicidade na oratória política. O que ele descobriu é interessantíssimo: quando os políticos estão em campanha eleitoral... adivinha... eles voltam ao básico e seus discursos ficam menos floreados.3 Conway analisou os quatro discursos sobre A Situação da Uniãod de 41 presidentes norte-americanos pronunciados em seus primeiros mandatos, e detectou um tema recorrente. Descobriu que quanto mais mandatos um presidente cumpria, tanto maior a redução da complexidade ideológica. A correlação era linear. Os discursos inaugurais sobre a Situação do País eram cheios de nuances. Tinham um tom inclusivo — tipicamente, abrangia mais pontos de vista contrários. E, conceitualmente falando, eram mais confusos. O último discurso — feito imediatamente antes de uma possível reeleição — era o mais claro que é possível para um político. — Simplicidade vende — conclui Conway. — Ninguém participa de uma passeata gritando palavras de ordem que dizem: “Posso estar certo, posso estar errado, vamos dialogar.” Considere, por exemplo, um dos maiores oradores políticos da história. Quando Winston Churchill pronunciou seu discurso imortal de 4 de junho de 1940, “Vamos enfrentá-los nas praias...”, depois da retirada da Força Expedicionária Britânica de Dunquerque, ele poderia ter usado outras palavras. Em vez de chegar a ser uma das maiores peças de oratória já ouvidas, o discurso de Churchill a seu povo poderia ter sido algo do tipo, “As hostilidades vão ter lugar contra o inimigo no perímetro litorâneo...”. Infelizmente, nunca saberemos por que Churchill preferiu essa versão em particular. As pessoas fazem coisas estranhas quando estão sob pressão, não fazem? Mas, numa situação menos dramática, sabemos, sim, porque o departamento de marketing da Marks & Spencer pôs recentemente a frase “Exclusivamente para Todos” nas laterais de sua frota de transporte.
— Não há muito espaço na lateral de um caminhão — disse-me um portavoz quando eu telefonei para lá. — E menos ainda numa van. E, se você está no meio do trânsito, não tem muito tempo pra ler. Acho que a gente poderia ter posto algo como: “Temos mercadorias da melhor qualidade que é barata e pode ser encontrada facilmente.” Mas, por algum motivo, essa versão não tem a mesma força, não é? Na propaganda, é melhor manter as coisas simples. Matthew McGlone, da Universidade do Texas em Austin e sua colaboradora Jessica Tofighbakhsh realizaram um experimento com poesia. Bem, não poesia exatamente. Mais com rimas. Com uma técnica engenhosa para explorar a anatomia do saber, McGlone e Tofighbakhsh resolveram descobrir se as frases que rimam contêm mais verdade — ou melhor, se as pessoas acham que elas contêm mais verdade — do que as outras.4 Para começo de conversa, McGlone e Tofighbakhsh compilaram uma série de aforismos expressivos, mas obscuros. Depois, acrescentaram à série as suas próprias modificações ligeiramente diferentes. “Caution and measure will win you treasure” [Cautela e moderação granjeiam apreço] eles modificaram para “Caution and measure will win you riches” [Cautela e moderação granjeiam bens]. “What sobriety conceals, alcohol reveals” [O que a sobriedade esconde, o álcool revela] eles passaram para “What sobriety conceals, alcohol unmasks” [“O que a sobriedade esconde, o álcool desmascara]. Depois reuniram um grupo de voluntários para ler em voz alta as suas máximas de sabedoria — tanto as versões originais quanto as modificadas — e classificar cada uma delas de acordo com o seu grau de precisão. Em que medida, perguntaram McGlone e Tofighbakhsh, os provérbios têm a ver com vida real? Exatamente como teríamos previsto — e exatamente como McGlone e Tofighbakhsh previram de fato —, os membros de seu grupo de voluntários preferiram as versões rimadas. Os participantes consideraram as frases originais que rimavam menos artificiais e mais genuínas do que as frases modificadas que não rimavam. Acharam que eram um reflexo mais verdadeiro e mais acurado de como as coisas são realmente. Por quê? Bem, essas frases, sugerem os pesquisadores, o nosso cérebro consegue engolir inteiras. Não temos de nos preocupar em dividi-las em pedaços menores, mais fáceis de passar pela garganta. Processamos esse tipo de linguagem com mais facilidade. Processamos essas sacadas e esse sentido
com mais fluência. E fluência, como acabamos de ver na política, alimenta a confiança. Quando eu era criança, lembro que, antes de uma luta, o boxeador Muhammad Ali fez previsões sobre o round em que ganharia. Mas o engraçado é que sua previsão foi em versos: Ele pula feito pulga, e vou pegá-lo em três. Ele quer chegar ao céu e vou derrubá-lo em sete. Ele se acha o bom e vou vencê-lo em oito.e
Será que Ali, inconscientemente ou não, estaria sacando uma lei secreta de persuasão aqui? Será que seu talento para a rima lhe permitia ver o adversário de forma condescendente? Será que seu pendor artístico lhe dava algum dom místico? Será que pôr as coisas em verso deixava seu punho implacável? Claro que é possível. E um monte das previsões de Ali se realizaram de fato. Há alguns anos, quando comecei a trabalhar com a flipnose, fiz pesquisas com o pessoal que trabalha nos balcões de check-in dos aeroportos. Exclusivamente por causa da pesquisa, claro, aconteceu de eu fazer perguntas sobre a primeira classe. Mais especificamente, sobre como chegar lá de penetra. Embora reduzir as coisas a um único “algoritmo de upgrade” tenha sido impossível (bem, você não espera que eu lhe conte tudo, espera?), muitas das pessoas com quem conversei mencionaram o humor. Na verdade, um funcionário da Aer Lingus que entrevistei em Dublin lembrou-se de um caso realmente extraordinário, de uma vez em que uma frase simplesmente fez a cabeça dele de tal maneira que ele nem pestanejou: “Você tem um lugar na janela... na primeira classe?” — Não foi tanto o que ele disse — comentou o cara da Aer Lingus. — Foi o jeito dele falar. Estou lhe dizendo, esse sujeito teria vendido crack numa convenção de Testemunhas de Jeová. Foi o jeito com que ele olhou pra mim. Foi como se ele estivesse dizendo: “Tudo bem, não faz mal se você não tiver.” Ele irradiava autoconfiança, mas não de uma forma arrogante como acontece com algumas pessoas. Era evidente que estava naquelas de que “quem não arrisca, não petisca”. Foi uma coisa tão simples... Eu nunca ia esperar uma coisa dessas. E foi isso. A ilusão que muitos de nós têm quando se trata de persuasão é que ela tem de ser complicada. Não tem. É como aquelas musiquinhas que
não param de tocar na cabeça da gente — a influência que realmente tem poder é simples. É descarada. É inesperada. E está bem ali na sua cara. Leia de novo o que disse o cara da Aer Lingus. Há uma impressão digital bem clara aqui. Incongruência. Autoconfiança. Empatia. E, se você contar a inserção furtiva da reciprocidade — “Eu não vou... se você não...” (mais sobre isso adiante) — interesse pessoal evidente. E tudo isso sintetizado em nove palavras simples.
INTERESSE PESSOAL EVIDENTE Dupla de banqueiros A banda de rock Oasis estava dando um show em Manchester quando problemas técnicos obrigaram os artistas a sair do palco. Quando voltaram, o vocalista Liam Gallagher anunciou o seguinte à multidão de mais de 70 mil pessoas: “Sinto muito pelo problema. A partir de agora, isso aqui é um show gratuito. Todo mundo vai ser reembolsado.” No dia seguinte, 20 mil fãs aceitaram a proposta — a um custo de mais de £1 milhão para a banda. O que fazer? Cumprindo a palavra, a Oasis soltou a grana. Mas havia uma pegadinha. Os cheques do reembolso haviam sido assinados pessoalmente tanto por Liam quanto por Noel — com um logotipo exclusivo do “Banco de Burnage”, sendo Burnage a região de Manchester onde a banda começou. Uma porta-voz da banda disse: — É óbvio que as pessoas podem descontar os cheques. Mas eles são muito especiais, de modo que algumas delas talvez prefiram guardá-los de lembrança. Alguns apareceram no eBay. Se você quer saber qual o segredo da persuasão escondido em tão poucas palavras, é fácil. Apele para o interesse pessoal da outra parte. Ou, mais especificamente, para seu interesse pessoal evidente — o que elas pensam ser uma vantagem para elas. Esta é também uma das regras de ouro da boa administração. Quer influenciar o seu chefe? Então descubra o que o chefe dele quer. Recapitulando rapidinho: qual é a melhor forma de controlar um
cavalo? Certo. Levá-lo na direção em que ele está indo. Frequente um pátio de escola durante qualquer período de tempo (ou talvez seja melhor não) que você logo vai entender o que quero dizer. As crianças conseguem o que querem umas das outras fazendo uma de duas coisas: ou trocam (se você me deixar brincar um pouco com o seu PlayStation, eu lhe dou a minha barra de chocolate), ou fazem ameaças (se você não me deixar brincar com o seu PlayStation, vou dizer à professora que você roubou a minha barra de chocolate). É a lei da selva. As mais espertas chegam a virar a mesa até com os adultos. Eu estava numa festa de réveillon certa vez quando minha amiga estava prestes a pôr o filho de 9 anos na cama. — Mas, mãe — pediu ele —, são só oito e meia. Me deixa ficar mais um pouco. A mãe foi inflexível. — Você sabe como fica quando dorme tarde — respondeu ela. — Fica cansado por dias e dias. — Bom — replicou o menino —, você quer me ver correndo pela casa às sete da manhã quando você quiser levantar mais tarde? Na mosca. A diplomacia, disse alguém certa vez, é a arte de deixar os outros fazerem o que você quer que eles façam. E de fazer o possível para sentirem prazer nisso.5
Ir em frente ou não, eis a questão Os irmãos Gallagher não são conhecidos pelo seu talento para a diplomacia. Mas, no incidente do reembolso, eles se superaram. É muito provável que aqueles cheques se tornem artigos de colecionadores daqui a alguns anos — e valham muitíssimo mais do que valem agora. Em dinheiro vivo ou leiloados no eBay. Ao mesmo tempo, ninguém pode acusar os meninos de não cumprirem a palavra. Bela jogada. O que a banda Oasis fez aqui não é nenhum bicho de sete cabeças. É biologia. Ao emitir aqueles cheques — o máximo em termos de “edições limitadas” —, os integrantes da banda estavam, na verdade, usando uma
antiga lei da influência chamada escassez. A escassez é um dos seis princípios evolutivos da persuasão apresentados por nosso velho amigo Bob Cialdini, professor de psicologia da Universidade Estadual do Arizona — e refere-se à observação de que, quanto menor a quantidade disponível de alguma coisa, tanto mais a queremos.6 Entre os outros princípios, com os quais já nos deparamos em várias formas, temos a reciprocidade (sentir-se obrigado a retribuir um favor); envolvimento e coerência (como os Gallaghers, queremos cumprir nossa palavra); autoridade (nós nos submetemos a quem tem poder); estima (dizemos sim a quem gostamos); e referência social (verificamos o que os outros estão fazendo quando nós mesmos não nos sentimos muito seguros). Por causa de sua base evolutiva e de seu papel na sobrevivência primitiva, cada um desses princípios opera diretamente no plano do interesse pessoal. Considere a referência social, por exemplo. Um estudo recente da Universidade de Aberdeen revela que, quando um homem entra num bar, seu grau de atração aumenta em 15% se ele estiver acompanhado de uma mulher sorridente (se forem seis, você será irresistível).7 E, entre os animais, há exatamente o mesmo impulso-reflexo de imitação. As fêmeas do tetraz (ave galinácea) e do barrigudinho (peixe de água doce) — sendo todas as outras variáveis idênticas — preferem os machos que elas viram copular antes com uma boneca imitando outra fêmea aos outros machos (embora eu não esteja insinuando que alguém chegue a esse ponto). Por quê? Porque, em condições de incerteza ou informações limitadas, o princípio da referência social funciona como uma heurística poderosa do interesse pessoal. Se outras fêmeas se sentem atraídas, por que não ela? Em geral, as propriedades persuasivas do interesse pessoal são difíceis de definir. Nenhum de nós gosta realmente de pensar em si mesmo em termos puramente egoístas — não é do nosso interesse fazer uma coisa dessas. Mas vamos tentar. Imagine que você, junto com outros 29 indivíduos, apresenta-se como voluntário para um experimento psicológico um tanto bizarro, mas bem-pago, que eu estou realizando. Quando vocês aparecem para realizar suas tarefas, mostro a cada um de vocês um cubículo separado que contém uma campainha situada num lugar bem visível de um painel central. E digo, antes de vocês entrarem no cubículo, que vão ficar lá dentro por um período de 10 minutos, mas que vocês podem apertar a campainha a hora que quiserem. Mas assim que a campainha for acionada pela primeira vez, será o sinal para
terminar o experimento. Ah, e mais uma coisinha: vocês não podem se comunicar uns com os outros enquanto estiverem nos cubículos. Bom, só que eu não explico isso em termos muito precisos — e é aí que as coisas começam a ficar interessantes. Se depois de 10 minutos acontecer de ninguém apertar a campainha, nesse caso, todo mundo — isto é, você e seus 29 companheiros — vai ter direito a férias pagas de 21 dias em qualquer lugar do planeta que escolherem. Por outro lado, se a qualquer momento daquele período de 10 minutos alguém apertar aquela campainha, seja quem for o cara, ele vai ter direito a férias pagas de seis dias, e você e o resto não vão ter direito a nada. Começa a marcação do tempo. O que você faz? Na primeira vez em que se depara com o Dilema do Lobof — que, caso você esteja se perguntado do que se trata, é exatamente o nome desse experimento —, a maioria das pessoas não precisa pensar duas vezes. O que você tem de fazer é claro como o dia. Segurar as pontas durante 10 minutos. Se ninguém fizer nada durante esse tempo, todo mundo vai ficar passando filtro solar durante 21 dias, certo? Talvez sim, talvez não. Quais são as probabilidades de haver alguém no grupo que, por uma questão de puro interesse pessoal ou burrice aleatória, aperte “acidentalmente” a campainha? Você acha que pode se dar ao luxo de correr esse risco? Quanto mais você pensa nisso, tanto mais fica óbvio que a opção racional é, na verdade, você mesmo apertar a campainha. Se as probabilidades forem ao menos um dos outros 29 caras apertar aquela campainha e detonar todos os outros — e pegar o voo que o levará para o sol durante seis dias —, você tem um motivo muito bom para se perguntar por que, então, não seria você? Na verdade, a melhor coisa a fazer é nem sequer pensar em apertar aquela campainha. E simplesmente apertá-la. Assim que você entrar no cubículo. Se, afinal de contas, você chegou à conclusão de que é do seu interesse apertar o botão da campainha, por que um dos outros também não chegaria? E por que você não faria isso agora?
A prova do tempo
Foi no século XVII que o filósofo britânico Thomas Hobbes, que cunhou a frase relativa à “guerra de todos contra todos”, descreveu o que seria a vida sem um governo. (Ainda que, com as restrições ao crédito geradas pela escassez de dinheiro e as taxas de juros altas, o escândalo das despesas de membros do Parlamento e a ocupação do Afeganistão, a gente fique se perguntando se não seria o caso de fazer uma tentativa de passar sem ele.) Mas prefiro as palavras do ex-primeiro-ministro australiano Gough Whitlam: “Os apostadores sabem que o garanhão chamado Moralidade raramente cruza a reta de chegada, enquanto o pangaré chamado Egoísmo sempre tem um bom desempenho.” Na verdade, Whitlam pode ter sido bem literal — se os resultados de um estudo de Princeton, realizado nos idos da década de 1970 merecem algum crédito. Os psicólogos John Darley e Daniel Batson dividiram estudantes do Seminário Teológico de Princeton em dois grupos. E disseram aos membros do primeiro grupo que seriam filmados enquanto discorressem sobre os empregos que consideravam os mais apropriados para os alunos que estavam no seminário depois de sua formatura; ao segundo grupo, pediram que falassem sobre o Bom Samaritano. Os grupos tiveram vários minutos para se preparar e fazer anotações. Depois disso, um dos pesquisadores explicou que o estúdio onde seriam feitas as gravações ficava num prédio vizinho ao qual teriam acesso por uma passarela que ligava os dois edifícios.8 E agora é que vem a parte interessante. Antes de partir para o estúdio, o grupo foi subdividido, formando então três grupos menores, aos quais o pesquisador orientou de forma completamente diferente. Ao primeiro grupo, ele disse o seguinte: “Falta pouco para o pessoal do estúdio estar pronto pra vocês, mas já podem ir andando. Se tiverem de esperar lá, não vai ser por muito tempo.” Ao segundo grupo, as instruções foram: “O assistente está pronto para receber vocês, de modo que lhes peço o favor de irem para lá imediatamente.” E as instruções dadas ao terceiro grupo foram: “Olha, vocês estão atrasados. Deviam ter ido para lá há alguns minutos atrás. É melhor irem já. O assistente deve estar esperando, de modo que é melhor se apressarem.” E lá foram eles. Mas o trajeto lhes reservava uma surpresa. Havia um colaborador da pesquisa esperando na entrada que levava à passarela de ligação entre os dois edifícios. Estava de cabeça baixa. Os olhos estavam fechados. E ele estava
imóvel. Quando os estudantes passavam por ele, ele tossia — duas vezes — e gemia. A grande questão era: que ajuda cada um dos estudantes lhe daria? Para ajudá-los a decidir, os pesquisadores tinham combinado de antemão um sistema de pontos. Os estudantes não receberiam nada se nem sequer notassem (ou parecessem não notar) “o problema”. Ganhariam um ponto se reconhecessem a necessidade de ajudar, mas não parassem. Dois pontos se não parassem, mas informassem o assistente do estúdio de gravação que os estava esperando no prédio vizinho a respeito do homem. E um máximo de cinco pontos se ficassem com o colaborador e o acompanhassem a um lugar onde o seu estado pudesse ser avaliado. O gráfico a seguir mostra os resultados desse estudo. Figura 6.1 Não posso parar — estou atrasado para o meu compromisso.
É claro que até entre os alunos de uma instituição de ensino religioso de elite como Princeton, e até entre estudantes de um seminário de elite como Princeton que tinham acabado de fazer anotações sobre o Bom Samaritano, o interesse pessoal falou alto. E falou alto e claro. O gráfico indica com uma clareza meridiana que aqueles que estavam atrasados sequer notaram o homem aparentando necessitar ajuda. Estavam empenhados demais em ser bons. No começo de 2009, o locutor de rádio Terry Wogan foi criticado por várias mídias depois que vazou a notícia de que teria um salário de £800 mil. Apesar de o seu programa diário ser líder de audiência e ter, ao longo dos anos, granjeado para ele um status icônico (ou talvez irônico), havia boatos de que ele estava sendo absurdamente bem pago. Acrescente a isso o clima financeiro do momento e um escândalo repugnante envolvendo dois colegas seus do rádio e você bem poderia achar que as acusações procediam. Mas Wogan via as coisas de outro jeito. — O programa — argumentou ele com aquele tom de voz de tio bonzinho que é a sua marca registrada — ganha dois pence por ouvinte. Por esse preço, acho que sou barato. Fim de papo. Assim que o curso do interesse pessoal foi desviado e os números manipulados de modo a beneficiar seus detratores, as coisas ficaram por isso mesmo.
INCONGRUÊNCIA Como sacanear o cérebro Você não encontra muitas fórmulas mágicas em livros de ciências.9 Mas aqui vai uma pra você. A seguir, na Figura 6.2a, há seis cartas. Selecione uma tocando nela, olhe fixamente para ela durante 5 segundos para formar uma imagem mental e depois tire a página do livro de sua frente por alguns momentos e visualize essa imagem mentalmente. Não me diga o que é, basta mantê-la na cabeça.
Figura 6.2a Escolha uma carta.
Pronto? Ok, muito bem. Agora eu vou pegar as cartas e embaralhá-las e, depois, colocá-las de volta na outra página — só que, dessa vez, elas vão estar de costas e eu vou retirar uma delas do conjunto. Você não vê que estou fazendo isso. Pronto? Lá vai... Figura 6.2b O grupo original de cartas menos uma...
Excelente! Até agora, nenhum problema. Ok, agora você deve ter cinco cartas à sua frente. De costas. A sexta carta está aqui comigo. Espere um momentinho enquanto eu a viro para ver qual é — eu a retirei sem olhar. Muito bem, já vi. Quer que eu a mostre para você? Para descobrir qual carta está agora na minha mão, vá até a página 262 no final deste capítulo e “vire as cartas” você mesmo. Faça isso agora e volte imediatamente para cá. E então, qual é a carta? É, por acaso, aquela que você escolheu? Acho que isso é mágica, pessoal.
Como bater a carteira do cérebro “O segredo da conversão”, escreveu certa vez o filósofo grego Platão, “não está em implantar olhos, pois os olhos já existem. É dar aos olhos a direção certa que eles não têm”. Na mosca. É claro que os mágicos sabem disso há séculos.10 Assim como os batedores de carteira. “Um movimento grande encobre um pequeno” é uma das máximas mais provadas e comprovadas do ramo — e refere-se ao fato de que, se dois movimentos acontecem simultaneamente, os observadores tendem a prestar atenção ao maior ou ao mais evidente dos dois. Considere o truque de “leitura de pensamento” apresentado anteriormente. A essa altura, você provavelmente já sacou que ele não tem nada a ver com leitura de pensamento — e tudo a ver com um roubo ou desvio de atenção.
Na teoria das mágicas, isso é conhecido como desorientação passiva e, na psicologia cognitiva, como captura exógena da atenção. Ao fazer você se concentrar exclusivamente numa única carta — a carta que você escolheu — é pouco provável que você sequer tenha notado as outras cinco. Você tinha consciência de que elas estavam lá — você as viu lá —, mas simplesmente não prestou atenção nelas. Aí é que está o erro. Quando você só tem olhos para a sua carta, e não tem a menor ideia da identidade de nenhuma das outras, tudo quanto eu preciso fazer é retirar uma delas aleatoriamente e mudar as outras cinco que você vai ter a impressão de que a única carta que está faltando é a sua. Essa carta — aquela que você escolheu — funciona como um alvo visual. Como uma espécie de “bola saltadora neurológica” — levando a atenção para uma porta lateral da consciência. E mandando-a para casa de táxi. Quando se trata de persuasão, há uma ou duas coisinhas que a gente pode aprender com os mágicos e os batedores de carteira. Pense em Ron Cooper, por exemplo, no meio da chuva torrencial e dos uivos do vento. Independentemente do quanto alguém é corajoso, quem é que, em seu juízo perfeito, começaria a tirar a roupa nessas circunstâncias? Você? Cooper, claro está, tinha um bom motivo para fazer isso. A camiseta. Mas o cara lá do beiral não sabe disso. E Cooper tem de continuar tirando a roupa — a cada botão aberto, o lance fica mais bizarro. E aí chega o gran finale: QUE SE FODA! — JÁ TENHO AMIGOS DEMAIS! Mais incongruência. Mais dinamite psicológica. Em geral, situações como essa exigem tato. Para a abordagem ombro-amigo-no-qual-chorar. Todo mundo sabe disso. O cara no beiral sabe. E Cooper sabe que ele sabe. Mas, dessa vez, pode não colar. É uma brincadeira arriscada, mas o humor, segundo os cálculos de Cooper, é uma mão estendida. Uma mão estendida que toca mais (assim espera ele) do que ficar de pé no telhado de um estacionamento de vários andares embaixo da chuva. A incongruência funciona na persuasão exatamente pelo mesmo motivo que ela não funciona na mágica. Porque é fora do comum. Entretanto, ao mesmo tempo, ela funciona exatamente pelo mesmo motivo. O grande encobre o pequeno.
Golpes baixos de distração A capacidade que a incongruência tem de distrair o cérebro, de chegar furtivamente por trás e enfiar o cano da espingarda da surpresa nas suas costas não é novidade. Na verdade, é mais velho que andar para a frente. “Faça barulho a leste e ataque do oeste”, já diziam os antigos mestres zen — uma doutrina ainda indispensável a muitas formas de artes marciais de hoje. No caratê, por exemplo, o conceito de teishin, a “mente imóvel”, refere-se a uma mente deslocada temporariamente — e perigosamente — de seu foco principal. Enquanto nas salas dos tribunais — onde, desde os sofistas da Grécia Antiga, brilham os expoentes do jiu-jítsu linguístico — a vitória também é garantida, em parte, pelo elemento surpresa. O advogado britânico Frederick Smith — um mestre da persuasão — certa vez defendeu um motorista de ônibus de acusações de que sua negligência havia aleijado o braço de um passageiro. Em vez de empregar com Smith, o queixoso, uma linha de interrogatório agressiva, adotou, ao contrário do esperado, um tom mais conciliatório.11 — O senhor poderia mostrar ao júri — pediu ele ao passageiro — em que altura consegue levantar o braço agora, depois do acidente em questão? O queixoso, retorcendo-se de dor, levantou o braço até a altura do ombro. — Obrigado — disse Smith. — E agora — continuou —, o senhor teria a bondade de mostrar ao júri a altura em que conseguia levantar o braço antes do acidente? O braço do queixoso ergueu-se bem acima de sua cabeça. As propriedades da distração, que fazem da incongruência uma força a ser levada em conta na persuasão, podem ser vistas com mais detalhes no exercício que se segue. Dê uma olhada na série de quadrados da Figura 6.3a a seguir. Em cada um dos quadrados há palavras numa posição diferente. Indo do quadrado do alto à esquerda para o que está embaixo à direita e trabalhando metodicamente ao longo de cada fileira, sua tarefa é dizer em voz alta qual é a posição dessas palavras (esquerda; direita; no alto; embaixo). Diga qual é a posição o mais rápido que puder. Não leia as palavras — só diga qual é a posição em que elas aparecem. Pronto? Vamos lá...
Figura 6.3a Que posição as palavras da fileira superior aparecem? Em cima, embaixo, à esquerda ou à direita?
Como foi? Fácil? Ok, ótimo. Agora o que eu gostaria que você fizesse é repetir a tarefa com a lista de palavras mostrada na Figura 6.3b. Repetindo: basta dizer qual é a posição das palavras. NÃO LEIA — REPITO, NÃO LEIA AS PALAVRAS! Tudo certo? Então vamos lá... Figura 6.3b Repita o procedimento relativo à Figura 6.3a. Em que posição as palavras aparecem? Em cima, embaixo, à esquerda ou à direita?
Como se saiu dessa vez? Uma outra história? Pensei que fosse. Na verdade, a maioria das pessoas acha essa segunda lista bem mais difícil. Por quê? Bem, o motivo é realmente muito simples. Na segunda lista, a instrução consciente para dizer qual é a posição das palavras contraria a expectativa inconsciente de apenas lê-las. Uma troca de marcha que ficou particularmente acidentada por causa da incongruência terrível entre as palavras e suas posições. De repente, em outras palavras, a expectativa e a realidade não são mais a mesma coisa. E o desempenho na tarefa vai pelo ralo. Faz tempo que esse paradigma — uma variante de algo chamado em inglês de Stroop Task [Dificuldade da Tarefa Contraditória] — é uma das predileções dos psicólogos cognitivos, principalmente daqueles interessados nos processos e mecanismos da atenção.12 E com bons motivos. A interferência ou efeito de fratura gerado por dois impulsos rivais — a propensão natural de ler as palavras versus a diretriz diabólica de ignorar o que vem naturalmente à cabeça e dizer qual é a sua posição — não se restringe à linguagem verbal. Na verdade, acontece praticamente o tempo todo — sempre que, por exemplo, nos encontramos num ambiente desconhecido ou somos surpreendidos pelo inesperado.
Barbara Davis e Eric Knowles, da Universidade de Arkansas, fizeram uma demonstração do funcionamento desse paradigma com um par de estudos com vendedores que batem de porta em porta e vendedores que têm uma banca na rua.13 Davis e Knowles descobriram uma coisa extraordinária sobre a nossa maneira de gastar dinheiro: uma clientela-alvo tinha duas vezes mais probabilidades de comprar cartões de Natal de um vendedor que bate de porta em porta quando ele, inesperadamente, dava o preço em centavos e não em dólares — e os fregueses de um mercado ao ar livre compraram um número maior de cupcakes numa banca da rua quando o vendedor se referia a seu produto como half-cakes [meios-bolos]. Mas havia uma pegadinha. Em ambos os casos, o estratagema só deu certo quando um slogan curtinho foi inserido imediatamente depois da anomalia. No caso dos cartões de Natal: “É uma pechincha!” E, no caso dos cupcakes: “São deliciosos!” Claro que o que acontece aqui não é particularmente sofisticado. É um truque psicológico banal usado por vigaristas. A “primeira impressão” incongruente — conjunto de 36 cartões de Natal por 2.844 centavos de dólar — induz o cérebro a passar por cima dos detalhes. A “ver centavos” — ou não, conforme o caso. Antes de ter tempo de reconsiderar, a autoconfiança e a empatia do vendedor entram na jogada: “É uma pechincha!” A incongruência, a autoconfiança e a empatia funcionam como uma unidade, de forma muito parecida com uma tropa de elite. O papel da incongruência — 2.844 centavos — é o do primeiro homem a entrar na dança: uma entrada intempestiva para criar confusão. Ela induz no outro um transe momentâneo, de fração de segundo, durante o qual a sugestão confiante, empática, nanohipnótica — “São deliciosos!” — pode ser introduzida sub-repticiamente enquanto a persuasão tem gravidade zero e a resistência cognitiva fica congelada. Golpeie o cérebro quando ele estiver de costas e você pode, muito literalmente, “fazer o seu preço”.
Gafes de ouro A neurologia da incongruência — o que acontece dentro do cérebro depois que as portas foram arrombadas e as janelas quebradas — está, na verdade, muito bem documentada. Eletrodos inseridos no cérebro de macacos
revelaram que a amídala é mais sensível a estímulos inesperados (tanto positivos quanto negativos) do que o esperado,14 ao passo que, nos seres humanos, eletroencefalogramas intracranianos demonstraram uma ativação maior tanto da amídala quanto da junção temporoparietal (uma estrutura envolvida na detecção de novidades) depois da exposição a eventos raros, principalmente quando são bizarros.15 Na verdade, como vimos no capítulo 2, a incongruência, sob a forma de mudanças súbitas e inesperadas na altura do som, é o que torna o choro do recém-nascido tão emotivo. E dá à música e ao humor a sua peculiaridade.16 Mas, como foi insinuado antes no estudo com os cupcakes, há uma função secundária na incongruência: uma função distinta, mas relacionada à sua facilidade de entrada intempestiva. À sua capacidade de “reenquadrar”. Considere, por exemplo, os dois anúncios a seguir nas Figuras 6.4a e 6.4b — muito diferentes um do outro e, no entanto, cada um à sua moda, muito convincente.17 Anúncios como esses são emblemáticos daquilo que chamamos de influência de guerrilha. Armam uma emboscada para a expectativa e tomam nossas emoções como reféns. Obrigam-nos a fazer perguntas. A reavaliar. Em geral, quando alguém nos ajuda, está com um sorriso no rosto. Não com cortes e arranhões. O que está acontecendo? Em geral, quando uma empresa de aluguel de veículos faz um anúncio, é para se engrandecer, não para se diminuir. Qual é o lance? Drew Westen, professor de psicologia política da Universidade Emory, tem a resposta. — Se você quer conquistar corações e mentes — diz ele —, comece com o coração. Figura 6.4a, Figura 6.4b Véus do inesperado: o poder da contradição na adversidade.
Westen e seus colaboradores realizaram uma série de estudos exatamente para descobrir os efeitos desse investimento emocional — mas na política, e não na propaganda.18 O que aconteceria, perguntou-se Westen, se você reunisse um grupo de republicanos empedernidos e outro de democratas empedernidos e lhes apresentasse pares de frases — pares de frases contraditórias — ditas pelos líderes de seus respectivos partidos? No caso dos republicanos, George W. Bush e, dos democratas, John Kerry. Será que elas os irritariam? Se irritassem, quais? Para descobrir, Westen fez exatamente isso. Durante a campanha eleitoral de 2004 para a presidência dos EUA, ele fez uma coletânea — de ambos os lados da fronteira dos partidos políticos — de argumentos incongruentes (um total de doze, seis de cada; e estamos falando de verdadeiras asneiras, não de incoerências de pouco peso) e mostrou-os tanto aos adeptos do Partido Republicano quanto do Democrata, numa série de slides, enquanto eles estavam sendo submetidos ao teste de ressonância magnética funcional. O que ele descobriu foi de cair o queixo. Para observadores neutros, as contradições eram óbvias. Assim como para os republicanos e democratas — desde que elas tivessem se originado no outro lado da fronteira. Mas será que
os republicanos conseguiriam discernir as discrepâncias dos argumentos de seu próprio candidato? E os democratas em relação ao seu? Sem chance. Numa escala de 1 a 4 (onde 1 = absolutamente nenhuma contradição e 4 = extremamente contraditório), as classificações médias de argumentos do próprio partido giraram em torno de 2. Quanto aos argumentos da oposição — você adivinhou — chegaram perto de 4. Em outras palavras, os republicanos conseguiam ver as mancadas da retórica de Kerry. E os democratas, ao contrário, viam as de Bush. No entanto, o mais importante era o que estava acontecendo dentro da cabeça dos participantes enquanto eram expostos a essa dissonância. Para começo de conversa, como Westen e sua equipe haviam previsto, nos primeiros estágios da exposição (slides 1-3), a ideologia incongruente gerou uma explosão de emoções negativas no cérebro (especificamente no córtex cingulado anterior, no córtex pré-frontal mediano, no córtex cingulado posterior, no precuneus e no córtex pré-frontal ventromedial). Mas, à medida que o experimento avançava (slides 4-6), uma coisa muito interessante passou a acontecer. Os circuitos neurológicos envolvidos na regulamentação emocional (o córtex frontal inferior lateral, o córtex orbitofrontal inferior e o girus para-hipocampal) começaram a mostrar atividade. E atividade prazerosa. E depois, além das emoções negativas iniciais começarem a se dissipar, áreas do cérebro associadas a emoções positivas (os circuitos da recompensa do striatum ventral) também apareceram para a festa. Os participantes não começaram só a se sentir melhor. Eles começaram a se sentir bem. Assim que o cérebro deles — assim parecia — recuperou-se do choque inicial da incongruência, abriu caminho até a razão graças às emoções, reconciliando de alguma forma as duas afirmações conflitantes. E se recompensou por isso.
O choque da contradição Os resultados do estudo de Drew Westen lançaram um bocado de luz sobre o que acontece na persuasão. Não só na política, mas na vida em geral. Em primeiro lugar, os fatos não são sempre tão relevantes assim.19 Enquanto
elementos de influência, sua importância é exagerada. Na hora do vamos ver e quando a gente não sabe que atitude tomar, parece que o cérebro passa a maior parte do tempo agachado atrás do coração. Só para reiterar: toda a ação registrada no estudo de Weston foi na área emocional do cérebro. Os vizinhos cognitivos ficaram quietos. Na oratória também a incongruência tem uma dimensão transformadora. Contrastes como aqueles usados por John F. Kennedy (“Não pergunte o que o seu país pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer por seu país”) e de Margaret Thatcher (“Você muda se quiser, a dama não está aqui para você mudar”) conseguem o efeito que eles queriam que tivesse por causa da justaposição imediata de positivo e negativo. Na verdade, a pesquisa mostrou que, do volume total de aplauso gerado por um discurso bem-feito, um terço, em média, é desencadeado por esse tipo de simetria.20 Imagine a cena enquanto eu tomo o metrô de Nova York certa manhã. Dois mendigos estão sentados na frente um do outro em lados opostos da calçada. Um está vestido com trapos e está segurando desanimado um cartaz com os seguintes dizeres: Faminto e sem-teto — ajude, por favor. O outro está vestido com um terno imaculado de risca de giz — com um sorriso descarado no rosto — e brande um cartaz que diz: Podre de rico e quero mais! A reação dos transeuntes é fascinante. É uma mistura de desdém, simpatia e divertimento. Enquanto estratégia de marketing, o cara do terno de risca de giz é um desastre. Sua tigela está quase tão vazia agora quanto no momento em que chegou. No entanto, o “verdadeiro” mendigo — o cara que está nos trapos — está ganhando rios de dinheiro. Fico desconfiado. Ali tem coisa. Há algo mais nessa história do que parece à primeira vista. De modo que, mais tarde, quando eles estão juntando as coisas para ir embora, vou conversar com eles. Qual é o lance? Vejo que estou certo. É uma tramoia. Na verdade, ambos são mendigos. Mas eles descobriram, por meio da psicologia do que eu acho que a literatura chama de “dançar a valsa”, que, trabalhando juntos, conseguem mais que quadruplicar os ganhos diários. — Dá opção às pessoas — explicam eles. — Cara rico ou cara pobre. Em geral, o que acontece — quando você está sozinho — é que as pessoas passam batido por você. Como se você fosse invisível. Mas o cara de terno não só chama a atenção delas — faz com que elas pensem. Por que eu daria
dinheiro pra ele, o filho da puta descarado, se posso dar pro outro cara? Quem passa sempre por aqui sabe que é maracutaia, mas funciona assim mesmo. O grande encobre o pequeno.
AUTOCONFIANÇA De olho no lance A história que vou contar agora não mostra meu tio Fred exatamente no seu melhor momento. Mas é um exemplo tão bom do poder transformador da autoconfiança que é difícil abrir mão dela. Fred Dutton serviu no Regimento de Paraquedistas durante a Segunda Guerra Mundial. Ele não era o maior homem do mundo — por volta de 1,65 metro de altura — enxutíssimo com os seus 57 quilos — era um garnisé com o típico coração de leão. Num certo Natal, em algum lugar de Ardennes esquecido por Deus, ele e três companheiros toparam com uma guarda avançada alemã. Pegos de surpresa, os alemães resolveram dar no pé — todos, menos o operador do rádio, que não conseguiu se livrar da mochila a tempo. Fred estava no comando e deu um passo à frente. — Levanta! — gritou ele ao radiotelegrafista. O alemão obedeceu. Tinha mais de 1,90 metro e, como Fred gostava de dizer, era forte e resistente como um touro. Durante alguns segundos, os dois soldados só ficaram ali olhando um para o outro. Bem literalmente, suponho, medindo-se. Deve ter sido uma cena e tanto: Fred com seus 1,65m, Jurgen com 1,90m. Por fim, os olhos de Fred deram com o relógio do alemão. Era fulgurante. E de ouro. E parecia caro. Não havia absolutamente nenhuma dúvida na cabeça de Fred de que seus companheiros lhe dariam retaguarda se as coisas dessem errado. Putz grila! — pensou ele. Bem que ele podia pegálo. — O relógio! — gritou ele para Jurgen. — Meu! Para dar um reforço à tradução, apontou para o relógio. E depois, para si mesmo. O alemão olhou para ele como se ele fosse louco. — Seu relógio! — repetiu Fred. — Passa para cá!
E o alemão continuava ali, olhando pra ele com um ar cada vez mais desconfiado enquanto se desenrolava aquela cena bizarra. Por fim, Fred perdeu a calma. Foi marchando todo empertigado até bem perto do alemão — perto na horizontal, já que na vertical não dava — e gesticulou furiosamente na direção do seu punho. — SEU RELÓGIO! — sibilou ele — PASSA PRA CÁ! Na terceira vez que deu a sua ordem, o alemão, um pouco hesitante, abriu a pulseira do relógio e entregou-o a Fred. Fred agarrou-o, enfiou-o no bolso de seu sobretudo e, com um sorriso de orelha a orelha, virou-se alegremente para os companheiros. Que tinham se escondido, como ele descobriu então, assim que viram as dimensões do inimigo.
Omnia Dicta Fortiora Si Dicta Latinag A realidade, escreveu o ensaísta norte-americano Robert Anton Wilson, é aquilo que você pode pôr no bolso. E lhe digo mais: é muitíssimo provável que o tio Fred tivesse concordado com ele. Só havia uma coisa capaz de convencer aquele radio-operador alemão a entregar seu relógio — e não era o espírito festivo, com toda a certeza. Autoconfiança pura. Sem sombra de dúvida. Bem, na verdade, autoconfiança pura fora de contexto. Um outro cara que sabe uma coisinha ou duas sobre autoconfiança é Greg Morant. É uma noite de verão com um calor asfixiante em Nova Orleans quando nos sentamos no bar de seu hotel cinco estrelas e começamos a tomar champanhe. — Persuasão — me diz Morant, vestido com uma camisa branca bem fresca, calça jeans azul-claro e um relógio de ouro Oyster Perpetual faiscando no punho — é 99% de autoconfiança e 1% de coincidência! Morant devia saber disso melhor que ninguém. Com seus 45 anos, ganha a vida através de meios ilícitos há trinta. E não há um estado da União do qual não tenha fugido enquanto podia. — Se você não confia numa pessoa, se não confia que vão acontecer as coisas que elas dizem que vão acontecer — continua Morant —, que vantagem Maria leva de lhes dar ouvidos? Bom, isso daí não funciona na
minha profissão. Nossos laços são nossas palavras! Conhece aquela do homem de confiança que não confiava em si mesmo? Quer dizer, é louco... Ele tinha razão, claro. Não há nada como a autoconfiança para inspirar confiança. Pense na TV, por exemplo. Se você algum dia se perguntou por que os especialistas entrevistados na televisão têm invariavelmente livros como pano de fundo — agora você já sabe a resposta. Os acessórios do saber dão a suas declarações aquela forcinha extra. Ou então pense no experimento que Stanley Milgram fez em Yale nos anos 1960 com eletrochoques.21 Uma porcentagem espantosa de 65% dos participantes desse estudo giraram aquele mostrador até o fim — até a intensidade máxima do choque — quando instruídos nesse sentido por um professor de ar benevolente vestido de branco. Mas, quando o professor saiu e um técnico de laboratório assumiu suas funções — vestido com calça jeans e tênis — os “interrogadores” não foram tão convincentes. Num pós-escrito ao estudo original, em que o selo da autoridade e os indícios de probidade científica foram “diluídos” (ao contrário do estudo original, que foi realizado nos prédios vazios do “velho” campus da Universidade de Yale, o estudo subsequente foi feito num bloco de edifícios no centro da cidade), só 25% dos participantes giraram o mostrador até o fim. Ainda muito desconcertante — mas não tanto. Quando a autoconfiança sai pela janela, o resto vai pelo ralo. Uma imagem fala por mil palavras — ao menos é o que diz o provérbio. Mas é possível que uma imagem fale demais? À primeira vista, esta parece uma pergunta estranha. Mas, nas salas dos tribunais, há provas suficientes para sugerir que a introdução de testes de ressonância magnética no processo pode realmente criar a maior confusão. Um estudo recente feito por David McCabe, da Universidade Estadual do Colorado, e Alan Castel, da Universidade da Califórnia de Los Angeles, concluiu que, sejam quais forem os benefícios que a captação de imagens por meio da ressonância magnética possa oferecer ao processo jurídico, na verdade eles podem ser invalidados por sua propensão a ofuscar a vista.22 McCabe e Castel apresentaram a seus voluntários uma série de artigos fictícios sobre neurociência recheados de argumentos capciosos (como, por exemplo, “assistir à TV ajuda a desenvolver o raciocínio matemático porque ambos ativam o lobo temporal”). Foram dados apenas argumentos furados a alguns dos participantes, ao passo que outros receberam os argumentos e também imagens cerebrais ou gráficos com barras. Adivinha quem mais
achou que os argumentos faziam sentido? Isso mesmo. Os que receberam as imagens cerebrais. As estatísticas, quando bem usadas, dão esse mesmo ar de superioridade.23 No começo do julgamento de O.J. Simpson por assassinato, em 1995, as probabilidades de absolvição pareciam mínimas. Mas um brilhante advogado de defesa chamado Alan Dershowitz discordou delas. Cerca de 4 milhões de mulheres norte-americanas são espancadas todo ano por seus companheiros, declarou ele com a maior confiança ao júri. Mas, desses 4 milhões, só 1.432 (em 1992) tinham sido realmente mortas por seus carrascos. Dados esses números, argumentou Dershowitz, podemos concluir que as probabilidades de seu cliente ser culpado eram, de fato, 1 em 2.500. O júri ficou impressionado com a aritmética diabólica de Dershowitz. E Simpson, depois de um julgamento que durou 251 dias, saiu livre da sala do tribunal. Mas, conforme se viu, aquela matemática estava errada. E os dados, sem que o promotor soubesse, escondiam uma possibilidade completamente diferente. Como Nicole Brown Simpson já estava morta, as probabilidades de Dershowitz tomaram a direção errada. Daquelas 1.432 mulheres que tinham sido assassinadas, 90% morreram nas mãos do companheiro.
Círculo de confiança O psicólogo Paul Zarnoth e seus colaboradores da Universidade de Illinois examinaram os efeitos da autoconfiança sobre a função cognitiva.24 Mais especificamente, como a aura de autoconfiança de uma pessoa pode envolver os que a cercam numa nuvem que não deixa perceber a verdade. Zarnoth apresentou a alguns voluntários vários tipos de problemas (de matemática, de analogia e previsão) e pediu-lhes que, depois de tentar resolver cada um deles, indicassem a confiança que sentiam de ter chegado à resposta certa. Primeiro os voluntários deram suas respostas individualmente e depois em pequenos grupos. Em nenhum dos dois casos eles receberam qualquer pista sobre o seu desempenho.
Os resultados obtidos por Zarnoth foram extraordinários. As respostas dadas em grupo, descobriu ele, pareciam estar de acordo com certa lógica. Tendiam a espelhar as respostas individuais dos membros mais autoconfiantes do grupo — mesmo quando eles estavam errados. Em outras palavras, concluiu Zarnoth, aqueles indivíduos considerados os mais autoconfiantes também eram aqueles considerados os mais competentes — os que tinham mais probabilidades de responder corretamente. E não é preciso muita coisa para alguém pegar carona na autoconfiança de uma pessoa. Na verdade, surpreendentemente pouco. Na política, alguns estudos mostraram que um dos maiores indicadores da popularidade do candidato é seu tipo de comportamento: ela é maior quando, durante uma sessão de perguntas e respostas, por exemplo, o candidato aproxima-se do público (irradiando autoconfiança e abertura subliminares), em contraposição àquele que fica imóvel (sendo a imobilidade interpretada como atitude de defesa).h Os psicólogos Nalini Ambady e Robert Rosenthal foram mais longe ainda e fizeram uma pesquisa sobre algo que chamam de “primeira impressão”.25 Num estudo, os participantes assistiram videoclipes de 30 segundos que mostravam professores universitários no começo de um período letivo e os avaliaram de acordo com uma série de variáveis relativas a traços de personalidade. O que Ambady e Rosenthal queriam saber era se aqueles dados mínimos (uma primeira impressão) dariam pistas para a avaliação do desempenho dos professores feita no final do período letivo — uns três meses depois. Isto é, não aos olhos dos participantes de seu estudo, e sim aos olhos de seus alunos. O resultado foi extraordinário, conforme se viu. Aqueles professores vistos inicialmente como autoconfiantes, ativos, otimistas, simpáticos e entusiasmados — depois de apenas 30 segundos, lembra? — saíram-se melhor ainda nos formulários de avaliação dos alunos no final do período letivo. Ah, ia me esquecendo de uma coisinha... mais extraordinário ainda foi o fato de os participantes do estudo terem feito suas avaliações iniciais com o som desligado. As fitas de vídeo não tinham som. Todos os participantes tiveram de contar apenas com o testemunho de seus olhos. A autoconfiança, assim como a beleza física, cria um halo em volta da pessoa. Um halo que funciona unilateralmente como um indicador da capacidade de influenciar, independentemente de qualquer outra variável.
EMPATIA Fumaça sem fogo É sexta-feira à noite e o metrô de Londres está com um movimento incrível. Durante mais ou menos cinco minutos, um trem da linha de Piccadilly ficou parado num túnel entre Leicester Square e Covent Garden por causa de uma falha no sistema de sinalização. Os vagões estão cheios e as pessoas estão ficando inquietas. Mais ainda agora, depois que o condutor acabou de anunciar um atraso de mais cinco minutos. Um cara vestido com um conjunto de moletom tira um cigarro e acende o dito cujo — uma coisa realmente inaceitável. Desde o inferno de King’s Cross em 1987, que tirou a vida de 31 pessoas e que — conforme revelou uma investigação subsequente — teve início com um fósforo aceso jogado fora, entrou em vigor uma proibição universal de fumar no metrô. Mas, apesar de haver cartazes de “Proibido Fumar” por todo o metrô, o cara acende um cigarro assim mesmo. Um silêncio desagradável toma conta de todo o vagão. O olhar no rosto das pessoas fala por livros inteiros. Mas ninguém — como acontece tantas vezes — pronuncia uma única palavra que seja. E então, de repente, um cara de terno de risca de giz rompe o silêncio. — Com licença — diz ele inclinando-se para a frente com um cigarro na mão —, será que, por acaso, você poderia me dar fogo? Isto, ao que parece, foi a gota d’água. Um outro passageiro intervém imediatamente. — Você SABE que não pode fumar aqui, não sabe? — pergunta num tom ríspido. O cara do terno “nota” de repente os cartazes de “Proibido Fumar”. — Desculpe — diz ele. — Não tinha me dado conta. E então ele se volta para o cara de moletom. — Talvez — diz ele — seja melhor você apagar isso aí. Todos já estivemos em situações desse tipo, não estivemos? E, muitas vezes, a menos que você seja de gelo, o curso de ação não fica claro imediatamente. Alguém disposto a acender calmamente um cigarro numa zona proibida, com toda a probabilidade não vai apagá-lo numa boa. Está puxando briga.
E, nesse caso, o que faz o outro passageiro? Bem, em vez de optar pela rota habitual do confronto direto, ele prefere o exato oposto. Num contraste gritante com o que o cara de moletom espera (uma provocação), ele o imita (“Tem fogo?”) — sabendo perfeitamente bem, claro está, que esse conluio vai provocar uma reação de um dos outros passageiros do vagão. E provoca mesmo. Mas, quando essa reação se materializa, o jogo já terminou. O crucial é que não há mais apenas um transgressor ali, mas dois. O quadro mudou dramaticamente. De súbito, num piscar de olhos, acontece uma “cumplicidade” provisória e um número maior dá segurança. É mais fácil chegar ao resultado ótimo — conseguir que o cara de moletom apague o cigarro — com um pedido amável de um outro “transgressor involuntário” do que com um confronto direto com a autoridade. E as coisas voltam ao normal.
Encarar os fatos Se os ingredientes da persuasão efetiva tivessem de ser organizados como mãos de pôquer de acordo com a sua força, então o que sentimos por uma pessoa falaria mais alto do que o que ela faz ou diz. Pense no que acabou de acontecer no metrô. O motivo pelo qual o cara de moletom apagou o cigarro não foi porque alguém mandou que ele o apagasse (embora é claro que tem algo a ver com isso). Foi, isso sim, pelo jeito que o mandaram apagar o cigarro. E por quem. Essa capacidade de personalizar uma mensagem de forma a maximizar seu impacto, a servir de “aquecimento” para quem quer que seja o destinatário, exige empatia e um bom conhecimento operacional dos princípios da sincronia emocional; e há duas maneiras principais de fazer isso. Em primeiro lugar, você pode reduzir a distância psicológica entre você e o destinatário: aumentar a similaridade. Ou você pode enquadrar o que vai dizer de maneira a tornar a mensagem mais “pessoal”: aumentar a ênfase. — Quer que uma criança coma batatas? — pergunta rindo Greg Morant, um artista da vigarice, enquanto o lento crepúsculo do sul dos Estados Unidos
se reflete no seu Rolex e ele pede mais champanhe para nós. — É só servi-las fritas. Lisa DeBruine, do Laboratório de Pesquisa da Face da Universidade de Aberdeen, realizou uma pesquisa fascinante sobre a mecânica da similaridade. Mais especificamente, sobre seus efeitos sobre a confiança.26 O que ela fez foi o seguinte. Primeiro, DeBruine criou um jogo de computador para “duas” pessoas.27 No jogo, cada participante individual deparava-se com uma opção. Ou dividia pessoalmente uma pequena soma de dinheiro entre ele e o parceiro, ou confiava ao parceiro uma soma maior para este distribuir. Cada jogador teria dezesseis parceiros diferentes, cujo rosto era mostrado num monitor. Mas havia uma pegadinha. Sem que os participantes soubessem, o rosto de todos os “parceiros” que apareciam na tela à sua frente tinha sido modificado através de uma técnica de morfologia facial (ver a Figura 6.5). Em outras palavras, nenhuma delas era “real”. Mas isso não era tudo. Embora metade desses parceiros fosse uma combinação de dois desconhecidos, a outra metade era diferente. Nesta segunda metade, era o próprio rosto do jogador que tinha sido combinado com o de um estranho. Qual seria a lógica, perguntou-se DeBruine, da opção do jogador? Será que ele, conforme o previsto pelos princípios da preferência pelo familiar, estaria mais disposto a ceder o controle aos “parceiros de jogo” mais parecidos com ele próprio?28 Ou será que a semelhança facial teria pouco impacto sobre a influência? Os resultados foram bem impressionantes. Em média, DeBruine descobriu que os jogadores confiavam nos participantes cujos rostos lembravam o seu em mais de dois terços das vezes — e só metade das vezes quando o rosto na tela era completamente desconhecido. Às vezes, a gente se ver nos outros pode ter um preço. Figura 6.5 A morfologia da face. O rosto dos participantes (à esquerda) foi combinado com o rosto de estranhos (à direita) para gerar faces compostas (centro). Os exemplos de cima e de baixo oferecem exemplos de graus diferentes de combinação de características faciais. O rosto feminino (de cima) assimila tanto as características de forma quanto de cor da jogadora e da parceira, enquanto o rosto masculino (embaixo) assimila somente a forma do rosto desconhecido.
Traço comum No mundo das vendas e do marketing, as revelações de DeBruine não causariam muita surpresa. Em cadinhos de influência como esses, sabe-se há um bom tempo que a similaridade é o x da questão. E, quer saber? Não importa onde a sobreposição começa. Basta que exista uma sobreposição, qualquer que seja. Um estudo engraçado que demonstrou essa afirmação dividiu vários estudantes em dois grupos: aqueles a quem foi dito que Grigori Rasputin — o
célebre “Monge Louco da Rússia” — tinha nascido no mesmo dia que eles, e aqueles a quem foi dito que seu aniversário caía num outro dia. Depois, cada grupo leu um texto sobre as infâmias de Rasputin e, em seguida, pediramlhes que dissessem o quanto ele era “bom” ou “mau”. Embora o currículo hediondo de Rasputin fosse idêntico para ambos os grupos, quais dos participantes você acha que o viram sob um ângulo mais positivo? Certo — aqueles cujo aniversário coincidia com o do monge.29 Os resultados de estudos como esse têm implicações profundas para a nossa maneira de influenciar os outros. No dia 20 de janeiro de 2009, nos 18 minutos e 28 segundos de duração do discurso de posse de Barack Obama, aquelas palavras-chave, umbilicais — “nós”, “para nós”, “nossos” — saíam como faíscas de sua maravilhosa bigorna de oratória — aparecendo, ao todo, num total de 155 vezes no discurso. “Estamos todos juntos nisso” era o subtexto. E era até mesmo o texto propriamente dito. Texto e subtexto amarrados um ao outro pela história — pelo Mayflower, por Gettysburg, pelo 11 de Setembro —, os norte-americanos encaram o futuro lado a lado. Mais circunspecta foi a alusão de Obama ao “jovem pregador da Geórgia”, no discurso que fez depois de ser apresentado como candidato pelos democratas. Ao não se referir pelo nome a Martin Luther King — uma técnica retórica conhecida como antonomásia — ele consegue, de um só golpe, uma intimidade instantânea entre orador e público: o pressuposto lisonjeiro de que somos todos “farinha do mesmo saco” aqui, de que todos sabem a quem estou me referindo.30 E veja como o termo humaniza Luther King: houve uma época, antes de ele se tornar herói, em que era um cara comum como nós. E como a menção da Geórgia (um dos recursos favoritos de Obama) contextualiza e localiza a retórica: “Nossa campanha... começou no quintal dos Des Moines e nas salas de visita de Concord e nas varandas de Charleston...” Os políticos e os vendedores fazem questão de alardear a empatia, de plantar suas declarações no oásis do terreno comum, e têm um bom motivo para isso. Funciona. E, quanto melhor a localização desse terreno comum — quanto mais significativo ou “de escol” ele for — tanto mais queremos um lote nele. Certa vez, quando ia comprar sapatos em Lexington, Kentucky, topei com um vendedor que tinha sido criado a apenas duas ruas de distância de onde eu cresci — a 8 mil quilômetros de distância dali, num cantinho minúsculo da região oeste de Londres. Que coincidência aquela! Senti quase como se eu
fosse obrigado a comprar um par de sapatos dele. E comprei. Na verdade, dois pares. Alguns dias depois, ambos estavam na lata de lixo. E esse lance não funciona só comercialmente. Não faz muito tempo, num voo para os EUA, sentei-me ao lado de um cara jovem, de uns 25 anos e boa aparência que não estava nem um pouco preocupado com o fato de não ter um endereço para pôr no seu formulário de imigração (como agora é exigido). — Não tem problema — disse ele. — Observe só isso. Eu não tinha tanta certeza assim. Atrás dele na fila do aeroporto JFK, eu era todo ouvidos. Será que ele ia mesmo conseguir passar? Se conseguisse, como? Houve aquela troca ritual de insultos com a funcionária sentada à mesa enquanto ela tirava suas impressões digitais. Mas aí, quando ela finalmente acabou de processar seu formulário, ele de repente fez uma observação sobre o nome dela — Nossa! Verronica com dois Rs! Que coisa impressionante! A única outra pessoa que conheci na vida que se chamava Verronica, com dois Rs, era a minha mãe! Que coincidência! A funcionária sorriu. Concordou que era uma coincidência e tanto. E, quer saber? Era a primeira vez que ela também topava com outra Verronica. Carimbou o passaporte dele. Devolveu-o. E foi isso. Exatamente assim. Um pouco de distração. Um pouco de empatia. E ele estava dentro do país. Exatamente como havia dito que estaria.
O sexto sensei Não tenho a menor dúvida de que há por aí alguns gênios capazes de ler pensamentos, pois conheci um deles.31 Nos escalões mais altos das artes marciais há uma prova. Essa prova exige que um homem se ajoelhe — com os braços soltos ao lado do corpo e de olhos vendados — enquanto outro fica atrás dele com uma espada de samurai erguida. Num momento de sua escolha, o homem que está atrás desce a espada sobre a cabeça do homem ajoelhado, causando ferimentos graves e possivelmente a morte — isto é, a menos que o golpe seja desviado de alguma forma e o espadachim seja desarmado em seguida.
Uma façanha dessas é praticamente impossível. Mas não totalmente. A cena que acabei de descrever é real: uma prova antiga e impecavelmente coreografada, feita em dojos remotos do Japão e do alto dos Himalaias, pela qual aqueles que almejam a grandiosidade — aqueles feiticeiros vigorosos e resistentes, muitos anos-luz acima da faixa preta — têm de passar. Hoje em dia, felizmente, a espada é de plástico. Mas houve uma época, há muitos anos, em que era de metal afiadíssimo. Um velho sensei, já com seus 80 anos, contou-me o segredo. — Você tem de esvaziar a mente de forma completa. Concentrar-se inteiramente no agora. Quando você entra num estado como esse, você sente o cheiro do momento. Sente suas ondas passando sobre os seus sentidos. A onda mais insignificante pode ser detectada a grande distância e o sinal, interceptado. Muitas vezes parece que os dois combatentes estão se movendo simultaneamente. Mas não é verdade. Não é difícil. Com prática, é possível chegar lá. Uma genialidade empática equivalente também pode ser conquistada em termos de aura no reino da linguística. Uma prostituta com mais de vinte anos de rua me disse — falando em termos estritamente profissionais — que ela tinha condições de saber, depois de 30 segundos de conversa telefônica com um cliente, se ele apresentava ou não um risco. Em outras palavras, se era seguro ou não recebê-lo em casa. — Não sei explicar como isso acontece — acrescentou ela. — É uma coisa que você sente, só isso. E, nesse ramo, é uma coisa que você tem de sentir: é a diferença entre vida e morte. Quando comecei nessa vida, eu apanhava muito. Mas, agora, nunca acontece. Assim que ouço a voz, uma imagem começa a se formar na minha cabeça. Sinto a vibração. É como um sexto sentido. E é muito raro ele errar. A maioria de nós nunca vai chegar a esse grau de competência em termos de entrar na cabeça dos outros. Porque, felizmente, a maioria de nós nunca vai ter de chegar a esse grau de competência. Mas aí é que está. Para influenciar os outros, você não precisa ser um especialista em leitura de pensamento. Claro, todos nós temos nossas próprias frequências individuais que captam o sinal com o máximo de nitidez. Mas também existe uma rede de comprimentos de onda com a qual estamos todos sintonizados. A importância de detectar a frequência certa — o comprimento da onda psicológica adequada com a qual transmitir a nossa mensagem — foi comprovada num estudo realizado por Victor Ottati, da Universidade Loyola,
e seus colaboradores da Universidade de Memphis.32 Essa pesquisa, ao menos ostensivamente, examinava os benefícios das exigências das teses de pósgraduação — mas, na realidade, seu foco era a linguagem figurativa. Ottati reuniu uma série de mensagens com metáforas esportivas embutidas nelas (como “Se os estudantes universitários querem bater bola com os melhores do ramo, não podem perder essa oportunidade”) e comparou-as com uma série de mensagens neutras (como “Se os estudantes universitários querem trabalhar com os melhores, não devem perder essa oportunidade). O que Ottati queria saber era qual dessas duas mensagens despertaria mais interesse. E, além disso, qual seria considerada pelos estudantes como a mais impactante, aquela que exercia mais influência sobre eles. Os resultados foram inequívocos. A análise revelou que as mensagens que continham as metáforas esportivas, além de serem processadas com mais cuidado, também tinham, como mostrou um estudo subsequente, um impacto maior sobre suas atitudes. Mas — e aqui está a chave — só para os estudantes que eram fãs do esporte. Para quem não tinha interesse por esportes, a metáfora saiu pela culatra — diminuindo o interesse pela questão das exigências da tese e reduzindo consideravelmente a sua capacidade de persuasão. — O orador — observou Aristóteles no século IV a.C. — persuade através de seus ouvintes, quando desperta suas emoções com as palavras; pois os julgamentos de valor que fazemos não são os mesmos quando estamos sob a influência da alegria ou do sofrimento, do amor ou do ódio. Hoje em dia, é claro que os dados provam que ele estava certo. Principalmente com a ressonância magnética. Basta lembrar, por exemplo, da “linha divisória da política” do estudo de Drew Westen sobre o qual falamos antes. Westen provou que se nós por acaso tivermos — no começo — uma grande lealdade política para com um ou outro partido, não há argumento capaz de nos fazer mudar de ideia. O cérebro, intoxicado pela empatia, simplesmente sufoca a própria lógica. Recentemente, a CIA descobriu uma arma secreta na guerra contra o terrorismo: Viagra.33 Muitos líderes militares afegãos têm meia dúzia de esposas e alguém se tocou de que talvez eles precisassem de uma forcinha. Um oficial se recorda de um líder tribal de 60 anos que o recebeu de braços abertos depois de uma visita anterior na qual lhe dera uma caixa desses comprimidos.
— Ele se aproximou de mim sorrindo e disse: “Você é um grande homem.” Depois disso, podíamos fazer o que bem entendêssemos na sua área. Simplicidade, interesse pessoal evidente, incongruência, autoconfiança e empatia: se é possível consolidar a determinação de lutar contra o Talibã, pense no que esses ingredientes poderiam fazer por você.
O sal da vida — Pra que mentir? — Quero cerveja! — Está me chamando de gordo? QUE SE FODA — JÁ TENHO AMIGOS DEMAIS! Esses três exemplos do que batizei de flipnose têm algo em comum. Todos eles — sim, até mesmo o último — despertam emoções positivas fortes. Enquanto instrumentos de persuasão, isso é de bom agouro. A pesquisa mostrou que uma das melhores formas de prever o comportamento altruísta é o estado de ânimo — o que você está sentindo no momento.34 Se você estiver de bom humor, o mendigo ganha a sua esmola. Se você estiver numa pior, você o põe pra correr. Mesmo quando se trata de comentários mordazes, o ingrediente bom humor é crucial. Quando o lançador australiano Glenn McGrath, lendário por sua velocidade no críquete, perguntou a Eddo Brandes, batedor do Zimbábue, como foi que ficou tão gordo, Brandes, com sua presença de espírito característica, respondeu — muito eloquentemente — que toda vez que trepava com a namorada de McGrath, ela tinha a gentileza de lhe oferecer um biscoito. Até os australianos riram. Na verdade, deram uma salva de palmas. A persuasão induz você a gostar da piada, induz você a fazer piada. O ingrediente “bom humor” inerente à flipnose está embutido em todas as suas modalidades. Para algumas — autoconfiança, empatia, interesse pessoal evidente — isso pode ser óbvio. Mas, quanto à simplicidade e à incongruência, a evidência é igualmente convincente. Um exemplo: a pesquisa que usa a eletromiografia facial (EMG) demonstrou uma correlação
direta entre a fluência com que um estímulo é processado e um aumento da atividade do músculo zigomático maior — o músculo do sorriso.35 Além disso, quando um estímulo é processado com uma fluência inesperada (pense: fazer uma visita ao vizinho em casa versus topar com ele num jogo de futebol), os tremores da emoção positiva — a sensação de familiaridade — reverberam mais intensamente ainda. É por isso que, na flipnose, o humor é tão efetivo. Quando alguém está querendo mudar alguma coisa em nós — e a nossa cabeça não é exceção —, o processo frequentemente acaba não sendo exatamente prazeroso. Mas, por outro lado, se o processo acabar sendo suave — e, alguns casos, até mesmo gostoso — “Pra que mentir? Quero cerveja!” versus “Veterano do Vietnã... com seis meses de vida” — aí, além de ser provável que a gente veja o que a pessoa está querendo, também é provável que a gente queira o que ela quer. Ortograficamente, a posição da incongruência no centro do modelo SPICE [simplicidade, interesse pessoal evidente, incongruência, autoconfiança e empatia] também tem um reflexo dinâmico. De acalmar alguém a levantarlhe o astral, de fechar um negócio a tentar ganhar uns trocados na rua como mendigo, contrariar as expectativas, inverter o roteiro, apresentar antíteses — dê ao processo o nome que você quiser — está no âmago da flipnose. Ele não só — como acabamos de ver — aumenta o poder estético da persuasão, como também, como vimos antes, nocauteia os mecanismos de segurança do cérebro — permitindo que os outros elementos da força-tarefa do modelo SPICE passem despercebidos pelo radar e façam uma ligação direta com nossos centros nervosos de prazer. Os efeitos são irresistíveis. O resultado é uma persuasão que, além de tomar o cérebro como refém, faz com que a gente não se importe em pagar o resgate. Pense em ponto alto, em vez de pensar em ponto crítico. Em fazer a cabeça, em vez de baixar a cabeça. A persuasão como a natureza a programou — antes de a linguagem deixála sem fala. Durante a Segunda Guerra Mundial, os bombardeiros alemães eram uma visão sinistramente familiar nos céus noturnos de Londres e partes da cidade viraram cinza. Uma área particularmente atingida foi o East End.
Certa manhã, depois de uma noite típica, a Whitechapel High Street estava em ruínas. Como seria de se esperar que estivesse o astral de seus moradores. Mas não estava, não. Na janela de uma quitanda — na verdade, o único vidro que ainda estava inteiro no edifício —, o proprietário havia colado um cartaz com os seguintes dizeres: SE VOCÊ ACHA QUE ESSE ATAQUE FOI PESADO, DEVIA VER O QUE O NOSSO PESSOAL FEZ EM BERLIM! Invencível. Inviolável. Irresistível.
Resumo Neste capítulo, deciframos o código da estrutura secreta da persuasão. Fizemos a sequência do genoma da mais poderosa linhagem de influência que existe no planeta e descobrimos um núcleo composto por cinco fatores básicos. Esses fatores (simplicidade, interesse pessoal evidente, incongruência, autoconfiança e empatia — a sigla inglesa SPICE) são a persuasão nota 10 quando, em geral, ela é 6 ou 7 — e, quando usados em conjunto, aumentam drasticamente as nossas chances de conseguir o que queremos. No próximo capítulo, desviaremos a nossa atenção dos modelos teóricos para focá-la nos indivíduos. Até essa altura deste livro, conhecemos um monte de gente para quem a persuasão é uma profissão: para algumas pessoas, do tipo que lhes proporciona um salário no fim do mês; para outras, do tipo que as faz ganhar milhões de dólares ilícitos. O que é que esse segundo tipo tem que o destaca do resto? Que lhe permite driblar os mais sofisticados sistemas de segurança do cérebro sem que a gente sequer perceba? A resposta pode surpreender. Prepare-se para conhecer... o psicopata. O truque das cartas — Qual é a carta que está faltando? É, por acaso, aquela que você escolheu?
Notas Os admiradores do Far Side de Gary Larson podem ter topado com uma frase semelhante em sua série favorita de quadrinhos. É evidente que o piloto deste avião em particular era um fã. a
Eis aí uma coisa que é preciso ver para crer. Verifique a homenagem de Cleese a seu ex-colega de trabalho no YouTube: Graham Chapman’s Funeral. b
Simplicity, perceived self-interest, incongruity, confidence, empathy, e poderia ser traduzido como tempero, pimenta, o sal da vida, molho, a graça da coisa. [N. da T.] c
State of the Union: evento anual em que o presidente dos Estados Unidos faz um apanhado da situação do país, normalmente numa sessão da qual participa o Congresso. [N. da T.] d
He hits like a flea so I’ll take him in three. He wants to go to heaven so I’ll drop him in seven. He thinks he’s great so I’ll get him in eight. [N. da T.] e
O Dilema do Lobo foi bolado por Douglas Hofstadter, um norte-americano especializado na teoria dos jogos. Hofstadter, Douglas R., Metamagical themas: Questing for the Essence of Mind and Pattern (Nova York: Basic Books, 1985). f
g
Tudo impressiona mais quando dito em latim.
Na medicina, funciona ao contrário. O grau com que as enfermeiras conseguem controlar a expressão facial e disfarçar seus verdadeiros sentimentos corresponde a uma avaliação melhor de seu desempenho por parte de seus superiores (o que não é de admirar, dada a necessidade ocasional de esconder dos pacientes a gravidade de seu estado). h
7 O psicopata — um artista nato da persuasão
Ele não dava a mínima para nada. Fazia tudo numa boa. E, sempre que alguém tinha um problema — com a mulher, com a namorada ou algo do gênero —, ele conseguia diagnosticar em segundos. Dispunha de uma espécie de raio laser psicológico. Conseguia ler seus pensamentos, entrar na sua cabeça e você nem se dar conta de que ele estava lá. Se eu não o tivesse visto com os meus próprios olhos cortar a garganta de um homem e sorrir enquanto o sangue escorria pelos seus dedos, eu jamais teria acreditado. — Sargento da tropa de elite do Exército sobre um ex-membro desse grupo
Leio seus pensamentos como se estivesse olhando para um livro aberto. E posso embaralhá-los como se fossem um monte de cartas. — Keith Barrett
Aquela Unidade de segurança Verão de 1995 — O que você vai fazer hoje à noite? — Não sei. Provavelmente vou sair. Pra um bar. Pro clube, quem sabe? Por quê?
— O que você vai fazer lá? — Como assim, o quê que eu vou fazer lá? O de sempre, acho. Encontrar uns amigos. Tomar umas cervejas... — Pegar umas minas? — É, acho que sim. Se eu der sorte... — E se não der? — Se não der o quê? — Sorte. — Sempre tem uma outra vez. Ele concorda com um gesto de cabeça. Ergue os olhos de novo. Está fazendo calor. Este é um lugar em que as janelas não abrem. Não porque não haja como, mas porque eles não podem abri-las. Nada de querer ser mais real que o rei com ele, nada de achar que você sabe mais das coisas que ele, o psiquiatra tinha dito. Você vai se ferrar. O melhor a fazer é jogar limpo. — Você acha que é um cara de sorte, Kev? Fico confuso. — Como assim? Ele sorri. — Pensei que fosse. Engulo em seco. — O quê? Silêncio. Durante dez segundos. — Sempre tem alguém, não tem, Kev? Aquela na qual você estava pensando enquanto comia seu cachorro-quente a caminho de casa. Aquela inacessível. Aquela na qual você nunca chegou porque estava cagando de medo. Cagando de medo de chegar mesmo nela e acabar fazendo exatamente o que acaba fazendo toda noite de sexta-feira. Merda. Falando merda. Sentindo-se um merda. Fico pensando no que ele acabou de dizer. Ele tem razão. O filho da puta. Um mar de rostos desfila pelo meu cérebro enquanto estou no meio de uma pista de dança vazia num lugar qualquer. De qualquer lugar. O que estou fazendo aqui? Com quem estou? A ameaça do vazio me traz de volta ao presente. Durante quanto tempo fiquei fora, pensando? Cinco, dez segundos? Preciso responder. E rapidinho. — E aí, o que é que você faria? — digo. Patético. — Aquilo.
— Aquilo? — repito. Estou pisando em ovos. — E se ela não quiser? — Sempre tem uma outra vez. — Uma outra vez? Como assim? — Acho que você sabe o que quero dizer. Silêncio. Mais dez segundos. Eu sei o que ele quer dizer e está na hora de levantar acampamento. Remexo na minha maleta e desligo o laptop. Uma enfermeira olha pelo vidro. — Mike — digo eu —, está na hora de eu ir. Foi legal conversar com você. Espero que as coisas corram bem pra você aqui. Mike se levanta. Aperta a minha mão. Coloca delicadamente o braço em volta dos meus ombros. — Olha, Kev, estou vendo que te ofendi e eu não tinha a mínima intenção de fazer isso. Desculpe. Divirta-se hoje à noite. E, quando você a vir... aquela, você sabe de quem estou falando... lembre de mim. Ele pisca. Sinto uma onda de afeição e estou morrendo de raiva de mim. E digo: — Não estou ofendido, Mike. Não mesmo, estou falando sério. Aprendi um monte de coisas. Você me fez ver como a gente é diferente. Você e eu. A gente funciona de jeito diferente. Me deu a maior força. Deu mesmo. E acho que, no final das contas, a diferença é essa: é o que te pôs aqui dentro, enquanto eu — aponto para a janela — estou lá fora. Dou de ombros, como quem diz que a culpa não é minha. Como se, num universo paralelo, as coisas pudessem ter sido exatamente o contrário. Silêncio. De repente, tomo consciência de um frio intenso no cômodo. É físico. É palpável. Sinto na pele. Embaixo da pele. Em todo o corpo. É uma coisa sobre a qual tinha lido nos livros. Mas que, até aquele momento, nunca tinha sentido. Fiquei preso durante cinco segundos de verdadeira agonia a um olhar que devia estar a graus abaixo de zero. Muito lentamente, como se um novo tipo de gravidade tivesse começado a se infiltrar de uma forma despercebida através de seus poros, senti o braço largar os meus ombros. — Não deixe o cérebro te enganar, Kev. Todos aqueles exames, às vezes eles atrapalham. Só há uma diferença entre você e eu. Honestidade. Peito. Eu quero uma coisa, eu vou atrás. Você quer uma coisa, você não batalha. Você
está assustado, Kev. Apavorado. Tem medo de tudo. Vejo nos seus olhos. Tem medo das consequências. Tem medo de ser pego. Tem medo do que vão pensar. Tem medo do que vão fazer com você depois que baterem na sua porta. Tem medo de mim. Estou falando sério. Você tem razão. Você está lá fora, eu estou aqui dentro. Mas quem é livre, Kev? Quer dizer, livre de verdade? Você ou eu? Pense nisso essa noite. Onde estão as verdadeiras grades, Kev? Lá fora — ele aponta para a janela — ou aqui dentro? — Ele se aproxima de mim e, muito de leve, toca na minha têmpora esquerda.
Supersanidade Nas profundezas do cosmo neurobiológico, o cérebro do psicopata é vislumbrado numa órbita remota, num mundo sem lua de desolação glacial e fantástico charme matemático. Assim que a palavra é pronunciada, imagens de assassinos em série, estupradores, terroristas suicidas e gângsteres passam cortantes como foices pela nossa cabeça. E se eu pintasse para você um quadro diferente? E se eu lhe dissesse que o psicopata que estupra a sua namorada também pode, num outro dia, ser a pessoa com a maior probabilidade de salvá-la de um edifício em chamas? Ou que o psicopata de hoje, que espreita com um facão num estacionamento mal iluminado pode muito bem ser o herói da tropa de elite do Exército de amanhã — usando exatamente a mesma arma num combate corpo a corpo com um afegão? Ou que o assassino emocionalmente gelado, o sinistro embaixador do charme cuja moral anestesiada e cujo raciocínio, rápido como um raio, levaram até o último centavo das economias de sua vida inteira também pode, se assim quiser, salvar você da falência? Declarações como essas são um teste à credulidade de qualquer um. Mas são verdadeiras. Ao contrário de seus congêneres do cinema e do teatro, nem todos os psicopatas são violentos. Longe disso. Implacáveis e corajosos, talvez. Mas a violência está numa via expressa neurológica diferente. Uma via expressa que, às vezes, tem levado à psicopatia, mas que frequentemente passa batido pela via de acesso.
E, evidentemente, há o carisma. A famosa “presença” do psicopata. Devastadora. Fascinante. Que desarma a gente fácil, fácil. Esses são os tipos de referência ao caráter que ouvimos muitas vezes a respeito desses indivíduos. Não, como seria de se esperar, feitas por eles mesmos, mas por suas vítimas. A ironia é clara como água. Sujeitos como esses (e, em geral há um sujeito)a parecem ter, por uma ironia qualquer da natureza, exatamente aqueles traços de personalidade que muitos de nós morrem de vontade de ter. Na verdade, muitos dos que ficaram encantados com um psicopata morreram por isso. Eles têm uma calma impressionante sob pressão — seu coração refrigerado não acelera nem em condições do mais grave perigo. São charmosos, autoconfiantes, implacáveis, não sentem remorso. Não sentem remorso. Só pensam em si. Em qualquer situação. Também são os reis da persuasão.
Será que o verdadeiro psicopata poderia dar um passo à frente? por favor... Vamos deixar uma coisa bem clara desde o início. Ser psicopata não significa ser criminoso. Não por falta de coragem, claro está. E também não faz de você um assassino em série. Na verdade, muitos psicopatas sequer estão na prisão — estão do lado de fora, trancafiando os outros. Essa afirmação pode surpreender muita gente, mas é verdadeira. Um pouco como nas áreas de um mapa de metrô, há, na verdade, zonas internas e externas da doença, e só uma pequena minoria reside de fato no “centro da cidade”. A psicopatia é um espectro ao longo do qual todos nós temos o nosso lugarzinho. E, exatamente como qualquer escala ou dimensão, a psicopatia também tem aqueles que ocupam o topo da lista. O pressuposto de que existe uma dicotomia entre o psicopata e os outros descende da linhagem do diagnóstico clínico — feito muitas vezes num ambiente jurídico — que usava escalas psicométricas padronizadas. O Questionário Revisto de Psicopatia (QRP) é uma lista de perguntas especializada e bem conceituada que foi criada para uso clínico pelo psicólogo canadense Robert Hare.1 Avalia traços psicopatas básicos como
charme, capacidade de persuasão, coragem, falta de empatia e falta de consciência moral. Na sua escala de 40 pontos, os membros da população em geral vão fazer, tipicamente, de 4 a 5 — ao passo que 30 pontos costumam ser vistos como o patamar inicial da psicopatia. Em ambientes clínicos, como indica a pontuação obtida no QRP, os psicopatas de verdade — os Mikes da vida — superam todas as expectativas. Não há dúvida de que existe um mundo de diferença entre esses caras e o resto de nós. O problema é que nem todos nós vivemos em ambientes clínicos rarefeitos. E, enquanto Hannibal Lecter come fígado no café da manhã, as características que distinguem esses psicopatas “puros” do resto de nós, como os traços de personalidade em geral, são distribuídas equitativamente pela população como um todo. Assim como não há uma fronteira oficial entre alguém que toca piano e um concertista, ou entre alguém que joga tênis e, digamos, um Roger Federer ou um Rafael Nadal, a fronteira entre um psicopata “de primeira classe” e alguém que só “psicopatiza” é igualmente vaga. Pense bem. Um indivíduo pode ser só extremamente frio sob pressão, por exemplo, e mostrar uma falta de empatia sublime (e vamos ver um pouco mais à frente que isso é uma vantagem no ramo comercial) e, ao mesmo tempo, não agir de forma violenta, nem antissocial, nem sem consciência moral. Com duas características psicopatas muito desenvolvidas, um homem ou uma mulher pode, por conseguinte, ter uma pontuação maior no “espectro psicopata” do que alguém com uma pontuação menor nessas duas características, mas não entra na “zona de perigo” em que se encontra alguém com pontuação alta em todas elas. Como os mostradores de um painel de controle de um estúdio de gravação, a “trilha sonora” de uma personalidade é graduada. Os psicólogos Scott Lilienfeld e Brian Andrews criaram um teste alternativo ao QRP, baseados exatamente nesse tipo de trilha sonora.2 Mais adequado para detectar a presença de traços psicopatas entre a população sem problemas clínicos (naqueles que não estão atrás das grades, e sim reforçando-as), o Inventário da Personalidade Psicopata (IPP) dá uma medida mais sensata das características psicopatas: e considera a psicopatia mais como uma predisposição constante do que uma doença propriamente dita. É evidente que isso tem implicações profundas para a nossa forma de ver o problema.
A psicopatia é uma questão de tudo ou nada? Ou é mais como um vírus que a gente pode ter, mas não manifestar todo o seu leque de sintomas? Será que os psicopatas são qualitativamente diferentes do resto de nós — ou apenas o fundo escuro da lagoa de nosso patrimônio genético? E é possível que, longe de representar um perigo para os indivíduos, ou para a sociedade em geral, os psicopatas talvez tenham, na verdade, algo especial a oferecer: que a combinação certa de características psicopatas, selecionadas e combinadas em intensidades cuidadosamente calibradas, poderia ser uma vantagem para nós? É esta última observação que faz do psicopata o mistério que é para os cientistas. Quando, ao fazer a minha pós-graduação, seu perfil subemocional apareceu pela primeira vez no meu radar, foi a capacidade do psicopata de arrombar psicologicamente a cabeça dos outros o que mais me intrigou. Uma característica-chave de acordo com todos os graus de psicopatia é a capacidade de persuadir: a capacidade de influenciar os outros. Mas aí é que está. Essas medidas, como vimos, também aferem graus de empatia. O que é estranho. Como, perguntei a mim mesmo, pode alguém sem empatia ser tão brilhante em termos de influência social? Os psicopatas são tidos como os melhores do ramo de saber o que nos mobiliza. De se pôr na nossa pele. De entrar dentro da nossa cabeça. Considere Keith Barrett, por exemplo. Ou Mike, que você acabou de conhecer. Mike estuprou oito mulheres e matou duas. Era, como insinuou o psiquiatra, um Hannibal Lecter de carne e osso. Um faixa preta psicológico com o qual não era bom se meter, como senti na pele. Mas, para usar seus softwares — seus programas de persuasão —, Keith e Mike tiveram de adquirir primeiro o hardware. E não um hardware usado qualquer — o hardware da empatia. Uma coisa difícil se você é um psicopata. De repente, aquilo me deu o que pensar. Se o SPICE era realmente um modelo universal de influência, então o que, exatamente, os psicopatas são capazes de fazer?
Recifes
O advento de técnicas sofisticadas de captação de imagens do cérebro, como a ressonância magnética e a magnetoencefalografia, já foi comparado à chegada do homem à Lua. Por fim, ao alcance das nossas mãos, temos a tecnologia para nos lançar instantaneamente não no espaço exterior, e sim no espaço interior. Ela nos permite “aterrissar” naquele misterioso planeta cinzento que todos nós conhecemos tão bem — e, no entanto, poucos de nós, até agora, exploraram devidamente: o mundo entre nossas orelhas. Mas está bem claro que alguns mundos são mais hospitaleiros que outros. E que alguns, exatamente como seus congêneres cosmológicos, parecem muito mais apropriados para a vida do que outros. Alguns são quentes, brilhantes e muito fáceis de habitar. Alguns parecem gelados, escuros, remotos — quase impossíveis de reconhecer nos confins do firmamento neurobiológico. Um desses mundos é o mundo do psicopata clínico. Em geral, é difícil avaliar toda a magnitude da diferença entre o mundo do psicopata “puro” — o psicopata que tem a pontuação máxima nas escalas de avaliação do problema — e o mundo dos outros. David Bieber, ex-fuzileiro naval dos Estados Unidos e segurança de boate, fuzilou “calmamente” um agente de trânsito com um único tiro na cabeça enquanto o policial estarrecido, sangrando e gravemente ferido, implorava que não o matasse a poucos centímetros do cano da arma. Uma radiopatrulha captou as últimas palavras desesperadas do agente de trânsito: “Por favor, não atire em mim. Não...” antes de Bieber abrir fogo. Ao condená-lo à prisão, o juiz disse a Bieber que ele não teve “dó, nem compreensão da brutalidade de seu crime” e que continuou mantendo uma atitude “fria e distante” ao tentar invalidar as provas que havia contra ele. A psicopata Tara Haigh, de 24 anos, condenada à prisão perpétua em 2008 por asfixiar o filho de três anos com um travesseiro, estava num site de namoro da internet poucas horas depois do crime. Postou uma mensagem no site dizendo que o filho tinha morrido por causa de um tumor atrás da orelha — e depois marcou um encontro com alguém. Caso você não saiba, esse é o tipo de gente de quem estamos falando agora. Exemplos como esses, tão distantes das fronteiras da experiência humana normal que desafiam a nossa compreensão, fornecem exemplos vívidos da falta de empatia do psicopata. Será?
Na verdade, a pesquisa sugere que pode haver outros elementos em jogo. E que, longe de ser uma questão simples, saber se os psicopatas têm ou não empatia depende, na verdade, do tipo de empatia do qual estamos falando. Porque há dois tipos: “quente” e “frio”.3 A empatia quente envolve sentimento. É o tipo de empatia que “sentimos” ao ver outros realizando uma tarefa, pois ela se apropria exatamente dos mesmos circuitos somatossensoriais que são ativados — além da amídala (a área do cérebro que faz o processamento das emoções) — quando nós mesmos realizamos a tarefa. Por outro lado, a empatia fria envolve cálculo. Refere-se à capacidade de aferir, cognitiva e desapaixonadamente, o que a outra pessoa pode estar pensando e diz respeito a elementos completamente distintos do circuito neurológico: o córtex paracingulado anterior, o polo temporal e o sulco temporal superior. Um mundo de diferença. A empatia quente sem a empatia fria é o verso sem a métrica. A empatia fria sem a empatia quente é a métrica sem o verso. O exato contrário uma da outra. É como ter um mapa extremamente detalhado sem a experiência em primeira mão daquilo a que os símbolos presentes no mapa se referem. Você consegue interpretá-los, ainda consegue viajar. Mas eles nada significam. Um psicopata com quem conversei definiu a questão da seguinte maneira: — Até o daltônico sabe quando parar num semáforo. Você ficaria surpreso. É como navegar em meio a recifes.
Qual o caminho certo? A comparação entre psicopatas e não psicopatas por meio da empatia quente e fria pode ser mais bem ilustrada com os resultados de estudos de captação de imagens do cérebro.4 Considere, por exemplo, a seguinte situação (Caso 1), apresentada pela primeira vez pela filósofa moral britânica Philippa Foot. Um bonde está correndo descontrolado por uma via férrea. Em seu caminho há cinco pessoas que foram amarradas aos trilhos por um filósofo louco. Felizmente, você pode apertar um
botão que vai levar o bonde para um desvio e, de lá, para a segurança. Infelizmente, há uma pessoa amarrada àquele desvio. Pergunta: Você deve apertar o botão?5
A maioria das pessoas tem pouca dificuldade em resolver o que fazer numa situação dessas. Embora a ideia de apertar aquele botão seja repulsiva, a opção utilitarista — matar só uma pessoa — é a “escolha menos pior”. Concorda? Agora considere a seguinte situação (Caso 2), proposta pela filósofa moral norte-americana Judith Jarvis Thomson: Como antes, um bonde está correndo descontrolado na direção de cinco pessoas. Mas, dessa vez, você está atrás de um desconhecido muito grande numa passarela acima dos trilhos. A única forma de salvar as cinco pessoas é empurrar o desconhecido. Ele vai cair em direção à morte certa — mas seu peso considerável vai bloquear o bonde, salvando cinco vidas. Pergunta: Você o empurraria?6
Temos agora o que poderíamos chamar de dilema “genuíno”. Embora o número de vidas seja exatamente o mesmo da primeira situação (cinco contra uma), a escolha da ação é muito mais capciosa. E por quê? Joshua Greene, psicólogo de Harvard, acredita ter a resposta e ela estaria relacionada à temperatura.7 A razão, sugere Greene, reflete-se na arquitetura do cérebro — nas respectivas partes do cérebro implicadas na resolução de cada dilema. Em sua opinião, o Caso 1 é o que poderíamos chamar de dilema moral impessoal e envolve aquelas áreas do cérebro responsáveis principalmente pelo raciocínio e pelo pensamento lógico: o córtex pré-frontal e o córtex parietal posterior. Este, se você se recorda, é o circuito da empatia fria. Por outro lado, o Caso 2 é o que poderíamos chamar de dilema moral pessoal e envolve o centro emocional do cérebro. A amídala. O circuito da empatia quente. Exatamente como você e eu, os psicopatas têm relativamente poucos problemas com o Caso 1. Eles apertam o botão e o trem se desvia, como seria de se esperar — matando só uma pessoa em vez de cinco. Mas — e é aqui que as coisas ficam interessantes — eles também têm pouca dificuldade com o Caso 2. Os psicopatas, sem hesitar um momento, sentem-se perfeitamente à
vontade para empurrar o cara gordo sobre os trilhos, se for isso que o médico prescrever. Além disso, essa diferença de comportamento tem uma particularidade neurológica distinta. O tipo de ativação cerebral, tanto em nós quanto nos psicopatas, é idêntico quando se trata de dilemas morais impessoais, mas radicalmente diferente quando se trata de dilemas morais pessoais. Imagine que eu fosse levar você para uma máquina de ressonância magnética e depois lhe apresentar os dois dilemas, primeiro um, depois o outro. O que eu veria quando você começasse a tentar resolvê-los? Bem, no momento exato em que a natureza do dilema passasse do impessoal para o pessoal, eu veria sua amídala e os circuitos cerebrais relacionados com ela — o córtex orbitofrontal medial, por exemplo — iluminar-se como uma árvore de Natal. O momento exato, em outras palavras, em que a emoção é despertada. Mas, nos psicopatas, você não vê nada. A casa continuaria às escuras e a passagem do impessoal para o pessoal passaria despercebida.8
Cálculo emocional Um estudo semelhante no campo do processamento facial foi realizado por Heather Gordon e seus colaboradores no Centro de Neurociência Cognitiva da Universidade de Dartmouth.9 Numa tarefa de reconhecimento de emoções (onde os participantes tinham de comparar uma série de expressões faciais apresentadas a eles numa tela de computador), Gordon confrontou o desempenho das pontuações altas e baixas num teste do Inventário da Personalidade Psicopata (IPP) — um teste, como vimos antes, criado especificamente para detectar a presença de traços psicopatas subclínicos na população em geral. E então, usando a ressonância magnética, ela fez uma varredura no cérebro dos participantes para ver o que aconteceria. As descobertas foram bem interessantes. Enquanto, por um lado, aqueles que tinham tido uma pontuação elevada no teste mostraram uma atividade menor da amídala em comparação com os que haviam tido uma pontuação menor (dado coerente com um déficit no processamento emocional
“quente”), eles também mostraram uma atividade maior tanto no córtex visual quanto no córtex pré-frontal dorsolateral — típica, como Gordon e seus colaboradores observaram, “de participantes com pontuação alta que dependiam das regiões associadas à percepção e à cognição para realizar a tarefa de reconhecimento de emoções” (ver a Figura 7.1). Figura 7.1 Atividade dependente da quantidade de oxigênio no sangue durante a execução da tarefa de reconhecimento de emoções comparada a uma de repouso que serviu de referência. Participantes com pontuação abaixo da média no IPP. Participantes com pontuação acima da média no IPP. As seções em branco indicam áreas onde houve aumento da atividade cerebral.
No entanto, talvez tenha sido mais interessante ainda que, quando se tratou da precisão do reconhecimento, o que é que Gordon e sua equipe viram? Nada... Ao contrário de tipos de atividade cerebral, eles não encontraram nenhuma diferença perceptível entre o desempenho daqueles
que tinham pontuação alta e dos que tinham pontuação baixa de características psicopatas — o que sugere de forma muito convincente que, seja qual for a estratégia que os psicopatas estiverem usando para decodificar essas expressões emocionais, elas funcionam perfeitamente bem. Simon Baron-Cohen, um psicólogo da Universidade de Cambridge, foi mais longe ainda. O teste de “Detecção das Emoções no Olhar” exige que os indivíduos vejam fotografias da região dos olhos em rostos de pessoas e deduzam, a partir dessa informação somente, o que o indivíduo em questão está sentindo.10 Não é tão fácil quanto parece, é? A maioria das pessoas errou duas tentativas das três (e, na verdade, estes também não são exatamente os exemplos mais simples que eu poderia escolher). Dois acertos em três tentativas e você se saiu bem (respostas no rodapé).b O teste de Detecção das Emoções no Olhar é, como você provavelmente já adivinhou, um bom indicador da empatia fria, mas não da empatia quente, de que estávamos falando há pouco. Afinal de contas, os participantes não têm de sentir a emoção nas imagens. Têm só de reconhecê-las. Nesse caso, Baron-Cohen tinha um ponto de partida. Como, perguntou-se ele, em comparação com o resto de nós, os psicopatas se sairiam no teste? À luz dos resultados das imagens cerebrais de antes, a gente pode supor que o desempenho dos psicopatas seria praticamente indistinguível daquele da população em geral. Mas como seriam as coisas no laboratório? Para descobrir, Baron-Cohen visitou três prisões londrinas e comparou dezenove detentos psicopatas com dezoito indivíduos-controle que não apresentavam a doença. Mostrou quarenta fotografias da região dos olhos a cada um desses homens e depois lhes pediu, como acima, para identificar a emoção transmitida por cada uma delas. Figura 7.2 Teste de Detecção das Emoções no Olhar. O que está sendo transmitido pelo olhar nas três fotos apresentadas abaixo? Selecione uma das quatro opções embaixo de cada uma delas.
Que grupo teria o melhor desempenho? Será que os Starlings se sairiam melhor que os Lecters da vida? Ou será que os psicopatas levariam a melhor? Os resultados foram inequívocos. Exatamente como havia sido previsto, Baron-Cohen não encontrou diferença alguma entre os psicopatas e os
demais. Houve empate. Mais um indício, a ser combinado com os dados da ressonância magnética, de que, embora os psicopatas sejam incapazes de sentir empatia, o conceito, ao menos, é preservado em seu cérebro. — Leio seus pensamentos como se estivesse olhando para um livro aberto — disse Keith Barrett em seu quarto de hotel com piso de mármore que dava para a Quinta Avenida de Nova York. — E posso embaralhá-los como se fossem um monte de cartas. É isso que eu sou. Um crupiê psicológico. Dou as cartas. Faço a roleta girar. Distribuo as fichas. Depois me sento e observo o que acontece. Por que deveria ficar ansioso? Ou me sentir mal? Na verdade, por que eu haveria de sentir alguma coisa, seja o que for? Ninguém ganha da casa. Não a longo prazo... Você ficaria surpreso de ver o quanto as pessoas se parecem com caça-níqueis. É só saber quando reter, quando cutucar... e as moedas caem aos borbotões. Emoção... isso é coisa de mulher.
Risco e mercado Quando a gente pensa nas circunstâncias nas quais a persuasão acontece (salas de tribunais, diretorias de empresas, delegacias e quartos de dormir, para citar apenas algumas), talvez não seja difícil concluir que a capacidade singular do psicopata de identificar uma emoção, mas não de senti-la — de voar só com um motor — pode muito bem lhe conferir uma vantagem. Uma neurobiologia cristalina como a deles é capaz, muito literalmente, de manter a cabeça fria nas situações mais difíceis. E de lhes permitir, na hora H, quando a lógica fria e anestesiada for uma questão de vida ou morte, perceber detalhes que passariam batidos para o resto de nós. Além, claro está, de se arriscar — de fazer coisas nas quais o resto de nós “pensaria bem”. — Sou o filho da puta mais frio que você já conheceu — disse Ted Bundy, que matou, decapitou e transou (nessa ordem) com 35 mulheres num período de quatro anos.c E ele tinha razão. Mas é muito claro que há momentos em que essa frieza é muito conveniente: quando, em vez de realmente custar vidas, como no caso de Bundy, ela pode, ao contrário, salvá-las.
O enigma do retorno acionário intriga os especialistas em finanças há muito tempo. Trata-se da tendência de grande número de investidores aplicarem em ações de empresas privadas, e não em títulos do governo — principalmente durante períodos de declínio do mercado de ações —, apesar do fato de, a longo prazo, os títulos do governo proporcionarem lucros muito maiores. Enigmas como esse — conhecido como aversão míope à perda — promoveram o desenvolvimento de um novo campo de estudos — aliás, muito oportuno: a neuroeconomia. A neuroeconomia concentra-se nos processos mentais que impulsionam a tomada de decisões financeiras — e, até agora, a principal descoberta é que a emoção é covarde. Parece que a emoção tem tanta aversão ao risco que até quando os benefícios superam as perdas ela azucrina o cérebro para ele tomar o partido da cautela. Está começando a haver um consenso segundo o qual, se Spock fosse comerciante, ele se livraria de todos nós. Um estudo de 2005, realizado por uma equipe conjunta da Universidade Stanford, da Universidade Carnegie Mellon e da Universidade de Iowa, fornece uma evidência empírica fascinante para essa afirmação. O estudo diz respeito a um jogo de azar com vinte rodadas. No começo do jogo, os participantes recebem uma soma de US$ 20 e, no começo de cada nova rodada, perguntam a eles se estão preparados para arriscar US$ 1 num lance de cara ou coroa. Embora a perda implique um prejuízo de apenas US$ 1, ganhar daria o grande prêmio de US$ 2,50.11 — Pela lógica — diz Baba Shiv, professor-adjunto de marketing da Universidade Stanford —, a coisa certa a fazer é investir em todas as rodadas. Mas, como sabemos, nem sempre a lógica prevalece. No começo do estudo, os participantes foram divididos em dois grupos: aqueles com lesões nas áreas da emoção do cérebro (a amídala, o córtex orbitofrontal e o córtex insular direito, ou somatossensorial) e aqueles com lesões em outras áreas (o setor dorsolateral direito ou esquerdo do córtex préfrontal). Se, como sugere a teoria neuroeconômica, a emoção é realmente a responsável pela aversão ao risco, segue-se daí que, de acordo com a dinâmica do jogo, aqueles participantes que apresentavam uma patologia relevante (isto é, o primeiro grupo) devia ter um desempenho melhor que os outros (isto é, o segundo grupo). E, conforme se viu, foi exatamente o que aconteceu. À medida que o jogo se desenrola, os participantes “normais” começam a recusar a oportunidade de arriscar seu dólar, preferindo guardar o que
ganharam. Por outro lado, aqueles com problemas no CEP emocional do seu cérebro continuam apostando na sorte — e acabam o jogo com uma margem de lucro significativamente maior que a de seus rivais. — Esse talvez seja o primeiro estudo — diz George Loewenstein, professor de economia da Carnegie Mellon — que documenta uma situação em que pessoas com lesão cerebral se saem melhor em decisões financeiras do que as pessoas normais. Antoine Bechara, professor de neurologia da Universidade de Iowa, faz uma declaração mais chocante ainda: A pesquisa precisa determinar as circunstâncias nas quais as emoções podem ser úteis ou perniciosas, [nas quais] podem ser um guia para o comportamento humano. [...] Talvez seja plausível dizer que os corretores de ações mais bem-sucedidos da Bolsa de Valores podem ser considerados “psicopatas funcionais” — indivíduos que, por um lado, têm uma tendência maior de controlar as emoções ou que, por outro, não as sentem no mesmo grau de intensidade que as outras pessoas.
E Baba Shiv concorda. — Muitos diretores-executivos — diz ele calmamente — e muitos advogados brilhantes também podem ter essa característica.
Autoconfiança inata Os comentários de Shiv e Bechara fazem sentido. Na hora do vamos ver, o gênio frigidíssimo, cuja neurologia não pestaneja nem sente remorso por nada, que lhe permite separar o sentimento do pensamento com a mesma facilidade com que desamarra um cadarço de sapato não vai estar nem aí para a gente, vai deixar todos nós morrermos. Às vezes literalmente. Figura 7.3 “O elevador está subindo?”
Bill Gates (não é alguém que um leigo consideraria um psicopata; mas, no mundo dos negócios, certamente é alguém cujo canal da empatia parece não funcionar) foi entrevistado recentemente na televisão. — Você tem uma empresa multinacional de bilhões de dólares — protestou a apresentadora. — Por que tem de esmagar os caras pequenos — os dois amigos que fundaram uma companhia no fundo do quintal? Por que tem de vencer o tempo todo na base do 10 a 0? Gates olhou para ela como se fosse louca. — Considero isso um elogio — foi seu comentário.
Mas a temperatura abaixo de zero do cérebro de um psicopata e sua facilidade em controlar os nervos não afetam somente a empatia. Uma amídala inativa também traz benefícios adicionais — principalmente quando se trata de outro componente do SPICE, a autoconfiança. Nem todos os psicopatas estão atrás das grades, lembra? — Só aqueles que se metem em atividades criminosas e são pegos. Muitos são cidadãos cumpridores da lei ali mesmo no seu trabalho, brilhando em ocupações de alto risco como processos judiciais, grandes negócios, as forças armadas e a mídia, por uma única razão simples: sua autoconfiança floresce em circunstâncias que, para outros indivíduos menos resistentes, podem parecer de uma tensão brutal, intolerável. Em geral, a neurocirurgia é considerada uma das operações mais arriscadas que um indivíduo pode fazer. Trabalhando em ambientes hostis nas profundezas do cérebro, o neurocirurgião precisa ter como objetivo a precisão absoluta — com margens de erro menores do que a bala de um atirador de elite. Não é lugar para frouxos. Nesse caso, quem são as pessoas que “nasceram” para essa profissão — quem são as pessoas que patrulham as fronteiras remotas entre a consciência, o eu e a alma? Uma pista é dada por Andrew Thompson, neurocirurgião há 22 anos — que, repito, embora não resida no “centro da cidade” da psicopatia, certamente tem uma pontuação elevada em termos de autoconfiança absoluta: Eu não estaria sendo exatamente honesto se dissesse que não fico animado diante de um desafio. A cirurgia é um esporte radical e estar em segurança o tempo todo não faz a minha cabeça. [...] A gente não pode se deixar paralisar pelo medo de alguma coisa dar errado. Não há lugar para o pânico no calor da batalha. Você tem de ter 100% de concentração, aconteça o que acontecer. Não pode sentir remorso, e tem de ter uma confiança suprema em si mesmo para fazer o seu trabalho [...] o cérebro representa os altos-mares da medicina moderna, e os neurocirurgiões do século XXI são seus piratas e bucaneiros.
Os comentários de Thompson podem ser um choque para aqueles que estão prestes a entrar numa sala de cirurgia. Mas não deviam. Na verdade, sentimentos como esses são muito comuns entre os que estão na linha de frente de sua profissão — como descobriu o pesquisador de Harvard Stanley Rachman depois de uma série de estudos realizados nos idos dos anos 1980. Agora os estudos de Rachman são considerados clássicos, e um dos motivos foi a escolha dos participantes: homens especializados em desativar bombas.12 Rachman queria saber que atributos uma profissão como essa
exigia. O que diferencia — se é que existe alguma diferença palpável — o “grande” especialista em desarmar bombas do que só é “competente”? A pesquisa de Rachman descobriu uma coisa muito interessante. Começando com um grupo de especialistas tarimbados na desativação de bombas — aqueles com dez anos ou mais no ramo — ele percebeu uma diferença fundamental entre os que tinham sido condecorados por seu trabalho e os outros. Além disso, a natureza dessa diferença parecia enraizada numa fisiologia básica. Rachman notou que, nas tarefas que exigiam mais recursos em termos de atenção — em outras palavras, aquelas que estavam bem na extremidade do espectro do risco — o ritmo dos batimentos cardíacos daqueles que não tinham sido condecorados mantinha-se estável. Uma descoberta incrível. No entanto, mais incrível ainda era o que acontecia com o ritmo dos batimentos cardíacos daqueles que tinham sido condecorados. Longe de se manter estável, ele na verdade diminuía. Análises mais detalhadas — do impacto de certos tipos de variáveis da personalidade sobre o desempenho cardiovascular — revelaram o porquê. Conforme se viu, não se tratava de um fator apenas no quadro, mas de dois. Claro, descobriu Rachman, alguns indivíduos podem muito bem, graças à lei pura e simples das médias, ter gelo correndo nas veias. Mas um atributo característico — o fator isolado mais importante de todos e que parecia fazer a diferença — era a autoconfiança. É claro que a autoconfiança nos ajuda em todas as situações da vida. Você não precisa de um cronômetro, nem de uma rede complicada de fios de fusíveis para descobrir isso. Nem de um bisturi, nem de uma serra de crânio. Na partida de golfe, na entrevista para o emprego, numa transação comercial, na pista de dança — é a fé na própria capacidade, tanto quanto a capacidade em si, que é, muitas vezes, o fiel da balança. Basta perguntar às vítimas dos melhores vigaristas do mundo. Robert Hendy-Freegard é o Hannibal Lecter do conto do vigário.13 Sua capacidade de persuasão é de tal magnitude que ele foi levado de sua prisão de alta segurança para o confinamento solitário, para evitar que seus companheiros de cela — e funcionários da prisão — caíssem na sua lábia. Depois de quase uma década, o vendedor de carros que se tornou vigarista conseguiu convencer suas vítimas de que ele era um agente do M15 [serviço de segurança britânico] que estava em missão secreta contra o IRA. E que, se elas quisessem, ele também poderia introduzi-las no serviço secreto inglês.
Enquanto isso, o dinheiro necessário para “proteger a segurança do Estado” estava saindo de suas contas bancárias para o bolso dele. — O mentiroso mais consumado que já conheci em 25 anos na polícia — foi como Robert Brandon, detetive da Scotland Yard, descreveu HendyFreegard. — Quando começava, era muito charmoso: ouvia e ouvia, e encontrava qualquer fraqueza de caráter, qualquer vulnerabilidade que houvesse e depois a explorava impiedosamente. Quando assumia o controle de suas vítimas, não se detinha diante de nada para lhes arrancar todo o dinheiro e toda a dignidade que tinham. Mais “impressionante” ainda é o fato de algumas de suas vítimas — entre as quais um psicólogo infantil — serem extremamente instruídas. HendyFreegard abandonou a escola aos 14 anos. E como é que ele conseguia ganhar a cabeça dessas pessoas? Uma de suas vítimas dá uma pista. — Sua autoconfiança era irresistível — lembra ela. — Seu bom humor era absolutamente contagiante. Andrew West, que liderou a promotoria durante o processo contra ele, dá outra. — Lutei para entender o lance — disse ele na conclusão do processo. — Mas ele é muito plausível. E até quando fazia seu depoimento, parecia muito convincente. O que só comprova, como disse outro vigarista psicopata com quem conversei (só com um traço levíssimo de ironia): — Qualquer um pode ser o personagem. Mas será que você tem condições de representá-lo?
O normal e o pirado Em 1964, o dramaturgo britânico Joe Orton escreveu Entertaining Mr. Sloane, uma peça badaladíssima. Nela, o sr. Sloane, um psicopata carismático, vai morar com um irmão e uma irmã solitários, e começa a ter transas intermitentes com ambos. Sobre seu caráter, Orton escreveu o seguinte: “Ele é letal e charmoso. Uma combinação fascinante de egoísmo crasso e inocência infantil.”
Um bom retrato de um psicopata. O perfil que Orton traçou do volúvel sr. Sloane capta uma faceta da personalidade psicopata que é universal entre os muitos membros da espécie: uma mistura incongruente do normal e do pirado. “Você talvez os tenha identificado no seu emprego”, escreve David Baines na revista Canadian Business. “São inteligentes, carismáticos, atraentes e sabem se relacionar muito bem socialmente. Em geral, a primeira impressão que causam é maravilhosa. São espontâneos e as regras não os deixam inibidos. É divertido sair com eles — ao menos inicialmente... [mas,] por trás do carisma, não há um pingo de consciência.”14 Essa incongruência é hipnótica. O encanto do psicopata deriva em grande parte de sua similaridade conosco. Isto é, combinado à sua dissimilaridade óbvia. Patricia Davidson, uma vendedora de 44 anos de Wichita, Kansas, conta uma história absolutamente familiar — que se mudara para Chicago, Illinois, para namorar um homem que estava cumprindo uma pena de prisão perpétua por causa de um brutal assassinato a mando do crime organizado. — Ele cometeu mesmo o crime? — perguntei-lhe. — Sim — respondeu ela. — Cometeu, sim. Mas nunca foi violento comigo. Era muito romântico, escrevia pra mim poemas de amor e coisas assim. Fazia com que eu me sentisse especial. Como se eu fosse a pessoa com quem ele tinha sonhado. Não era. Seis semanas depois, a relação amorosa tinha ido pelo ralo. Ela descobriu que havia muitas outras mulheres no lance, e Davidson foi para as cucuias. Egoísmo crasso e fascinante combinado a uma inocência infantil. Uma mistura explosiva.d
Visita inesperada O verniz de charme que torna o psicopata tão encantador também funciona como excelente camuflagem psicológica. E, combinado a uma autoconfiança demoníaca, pode ser fatal.
Liam Spencer tem 20 anos e é um “aprendiz” de psicopata puro — um protégé de Greg Morant, de quem falamos no capítulo anterior. Morant, entre outras coisinhas, está lhe ensinando as manhas do ramo e, depois de seis meses de aulas, ele já avançou bastante no caminho que leva à grandeza. — Ele tem um talento inato — diz Morant. — Frio como gelo e com um olho de predador para as fraquezas. Todo mundo tem o seu calcanhar de aquiles, é só uma questão de encontrá-lo... Liam é um pouco mais rápido que a maioria... Spencer impressiona. Alto, bonitão e vestido impecavelmente num terno Armani, camisa sem gravata aberta no pescoço, ele me devolve a carteira cinco minutos depois de nos sentarmos. A essa altura, é claro, ele já pagou os drinques. Pergunto-lhe como explica o sucesso que faz com as mulheres — uma dica de Morant. Spencer é um homem para quem marcar um encontro numa noite de sexta-feira é um verdadeiro esporte. E ele é muito bom nisso também — o que não é de surpreender, dados os métodos que usa. Eis aqui um deles, que ele me conta bebericando coquetéis no terraço. Primeiro passo: Dar uma geral nos bairros da cidade que oferecem áreas de caça prováveis, onde há mulheres solteiras que vivem sozinhas — locais perto de hospitais, universidades etc. Segundo passo: Por volta das 20h da sexta-feira, aparecer sem aviso num endereço selecionado de antemão com uma garrafa de vinho e uma reserva para dois num dos melhores restaurantes da cidade. Terceiro passo: Se um homem atender a porta, pedir desculpas, dizer que bateu na porta errada e começar tudo de novo em outro endereço. Quarto passo: Se uma moça atender a porta, perguntar se “Carmilla” (ou outro nome inusitado) está em casa. Não vai estar — simplesmente porque “Carmilla” não existe. Quinto passo: Quando ela lhe disser que ali não mora “Carmilla” nenhuma, explicar — com uma mistura cuidadosamente dosada e muito bem ensaiada de decepção e constrangimento — que você conheceu Carmilla num bar há alguns dias, que a convidara para jantar esta noite e que este foi o endereço que ela lhe deu. Putz! — ela me fez de bobo!
Sexto passo: Acrescentar uma pitada de humor: “Eu sabia que ela era muita areia pro meu caminhãozinho!” Sétimo passo: Esperar a reação. É provável que seja uma reação favorável (se não for, peça desculpas pela invasão e vá embora). Oitavo passo: Adicionar uma pitada de esperança oportunista à sua decepção e constrangimento. Algo do gênero, “Ahn, sei que pode parecer estranho... mas, se você não tiver um compromisso esta noite (às 20h de uma sexta-feira é bem possível que ela não tenha) e, já que eu estou aqui... mas acho que você não vai querer jantar comigo... Nono passo: Mesa para dois. A técnica de Spencer combina todos os cinco elementos do modelo SPICE no equivalente do conto do vigário a um ensopado de forno cinco estrelas do Michelin. Simplicidade e interesse pessoal evidente: sem comentários. Incongruência: com que frequência um cavaleiro andante bonito, bem vestido, engraçado e (o mais importante de tudo) disponível, numa brilhante armadura Armani bate na sua porta numa sexta-feira à noite? E, como se tudo isso não bastasse, com uma reserva para jantar de dar água na boca de qualquer mulher... Autoconfiança: Você tem tanta assim? Empatia: Sexta-feira à noite? Quanto tempo você leva para jogar no incinerador aquela comida que estava esquentando no micro-ondas? Um milésimo de segundo, dizem várias moças a quem fiz a pergunta. Principalmente quando um sujeito como Spencer bate na sua porta. Mas nem todas as vezes a motivação de um psicopata é tão inofensiva. Eles não batem na sua porta só para levar você pra jantar fora. Às vezes, como a polícia da Grande Manchester descobriu há anos, é para levar você para o incinerador.
Na cova dos leões Em julho de 2007, a polícia local foi chamada a uma casa de Manchester. Tinha havido uma gritaria daquelas e um vizinho pegou o telefone e ligou pra
polícia. O que ela encontrou ao entrar na casa chocou até mesmo os policiais mais calejados — aqueles que achavam que já tinham visto de tudo. Não tinham. Uma mulher de seus 30 e tantos anos tinha sido morta a golpes de martelo, assim como a filha de 18 anos e o filho de 13. Havia sangue e outros fluidos corporais por todo lado. Num instante todos aqueles assassinatos estavam na primeira página dos jornais. Naquela noite, na televisão, a polícia decidiu arriscar. Viera à tona o nome de alguém com quem os investigadores queriam conversar — e eles resolveram torná-lo público. Era o seu homem, não havia dúvida; e, dada a ferocidade dos ataques e o perigo sem precedentes que o assassino representava para o público, acharam que essa era a melhor opção para pegálo. Proteger a identidade de um suspeito era uma coisa. Proteger vidas inocentes, outra. Este risco a polícia não podia correr. — Estamos procurando Pierre Williams — disse Paul Savill, o chefe dos investigadores da polícia da Grande Manchester. — Se você souber onde ele se encontra, não se aproxime dele em nenhuma circunstância. Ele é violento e extremamente perigoso. E é bem possível que esteja armado. Se tiver alguma informação sobre o seu paradeiro, entre imediatamente em contato com a polícia. Algumas horas depois, Savill recebeu um telefonema. — Oi — disse uma voz muito tranquila. — É Pierre Williams quem está falando. Vi na TV que estou sendo procurado por um assassinato triplo. Estou chegando aí pra me apresentar. Savill não achou a menor graça. — Se for algum tipo de trote — disse ele —, não é hora, nem lugar. Não era. Pouco depois, Williams apresentou-se de fato. E Savill começou a entrar em pânico. O problema era o tempo. Ou, para ser mais exato, de falta de tempo. Savill sabia, claro, assim como Williams que, a partir do momento em que um suspeito é levado para o interrogatório, a polícia tem 96 horas para reunir suas provas e fazer as acusações. Se, depois desse período, as investigações forem inconclusivas — se nenhuma prova convincente viesse à luz —, o suspeito tinha a liberdade de ir embora. E, possivelmente, de ir embora para sempre. Essa era a maior dor de cabeça. As portas da sala do crime mal haviam sido abertas. E, apesar disso, ali estava, bem nas barbas da polícia, e frio
como gelo, o suspeito número um. Os investigadores ainda nem tinham começado a trabalhar. Era, da parte de Williams, uma jogada de tirar o fôlego. Não é necessário dizer que Williams não foi exatamente o que a gente chamaria de cooperativo. Perfeitamente cônscio de que as provas do local do crime estavam se desvanecendo, ele se recusou, como era direito seu, a responder a qualquer pergunta. Além disso, ele já havia sido detectado antes pelo radar da polícia: era o “homem da faxina” de uma quadrilha famosa em Manchester — apagava impressões digitais e livrava-se das provas que poderiam incriminar algum membro do bando. O que, como Savill se deu conta, só agravava os seus problemas. Com seu histórico anterior de especialista em fazer desaparecer as provas de um crime, não era preciso ser um gênio para deduzir que Williams, evidentemente, havia feito desaparecer meticulosamente as provas do seu crime. O que, para usar a terminologia oficial, era um tremendo chute no saco. Por fim, conforme se viu, Savill pegara realmente o seu homem. Foi provado que uma pegada quase imperceptível, que fora apagada — invisível a olho nu — na cena dos crimes de Manchester, era exatamente igual a outra encontrada no apartamento de Williams. Em Birmingham, a mais de 1.500 quilômetros de distância. Mas foi por um triz. Só faltavam três horas contadas no relógio quando chegou a notícia da descoberta da prova. Savill soltou um profundo suspiro de alívio. — Williams apresentar-se imediatamente depois do crime por livre e espontânea vontade foi algo totalmente inesperado — admitiu ele mais tarde. — Ninguém teria previsto uma coisa dessas. Desde o começo ele puxou o nosso tapete. Mas nenhum de nós teria se perdoado se o tivéssemos deixado escapar por entre as malhas da rede. Sabíamos que era o nosso homem e foi a persistência e os métodos provados e comprovados da investigação policial que finalmente levaram a melhor. Mas não há dúvida quanto a uma coisa — foi uma história de suspense do começo ao fim. Mesmo com a derrota de um criminoso (era interesse da polícia prender seu homem, não libertá-lo), não se pode deixar de reconhecer que o modelo SPICE de persuasão tem um poder formidável. Com o emprego audacioso dos outros quatro fatores — simplicidade, incongruência, autoconfiança e empatia —, Williams quase saiu impune de um crime hediondo.
Que merda! Em O silêncio dos inocentes, quando Hannibal escapa, Starling está convencida de que ele não vai vir atrás dela. “Para ele”, supõe a moça, “seria uma grosseria imperdoável”. E ela tem razão. Mas nem todos os psicopatas são tão bem-educados quanto Lecter. Muitas vezes, sua facilidade de passar por cima das normas sociais, de fazer o inesperado, pode, como acabamos de ver no caso de Pierre Williams, ser eletrizante. E aumenta significativamente sua capacidade de encantar e persuadir. Em seu livro Do que é feito o pensamento, o psicólogo de Harvard Steven Pinker fala de implicaturas. Uma implicatura — ou subentendido — é um artifício linguístico que nos permite dizer o que queremos realmente dizer por meio de palavras ou expressões que nós... bem, não dissemos. Um exemplo clássico é ouvido frequentemente à mesa das refeições. Imagine que você está com um grupo de desconhecidos e quer que alguém lhe passe o sal e a pimenta. Você se vira para o seu vizinho e diz... o quê, exatamente? Bem, é possível que você não lhe peça para passar o sal e a pimenta. Não vai dizer o que quer dizer. O que você provavelmente diz é algo do tipo, Será que me faria a gentileza de passar o sal e a pimenta?” Ou “Você está vendo o sal e a pimenta?” Em outras palavras, tudo e qualquer coisa que não seja um breve, cortante, simples e direto “Passe o sal e a pimenta!”. Segundo Pinker, as implicaturas existem porque nos possibilitam salvar as aparências. Aplicam uma vacina contra a falta de respeito. De um lado, o pedido “Passe o sal e a pimenta” poderia ser interpretado como uma ordem. Menos que um pedido e mais que um desafio ou provocação descarada. Mas, por outro lado, “Você está vendo o sal e a pimenta?” desarma a gente. Todos sabemos o que a expressão significa VAI PASSANDO LOGO O SAL E A PIMENTA! Mas, de certa forma — porque a intenção está mais implícita do que evidente, às claras — as coisas não parecem tão ruins. Quando ouvi falar dessa implicatura, fui a Harvard bater um papo com Pinker. A flipnose, ao que tudo indicava, não se encaixava nessa definição. Ao menos foi o que pensei inicialmente. Considere o exemplo apresentado a seguir. É um feriado bancário de agosto e ambos estão putos da vida. O bar está cheio de frequentadores habituais e a briga já dura um bom quarto de hora.
— Você nunca me fala a verdade! — berra o marido. — Esse é que é o seu problema. Você nunca é honesta comigo. Por que não acaba com essa merda toda e não me fala as coisas na cara? — É — diz o barman. — Por que você não sai dessa merda e não fala a verdade nua, curta e grossa, daqui pra frente? Entende o que quero dizer? Frases como essas não são exatamente um saco cheio de entrelinhas para você sacar, são? Elas não deixam muito espaço para a imaginação. Mas Pinker via esse tipo de coisa por outro ângulo. Basicamente, desenvolvemos todas essas estratégias linguísticas para nos proteger, e elas funcionam. Mas também são um saco. Portanto, quando alguém resolve quebrar as regras e dizer as coisas exatamente como são — na lata — essa transgressão pode, dependendo do contexto, ser um refresco. Um alívio. É a base de grande parte do humor, por exemplo. E, como nossos conceitos de boa educação são comuns à sociedade na qual vivemos — eu sei que você sabe que eu sei que você está desobedecendo as regras — aqui ainda existe uma espécie de rede de segurança. [...] A mim parece que o poder da flipnose reside na sua sacação das coisas. É basicamente um tipo de influência que vai direto ao ponto.
Gostei do raciocínio de Pinker. Ironicamente, ele parecia estar dizendo que é exatamente por usarmos as implicaturas que o modelo SPICE consegue fazer a sua mágica. Porque é menos do mesmo. Estamos todos tão ocupados em procurar não ofender os outros que, quando aparece alguém que desafia as convenções linguísticas, nosso cérebro solta um suspiro de alívio. De repente, meus pensamentos se voltam para os psicopatas. Não é de admirar que existam esses reis da persuasão. Independentemente do que Starling pensou a respeito de Hannibal (e, vamos encarar os fatos, ele não era tão bem-educado assim), é exatamente nisso que eles são bons. Sua impulsividade inata e seu carisma eletrizante fazem da incongruência uma segunda natureza. Além disso, são bons em uma outra coisa também. Algo diretamente relacionado ao que Pinker estava dizendo a respeito do modelo SPICE. Na hora H, quando têm algo a ganhar numa situação qualquer, os psicopatas não têm problemas de consciência. Não perdem pra ninguém em termos de ir direto ao ponto. Em termos de se concentrar mais nos fins do que nos meios. Ou, como você talvez preferisse dizer se fosse um dos maiores linguistas do mundo, “caem matando”.
Só recompensa Imagine que eu lhe apresentasse uma série de 64 cartas, mostradas uma após outra na tela de um computador e cada qual com um número de dois dígitos entre 1 e 99. Seriam oito desses números de dois dígitos — e que cada um deles aparecesse num total de oito vezes distintas durante a apresentação. Sua tarefa é simples. Você tem de decidir a quais desses números responder apertando a letra X do teclado, e a quais responder apertando a letra Y. A única pegadinha é que, toda vez que você fizer a escolha errada, vai levar um choque elétrico bem dolorido. Como você acha que se sairia? Há alguns anos, o psicólogo Adrian Raine e seus colaboradores da Universidade do Sul da Califórnia de Los Angeles realizaram um experimento para descobrir.15 E o que descobriram foi espantoso. Se você é como a maioria das pessoas, vai entender a “regra” rapidinho (isto é, X = números ímpares e Y = números pares). Depois de levar um choque, você não vai querer levar outro logo. Quer dizer, exceto se você for um psicopata. Com esses caras, acontece uma coisa bem estranha. Em tarefas como essas — chamadas de tarefas de aprendizado passivo de evitação — os psicopatas, muitas e muitas vezes, cometem um número significativamente maior de erros que o resto de nós. Parece que a ameaça de um castigo iminente, a perspectiva de risco ou desconforto, simplesmente não os afeta da mesma maneira que a você ou a mim. Eles simplesmente parecem não dar a mínima. Descobertas como essas podem indicar que os psicopatas, a julgar pelas aparências, simplesmente não se importam. Que a sua singular falta de emoção simplesmente os “desliga”. E isso, a julgar pelas aparências, soa razoável. Mas agora vamos imaginar uma situação ligeiramente diferente. Dessa vez, vamos supor que temos exatamente os mesmos fatores — as cartas, os números, os choques —, só que, agora, se você fizer a coisa certa, além de evitar o castigo, também vai ganhar uma recompensa — US$5 por acerto. Acha que isso faria alguma diferença? Que você aprenderia a regra mais depressa ainda? Para a maioria, a resposta é não. Os eletrodos dão conta do
recado. Mas, em situações como essa, a reação dos psicopatas muda radicalmente. Os psicopatas, como por artes de magia, na verdade se saem melhor que o resto de nós. Ao contrário daquelas situações em que a ênfase está em evitar o negativo, quando há de fato algo a ganhar na empreitada, eles aprendem a regra muito mais depressa. Desperte o interesse pessoal de um psicopata — e não haverá muitas pedras no seu caminho.
A arte de fazer amigos — e ganhar com a amizade A capacidade que o psicopata tem de ficar impassível sob pressão, de dar conta do recado quando a maioria de nós larga tudo e sai correndo, não passou despercebida ao cinema. Os doze condenados — filme ambientado na Segunda Guerra Mundial — apresenta um bando de doze homens desesperados encarregados da missão praticamente impossível de destruir um castelo francês cheio de oficiais alemães de alto escalão. Por fim, a missão é cumprida — embora só um dos doze sobreviva. Mas, por trás dessa saga de redenção, há uma pergunta interessante. Por que esse bando de renegados foi escolhido para esse serviço? Por que confiar uma missão de importância tão crucial a uma coorte de estupradores e assassinos? Será que, na verdade, a fábrica de sonhos de Hollywood deu com algo um pouco mais “real” aqui? Será que a águia teria uma chance maior de descer à terra se algum outro predador a estivesse chamando? Há evidência sugerindo que sim. Na Grã-Bretanha, a Cruz de Grande Bravura é uma condecoração dada “em reconhecimento a um ato ou atos de grande bravura durante operações ativas contra o inimigo”. Desde sua introdução em 1993, foi concedida somente 37 vezes. Eis aqui um texto que descreve uma dessas ocasiões, publicado pelo Independent: Foi durante uma luta feroz nas cavernas de Bora Bora, um baluarte talibã, luta que fazia parte da caça a Osama bin Laden em 2001 que o sargento Bob Jones [o nome foi mudado] atacou o inimigo armado somente com seu facão, apesar de estar gravemente ferido. Foi atingido ao menos duas vezes pelo fogo inimigo; mas, de alguma forma, conseguiu se levantar e continuar
lutando, antes de recorrer ao facão quando o conflito passou para o estágio de selvagem corpo a corpo... Outros oficiais disseram que sua “capacidade de liderança notável ao sacar o facão e partir para cima do inimigo inspirou os que o rodeavam a fazer o mesmo quando a munição estava acabando e o resultado da batalha era incerto”.e
A gente vê uma concentração semelhante entre os maiores artistas mundiais do conto do vigário. Greg Morant, como ele próprio reconhece, prepara-se como um “atleta olímpico” quando há um peixe grande no anzol. Descubro tudo o que posso [sobre a pessoa]. Da sua maneira de ganhar a vida ao que faz no fim de semana. Os grandes atletas estudam vídeos de seus oponentes, dissecam os seus jogos. Eu faço o mesmo: reúno informações, começo a formar uma imagem da pessoa com quem estou lidando. Não é um bicho de sete cabeças. Quanto mais você sabe sobre alguém, tanto mais as probabilidades tendem a seu favor... Sou como um corretor especializado em avaliar imóveis. Só que, em lugar de imóveis, eu avalio cabeças. Fico rodeando a pessoa, passo todas as informações pelo pente-fino várias vezes. Procuro as portas, aquela entrada secreta. Que você acaba descobrindo. Sempre há uma entrada. Lá nos fundos. Imperceptível. Bem, às vezes você simplesmente entra marchando pela porta da frente! É o que todo mundo devia fazer se quisesse ir em frente de verdade. Não tenho a menor intenção de te ofender... mas me fala uma coisa: de que te adiantam todos esses livros que você leu sobre a forma de persuadir e influenciar as pessoas? A maioria deles é merda pura. Você pode falar o que quiser sobre psicologia. Mas o que resolve a parada mesmo é você fazer seu dever de casa. Acender o fogo quando você tem alguma coisa pra queimar como combustível. E nem tudo queima, certo?
Se o psicopata pode se aproveitar de uma situação, se houver alguma coisa a ganhar num lance, ele vai à luta. E vai à luta por prazer — não está nem aí com o risco ou a possibilidade de consequências negativas. Além de manter a calma diante de ameaças ou adversidades, é exatamente nessas circunstâncias que ele prima. Torna-se, à sombra dessa perspectiva, um verdadeiro raio laser em sua capacidade de “fazer o que é preciso fazer”. Um exemplo disso — usado junto com o modelo SPICE — é um amigo meu. Paul e eu fomos colegas de faculdade. Embora ele tivesse pouco em comum com Hannibal Lecter (durante toda a época em que tive contato com ele, ele só roubou um tíquete de estacionamento), Paul era, Paul é um psicopata. Sei porque o testei. Mas também havia, claro está, os eloquentes indícios habituais. Educado, inteligente, implacável e autoconfiante — mas a coisa mais impressionante em Paul, a característica que o tornou conhecido de todos, era sua capacidade avassaladora de persuadir. Sua capacidade de
inspirar confiança. Era, bem literalmente, como se ele tivesse um software secreto enterrado nas profundezas do cérebro que lhe permitia sacar os segredos mais recônditos das outras pessoas. E então, depois de conseguir o acesso, fazia o que muito bem entendia. Quando Paul ainda não tinha a senha emocional de alguém, não levava mais de cinco minutos para descobri-la. Era (e não tenho dúvida de que ainda é) um dos mais talentosos artistas da psicocriptografia que já conheci. A última vez que estive com Paul foi há uns sete anos, e ele não tinha perdido nem um pouquinho de sua capacidade de virar a maré a seu favor. Imagine a cena: um vagão de metrô lotado em Londres, dois operários cobertos de poeira e tinta, e Paul num terno de risca de giz muito bem passado sentado à frente deles. Tinha chovido quase o dia todo e os operários — que obviamente estiveram trabalhando ao ar livre lá fora — estavam encharcados. E começaram a encher o saco de Paul. Operário Nº. 1: Você tirou a sorte grande, não tirou? Sentadinho aí de terno e gravata. Um dia de trabalho de verdade acabaria com a sua raça. Paul: Que trabalho você preferiria — o seu ou o meu? Operário Nº. 1: Você está brincando, não está? Eu não queria estar na sua pele nem por um segundo! Paul: Perfeito. E então, está reclamando de quê? Operário Nº. 2: Um filho da puta espertinho, hein? Bom, vou falar pra você uma coisa. Se ele não está a fim, eu estou! Paul: Perfeito. E aí, está reclamando de quê? Você está é com inveja. Uma das namoradas de Paul (ele tinha várias) me contou certa vez uma história que é o epítome de sua genialidade em matéria de improviso. Uma noite, quando eles estavam na cama, foram acordados no meio da madrugada por um ladrão. Estava escuro, mas Paul conseguiu enxergar o perfil do intruso — a pouquinhos metros de distância — rondando o seu notebook, que estava em cima de uma mesinha. Enquanto a maior parte das pessoas fingiria estar dormindo — ou, cega pelo pânico, faria alguma coisa da qual se arrependeria depois —, Paul manteve a calma e o foco. — Olha — disse ele no meio da escuridão, num tom de voz uniforme, prosaico —, não quero entrar em luta corporal com você, nem nada do
gênero... mesmo que isso signifique não usar essa semiautomática que estou apontando pra você debaixo do edredom! Eu mesmo já arrombei umas casas no meu tempo [mentira] e acredito piamente que tudo o que a gente faz na vida, uma hora volta. De modo que eu acho que, no final das contas, não vou ficar muito puto da vida, não, se você pegar o meu notebook. Olha, na verdade, vou lhe propor um negócio. Se você me deixar copiar umas coisas e enviá-las pro meu computador de mesa, eu não vou nem dar queixa. Para começo de conversa, não dá pra ver a sua cara. E você deve estar usando luvas. De modo que, no fim, não vai me adiantar nada ir à polícia fazer uma queixa, certo? Que tal? Paralisada pelo medo, a namorada de Paul ficou deitada a seu lado enquanto o ladrão, cuja silhueta aparecia claramente recortada contra a luz de um poste da rua, pensava na proposta. Por estranho que pareça, depois do que pareceram séculos, ele resolveu aceitar: a mágica de Paul havia dado certo mais uma vez. Mas isso foi só o começo. O trabalho de Paul começou de verdade depois que ele assumiu o controle da situação. Primeiro ele sugeriu ao ladrão que desse um passo para o lado enquanto ele começava a fazer o download. A luz da tela do computador iluminaria o seu rosto — e, na cabeça do ladrão, se ele se deixasse identificar, acabaria se tornando uma presa fácil. O cara concordou. Em seguida, enquanto se sentava na frente do móvel e ligava o seu computador de mesa, Paul entabulou uma conversa com o ladrão. Começou a entrar nos detalhes das casas que arrombara e dos maus-tratos a que o padrasto o submetera quando era criança, que acabaram por levá-lo ao mundo do crime (na verdade, Paul tivera uma infância muito feliz). E, veja só, o ladrão começou a falar de sua própria infância traumática, e os dois amarraram o maior papo. Começaram a fazer amizade. Quando Paul terminou seu download, propôs um segundo negócio ao ladrão. Por que não continuar a conversa lá embaixo, na cozinha, tomando umas latas de cerveja? Embora as circunstâncias fossem inusitadas, para dizer o mínimo, Paul achava que o destino havia feito os dois se conhecerem. Pareciam ter um monte de coisas em comum. E, além disso, ele não estava mesmo conseguindo dormir. E o ladrão engoliu mais essa. Depois de pensar um momento (na verdade, o ladrão não lhe pediu pra fazer isso — era apenas Paul ganhando impulso), ele pegou um daqueles gorros de malha que tampam completamente o rosto e o pescoço e deixam só uma abertura para os
olhos e falou pro cara pôr aquilo. Assim ele não poderia reconhecê-lo. E os dois foram lá pra baixo. Claro, enquanto andava pra lá e pra cá no corredor lá de cima com uma toalha de banho enrolada no corpo, a namorada de Paul ouviu o som da porta da geladeira abrindo e de duas latas sendo abertas lá embaixo. E aí, um pouco depois, mais duas. Por fim, apesar dos protestos de Paul, o ladrão tirou o gorro. Tinha começado a se sentir em casa. Os dois ficaram conversando por bem mais de uma hora. Se você estivesse passando pela casa e não conhecesse nenhum dos dois, teria jurado de pés juntos que os dois se conheciam há anos. Quando finalmente o ladrão resolveu dar a noite por terminada, mais ou menos uma dúzia de latas estavam amassadas em cima da mesa e os primeiros raios de luz já estavam se infiltrando pela janela. Mas, antes de ele ir embora, Paul teve uma ideia. Talvez os dois devessem formar uma dupla. Sendo carteiro (na verdade, ele trabalhava com finanças), ele sabia muito bem quando as pessoas da área iam sair de férias. Um serviço de espionagem como esse não tinha preço, observou ele. Mal conseguindo acreditar no que ouvia, o ladrão deu a Paul seu endereço e número de telefone. Os dois trocaram um aperto de mão. Paul disse que ia ligar daí a um ou dois dias para tratarem de negócios. E o ladrão respondeu, “Ótimo!” Ele estaria esperando com umas latas de cerveja. Paul também insistiu para o ladrão — apesar de este não querer mais — levar o seu notebook. “Negócio é negócio”, disse ele. No dia seguinte, é claro que o ladrão recebeu mesmo uma visita. Mas não de Paul. Vários membros da polícia local conseguiram recuperar não só o seu notebook, como também um monte de outros artigos sobre cujo roubo eles haviam sido notificados nos meses anteriores. Paul recebeu uma carta pessoal de agradecimento do delegado, além de uma menção honrosa. Simplicidade. Interesse pessoal evidente. Incongruência. Autoconfiança. Empatia. A magia negra da capacidade de persuasão de um psicopata.
Resumo
Sempre houve elites nas sociedades. Há uma elite no esporte, no grau de inteligência, nas classes sociais. E, ao que tudo indica, há também uma elite da persuasão. E muito poucos deles são psicopatas. A maioria das pessoas acha que os psicopatas são monstros. Estupradores, assassinos em série, terroristas. E a maioria das pessoas está certa. Muitos estupradores, assassinos em série e terroristas realmente são psicopatas. Mas, ao contrário da crença popular, um grande número de psicopatas não chega a transgredir a lei. Estão, ao contrário, na cúpula de grandes corporações multinacionais, realizam cirurgias cerebrais de alto risco, entram nas embaixadas e tomam aviões usando gorros de lã que só deixam os olhos de fora ou máscaras contra poluição. E investem nosso dinheiro em mercados lucrativos — mesmo que sejam voláteis. Essa frieza sob pressão, esse ar-condicionado neurológico da melhor qualidade são instrumentos perfeitos para a persuasão do psicopata. Uma amídala disfuncional — a parte do cérebro que processa e sente emoções — e a falta concomitante de medo que quase invariavelmente a acompanha, permite àqueles que têm essa anomalia correr riscos. Ir direto ao ponto sem o estorvo das convenções sociais. Ir atrás de coisas que, para o resto de nós, seria impensável. Quando você é frio como gelo e, ainda por cima, tem autoconfiança, a fraqueza de alguém é sempre um trunfo na manga. Em nosso último capítulo, continuamos a explorar as fronteiras da influência — passando do máximo que são os gênios da persuasão para a persuasão propriamente dita. Flipnotizadores como Paul podem muito bem ser grandes mestres na arte de decodificar os sistemas de segurança do nosso cérebro. Mas será que existem combinações que nem mesmo eles conseguem decifrar? Será que toda fechadura de influência tem a sua chave? Ou será que a persuasão — e até mesmo o modelo SPICE — tem seus limites?
Notas A incidência da psicopatia na população masculina é estimada em aproximadamente 1% a 3%. Na população feminina, gira em torno de 0,5% a 1%. a
b
Respostas: foto de cima, constrangimento; do meio, determinação; debaixo, desespero.
Ninguém sabe o número exato de mulheres que Bundy matou. Ele confessou trinta assassinatos cometidos entre 1974 e 1978, mas as estimativas em geral colocam a cifra mais perto de 35. c
O ator Anthony Hopkins, dizem, conta uma história engraçada sobre seu “alter ego” Hannibal Lecter. Logo depois do lançamento de O silêncio dos inocentes, Hopkins, em visita ao País de Gales, entrou furtivamente num pequeno cinema provinciano onde o filme estava passando. Durante o clímax da história, quando Hannibal foge e o elevador vazio e todo manchado de sangue é focalizado, Hopkins, fazendo um barulhão danado, abriu um saco de batatinha. Irritada — e com razão —, uma mulher que estava sentada à sua frente virou-se para trás. Cinco minutos depois, ela estava sendo levada pra fora do cinema de maca. d
Em 10 de outubro de 2006. Isso não significa de modo algum que “Bob Jones” seja um psicopata, nem “indesejável” de alguma forma, seja ela qual for — portanto, não me queira mal, Bob! O que estou querendo dizer aqui é apenas que há certas características psicopatas, nesse caso concentração e desconsideração imediata pela sobrevivência pessoal que podem, em determinadas circunstâncias, predispor alguém para a grandeza. e
8 Os horizontes da influência
Um homem está andando pelas ruas de Belfast certa noite, quando sente um revólver encostado na nuca. — Protestante ou católico? — pergunta a voz. Pensando rápido, o homem responde: — Judeu. — Então eu devo ser o árabe mais sortudo da Irlanda — diz a voz.
No auge da Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill, disfarçado, está a caminho de uma sala subterrânea secreta a fim de fazer seu discurso à nação pelo rádio. Seu ajudante de ordens chama um táxi e dá o endereço ao motorista. — Sinto muito — responde o motorista. — Estou indo pra casa. O primeiro-ministro vai falar no rádio daqui a cinco minutos e eu não quero perder o discurso. Impressionado com a lealdade do homem, Churchill cochicha com o ajudante, dizendo-lhe para dar ao chofer uma gorjeta de £10. — Foda-se o primeiro-ministro! — grita o motorista. — Pra onde você quer ir?
Espelho, espelho meu H.L. Mencken, o humorista norte-americano, disse certa vez que, para cada problema, há uma solução simples, fácil e errada. Mas pense por um momento no outro lado dessa afirmação: que para cada problema existe de
fato uma solução, e uma solução que é simples, fácil e certa. Que existe, em algum outro CEP platônico — não contaminado pelo ego ou por malentendidos —, uma chave-mestra da persuasão em sua forma original, perfeita. Até que ponto uma ideia dessas é praticável — que qualquer cabeça, a qualquer momento, pode realmente ser mudada? Se isso for verdade, que tipo de chave seria essa? E como encontrá-la? Vários anos atrás, quando comecei a pensar nesse problema, liguei para o Bob Cialdini. Cialdini, que já encontramos várias vezes ao longo deste livro, é professor de psicologia e marketing na Universidade Estadual do Arizona e um dos maiores especialistas mundiais em persuasão. Eu disse a ele que, ao menos teoricamente, a persuasão não tem limites. Ele concordou. — Quando você pensa no que aconteceu em Jonestown — respondeu Bob —, na forma pela qual o reverendo Jim Jones conseguiu persuadir aquelas novecentas pessoas a tirar a própria vida... nesse caso, você está falando de um controle mental extremo. Talvez, a curto prazo, a persuasão tenha seus limites; mas, a longo prazo... não tenho tanta certeza. Durante um bom tempo depois de conversar com Bob Cialdini, fiquei convencido de que ele tinha razão. Mas, na verdade, eu estava disposto a ir um pouco mais longe. Os exemplos de mudanças radicais de opinião que a minha própria pesquisa descobrira parecia, como vimos, aludir a algo mais profundo. Que, mesmo a curto prazo, o poder da persuasão era infinito. Que as soluções existiam — era apenas uma questão de encontrá-las. Mas aí aconteceu uma coisa que mudou tudo isso completamente. Fiquei cara a cara com o Homem do Espelho. A primeira vez que fiquei cara a cara com o Homem do Espelho foi na primavera de 2008.1 Max Coltheart, professor de psicologia da Universidade Macquarie, havia feito menção a ele numa conferência. Fiquei intrigado. Enviei um e-mail a Coltheart alguns dias depois e perguntei se eu poderia lhe fazer uma visita. — Tudo bem — disse ele —, só não espere nenhum milagre. — Não estou esperando — menti. E peguei um avião para a Austrália. O Homem do Espelho é o mais estranho de todos os estudos de caso que já foram registrados nos anais de neuropsicologia (e houve alguns bem estranhos com o passar do tempo). O encontro aconteceu em Sydney, no Centro de Ciência Cognitiva da Universidade Macquarie, onde Coltheart tinha criado o Programa de Formação de Convicções: um projeto destinado a
revelar as causas da ideação delirante e desenvolver um modelo de aquisição e rejeição de opiniões. Matéria-prima com certeza não lhe faltava. Até aquele momento, o programa recolhera uma série impressionante de emprego errôneo de palavras (com efeito ridículo), que iam do tipo mais comum de delírio encontrado habitualmente na esquizofrenia (mania de perseguição — alguém está atrás da sua pele; mania de referência — determinados sons de conversas particulares e do burburinho de ambientes públicos dirigidos especialmente ao indivíduo; e mania de controle — forças alienígenas estão controlando, ou interceptando, seus pensamentos) até uma categoria mais bizarra ainda de equívocos cognitivos: manias monotemáticas. Incluída nesta última taxonomia estão a mania de Capgras (a convicção de que alguém emocionalmente próximo ao indivíduo — em geral, o par amoroso — não é quem parece ser, e sim, um(a) impostor(a) que é um(a) sósia; a mania de Cotard (o indivíduo acha que está morto); e a mania de Fregoli (a pessoa acredita que está sendo perseguida por um grupo de indivíduos que se disfarçam para esconder a verdadeira identidade). E também temos o epítome de todas elas: a mania da falta de identificação com o eu refletido no espelho. O Homem do Espelho, a quem vou chamar de George, tem uns 85 anos, mais ou menos. É cordial, casado, tem dois filhos e, depois de uma carreira comercial bem-sucedida, junto com a mulher ainda dá uma força na administração de uma agência de publicidade. Meu Deus, penso comigo mesmo ao vê-lo. Esse cara é absolutamente normal. Será que é verdade mesmo — todas essas coisas que ouvi dizer sobre ele? Logo descubro que é, sim. Nora Breen, do grupo de colaboradores de Coltheart, aperta o botão de um controle remoto de TV e entramos numa sala onde há um espelho. George está na frente do espelho e Nora lhe faz uma pergunta: — Quem você está vendo no espelho, George? George parece apreensivo. — É ele — responde. — Quem? — pergunta Nora. — Ele — diz George. — O cara que vive me seguindo. O cara que se veste como eu. E que se parece comigo. E que faz tudo exatamente no mesmo momento que eu. Nora entra no quadro.
— E quem você está vendo agora? — pergunta ela. — Você — responde George. — E ele. Estou pasmo. — Peça a ele para explicar como é que pode você estar ao lado dele na frente do espelho — digo a ela — e, mesmo assim, o cara que está refletido lá ser um outro homem que não ele. Ela faz o que lhe pedi. George sacode a cabeça pra lá e pra cá. — Olha — diz ele —, sei que parece loucura, mas é exatamente assim que as coisas são. Eu gostaria de conseguir acreditar que sou eu ali. Mas não consigo. É um outro cara. Ele se parece comigo. Age como eu. Faz exatamente o que eu faço, na mesma hora. Mas simplesmente não sou eu! É ele. — Obrigada, Nora — digo eu, e me sirvo uma xícara de café. Resolvemos deixar as coisas como estão.
Crise de convicção Meu encontro com o Homem do Espelho me deu muito em que pensar. O que eu tinha visto no laboratório de Max Coltheart não era George num dia ruim. Era George num dia bom. Na verdade, ele era um verdadeiro astro do Programa de Formação de Convicções. A equipe do programa havia feito de tudo para ajudá-lo; mas estava claro que havia dado murro em ponta de faca. A convicção de George de que o homem do espelho era um impostor — e não ele mesmo — continuava tão sólida quanto sempre. E Coltheart achava que as coisas não iam melhorar. Não importa o que ele e sua equipe fizessem para ajudá-lo. De repente, meus pensamentos se voltaram para Jonestown. Ocorreu-me que ali havia um paradoxo colossal. Por um lado, o reverendo Jim Jones conseguiu persuadir novecentas pessoas a tirar a vida — não só a própria, mas a de seus filhos também — em volta de uma grande tina de Kool-Aid com arsênico. Por outro, alguns dos melhores psicólogos do mundo estavam sem saber o que fazer com um homem e um espelho: tentando convencê-lo
de que era realmente ele no reflexo e não — como ele insistia em dizer — um alter ego vil e traiçoeiro. As implicações eram intrigantes. Ou havia algo especial em pessoas como Jones, e a gente tinha de encontrar algumas em Sydney. Ou havia algo de errado na própria anatomia das opiniões. Um leque qualquer de força, ao longo do qual se encontram todas as convicções. Inabaláveis numa ponta, efêmeras na outra; com uma escala variável de influência, de vulnerabilidade à persuasão, entre um extremo e outro.
Temos condições, sim No verão de 2008, pouco antes de Barack Obama assumir a presidência dos Estados Unidos, Ray Friedman, professor de administração da Universidade Vanderbilt, e dois colaboradores seus, selecionaram vinte perguntas da seção verbal do Graduate Record Examination (GRE)a e as transformaram num teste. Aplicaram o teste a dois grupos de norte-americanos — afroamericanos, por um lado, e caucasianos por outro — e fizeram a média dos pontos de cada grupo. Vários meses depois, quando as eleições já tinham passado e a poeira baixado, e Obama já havia prestado o seu juramento, o teste foi aplicado de novo. Exatamente nos mesmos dois grupos. E as médias foram calculadas exatamente da mesma forma.2 O que Friedman e seus colaboradores tinham esperado encontrar foi o exato oposto do que seus predecessores tinham encontrado há mais ou menos uma década. Nos meados da década de 1990, grupos de estudantes com uma classificação idêntica no SAT [outro exame padronizado para admissão em faculdades dos Estados Unidos] tinham feito um teste semelhante em Stanford.3 Lá os pesquisadores tinham descoberto que os afro-americanos tinham um desempenho significativamente pior em problemas do tipo apresentado no GRE quando lhes era pedido, no início, para selecionar um quadradinho que indicava a sua ascendência étnica. A razão da disparidade era clara. Selecionar aquele quadradinho tinha um impacto maior do que fornecer dados demográficos. Nos afro-americanos, ativou o estereótipo racial de inferioridade acadêmica. Disse a eles: Não, vocês não têm condições.
Uma geração depois, Friedman estava atrás do elemento nivelador. — É evidente que Obama foi uma fonte de inspiração — diz ele. — Mas nós nos perguntamos se ele teria contribuído para uma melhoria em algo tão importante quanto o desempenho num exame que avaliava negros. Por incrível que pareça, ele contribuiu, sim. A análise revelou que antes da indicação de Obama, os brancos — em média — davam a resposta certa a 12 das 20 perguntas, enquanto a média dos negros girava em torno das 8,5 respostas certas. Mas, quando esse teste foi aplicado depois — imediatamente após o discurso em que Obama aceitava sua indicação, e em seguida, depois de sua posse —, a história foi completamente diferente. Em ambas as ocasiões, o desempenho dos afroamericanos melhorou visivelmente. Veja a força da negatividade. Ninguém ficou mais inteligente de súbito. Afinal de contas, estamos falando de uma diferença só de alguns meses. Foi só uma questão de canalizar o poder da convicção. De acreditar que, temos condições, sim.
Duas cabeças Muita gente tentou reproduzir os resultados de Friedman. E, a bem da justiça, a rapidez espantosa com que a diferença de desempenho diminuiu excedeu até mesmo as suas expectativas. Mas há evidência que sugere que ele e seus colaboradores estão na pista certa. E que Henry Ford bem pode ter tido razão: se você acreditar que tem condições de fazer uma coisa, ou se acreditar que não tem — vai estar certo em ambos os casos. Jeff Stone, um psicólogo da Universidade do Arizona, demonstrou efeitos semelhantes aos de Friedman no esporte. Num estudo em que ele pôs negros contra brancos numa partida de golfe (tocamos de leve nessa pesquisa no capítulo 3), Stone provou que, quando o golfe é definido como uma prova de aptidão atlética, são os jogadores negros, em média, que fazem mais pontos. Adivinha por quê? Quando o jogo é apresentado como medida de capacidade estratégica, e o fator atletismo foi jogado discretamente para baixo do tapete, a situação inverte-se. São os brancos que encontram um terreno sem obstáculos — enquanto os negros só se deparam com terrenos acidentados.
E também temos Margaret Shih e suas estudantes de matemática de origem asiática. Se você se lembra, as mulheres asiáticas têm um desempenho melhor em matemática quando pensam em si mesmas como “asiáticas” (isto é, quando o estereótipo racial é ativado) — e pior quando, de repente, o holofote passa a enfocar o gênero (isto é, quando pensam em si mesmas como “mulheres”). E essas observações não têm nada a ver com o esforço. Não é que, de repente, as mulheres empenham-se mais quando, magicamente, por decreto de uma seleção aleatória, acontece de elas “virarem asiáticas”. Longe disso. Como os estudantes de Friedman, e os hackers testados por Stone, elas são, ao invés, persuadidas a ter um desempenho melhor. Talvez não persuadidas no sentido tradicional da palavra — por meio de incentivos, recompensas ou os métodos habituais da influência social no cotidiano —, mas pela inoculação de autoconfiança no cérebro. Por elas deixarem de prestar atenção a um fator endógeno de identidade e começar a se concentrar em outro componente de sua configuração psíquica. Carol Dweck, psicóloga cognitiva da Universidade Stanford, fez um estudo interessante sobre configuração psíquica.4 Em defesa da ideia de que há certas convicções mais difíceis de mudar do que outras (e de que alguns indivíduos são mais difíceis de persuadir do que outros), Dweck identificou dois modos diferentes de pensar: duas formas de nos relacionar com o mundo que podem, segundo sua pesquisa, predispor-nos, em última instância, ao êxito ou fracasso na vida. Segundo Dweck, a configuração psíquica tem um de dois cartazes pendurados na vitrine: aberto ou fechado. Aqueles com o cartaz onde está escrito “fechado”, Dweck chama de “estáveis”. Essa configuração psíquica, diz ela, é aquela das pessoas que “fazem as coisas do seu jeito” — que não gostam de ultrapassar os limites de sua zona de segurança, que vêm o esforço como algo negativo e que são avessas à tensão. Por outro lado, aquelas que têm o cartaz onde está escrito “aberto”, Dweck chama de configurações psíquicas “de crescimento”. Em geral, as pessoas que têm essa configuração tendem a ser mais flexíveis — gostam mais de aprender e estão abertas à perspectiva de um desafio. E preferem, ao contrário das que têm uma configuração estável, assimilar os pontos de vista dos outros. Dweck mostrou que é possível manipular essas configurações psíquicas. E, além disso, que cada uma delas se faz acompanhar de uma característica neurológica distinta. Num estudo, os participantes foram divididos em dois
grupos. Um grupo foi exposto a argumentos que defendiam uma configuração psíquica “estável” (como “A inteligência é algo muito básico que não é passível de muita mudança”), enquanto ao outro grupo foram apresentados argumentos em favor da configuração psíquica “de crescimento” (como “Por mais inteligente que você seja, sempre pode ficar mais ainda”). Posteriormente, ambos os grupos realizaram uma tarefa difícil de compreensão de leitura (na qual se saíram mal) e lhes foi perguntado, depois de receberem feedback, se gostariam de comparar as suas com as respostas de alguns outros participantes: ou dos que tinham se saído melhor que eles, ou daqueles que tinham se saído pior. Exatamente como Dweck previra, a linha de fratura corria bem no meio. Os estudantes expostos à literatura da configuração psíquica estável não hesitaram em procurar as respostas daqueles que tinham se saído pior que eles, pois isso aumentava a sua autoestima. Por outro lado, aqueles a quem foram apresentados os argumentos que combinavam com uma configuração psíquica de crescimento, gravitaram na direção oposta. Estes preferiram saber quais foram as respostas dos que se saíram melhor que eles — faziam comparações com quem estava acima deles, em outras palavras — para descobrir estratégias que poderiam ajudá-los no futuro. Mas isso não foi tudo. Ao longo dessa divergência na comparação, uma segunda linha de fratura se materializou — dentro da cabeça dos participantes. Num experimento subsequente com o uso de eletroencefalograma (EEG), Dweck examinou os tipos de atividade cerebral cortical enquanto os estudantes participavam de um teste de conhecimentos gerais. O experimento tinha duas partes. A primeira parte começava depois que os participantes tinham dado suas respostas. Aqui, um segundo e meio depois que cada resposta era dada, um programa mostrava se os estudantes tinham acertado ou não. E, um segundo e meio depois disso, aparecia a solução. Os dados concordaram inteiramente com as descobertas comportamentais. Exatamente como sugeriram os resultados do estudo anterior, Dweck descobriu que os estudantes expostos às configurações psíquicas fechadas, ou estáveis, entraram, conforme o previsto, num estado de vigilância intensificada durante a fase inicial do experimento (enquanto esperavam para ver se tinham respondido corretamente às perguntas). Mas, depois, seu cérebro se desligava. Eles simplesmente não esperavam para ver a resposta certa.
Por outro lado, os estudantes com as configurações psíquicas de crescimento mostraram uma tendência completamente diferente. Claro, durante a primeira fase do experimento — enquanto esperavam para saber se tinham acertado ou errado — seu cérebro, exatamente como o de seus congêneres de configuração psíquica estável, “ficava ligado”. Mas depois (ao contrário de seus congêneres de configuração psíquica estável), em vez de se desligarem assim que tomavam conhecimento de seus acertos e erros — eles continuavam prestando atenção — continuavam mantendo a atividade durante todo o tempo que os separava do próximo segundo e meio, enquanto esperavam para ver quais eram as soluções corretas. Ao que tudo indica, alguns de nós são genuinamente abertos à influência. Outros só querem estar “certos”.
Será que não dá pra deixar de acreditar? Os resultados da pesquisa de Carol Dweck, assim como o estudo de Ray Friedman e Jeff Stone, entre outros, combinam muito bem com uma visão quantitativa da persuasão. Confirmam a observação de que algumas pessoas — fundamentalistas extremos, por exemplo — têm uma configuração psíquica tão estável, têm neurônios que se fundem tão solidamente ao sofrer um impacto que, às vezes, são praticamente impossíveis de influenciar. E que outros dançam conforme a música. Parte disso pode muito bem ser inata. Dê uma olhada em qualquer sala de aula ou playground que vai ver ambos os lados da moeda: crianças que ficam traumatizadas até com a mais leve crítica ou desafio, e crianças que levam tudo numa boa (quer saber até que ponto você é fácil de persuadir? Por que não tenta fazer o teste da página 339.5 Por outro lado, todos nós temos nossos defeitos. Nossas ilhotas de fanatismo onde só é bem-vindo quem concorda com a gente. Isso sugere que o ambiente também pesa — moldando, com o passar do tempo, não só as nossas atitudes em geral, mas também, a curto prazo, ditando os valores mais importantes de nossa vida (os parentes daqueles que morreram no Iraque ou no Afeganistão, por exemplo, provavelmente vão ter opiniões mais sólidas sobre a política externa britânica ou norte-americana do que aqueles que têm menos envolvimento pessoal).
Mas esse fator também sugere algo um pouco mais profundo — um princípio geral básico sobre a maneira pela qual o cérebro faz a nossa cabeça. Se convicções e emoções estão tão inextricavelmente entrelaçadas, será que nosso cérebro é um pouco menos perspicaz do que pensamos? Que pula antes de olhar? Que ele primeiro acredita e depois avalia e considera? E que as opiniões que defendemos não são as opiniões a favor das quais temos argumentos — e sim as opiniões das quais os argumentos não conseguiram nos demover? Embora uma ideia dessas pareça loucura, há evidência que sugere que é válida.b E que a sensação que a gente tem ao assimilar informações novas — de mastigá-las bem e decidir, bocado a bocado, se vamos engoli-las ou não — é, na verdade, uma ilusão. O psicólogo de Harvard Dan Gilbert e seus colaboradores realizaram um estudo no qual os participantes são informados a respeito de um roubo.6 Os voluntários foram divididos em dois grupos. Um grupo leu declarações que exacerbavam a gravidade do crime (como “Kevin ameaçou atacar sexualmente a vendedora”), enquanto o outro grupo leu frases com o sentido oposto: declarações que atenuavam o delito (como “Tom pediu desculpas à vendedora por roubar a loja”). Foi um pouco inusitado para um experimento de psicologia, mas os pesquisadores foram claros desde o início. Logo de saída, disseram a ambos os grupos que as descrições do caráter dos criminosos eram falsas. Mas, enquanto os participantes estavam lendo a respeito dos ladrões, alguns deles foram interrompidos: os pesquisadores atribuíram a eles uma tarefa de contagem. Essa distração, supunha Gilbert (se primeiro acreditássemos e depois “deixássemos de acreditar”), devia interferir com a parte “deixar de acreditar” da equação. Essa distração devia interferir naqueles milésimos de segundo críticos durante os quais o cérebro, tendo assimilado as informações e “acreditado” nelas, toma a decisão de continuar ou não acreditando nelas, quando a sua atenção é desviada para uma tarefa completamente diferente: de forma muito similar àquela em que os “homens da mudança” do capítulo 3 desviaram a atenção da recepcionista do hotel na recepção de casamento — e se mandaram com os presentes. E devia, mesmo que se dissesse claramente aos participantes que as referências ao caráter eram falsas, fazê-los de fato pensar que eram genuínas. E, conforme se viu, foi exatamente isso o que aconteceu. Quando, na conclusão do estudo, foi pedido aos participantes que definissem a sentença
de condenação dos ladrões, houve alguns vereditos interessantes. O sr. Bem-Educado recebeu, em média, 5,8 anos; o sr. Sórdido, 11,2 anos.c E isso aconteceu — lembre-se — apesar do fato de os voluntários — desde o início — ficarem sabendo muito claramente que as descrições de caráter eram falsas. Às vezes, você não consegue deixar de acreditar em tudo o que lê.
Imunodeficiência relativa à convicção As implicações do estudo de Gilbert exigem claramente um certo tempo para a gente aceitar. Mas, por outro lado, determinadas coisas se encaixam perfeitamente bem. De repente dá para entender por que a empatia e o interesse pessoal evidente são tão importantes para a persuasão. Se, ao usar a combinação certa de palavras, ao invocar o campo de força linguístico certo, conseguimos enquadrar uma coisa de tal forma que leva quem quer que seja a pessoa com quem estamos conversando a querer acreditar no que dizemos, já estamos com meio caminho andado. Porque, logo de saída, a pessoa já acredita de qualquer forma no que você está dizendo: isto é, ao menos nos primeiros milionésimos de segundo! Nossa tarefa de persuadir alguém é mais fácil do que pensamos. Não se trata de induzir os outros a acreditar no que dizemos. É impedi-los de deixar de acreditar. E aí, é claro, entra a incongruência. Lembra — lá no capítulo 6 — que os fregueses tinham mais probabilidade de comprar cartões de Natal de um vendedor que bate de porta em porta se ele inesperadamente cotasse o preço em centavos, e não em dólares? E que os visitantes de um mercado ao ar livre compraram mais cupcakes de um fabricante quando ele se referia a eles como half-cakes? Se você se lembra bem, havia uma pegadinha. O estratagema só dava certo quando o vendedor, imediatamente após o seu lance inicial, introduzisse furtivamente um comentário: no caso dos cartões de Natal, “É uma pechincha!”; no caso dos cupcakes, “São deliciosos!”. Não é preciso ser um gênio para deduzir o que estava acontecendo ali. É simples: é o “efeito Gilbert” às avessas. É apresentada aos fregueses aquela mesma toada publicitária de sempre: “É uma pechincha!” ou “São
deliciosos!” Mas eles ficam tão aturdidos com o inesperado que a precedeu que “se esquecem de deixar de acreditar”. Ficam tão preocupados com os half-cakes ou com a quantidade de centavos — qualquer que seja — que vão ter de desembolsar pelos cartões de Natal, que os sistemas de segurança centrais do cérebro deixam — para conveniência do vendedor — de ser ativados — e as portas ficam escancaradas. A conclusão parece claríssima. Reduza a produção dos anticorpos cerebrais liberados para você deixar de acreditar em alguma coisa por um período de tempo suficiente para permitir que os vírus das informações (sejam quais forem) que queremos inocular se multipliquem e ganhem força, que a persuasão não tem limites. O problema consiste, é claro, em desativar o sistema.
Persuasão sob pressão Tive uma experiência muito pessoal com o vírus da imunodeficiência de convicção ao fazer um programa-piloto sobre persuasão para a TV. O episódio girava em torno da persuasão num ambiente militar. Eu queria saber quais eram as características de um bom interrogador. Será que qualquer um de nós se qualificaria para essa função? Ou havia, como em tudo o mais, um espectro de talento natural? Imagens icônicas de interrogadores na cultura popular — Laurence Olivier em Maratona da morte, por exemplo — sugere que é mais a maldade do que a inteligência que é o verdadeiro fiel da balança, que separa homens de meninos. No entanto, pesquisas realizadas tanto em ambientes militares quanto jurídicos lançam uma luz radicalmente diferente sobre a questão. Em vez de recorrer à violência, os interrogadores mais sofisticados do planeta têm muito em comum com os maiores artistas mundiais do conto do vigário. Infiltram-se, em vez de arrombar. Trabalham mais com a nossa cabeça do que com os nossos maxilares. E têm uma compreensão intuitiva da “psicologia de rua” primitiva. Para descobrir onde estavam os meus próprios limites, uma inteligência rara qualquer teve a ideia de me contrapor a profissionais: um especialista em persuasão da Ivy Leagued troca os gramados e bibliotecas da Universidade de Cambridge por uma queda de braço com invasores de cabeças da tropa de
elite do Exército. Eu devia receber três informações que devia tentar esconder de meus “sequestradores” — que, por sua vez, usariam uma combinação letal de técnicas físicas e psicológicas para tentar arrancá-las de mim. Parecia uma boa ideia — até eu conhecer um dos interrogadores. — Que grau de violência física devo esperar? — perguntei a Dave enquanto a gente tomava um café expresso na Starbucks. Ele sorriu. — Não é a violência que vai te vencer — disse ele. — É a ameaça de violência. Aquele processo mental carcinogênico que leva você a pensar que algo terrível vai acontecer e que é iminente. — Tem certeza de que devia estar me contando isso? — brinquei. — Não faz a menor diferença — respondeu ele. — Mesmo sabendo de antemão que não vamos te matar, o efeito é igual. É o que está aqui [ele deu um tapinha na cabeça] que vai acabar com você. Claro, você pode acreditar agora que não vamos te matar. Mas, depois que a gente começar, não vai levar muito tempo para os rapazes te convencerem do contrário. Para ser franco, eu estava cético. Mas aí Dave me deu um exemplo do tipo de coisa que acontece na seleção dos membros de uma tropa de elite — o tipo de coisa que ele tinha reservado para mim. Em geral, a essa altura o candidato já está exausto [...]. E aí, a última coisa que ele vê antes de pormos o capuz na cabeça dele é um caminhão de 2 toneladas. A gente coloca o sujeito no chão e, ali deitado, ele ouve o som do caminhão chegando cada vez mais perto. Depois de mais ou menos 30 segundos, o veículo está praticamente em cima dele — o motor, a apenas alguns centímetros da sua cabeça. A gente lhe dá uma boa acelerada e aí o motorista pula fora. Ele bate a porta e afasta-se. O motor ainda está ligado. Um pouquinho depois, de um ponto qualquer na distância, alguém pergunta se o freio de mão foi puxado. A essa altura, um membro da equipe — que, sem que o sujeito encapuçado saiba, estava ali o tempo todo — começa a rolar delicadamente um pneu de reserva na sua têmpora enquanto ele continua ali deitado no chão. Sabe como é, manualmente. Aos poucos, vai aumentando a pressão. Outro membro da equipe acelera o caminhão um pouquinho, de modo a dar a impressão de que ele está em movimento. Depois de poucos segundos disso, a gente afasta o pneu e remove o capuz. E aí a gente interroga o cara. “Diz pra gente a porra do seu nome...” — não é raro as pessoas jogarem a toalha a essa altura.
Quando chegou a minha vez, o meu momento da verdade não foi muito diferente. Acorrentado nu no chão de um armazém sombrio que já não era usado há muito tempo, eu vi — aparentemente em câmera lenta — quando uma plataforma móvel cheia de concreto armado, pendurada no guindaste de
uma empilhadeira colossal, começou a bambolear acima da minha cabeça a uns 10 metros de altura e foi baixando devagar até a base áspera e irregular exercer uma leve pressão sobre o meu peito. Fiquei ali uns 15 segundos antes de ouvir os gritos do operador no meio da barulheira da hidráulica: — Jim, o mecanismo emperrou. Não consigo fazer a máquina andar... Dave tinha razão. Em retrospecto, na segurança da sala de avaliação, logo ficou claro que eu não havia sofrido absolutamente nenhuma violência física. Na verdade, o “concreto armado” nem era concreto coisa nenhuma — só espuma que imitava concreto. E o mecanismo não tinha emperrado. Estava funcionando perfeitamente bem. Mas é claro que eu não sabia disso na hora. Nem os candidatos à tropa de elite do Exército que passam por esse procedimento na seleção. No ponto onde eu estava de pé (ou deitado) no chão escorregadio e todo manchado de óleo diesel de algum depósito deteriorado no meio do que poderia ser qualquer lugar (fui levado pra lá com um capuz na cabeça para intensificar meu senso de desorientação), a experiência foi aterrorizantemente real. Apesar do que Dave havia dito sobre não me matar, quando um peso de 10 toneladas está pendurado tão perto de você que dá pra sentir o cheiro dele e ele está tornando só um pouquinho mais difícil você respirar, é difícil “deixar de acreditar” que você está prestes a se encontrar com o seu Criador. Pertíssimo, na verdade. Seu cérebro fica tão ocupado fazendo rodar o seu programa de medo que ignora completamente seu módulo “detector de mentiras”. Não acreditar é o atrito que mantém a persuasão sob controle. Sem isso, ela não teria limites.
Quando o fim do mundo não é o fim do mundo Uma das coisas engraçadas de não acreditar é que, às vezes, o cérebro deixa de acreditar em si mesmo. Às vezes, quando não temos realmente certeza de gostar ou não de uma coisa, ou não estamos satisfeitos com um resultado obtido, nós nos convencemos de que, na verdade, a situação não é tão ruim assim. E, quando isso começa a acontecer, a próxima parada é o Homem do Espelho.
Em 1956, Leon Festinger, psicólogo social de Stanford, fez uma pergunta que provavelmente todos nós nos fizemos num momento ou outro: o que acontece aos membros de uma seita que profetiza o fim do mundo... e o mundo não acaba? Será que todos eles voltam para o seu emprego na manhã seguinte e dizem que “valeu pela experiência”? Ou não?7 Para descobrir, Festinger infiltrou-se numa seita ligada ao dia do juízo final e aos OVNIs, liderada por Marion Keech, uma dona de casa de Chicago, que afirmava ter recebido um aviso do além de que, na manhã do dia 21 de dezembro, o mundo seria destruído por um dilúvio provocado por alienígenas; mas conforme se viu, era um aviso furado. Para não ficar atrás em matéria de profecias, Festinger fez uma previsão de sua lavra: ao contrário do que diria o bom-senso nessas circunstâncias, o número de seguidores do grupo, longe de ir diminuindo aos poucos até acabar, depois que a profecia não se realizou, na verdade aumentaria. Segundo Festinger, a contradição do fim do mundo, por um lado, e de a vida continuar normalmente, por outro, obrigaria o cérebro a fazer com que o envolvimento com a causa se renovasse e ficasse mais forte ainda — para conseguir reduzir a tensão entre a realidade subjetiva e a objetiva, e restaurar a harmonia psicológica. E isso — conforme transpirou — foi exatamente o que aconteceu. Exatamente como Festinger previra, acabaram por dizer que o aviso de Keech não era furado coisa nenhuma. Longe disso. Na verdade, seus seguidores foram à luta — com renovado vigor e uma coesão maior do que nunca. Os alienígenas invasores, num gesto de boa vontade para com os “verdadeiros fiéis”, tinham pensado melhor — ao menos era o que eles diziam. O mundo recebera uma comutação da pena e toda a população foi poupada. Ou isso, como Festinger previra, ou encarar a alternativa indizível. Que nunca tinha havido disco voador nenhum construído sob encomenda. Que o grande plano de levá-los todos para o espaço sideral nunca tinha existido, para começo de conversa. E que os empregos, cônjuges e lares tinham todos sido abandonados em vão. A exposição de fatos relativos às profecias de Keech feita por Festinger precipitou uma avalanche de pesquisas sobre a dinâmica da dissonância cognitiva.8 O principal estudo, realizado pelo próprio Festinger em 1959, fez muito no sentido de fazer as coisas andarem. O estudo consistia em três ingredientes básicos: a coorte obrigatória de estudantes, uma série de tarefas sem sentido e tediosas a ponto de entorpecer a mente, e uma mentira
descarada: os estudantes tinham de realizar as tarefas e depois enganar “participantes” subsequentes (na verdade, colaboradores dos cientistas) afirmando que eram, de fato, interessantes. Os estudantes foram divididos em dois grupos. Os membros de um deles receberam US$ 1 por sua farsa, os do outro, US$ 20. Que efeito, perguntouse Festinger, teria a diferença do pagamento sobre a verdadeira avaliação que fizeram da tarefa? Conforme se viu, a diferença foi enorme. Claro, assim como a teoria da dissonância previra (e totalmente contra as leis do bom senso) aqueles estudantes que receberam só US$ 1 para enganar outros participantes do estudo tiveram menos dificuldade em realizar a tarefa do que seus congêneres mais bem pagos. Incrível! E a razão? Segundo Festinger, era simples. O grupo de US$1 sentiu uma dissonância maior que o grupo de US$20 — US$1 em contraposição a US$20 era uma justificativa insuficiente para um comportamento discrepante com sua percepção (dizer a alguém que as tarefas eram muito interessantes quando, na realidade, eram chatíssimas). Os estudantes, na falta de qualquer outra justificativa para seu comportamento, foram obrigados a internalizar a atitude que foram induzidos a expressar — e passaram, ao fazer isso, a acreditar genuinamente que as tarefas que tinham realizado eram agradáveis. Por outro lado, os membros do grupo de US$20 tinham razão para acreditar que havia uma justificava externa para seu comportamento — que estavam fazendo aquilo por dinheiro. Nenhuma confusão a respeito do prazer em fazer aquele trabalho.
Por que adoramos as coisas que detestamos (principalmente se não há como nos livrarmos delas) Os perigos da dissonância cognitiva têm grande destaque na cabeça de qualquer aspirante a artista da persuasão. Principalmente nas situações em que há muita coisa em jogo e a pessoa que se está tentando persuadir tem muito a perder. O estudo de Festinger — hoje em dia considerado um
clássico — forneceu, pela primeira vez na história, evidência concreta de algo que agora consideramos ponto pacífico: no alinhamento psicológico, poderosas forças gravitacionais existentes nas profundezas de nosso cérebro mantêm muito próximas a órbita da convicção e a órbita do comportamento. Mas, às vezes, fica muito evidente que a força da gravidade é grande demais — e que, em certos casos, as órbitas em alinhamento estão tão perto uma da outra que a razão desaparece num buraco negro neurológico. Na publicidade, por exemplo, alguns estudos mostraram que não são só as artérias dos fumantes que endurecem em função do hábito. Endurecem também — na esteira das campanhas de saúde pública — as suas atitudes. Considere o dilema enfrentado por um fumante exposto a um anúncio contra o uso do tabaco. As declarações “Eu fumo” e “Fumar mata” nunca vão, por razões óbvias, concordar uma com a outra. Nunca vão chegar a dar as mais belas flores da estufa cognitiva. Portanto, ou uma delas vai embora e encontra outro lugar onde viver, ou aprende a alcançar seu objetivo a qualquer custo (é muitíssimo comum o fumante se concentrar nos benefícios que acha que o hábito lhe dá, como “Me ajuda a relaxar” ou “Todos os meus amigos fumam” — ao mesmo tempo em que procura minimizar os riscos: “Nem todos os especialistas concordam”; “Só afeta os velhos”). O mesmo é válido para a fé ou convicção religiosa. A parcimônia cognitiva que caracteriza certos adeptos (assim como, evidentemente, certos indivíduos que não são adeptos) deriva dos enormes investimentos psicológicos que suas convicções exigem — muitas vezes durante um período de muitos anos e muitas vezes avalizados por câmaras de compensação daqueles bancos antigos e tradicionais de senso de identidade (quadro de referências morais, redes sociais e associações e lealdades políticas). Você conseguiria pôr tudo à venda e começar de novo do zero? Há outros exemplos mais mundanos. Considere o que acontece quando você compra um artigo qualquer numa loja e pensa melhor na sua compra depois — quando o leva de volta, descobre que a loja adota uma política de “não aceitar devolução”. Se você é como a maioria das pessoas, o que em geral acontece é o seguinte: você passa magicamente a gostar do que comprou, seja o que for. Espera aí, pensa você enquanto amassa o recibo e o joga na lata de lixo, afinal de contas não é tão ruim assim, eu acho. Mas não há mágica nenhuma em ação aqui, e sim a mão da dissonância cognitiva. Duas cognições incontestáveis e antitéticas — de um lado, “Gastei X nessa compra específica” e “Não gosto desse troço e não dá pra mudar
isso”, do outro — são obrigadas a coabitar no mesmo espaço do cérebro até acontecer uma de duas coisas: uma delas faz as malas e cai fora. Mas, nove vezes em dez, elas aprendem a conviver.
A neurologia da influência Os efeitos da dissonância cognitiva demonstram muito claramente que os aspectos proposicionais da fé estão intimamente ligados à emoção. Mas um experimento recente feito por Sam Harris e seus colaboradores da Universidade da Califórnia de Los Angeles vai mais longe ainda — e mostra que é bem possível que a fé, a convicção, a emoção e a influência estão ligadas entre si no cérebro.9 Depois de pôr óculos especiais nos voluntários desse estudo, Harris projetou na frente deles declarações relativas a sete campos de conhecimento diferentes, declarações que deviam ser classificadas de acordo com o seu grau de veracidade. Cada uma das sete categorias (matemática, geografia, autobiografia, religião, ética, semântica e atualidades) continha três tipos de afirmações: as que eram verdadeiras; as que eram falsas; e as que não eram nem uma coisa nem outra — em outras palavras, afirmações cuja veracidade ou falsidade não podia ser verificada (por exemplo: uma afirmação matemática/verdadeira seria (2 + 6) + 8 = 16; uma afirmação ética/falsa seria “As crianças não devem ter nenhum direito até poderem votar”; e uma afirmação religiosa/impossível de verificar seria “Jesus pronunciou 2.467 palavras no Novo Testamento”). Enquanto os participantes avaliavam as afirmações, Harris transformou-se em detetive, espionando o cérebro deles por meio de imagens captadas pela ressonância magnética. Quais regiões anatômicas, perguntou-se ele, corresponderiam a cada uma das diferentes avaliações — à veracidade, à falsidade e à incerteza que os três tipos de frases seriam equivalentes? Os resultados foram fascinantes. Em primeiro lugar, os dados relativos ao tempo de reação necessário para as declarações serem aceitas como verdadeiras revelaram que ele era menor do que aquele gasto para rejeitar as falsas — corroborando mais uma vez a conjectura original de Spinoza de que primeiro acreditamos e depois “deixamos de acreditar”.
Mas isso não era tudo. Harris descobriu que acreditar em uma coisa se fazia acompanhar de um aumento da atividade do córtex pré-frontal ventromedial (Figura 8.1a) — a parte do cérebro associada em geral com a integração de fato e sentimento, e com a modulação do comportamento em resposta a contingências de alteração da recompensa (em outras palavras, pesar os prós e contras). Por outro lado, não acreditar ativava a ínsula anterior (Figura 8.1b) — a região implicada frequentemente na codificação de reações aversivas como dor e repugnância, e na avaliação do grau de prazer provocado por diferentes sabores e cheiros. A incerteza, conforme havia sido previsto, ativou o córtex cingulado anterior — uma espécie de sinal de alarme neurológico que pisca quando algo novo que causa perplexidade aparece de repente na tela do radar (Figuras 8.1.c[i] e [ii]). Figura 8.1a (abaixo) Ativação das regiões do córtex pré-frontal ventromedial durante o julgamento da verdade (acreditar) de declarações relativas a sete campos do conhecimento humano: afirmações matemáticas, geográficas, autobiográficas, religiosas, éticas, semânticas e factuais. As seções em branco indicam as áreas onde houve aumento da atividade cerebral.
Figura 8.1b Imagem axial (à esquerda) mostra aumento de atividade no giro frontal inferior (principalmente o esquerdo), o giro frontal médio direito e a ínsula interior (bilateral) durante o julgamento de falsidade (não acreditar) de declarações relativas a sete campos do conhecimento humano. A imagem sagital (à direita) mostra aumento da atividade no lobo parietal superior, no córtex cingulado e no giro frontal superior.
Abaixo: Figuras 8.1c (i — em cima) e 8.1c (ii — embaixo) — Ativação do giro cingulado anterior e do giro frontal superior durante o julgamento das incertezas. A Figura 8.1c (i) mostra o contraste com os julgamentos de verdade (acreditar). A Figura 8.1c (ii) mostra o contraste com a falsidade (não acreditar).
Será que essas poderiam ser as regiões que definem os limites da influência? Será que as convicções que despertam emoções, que aumentam crucialmente o grau de atividade do córtex pré-frontal ventromedial, são particularmente difíceis de mudar? Ao passo que aquelas que ativam a irritadiça ínsula anterior são particularmente difíceis de adquirir? A hipótese certamente parece plausível — embora Mark Cohen, um dos colaboradores de Harris, tenha observado, quando a apresentei a ele, que uma coisa é ver correlações neurológicas no laboratório e outra muito diferente, digamos, numa sala de diretoria. Onde há pessoas envolvidas. E os indicadores proposicionais de “verdadeiro”, “falso” e “não sei” são bem menos definidos.
— A persuasão é uma coisa social — diz ele. — E a interação social introduz uma série de outros circuitos cerebrais que não foram devidamente levados em conta em nosso estudo... Mas podemos dizer, sim, que acreditar, não acreditar ou estar em dúvida parecem de fato associados a características neurológicas distintas de aceitação, rejeição e indecisão. Isso também tem implicações para o nosso modelo SPICE. Não há dúvida de que um estilo de persuasão que estimula simultaneamente todos os três pontos cerebrais importantes para a persuasão (incongruência = córtex cingulado anterior; simplicidade, interesse pessoal evidente, autoconfiança e empatia = córtex pré-frontal ventromedial; e a combinação de todos os cinco elementos desativa, em vez de ativar, a ínsula anterior redundante) vai ser muito potente. Em determinadas circunstâncias (a gente pensa, por exemplo, na persuasão do recém-nascido — a altura do choro ativa o córtex cingulado anterior e as redes de kindchenschema no córtex pré-frontal) — praticamente irresistível.
Dado à distração Num calor escaldante de 40ºC, tomando cerveja às margens do rio Swan, discuto as descobertas de Harris com Colin MacLeod, professor de psicologia clínica da Universidade da Austrália Ocidental de Perth. MacLeod é especialista em problemas de ansiedade e sabe perfeitamente bem como convicção e emoção podem cair nas garras uma da outra. Está para me apresentar a Tania — uma manicure de 27 anos com fobia de cintos de segurança e que trabalha num salão de beleza da cidade. Ou melhor, trabalhava até ser obrigada a vender o carro. — Uma boa parte do tempo a gente se preocupa com a preocupação — explica MacLeod. — Confundimos aquilo com que nos preocupamos com a preocupação que nos desperta a coisa com a qual estamos nos preocupando. Essa “preocupação ao quadrado” toma conta da gente e as coisas começam a se complicar. A preocupação ao quadrado começa a se tornar aos poucos o ponto focal do nosso problema — a preocupação propriamente dita, se é que você está entendendo o que quero dizer...
“Portanto, ironicamente, o que vamos fazer com Tania é levá-la a concentrar sua ansiedade no cinto de segurança, porque, ao fazer isso, o que na verdade estamos fazendo, sem que ela saiba, é afastar sua atenção da verdadeira origem de sua ansiedade — a preocupação com a preocupação — e transplantando-a para uma ansiedade ‘fantasma’: o eixo original que agora está emocionalmente entorpecido. Basicamente, é distração disfarçada. O que Tania vai fazer é se ‘desconcentrar’ inconscientemente — não, na verdade, da fobia em si — mas de uma ansiedade-satélite associada à instalação da fobia.” Pegue o cérebro de calças na mão e tudo é possível. Quando Tania chega e a gente se manda para o estacionamento, MacLeod começa a conversar com ela. A deixá-la à vontade. — O que a gente precisa fazer primeiro — explica ele num tom prosaico — é ver os sintomas em primeira mão, com os meus próprios olhos, para saber o que podemos fazer a respeito. Tudo bem? Tania assente com um gesto de cabeça. — Ótimo — diz MacLeod. — Então vamos por partes. Primeiro, diga-me como está se sentindo agora, nesse exato minuto, enquanto nos aproximamos do estacionamento. Concentre-se ao máximo nesses sentimentos de ansiedade e tente expressá-los para mim. Tania fica em silêncio por alguns segundos enquanto procura sintetizar o que sente. E depois diz: — Bom, na verdade, parece que estou bem neste momento. — Ótimo — diz MacLeod. — Vamos tentar de novo daqui a um minuto. Bom, assim que chegamos ao carro, MacLeod faz a mesma pergunta a Tania. Concentre-se naquela ansiedade, pede-lhe, e diga o que sente. Mais uma vez, Tania não está sentindo nada. Por incrível que pareça, também não está sentindo nada alguns segundos depois, quando está entrando no carro. E também não sente nada ao ajustar o cinto de segurança. Dirigir o carro e dar uma volta em torno do estacionamento não parece lhe causar problema nenhum. O trânsito da via expressa também não. De repente, a consulta parece desnecessária. Os sintomas parecem um alarme falso. E a fobia — se é que, na verdade, é disso que se trata — nunca existiu realmente. Só que é evidente que existiu. E que lhe custou o emprego há pouco tempo. De volta à margem do rio, tomando mais uma cerveja, sugiro a MacLeod que o que ele acabou de usar é o modelo SPICE. Ele não discorda — embora o termo técnico, observa ele, na verdade seja intenção paradoxal: a erradicação
de um sintoma particular quando o sintoma em si se torna o único foco da atenção. Isso me dá o que pensar. Antes de eu conhecer MacLeod, não havia me ocorrido que a terapia era uma forma de persuasão. Acho que é por ela ser da “área médica” e você ter de marcar uma consulta. Mas o próprio MacLeod não tem nenhuma dúvida. — Não há sombra de dúvida de que terapia é persuasão — diz ele. — Fundamentalmente, terapia é mudar o sistema de ideias de uma pessoa. E a conclusão a que chegamos é que os terapeutas são profissionais da persuasão. O que a TCC (Terapia Comportamental Cognitiva), meu tipo de terapia, faz é promover uma mudança de paradigma na cabeça das pessoas. Não é vir com uma solução para o problema, e sim com uma forma diferente de pensar sobre ele. Não se trata exatamente de fornecer uma chave. O que ela faz é persuadir o cliente a pensar em mudar a fechadura.
Be happy, don’t worrye Nos últimos anos, MacLeod esteve na vanguarda de um tipo de terapia novo em folha: a Modificação da Propensão Cognitiva (MTC) que, se der certo (e os primeiros indícios são promissores), pode redefinir completamente os limites da persuasão. Numa tese de pós-doutorado do início dos anos 1980, MacLeod fez parte da primeira onda de pesquisadores a levar os métodos da psicologia cognitiva para o exercício clínico — especificamente, para a área dos problemas de ansiedade. O que MacLeod queria saber era o que as pessoas ansiosas pensam. E qual era a diferença daquilo que o resto de nós pensa? A sua resposta foi fundo. Assim como, digamos, a atenção de um fã do time Manchester United vai ser despertada pelas palavras “Manchester United” numa página onde há um texto que seria completamente irrelevante sem elas, a atenção do indivíduo ansioso é despertada inexoravelmente para coisas ameaçadoras à sua volta. Ao contrário do resto de nós, as pessoas ansiosas não conseguem filtrá-las. Para o termo técnico, elas são “vigilantes da ameaça”. MacLeod demonstrou isso usando um paradigma conhecido como tarefa de localização do ponto.10 Os participantes são divididos em dois grupos — indivíduos que são ansiosos em um, os que não são em outro — e olham
fixamente para uma cruz que está no centro de uma tela de computador. Duas palavras, uma neutra e outra ameaçadora, aparecem aleatoriamente num dos lados da tela (esquerdo ou direito) durante cerca de 500 milésimos de segundo, antes que um sinal gráfico (em geral um ponto) apareça em um desses locais anteriores. Os participantes devem então indicar a localização desse ponto (à direita ou à esquerda) o mais rápido possível, apertando uma tecla — antes de repetir todo o processo numa série de tentativas subsequentes. No final do procedimento, quando foi tirada a média dos tempos de reação e o desempenho do grupo de ansiosos foi comparado com o do outro grupo, foi detectada uma diferença gritante. Os indivíduos ansiosos localizam mais depressa um sinal quando ele aparece numa posição ocupada anteriormente por uma palavra ameaçadora do que quando ele aparece numa posição ocupada por uma palavra neutra — uma disparidade que não foi encontrada no grupo dos indivíduos que não são ansiosos. Em outras palavras, os indivíduos ansiosos têm uma propensão cognitiva à ameaça. Recentemente, MacLeod andou pensando outras coisas sobre o paradigma da localização do ponto.11 No começo, como acabamos de ver, o procedimento foi crucial para descobrir o que é que estava provocando a ansiedade — isto é, ao menos num nível cognitivo. Mas será que ele também teria a capacidade de reduzi-la? De “desconcentrar” a atenção e diminuir a propensão à ameaça? MacLeod acreditava que sim. Não só acreditava, como também reuniu evidência para provar sua hipótese. Em 2002, ele e seus colaboradores modificaram o paradigma de tal maneira que o sinal gráfico — o ponto — não aparecia mais aleatoriamente. Isto é, em vez de aparecer com igual frequência nas localizações onde estiveram as palavras ameaçadoras e as neutras, ele surgia 100% das vezes em uma ou outra das localizações: no caso da palavra ameaçadora, o que aparecia era atenção à ameaça (AA); no caso da palavra neutra, o que aparecia era atenção neutra (AN). Depois MacLeod selecionou um grupo de voluntários com graus médios de ansiedade (medidos por meio de um questionário padronizado para detectar a ansiedade) e dividiu-os em dois grupos. Um grupo viu seiscentas apresentações de AA e o outro, seiscentas apresentações de AN. MacLeod queria saber se o paradigma da localização do ponto poderia deixar de ser somente experimental e transformar-se num paradigma de
treinamento. Seria possível, por meio do direcionamento repetido da atenção para uma posição ou outra, induzir propensões? Conforme se viu, a resposta foi sim. Quando, na conclusão do “treinamento”, foi proposta aos membros do grupo AA uma tarefa de localização do ponto, eles prestaram uma atenção maior — adivinha! — nas palavras ameaçadoras. Por outro lado, os membros do grupo AN mostraram uma atenção maior às palavras neutras. Além disso, quando foi apresentado aos voluntários um teste posterior de resolução de um anagrama, teste criado especificamente para fazê-los sentir ansiedade (a maioria dos anagramas poderia ter sido feita igualmente em suaíle, e alguns eram realmente insolúveis), os membros do grupo AN mostraram menos sinais de tensão do que os do grupo AA. Mas a história não termina aqui. Enquanto MacLeod estava trabalhando com o treinamento da atenção, Andrew Mathews e Bundy Mackintosh, da Unidade de Ciências Cognitivas e Cerebrais do Conselho de Pesquisa Médica de Cambridge estavam pensando ao longo de linhas semelhantes — e desenvolvendo uma técnica para modificar nossa forma de interpretar as situações. Graças a seus anos de psicólogo clínico no Hospital St. George de Londres, Mathews se deu conta de que assim como a atenção dos indivíduos ansiosos é atraída para estímulos ameaçadores do ambiente, o mesmo acontece com os seus processos mentais.12 Enquanto o resto de nós olha para o lado bom das coisas, em geral os indivíduos ansiosos tendem a fazer o oposto — interpretam as coisas de uma forma negativa, hostil. E Mathews dá um exemplo: certa vez, quando era adolescente, um colega apareceu com uma espinha enorme no rosto na véspera da primeira vez que ia sair com uma moça. Furioso com a reação pouco solidária do irmão mais novo, ele saiu de casa pisando duro e sentou-se num banco que ficava no alto de um morro que dava para a cidade e ao lado do qual havia uma bela tabuleta antiga que marcava a distância entre aquele lugar e a cidade. Cinco minutos depois, apareceu um turista que se sentou a seu lado. — Marca legal — disse ele. A abordagem de Mathews é a mesma de MacLeod — só que, em vez de treinar a atenção, ele treina a cognição. Num experimento típico, os voluntários são expostos a uma série de situações que devem ser resolvidas de forma positiva ou negativa completando um fragmento de palavra no final. Essa é a fase de treinamento.
Por exemplo: “Seu namorado convida você para ir a um jantar de aniversário que a companhia onde ele trabalha vai oferecer. Você não conhece ninguém do trabalho dele. Enquanto se apronta para ir, você acha que as novas pessoas que vai conhecer vão achar você um....” Na situação destinada a induzir uma propensão à interpretação negativa, o fragmento da palavra a ser completada seria s—o (saco) — e você teria de fazer cem desses exercícios. Na situação de propensão positiva, seria le—al (legal) — e você também vai ter de fazer cem desses exercícios. E depois, durante a fase de teste, é apresentada aos voluntários outra batelada de situações — semelhante à primeira — só que, dessa vez, as conclusões ficam ambíguas e são acompanhadas por uma série de resultados possíveis que são classificados de acordo com o seu grau de adequação. Exatamente como no exercício de treinamento da atenção de MacLeod, Mathews descobriu que os voluntários treinados para interpretar as coisas negativamente endossam os resultados mais coerentes com essa propensão — e o mesmo acontece com aqueles expostos a situações positivas. Além disso, ao serem expostos a outros fatores estressantes (como videoclipes de ferimentos e acidentes), aqueles que passaram pelo treinamento positivo mostraram menos ansiedade do que os que passaram pelo treinamento negativo. “Don’t worry, be happy”, cantava Bobby McFerrin. Mas devia ser o contrário.
Os caminhos da persuasão MacLeod e Mathews são otimistas em relação ao futuro (bem, deviam ser mesmo, não deviam?). E com bons motivos. Se, como Sam Harris nos mostrou, acreditar é um estado mental, então, se mudarmos os estados mentais devemos ser capazes — ao menos teoricamente — de mudar aquilo em que acreditamos. Não só teoricamente, mas de fato. E não só algumas das coisas nas quais acreditamos, mas todas elas. Convicções religiosas, políticas — qualquer uma. Em 2004, alguns anos depois de sua modificação inicial do paradigma da localização do ponto, MacLeod empregou exatamente o mesmo
procedimento com portadores de fobia social.13 Durante um período de duas semanas, os pacientes receberam uma dose diária de 384 exercícios de treinamento que tinham o objetivo explícito de desviar sua atenção de palavras ameaçadoras. O resultado? Uma redução significativa dos sintomas. Um ano depois, em 2005, Matt Field e Brian-Eastwood, da Universidade de Liverpool, adaptaram o MPC para ser usado com indivíduos que consomem grandes quantidades de álcool (imagens neutras vs. imagens relacionadas ao álcool).14 Numa avaliação subsequente muito engenhosa, destinada a avaliar o grau de dependência do álcool, eles descobriram que os membros do grupo de atenção neutra perceberam menos exemplos de cerveja num “teste de sabor” do que os membros do grupo de “atenção ao álcool”. Mais espetaculares ainda foram os estudos feitos com vítimas de derrame. Edward Taub, da Universidade do Alabama, fundou a Taub Therapy Clinic, onde não é raro ver pacientes com manguitos e tipoias em membros bons.15 A razão disso não é nada óbvia — a menos que você tenha tido o mesmo tipo de “Arrá!” que Taub. Taub descobriu que o cérebro das vítimas de derrame entra num estado de “choque cortical” depois do primeiro ataque, durante o qual qualquer tentativa de movimentar os membros afetados está fadada ao fracasso. Durante um período de vários meses, o resultado desse fracasso implica o que Taub chamou de “desuso adquirido” (uma variante da impotência adquirida que conhecemos no capítulo 5) — onde o mapa motor neurológico da parte do corpo atingida (de acordo com o princípio cerebral imutável do “use-o ou perca-o”) começa a atrofiar. Mas, se você obrigar um indivíduo a trabalhar a área afetada, a perseverar diante do fracasso repetido (por isso os manguitos e tipoias), ou os acessórios do que Taub chama de terapia de movimento por “restrição induzida”, é possível dar saltos qualitativos extraordinários. O cérebro consegue aprender a refazer seus circuitos; aprende a despachar novas gerações de dendritos para territórios neurológicos desconhecidos, nas pegadas dos antigos. E, se você conseguir “persuadir a paralisia a ir embora”, quem sabe onde essa influência pode nos levar? Elaine Fox, professora de psicologia da Universidade de Essex, foi mais longe ainda que MacLeod e Mathews e, usando a ressonância magnética, está examinando os efeitos da MPC nas profundezas do cérebro. Seu programa de pesquisa (em colaboração com Naz Derakshan, da Universidade de Londres) encontra-se atualmente nos seus primórdios, mas uma das áreas em que ela vai estar de olho é o córtex pré-frontal ventromedial — que codifica, como
Sam Harris demonstrou —, a formação das crenças e convicções. Em particular, ela vai estar atenta às mudanças das redes de controle da atenção entre o córtex pré-frontal e a amídala — e, se surgir algum dado interessante, ela pode muito bem estar a caminho de resolver a versão do “problema difícil” no âmbito da persuasão: isolando, pela primeira vez, um “circuito próprio da persuasão” no cérebro. — Não se trata da persuasão no sentido mais estrito do termo — diz Fox — porque, na MPC, o indivíduo é um participante voluntário do processo de mudança de convicções, e as contingências do procedimento são subliminares. Mas, como indicador do que muda no cérebro quando mudamos de ideia, certamente é um começo. Certamente é. Quer seja uma configuração psíquica aberta ou estável, quer a nau capitânia venha te pegar ou não; quer você se levante da cama e ande, ou não — o código de cada um desses sistemas de crenças foi criptografado no cérebro durante antigas tempestades matemáticas com raios e trovões que atingem sua superfície em milésimos de segundos. Se desviar o curso desses enxames de dados eletroquímicos, ou modificar sua intensidade, você vai fazer as crenças, convicções e ideias navegarem ao longo dos imprecisos meridianos da influência rumo à mudança. Em outras palavras, você vai persuadir. Voltando a Sydney, para o Centro de Ciência Cognitiva da Universidade de Macquarie, mergulho um pouco mais fundo na questão do Homem do Espelho. — E se ele ficar em cima de uma poça d’água e acender um fósforo? — pergunto a Max Coltheart, fundador do Programa de Formação de Opiniões. — Nesse caso, ele vai ter de explicar como é que seu alter ego conseguiu realizar essa façanha embaixo d’água. Coltheart dá de ombros. Alguém já havia tido essa ideia antes. — Bem, ele conseguiu explicar como seu companheiro, que faz a barba junto com ele, o segue o tempo todo pelo banheiro — diz ele. — E até já o surpreendeu na cama com a sua mulher! Portanto, é absolutamente certo que ele vai ter alguma explicação dessa vez. O erro que as pessoas cometem é pensar que a resposta tem uma raiz qualquer na lógica. Não tem. Ele mesmo já disse que o que ele fala parece loucura. O problema está na maneira pela qual seu cérebro dá sentido ao mundo. Como organiza os dados sensoriais e tenta construir uma narrativa interna coerente. É aí que está o segredo.
— Ganhar ou perder um processo não depende só da força dos fatos — disse o advogado Michael Mansfield lá no capítulo 4 —, e sim da impressão que eles causam. A gente consegue muita coisa por meio do poder da sugestão... Não se trata apenas de apresentar provas. Crucial mesmo é como você as apresenta. O júri ainda está por fora em Sydney.
Postscript — Imperfeição perfeita Uma das perguntas que fiz muitas vezes a mim mesmo sobre a flipnose é se qualquer um é capaz de usá-la. Será que todos nós temos a capacidade de pintar e bordar nos momentos barra da vida, ou é apenas a prerrogativa de uns poucos eleitos — gênios da persuasão com um tipo especial de knowhow? A resposta que encontrei é sempre a mesma. Trata-se de uma questão de grau. A maioria — se não todos — de nós tem uma conexão discada com um reino imortal qualquer de perfeição platônica pura. E a maioria de nós — se não todos — de vez em quando topa com ele acidentalmente. Quando foi exatamente a última vez em que você disse a coisa certa bem no momento certo — e só descobriu isso depois? Você pode não ter sabido na hora — mas, olha, muitas vezes é isso que faz o lance grudar! Igualmente impressionante, embora a discagem seja feita com mais frequência, é a linha direta com a imperfeição platônica. Qual foi a última vez em que você disse exatamente a coisa errada na hora certa? Fácil de lembrar, não? E aposto que você também lembrou mais depressa. Antes do Natal, o Royal Mail [o correio inglês] recebe até 750 mil cartas de crianças de todas as Ilhas Britânicas endereçadas ao Papai Noel. Há regulamentos estritos para lidar com esse tipo de correspondência — e aquelas cartas que acidentalmente não são enviadas para a unidade de reciclagem são cuidadosamente arquivadas. Mas, há alguns anos atrás, uma carta em particular conseguiu chamar a atenção de uma funcionária de um dos escritórios de seleção de correspondência. A carta era de um menininho
que havia economizado durante o ano inteiro para comprar um PlayStation — mas que ainda não tinha juntado nem a metade da quantia necessária. A mãe estava doente e o pai tinha sido demitido sumariamente em função de um corte de despesas na companhia em que trabalhava. De modo que a família, como você bem pode imaginar, estava com um orçamento apertadíssimo. Será que o Papai Noel poderia dar uma força (com a quantia de £200)? A funcionária encarregada da seleção que abriu a carta fez com que ela circulasse entre os colegas de trabalho. Todos ficaram extremamente comovidos. Na verdade, tão comovidos haviam ficado com o trabalho duro e o espírito empreendedor do menininho — ele andara lavando carros e também começara a entregar dois jornais diferentes em domicílio — que resolveram fazer uma vaquinha para ele. Todo mundo contribuiu generosamente e, quando terminaram a coleta, havia um envelope com £120 na mesa da funcionária. Que ela enviou para o amiguinho — com um bilhete de “Papai Noel” desejando a ele e à família tudo de bem para o ano-novo. E foi isso. Não se falou mais no assunto e ele foi esquecido. Isto é, até que, várias semanas depois, em meados de janeiro, apareceu no mesmo escritório de seleção de correspondência uma carta endereçada a Papai Noel. A mulher que em cujas mãos foi parar a primeira carta foi a mesma em que foi parar a segunda. Ela dizia o seguinte: Querido Papai Noel, Muito obrigado pelas £200 que mandou de presente de Natal para o meu filho. Foi muita generosidade de sua parte. Mas, infelizmente, ele ainda não conseguiu comprar o PlayStation que queria porque, quando abriu a sua carta, descobriu que lá dentro só havia £120. Aqueles ladrões filhos da puta do correio devem ter surrupiado £80. O que mostra, mais uma vez, que não se pode mais confiar em ninguém hoje em dia...
Nossa! Parece que algumas pessoas simplesmente não se contentam em tirar o palito menor quando tiram a sorte. Insistem, ao que tudo indica, em tirar o palito errado. Todos nós já passamos por algo do gênero, não? Se a experiência nos ensinou alguma coisa, foi isso. Por trás da fachada de esforço e falta de jeito, é possível vislumbrar todo um reino de incompetência e desmazelo. Uma série imortal de gafes, burradas e erros crassos que se choca com a existência mortal segundo os caprichos dos cognitivamente incapazes.
Certa noite, do lado de fora da estação ferroviária de Cambridge, surpreendi-me numa fila longa e descontente que tinha começado a se formar ao lado do ponto de táxi como um ciclone tropical lento. De repente, do nada, um adolescente bêbado que não parava de gritar furou a fila na maior cara de pau. Com um controle admirável, o cara que estava a meu lado chamou-o de lado. E convidou-o, da maneira mais cordial que as circunstâncias permitiam, a ir para a porra do fim da fila. Mas o atrevido não queria nem saber. — Acabam de me ligar dizendo que a minha namorada foi levada às pressas para o hospital — disse ele enrolando a língua. — E que vai entrar agora na sala de cirurgia. E você, que motivo você tem pra ficar na minha frente? — Eu sou o cirurgião — foi a resposta. Faz a gente pensar, não faz? Se a gente pode errar de maneira tão estonteante — o que é que pode nos impedir de acertar de maneira estonteante?
FLIPNOSE MISS ou ESCALA MULTIDIMENSIONAL DE SUGESTIONABILIDADE DE IOWA (EMSI)16 (versão simplificada)
Por favor, indique em que medida as seguintes afirmações se aplicam a você. Use a escala abaixo para avaliar suas respostas e depois some tudo para obter um total. 1. Absolutamente nada ou muito pouco 2. Um pouco 3. Mais ou menos 4. Bastante 5. Muito 1. Sou influenciado facilmente pelas opiniões dos outros. 2. Posso ser influenciado por um bom comercial. 3. Quando alguém tosse ou espirra, em geral sinto vontade de fazer o mesmo. 4. Imaginar uma bebida refrescante pode me fazer sentir sede. 5. Um bom vendedor pode me fazer querer comprar seu produto. 6. Acho que as revistas e a TV dão muitos bons conselhos. 7. Se souberem me mostrar um produto, em geral tenho vontade de comprá-lo. 8. Quando vejo alguém ter um calafrio, em geral eu também tenho. 9. Defino o meu estilo de acordo com certas celebridades. 10. Quando as pessoas me falam o que estão sentindo, em geral noto que sinto a mesma coisa. 11. Ao tomar uma decisão, em geral peço conselhos aos outros. 12. Ler descrições de pratos saborosos pode fazer minha boca encher d’água. 13. Os outros me dão muitas ideias boas. 14. Mudo de opinião frequentemente depois de conversar com os outros. 15. Depois de ver o comercial de um creme, às vezes sinto a pele seca. 16. Descobri muitas das minhas coisas prediletas através dos meus amigos.
17. 18. 19. 20.
Sigo as últimas tendências da moda. Pensar em alguma coisa aterrorizante pode fazer meu coração disparar. Adquiri muitos hábitos com os meus amigos. Quando alguém me diz que não estou com boa aparência, começo a me sentir mal. 21. É importante para mim me entrosar. Contagem de pontos
20-40 40-60 60-75
75+
Você é duro na queda. Não significa não MESMO. Você não é mole. Sabe o que quer e não é fácil alguém fazer você mudar de ideia. Você está aberto para o que os outros têm a dizer e muitas vezes vai “fazer uma experiência”. Será que você não estaria interessado num negócio que estou fazendo agora...?
Subescalas do questionário Sugestionabilidade fisiológica — Itens 8, 10, 15, 20, 3 Sugestionabilidade ao consumo — Itens 2, 9, 5, 6, 7 Conformidade aos pares — Itens 19, 17, 21, 16 Reatividade fisiológica — Itens 18, 4, 12 Vulnerabilidade à persuasão — Itens 14, 1, 13, 11 (MISS. Copyright © 2004 R.I. Kotov, S.B. Bellman & D.B. Watson)
Notas a
Exame padronizado de admissão em várias faculdades dos Estados Unidos. [N. da T.]
Essa ideia foi proposta pela primeira vez por Baruch Spinoza, filósofo racionalista holandês do século XVII. b
Essa disparidade não foi encontrada nos veredictos daqueles participantes que não foram distraídos (seis anos para o sr. Bem-Educado vs. sete anos para o sr. Sórdido). Esses voluntários conseguiram “deixar de acreditar” nas caracterizações falsas — e não deixaram uma diferença residual entre a natureza dos dois crimes. c
Associação de universidades do nordeste dos Estados Unidos que desfruta de muito prestígio acadêmico e social. [N. da T.] d
e
Seja feliz, não se preocupe. [N. da T.]
Apêndice 1 (Capítulo 3) Estímulos-chave e estereotipia: Status socioeconômico
Os dois conjuntos de traços de caráter apresentados a seguir só diferem em relação ao último item. No Conjunto A, o sr. Jones mora numa casa grande com piscina; no Conjunto B, ele mora num conjunto residencial:
CONJUNTO A
CONJUNTO B
1. O sr. Jones tem 43 anos.
O sr. Jones tem 43 anos.
2. É casado e tem 2 filhos.
É casado e tem 2 filhos.
3. Corridas de cavalos e praticar exercícios físicos são dois de seus hobbies.
Corridas de cavalos e praticar exercícios físicos são dois de seus hobbies.
4. Em geral, passa as férias na Flórida.
Em geral, passa as férias na Flórida.
5. Ele mora numa casa grande com piscina
Ele mora num conjunto residencial.
Dê a um grupo de amigos o Conjunto A e a outro, o Conjunto B, e peçalhes para pensar no tipo de pessoa que o sr. Jones deve ser.
Depois de lhes dar um momento ou dois para clarear as ideias, proponhalhes a tarefa abaixo de formação de impressões e observe o tipo de respostas de cada grupo.a ENTRE OS DOIS PARES DE ENUNCIADOS ABAIXO, INDIQUE QUAL VOCÊ ACHA QUE TEM MAIS PROBABILIDADE DE SE APLICAR AO SR. JONES.
ENUNCIADO A
ENUNCIADO B
1 Principalmente um otimista
Principalmente um pessimista
2 Não se preocupa com o trabalho
Consciencioso no trabalho
3 Passa tempo com os filhos
Deixa os filhos se virarem como podem
4 Sabe lidar com dinheiro
Descuidado com dinheiro
5 Raramente faz tarefas domésticas Faz tarefas domésticas frequentemente 6 Vive quase sempre no presente
Faz planos para o futuro
7 Atencioso com sua mulher
Tende a não valorizar sua mulher
8 Gosta de jogos de azar
Detesta jogos de azar
9 Autônomo
Dependente
10 Meio desmazelado
Meticuloso nos seus hábitos
11 Egocêntrico
Grande preocupação com os outros
12 Membro ativo da Igreja
Não se importa com religião
13 Espalhafatoso e turbulento
Calado e reservado
14 Tem muitos interesses em comum com sua mulher
Marido e mulher vivem cada um na sua
15 É de esquerda
É de direita
16 Lento e cauteloso
Rápido e impulsivo
17 Ambicioso
Tem pouca ambição
18 Bem patriótico
Pouco patriótico
19 Tem amizade com os vizinhos
Tende a não se relacionar com os vizinhos
20 Escrupulosamente honesto
Não é avesso a fazer vista grossa
É claro que o lugar onde você mora é apenas um exemplo do tipo de informação que influencia a percepção social. Fazer experiências com o formato acima, variando os itens — tanto dos traços de caráter quanto da tarefa de formação de impressões — permite descobrir vários outros. Tente — você nunca sabe o que pode encontrar!
Nota a
Não deixe os membros dos dois grupos trocarem ideias ao responder as perguntas!
Apêndice 2 (Capítulo 4) Traços Suplementares De Asch
Depois de ler suas descrições de caráter “caloroso/frio,” os participantes do estudo de Asch selecionaram a forma adjetiva dos seguintes 18 pares de traços que estavam mais de acordo com a ideia que formaram do indivíduo: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18.
Generoso — Mesquinho Astuto — Sábio Infeliz — Feliz Irritadiço — Bonachão Bem-humorado — Mal-humorado Sociável — Insociável Popular — Impopular Digno de confiança — Indigno de confiança Importante — Insignificante Impiedoso — Humano Bonito — Feio Persistente — Volúvel Frívolo — Sério Reservado — Comunicativo Egocêntrico — Altruísta Cheio de imaginação — Prático Forte — Fraco Desonesto — Honesto
A seguir está a frequência (em termos de porcentagens) com que cada item da lista foi selecionado (nota: aqui estão apenas os resultados relacionados aos termos positivos. Para determinar a porcentagem do item negativo, basta subtrair de 100 a cifra da lista). “CALOROSO” (N = 90)
“FRIO” (N = 76)
Generoso
91
8
Sábio
65
25
Feliz
90
34
Bonachão
94
17
Bemhumorado
77
13
Sociável
91
38
Popular
84
28
Confiável
94
99
Importante
88
99
Humano
86
31
Bonito
77
69
Persistente
100
97
Sério
100
99
Reservado
77
89
Altruísta
69
18
Cheio de imaginação
51
19
Forte
98
95
Honesto
98
94
Agradecimentos
Dos três homens que aparecem na seção de abertura deste livro, só um ainda está vivo. Meu pai, John Dutton, achou que estava na hora de se mandar na primavera de 2001, e meu amigo, o Grandalhão, jogou a toalha menos de um ano depois — no dia de ano-novo de 2002. Caras, este livro foi escrito em sua homenagem e vai ser publicado com uma mensagem. Se vocês estiverem lá em cima, em algum lugar, em qualquer lugar — vamos repetir a dose uma hora dessas. O bar que mencionei em Camden Town tem o nome de Hawley Arms. Vendo que foi ali que tudo começou, achei que seria bom se o livro partisse dali. E partiu. Eu não tinha voltado lá desde meados dos anos 1990 — quando Blur e Oasis e Britpop estavam no auge — e o lugar certamente mudara. Mas ficou claro que algumas coisas não tinham mudado, não. Mais tarde, naquela noite, eu tinha um jantar para ir — e, por um motivo ou outro, quase não fui. Você pensou que eu tinha aprendido a lição, não pensou? Naquele tempo eu não era casado. Agora sou. Graças a Deus, é tudo quanto posso dizer. Minha mulher Elaine foi o epítome da razão, o zênite da compreensão durante todo o decorrer desse projeto — e seu talento para sair da merda (principalmente da minha) é de valor incalculável. Pouquinho antes da publicação, resolvi pôr as minhas cartas na mesa. Elaine, meu bem, perguntei a ela (que sabia eu estava querendo alguma coisa), será que você me dá uma força durante minha fase de sexo, drogas e rock ’n’ roll? Já estou dando, respondeu ela. Putz. Quer dizer, obrigado, Elaine. Te amo. Ao escrever este livro, tive a impressão de ter mais agentes que o M15. Peter Tallack, Patrick Walsh, Clare Conville, Jake Smith Bosanquet e Christy
Fletcher agiram todos como heróis para me manter com o pé na estrada — e, depois que eu esgotava a sabedoria coletiva deles todos, Nick Kent entrava no jogo chutando umas bolas pra escanteio (em geral, restaurantes espetaculares com o melhor pinot noir da praça). Não sei se alguém já pôs as coisas nesses termos antes, Nick — mas você é sensacional entre as traves. Eu também gostaria de agradecer aos seguintes amigos e colegas pelos conselhos e feedback que me deram enquanto eu escrevia este livro. Se eu me esqueci de alguém, temo que esse alguém vai ter de encarar o fato de que não era tão importante assim: Dominic Abrams, Denis Alexander, Mike Anderson, Sue Armstrong, Phil Barnard, Michael Brooks, Peter Chadwick, Alex Christofi, Robert Cialdini, Max Coltheart, Keith Crosby, Jules Davidoff, Richard Dawkins, Roger Deeble, George Ellis, Ben Elton, Dan Fagin, Dan Gilbert, Andy Green, Cathy Grossman, Greg Heinimann, Paula Hertel, Rodney Holder, Emily Holmes, John Horgan, Stephen Joseph, Herb Kelman, Deborah Kent, Linda Lantieri, Colin MacLeod, Bundy Mackintosh, Andrew Mathews, Ray Meddis, Ravi Mirchandani, Harry Newman, Pippa Newman, Richard Newman, Stephen Pinker, Martin Redfern, Russell Re-Manning, Gill Rhodes, V.S. Ramachandran, Jon Ronson, Jason Smith, Polly Stanton, John Timpane, Geoff Ward, Bob White e Mark Williams. Agradeço particularmente aos meus editores da William Heinemann, Drummond Moir e Jason Arthur — dois dos caras mais bacanas, mais engraçados e mais legais com quem se poderia sonhar trabalhar — assim como Andrea Schulz e Tom Boughman, da Houghton Mifflin Harcourt dos Estados Unidos, igualmente maravilhosos. Sophie e Gemma Newman, muito obrigado pelos bolinhos quentes servidos com manteiga e melado em tardes frias de domingos do inverno. E, por fim, o seguinte. No dia 9 de maio de 1982, Hugh Jones estava no ponto de partida da Maratona Londrina de Blackheath Common. Duas horas, nove minutos e 24 segundos depois (na época um adolescente de quinze anos, lembro-me de assistir a essa corrida na TV como se tivesse sido ontem), ele atravessou a linha de chegada uns três minutos antes do segundo colocado. Alguns anos depois, conheci Hugh e sua família em Londres; corríamos juntos no Regent’s Park (ele nunca conseguia me alcançar) e depois jantávamos na sua casa em Camden. Nós nos tornamos bons amigos e somos bons amigos até hoje. Essa amizade, o charme de Hugh e a cozinha caribenha
de sua mulher Cheryl me deram a maior força nos últimos anos — inclusive durante a redação deste livro. Hugh, eu só queria dizer, obrigado, amigão.
Créditos das imagens
1.1 © Frank Greenaway; 1.3 © Getty Images; 1.4 © Getty Images; 2.1a-c imagem adaptada a partir de Sander, Frome e Scheich, “FMRI Activations of Amygdala, Cingulate Cortex, and Auditory Cortex by Infant Laughing and Crying”, Human Brain Mapping 28 (2007): 1007-1022, imagem reproduzida com permissão dos autores; 2.3 de Little e Hancock, 2002, imagem reproduzida com permissão da British Journal of Psychology © The British Psychological Society; 2.4a (à esquerda) © Getty Images; 2.4a (à direita) © Time & Life Pictures/Getty Images; 2.4b © Getty Images; 2.5 imagem adaptada a partir de K. Lorenz, “Part and Parcel in Animal and Human Societies: A Methodological Discussion, 1950”, Studies in Animal and Human Behaviour, vol. 2 (Londres: Methuen, 1971); 2.6 imagem adaptada a partir de Pittenger & Shaw, 1975, Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, publicada pela American Psychological Association; 2.7 imagem adaptada a partir de Pittenger & Shaw, 1979, Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, publicada pela American Psychological Association; 2.8 imagem reproduzida com permissão de Ethology © Wiley-Blackwell. 2.9.a-b cortesia do Dr. Chris Solomon e do Dr. Stuart Gibson, Universidade de Kent. Fotografia original de David Cameron © PA Photos; 2.10a-b imagem reproduzida com permissão do professor Allan Mazur © Universidade de Syracuse; 2.11 © K. Dutton; 2.12 imagem reproduzida com permissão de Uta Frith, adaptada a partir de Autism: Explaining the Enigma (Londres: Blackwell 1989); 2.13 © Brigitte Sporrer; 2.15 e 3.1 © Greg Heinimann; 3.2 imagem adaptada a partir
de P. Thompson, “Margaret Thatcher: A New Illusion”, Perception 9 (4) (1980): 483-484, reproduzida com permissão de Pion Ltd, Londres ©; 3.3 e 3.4 © Greg Heinimann; 3.5 imagem adaptada a partir de S. Asch, “Opinions and Social Pressure”, Scientific American 193 (1955): 31-35; 3.6, 4.1, 5.1, 5.2, 6.1 © K. Dutton; 6.3a-b © Greg Heinimann; 6.4a © Network Rail; 6.5 imagem reproduzida com permissão da Royal Society of London e da Dra. Lisa DeBruine, © Universidade de Aberdeen; 7.1 imagem adaptada a partir de Gordon, Baird & End, “Functional Differences Among Those High and Low on a Trait Measure of Psychopathy”, Biological Psychiatry 56 (2004): 516-521, reproduzida com permissão dos autores; 7.2 imagem reproduzida com permissão de Simon Baron-Cohen; 7.3 © Steve Long; 8.1a, b, e c imagem adaptada a partir de Harris, Sheth & Cohen, “Functional Neuroimaging of Belief, Disbelief and Uncertainty”, Annals of Neurology, 63(2) (2008): 141-147, reproduzida com permissão dos autores. Fizemos de tudo para entrar em contato com todos os detentores de direitos autorais. Se for notificado, o editor terá o maior prazer em corrigir qualquer erro ou omissão na primeira oportunidade.
Notas
1. O instinto de persuasão 1. McComb, Karen, Taylor, Anna M., Wilson, Christian e Charlton, Benjamin D., “The Cry Embedded Within The Purr.” Current Biology 19 (13) (2009): R507-508.
2. “Louisiana’s state amphibian, the Green treefrog”. http://www.amercaswetlandresources.com/wildlife_ecology/plants_animals_ecology/animals/amphibians/GreeTreeFrog (website acessado no dia 5 de junho de 2008). 3. Para dispor de mais informações sobre mimetismo e camuflagem, ver Peter Forbes, Dazzled and deceived: Mimicry and camouflage (Londres: Yale University Press, 2009). 4. Ngugi, Henry K. e Scherm, Harald, “Pollen Mimicry During Infection of Blueberry Flowers By Conidia of Monilinia Vaccinii-Corymbosi.” Physiological and Molecular Plant Pathology 64(3) (2004): 113-123. 5. Para dispor de uma interpretação alternativa, ver Stevens, Martin, Hardman, Chloe J. e Stubbins, Claire L., “Conspicuousness, Not Eye Mimicry, Makes ‘Eyespots’ Effective Antipredator Signals.” Behavioral Ecology 19(3) (2008): 525-531. 6. Théry, Marc e Casas, Jérôme, “The Multiple Disguises of Spiders: Web Colour and Decorations, Body Colour and Movement.” Philosophical Transactions of the Royal Society. B 364 (2009): 471-480. 7. Ver Lloyd, James E., “Aggressive Mimicry in Photuris: Firefly Femmes Fatales.” Science 149 (1965): 653-654; e Lloyd, James E., “Aggressive Mimicry in Photuris Fireflies: Signal Repertoires by Femmes Fatales.” Science 187 (1975): 452-453. 8. McCleneghan, J. Sean, “Selling Sex To College Females: Their Attitudes About Cosmopolitan and Glamour Magazines.” The Social Science Journals 40(2) (2003): 317-325. 9. Tinbergen, Nikolaas e Perdeck, Albert C., “On the Stimulus Situation Releasing the Begging Response in the Newly-Hatched Herring Gull Chick (Larus a. argentatus Pont.).” Behaviour 3 (1950): 1-38.
10. Issa, Fadi A. e Edwards, Donald A., “Ritualized Submission and the Reduction of Aggression in na Invertebrate.” Current Biology 16 (2006): 2217-2221. Para dispor de um guia prático para entender e interpretar sinais de comunicação não verbal (inclusive aqueles dos vendedores!), ver Wainwright, Gordon R., Body languagem (Londres: Hodder Education, 2003). 11. http://www.anedoctage.com/browse.php?category=people&who=Churchill (website acessado no dia 9 de março de 2008).
2. Atração fetal 1. “Cry Baby, http://www.snopes.com/crime/warning/crybabyasp (website acessado no dia 2 de abril de 2008). 2. McCall, Robert B. e Kennedy, Cynthia Bellows, “Attention of 4-Months Infants to Discrepancy and Babyishness.” Journal of Experimental Child Psychology 29(2) (1980): 189-201. 3. Sackett, Gene P., “Monkeys Reared in Isolation with Pictures as visual input: Evidence for an Innate Releasing Mechanism.” Science 154 (1966): 1468-73. 4. Kringelbach, Morten L. et al. “A Specific and Rapid Neural Signature for Parental Instinct.” Plos One 3 (2008): e1664. 5. Stephanie Pain, “Stench Warfare.” New Scientist Blog (julho de 2001). http://www.scienceblog.com/community/older/2001/C/200113657.html (website acessado no dia 18 de novembro de 2005). 6. Para dispor de uma análise acústica detalhada a respeito das propriedades de um som aversivo, ver Kumar, Sukhbinder, Forster, Helen M., Bailey, Peter e Griffiths, Timothy D., “Mapping Unpleasantness of Sounds to their Auditory Representations.” Journal of Acoustical Society of America 124 (6) (2008): 3810-3817. 7. Jha, Alok, “Electronic Teenager Repellant and Scraping Fingernails, The Sounds of Ig Nobel Success.” The Guardian (sexta-feira, 6 de outubro de 2006). http://www.guardian.co.uk/uk2006/oct/06/science.highereducation (website acessado no dia 28 de outubro de 2006). 8. Para dispor de uma análise detalhada do choro do bebê, ver Soltis, Joseph, “The Signal Functions of Early Infant Crying.” Behavioral and Brain Sciences 27 (2004): 443-490; e Zeifman, Debra M., “An Ethological Analysis of Human Infant Crying: Answering Tinbergen’s Four Questions.” Developmental Psychobiology 39 (2001): 265-285. 9. Sander, Kerstin, Frome, Yvonne e Scheich, Henning, “FMRI Activations of Amygdala, Cingulate Cortex, and Auditory Cortex by Infant Laughing and Crying.” Human Brain Mapping 28 (2007): 10071022. 10. Rozin, Paul, Rozin, Alexander, Appel, Brian e Wachtel, Charles, “Documenting and Explaining the Common AAB Pattern In Music and Humor: Establishing and Breaking Expectations.” Emotion 6(3) (2006): 349-355. 11. Ramachandran, V.S. e Hirstein, William, “The Science of Art: A Neurological Theory of Aesthetic Experience.” Journal of Consciousness Studies 6 (1999): 15-51.
12. Essa citação foi retirada de Lauren Stewart, “Musical Thrills and Chills,” Trends in Cognitive Sciences 11 (2007): 5-6. 13. Para os estudos inciais sobre o efeito auréola, ver Asch, Solomon, E., “Forming Impressions of Personality.” Journal of Abnormal and Social Psychology 4 (1920): 25-29. 14. Snyder, Mark, Tanke, Elizabeth D. e Berscheid, Ellen, “Social Perception and Interpersonal Behaviour: On the Self-Fulfilling Nature of Social Stereotypes.” Journal of Personality ad Social Psychology, 35 (1977): 656:666. 15. Andersen, Susan M. e Bem, Sandra L., “Sex Typing and Androgyny In Dyadic Interaction: Individual Differences in Responsiveness to Physical Attractiveness.” Journal of Personality and Social Psychology 41 (1981): 74-86. 16. Miller, Geoffrey, Tybur, Joshua M. e Jordan, Brent D., “Ovulatory Cycle Effects On Tip Earnings By Lap Dancers: Economic Evidence For Human Estrus?” Evolution and Human Behavior 28 (2007): 375-381. 17. Little, Anthony C. e Hancock, Peter J.B., “The Role of Distinctiveness in Judgements of Human Male Attractiveness.” British Journal of Psychology 93(4) (2002): 451-464. 18. Penton-Voak, Ian S., Perrett, David I., Castles, Duncan L. Kobayashi, Tessei, Burt, D. Michael, Murray, Lindsey K. e Minamisawa, Reiko, “Menstrual Cycle Alters Face Preference.” Nature 399 (1999): 741-742. 19. Lorenz, Konrad, “Die angeborenen Formen möglicher Erfahrung (The Innate Forms of Potential Experience).” Zeitschrift fur Tierpsychologie 5 (1943): 235-409. 20. Konrad Lorenz. “Part and Parcel in Animal and Human Societies: A Methodological Discussion, 1950.” Studies in animal and human behavior, vol. 2 (Londres: Methuen, 1971). 21. Pittenger, John B. e Shaw, Robert E., “Aging Faces As Viscal-Elastic Events: Implications For a Theory of Nonrigid Shape Perceptions.” Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance 1(4) (1975): 374-382. 22. Pittenger, John B., Shaw, Robert E. e Mark, Leonard S., “Perceptual Information for the Age Level of Faces as a Higher Order Invariant of Growth.” Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance 5(3) (1979): 478-493. 23. Glocker, Melanie L., Langleben, Daniel D., Ruparel, Kosha, Loughead, James W., Valdez, Jeffrey N., Griffin, Mark D., Sachser, Norbert e Gur, Ruben C., “Baby Schema Modulates the Brain Reward System in Nulliparous Women.” Proceedings of the National Academy of Sciences 106(22) (2009): 9115-9119. 24. Devlin, Hannah, “Want To Keep Your Wallet? Carry a Baby Picture.” Times Online (11 de julho de 2009). http://www.timesonline.co.uk/tol/news/science/article6681923.ece (website acessado no dia 18 de julho de 2009). 25. King, Laura A., Burton, Chad M., Hicks, Joshua A. e Drigotas, Stephen M., “Ghosts, UFOs, and Magic: Positive Affect and the Experiential System.” Journal of Personality and Social Psychology 92(5) (2007): 905-919. 26. Brownlow, Sheila e Zebrowitz, Leslie A., “Facial Appearance, Gender, and Credibility In Television Commercials.” Journal of Nonverbal Behaviour 14 (1990): 51-60.
27. Brownlow, Sheila. “Seeing Is Believing: Facial Appearance, Credibility, and Attitude Change.” Journal of Nonverbal Behaviour 16 (1992): 101-115. 28. Gill, Charlotte, “Fresh-Faced Cameron Beats Sunken-Eyed Brown On ‘Face You Can Trust’ Issue.” Mail Online (17 de novembro de 2008). http://www.dailymail.co.uk/news/article1086396/Fresh-faced-Cameron-beats-sunken-eyed-Brown-face-trust-issue.html (website acessado no dia 8 de janeiro de 2009). 29. Para dispor de mais informações sobre os prós e contras de ter cara de bebê, ver Zebrowitz, Leslie A., Reading faces: Window to the soul? Cap. 5, “The Boons and Banes of a Babyface.” (Boulder, Colorado: Westview Press, 1997). 30. Mazur, Allan, Mazur, Julie e Keating, Caroline, “Military Rank Attainment of a Point West Class: Effects of Cadets’ Physical Features.” American Journal of Sociology 90 1 (1984): 125-150 (as fotografias dos cadetes foram retiradas de The Howitzer, 1950; as fotografias de um momento posterior da carreira foram retiradas do US Army Military History Institute e do Center for Air Force History). As imagens foram reproduzidas com a permissão do professor Allan Mazur, da Universidade de Syracuse. 31. Para dispor de uma discussão detalhada da dinâmica do contato visual, ver Michael Argyle, The Psychology of Interpersonal Behaviour, 4. ed. (Harmondsworth: Penguin, 1983); e Albert Mehrabian, Silent messages: Implicit communication of emotions and attitudes (Belmont, CA: Wadsworth, 1971). 32. Brosch, Tobias, Sander, David e Scherer, Klaus R., “That Baby Caught My Eye... Attention Capture By Infant Faces.” Emotion 7(3) (2007): 685-689. 33. Farroni, Teresa, Csibra, Gergely, Simion, Francesca e Johnson, Mark H., “Eye Contact Detection In Humans From Birth.” Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 99 (2002): 9602-9605. 34. Friesen, Chris K. e Kingstone, Alan, “The Eyes Have It! Reflexive Orienting Is Triggered By Nonpredictive Gaze.” Psychonomic Bulletin and Review 5(3) (1998): 490-495. 35. Para os interessados numa discussão mais detalhada do processo subjacente à percepção facial, ver Fox, Elaine M. e Zhougkou, Konstantina, “Individual Differences in the Processing of Facial Expressions.” Em Andrew Calder, Gillian Rhodes, James V. Haxby e Mark H. Johnson, orgs., The Handbook Of Face Perception (Oxford: Oxford University Press, 2010). 36. Milgram, Stanley, Bickman, Leonard e Berkowitz, Lawrence, “Note On The Drawing Power Of Crowds Of Different Size.” Journal of Personality and Social Psychology 13 (1969): 79-82. 37. Wimmer, Heinz e Perner, Josef, “Beliefs About Beliefs: Representation and Constraining Function of Wrong Beliefs In Young Children’s Understanding of Deception.” Cognition 13 (1983): 103-128. 38. Déficits da Teoria da Mente também existem na esquizofrenia e na psicopatia, assim como na anorexia e na depressão, mas não na mesma medida dos problemas do leque autista. Da mesma forma, irregularidades do contato visual também são encontradas em outras doenças (como a depressão e a ansiedade social), mas aqui também elas não são tão proeminentes quanto no autismo. 39. Para dispor de mais informações sobre o contraste perceptivo e a cor dos olhos, ver Sinha, Pawan, “Here’s Looking At You, Kid.” Perception 29 (2000): 1005-1008; Ricciardelli, Paola, Baylis, Gordon e Driver, John, “The Positive and Negative of Human Expertise in Gaze Perception.” Cognition 77 (2000): B1-B14; e Kobayashi, Hiromi e Kohshima, Shiro, “Unique Morphology of Human Eye.” Nature 387 (1997): 767-768.
40. Guthrie, R.D., “Evolution of Human Threat Display Organs.” Em Theodosius Dobzhansky, Max K. Hecht e William C. Steere (orgs.), Evolutionary Biology 4 257-302 (Nova York: Appleton-Century Crofts, 1970).
3. Cuidado com o roubo de automóveis 1. Schauss, Alexander G., “The Physiological Effect of Colour On The Suppression of Human Aggression: Research on Baker-Miller Pink.” International Journal of Biosocial Research 7(2) (1985): 55-64. Para dispor de mais informações sobre os efeitos do rosa Baker-Miller, ver James E. Gilliam, “The Effects of Baker-Miller Pink on Physiological and Cognitive Behaviours of Emotionally Disturbed and Regular Education Students.” Behavioural Disorders, 17 (1991): 47-55; e Pamela J. Profusek e David W. Rainey, “Effects of Baker-Miller Pink and Red on State Anxiety, Grip Strenght and Motor-Precision.” Perceptual and Motor Skills, 65 (1987): 941-942. 2. A Figura 3.2 foi retirada de Thompson, Peter, “Margaret Thatcher: A New Illusion.” Perception 9(4) (1980): 483-484. A imagem foi reproduzida com a permissão de Pion Limited, Londres ©. 3. Langer, Ellen J., Blank, Arthur e Chanowitz, Benzion, “The Mindlessness of Ostensibly Thoughtful Action: The Role of ‘Placebic’ Information in Interpersonal Interaction.” Journal of Personality and Social Psychology 36 (1978): 635-642. 4. Para dispor de uma versão detalhada e acessível da carga cognitiva e de estudos de investigação visual, ver Treisman, Anne M., “Features and Objects: The Fourteenth Bartlett Memorial Lecture.” Quarterly Journal of Experimental Psychology 40A (1988): 201-237. 5. Beyth-Marom Ruth e Dekel, Shlomith, An elementary approach to thinking under uncertainty (Hillsdale, NJ: Erlbaum, 1985). 6. Para dispor de mais informações sobre os atalhos cognitivos, ver Kahneman, Daniel e Tversky, Amos, “On the Psychology of Prediction.” Psychological Review 80 (1973): 237-251. 7. Plassman, Hilke, O’Doherty, John P., Shiv, Baba e Rangel, Antonio, “Marketing Actions Can Modulate Neural Representations of Experienced Pleasantness.” Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 105(3) (2008): 1050-1054. 8. Brochet, Frederic, “Chemical Object Representation In The Field of Consciousness.” Estudo preliminary (2001): General Oenology Laboratory, França. 9. Darley, John M. e Gross, Paul H., “A Hypothesis-Confirming Bias In Labeling Effects.” Journal of Personality and Social Psychology 44 (1983): 20-33. 10. Shih, Margaret, Pittinsky, Todd L. e Ambady, Nalini, “Stereotype Susceptibility: Identity Salience and Shifts In Quantitative Performance.” Psychological Science 10 (1999): 80-83. 11. Stone, Jeff, Lynch, Christian I., Sjomeling, Mike e Darley, John M., “Stereotype Threat Effects on Black and White Athletic Performance.” Journal of Personality and Social Psychology 77(6) (1999): 1213-1227. 12. Exemplos retirados de Slovic, Paul, Fischhoff, Baruch e Lichtentstein, Sarah, “Cognitive Processes and Societal Risk Taking.” Em John S. Carroll e John W. Payne (orgs.), Cognition and Social Behavior (Hillsdale, NJ: Erlbaum, 1976).
13. Para dispor de uma explicação acessível de heurística, ver Charles G. Lord, Social Psychology 49.99, Cap. 2 (Fort Worth, TX: Harcourt Brace, 1997). 14. Strohmetz, David, Rind, Bruce, Fisher, Reed e Lynn, Michael, “Sweeping the Till: The Use of Candy To Increase Restaurant Tipping.” Journal of Applied Social Psychology 32 (2002): 300-309. 15. Tajfel, Henri, Billig, Michael G., Bundy, Robert P. e Flament, Claude, “Social Categorization and Intergroup Behaviour.” European Journal of Social Psychology 1 (1971): 149-178. 16. Asch, Solomon, E., “Opinions and Social Pressure.” Scientific American 193 (1955): 31-35. 17. Fein, Steven, Goethals, George R., Kassin, Saul M. e Cross, Jessica, “Social influence and presidential debates.” Dissertação apresentada durante a Convenção da American Psychological Association, 1993. 18. Uhlhaas, Christoph, “Is Greed Good?” Scientific American Mind (agosto/setembro de 2007). 19. Entrevista a Glenn Moore (The Independent, 3 de junho de 2008). 20. Grosbras, Marie-Helène, Jansen, Marije, Leonard, Gabriel, McIntosh, Anthony, Osswald, Katja, Poulsen, Catherine, Steinberg, Laurence, Toro, Roberto e Paus, Thomas, “Neural Mechanisms of Resistance to Peer Influence in Early Adolescence.” Journal of Neuroscience 27(30) (2007): 8048-45. 21. Buss, David M. e Duntley, Joshua D., “The Evolution of Aggression.” Em Schaller, Mark, Kenrick Douglas T. e Simpson, Jeffry A. (orgs.), Evolution and Social Psychology (Nova York, NY: Psychology Press, 2006). 22. Groth, A. Nicholas e H. Jean Birnbaum, Men Who Rape: The Psychology of the Offender (Nova York, NY: Plenum Press, 1979). 23. Ouvi falar pela primeira vez do “carinho” ou “pose” num documento televisivo da BBC intitulado “HIV and Me”, apresentado por Stephen Fry (http://www.telegraph.co.uk/culture/tvandradio/3668295/Last-night-on-televison-Stephen-Fry-HIVand-Me-BBC2----Great-Bristish-Journeys-BBC2.html). Embora não seja uma prática comum, minha experiência em São Francisco corrobora o que Fry descobriu — que esse é um costume encontrado entre uma pequena minoria da comunidade gay.
4. Os Grandes mestres da persuasão 1. Nicholas Lemann. “The Word Lab.” (The New Yorker, 16 de outubro de 2000). 2. Alicke, Mark D., “Culpable Causation.” Journal of Personality and Social Psychology 63 (1992): 368-378. 3. Ross, Lee D., Amabile, Teresa M. e Steinmetz, Julia L., “Social Roles, Social Control, and Biases In Social Perception Processes.” Journal of Personality and Social Psychology 35 (1977):485-494. 4. Jones, Cathaleene e Aronson, Elliot, “Attributions of Fault to a Rape Victim as a Function of the Respectability of the Victim.” Journal of Personality and Social Psychology 26 (1973): 415-419; Luginbuhl, James e Mullin, Courtney, “Rape and Responsibility: How and How Much is the Victim Blamed?” Sex Roles 7 (1981): 547-559.
5. Bizer, George Y. e Petty, Richard E., “How We Conceptualize Our Attitudes Matters: The Effects of Valence Framing on the Resistance of Political Attitudes.” Political Psychology 26 (2005): 553-568. 6. Englich, Birte, Mussweiler, Thomas e Strack, Fritz, “Playing Dice With Criminal Sentences: The Influence of Irrelevant Anchors on Experts’ Judicial Decision Making.” Personality and Social Psychology Bulletin 32 (2006): 188-200. 7. Janiszewski, Chris e Uy, Dan, “Precision of Anchor Influences the Amount of Adjustment.” Psychological Science 19(2) (2008): 121-127. 8. Michelle Meyer, “Good Things Come In New Packages.” Arrive (novembro-dezembro de 2007). 9. Sibid. 10. Cialdini, Robert B., Vincent, Joyce E., Lewis, Stephen K., Catalan, Jose, Wheeler, Diane e Derby, Betty L., “Reciprocal Concessions Procedure For Inducing Compliance: The Door-In-The-Face Technique.” Journal of Personality and Social Psychology 31 (1975): 206-215. 11. Robert B. Cialdini. “The Science of Persuasion.” Scientific American Mind (fevereiro de 2001). 12. Freedman, Jonathan L. e Fraser, Scott C., “Compliance Without Pressure: The Foot-In-The-Door Technique.” Journal of Personality and Social Psychology 4 (1966): 195-203. 13. Para dispor de mais informações sobre a pechincha enganosa, ver Cialdini, Robert B., Influence: Science and Practice, 4ª. ed. (Boston, MA: Allyn & Bacon, 2001). 14. Asch, Solomon E., “Forming Impressions of Personality.” Journal of Abnormal and Social Psychology 41 (1946): 258-290. 15. Para fazer uma viagem divertida pelas últimas palavras e expressões politicamente (in)corretas da língua inglesa, ver http://www.languagemonitor.com/news/top-politcally-incorrect-words-of-2009; para dispor do artigo original que fala dos “malfeitores desencaminhados,” ver John Simpson, “London Bombs Need Calm Response.” BBC Home (31 de agosto de 2005). http://news.bbc.co.uk/1/hi/uk/4671577.stm (website acessado no dia 17 de novembro de 2005). 16. Loftus, Elizabeth F. e Palmer, John C., “Reconstruction of Automobile Destruction: An Example of the Interaction Between Language and Memory.” Journal of Verbal Learning and Verbal Behaviour 13 (1974): 585-589. 17. David von Drehle, “Five Faces of Obama.” Time (1º de setembro de 2008). 18. Nicholas Lemann, ibid.
5. O peso do número 1. Para dispor de mais informações sobre o fenômeno da polarização de grupo, ver Rupert Brown. Group processes, 142-158 (Oxford: Blackwell, 1993). 2. Wallach, Michael A., Kogan, Nathan e Bem, Daryl J., “Group Influence on Individual Risk Taking.” Journal of Abnormal and Social Psychology 65 (1962): 75-86. 3. Para dispor de uma visão mais detalhada da forma pela qual o processo de tomada de decisões varia entre os indivíduos, ver Cass R. Sunstein, Going to extremes: How like minds unite and divide (Nova
York, NY: Oxford University Press, 2009). 4. Myers, David G. e Bishop, George D., “Discussion Effects on Racial Attitudes.” Science 169 (1970): 778-779. 5. Para dispor de um resumo dos fatores que tanto aumentam quanto reduzem a conformidade, ver Elliot Aronson, The social animal, 5ª ed. cap. 2 (Nova York, NY: W.H. Freeman & Company, 1988). 6. Goldstein, Noah J., Cialdini, Robert B. e Griskevicius, Vladas, “A Room With a Viewpoint: Using Social Norms to Motivate Environmental Conservation in Hotels.” Journal of Consumer Research 35 (2008): 472-482; Goldstein, Noah J., Cialdini, Robert B. e Giskevicius, Vladas, “Invoking Social Norms: A Social Psychology Perspective On Improving Hotels’ Linen-Reuse Programs.” Cornell Hotel and Restaurant Administration Quarterly (maio de 2007). http://www.entrepreneur.com/tradejournals/article/163394867_2html (website acessado no dia 24 de setembro de 2009). 7. Moscovici, Serge e Personnaz, Bernard, “Studies In Social Influence: V. Minority Influence and Conversion Behaviour in a Perceptual Task.” Journal of Experimental Social Psychology 16 (1980): 270-282. 8. Para dispor de uma discussão detalhada dos altos e baixos de “paradigma da pós-imagem” de Moscovici, ver Martin, R. “Majority and Minority Influence Using the Afterimage Paradigm: A Series of Attempted Replications.” Journal of Experimental Social Psychology 34(1) (1998): 1-26. 9. Na verdade, o experimento consistiu em quatro fases (ver a dissertação original, detalhada na nota anterior); mas, em nome da clareza, eu o dividi em duas. 10. Wason, Peter C., “Reasoning.” Em Foss, Brian M., New horizons in psychology, 135-151 (Harmondsworth: Penguin, 1966). Para dispor de mais informações sobre a tarefa de seleção e o teste de hipótese de Wason em geral, ver Garnham, Alan e Oakhill, Jane, Thinking and reasoning, cap. 8 (Oxford: Blackwell, 1994). 11. Snyder, Mark e Cantor, Nancy, “Testing Hypotheses About Other People: The Use of Historical Knowledge.” Journal of Experimental Social Psychology 15 (1979): 330-342. 12. Henderson, Charles E., “Placebo Effects Prove the Value of Suggestion.” http://biocentrix.com/hypnosis/placebo.htm (website acessado no dia 28 de maio de 2009). 13. Wiltermuth, Scott S. e Heath, Chip, “Synchrony and Cooperation.” Psychological Science, 20 (2009): 1-5. 14. Islam, Mir R. e Hewstone, Miles, “Intergroup Attributions and Affective Consequences in Majority and Minority Groups.” Journal of Personality and Social Psychology 64 (1993): 936-950. 15. Miller, Richard L., Brickman, Philip e Bolen, Diana, “Attribution Versus Persuasion as a Means For Modifying Behavior.” Journal of Personality and Social Psychology 31 (1975): 430-441. 16. Para dispor de uma introdução fácil de ler sobre a síndrome de Estocolmo, ver Joseph M. Carver, “Love and Stockholm syndrome: The mystery of loving an abuser,” (Counselling Resource), http://counsellingresource.com/quizzes/stockholm/index.html (website acessado no dia 20 de novembro de 2009). 17. Um grande número de observações alude à possibilidade de que Natascha Kampusch estivesse com a síndrome de Estocolmo. Segundo a polícia, ela chorou inconsolavelmente ao saber que Wolfgang
Priklopil estava morto, e acendeu uma vela para ele no necrotério. “Minha juventude foi muito diferente”, disse ela referindo-se ao tempo que passou em cativeiro. “Mas também fui poupada de um monte de coisas. Não comecei a fumar, nem a beber, e não saía por aí com más companhias.” (Julia Layton, “What causes Stockholm syndrome?” How Stuff Works. http://health.howstuffworks.com./stockholm-syndrome.htm (website acessado no dia 14 de dezembro de 2009). Por mais bizarro que pareça — como ela própria admite —, Kampusch agora é dona da casa em que Priklopil a manteve presa — reivindicando sua posse em função do espólio do seu sequestrador para evitar que fosse demolida. “Sei que é grotesco”, reconhece ela. “Agora tenho de pagar a luz, a água e os impostos de uma casa na qual eu nunca quis viver.” (“Kidnap victim owns her house of horrors.” Sky News (15 de maio de 2008). http://news.sky.com/skynews/Home/S k y — N e w s A r c h i v e / A r t i c l e /20080641316125 (website acessado no dia 23 de maio de 2008). Na verdade, Kampusch visita o lugar regularmente — alimentando especulações de que um dia talvez volte a morar lá. Para dispor de mais informações sobre o caso extraordinário de Natascha Kampusch, ver Bojan Pancevski e Stefanie Marsh, “Natascha Kampusch: From darkness to limelight.” Times Online (2 de junho de 2008). http://women.timesonline.co.uk/tol/life_and_style/women;article4044283.ece (website acessado no dia 30 de agosto de 2008). 18. Seligman, Martin E.P. e Maier, Steven F., “Failure To Escape Traumatic Shock.” Journal of Experimental Psychology 74 (1967): 1-9. 19. Para mais sobre o papel da psicologia no desenvolvimento das técnicas de interrogatório, ver Jane Mayer, The dark side: The inside story of how the war on terror turned into a war on American ideals (New York, NY: Doubleday, 2008). 20. Para dispor de mais informações sobre o estilo atribuicional, ou explanatório, ver Martin E.P. Seligman, Learned Optimism: How to change your mind and your life (Nova York, NY: Random House, 2006). 21. Glass, David C. e Singer, Jerome E., Urban stress: Experiments on noise and urban stressors (Nova York, NY: Academic Press, 1972). 22. Para dispor de mais informações sobre a tipologia da violência doméstica, ver Pat Craven, The Freedom Programme (2005). http://www.freedomprogramme.co.uk.
6. A flipnose 1. Essa história consta na maior parte das biografias de Gauss. 2. Extraído de Rob Eastaway e Jeremy Wyndham, Why do buses come in threes? The hidden mathematics of everyday life (Londres: Robson Books, 1998). 3. Thoemmes, Felix e Conway, Lucian G., III, “Integrative Complexity of 41 U.S. Presidents.” Political Psychology 28 (2007): 193-226. 4. McGlone, Matthew S. e Tofighbakhsh, J., “Birds of a Feather Flock Conjointly: Rhyme As Reason in Aphorisms.” Psychological Science 11 (2000): 424-428. 5. Em geral, é exatamente o contrário, as bolas estão trocadas: é o adulto quem dá tratos à bola à procura de coisas que sejam do interesse pessoal da criança, para ter um jeito de desfrutar certa paz e tranquilidade (PlayStation, chocolate e dinheiro puro e simples figuram entre as moedas circulantes preferidas da persuasão nesses casos). Na verdade, receber recompensa e evitar o castigo compreendem
os pilares gêmeos de quase qualquer tipo de influência de que você conseguir se lembrar, de educar filhos e adestrar cães aos objetivos mais esotéricos e maquiavélicos de obter um comportamento moldado deliberadamente, como aquele dos cães farejadores e, muito parecido, o de pombos durante a Segunda Guerra Mundial. O Projeto Pigeon [Projeto Pombo] nasceu na cabeça do psicólogo norte-americano B.F. Skinner e era o codinome de um esquema destinado a criar mísseis guiados por pombos. A ideia, mesmo que excêntrica, era simples. Uma lente afixada na frente do míssil projetaria uma imagem do alvo numa tela interna, enquanto o pombo, treinado de antemão — por meio de condicionamento operante (isto é, recompensa com comida pela diferenciação cada vez mais acurada) — para reconhecê-lo bicava a sua superfície ajustável. Enquanto as bicadas se dirigissem para a tela do centro, o míssil continuaria na sua rota. E as bicadas dadas fora do centro faria a tela se inclinar, o que resultaria, através do sistema de controle do míssil, na rota do voo desviar-se na mesma medida. Infelizmente, apesar do investimento inicial de US$ 25 mil, feito pelo Comitê de Pesquisa da Defesa Nacional dos Estados Unidos, e de resultados encorajadores no começo, o projeto, digamos assim, nunca levantou voo. Cérebro de aves e defesa com mísseis, concluiu o comitê, não são uma boa combinação. É claro que o condicionamento nem sempre tem de acontecer numa base consciente. Às vezes, ao contrário dos pombos, o interesse pessoal pode ser manipulado sem que a gente sequer saiba, e a associação entre concretizar um certo comportamento (bicar) e conseguir um determinado resultado (comida) é forjada implicitamente. Katie: Mãe, posso chupar um picolé? Mãe: (faz de conta que não ouviu e continua deitada na espreguiçadeira). Katie: Mãe, quero chupar um picolé. Mãe: Sim, só um minutinho, meu bem. Katie: (batendo o pé no chão). MÃE, QUERO UM PICOLÉ! Mãe: Ei! Quantas vezes eu já te falei para não gritar comigo? Muito bem, qual você quer? A nossa pequena Katie não precisa de um mestrado em psicologia, nem de conhecimentos profundos sobre o funcionamento da mente humana para saber que, em geral, uma persistência desagradável, irritante e cada vez mais importuna paga bons dividendos. Sabe pela experiência: está afiando suas armas desde o dia em que nasceu (para confirmar sua sabedoria, o psicólogo Edward Burkley, da Universidade Estadual de Oklahoma, estudou o impacto da fadiga cognitiva à resistência à persuasão em 78 estudantes. Descobriu que os estudantes que estavam cansados tinham uma probabilidade muito maior de aceitar um corte de dois meses em suas férias de verão do que os que estavam descansados). Mas a persistência nem sempre é um bom meio para chegar a seu fim. De vez em quando, pode ser o fim propriamente dito: o comportamento que está sendo recompensado. Essa dinâmica peculiar é a psicologia que está por trás do jogo e da pesca e é o que faz esses antigos passatempos tão difíceis de abandonar. O girar das roletas e as margens dos rios implementam contingências variáveis e imprevisíveis que apertam o botão do vício da esperança (você nunca sabe quando é que a grande bolada vai chegar) e é isso, a capacidade que a esperança tem de renovar-se eternamente, em contraposição a toparmos de repente, ou sem pensar, com um daqueles filões riquíssimos o que, mesmo sem a gente querer, prova, com o tempo, que a tentativa valeu. Para dispor de uma introdução acessível aos princípios do condicionamento operante, e uma visão panorâmica da maneira pela qual os sistemas de recompensa e punição podem reforçar o comportamento, ver David G. Myers, Psychology, 4. ed., cap. 8, 257-285 (Nova York, NY: Worth, 1995). Quanto ao estudo de Edward Burkley, ver Burkley, Edward, “The role of self-control in resistance to persuasion.” Personality and Social Psychology Bulletin 34(3) (2008): 419-431. 6. Para dispor de uma boa introdução a esses seis princípios da persuasão, ver Robert B. Cialdini, “The Science of Persuasion.” Scientific American Mind, fevereiro de 2001.
7. Jones, Benedict C., DeBruine, Lisa M., Little, Anthony C., Burriss, Robert P. e Feinberg, David R., “Social Transmission of Face Preferences Among Humans.” Proceedings of the Royal Society of London B 274(1611) (2007): 899-903. 8. Darley, John M. e Batson, C. Daniel, “From Jerusalem to Jericho: A Study of Situational and Dispositional Variables in Helping Behaviour.” Journal of Personality and Social Psychology 27 (1973): 100-108. 9. http://www.hondomagic.com/html/a_little_magic.htm 10. Para obter mais informações sobre a maneira pela qual a mágica pode nos dar toques sobre os processos cognitivos, ver Kuhn, Gustav, Amlani, Alym A. e Rensink, Ronald A., “Towards a Science of Magic.” Trends on Cognitive Sciences 12(9) (2008): 349-354. 11. http://www.anedoctage.com (acessado no dia 3 de julho de 2007). 12. Para dispor de uma visão acadêmica do efeito Stroop, ou efeito da tarefa contraditória, ver MacLeod, Colin M., “Half a Century of Research on the Stroop Effect: An Integrative Review.” Psychological Bulletin 109(2) (1991): 163-203. 13. Davis, Barbara P. e Knowles, Eric S. “A Disrupt-Then-Reframe Technique of Social Influence.” Journal of Personality and Social Psychology 76 (1999): 192-199. 14. Belova, Marina A., Paton, Joseph J., Morrison, Sara E. e Salzman, C. Daniel. “Expectation Modulates Neural Responses to Pleasant and Aversive Stimuli in Primate Amygdala.” Neuron 55 (2007): 970-984. 15. Halgren, Eric e Marinkovic, Ksenija, “Neurophysiological Networks Integrating Human Emotions.” Em Michael S. Gazzaniga (org.), Cognitive Neuroscience 1137-1151 (Cambridge, MA: MIT Press, 1995). 16. Para dispor de uma discussão detalhada (e divertida) da anatomia do humor, ver Jimmy Carr e Lucy Greeves, The naked jape: Uncovering the hidden world of jokes (Londres: Penguin, 2007). 17. “Here to Help,” cartaz reproduzido com permissão da Network Rail©, “We Try Harder”. 18. Westen, Drew, Blagov, Pavel S., Kilts, Clint, Harenski, Keith e Hamann, Stephan, “Neural Bases of Motivated Reasoning: An fMRI Study of Emotional Constraints on Partisan Political Judgement in the 2004 Presidential Election.” Journal of Cognitive Neuroscience 18 (2006): 1947-1958. 19. Os pesquisadores que estudam mudança de atitude revelaram quando exatamente os fatos são importantes e quando não são importantes para a persuasão. Em geral, se uma atitude é de natureza primariamente “cognitiva” (isto é, deriva do que pensamos a respeito de alguma coisa), então o argumento lógico, racional, constitui de longe a ferramenta mais eficiente para induzir uma mudança. Se, por outro lado, uma atitude é primariamente de natureza “afetiva” (isto é, tem a ver com o que sentimos a respeito de alguma coisa), o apelo às emoções é a melhor estratégia. Isso pode parecer complicado; mas, na verdade, é algo que a maioria de nós já sabe. Pense, por exemplo, no setor de propaganda. Qualquer pessoa que tente vender perfume exaltando as virtudes de sua composição química, ou um desentupidor de pia por sua capacidade de tornar uma pessoa irresistível aos representantes do sexo oposto, não vai, com toda a probabilidade, ser o próximo Bill Gates. O teor de uma mensagem persuasiva está intimamente ligado à maneira pela qual nós, como receptores, processamos as informações. Assim como na composição da mensagem, aqui há duas vias principais para a persuasão: a Via Central e a Via Periférica (ver figura a seguir) — sendo que, dessa
vez, o diferencial crítico está menos na maneira pela qual chegamos às nossas conclusões (isto é, se usamos a cabeça, ou o coração) e mais com nossa motivação para usar uma maneira ou outra. Duas vias para a persuasão: Via Central vs. Via Periférica.
Em geral, tendemos a processar as informações pela via central quando elas têm grande relevância pessoal para nós: em avaliações de profundidade a respeito da qualidade de argumentos específicos e que resulta numa mudança duradoura de atitude. Por outro lado, a via periférica é ativada em situações de pouco envolvimento pessoal: quando o que está em jogo não é muito importante. O processamento periférico de uma mensagem caracteriza-se por um foco menos concentrado nos detalhes e mais concentrado em fatores superficiais, como beleza física do comunicador, ou sua forma de se vestir. Portanto, assim como a gente não contrata um bioquímico para vender um perfume, nem uma supermodelo para vender um desentupidor de pia, também não nos inclinamos a escolher nosso corretor de ações exclusivamente pelo impacto de sua imitação de Elvis; nem, por outro lado, vamos insistir numa explicação completa das leis da física quântica antes de jogar os dados num jogo de Trivial Pursuit. Lembra que, no capítulo 2, gente bonita consegue levantar mais fundos para instituições de caridade do que gente comum? Agora você sabe por quê. A maioria de nós já alimenta a ideia de que contribuir para uma instituição de caridade é bom e, de um ponto de vista estritamente intelectual (o tipo usado pela via central de persuasão) não é preciso mais argumentos convincentes. Mas, para tomar a via periférica, precisamos ser induzidos. Para dispor de mais informações sobre a mudança de atitude, ver Crano, William D. e Prislin, Radmila, “Attitudes and persuasion”. Annual Review of Psychology 57 (2006): 345-374. 20. Greatbatch, David e Heritage, John, “Generating Applause: A Study of Rhetoric and Response at Party Political Conferences.” The American Journal of Sociology 92 (1986): 110-157.
21. Em 1963, Milgram publicou um estudo que hoje possui um status icônico no campo da psicologia experimental — e que é reconhecidamente o mais célebre e com certeza o mais explosivo dos cento e poucos anos de história dessa disciplina. Milgram criou um paradigma para simular o aprendizado, no qual foi atribuído aos participantes (recrutados através de uma amostra aleatória de norte-americanos respeitáveis de classe média) o papel de “professor” de um colaborador da pesquisa (o “aprendiz”). Mas essa não seria uma tarefa comum de ensino. Os “erros” seriam punidos com a administração de eletrochoques — mínimos no começo, mas escalando até brutais 450 volts se os erros persistissem. O estudo foi apresentado como sendo uma investigação da natureza da memória de curto prazo. E para todos os efeitos, os choques eram pra valer. Mas, na verdade, o foco era realmente a obediência — e os choques, uma farsa. O objetivo era arrepiantemente simples: a que extremos — era o que Milgram queria de fato saber — cidadãos norte-americanos comuns, cumpridores da lei, estariam dispostos a chegar quando instruídos por uma figura de autoridade? Para mais informações sobre a pesquisa de Milgram sobre a obediência, ver seu livro Obedience to Authority: An Experimental View (Nova York, NY: HarperCollins, 1974). 22. McCabe, David P. e Castel, Alan D., “Seeing Is Believing: The Effect of Brain Images on Judgements of Scientific Reasoning.” Cognition 107 (2008): 343-352. 23. Ver Leonard Mlodinow, The drunkard’s walk: How randomness rules our lives (Nova York, NY: Pantheon Books, 2008). 24. Zarnoth, Paul e Sniezek, Janet A., “The Social Influence of Confidence in Group Decision Making.” Journal of Experimental Social Psychology 33 (1996): 345-366. 25. Para dispor de mais informações sobre enfermeiras e inibição das expressões faciais, ver Ekman, P., Friesen, Wallace V. e O’Sullivan, Maureen, “Smiles When Lying.” Journal of Personality and Social Psychology 54(3) (1988): 414-420. 26. Ambady, Nalini e Rosenthal, Robert, “Half a Minute: Predicting Teacher Evaluations From Thin Slices of Nonverbal Behavior and Physical Attractiveness.” Journal of Personality and Social Psychology 64(3) (1993): 431-441. 27. DeBruine, Lisa M., “Facial Resemblance Enhances Trust.” Proceedings of the Royal Society of London B 269 (2002): 1307-1312. 28. A tarefa do computador bolada por DeBruine é uma variante de um paradigma célebre da Teoria dos Jogos, chamado Jogo do Ultimato. Para obter mais informações sobre o Jogo do Ultimato, ver Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner, SuperFreakonomics: Global cooling, patriotic prostitutes, and why suicide bombers shoud buy life insurance (capítulo 3). (Nova York, NY: HarperCollins, 2009). 29. Na etologia, a preferência pelo familiar refere-se à tendência que alguns animais têm de favorecer outros que mais se parecem com eles próprios. Para os interessados em saber mais a respeito da preferência pelo familiar, os seguintes artigos dão uma base excelente sobre a questão: Hamilton, William D., “The Evolution of Altruistic Behavior.” American Naturalist, 97 (1963): 354-356; Hamilton, William D., “The Genetical Evolution of Social Behavior.” Journal of Theoretical Biology 7(1) (1964): 1-52; Smith, J. Maynard, “Group Selection and Kin Selection.” Nature 201(4924) (1964): 1145-1147. 30. Finch, John F. e Cialdini, Robert B., “Another Indirect Tactic of (Self-) Image Management: Boosting.” Personality and Social Psychology Bulletin 15 (1989): 222-232. 31. Para dispor de um amálgama acessível da pesquisa científica e das técnicas clássicas de retórica, ver Max Atkinson, Lend me your ears: All you need to know about making speeches and presentations
(Londres: Vermillion, 2004). 32. Para dispor de mais informações sobre gênios da leitura de pensamento, ver Malcolm Gladwell, “The Naked Face.” The New Yorker Archive (5 de agosto de 2002). http://www.gladwell.com/2002/2002_08_05_a_face.htm (website acessado no dia 11 de junho de 2008). 33. Ottati, Victor, Rhoads, Susan, e Graesser, Arthur C., “The Effect of Metaphor on Processing Style in a Persuasion Task: A Motivational Resonance Model.” Journal of Personality and Social Psychology 77(4) (1999): 688-697. Relacionada ao conceito de detector a frequência certa temos a ideia do senso comum de que a persuasão se torna cada vez mais provável quanto menos uma pessoa tem de mudar de opinião. Nos idos do início dos anos 1960, os psicólogos sociais Muzafer Sherif e Carl Hovland defenderam a noção de que as atitudes, assim como os terremotos, têm epicentros — e que quanto maior a distância entre o “cerne” das convicções de uma pessoa e o fulcro de uma tentativa de persuasão, tanto menor a probabilidade de ela mudar de ideia. Segundo Sherif e Hovland, a chave é enviar uma mensagem que esteja dentro da “latitude de aceitação” do destinatário — em outras palavras, certificar-se de que, seja o que for que você estiver propondo, seja algo que não esteja tão “fora de esquadro” a ponto de ser rejeitado logo de saída. Imagine, por exemplo, que você está tentando persuadir um amigo a perder peso. Você acha que teria mais chances se o inscrevesse para participar de uma maratona — ou se exaltasse os benefícios de uma caminhada maneira em volta do quarteirão? Desnecessário dizer que o enquadramento costuma ser a arma secreta escondida na manga dos mestres da persuasão quando se trata de latitudes de aceitação. Um exemplo aconteceu com um amigo meu — um cara machão cheio de músculos definidos, cujos problemas para administrar a raiva estavam ameaçando o seu casamento de um naufrágio. A ideia de reservar um tempo para meditar estava completamente fora de cogitação no caso dele — era coisa de psicólogos, hippies e outras “bichas de classe média”. E então ele fez uma descoberta: a meditação, além de ser feita por iogues suburbanos cheios de trancinhas, também era endêmica entre muitos praticantes de artes marciais. O que, claro está, era uma outra história. De repente, a ideia de reservar tempo para meditar não era tão idiota, afinal de contas — e ele embarcou numa prática regular. Sobre o trabalho original sobre as latitudes de aceitação e rejeição, ver Muzafer Sherif e Carl Hovland, Social judgement: Assimilation and contrast effects in communication and attitude change (New Haven: Yale University Press, 1961). 34. Ephraim Hardcastle, Mail Online. http://www.dailymail.co.uk/debate/article 1213906/EPHRAIM-HARDCASTLE.html (website acessado no dia 19 de outubro de 2009).
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35. Carlson, Michael, Charlin, Ventura e Miller, Norman, “Positive Mood and Helping Behavior: A Test of Six Hypotheses.” Journal of Personality and Social Psychology 55 (1988): 211-229. 36. Winkielman, Piotr e Caccioppo, John T., “Mind at Ease Puts Smile on the Face: Psychophysiological Evidence That Processing Facilitation Elicits Positive Affect.” Journal of Personality and Social Psychology 81(6) (2001): 989-1000.
7. O psicopata — um artista nato da persuasão 1. Hare, Robert D., The Hare Psychopathy Checklist — Revised (PCL-R), 2ª ed. (Toronto, Ontário: Multi-Health Systems, 2003). 2. Lilienfeld, Scott O. e Andrews, Brian P., “Development and Preliminary Validation of a Self-Report Measure of Psychopathic Personality in Noncriminal Populations.” Journal of Personality Assessment 66 (1996): 488-524.
3. Para dispor de uma introdução acadêmica acessível à empatia, ver Mark H. Davis, Empathy: A social psychological approach (Nova York, NY: HarperCollins, 1996). Para saber mais sobre as diferenças entre empatia quente e fria, ver Loewenstein, George, “Hot-Cold Empathy Gaps and Medical Decision Making.” Health Psychology 24(4) (2005): Suppl. 549-556; Read, Daniel e Loewenstein, George, “Enduring Pain for Money: Decisions Based on the Perception and Memory of Pain.” Journal of Behavioral Decision Making 12 (1999): 1-17. 4. Para dispor de uma discussão em profundidade da disfunção cerebral, déficits de processamento emocional e psicopatia (e inclusive dilemas morais), ver Blair, R.J.R., “Dysfunctions of Medial and Lateral Orbitofrontal Cortex in Psychopathy.” Annals of the New York Academy of Sciences 1121 (2007): 461-479. Para dispor de uma versão menos especializada, ver Carl Zimmer, “Whose Life Would You Save?” Discover (abril de 2004). http://discovermagazine.com/2004/apr/whose-life-wouldyou-save (website acessado no dia 9 de janeiro de 2007). 5. O dilema do bonde foi proposto pela primeira vez dessa forma por Philippa Foot em “The Problem of Abortion and the Doctrine of the Double Effect.” Em Virtues and vices and other essays in moral philosophy (Berkeley, CA: University of California Press, 1978). 6. Thomson, Judith J. “Killing, Letting Die, and the Trolley Problem.” The Monist 59 (1976): 204-17. Quer levar as coisas um pouco mais adiante? Que tal isso? Um cirurgião brilhante tem cinco pacientes. Cada um deles está precisando de transplante de um órgão diferente e todos eles vão morrer sem o tal órgão. Infelizmente, não há órgãos disponíveis no momento para realizar nenhum dos transplantes. Um viajante jovem e saudável, que estava só de passagem, entra no consultório do médico para um checkup de rotina. Enquanto faz o checkup, o cirurgião descobre que seus órgãos são compatíveis com todos os seus cinco pacientes agonizantes. Suponha também que, se aquele jovem desaparecesse, ninguém suspeitaria do médico... (Ver Thomson, Judith J., “The Trolley Problem.” Yale Law Journal 94 (1985): 1395-1415. 7. Greene, Joshua D., Sommerville, R. Brian, Nystrom, Leigh E., Darley, John M. e Cohen, Jonathan D., “An fMRI Investigation of Emotional Engagement in Moral Judgement.” Science 293 (2001): 2105-2108. Para dispor de uma visão mais geral da neurociência da moralidade, ver Greene, Joshua D. e Haidt, Jonathan, “How (and Where) Does Moral Judgement Work?” Trends in Cognitive Sciences 6(12) 2002): 517-523. 8. Uma questão interessante é saber se também há ou não indivíduos com uma classificação extremamente alta só na empatia “quente” — isto é, “antipsicopatas”. Há evidência suficiente para sugerir que pode ser que haja, sim. O neurocientista Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin, com a ajuda do Dalai Lama, andou estudando o que acontece dentro do cérebro dos monges budistas — os atletas olímpicos do mundo da meditação, como ele os chama — enquanto fazem um tipo avançado de prática chamado de meditação “compassiva”. Usando o EEG [eletroencefalograma], Davidson descobriu que quando os monges entram num estado de compaixão intensa, seu foco mais elevado no amor incondicional se faz acompanhar de uma assinatura neurológica única — que inclui ondas de raios gama 30 vezes mais fortes que as normais, e uma atividade maior no córtex pré-frontal esquerdo (a parte do cérebro responsável por emoções positivas). Resultados como esses, afirma Davidson, têm implicações importantes para a pesquisa em andamento sobre “neuroplasticidade” — a capacidade que um indivíduo tem de alterar uma função cerebral por meio do treinamento. Assim como a parte do cérebro que corresponde à mão do violinista que aperta as cordas se desenvolve mais que a parte que controla a mão que segura o arco, David acha que o tipo certo de “treinamento” também pode se estender para os centros emocionais do cérebro — e que podemos aumentar o volume de nossa empatia da mesma forma que aumentamos o volume de qualquer outro “músculo” (para saber mais sobre o trabalho de Richard Davidson, ver o website do Lab for Affective Neuroscience [Laboratório de Neurociência Afetiva] da Universidade de Wisconsin: http://psyphz.psych.wisc.edu/).
Em seu livro The Wisdom of Forgiveness [A sabedoria do perdão], o Dalai Lama conta a história de Lopon-la — um monge tibetano que ele conheceu em Lhasa antes da invasão chinesa e um candidato tão bom quanto qualquer outro monge tibetano para o título de “antipsicopata”. Lopon-la foi prisioneiro dos chineses durante 18 anos — e então, depois de ser libertado, fugiu para a Índia. Vinte anos depois de sua provação, ele e o Dalai Lama finalmente se reencontraram. “Ele parecia o mesmo”, conta o Dalai Lama. “A inteligência ainda penetrante depois de tantos anos na prisão. Ainda era o mesmo monge bem-educado. Foi torturado muitas vezes na prisão. Perguntei-lhe se sentiu medo algum dia. E então Lopon-la me disse: ‘Sim, havia uma coisa de que eu tinha medo. Tinha medo de perder a compaixão pelos chineses.’” 9. Gordon, Heather L., Baird, Abigail A. e End, Alison, “Functional Differences Among Those High and Low on a Trait Measure of Psychopathy.” Biological Psychiatry 56 (2004): 516-521. 10. Richell, R.A., Mitchell, D.G.V., Newman, C. Leonard A., Baron-Cohen. S. e Blair, R.J.R., “Theory of Mind and Psychopathy: Can Psychopathic Individuals Read the ‘Language of the Eyes’?” Neuropsychologia 41 (2003): 523-526. 11. Shiv, Baba, Loewenstein, George, Bechara, Antoine, Damasio, Hanna e Damasio, Antonio R., “Investment Behaviour and the Negative Side of Emotion.” Psychological Science 16(6) (2005): 435439. 12. Para saber mais sobre a obra de Rachman, ver Rachman, Stanley J., “Fear and Courage: A Psychological Perspective.” Social Research 71(1) (2004): 149-176. Rachman deixa bem claro em sua dissertação que, em geral, os especialistas em desativar bombas não são psicopatas — uma visão que teve ecos neste livro. Em vez disso, o que se quer dizer é que a confiança e a frieza sob pressão são dois traços que os psicopatas e os desativadores de bombas têm em comum. 13. Preciso dizer que não conheci Robert Hendy-Freegard pessoalmente e, por isso, não posso dizer com certeza se ele é um psicopata ou não. Mas as coisas que ele fez, combinadas ao depoimento tanto de suas vítimas quanto de oficiais tarimbados da polícia, sugerem muito claramente a presença de uma personalidade psicopata — que, além do mais, tem uma classificação bem alta na escala. 14. David Baines, “The Dark Side of Charisma” (resenha de livro). Canadian Business (maio/junho de 2006). 15. Scerbo, Angela, Raine, Adrian, O’Brien, Mary, Chan, Cheryl-Jean, Rhee, Cathy e Smiley, Norine, “Reward Dominance and Passive Avoidance Learning in Adolescent Psychopaths.” Journal of Abnormal Child Psychology 18(4) (1990): 451-463.
8. Os horizontes da influência 1. Max Coltheart e seus colaboradores escreveram muito sobre o Homem do Espelho e as ilusões da falta de identificação. Para saber mais, ver Breen, Nora, Caine, Diana e Coltheart, Max, “Mirrored-Self Misidentification: Two Cases of Focal Onset Dementia.” Neurocase 7 (2001): 239-254; Breen, Nora, Caine, Diana, Coltheart, Max, Hendy, Julie e Roberts, Corrine. “Towards an Understanding of Delusions of Misidentification: Four Case Studies.” Mind and Language 15(1) (2000): 74-110. 2. Marx, David M., Ko, Sei Jin e Friedman, Ray A., “The ‘Obama Effect’: How a Salient Role Model Reduces Race-Based Performance Differences.” Journal of Experimental Social Psychology 45(4) (2009): 953-956.
3. Para dispor de uma obra sobre ameaça dos estereótipos e raça, ver Steele, Claude M. “A Threat in the Air: How Stereotypes Shape Intellectual Identity and Performance.” American Psychologist 52 (1997): 613-629; Steele, Claude M. e Aronson, Joshua, “Stereotype Vulnerability and the Intellectual Test Performance of African Americans.” Journal of Personality and Social Psychology 69 (1995): 797-811. 4. Para saber sobre o trabalho de Carol Dweck sobre configuração psíquica, ver Dweck, Carol S., Mindset: The new psychology of success. Nova York, NY: Random House, 2006; Dweck, Carol S., “The Secret To Raising Smart Kids.” Scientific American Mind (dezembro-janeiro de 2007): 36-43. 5. Para saber mais sobre a ciência que está por trás do desenvolvimento do temperamento, ver Jerome Kugan, Galen’s Prophecy: Temperament in Human Nature (Nova York, NY: Basic Books, 1994. 6. Gilbert, Daniel T., Tafarodi, Romin W. e Malone, Patrick S., “You Can’t Unbelieve Everything You Read.” Journal of Personality and Social Psychology 65(2) (1993): 221-233. 7. Para ouvir na íntegra a história das travessuras de Festinger com o grupo do dia do juízo final de Marion Keech, ver Leon Festinger, Henry W. Riecken e Stanley Schachter, When prophecy fails: A social and psychological study of a modern group that predicted the end of the world (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1956). 8. Festinger, Leon, A Theory of Cognitive Research (Stanford, CA: Stanford University Press, 1957). Ver também Festinger, Leon e Carlsmith, James M., “Cognitive Consequences of Forced Compliance.” Journal of Abnormal and Social Psychology 58(2) (1959): 203-210. Para dispor de uma visão geral da teoria da dissonância e outras teorias rivais sobre coerência cognitiva, ver Cooper, Joel e Fazio, Russell H., “A New Look at Dissonance Theory.” Em Leonard Berkowitz (org.), Advances in Experimental Social Psychology 17: 229-266 (Orlando, FL: Academic Press, 1984). 9. Harris, Sam, Sheth, Sameer A. e Cohen, Mark S., “Functional Neuroimaging of Belief, Disbelief, und Uncertainty.” Annals of Neurology 63(2) (2008): 141-147. Para disport de uma visão abrangente da literatura relativa às tendências cognitivas, ver MacLeod, Colin, Koster, Ernst H.W. e Fox, Elaine, “Whither Cognitive Bias Modification Research? Commentary on the Special Section Articles.” Journal of Abnormal Psychology 118 (2009): 89-99. 10. MacLeod, Colin, Mathews, A. e Tata Philip, “Attentional Bias in Emotional Disorders.” Journal of Abnormal Psychology 95 (1986): 15-20. 11. MacLeod, Colin, Rutherford, Elizabeth M., Campbell, Lyn, Ebsworthy, Greg e Holker, Lin, “Selective Attention and Emotional Vulnerability: Assessing the Causal Basis of Their Association Through the Experimental Manipulation of Attentional Bias.” Journal of Abnormal Psychology 111 (2002): 107-123. 12. Mathews, Andrew e Mackintosh, Bundy, “Induced Emotional Interpretation Bias and Anxiety.” Journal of Abnormal Psychology 109 (2000): 602-615. 13. MacLeod, Colin, Campbell, Lyn, Rutherford, Elizabeth M. e Wilson, Edward J., “The Causal Status of Anxiety-Linked Attentional and Interpretative Bias.” Em Jenny Yiend (org.), Cognition, Emotion, and Psychopathology: Theoretical, Empirical, and Clinical Directions. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. 14. Field, Matt e Eastwood, Brian, “Experimental Manipulation of Attentional Bias Increases the Motivation to Drink Alcohol.” Psychopharmacology 183 (2005): 350-357.
15. Para saber mais sobre Edward Taub e o trabalho da Taub Therapy Clinic, ver Norman Doidge, The brain that changes itself: Stories of personal triumph from the frontiers of science, Cap. 5 (Nova York, NY: Viking, 2007). 16. Kotov, R.I., Bellman, S.B. e Watson, D.B., “Multdimensional Iowa Suggestibility Scale: Brief Manual (2007).” Retirado de http://www.hasc.stonybrook.edu/som/psychiatry/kotov_r.cfm, com a permissão de Roman Kotov.
Índice
A
A expressão das emoções no homem e nos animais abelhas abordagem candidatos políticos vírus de acasalamento acidentes rodoviários adolescentes advogados Aer Lingus Afeganistão afiliação pensamento de grupo afro-americanos agachar-se agressão Ali, Muhammad Alicke, Mark altruísmo Ambady, Nalini e Rosenthal, Robert ancoramento ancoramento narrativas coerentes e captação de imagens por meio de ressonância magnética funcional (CIRMf) enquadramento erros fundamentais de atribuição advogados principal questionamento aparência física
surpresa uso de estatísticas Andersen, Susan Andrews, Brian Angelou, Maya animais estratégias de apaziguamento linguagem comum experimento de condicionamento olhos modelos de ação fixa rostos de bebês estímulos-chave acasalamento mimetismo contato físico rom-rom “pidão” antítese Applewhite, Marshall aprendizado passivo de evitação aquecimento global aquiescência aracnídeos aranhas Aristóteles aritmética artes artes marciais Asch, Solomon: estudo da linguagem estudo das linhas assassinato Associação Atlética Ocidental associação: redes associativas experimentos de condicionamento aprendida atenção captura da atenção redes cerebrais de controle da atenção pistas que chamam a atenção déficit de atenção treinamento da atenção captura exógena da atenção vírus de atitudes de apaziguamento ausência de medo autismo autoconfiança do vigarista do psicopata autoridade
autossugestão aversão aversão míope à perda
B
babuínos Baines, David Baker-Miller, rosa Baron-Cohen, Simon Barrett, Keith barrigudinhos bater a carteira Batson, Daniel Beachy Head bebês novinhos, ver recém-nascidos bebês, ver recém-nascidos Bechara, Antoine Bem, Sandra Bieber, David biológica Bizer, George bombardeios em Londres (2005) borboleta fio de cabelo (Hypaurotis crysalus) borboleta-coruja borboletas Brandes, Eddo Brandon, Robert Breen, Nora Brochet, Frederic Bronwlow, Sheila e Zebrowitz, Leslie Brown, Gordon Bundy, Ted Bush, George Snr Bush, George W.
C
Caine, Michael cálculo Cameron, David campanhas de saúde pública campanhas eleitorais Canadian Business Cantor, Nancy captura exógena da atenção
cara de bebê caratê carga cognitiva caricatura carisma carros Castel, Alan cérebro amídala córtex cingulado anterior e convicções lesões carga cognitiva e cor e conformidade centros de emoção circuito de empatia imagens; ver também CIRMf processamento de informações neurocirurgia circuito da persuasão centro de prazer pontos de pressão raciocínio reação à incongruência resposta ao choro de bebê sistemas de recompensa e aversão ao risco atalhos tendência à simplicidade e estímulos sociais e vítimas de derrame chantagem emocional Chapman, Graham charme: vigarista recém-nascido psicopata cheiros repulsivos Cheskin Chiroxiphia pareola choro de recém-nascido mudança de altura Churchill, Winston CIA Cialdini, Robert ciclo ovulatório CIRMf (Captação de Imagens por meio de Ressonância Magnética Funcional) Cleese, John Clinton, Bill Clinton, Hillary
coerência coerência cognitiva cognição cascas de banana treinamento Cohen, Leonard: Hallelujah Cohen, Mark cold calling Coltheart, Max comédia comentários mordazes comportamento antissocial comportamento automático comportamento inato compras comprometimento grupo Comunidade da Sedução comunidade gay concessões condicionamento confiança configuração mental configurações mentais, estáveis/abertas conformidade consciência consciência, falta de contato físico contato visual incapacidade de fazer controle controle da mente convicção e abordagem Conway, Luke Cooper, Ron Copa do Mundo (Alemanha, 2006) cor pós-imagens corretores de ações coruja-anã corujas Cox, Trevor criação de filhos Crowley, sargento James Cruz de Grande Bravura cuidar (alimentação) cuidar, ver alimentação cultura greco-romana cumprimento da lei, ver polícia
D
Dalton, Pam Darley, John e Gross, Paul e Batson, Daniel Darwin, Charles: princípio da antítese Davidson, Patricia Davis, Barbara e Knowles, Eric Deal, David DeBruine, Lisa dependência de álcool Derakshan, Naz Dershowitz, Alan desempenho desorientação passiva deuses antigos DiCaprio, Leonardo Dilema do Lobo dilemas morais impessoais/pessoais diplomacia direção do olhar dirigir carro discursos sobre a Situação da União dissonância cognitiva dissonância, teoria distração distração cognitiva Doherty, Drayton dominação Donne, John doze condenados, Os Dutton, Fred Dweck, Carol
E
Eastwood, Brian eBay Edwards, Donald efeito auréola efeito da ordem efeito placebo emoção aversiva e convicções circuito cerebral
falta de negativa positiva testes de reconhecimento e aversão ao risco empatia com animais os olhos e quente e fria falta de mimetismo como choro do recém-nascido vigarista/psicopata vendedores ênfase Englich, Birte enigma do retorno acionário enquadramento erro fundamental de atribuição escassez escrever especialistas em desativação de bombas esporte estatísticas estereotipia racial ameaça/vantagem estereótipo asiático estilo atribuicional estímulos-chave acústicos reino animal apaziguamento e abordagem conceituais contato visual recém-nascidos sexuais e estereotipia superinformativos conjunto supranormal sintéticos Estocolmo, síndrome de estupro estupro em grupo Evangelho segundo João, O evolução animais cor rosa e o olhar
comportamento de grupo e atalhos mentais instinto de cuidar e reciprocidade e o toque e a violência de homens jovens expectativa violação da experiência experimentos com eletrochoques extremismo
F
Farroni, Teresa Fedor de Banheiro Padrão do Governo dos Estados Unidos feedback Ferguson, sir Alex Festinger, Leon Field, Matt e Eastwood, Brian fluência fobias fofura Foot, Philippa forças armadas 8especialistas em desativação de bombas medalhas de bravura técnicas de interrogatório programa SERF tropa de elite Ford, Henry fórmulas mágicas Fox, Elaine Freedman, Jonathan e Fraser, Scott frequência Friedman, Ray Friesen, Chris e Kingstone, Alan frieza fumar fungo discomiceto fungos futebol
G
gaivota argêntea
gaivotas Gallagher, Liam Gates, Bill Gates, Henry Louis gatos: ronrom “pidão” Gauss, Carl Friedrich Gilbert, Dan Global Language Monitor Glocker, Melanie Goldstein, Noah Gordon, Heather gorjetas gosto do vinho governo Green, P.C. Andy Greene, Joshua Gross, Paul Groth, Nicholas grupos companheirismo conformidade seitas afiliação comprometimento com identidade influência polarização pensamento de grupo preferência pelo próprio coesão dos paradigma do grupo mínimo estereotipia atividades sincronizadas grupos étnicos Guthrie, R.D.
H
Haigh, Tara Hare, Robert Harris, Sam Heath, Chip Hendy-Freegard, Robert heurística disponibilidade representatividade interesse pessoal heurística cognitiva
heurística da disponibilidade heurística da representatividade Hewstone, Miles hipnose HIV, vírus Hobbes, Thomas Homem do Espelho Homero: Ilíada homicídio, ver assassinato honestidade Hopkins, Anthony humor sequência AAB nas piadas incongruência vendedores Huron, David: Sweet Anticipation: Music and Psychology of Expectation
I
imobilização imóveis implicatura (Pinker) Impotência aprendida impotência aprendida impressão emocional da marca impressão emocional da marca incerteza inclusão incongruência estímulos-chave e apaziguamento e convicções vigarista perceptiva psicopata Independent inferências influência da minoria/da maioria informações: organização processamento ingrediente bom humor insetos intenção paradoxal interesse pessoal evidente psicopata investimentos Issa, Fadi e Edwards, Donald
J
Janis, Irving Janiszewski, Chris e Uy, Dan Jesus jogo de azar Jones, reverendo Jim/Jonestown Jordan, Brent
K
Kampusch, Natascha Keech, Marion Kennedy, John F. Kerry, John Khan, Shaffiq kindchenschema King, Martin Luther Kingstone, Alan Klucharev, Vasily Kringelbach, Morten
L
La Place, Pierre-Simon Lane, Keith Langer, Ellen Larson, Gary: Far Side, lavagem cerebral leilões leitura de pensamento teste de Detecção das Emoções no Olhar Lemann, Nicholas Lilienfeld, Scott e Andrews, Brian linguagem dos animais empatia figurada insinuações falta de politicamente correta processamento linguagem corporal local de trabalho
localização de pessoas Loewenstein, George Loftus, Elizabeth e Palmer, John Lorenz, Konrad “As formas inatas da experiência potencial” kindchenschema Luntz, Frank
M
macacos Mackintosh, Bundy MacLeod, Colin mágica magnetoencefalografia (MEG) Manchester United Mancini, Marco manias Mansfield, Michael Maratona da morte marketing determinação de preços Marks & Spencer Mathews, Andrew e Mackintosh, Bundy McCabe, David e Castel, Alan McCain, John McComb, Karen McFerrin, Bobby McGlone, Matthew e Tofighbakhsh, Jessica McGrath, Glenn medo meio ambiente Mencken, H.L. mendigos mensagens subliminares metáforas metrô de Londres mídia Mike (psicopata) Milgram, Stanley militares norte-americanos militares, ver forças armadas Miller, Geoffrey mimetismo natural Ministério da Defesa dos Estados Unidos modelos de ação fixa Modificação da Propensão Cognitiva (MPC) Monroe, Marilyn
Morant, Greg Moscovici, Serge Mosquito, aparelho Mozart, Wolfgang Amadeus mulheres: reação ao choro do recém-nascido estereótipo mundo natural música Mussweiler, Thomas
N
narrativa coerente negócio diretor executivo administração negros neurocirurgia neuroeconomia New Yorker Newman, Richard Novo Testamento
O
O ambiente: uma América mais limpa, mais segura, mais saudável O silêncio dos inocentes Oasis (banda) Obama, Barack The Audacity of Hope caricatura discurso de posse uso da linguagem óculos escuros olhos: aparência dos atração pelos piscar, frequência pupilas dilatadas direção do olhar do recém-nascido teste de Detecção das Emoções no Olhar Olivier, Laurence oratória ver retórica Orton, Joe: Entertaining Mr Sloane otimismo Ottati, Victor
P
paladar palavras, ver linguagem Palmer, John Papai Noel, cartas a paradigma do grupo mínimo paralisia parcimônia pássaros Pattinson, Robert Paul (amigo) pé na porta pechincha enganosa peixe percepção Perot, Ross Perrett, David persuasão evolutiva, princípios de persuasão que desvia a atenção pessimismo piadas 51-2 Pinker, Steven: Do que é feito o pensamento pitu plantas Plassman, Hilke Platão poder de atração pupilas dilatadas rosto de bebê rosto masculino psicopatas Point-Of-Purchase Advertising International polícia política: comportamento de abordagem e conformidade e poder de atração do rosto enquadramento governo linguagem estudo sobre as linhas divisórias da persuasão simplicidade politicamente correto Porta do Céu, seita pós-imagens preços pressão dos pares pretextos
Priklopil, Wolfgang primatas primeira impressão probabilidade problemas de ansiedade propaganda emocional estímulos-chave campanhas de saúde pública comerciais de TV prostituição prova social psicologia cognitiva psicologia social psicopatas piscar, frequência circuito cerebral charme autoconfiança vigaristas falta de empatia traços de personalidade teste de Detecção das Emoções no Olhar local de trabalho
Q
Quem, Eu? (cheiro) questões financeiras
R
raça racismo institucional preconceito estereótipos Rachman, Stanley raciocínio velocidade radicalização Raine, Adrian raiva acalmar a Ramachandran, V.S. rãs Rasputin, Grigori
rãs-sino Ratner, Gerald reação instintiva recém-nascidos choro de fofura dependência contato visual estímulos-chave reciprocidade recompensa cérebro e reenquadramento reféns, tomada de regra/situação relações afetivas religião seitas estudo com muçulmanos/hinduístas convicções religiosas restaurantes retórica Reynolds, Pat Rhea, Darryl K. rimas risco Ritchie, Jim e Ellie ritual Roosevelt, Theodore rosa Rosenthal, Robert Ross, Lee rostos: poder de atração cara de bebê processamento de kindchenschema masculinos recém-nascidos similaridade e confiança roubo roupa Rozin, Paul
S
salas de tribunais, ver tribunais salvar as aparências Sander, Kerstin
Savill, Paul (chefe dos investigadores de polícia de Manchester) Schauss, Alexander Segunda Guerra Mundial seitas seitas do dia do juízo final Porta do Céu Jonestown seleção natural recém-nascidos e Seligman, Martin ser digno de confiança sereias sexo Shih, Margaret Shiv, Baba simetria similaridade simplicidade Simpson, O.J. simulação de programa de perguntas e respostas Sinclair, Gordon sincronia sincronia emocional síndrome do homem jovem sistemas de ideias enquanto estado do cérebro e emoção religiosas deixar de acreditar/não acreditar Sloan, Vic Smith, Frederick Snyder, Mark som: aversivo faixa de audição humana Spencer, Liam Spinoza, Baruch de Stapleton, Howard status socioeconômico status, ver status socioeconômico Stone, Jeff Strack, Fritz Strohmetz, David submissão sugestão teste de sugestionabilidade suicídio em massa surpresa Szot, Colleen
T
Tajfel, Henri Tanweer, Shehzad tarefa de localização do ponto Tarefa de Sally Anne tarefa de seleção de quatro cartões de Wason Taub, Edward tecelã de círculos de ouro técnicas de interrogatório televendas televisão comerciais canais de compra Teoria da Mente teoria dos números terapia terrorismo guerra contra tetraz Thatcher, Margaret Thompson, Andrew Thomson, Judith Jarvis Time Tofighabakhsh, Jessica toque tortura Três As tribunais Tybur, Joshua
U
Uy, Dan
V
vaga-lumes Vanders, Vance vendas viagem aérea de qualidade melhor viés de confirmação vigaristas
poder de atração e charme carga cognitiva autoconfiança crimes de distração vendedor de porta em porta foco vigilantes da ameaça violência doméstica homens jovens violência doméstica vítimas de derrame von Drehle, David Vonnegut, Kurt
W
Ward, James Allen, sargento da Aeronáutica Wason, Peter Cathcart West Wing, The West, Andrew Westen, Drew Whitlam, Gough Williams, Pierre Willis, Bruce Wilson, Robert Anton Wiltermuth, Scott e Heath, Chip Wiseman, Richard Wogan, Terry
Z
Zarnoth, Paul Zebrowitz, Leslie
Este e-book foi desenvolvido em formato ePub pela Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S.A.
Flipnose
Wikipédia do autor: https://en.wikipedia.org/wiki/Kevin_Dutton
Site do autor: http://www.kevindutton.co.uk/
Goodreads do autor: https://www.goodreads.com/author/show/283756.Kevin_Dutton
Eleanor & Grey Cherry, Brittainy C. 9786555870169 406 páginas Compre agora e leia Eleanor & Grey é um livro sobre amizade, família, perdas e, acima de tudo, amor. Amor de todas as formas. "É impossível não amar as histórias criadas por Brittainy C. Cherry!" – Carina Rissi Eleanor é uma adolescente introvertida que prefere a companhia de seus amados livros – e cardigãs com libélulas – a interagir socialmente, sobretudo com os colegas da escola. Quando a prima a arrasta para uma festa, Ellie se surpreende ao ser abordada pelo astro do time de basquete; afinal de contas os dois não têm absolutamente nada em comum. Ou pelo menos era o que ela pensava. Com o tempo, a amizade entre eles surge de forma natural; uma ligação tão forte, tão intensa, que logo se transforma em outro sentimento. Algo que Ellie nunca havia experimentado. Mas aquele sonho se transforma em pesadelo de uma hora para outra. Uma terrível notícia faz o mundo de Eleanor desabar. A única coisa ainda de pé é Greyson, incansavelmente ao seu lado. Mas nem sempre a força do amor é o bastante para deter o curso da vida: Ellie e Grey se veem forçados a se separar. Anos mais tarde, Eleanor pensa ter deixado seu primeiro amor no passado, mas o caminho dos dois volta a se cruzar. Só que, dessa vez, quem precisa de ajuda é Greyson. O problema é que ele já não é mais o garoto doce de suas lembranças. Grey se tornou um homem frio, insensível, e o elo especial que um dia partilharam parece ter se rompido para sempre. Eleanor & Grey é um delicioso romance de tirar o fôlego que agradará fãs de Jojo Moyes, John Green, Nicholas Sparks, Carina Rissi, Shophie Kinsella e Marian Keyes. É impossível não se apaixonar por essa história de amor e amizade escrita pela autora que já encantou incontáveis fãs com seus livros. Compre agora e leia
Faca Nesbo, Jo 9786555870756 532 páginas Compre agora e leia Um assassino à solta em Oslo. O caso mais difícil da carreira do inspetor Harry Hole no eletrizante Faca. Uma mulher é encontrada morta em sua casa. As janelas estão todas trancadas, assim como a porta. Tudo relacionado ao caso deixa a Divisão de Homicídios da polícia de Oslo em choque, sem saber por onde começar a investigação. Enquanto isso, na manhã posterior ao assassinato, Harry acorda com sangue nas mãos, mas não se lembra de nada da noite anterior. Ele está se afundando cada vez mais na bebida desde que Rakel o deixou. O famoso Harry Hole agora trabalha preenchendo papelada e resolvendo casos menores, mas isso não o impede de se envolver pessoalmente na investigação. A arma do crime, uma faca, e seu caráter pessoal o fazem pensar em um único nome... Enquanto isso, uma mulher presta queixa por estupro. Svein Finne está de volta, a primeira prisão de Harry, o primeiro serial killer, e tudo leva Harry a crer que os casos estão conectados e que Finne é o responsável. Porém, no desenrolar da investigação, Harry começa a recuperar fragmentos da memória da noite do crime e se convence cada vez mais de que pode ter se envolvido de alguma forma no assassinato. Quando os jornais noticiam que ele é o culpado, Harry terá de fazer de tudo para provar sua inocência e descobrir o verdadeiro culpado, mesmo que isso custe sua vida. Faca é o caso mais difícil do inspetor Harry Hole, que precisa lidar com questões pessoais em um livro para os maiores fãs da série e para os recém-chegados. Um caso que apenas a mente mais brilhante – e mais transtornada – da polícia de Oslo pode solucionar. "O rei dos autores de thrillers policiais." Sunday Express Compre agora e leia
A espada dos reis (Vol. 12 Crônicas Saxônicas) Cornwell, Bernard 9786555871449 378 páginas Compre agora e leia Uhtred, depois de reconquistar o lar de seus antepassados, tenta levar uma vida tranquila no norte, mas seus juramentos o fazem se envolver com as intrigas políticas do sul em A espada dos reis. A pré-venda, além da capa metalizada exclusiva da 1ª edição dos livros da série, inclui como brinde um pôster e um marcador de páginas metálico. É mais um momento de turbulência nos reinos. O rei Eduardo, com a saúde debilitada, não pode fazer nada para garantir uma sucessão tranquila ao trono e estabilidade política após sua morte. Há uma disputa entre dois herdeiros, Æthelstan e Ælfweard, e ninguém sabe se a frágil união dos reinos britânicos se manterá com a morte de Eduardo e o embate entre os dois herdeiros. Enquanto isso, Uhtred, após reconquistar sua querida fortaleza de Bebbanburg, mantém-se o mais distante possível das intrigas do sul, recluso na ainda independente Nortúmbria. Entretanto, um juramento é um compromisso eterno. E Uhtred prometeu a Æthelstan, seu antigo companheiro de armas e agora candidato a rei, que acabaria com qualquer pretensão de Ælfweard ao reinado. Ainda assim, Uhtred se sente tentado a ignorar o juramento e permanecer em sua solidão no norte, deixando os mércios e os saxões em sua disputa interminável por poder. Porém, quando um poderoso aliado de Ælfweard leva o conflito até a Nortúmbria e um inesperado pedido de ajuda chega a Bebbanburg, Uhtred e um pequeno grupo de guerreiros viaja para o sul, para a batalha pela realeza, um conflito que vai definir o destino da Inglaterra. Em A espada dos reis, o novo capítulo da saga de Uhtred e da unificação da Inglaterra, Bernard Cornwell relata de forma visceral as batalhas mais sangrentas e os conflitos políticos mais cruéis. Os livros da coleção Crônicas Saxônicas inspiraram a série The Last Kingdom, disponível na Netflix. "É como Game of Thrones, mas de verdade" - Observer "Uma aventura histórica em grande escala." - Kirkus "Ninguém descreve o período saxão melhor que Cornwell, e os leitores se sentirão felizes imersos na lama e nas maquinações do início da Idade Média." - Booklist Compre agora e leia
Livro - TAG Curadoria - novembro/2020 Skármeta, Antonio 9786555871623 224 páginas Compre agora e leia Esta é uma versão digital do livro de novembro da TAG Curadoria, feita com carinho para os nossos associados. Antonio Skármeta, um dos principais autores chilenos de todos os tempos, tece uma narrativa impactante sobre a relação entre pais e filhos durante a ditadura de Pinochet. Quer fazer parte do clube? É só acessar o link e fazer a sua assinatura: https://taglivros.com/ Compre agora e leia
As garras do desejo (Vol. 3 A lenda dos quatro soldados) Hoyt, Elizabeth 9788501082343 322 páginas Compre agora e leia Poderá a fera machucada confiar seus desejos mais secretos a uma bela mulher com um passado turbulento e viver uma grande paixão? A vida do soldado do livro As garras do desejo, Sir Alistair Munroe, era viajar exaustivamente para estudar, catalogar e publicar livros sobre a fauna e a flora. Porém, ele precisou lutar pela sua sobrevivência como soldado na guerra entre franceses e britânicos em suas colônias na América. Depois de retornar com muitas cicatrizes físicas e emocionais, o recluso naturalista se esconde em seu castelo na Escócia. No entanto, quando uma bela e misteriosa mulher bate à sua porta, os sentimentos que tanto reprimia vêm à tona novamente. Famosa por sua beleza, Helen Fitzwilliam viveu os últimos anos desfrutando do luxo da alta sociedade. Disposta a fugir dos erros do passado, aceita trabalhar em um castelo como governanta em troca de abrigo. Helen está determinada a começar uma nova vida e não vai deixar que nada a afaste de seu propósito. Alistair logo descobre que Helen é muito mais que uma mulher bonita. Corajosa e sensual, ela não se deixa intimidar pela hostilidade dele nem pelas cicatrizes em sua pele, e fica intrigada com a ferocidade do misterioso homem. Mas, quando Alistair começa a acreditar no amor verdadeiro, o passado secreto de Helen ameaça separá-los. Agora, os dois precisam lutar pela única coisa que nunca acreditaram que encontrariam: um final feliz. As garras do desejo é o terceiro livro da cativante série A lenda dos quatro soldados e uma releitura do clássico conto de fada A bela e a fera. "Há tanto encanto nas histórias de Hoyt que passamos a acreditar na magia do amor." ― Romantic Times BOOK reviews Magazine "Prepare-se para ser seduzido! A escrita de Hoyt é quase boa demais para ser verdade." ― Lisa Kleypas, autora de best-sellers do New York Times "Uma experiência quente e sexy!" ― Connie Brockway, autora best-seller do USA Today Compre agora e leia