Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Departamento de Artes Design Design e Indústria Aluno: Fernando de Souza Silva Atividade 3ª unidade
DESIGN E INDÚSTRIA: VALORES E ARTE Introdução Nos dias atuais, em diálogos informais sobre design, muito se fala no ato de agregar valor. Em projetar, ou “reprojetar”, objetos convencionais e torná-los objetos de desejo. E dessa forma, não só reconhecer e destacar o design, mas como monetarizá-lo e como converter o resultado do trabalho do designer, e suas intervenções nos objetos, em moeda corrente. Em sua maioria, os que debatem sobre o tema tendem a dizer que um objeto dotado de “bom design”, desperta um maior desejo de compra e, por isso, pode ter seu preço aumentado, gerando consequentemente um maior lucro para quem o possui, mas também evidencia o design como meio de proporcionar este aumento de valor. Mas, que valor é esse? Que tipo de valor estamos agregando quando transformamos um objeto? Qual o papel do design e da arte? Como esses pesos e medidas foram trabalhadas, principalmente, no início do processo de industrialização. Estas são algumas questões que tentaremos descrever, sem a intenção de uma resposta única e verdadeira, mas sim, um ponto de vista baseado, principalmente, em dois textos. Um deles, de Karl Marx, em seu estudo sobre a economia, especificamente o primeiro capítulo de sua obra O Capital, intitulado A Mercadoria, que discorre sobre as questões conceituais de valor de uso e valor de troca. O outro texto, é de John Hesket, que traça um panorama sobre os primórdios do design no início do século XX. Assim, pretendese entender um pouco mais sobre as questões entre arte, design e valor. O valor, o trabalho e o desejo Em seu texto, Marx comenta sobre a relação entre o valor de uso e o consumo: “A utilidade de uma coisa transforma essa coisa num valor-de-uso. Mas esta utilidade nada tem de vago e de indeciso. Sendo determinada pelas propriedades do corpo da mercadoria, não existe sem ele. [...] Os valores-de-uso só se realizam pelo uso ou pelo consumo. Constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social dessa riqueza. Na 1
sociedade que nos propomos examinar, são, ao mesmo tempo, os suportes materiais do valor-de-troca”. (MARX, 1974)
Assim, entendemos que, quando um objeto passa por modificações, sejam elas em relação a sua função ou estética, elas tendem a ter seu valor de uso aumentado, pois acabam por promover o desejo de uso. Neste sentido, um objeto dotado de aspectos artísticos, o qualifica, e traz consigo a agregação de valor de uso. Outro ponto levantado por Marx que vem a influenciar na questão do valor, é o trabalho. Trabalho sendo traduzido como força vital humana para produção de uma mercadoria. Especificamente, dois “tipos” de trabalho são levantados, o simples e o complexo: “[...] o trabalho humano: é um dispêndio da força de trabalho simples que, em média, todo o homem comum, sem desenvolvimento especial, possui no seu organismo. É certo que o trabalho simples médio muda de carácter conforme as regiões e as épocas, mas numa dada sociedade é sempre determinado. O trabalho complexo (skilled labour, trabalho qualificado) é apenas trabalho simples potenciado, ou melhor, multiplicado, de modo que uma dada quantidade de trabalho complexo corresponde a uma quantidade maior de trabalho simples”. (MARX, 1974)
Desta forma, podemos deduzir que, se numa matéria é investido uma quantidade de trabalho complexo para sua transformação, seu valor de uso tende a sofrer mudança, visto que, sua correspondência em trabalho simples precisa ser feita. Traçando um paralelo com a arte e o design, entendemos que estas duas especificidades técnicas podem ser interpretadas como trabalho complexo, e, se assim for, os objetos frutos do trabalho oriundos destas áreas, tendem a ter seu valor de uso ampliado. Seja pelo trabalho investido, como na ampliação do desejo de compra. Arte, indústria, design – troca de valores Sem a intenção de descrever conceitos, precisamos entender como estas três forças: indústria, arte e design, se relacionavam numa época em que suas relações tiveram profundas modificações, o início do século XX. Assim como tentar entender, resumidamente, suas tensões e contradições. As forças citadas, tinham em comum a intensão de atender as demandas da nova vida moderna, do homem moderno. Tentavam fazer deste homem alvo de suas ações. Não só isso, como também evidenciar que este homem, longe de sentimentos nacionalistas, passa a ser o homem universal, novo, num mundo utópico, regido pela igualdade. Neste aspecto, a Art Nouveau tinha sua fundamentação, onde: “Rejeitavam o uso de formas passadas e tentaram criar um estilo novo e universal que harmonizasse todos os aspectos do ambiente 2
visual numa entidade total, uma obra de arte completa”. (HESKET, p. 88)
Tendendo pela racionalização dos ornamentos, propiciavam sua reprodução pela indústria, porém, defendiam que o artista deveria ter o controle de seu processo de produção. O que gerava uma contradição que acompanhou todos os movimentos artísticos subsequentes: o empenho em produzir algo de qualidade para o homem modernos, elevava seu custo, a ponto de o homem comum não ter condições de compra. Afinal, o trabalho do artista é tipo com complexo, sendo assim, é certo que acarretaria um aumento no custo. “As diversas proporções segundo as quais as diferentes espécies de trabalho são reduzidas ao trabalho simples, como sua unidade de medida, estabelecem-se na sociedade sem que os produtores disso se apercebam, parecendo-lhes portanto estabelecidas pelo costume”. (MARX, 1975)
A valorização do artista gera valorização do produto, quebrando com o ideal do homem universal. Neste contexto, surgiram então as escolas de artes aplicadas, que tentavam ser a solução para este dilema. Nestas escolas, como a Deutsche Werkbund, ou mesmo posteriormente, na própria Bauhaus, a ideia era trazer as artes para atender as demandas da indústria, sem detrimento de nenhuma das partes, como pretendia a Werkbund: “’No artesão combinam-se três atividades, de artista, produtor e vendedor’, ... nas artes aplicadas [...] essas três funções haviam se separado, e foi necessário encontrar um terreno comum.” “melhoria do trabalho profissional através da cooperação da arte, da indústria e das técnicas, através da educação, da propaganda e de atitudes unificadas face a questões pertinentes”. (HESKETT, 1998)
Porém, o que ficou evidenciado foi que entre o ideal (arte) e o real (indústria), a balança tendia a favorecer as fábricas e suas tecnologias. A substituição do ideal pelo real. Mesmo com movimentos artísticos que tomavam a máquina como elemento transformador da vida moderna (como por exemplo o futurismo, o purismo, De Stijl etc), que reconheciam a forma da máquina como sendo a nova forma, as aplicações reais destes movimentos não aconteciam, ao menos em seus momentos históricos. Principalmente devido a seu caráter subjetivo não conseguir atender a realidade de seu tempo. 3
“[...] a transformação artística do ambiente humano iria, por si mesma, aprimorar a qualidade de vida. Os problemas do mundo à sua volta assim traduzidos em termos estéticos, para serem remoldados e retrabalhados pelo poder da criatividade artística”. “A crença de que artistas e designers eram os transformadores e legisladores da sociedade humana era um ideal atraente, mas eles eram um parlamento sem eleitorado”. (HESKETT, 1998)
Ora, se retomarmos os conceitos de Marx sobre valor de uso e sua relação com o desejo, efetivados por meio do consumo, se o produto não gera um valor para si nem para o outro, a estrutura econômica não se sustenta. Não havendo um valor de uso, o objeto deixa de ser mercadoria. “Todavia, só são mercadorias na medida em que se apresentam sob um duplo aspecto: como objetos de uso e como suportes de valor. Só podem, portanto, entrar em circulação [como mercadorias ou sob a forma de mercadorias], na medida em que se apresentem sob uma dupla forma: a sua forma natural e a sua forma-valor”. (MARX, 1975)
E, sendo a mercadoria aquilo que efetiva o modelo econômico vigente, não conseguir transformar o objeto do trabalho em algo passível de gerar valor de troca, o trabalho foi inútil, a força vital humana foi desperdiçada. Conclusão Entendemos enfim que, a questão de agregar valor não é simples. Carregar um produto de subjetividades, pode desconfigurar seu caráter de mercadoria. De certo, as mercadorias são fruto de seu tempo, assim como seu valor de troca. Para cada mercadoria existe seu mercado. Produzir algo de custo elevado e esperar que seja adquirido pela grande massa é contraditório, para não dizer equivocado. Este era umas das contradições dos movimentos vanguardistas, que por vezes esqueciam que seus bens teriam que ter mercado, e se em ideologia pensavam no todo, produziam para uma minoria. Isso não impede que um mercado venha a aparecer posteriormente para consumir estes bens investidos de trabalho complexo. Pelo contrário, estes trabalhos tendem a se popularizar em anos ou décadas seguintes. Assim, o que pode-se concluir é que, sendo a arte e o design, frutos de trabalho complexo, eles tendem por alterar o valor de uma mercadoria. E que, qualquer pretensão de mudança social, deve estar ligada diretamente e em harmonia com a complexidade social de seu tempo, para que não se caia novamente na malha da utopia. Referência 4
HESKETT, JOHN. Desenho Industrial. Capítulo cinco: arte e indústria no início do século XX. p. 87-106. 1998). MARX, KARL. O Capital. Livro 1 – Capítulo 1 – Parte 1. A Mercadoria. 1975.
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