VANZOLINI 50 ANOS Na vanguarda da produção e da difusão do conhecimento
EPUSP 2017
Fundação Vanzolini 50 anos: na vanguarda da produção e da difusão do conhecimento/ coord. João Amato Neto – São Paulo : EPUSP, 2017. 112 p. ISBN: 978-85-86686-94-8 1. Engenharia de produção (História) 2. Administração industrial (História) 3. Gestão de operações (história) I. Amato Neto, João.
palavra do presidente
U
m ensino de excelência para qualificar a indústria nacional. Os pais fundadores da Engenharia de Produção foram ambiciosos e muito bem-sucedidos em sua meta. Pretendiam importar o conhecimento da industrial engineering americana para fundar uma nova área de ensino e pesquisa no novo Brasil industrial. Assim, em 1955 foi lançado um curso de extensão e em 1958 instalou-se o primeiro curso de graduação em Engenharia de Produção, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), sob a liderança do professor Ruy Aguiar da Silva Leme (no ano 2000 já eram mais de 70 faculdades em todo o Brasil e hoje passam de 500 cursos, segundo dados do portal E-MEC 2013). Contando com a expertise do nosso pioneiro Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP, a Fundação Vanzolini nasceu em 1967. Em aula magna proferida no Instituto de Engenharia de São Paulo, na Primeira Semana de Engenharia de Produção (1965), Ruy Leme já definia o escopo da Engenharia de Produção e da Administração Industrial com os olhos no crescimento do país. A competência de projetar, melhorar e instalar sistemas integrados de homens, máquinas e equipamentos haveria de sustentar nossa transição de uma economia primária subdesenvolvida ao desenvolvimento industrial maduro, fazendo-nos dominar o espectro do
Fundação Vanzolini 50 anos
aprimoramento de produtos e processos, de seu projeto e produção, com a definição do que, como, quanto, com que, quando e onde produzir. A Vanzolini cresceu com São Paulo e com o Brasil. Como o país do milagre econômico, completou a primeira década de vida andando a passos largos. Chegou aos 30 anos sem crises e, como o Brasil da década de 1990, abriu-se para o mundo. Mas a Vanzolini, ao contrário de muitas empresas, já estava preparada para essa abertura. Padrões globais de qualidade, modelos e processos de manufatura de classe mundial, sistemas de certificação ambiental. Em tudo isso, a Vanzolini foi pioneira no Brasil – e já contava com experiência e liderança para certificações, consultorias, projetos, cursos de pós-graduação e de atualização. Chegada aos 40 e depois aos 50 anos, a Vanzolini atinge a maturidade de uma instituição reconhecida por empresas e governos de norte a sul. Gestão de projetos, gestão de operações e serviços, gestão de tecnologias educacionais... nosso portfólio se adensa e se amplia. E nossas fronteiras também. Além de nós, professores, estarmos todo ano apresentando trabalhos em congressos nos Estados Unidos e na Europa, os alunos da Vanzolini cada vez mais têm a oportunidade do contato e da cooperação com universidades estrangeiras. A instituição se posiciona como uma cidadã do mundo, conectada com pessoas, ideias e práticas de vanguarda. O que nos anima são os desafios. De um lado, queremos continuar a soldar os elos estratégicos para o fortalecimento do poder competitivo das grandes empresas, coisa que a Fundação já faz desde o berço. De outro lado, a Vanzolini assume o compromisso de aprofundar sua contribuição para o aperfeiçoamento do principal agente da economia brasileira: as pequenas e médias empresas – segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), no Brasil há cerca de 6,4 milhões de estabelecimentos, sendo 99% PMEs, que respondem por 52% dos empregos formais, com carteira assinada. Só nos últimos anos, já atendemos a mais de 1.500 PMEs (e devemos atender a mais de 2.000 nos próximos dois anos), garantindo sua competitividade e qualificação para a exportação. Temos soluções em todas as escalas. Nos grandes desafios do Brasil – infraestrutura, mobilidade urbana, produtividade, saúde, educação –, a Vanzolini estende os braços a projetos de parceria público-privada, a programas de capacitação tecnológica para empresas, a negócios sociais e a investimentos de impacto socioambiental positivo. Em março de 2017, a Fundação Vanzolini completa cinco décadas. Mas não estamos apenas de olho no passado. Este ano vale não apenas para comemorarmos nossa maturidade institucional, mas também para traçarmos os planos de futuro – e vislumbrarmos o horizonte socioeconômico que a Vanzolini continuará a dinamizar, mantendo padrões de excelência na
palavra do presidente
educação corporativa, aprimorando estratégias empresariais e contribuindo para a qualificação de gestores, políticos e políticas públicas. Por isso, no mês de março convidamos nosso destacado corpo docente para juntar-se a personalidades com experiência alargada no mundo empresarial e na gestão pública: organizamos seminários ao redor de cinco temas que deverão balizar o cenário do desenvolvimento brasileiro nos próximos 50 anos. A Vanzolini reafirma, assim, seu compromisso no diálogo produtivo entre universidade e empresa, fazendo jus ao pioneirismo da instituição na difusão de conhecimento nas áreas de Engenharia de Produção e gestão de operações. Compartilha seu know-how na educação continuada e na implementação de estratégias e tecnologias de aprendizagem. Discute as inovações globais da manufatura avançada – a chamada indústria 4.0. Coloca na mesa também o debate sobre a inovação no setor público, disponibilizando competências para estruturar projetos de Estado com resultados sólidos e visão de longo prazo. Finalmente, como saúde não pode faltar, a Vanzolini discute a área emergente de gestão de sistemas de saúde, com a qual há décadas vem contribuindo na qualificação e na certificação das organizações de mais alto gabarito no atendimento médico e hospitalar. Em um cenário de desverticalização global das cadeias de valor, a riqueza das nações define-se pelo investimento em gente e pela qualificação dinamizadora de crescimentos sustentados de produtividade. Aqui e agora, a educação em Engenharia de Produção é a chave para um futuro econômico ancorado em engenho e arte, na autorrealização e na cooperação em rede entre os diversos setores e agentes. O futuro está repleto de tarefas! Estamos prontos e ansiosos para construí-lo desde já. Dessas cinco décadas de Vanzolini, posso dizer com orgulho que testemunhei a maior parte de nossa história – também em 2017 completo 30 anos de casa. Nesse período de muitas incertezas e transformações para o mundo, o Brasil e também para nós, restam ao menos algumas certezas: a competência comprovada de nosso corpo de professores, consultores e auditores, a gratidão de nossos alunos e parceiros, o apoio fundamental e a dedicação de todos os colaboradores. Vale a toda a comunidade Vanzolini um agradecimento muito especial. E um brinde... Saúde e longa vida! João Amato Neto Presidente da Diretoria Executiva da Fundação Vanzolini
Fundação Vanzolini 50 anos
apresentação
F
alar da importância das fundações de apoio às universidades públicas, quando estamos no principiar do final do primeiro quarto do século 21, deveria parecer dizer o óbvio, tal qual o branco é branco, o preto é preto e o cinza é a mistura do branco e do preto. Essa, porém, não é a realidade que vivenciamos. Com efeito, ainda impressiona para alguns o discurso de que as fundações de apoio servem para burlar o regramento pertinente ao direito público no seio das universidades públicas, que servem para que um grupo de docentes possam se beneficiar economicamente do patrimônio material e imaterial das universidades públicas a que são vinculados, além de outras imputações que há bastante tempo estão com um colorido desbotado. Nesse contexto é imperioso destacar que ainda serve o argumento de que os críticos ao modelo de parcerias público-privadas, especialmente entre as universidades públicas e as suas fundações de apoio, limitam-se a um viés exclusivamente ideológico. O modelo de fundações de apoio não é mais novo em nossa realidade. Exemplo disso é a Fundação Vanzolini, que atualmente comemora seus 50 anos de existência, realizando atividades na área de promoção e disseminação de conhecimentos científicos e tecnológicos, inerentes à Engenharia de Produção, à Administração Industrial, à gestão de operações e com isso apoia o Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, dentre outras atividades correlatas ao seu foco de atuação. O dia 31 de março de 1967 foi a data de sua instituição, como uma das primeiras fundações de apoio à USP. Por meio de escritura pública e com o aval do Ministério Público do Estado de São Paulo, por sua Promotoria de Justiça de Fundações da Capital, o Professor Ruy Leme e outras personalidades de destaque na engenharia, com patrimônio pessoal, adiantaram-se no tempo e geraram a instituição de uma entidade fundacional, constituída sob o regime do direito privado, para executar atividades especialmente de pesquisa, de extensão e de desenvolvimento tecnológico. A história da Fundação Vanzolini em vários momentos se confunde com a história das atividades da Escola Politécnica da USP. Essa sintonia
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é explicada porque os docentes de maior relevo da Escola participaram e participam também das atividades da Fundação. Logo em seus primeiros passos institucionais, no ano de 1975, a Fundação passa a publicar a revista Engenharia de Produção, agregando valor singular ao curso que havia sido criado pouquíssimos anos antes pela Escola Politécnica, como uma graduação autônoma e inovadora. A ação de vanguarda da Fundação era somente um passo inicial a um comportamento institucional que se tornaria, ao longo das décadas subsequentes, como sua marca registrada. A inovação vem logo em seguida com os cursos de especialização, mormente o de Administração Industrial, dentre centenas de outros que se seguiram com o passar dos anos. Foi no ano de 1984, por seu turno, que a Fundação se adiantou no tempo uma vez mais e participou de estudos de normas sobre qualidade, nunca mais abandonando essa importante trilha. Se hoje o desenvolvimento de parcerias e atividades nessa seara é uma atividade cotidiana, não era assim há mais de 30 anos. Era, em verdade, a visão do futuro. Em resumo, nesse meio século de exercício de atividades, a Fundação Vanzolini fez e faz história na publicação de revistas científicas, periódicos, na realização de cursos e programas de capacitação, no pioneirismo em estudos de qualidade e de certificação, dentre outras atividades finalísticas de relevo. A Fundação Vanzolini, nesse contexto, pioneira em executar parcerias público privadas, é exemplo de parceria de sucesso, pois, sob o manto de fiscalização do Ministério Público, do Tribunal de Contas e dos órgãos de controle do Poder Executivo, garante há 50 anos o exercício de atividades na área de atuação disposta em seu estatuto social, logrando com isso, além de executar atividades de interesse público e social, apoiar as atividades de ensino, de pesquisa e de extensão da USP, em especial junto à Poli-USP. Em verdade, a Fundação Vanzolini presta relevante trabalho científico, tecnológico e social, em benefício da USP e da sociedade civil em geral. Basta querer ver para crer. Airton Grazzioli Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo Promotor de Justiça Cível e Fundações da Capital
Sumário
1:
(anos 30-40-50) O Brasil precisa de engenheiros
2:
(anos 60) A Fundação Vanzolini chega para ficar (anos
70)
3: Época de consolidação 4:
(anos 80) Novos horizontes
5:
(anos 90) Responsabilidade social, educação e qualidade
17 31 47 57 67
6:
(anos 2000) O desafio do novo milênio
77
7:
(presente) Meio século em plena forma
89
8:
(futuro) O amanhã se faz agora
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Anexos:
A Fundação Vanzolini faz história
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Galeria dos presidentes
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anos 30, 40, 50
O Brasil precisa de engenheiros O ano é 1934. O desejo de melhorar a qualidade da educação em São Paulo e de formar uma nova elite intelectual no país depois da derrota na Revolução Constitucionalista, de 1932, era posto em prática. Em 25 de janeiro, Armando de Salles Oliveira, politécnico e interventor federal do estado, publicou o decreto de fundação da Universidade de São Paulo (USP). A Poli, que contribuiu desde seu surgimento, em 1893, para as iniciativas de modernização de São Paulo (que a alçaram da condição de cidade modesta no fim do século 19 – segundo o censo de 1890, a população era de cerca de 65 mil habitantes –, para a metrópole que se tornou ao longo do século 20 até chegar a uma população mais de 12 milhões em 2016), uniu-se a esse esforço de oferecer uma universidade pública à população já no início das atividades da USP, inaugurando mais um ciclo de sua história. A criação de uma universidade, que incentivasse a atividade científica e promovesse a difusão do conhecimento, era sonho antigo de uma grande parcela dos intelectuais brasileiros. Theodoro Augusto Ramos, por exemplo, era membro da Academia Brasileira de Ciências, fundada em 1916, que lutava, junto com outras entidades – como a Associação Brasileira de Educação, criada em 1924 –, pela centralização e reorganização do sistema educacional brasileiro. Esse esforço combinava com a crescente centralização de poder do governo Vargas, mas respondia, para além dos incentivos e pressões nacionalistas do governo federal, ao anseio maior de acabar com a educação como privilégio das elites e estendê-la a outras faixas da população; no caso de São Paulo, sobretudo às camadas urbanas da sociedade.1
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Vera Nakata (org.). Escola Politécnica da USP. São Paulo, Riemma Editora, 2013, p. 78-9.
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Fundação Vanzolini 50 anos
Oposição a Vargas Em 1930, a deposição de Washington Luís e a tomada do poder por Getúlio Vargas (que havia sido derrotado nas eleições presidenciais) marcaram o fim da República Velha, com a derrocada da política do “café com leite”. Os paulistas não ficaram felizes, seja com a perda da autonomia e do protagonismo (Vargas destituiu os presidentes de estado e nomeou interventores para a função), seja com a transferência do controle da política do café (que saiu do âmbito do estado de São Paulo para o governo federal). Mais importante artigo de exportação do Brasil, o café teve sua produção e comercialização fortemente atingidas pela recessão mundial ocasionada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, e Vargas criou o Conselho Nacional do Café para enfrentar a crise. “Em 1932, as forças políticas do estado [de São Paulo] chegaram a um entendimento em torno de uma pauta comum de oposição que combinava a bandeira constitucionalista – a exigência de convocação imediata de uma Assembleia Nacional Constituinte – com um claro antagonismo regionalista. Dessa mistura, resultou um forte sentimento de identidade e a materialização da política do ressentimento.”2 O ambiente de tensão cresceu até que, em 9 de julho, explodiu a chamada Revolução Constitucionalista em São Paulo. O apoio da Poli foi imediato – entre os politécnicos articuladores do movimento estava o próprio Armando de Salles Oliveira. “Já no dia 10 de julho, a Congregação e todo o corpo docente e técnico da Escola Politécnica manifestaram total e solidária adesão pública ao movimento. Isto foi decisivo para a arregimentação dos esforços de tecnologia bélica das indústrias, pois a Escola, e seu Laboratório de Ensaios de Materiais (LEM), eram uma referência para as empresas paulistas.”3 Mesmo com a derrota dos paulistas – a rendição foi assinada em 1º de outubro –, Vargas negociou alguns pontos. Nomeou um interventor federal paulista, fez com que o Banco do Brasil assumisse os bônus de guerra emitidos pelos bancos de São Paulo e convocou eleições para a uma Assembleia Constituinte. 2
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Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling. Brasil: uma biografia. São Paulo, Companhia das Letras, 2015, p. 364. Ricardo Maranhão. São Paulo, 1932: tecnologia a serviço da Revolução. In: História Viva. São Paulo, Duetto, jul. 2010. Disponível em: http://www2.uol.com.br/historiaviva/ reporta gens/sao_paulo_1932_tecnologia_a_servico_da_revolucao_imprimir.html. Consulta em 02/02/2017.
O Brasil precisa de engenheiros
Pouco tempo depois do decreto de criação da USP, em 16 de julho de 1934, é promulgada a nova Constituição. Embora tenha tido vida curta – durou apenas dois anos –, trazia alguns aspectos inovadores, que aumentavam as possibilidades de exercício da cidadania. Entre eles, estavam a consolidação do ensino primário obrigatório e do voto feminino e secreto.
A USP e a Poli Em discurso em 1934, Salles Oliveira dispõe sobre as funções da USP, em consonância com o sonho original. Entre elas, promover o progresso da ciência; formar especialistas no campo da cultura e técnicos e profissionais em todas as profissões de base científica ou artística; e realizar trabalhos de vulgarização das ciências, das letras e das artes, organizando cursos, palestras e usando outros meios, como o rádio. Então localizada no bairro da Luz, a Poli, naquela década, tornou-se celeiro da produção científica de engenharia, assim como de profissionais talentosos, que participaram do esforço do governo federal para estimular a indústria nacional. Nesse projeto de apoio ao setor produtivo, ganhou destaque, ainda em 1934, a transformação do LEM em IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) pelo Decreto Estadual nº 6.375, de 3 de abril. A nova configuração previa autonomia administrativa em relação à Poli. No entanto, a coordenação continuou a cargo do antigo diretor do LEM, Ary Torres, e no Conselho de Administração havia diversos professores da Escola Politécnica. “A ideia era poder atuar de forma mais ampla, como faz até hoje: abrir novos campos de pesquisa, servir como laboratório estadual para aferição de medidas e padrões e continuar prestando serviços a terceiros.”4 A importância do IPT cresceu durante a década e, em 1940, sua participação na indústria metalúrgica nacional já era intensa, especialmente em São Paulo. Nesse ano, nem o clima sombrio provocado pelo avanço da Segunda Guerra Mundial podia desacelerar a locomotiva do desenvolvimento promovido pela política intervencionista de Getúlio Vargas. Setores como ferrovias, petróleo e siderurgia receberam incentivo e empresas foram criadas, como a Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941, com apoio financeiro dos Estados Unidos. 4
Neldson Marcolin. Teoria e prática. In: Revista Pesquisa Fapesp. São Paulo, Fapesp, ed. 206, abr. 2013. Disponível em http://revistapesquisa.fapesp.br/2013/04/12/teoria-epratica/. Consulta em 02/02/2017.
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A partir de 1942, com a entrada do Brasil na guerra, o projeto se intensifica. “Em 1942, com empréstimos de longo prazo do Export-Import Bank, o Estado Novo criou a Companhia Vale do Rio Doce, para exploração de minério de ferro, e construiu a imensa usina siderúrgica em Volta Redonda, uma cidade industrial inteiramente planejada, vizinha ao Rio de Janeiro, símbolo da autossuficiência econômica que Vargas ambicionava para o Brasil.”5 O fim da guerra teve como consequência o encerramento da página do Estado Novo na história brasileira. O presidente seguinte, Eurico Gaspar Dutra, foi eleito em dezembro de 1945.
Nova década, novos desafios Na primeira metade dos anos 1950, mais uma vez Getúlio Vargas, assumiu a presidência da República. Agora legitimado pelo voto, o presidente inaugurou a Petrobras em 1953, e, com isso, o governo conseguiu as ferramentas para centralizar a exploração do petróleo em território nacional. No âmbito tecnológico, a década propiciou avanços como o primeiro disco rígido, concebido pela IBM. Em plena guerra fria, instaurou-se a corrida espacial, com o lançamento por parte da União Soviética do primeiro satélite artificial em 1957. Como reação, no ano seguinte, os Estados Unidos conceberam a sua agência espacial – a Nasa. Outros eventos também agitaram o mundo, como a Guerra do Vietnã e a Revolução Cubana. No Brasil, em 1954, ocorreu o escândalo do suicídio de Getúlio Vargas. Em 1955, Juscelino Kubitscheck foi eleito. No ano seguinte, começou a governar, estabeleceu o Plano de Metas e lançou o slogan: “Cinquenta anos de progresso em cinco anos de governo”. A promessa gerou muita polêmica, mas arrebanhou os engenheiros do país para o trabalho. O plano, reunindo trinta metas, consistia no investimento em áreas prioritárias para o desenvolvimento econômico, principalmente a infraestrutura (rodovias, hidrelétricas, aeroportos) e a indústria de bens de consumo duráveis, sobretudo eletrodomésticos e veículos. Para a realização do plano, além do estímulo ao capital nacional, foi buscar o capital internacional e promoveu a abertura do mercado para a instalação de empresas estrangeiras. 5
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Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, op.cit, p. 385.
O Brasil precisa de engenheiros
Nesse período, a Poli diversificou o portfólio, ao criar o curso de Engenharia Naval e o de Engenharia de Produção, mudou-se para a Cidade Universitária, equipou laboratórios e assinou convênios. Afinal, São Paulo e o país precisavam de engenheiros. E ainda havia o desafio de construir Brasília e ligá-la ao resto do país. O professor Nilton Nunes Toledo, do Departamento de Engenharia de Produção, comenta o período de estímulo à industrialização, sobretudo a experiência de introdução da indústria automobilística no Brasil: Vivíamos um período muito interessante. Havia um programa chamado Geia, para a introdução da indústria automobilística no Brasil [Grupo Executivo da Indústria Automobilística, que regulamentou essa indústria logo no início do governo Kubitschek]. Estavam se abrindo várias fábricas, não só que fabricavam automóveis, mas principalmente fornecedores de autopeças. E havia uma demanda muito grande de engenheiros que estivessem ligados à indústria automobilística, principalmente na Engenharia de Produção. Embora a gente percebesse que muitos dos contratantes não sabiam direito o que um engenheiro de produção poderia fazer.6
Antecedentes de um projeto inovador O professor Carlos Alberto Vanzolini, engenheiro civil de formação, foi titular da Cadeira 19 da Poli, que compreendia as disciplinas Economia Política, Estatística Aplicada e Organizações Administrativas, de 1943 até o ano de sua morte, em 1953. Seu assistente, o também engenheiro civil Ruy Aguiar da Silva Leme, tornou-se, então, interino da Cadeira até o ano seguinte, quando, com menos de 30 anos de idade, conquistou a livre-docência e assumiu o cargo como o mais jovem professor catedrático da Poli. Até a Reforma Universitária ocorrida em 1968, quando foi introduzida a divisão em departamentos, “o sistema de ensino superior no Brasil adotava o sistema de cátedras, ou cadeiras, em que um professor catedrático era titular de um conjunto de conhecimentos agregados com várias disciplinas correlatas. O cargo era vitalício e seu ocupante era nomeado pelo presidente da República”.7 Os tempos e a estrutura do ensino eram outros, mas o germe do que seria o primeiro curso superior em Engenharia de Produção já estava nos 6
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Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Afonso Fleury (coord.). Produzindo o futuro: 50 anos de Engenharia de Produção na Universidade de São Paulo. São Paulo, Epusp, 2008, p. 16.
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tópicos das disciplinas reunidas na Cadeira 19 (teoria econômica, economia brasileira, administração de empresas e estatística)8. O professor Milton Hollaender, do Departamento de Engenharia de Produção, explica como Ruy Leme se tornou o introdutor da Engenharia de Produção no Brasil: O Carlos Alberto Vanzolini era o catedrático de Economia da Escola Politécnica. O Ruy Leme era engenheiro civil especialista em concreto. Lá pelas tantas o Vanzolini falou para o Ruy ir para Stanford para ver o que era essa tal de Engenharia de Produção, que nos Estados Unidos se chama Industrial Engineering, pois parecia uma coisa interessante. O Ruy foi para lá, aprendeu e trouxe a Engenharia de Produção para o Brasil. O Ruy foi um grande produtor de apostilas. Ele fez apostilas sobre quase tudo, e o curso de Engenharia de Produção se baseou muito nas apostilas do Ruy Leme.9
De volta da temporada em Stanford, o professor Ruy Leme propôs à direção da Poli, em 21 de março, a criação de um curso de extensão para engenheiros. O programa seria composto de duas disciplinas – Engenharia de Produção e Complementos de Organização Industrial, e a justificativa era a de que os profissionais que estivessem trabalhando na indústria pudessem ter maior aproveitamento.10 Ao ser efetivamente implantado, o curso compreendia três disciplinas: Engenharia de Produção, Análise e Controle de Custos e Programação Linear. Como a Cadeira 19 reservava poucas aulas à disciplina Organizações Administrativas, na opinião do professor Ruy Leme a visão sobre o tema era superficial para os engenheiros que quisessem seguir carreira na indústria. O fato é que os engenheiros formados pela Poli mal tinham contato com as disciplinas de administração, as tarefas da organização industrial, do trabalho e da produção.11 Assim, ao obter a aprovação da iniciativa, buscou o auxílio da embaixada norte-americana, por meio do programa de cooperação Ponto IV, que apoiava projetos de desenvolvimento e modernização administrativa no Brasil. Os professores desses primeiros cursos de extensão foram Ruy Leme e dois docentes da Universidade de Michigan, que estavam trabalhando no Brasil: Fritz B. Harris e Leonard Hall.
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Idem. Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Afonso Fleury (coord.), op. cit., p. 16. Ibidem, p. 20.
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Uma agradável surpresa O programa foi formalmente aprovado pelo Conselho Técnico Administrativo em 2 de junho. Houve reportagens em jornais como O Estado de S.Paulo, Folha da Manhã e Correio Paulistano noticiando o assunto. A matéria publicada pela Folha da Manhã trazia uma definição da Engenharia de Produção: “... é o estudo da técnica de aumentar a eficiência do trabalho. Envolve estudo de tempos e movimentos, análise do manuseio de materiais, problema da disposição das máquinas dentro das fábricas etc. Esse será o primeiro curso, de caráter universitário, sobre o assunto, a ser ministrado no país”. Segundo o professor Miguel Santoro, do Departamento de Engenharia de Produção, nos primórdios do Departamento, a Engenharia de Produção era pouco conhecida, dentro e fora da Poli, diferentemente do que é hoje. “A atividade de difusão da Engenharia de Produção era a mais importante naquela época, porque as empresas não a conheciam.”12 Ainda de acordo com Santoro, vale salientar uma distinção da Engenharia de Produção em relação às demais engenharias: “Em qualquer outra área da engenharia – minas, metalurgia, química etc. –, o engenheiro tem uma formação tecnológica. E na Engenharia de Produção o engenheiro tem uma formação metodológica. Essa, aliás, é uma das vantagens de nossa área, pois a metodologia é aplicável em qualquer área tecnológica. Então a gente trabalha em qualquer coisa, virtualmente.”13 Com a divulgação do programa, o resultado logo apareceu. O número de interessados foi muito superior ao esperado, especialmente para o curso de Engenharia de Produção, a cargo do professor Fritz B. Harris. No início das aulas, em agosto de 1955, havia 330 inscritos.14 Diante desse número, foi necessário transferir as aulas para o auditório do IPT, então localizado na Praça Coronel Fernando Prestes, no bairro do Bom Retiro. Confirmado o sucesso da programação e diante da procura por formação na área, foram organizados outros cursos no ano seguinte, como Estatística Industrial e Administração de Pessoal. Em 1957, visando ao estreitamento de relações com os empresários paulistas, foram ministradas palestras e um seminário destinado a engenheiros-chefes e gerentes de produção das organizações.15 12
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Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Afonso Fleury (coord.), op. cit., p. 24. Ibidem, p. 27.
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Começam os cursos regulares de graduação A experiência adquirida com esses programas e o interesse despertado na comunidade levaram a uma certeza: havia espaço para a criação de um curso de graduação em Engenharia de Produção. As bases já estavam lançadas. Como não havia tempo a perder, Ruy Leme abraçou a ideia e propôs a criação do novo curso. Em carta datada de 3 de março de 1958 e endereçada a Francisco João Humberto Maffei, então diretor da Poli, o professor justificou a instauração do curso e a contratação de seis professores assistentes, assim como sugeriu que fosse lançado como opção do curso de Engenharia Mecânica, ao lado da opção Projeto. A seguir um excerto do documento: Senhor Diretor: Por meio desta, levamos à apreciação de V. Excia. o currículo do curso de Engenharia de Produção, que propomos seja criado na Escola Politécnica. Elaboramos este currículo em colaboração com o prof. Herbert G. Ludwig, da Michigan State University, especialmente designado pelo escritório do Ponto IV, do governo norte-americano, para estudar a instalação do referido curso em nossa universidade. Julgamos dispensável encarecer a importância desta proposta. Constitui, sem dúvida alguma, uma atualização imprescindível nos currículos da Escola Politécnica, permitindo a formação de engenheiros capazes de racionalizar nossas indústrias, reduzir custos, elevar a produtividade. Na elaboração do currículo, procuramos, por motivo de economia, criar o menor número de disciplinas novas. Assim o quinto e o sexto semestres são comuns aos cursos de Mecânicos já existentes e ao de Produção, ora proposto. Ainda, nos demais semestres, são aproveitadas diversas disciplinas do curso de Mecânicos. Desta forma, o curso proposto apresenta uma grande afinidade com o de Mecânicos, podendo, se as leis e regulamentos permitirem, ser considerado apenas como uma opção deste último.
A proposta do curso e do currículo foi deferida, assim como a contratação de novos assistentes e a renovação do contrato dos professores e do Ponto IV. Levado ao Conselho Universitário, o projeto foi aprovado em dezembro de 1958. O empenho de Ruy Leme estava sendo compensado. O professor Samsão Woiler, do Departamento de Engenharia de Produção, analisa os tempos do surgimento da graduação na área.
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Os engenheiros de produção passaram a participar de bancos, processamento de dados, da indústria, e de uma série de atividades no Brasil nos primórdios, porque não havia produtividade, não havia processo, qualidade. E o Ruy colocou uma série de cursos que traziam a eficácia, a eficiência. E esse foi um começo importante para muitas empresas industriais.16
As disciplinas começaram a ser ministradas em 1959, o que permitiu que os alunos de Mecânica que estavam no terceiro ano em 1958 pudessem optar por Produção. Assim, em 1960, formou-se a primeira turma de engenheiros de produção da Poli. Foram 12 alunos entre os 37 engenheiros mecânicos formados. O corpo docente do curso de Engenharia de Produção, nesta época, era uma combinação de engenheiros, principalmente civis, formados na Poli, de engenheiros químicos e, sobretudo, de engenheiros que já tinham experiência profissional nas áreas de administração e de engenharia nas indústrias de São Paulo. Muitos haviam ministrado cursos na Poli a partir de 1955, e muitos eram jovens recém-formados que haviam sido alunos do professor Ruy Leme nos cursos de Engenharia de Produção e Administração Industrial, entre 1955 e 1957. Os primeiros professores do curso foram, além de Ruy Leme: Max Barcellos Corrêa, Américo Oswaldo Campiglia (os primeiros assistentes de Ruy Leme na Cadeira 19), Sérgio Baptista Zaccarelli, Francisco Assis Oliva, Sérgio Augusto Penna Kehl, Hans Link, Claus Leon Warschauer, Marcos Pontual e Silas Fonseca Redondo. O professor Sérgio Luiz de Oliveira Assis, do Departamento de Engenharia de Produção, lembra da habilidade de Ruy Leme para arrebanhar talentos e do primeiro corpo docente do curso: Sou do tempo em que a Poli era lá na Avenida Tiradentes, e foi exatamente lá que começou o Departamento de Engenharia de Produção, com o professor Ruy Leme. Ele vinha da Engenharia Civil e era mais voltado à estatística. Soube muito bem escolher no mercado pessoas que pudessem somar às ideias que ele queria implementar. O Max era basicamente da área de informática e de métodos quantitativos, o Campiglia era talvez uma das figuras mais conhecidas na área de contabilidade e finanças, o Zaccarelli era de planejamento e o Sérgio Khell era a fábrica. Então, ele conseguiu efetivamente recrutar logo no começo esse grupo, que depois foi se multiplicando. Eu fui incluído na segunda leva de professores.17 16
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Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini.
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Homenagem ao mestre Ruy Leme, na opinião de quem conviveu com ele “Muitas vezes eu associava o Ruy Leme, de uma maneira bastante positiva, com a figura de um paizão. Ele era um tipo sui-generis. O professor Ruy, eu diria precocemente envelhecido, uma vez falou para os alunos que ninguém tinha que ter medo de trabalhar porque o trabalho não matava ninguém – e ele sofria de insônia, então as horas úteis dele eram muitas (umas 20 durante o dia). E alguém comentou: não mata mas olha como ele está (e ele não tinha 40 anos ainda). Mas a cabeça dele era muito boa.” (Professor Paulo Kirschner Júnior. Doutorado e mestrado em Industrial Engineering – Stanford University. Graduado em Engenharia Mecânica pela Poli-USP)
“A gente ficava encantado com as aulas do professor Ruy Leme. Ele tratava de assunto árido de uma maneira extremamente didática. Fui aluno do professor Ruy Leme na época em que ele assumiu o Banco Central. Apesar disso, ele vinha e dava a aula dele normalmente, no horário regular, acompanhava todo o curso e todos os alunos. Era um exemplo de comportamento para nós. Enquanto nós seguirmos a linha traçada pelo professor Ruy Leme, estamos no bom caminho.” (Professor Gregório Bouer. Doutorado em Engenharia de Produção pela Poli-USP. Coordena os cursos de Gestão de Projetos e projetos nas áreas da Qualidade e Produtividade para a Fundação Vanzolini)
“Foi uma honra e um prazer. Ele era uma pessoa de grande sabedoria. Algumas vezes cheguei a visitá-lo na casa dele para pedir orientação em questões da dissertação, da tese que acabei fazendo. Ele sempre nos atendia com muita gentileza. Ele era uma pessoa extraordinária. Tenho grande admiração por ele e a satisfação de ter sido aluno dele em uma disciplina chamada Localização Industrial.” (Professor Pedro Luiz de Oliveira Costa Neto. Doutorado em Engenharia de Produção pela Poli-USP. Graduado em Engenharia Aeronáutica pelo ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Master of Science pela Leland Stanford Junior University)
“Fui aluno dele na pós-graduação. O interessante é que ele deu naquela época uma disciplina de Problemas Brasileiros. Realmente era uma pessoa brilhante. E principalmente com esse assunto, que, na época da ditadura, era meio polêmico,
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mas ele tinha uma clareza de ideias, ele explicava as coisas... tinha aquela visão sistêmica da situação do país. Realmente era uma pessoa diferenciada.” (Professor Marcelo Schneck de Paula Pessôa. Engenheiro Eletrônico, Mestre, Doutor e Livre Docente pela Poli-USP. Professor do Departamento de Engenharia de Produção. Membro do Conselho Curador da Fundação Vanzolini)
“Fui aluno do professor Ruy Aguiar da Silva Leme e tive a felicidade de fazer quatro cursos com ele. Ele não era uma pessoa de ficar conversando mole. Sempre tinha uma comunicação importante para a gente sobre algo que ele planejava fazer. Ele tinha um espírito crítico muito agudo, criticando o que não ia bem no país.” (Professor Nilton Nunes Toledo. Doutorado em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Graduação e mestrado em Engenharia Mecânica pela Poli-USP)
“Ruy Leme tinha uma visão muito ampla, era um líder nato, e, principalmente, ele tinha uma capacidade muito interessante de transformar teoria em prática. Então, logo no começo, eu fui atraído por uma série de projetos práticos que ele fazia e que eram aplicações de teorias estudadas na Escola.” (Professor Sérgio Luiz de Oliveira Assis. Master of Science of Stanford University e graduado em Engenharia Civil pela Poli-USP)
O Ruy Leme foi uma das mais brilhantes inteligências que eu conheci na minha vida. E mais: ele criou um núcleo de assistentes que eram de altíssima qualidade e que o acompanhou a vida inteira. Nossa amizade é muito antiga e se solidificou quando ele foi nomeado interventor na FEA. O Ruy, na verdade, foi quem pôs a FEA em ordem. Depois, quando fui para o Ministério da Fazenda, convidei o Ruy para ser presidente do Banco Central. (Antonio Delfim Netto - Economista, ex-ministro da Fazenda, ex-deputado federal e professor emérito da USP)
Em 1958, o professor Ruy Leme vislumbrou o futuro do país e criou a Engenharia de Produção. Ato seguinte, o professor Ruy entendeu os mecanismos que ainda faltavam para colocar o projeto em marcha criando a Fundação Vanzolini. Sua visão de futuro e seu espírito empreendedor foram cruciais para o desenvolvimento do país. (Afonso Carlos Corrêa Fleury. Professor titular do Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP)
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A Fundação Vanzolini chega para ficar A década de 1960 começou em grande estilo no país. O presidente Juscelino Kubitschek inaugurou Brasília, levando adiante o processo de interiorização da nova capital federal. Em discurso proferido na sessão solene de instalação do governo no Palácio do Planalto, no dia 21 de abril de 1960, o presidente sentenciou: “Deste Planalto Central, Brasília estende aos quatro ventos as estradas da definitiva integração nacional – Belém, Fortaleza, Porto Alegre, dentro em breve o Acre. E por onde passam as rodovias vão nascendo os povoados, vão ressuscitando as cidades mortas, vai circulando, vigorosa, a seiva do crescimento nacional”. O sonho exposto no Plano de Metas do governo em meados dos anos 1950 – que reuniu o projeto urbanístico de Lúcio Costa e a orientação arquitetônica de Oscar Niemeyer – ganhou corpo em tempo recorde. Uma obra de tal envergadura não seria concluída sem a colaboração de muita gente. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em censo realizado em 1959, cerca de 60 mil operários trabalhavam na construção da cidade. E, claro, engenheiros e mais engenheiros foram recrutados, mobilizando os recursos da Poli no colossal desafio de integrar o Brasil. A economia do país no período ainda vivia ecos do investimento na indústria de base, na indústria automobilística e na
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construção civil. Porém, o cenário de instabilidade logo se estabeleceu. Quando Juscelino Kubitschek passou a faixa presidencial a Jânio Quadros, em janeiro de 1961, o Produto Interno Bruto (PIB) crescia a uma taxa anual de 7%, três vezes mais que o restante da América Latina, mas havia desequilíbrio nas contas públicas e inflação alta (em 1959, a taxa bateu em 39,4%1).
Tempos de ditadura Em 1962, na Copa do Chile, o Brasil conquistou o bicampeonato mundial, mas o clima de festa durou pouco. Em março de 1964, após a renúncia de Jânio Quadros em 1961, que cumpriu apenas sete meses de mandato, e do conturbado governo do vice-presidente João Goulart, os militares tomaram o poder e cassaram os direitos políticos dos principais líderes do país – incluindo Juscelino Kubitschek, que partiu para o exílio, de onde voltou apenas em 1967. No mês da queda de Jango, a temperatura política na capital paulista, e no país, estava nas alturas. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu cerca de 500 mil pessoas, tomou as ruas. “Em São Paulo, deu-se a evidência de que a bandeira da legalidade havia mudado de mãos. No dia 19 de março, uma multidão saiu da Praça da República e marchou compacta até a Praça da Sé, carregando faixas, bandeiras e uma profusão de rosários – para salvar o Brasil de Jango, de Brizola e do comunismo, gritavam em coro.”2 Alguns dias depois, o golpe tornou-se realidade, com a queda de Jango e a ascensão do marechal Castelo Branco. Enquanto isso, nos Estados Unidos, protestos de outra natureza incendiavam a nação. Em 1963, manifestantes foram à sede do governo norte-americano para protestar contra o racismo e a favor dos direitos civis. Em 22 de novembro, enquanto fazia uma visita a Dallas, o presidente J.F. Kennedy é assassinado. No campo tecnológico, a década originou inovações. Em 1969, foi enviado o primeiro e-mail e foi criada a ArpaNet, criada pela Arpa (sigla para Advanced Research Projects Agency), considerada o embrião da internet.
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Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, op. cit. p. 423. Ibidem, p. 444.
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Em tempos de corrida espacial e guerra fria, em 12 de abril de 1961, o cosmonauta russo Yuri Gagarin tornou-se o primeiro homem a viajar pelo espaço, acirrando ainda mais a disputa entre Estados Unidos e União Soviética. Em meados de 1969, a Apollo 11, do programa espacial norte-americano, foi enviada à Lua. A bordo, Neil Armstrong, Michael Collins e Edwin Aldrin. No Brasil, a ordem era unir o país pela televisão. A Tupi fez a primeira transmissão em cores. Os festivais de MPB e as novelas ocupavam a telinha e faziam a alegria da população. No campo político e econômico, a mensagem era nacionalista, desenvolvimentista e de oposição ao comunismo. Em 1967, assumiu a presidência o marechal Artur da Costa e Silva, que instituiu a linha dura de repressão às atividades políticas de esquerda. Em dezembro de 1968, entrou em vigor o AI-5, ato institucional que suspendeu várias garantias constitucionais. O projeto desenvolvimentista preparava o chamado milagre econômico, com altas taxas de crescimento do PIB e de inflação, cujo ápice se dará no governo seguinte, do general Emílio Garrastazu Médici. No dia 22 de junho de 1966, em Foz do Iguaçu, Brasil e Paraguai assinaram a Ata do Iguaçu, primeiro documento bilateral manifestando a intenção de aproveitar os recursos hidráulicos do rio Paraná e primeiro passo para a construção da usina hidrelétrica de Itaipu.
A Engenharia de Produção se firma No início dos anos 1960, os alicerces da graduação em Engenharia de Produção da Poli-USP estavam sólidos. Ruy Leme e os demais professores do curso tinham um projeto pedagógico consistente, além de contar com a qualificação do grupo. No entanto, os desafios não paravam de bater à porta. Em 1964, havia cinco turmas formadas, com um total de 122 engenheiros de produção. No plano acadêmico, havia necessidade de prover o curso de material didático específico, estabelecer métodos de avaliação, definir grades curriculares e cargas horárias compatíveis com a nova realidade do mercado de trabalho. Era preciso ajustar-se também à nova estrutura universitária, que criava os departamentos, agregando professores de diversas áreas, implantar os trabalhos de formatura e organizar os estágios. Além disso, era necessário estabelecer o campo da Engenharia de Produção junto aos empresários e tornar a disciplina conhecida. Como curso pioneiro, a graduação em Engenharia de Produção tinha um extenso
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campo a desbravar, tanto internamente, na universidade, quanto externamente, junto à sociedade e ao mundo empresarial.3
Em 1963, em decorrência da adequação da USP à Lei de Diretrizes e Bases, promulgada em 1961, foi instituído o Departamento de Engenharia de Produção, que reuniu as disciplinas específicas da graduação de Engenharia Mecânica, opção Produção. Como primeiro chefe de Departamento, foi eleito o professor Ruy Leme. Naquele ano, também foram criadas duas cátedras ligadas ao curso: a Cadeira 47, Organização da Produção; e a Cadeira 48, Planejamento da Produção – que se juntaram à Cadeira 19 (base do curso). Ainda no início da década, houve mudanças na grade curricular, ensejadas pela experiência dos primeiros anos do curso. Entre elas, cabe destacar a introdução do estágio obrigatório e do trabalho de formatura. Os estágios em empresas se mostraram uma ferramenta de grande utilidade para que os alunos travassem contato com a realidade e as demandas práticas da profissão, e o trabalho de formatura podia abrir o leque do interesse profissional dos jovens engenheiros. “No decorrer da década de 1960, o trabalho de formatura foi ganhando maior relevância. Nas reformulações curriculares, a carga das aulas no último ano diminuiu, para que o tempo disponível para estágio e para o trabalho de formatura fosse maior. Em 1960, por exemplo, os alunos tinham 35 horas/aulas/semana na faculdade e, em 1971, apenas 12 horas/aulas/semana. Quando foi criado, em 1963, o trabalho previa um estágio de 10 horas por semana, e em 1972 era exigido o dobro de horas.”4
É hora de divulgar No intuito de fazer a Engenharia de Produção ser conhecida pela sociedade e pela comunidade empresarial, era preciso agir. Ruy Leme abraçou a ideia e buscou editar revistas e livros na área, como o Boletim da Engenharia de Produção, iniciativa que objetivava suprir uma lacuna de textos em português sobre o tema. Como a bibliografia para disciplinas específicas era quase toda estrangeira, professores do Departamento começaram a escrever manuais e apostilas para serem usadas como material didático. Além disso, obras de referência (em grande parte norte-americanas) começaram a ser traduzidas.
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Afonso Fleury (coord.), op. cit., p. 46. Ibidem, p. 51.
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O professor Paulo Kirschner Júnior, do Departamento de Engenharia de Produção, cita como pioneiro na área um artigo de Ruy Leme, de 1955, chamado “Espectro da Tecnologia”. “Nesse artigo, ele desenvolveu um modelo sintético, mas muito explicativo (...) E ele desenhou, então, a receita do que seria o engenheiro de produção”, afirma Kirschner.5 No entanto, era preciso fazer mais. Em 1965, ano em que o Departamento se transferiu para o prédio projetado pelo arquiteto Ernest Robert de Carvalho Mange, o campo da Engenharia de Produção se expandia rapidamente (na segunda metade da década o curso formou um total de 255 alunos). Nesse mesmo ano, uma iniciativa para divulgar a área fora dos meios acadêmicos ganhou corpo e fez história. Entre 18 e 22 de outubro, em São Paulo, foi realizada a Primeira Semana de Engenharia de Produção, no Instituto de Engenharia. À frente da empreitada, estavam Ruy Leme e Max Barcellos Corrêa.
Os bastidores da Semana Primeiro evento público sobre esse ramo da engenharia, a Semana de Engenharia de Produção foi um passo essencial no projeto de divulgação desse campo profissional em São Paulo e no país. Embora o Brasil vivesse sob um regime militar, de restrição de direitos políticos, eleições indiretas e coerção de manifestações públicas, a vida cultural era rica, com crescimento da população urbana, e o processo de industrialização seguia o seu curso, com a intensificação da produção de bens duráveis. A Semana começou a ser preparada um ano antes, em 1964, quando o Conselho Departamental aprovou a iniciativa. A partir de então, os professores Ruy Leme (coordenador) e Max Barcellos arregaçaram as mangas para organizar o evento. Para tanto, contaram com a valiosa ajuda da equipe de professores do Departamento. Entre os colaboradores, apoiavam a administração os professores Paulo Kirschner, Samsão Woiler e Otto R. Bekman; além deles, outros auxiliaram, como Sérgio Augusto Penna Kehl, Silas Fonseca Redondo e Marcos Pontual. Entre as metas estabelecidas para a Semana, estava a de facilitar a inserção dos cerca de 40 formandos anuais no mercado, já que, na comunidade empresarial nacional, a profissão (muito difundida em outros países) era 5
Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini.
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pouco conhecida. Outro ponto importante era a obtenção de fundos para apoio às atividades do Departamento. Esse objetivo está nos primórdios do projeto de criação da Fundação Vanzolini. A divulgação ocorreu por meio de folhetos (10 mil) enviados a ex-alunos, aos integrantes do Instituto de Engenharia e ao mailing da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Jornais como O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, além de publicações especializadas, também noticiaram a iniciativa.6 Segundo o professor Paulo Kirschner, havia pontos de inscrições em escritórios de professores espalhados pela cidade, para onde eram encaminhados os materiais do evento, como apostilas com as palestras a serem distribuídas a quem fosse participar da Semana. O professor narra um episódio curioso pelo qual passou na época de organização do evento: Eu ajudei o seu Antonio Rigamonti, que era o nosso grande auxiliar no Departamento de Engenharia de Produção na produção física das apostilas dos cursos de Engenharia de Produção. Havia alguns pontos de inscrição em escritórios de professores e um deles era no escritório da empresa de contabilidade e auditoria do professor [Américo Oswaldo] Campiglia, que ficava no centro da cidade. Então, enchi de apostilas o DKW do meu pai para levá-las ao escritório do Campiglia. E eu estava parado na Barão de Itapetininga, com o porta-malas e o banco de traz [do carro]cheios de apostilas quando chegou um guarda e pediu que eu mostrasse as notas fiscais [do material]. Eu disse que não era um material para ser vendido, era para ser entregue gratuitamente, mas mesmo assim [ele disse que eu] precisava de nota fiscal. À custa de um tanto de conversa consegui fazer com que o policial deixasse barato... eu estava vendo que poderia causar um problema muito sério para a Semana de Engenharia de Produção se o material que deveria ser entregue para os inscritos não chegasse às mãos deles.7
Outro dado curioso descrito por Paulo Kirschner diz respeito ao número de inscrições. Segundo o professor não se esperava uma grande procura pelo evento. E como as inscrições eram feitas em locais diferentes, ficava difícil administrar o montante. O fato é que o número de inscritos surpreendeu, com mais de 350 interessados, o que obrigou a organização a fazer uma nova edição do evento entre 25 e 29 de outubro. O público que lotou o salão do Instituto de Engenharia era composto de 70% de engenheiros e 30% de industriais, administradores de empresas e outros profissionais da área.8 6 7
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Afonso Fleury (coord.), op. cit., p. 62. Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Afonso Fleury (coord.), op. cit., p. 64.
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Programação em revista Panorama do debate proposto durante a Primeira Semana de Engenharia de Produção Dia 18 de outubro: “Engenharia de Produção e Administração Industrial”, por Ruy Leme; “Custos Históricos versus Custos Padrões”, por Américo Oswaldo Campiglia. Dia 19 de outubro: “Controle de Prazos (GANTT versus PERT versus COM)”, por Sérgio Luiz de Oliveira Assis; “Controle de Materiais (estoque mínimo versus estoque base versus programação)”, por Sérgio Baptista Zaccarelli. Dia 20 de outubro: “Controle de Tempos (tempos históricos versus tempos por cronometragem versus tempos sintéticos versus tempos estatísticos versus amostragem de trabalho)”, por Gert Hermann Reichert e Claus Leon Warschauer; “Controle de Salários versus avaliação de cargos versus critérios subjetivos)”, por Hans Link. Dia 21 de outubro: “Controle de Eficiência do Trabalho (incentivo versus dia de trabalho medido)”, por Ruy Leme; “Controle de Qualidade (com estatística versus sem estatística)”, por Henrique Silveira de Almeida. Dia 22 de outubro: “Meios de Controle (manual, mecânico, eletrônico)”, por Max Barcellos Corrêa; “Uma Filosofia do Controle”, por Ruy Leme.
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Como se pode ver, a Semana procurou fazer uma apresentação geral do campo da Engenharia de Produção (privilegiando o tema do controle) e divulgar o tema para o setor produtivo. O próximo passo já estava em gestação. Cabia agora concretizar o plano e fazer nascer a Fundação Carlos Alberto Vanzolini. E foi exatamente o que aquele grupo pioneiro fez. Em março de 1967, diante de um cenário de desenvolvimento industrial crescente, sob a liderança de Ruy Leme, professores do Departamento de Engenharia de Produção instituíram a Fundação Carlos Alberto Vanzolini. Foi mais uma inovação que permitiu estreitar as relações entre universidade, empresas e sociedade. É o que explica o atual presidente da Diretoria Executiva da instituição, professor João Amato Neto: Na minha visão, a história da Fundação Vanzolini se confunde com a própria história da industrialização do Brasil. A Vanzolini contribuiu de forma decisiva para o desenvolvimento da indústria paulista e brasileira. Ao longo das últimas décadas a Fundação ajudou as empresas no seu processo de modernização, principalmente em termos de capacitação em Engenharia de Produção, aproveitando a expertise da Industrial Engineering norte-americana e do Departamento de Engenharia de Produção e transformando isso em projetos de consultoria e assessoria às empresas.9
O diretor de Certificação da Fundação Vanzolini, professor José Joaquim do Amaral Ferreira, completa salientando que o trabalho da instituição foi levado adiante por esforço dos pioneiros do Departamento, sem nenhum incentivo do governo. “Nada de viveiro de empresas, nada de dinheiro a fundo perdido de governo. Nasceu porque o professor Ruy Leme, na Primeira Semana de Engenharia de Produção, colocou à disposição do mercado tudo que nós tínhamos de interessante, de tecnologias novas, muitas delas trazidas da Universidade Stanford, e os empresários adoraram aquilo”, explica. Segundo Amaral Ferreira, havia ainda uma questão de operacionalização do relacionamento com o setor produtivo, que estava ávido pelo conhecimento que a academia poderia oferecer.10 O professor Melvin Cymbalista, diretor de Qualidade da Fundação Vanzolini, recorda que, encerrada a Semana de Engenharia, havia uma série de procedimentos a fazer, como a impressão dos anais, que envolviam custo. Empresas participantes se comprometeram a arcar com essas despesas, 9
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já que era de seu interesse ter acesso a esse material. No entanto, algo aparentemente simples se transformou em um problema, pois o grupo responsável pelo evento não poderia emitir um recibo da transação. E o simples se complicou. Para atender mais essa demanda que, se não resolvida inviabilizaria o projeto de difusão da Engenharia de Produção, a criação de uma fundação se fazia premente.11 A Vanzolini alcançou um alto patamar de contribuições à universidade. O professor Milton Hollaender, que por sete anos viria a coordenar um dos cursos de maior sucesso e longevidade da Fundação, o Ceai (Curso de Especialização em Administração Industrial), cita algumas: “Em primeiro lugar, ela foi o modelo das fundações. Na esteira da Vanzolini surgiu a FDTE, e também serviu de exemplo para a FIA, além de outras fundações que surgiram na universidade. Acho também que ela é um fator de retenção de talentos em tempo integral na universidade, pois permite que esses professores complementem o seu salário trabalhando em ciência, trabalhando na profissão, trazendo inclusive conhecimentos práticos para os alunos. A Fundação também trouxe recursos para o Departamento de Engenharia de Produção”12
A origem do nome e o estatuto Criada antes da reforma federal do ensino de 1968, a Fundação Vanzolini nasceu em uma época em que a maioria dos professores da Poli mantinha a carreira docente e acadêmica paralelamente a atividades profissionais em empresas – muitos, inclusive, eram empresários. A Vanzolini teve como entidade instituidora o Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP, representado no ato de constituição por seu corpo docente. Sobre a fase de elaboração do estatuto, Paulo Kirschner comenta um episódio envolvendo a escolha do nome da instituição: “O professor Campiglia preparou a minuta do estatuto e quando ele o trouxe para a reunião, estava escrito: Fundação Ruy Aguiar da Silva Leme. O Ruy Leme ficou muito bravo. Ele não admitia que se desse nome de pessoas vivas a instituições”, conta. Ainda segundo Kirschner, o professor Ruy chegou a dizer: “Quando eu morrer, tudo bem, mas enquanto estou vivo, não”. 11
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Com isso, a Fundação perdia o nome, antes mesmo de ser criada. E o professor Kirschner retoma a solução encaminhada por Ruy Leme. “Ele lembrou, muito bem, do sogro dele, professor Carlos Alberto Vanzolini. O Carlos Alberto Vanzolini tinha sido catedrático da cadeira de Economia, Estatística e Organização Industrial [a Cadeira 19], que é o germe em torno do qual foi montado o Departamento de Engenharia de Produção. O Ruy Leme havia sido assistente do Carlos Alberto Vanzolini, que já estava falecido. E lembrou de homenageá-lo.”13 Decidido o nome e finalizada a redação do estatuto da entidade, a escritura de constituição da Fundação Carlos Alberto Vanzolini foi lavrada em 31 de março de 1967. Estava presente, além dos professores do Departamento, o curador de fundações do Ministério Público do Estado de São Paulo. A finalidade da instituição, expressa no Capítulo 1, Artigo 1º do estatuto, era a seguinte: Divulgar os conhecimentos científicos e tecnológicos inerentes à Engenharia de Produção e à Administração Industrial, visando o aperfeiçoamento do estudo das disciplinas pertinentes e da respectiva didática; promover cursos, simpósios e estudos para a melhoria do ensino e do exercício profissional da Engenharia de Produção; colaborar, pelos meios adequados, com os institutos educacionais, com as universidades do país e com as instituições públicas e privadas, no desenvolvimento tecnológico da nação; criar e manter biblioteca, laboratórios tecnológicos, publicações técnicas e científicas, editar ou patrocinar edição de obras e coleções no ramo da Engenharia de Produção e da Administração Industrial, instituir e manter bolsas de estudos, estágios, auxílios e assistência que, por qualquer forma, se entendem com a consecução dos objetivos da Fundação expressos neste artigo e desde que permitam os seus recursos.
Para a presidência, o nome indicado foi o do professor Ruy Leme. Além de natural, a escolha seguia o determinado pelo estatuto da Fundação Vanzolini, em seu Artigo 8º (parágrafo único), que preconizava que o professor catedrático, chefe do Departamento de Engenharia de Produção, fosse o presidente do Conselho Administrativo e da Fundação Vanzolini. Os demais membros da primeira diretoria da recém-criada fundação foram: Max Barcellos Corrêa (vice-presidente), Américo Oswaldo Campiglia (tesoureiro), Oswaldo Fadigas Fontes Torres (secretário) e Sérgio Luiz de 13
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Oliveira Assis e Sérgio Baptista Zaccarelli (vogais). Para o Conselho Fiscal foram chamados Sérgio Augusto Penna Kehl, Marcos Pontual, Gert Hermann Reichert (efetivos), Luis Carlos Araújo Moraes Rego, Claus Leon Warschauer e Otto Ruprecht Bekman (suplentes).
Mãos à obra A demanda por conhecimento era grande. Por isso, uma das primeiras ações da diretoria, assim que tomou posse, foi levar adiante a publicação do livro Controles na Produção, que sistematiza conceitos e técnicas das apostilas e palestras da Primeira Semana de Engenharia de Produção. Alguns meses depois, em julho de 1967, uma edição de 5 mil exemplares da obra já estava disponível. Nos seus dois primeiros anos de vida, a Fundação Vanzolini precisou enfrentar o desafio de ter dois presidentes afastados. Primeiro foi o professor Ruy Leme, que deixou o cargo para assumir a presidência do
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Banco Central e uma cadeira no Conselho Monetário Nacional, ainda em 1967. O seu lugar na Vanzolini foi ocupado por Oswaldo Fadigas. No ano seguinte, ocorreu nova baixa na direção da instituição, uma vez que o professor Fadigas tornou-se diretor da Poli. O novo presidente da Vanzolini foi Max Barcellos. Em 1968 foram lançados os primeiros cursos de extensão e aperfeiçoamento da Fundação Vanzolini e o Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP começou a oferecer um curso de mestrado. Estavam lançadas as bases para o desenvolvimento de uma grade de cursos que, na década de 1970, só iria prosperar.
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Aberta a temporada de cursos Em 1968 foram lançados os primeiros cursos de extensão e aperfeiçoamento da Fundação Vanzolini Os programas, relacionados à Engenharia de Produção e Administração de Empresas, eram compostos de dez aulas. No primeiro semestre foram oferecidos quatro cursos: 1 – Planejamento, Programação e Controle de Projetos – sob responsabilidade de Oswaldo Fadigas 2 – Controles na Produção – coordenado por Ruy Leme e ministrado por vários professores 3 – Conceituação e Lógica para Computadores Digitais – dirigido por Max Barcellos 4 – Problemas Econômicos Brasileiros Atuais (Objetivos, Métodos e Grandes Opções – apresentado por Ruy Leme
No segundo semestre, a grade foi composta de mais quatro: 1 - Planejamento, Programação e Controle de Projetos – ministrado por Ruy Leme 2 – Controle de Preços, Custos e Lucro na Conjuntura Econômica Atual – por Ruy Leme 3 – Programação Simbólica para Computadores Digitais – por Max Barcellos 4 – Técnicas de Chefia e Motivação na Administração – por Sérgio Baptista Zaccarelli
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Época de consolidação No alvorecer da nova década, a Fundação Vanzolini estava sob a direção do professor Max Barcellos. O país, governado por Emílio Garrastazu Médici, colhia os louros do “milagre econômico”. Com moeda estrangeira chegando ao Brasil em grande volume, o setor que mais se beneficiou da enxurrada de recursos foi o industrial, tanto as empresas privadas como as estatais, além, é claro, das multinacionais. “O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) manteve o seu importante papel de financiador de investimentos do setor público, mas passou a conceder uma proporção crescente dos seus empréstimos ao setor privado, que, após 1968, passou a receber mais da metade do total dos financiamentos”.1 A aceleração do crescimento econômico elevou o PIB a 12,5%. A indústria avançou a uma taxa de 18%. Para dar uma ideia da efervescência no setor produtivo, o setor automobilístico triplicou a produção e faltou cimento para suprir a demanda da construção civil. O mercado foi invadido por bens de consumo, e quem tinha acesso ao crédito, sobretudo a classe média urbana, aproveitou para comprar a TV a cores, o toca-fitas e o tão sonhado carro novo (escolhendo entre modelos como o Chevette, o Corcel e o Opala). Na contramão da pujança econômica, instaurou-se a fase de maior repressão nos mais de 20 anos de ditadura militar no Brasil (eram anos de AI-5 em vigor), em que instrumentos como a censura aos meios de comunicação, o cerceamento das liberdades civis e a tortura foram largamente utilizados. Além disso, o abismo social ganhou contornos mais sombrios. 1
brasileiro. Consulta em 17/02/2017.
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A performance de crescimento seria indiscutível, porém o milagre tinha explicação terrena. Misturava, com a repressão aos opositores, a censura aos jornais e demais meios de comunicação, de modo a impedir a veiculação de críticas à política econômica, e acrescentava os ingredientes da pauta dessa política: subsídio governamental e diversificação das exportações, desnacionalização da economia com a entrada crescente de empresas estrangeiras no mercado, controle do reajuste de preços e fixação centralizada dos reajustes de salários.2
A partir de 1974, o cenário mudou. Com a deflagração da primeira crise mundial do petróleo, desencadeada quando a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) reduziu a oferta do produto e multiplicou o preço por quatro, o Brasil foi duramente atingido, pois importava 80% do petróleo consumido. Como consequência, houve escalada da inflação, que chegou a 77% ao ano, déficit elevado na balança comercial e aumento vertiginoso da dívida externa. O país estava mais vulnerável às alterações do quadro econômico internacional e sentiu na pele os efeitos de suas decisões. Foi um balde de água fria no projeto desenvolvimentista dos militares, que tiveram que lidar com a queda drástica de investimentos externos e internos. Resultado: entre os anos de 1974 e 1979, o PIB brasileiro passou a crescer a taxas menores, na média de 6,5%, diminuindo a geração de empregos e os salários. Com a queda no consumo da população brasileira, empresas voltadas para o mercado interno foram duramente afetadas. Em 1980, a inflação chegou a três dígitos, batendo os 110%. No campo da tecnologia, a década propiciou descobertas que ajudaram a moldar a TI como a conhecemos hoje. Cientistas deram os primeiros passos para a conexão em rede (com o protocolo TCP/IP), a fibra óptica foi aprimorada e a Intel produziu o primeiro microprocessador em um único chip. Bill Gates e Paul Allen fundaram a Microsoft e Steve Jobs, a Apple, impulsionando o desenvolvimento do computador pessoal.
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Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, op. cit., p. 452.
Época de consolidação
Engenheiros em ação Enquanto isso, na Poli, em 27 de novembro de 1970, a Congregação aprovou a instalação de uma graduação autônoma em Engenharia de Produção. Assim, o curso deixou de ser uma opção da Engenharia Mecânica. O mestrado na área seguia em funcionamento desde 1968 e, em 1972, o primeiro curso de doutorado foi implantado. Aprovado o curso de Engenharia de Produção começou o processo para o reconhecimento formal pelo Conselho Federal de Educação. O currículo mínimo para o curso foi fixado em 1974. Coroando os esforços empreendidos por Ruy Leme e demais professores desde a década de 1950, em agosto de 1976 o decreto nº 78.319 reconheceu o curso de Engenharia de Produção da Poli-USP. “A partir do estabelecimento do currículo mínimo de Engenharia de Produção, o Departamento passou a ter mais liberdade para efetuar alterações no currículo, tornar optativas algumas disciplinas que eram obrigatórias e diminuir a carga horária obrigatória.”3 A fase de grandes obras de infraestrutura no Brasil estava no auge. A Usina Hidrelétrica de Itaipu começou a ser construída ainda na primeira metade da década. Em 1976, em São Paulo, a Rodovia dos Imigrantes foi inaugurada. Alguns projetos faraônicos, no entanto, se revelaram fiascos extremamente onerosos para os cofres públicos. É o caso da Transamazônica, que, inaugurada em 1972 pelo presidente Médici, pretendia cortar a bacia amazônica de leste a oeste e ligar a Região Nordeste do Brasil ao Peru e ao Equador. Com mais de 4 mil quilômetros, a estrada consumiu bilhões de dólares, na tentativa de ocupar estrategicamente a região. São Paulo se tornava a metrópole de extremos que conhecemos hoje. O crescimento desordenado, o fluxo migratório intenso e o adensamento do tecido urbano, que levaram a problemas crônicos em setores como transporte e saneamento, associados à pujança industrial e do setor da construção civil moldaram as feições da cidade. Na Poli, a Fundação Vanzolini cumpria o seu papel de apoio. “De 1972 a 1982, a Poli teve três diretores (...) José Augusto Martins (1976-1980), especialista em hidráulica e saneamento (...) conseguiu dar bom andamento às pesquisas, graças à FDTE e à Fundação Vanzolini, ambas dedicadas ao desenvolvimento de projetos de apoio à indústria.”4
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Afonso Fleury (coord.), op. cit., p. 82. Vera Nakata (org.), op.cit., p. 133.
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Fundação Vanzolini 50 anos
Inserção em projetos de grande porte No âmbito do governo do estado de São Paulo, o interesse de transformar a ciência, pesquisada na academia, em tecnologia aplicada contribuiu para a criação da Secretaria de Ciência e Tecnologia e para a assinatura de um convênio com o governo dos Estados Unidos. O professor Mauro Zaitz, do Departamento de Engenharia de Produção, detalha o contexto de realização e o papel da Fundação Vanzolini no projeto: Criou-se naquela ocasião o primeiro [cargo de] secretário de Ciência e Tecnologia no estado de São Paulo. Esse secretário assinou um convênio com o governo americano. E isso foi um grande start up para a Fundação Vanzolini. Então o governo americano e o governo do estado de São Paulo tinham de colocar a mesma quantidade de dinheiro [no projeto]. O governo americano nomeou o Stanford Research Institut (SRI) para representá-lo e o governo do estado de São Paulo nomeou a Fundação Carlos Alberto Vanzolini. E desembarcaram aqui no Brasil dezenas, centenas de pessoas brilhantes que trouxeram esse intercâmbio cultural e tecnológico. Foram dois grandes projetos: Política Científica e Tecnológica e Marketing de Tecnologia. O objetivo era descobrir por que no Brasil, que tinha institutos de pesquisas tão capazes, ciência não virava tecnologia.5
O professor José Joaquim do Amaral Ferreira salienta a relevância da experiência, que lançou a Vanzolini no campo das iniciativas de grande alcance. Nós começamos a trabalhar com técnicos de fora e foi um projeto muito interessante, muito importante. A partir daí, a Fundação se caracterizou por esses laços internacionais, um pouco além da área acadêmica, pois o SRI é uma instituição de pesquisa, mas não da Universidade Stanford. Eu diria que houve um amadurecimento e a Fundação deixou de ser um guarda-chuva para projetos pessoais de professores para tornar-se uma instituição estruturada, com gente coordenando projetos, funcionários, com back office.6
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Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini.
Época de consolidação
Vocação para o ensino Na área de educação, a Vanzolini seguiu com o projeto de cursos de extensão e aperfeiçoamento iniciado em 1968, cuja grade havia sido ampliada em 1969. Já no primeiro semestre do ano de 1970, houve 232 inscrições para os programas disponíveis no primeiro semestre. A grade era a seguinte: Comportamento Humano na Empresa, ministrado por Sérgio Baptista Zaccarelli; Engenharia Econômica, por Samsão Woiler e Claus Warschauer; As Comunicações e as Relações Humanas, por Marcos Pontual; Controles na Produção, por Ruy Leme; Fab. Finan. e Mercado Capitalista, por Américo Campiglia; PERT, por Oswaldo Fadigas; Computadores, por Max Barcellos; e Controle de Preços, Custo e Lucro, por Ruy Leme.7 O professor Samsão Woiler relembra o momento de organização desses cursos: “Existia essa demanda de empresas e de profissionais de engenharia e de outras áreas, que queriam ter um complemento [na for-mação] de Engenharia de Produção. Então a Fundação Vanzolini criou esse setor, que também dava recursos para os professores que davam aula (...) E a gente criou cursos mais amplos, com certificado de maior valor”.8 Com o desenrolar dos anos 1970, o movimento estudantil ampliou a pressão para a redemocratização do país. A oposição ao regime militar ganhou corpo à medida que a crise econômica se intensificava. Entre os manifestantes contra a ditadura, despontava a liderança dos movimentos sindicais, que organizaram, em 1978 e 1979, greves de grande proporção no ABC. Também foi um fim de década tumultuado no cenário econômico, que no plano externo amargou a segunda crise do petróleo (1979). As consequências logo bateram à porta, entre elas o aumento da taxa de juros internacional e da dívida externa brasileira, elevação da inflação e do déficit público. O último presidente militar do Brasil, João Baptista Figueiredo, foi eleito pelo Colégio Eleitoral em 1978, ano do sancionamento da Lei da Anis-tia, que permitiu o retorno do exílio de professores, intelectuais, artistas e alunos. Em seguida, restabeleceu-se a legalidade dos partidos políticos. 7 8
Afonso Fleury (coord.), op. cit., p. 79. Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini.
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A Fundação Vanzolini também precisava inovar diante do cenário de crise, que fez diminuir a demanda da área de projetos. E foi exatamente o que fez. Refletiu sobre seu escopo de atuação e tomou a decisão de estruturar um programa de especialização. Assim, em 1978, foram lançadas as bases de um dos cursos de maior sucesso e longevidade da instituição: O Ceai – Curso de Especialização em Administração Industrial.
Ceai é modelo inovador Miguel Santoro, responsável pela concepção do programa que daria origem ao Ceai, reputa a ideia de montar um curso de especialização na área da Administração Industrial ao professor Francisco de Assis Oliva. Quem trouxe essa ideia foi o professor Francisco de Assis Oliva. Ele era uma pessoa admirável, um dos melhores professores que eu tive. Era um empresário e disse o seguinte: Olha, as pessoas aqui têm vocação para ensino, e a Fundação deveria ter uma atividade de sustentação em ensino, porque a consultoria tem uma demanda muito variável. Então, por que não montar um curso? E eu fui encarregado do primeiro curso de administração aqui na Fundação..9
O curso foi um sucesso estrondoso. Segundo o professor Mauro Zaitz, eram centenas de inscrições, a ponto de ser instituído um programa de seleção de alunos, pois não era possível atender a todos a cada edição. “Foi uma consagração da Fundação como um instrumento acadêmico.”10 O professor Pedro Bueno elogia a qualidade dos selecionados. “Os alunos eram muito bons. Grande parte era de recém-formados em outros cursos e outra parte era de profissionais das empresas que queriam se aprofundar na área. Imagine para um engenheiro formado fora da USP que vinha fazer o curso e obtinha um diploma da USP.”11 Milton Hollaender, que viria a coordenar o Ceai, explica o programa concebido por Miguel Santoro. “Ele se baseou um pouco na nossa estrutura de mestrado, que tinha 12 disciplinas, e foi feito um programa que era para 9
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Época de consolidação
ser cumprido em dois anos. (...) Eu assumi [a coordenação do curso] com muito prazer e fui coordenador desses cursos por sete anos. Tenho orgulho de dizer que peguei o curso com 40 alunos e entreguei com 950.”12 O Ceai avançou pela década de 1980 em curva ascendente. Ao completar 18 anos, atendia grande quantidade de alunos por ano, segundo o Boletim Fundação Vanzolini, edição de janeiro/fevereiro de 1996. No texto, o professor Antonio Muscat, então responsável pelos cursos de extensão, afirma que a maturidade do programa já havia sido comprovada ao longo dos anos. “A ideia inicial do curso era preencher uma lacuna no mercado. E, até hoje, não há nenhum outro que possua esse caráter integrativo e a amplitude que tem o Ceai”, conclui. A razão do sucesso é o binômio que funciona até hoje: corpo docente com sólida formação acadêmica e com profundo conhecimento da vida prática no setor produtivo. Desde o início das suas atividades, o Ceai, mediante convênio com a USP, como ocorre com os demais programas de pós-graduação (lato sensu) oferecidos pela Fundação Vanzolini, já preparou mais de 12 mil alunos para um mercado de trabalho altamente competitivo, fornecendo uma visão ampla do processo de gestão das empresas. Esses profissionais conquistam posições de destaque em grandes empresas nacionais e multinacionais, e o Ceai, na opinião dos próprios alunos, tem participação significativa na carreira de cada um.
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anos 80
Novos horizontes “Ao contrário de outras engenharias, a Produção é privilegiada numa época de crise. O programa de qualidade e produtividade tem um objeto de trabalho que aumenta durante a recessão. Nestes tempos, todos pensam em muita qualidade e muita produtividade. Os outros ramos da engenharia estão sempre ligados a investimentos.”1 O professor Ruy Leme, autor do comentário acima, sabia como ninguém falar em poucas palavras das atribuições da Engenharia de Produção. E a definição se aplica perfeitamente aos desafios impostos na década de 1980. A internet caminhava para a consolidação, com a migração da ArpaNet para o protocolo de transferência de dados entre servidores TCP/IP (Transmission Control Protocol/ Internet Protocol). A rede ganhava novas fronteiras e começava a se insinuar à população em geral. O computador pessoal encontrou seu espaço, com o lançamento do PC da IBM, em 1981. O modelo praticamente ditou o formato e a composição dos computadores de mesa e foi copiado por inúmeras empresas ao longo dos anos. A parceria com a Microsoft (que forneceu o sistema operacional para o PC) e a concorrência com a Apple impulsionaram a disseminação dos computadores pessoais. A Apple levou a público o primeiro Macintosh em 1984. Entre as inovações, a interface gráfica e o mouse. Para além da evolução tecnológica, alguns fatos ajudam a situar o período no contexto político-econômico. Logo no início da década, em 1981, o Papa João Paulo II sofreu um atentado que quase o levou à morte. Nos Estados Unidos, o republicano Ronald Reagan foi empossado como o 40º presidente. No Reino Unido, Margaret Thatcher, do Partido Conservador, era, desde 1979, a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra. 1
Trecho publicado no Boletim da Fundação Vanzolini, set./out./nov. 1992.
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Fundação Vanzolini 50 anos
Em 1983 cientistas franceses isolaram pela primeira vez o vírus da Aids. Dois anos depois, foi descoberto um buraco na camada de ozônio, que protege a Terra dos efeitos nocivos da radiação solar, tornando premente a discussão sobre a mudança climática e seus efeitos. Em 1986, ocorreu o acidente nuclear na usina de Chernobil, na Ucrânia, com milhares de mortos e consequências que chegam aos dias atuais. No fim da década, em 1989, a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha marcaram o fim da guerra fria.
Década perdida? Os anos 1980, na América Latina, ficaram conhecidos como “a década perdida”, sobretudo no que concerne ao tema da economia. “Das taxas de crescimento do PIB à aceleração da inflação, passando pela produção industrial, poder de compra dos salários, nível de emprego, balanço de pagamentos e inúmeros outros indicadores, o resultado do período é medíocre. No Brasil, a desaceleração representou uma queda vertiginosa nas médias históricas de crescimento dos cinquenta anos anteriores.”2 Diante do cenário difícil e cada vez mais competitivo, o setor produtivo precisava se reinventar. Era urgente tomar medidas para melhorar a qualidade e a produtividade da indústria nacional. No campo político, no Brasil, a história era outra. Do movimento das Diretas-Já à eleição de Tancredo Neves, que morreu antes de subir a rampa do Palácio do Planalto; do governo Sarney à eleição direta de Fernando Collor de Mello, ocorreu a redemocratização do país. A fase foi marcada pelo fim da ditadura e pela promulgação da Constituição de 1988. A Assembleia Constituinte instalou-se em 1º de fevereiro de 1987, e a Constituição foi promulgada no ano seguinte, em 5 de outubro de 1988. O novo texto constitucional tinha a missão de encerrar a ditadura, o compromisso de assentar as bases para a afirmação da democracia no país, e uma dupla preocupação: criar instituições democráticas fortes o bastante para suportar crises políticas e estabelecer garantias para o reconhecimento e o exercício dos direitos e das liberdades brasileiro.3
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Gilberto Marangoni. Desafios do Desenvolvimento. Ano 9, Edição 72, 15/06/2012. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&i d=2759:catid=28&Itemid=23.Acesso. Consulta em 11/02/2017. Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, op. cit., p. 488.
Novos horizontes
Engenharia de Produção em debate Em 1981 foi realizado o Primeiro Encontro Nacional de Engenharia de Produção (Enegep), durante o qual se discutiram o conceito de Engenharia de Produção, os eixos de atuação e propostas de currículo. Os encontros anuais levaram à fundação da Associação Brasileira de Engenharia de Produção (Abepro). Segundo afirmou na ocasião o professor Afonso Fleury, representante da Poli-USP no encontro, a Engenharia de Produção é uma área de fronteira, interdisciplinar. “Acredito que, no instante atual por que passa o país, as mudanças das condições políticas, econômicas e sociais requerem o desenvolvimento de novas concepções de engenharia, para que possamos equacionar de uma maneira adequada o problema tecnológico. Esse é o ponto que considero fundamental de atuação do engenheiro de produção”, comentou. “Se existe um engenheiro para o qual é dada uma formação globalizante, que consegue equacionar de maneira integrada os diversos aspectos que estão implícitos na questão tecnológica, essa pessoa é o engenheiro de produção.”4 A crise econômica por que passava o Brasil exigiu que as empresas nacionais mudassem o paradigma da organização da produção. “A crise provocou a necessidade de repensar os modelos de organização da produção. Com a retração mundial, a demanda passou a ser menor que a oferta, e a situação mudou completamente.”5
Apoio à ciência e à tecnologia Em consonância com a preocupação em melhorar a qualidade da produção, o governo federal lançou em 1984 o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), como um instrumento complementar à política de fomento à ciência e à tecnologia. Naquele período, a cultura da qualidade não era comum nas empresas nacionais, mas a concorrência externa obrigou a uma mudança de comportamento do mercado. “Nessa época, final da década de 1970 e década de 1980 a ideia básica era: as indústrias estavam começando a ter uma competição de produtos de fora e a qualidade [do nosso produto era] inferior”, 4 5
Afonso Fleury. Anais do I Enegep, 1981. Afonso Fleury (coord.), op. cit., p. 94.
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Fundação Vanzolini 50 anos
explica o professor Melvin Cymbalista.6 “A cultura da qualidade naquela época aqui era muito pobre. Havia poucos trabalhos nessa área. E foi aí que o governo resolveu incentivar para que houvesse um avanço na área da qualidade. E naquela época começou o movimento mundial em torno da qualidade”, complementa o professor Gregório Bouer, do Departamento de Engenharia de Produção.7 Com recursos do Banco mundial, o PADCT tinha o objetivo de aumentar o apoio à pesquisa. Havia também interesse no desenvolvimento da tecnologia industrial básica (TIB). O professor José Joaquim do Amaral Ferreira fala sobre as origens do envolvimento da Vanzolini com a área da qualidade: Na década de 1980, nós tivemos trabalhos muito importantes na área de qualidade, liderados pelo professor [Alberto Ricardo Von] Ellenrieder. O primeiro projeto surgiu de um edital do Ministério da Indústria e Comércio, na área que eles chamavam de Tecnologia Industrial Básica (TIB), que envolve toda a parte de metrologia – a parte dos controles e instrumentos para medição –, mas envolve também a parte de sistemas de gestão. E o trabalho que fizemos na Fundação Vanzolini marcou época. Esse trabalho lançou todas as bases para o sistema nacional de qualidade e metrologia.8
A partir desse estudo, a Fundação Vanzolini ganhou reputação na área da qualidade no cenário nacional. Com isso, em 1987, pôde participar de um novo projeto do governo relacionado ao tema: o Projeto de Especialização em Gestão da Qualidade (PEGQ). O PEGQ visava capacitar empresas privadas e estatais e tinha como principais objetivos: contribuir para a difusão de conceitos, metodologias, sistemas e técnicas de gestão da qualidade nos diferentes setores da economia; apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de métodos de Gestão da Qualidade; contribuir para a capacitação técnica de empresas e entidades prestadoras de serviços na área da qualidade; promover a capacitação técnica de profissionais brasileiros e sua certificação perante organismos do país e do exterior; promover o intercâmbio com entidades do exterior atuantes na
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Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Em depoimento concedido ao informativo Vanzolini em Foco – FCAV em Três Tempos, edição especial realizada em comemoração aos 40 anos da Fundação Vanzolini completados em março de 2007.
Novos horizontes
área; e contribuir para o desenvolvimento de Programas da Qualidade em empresas e outras entidades públicas e privadas.9 Esse programa tinha três unidades nucleadoras: a Fundação Vanzolini, do Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP; o Instituto Brasileiro de Qualidade Nuclear (IBQN), e a Fundação Christiano Ottoni, da Universidade Federal de Minas Gerais. “Essas três entidades começaram a fazer toda a visão de qualidade dos anos 80”, diz Cymbalista. “Treinamos cerca de 26 mil pessoas pela Fundação Vanzolini”, completa Amaral Ferreira.
A certificação na Vanzolini Um ano depois do lançamento das normas da série ISO 9000 na Europa, em 1987, como parte do PEGQ, o professor José Joaquim do Amaral Ferreira participou de uma missão à Inglaterra. De volta ao Brasil, trouxe na bagagem a ideia de que a Fundação Vanzolini se tornasse um organismo certificador de sistemas de gestão. Nós tínhamos dois caminhos a seguir. Um deles era o de implantação de sistemas de gestão em empresas – a parte de consultoria –, que era de interesse de um certo número de professores. E tínhamos a opção de fazer a certificação dos sistemas de gestão, o que é incompatível com a implantação – você não pode avaliar uma coisa que você mesmo fez e dizer que está ótimo, dar nota 10 para si mesmo. Então, ou se optava por certificar, ou por implantar. E foi uma boa discussão no Conselho da Vanzolini. E a decisão foi a seguinte: nós vamos certificar, porque nós ensinamos os nossos alunos na Poli a fazer a implantação. Nós vamos concorrer com eles? Primeiro que não seria uma concorrência leal, pois temos um nome e eles ainda não têm. Segundo, é esquisito você formar pessoas e depois tirar o trabalho deles.10
Outro ponto destacado pelo professor é a credibilidade da Vanzolini para atuar no campo da certificação. Além disso, esse seria um caminho que não conflitava com a área de ensino. Depois de montar o sistema de gestão 9
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Waldir Algarte Fernandes. O Movimento da Qualidade no Brasil. Inmetro/Essential Idea Publishing, 2011, p. 71. Disponível em http://www.inmetro.gov.br/barreirastecnicas/pdf/ Livro_Qualidade.pdf. Consulta em 12/02/2017. Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini.
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da qualidade da Fundação Vanzolini, adequado aos guias da ISO na época, e fazer os ajustes necessários, a entidade recebeu a acreditação do Inmetro e tornou-se, em 1990, a primeira certificadora de sistemas de gestão brasileira. No ano seguinte, foi emitido o primeiro certificado – para a Cimento Serrana. O professor Pedro Luiz de Oliveira Costa Neto, do Departamento de Engenharia de Produção, relata a trajetória inicial da entidade no campo da certificação: No nosso primeiro ano, apareceu um cliente, que foi a fábrica de Cimento Serrana, no Vale do Ribeira, através de um professor da Escola que era diretor lá. Então, ele nos honrou com o convite para auditar a empresa e certificá-la. Nós fomos lá e reprovamos a empresa. Era normal reprovar na primeira tentativa. No segundo ano, nós tivemos dois clientes. Um deles foi na Terra do Fogo, na Argentina. Depois a Fundação começou a ficar conhecida, e começou a crescer exponencialmente o número de empresas que vieram se certificar conosco, muitas delas de serviços, bancos. Em alguns anos já eram centenas e depois milhares de empresas. E a Fundação passou a ser a maior certificadora brasileira de ISO 9000.11
Práticas do Oriente Nos anos 1980, também chegaram ao Brasil novas concepções e técnicas de gestão vindas do Oriente – como o Kanban e Just in Time (JIT) –, que desafiavam o entendimento de empresários e acadêmicos. Tais instrumentos, oriundos sobretudo do Japão, ajudavam a explicar o bom desempenho de organizações daquele país no mercado mundial. O professor Afonso Fleury, que foi até o Japão para conhecer melhor esses padrões, comentou a sua experiência. “O modelo japonês tem de ser compreendido dentro das características sociais e culturais japonesas. A rapidez, coordenação e racionalidade me impressionaram, mas eram adequadas à sociedade japonesa, a uma determinada concepção social e cultural sobre leis, regras e relacionamentos na empresa. O modelo japonês criou um novo paradigma de sistemas de produção muito diferente do reducionismo fordista-taylorista.”12
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Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Afonso Fleury (coord.), op. cit., p. 95.
Novos horizontes
Melhoria na competitividade Em 1988, a Motorola apresentou um programa que levaria a um gran-de aumento de qualidade de seus produtos e de competitividade no merca-do mundial. O nome da novidade: Six Sigma. A metodologia foi, mais tarde, aperfeiçoada pela General Electric, que, além dos ganhos em qualidade e competitividade, obteve redução de custos. O professor do Departamento Alberto Wunderler Ramos detalha o surgimento do instrumento de gestão: A Motorola na década de 80 estava tendo muitos problemas com os seus produtos. O então presidente da Motorola chamou um grupo de quatro especialistas e pediu que eles atuassem para acabar com esses problemas de qualidade. Estavam fazendo recall de seus produtos – era a época dos pagers e eles estavam tendo muitos problemas. Esse grupo acabou desenvolvendo uma metodologia para a melhoria de qualidade e produtividade, e o nome que se deu foi exatamente Seis Sigma. Mais para a frente essa metodologia chegou aos ouvidos do famoso Jack Welch, que era o presidente da General Electric. O Jack Welch achou a ideia muito interessante e tomou a decisão de implantar essa metodologia de melhoria de qualidade e produtividade na GE e desde então a GE tem sido seu carro-chefe.13
Quando a Vanzolini começou a atuar na área de Seis Sigma, a ideia, segundo Ramos, era trabalhar na capacitação da indústria nacional, de empresas de pequeno porte, já que as multinacionais tinham seus próprios modelos de treinamento. No entanto, houve interesse das grandes empresas, uma vez que esses treinamentos fora do país eram muito onerosos. Hoje, a Fundação tem uma série de cursos da área, mas o primeiro curso ministrado foi o de Capacitação em Black Belt. “O black belt é um especialista em melhoria de qualidade e produtividade. Ele trabalha como uma espécie de consultor interno em melhoria de qualidade e produtividade”, salienta Ramos. “Mais para a frente a gente desenvolveu o curso de Green Belt. É um curso mais compacto, não entra em ferramentas mais avançadas.” Depois, surgiram cursos para treinamento da liderança das empresas e programas personalizados.
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Responsabilidade social, educação e qualidade O fim da guerra fria impulsionou o processo de globalização. Novos mercados consumidores se abriram, ampliando a circulação de capitais entre os países. Com a economia mundial interligada, as empresas multinacionais ocuparam posições cada vez mais expressivas, e as redes de produção, distribuição e comercialização de produtos e serviços ficaram mais complexas. É nessa década que a internet começa a se popularizar. Um dos grandes responsáveis foi o Mosaic, um browser lançado em 1993 que propunha um sistema simples de navegação e permitiu acesso aos conteúdos da web aos usuários não especialistas. Em 1998, foi fundado o Google, cuja missão era organizar a informação mundial e torná-la universalmente acessível e útil. No Brasil, a abertura da economia exigiu uma nova postura das organizações nacionais. Com o estímulo da redução dos impostos, os produtos estrangeiros tomaram o país. Foi um baque para a indústria brasileira, mas os resultados foram positivos. As empresas foram obrigadas a se modernizar, pois não poderiam enfrentar os desafios da concorrência se não patrocinassem um grande esforço para a qualidade e produtividade. Os efeitos não demoraram a aparecer, e a produtividade brasileira passou a crescer a altas taxas. Esse desenvolvimento não ficou restrito a alguns setores, mas se observou uma mudança drástica da estrutura industrial brasileira. Ou seja, a diminuição das tarifas e o aumento das importações influenciaram a produtividade. Com o impeachment do presidente Collor, em 1992, assumiu seu vice, Itamar Franco. Em 1994, o governo lançou o Plano Real, que propiciou a estabilização da economia e o fim da correção monetária. “Até 1990, o parque
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industrial brasileiro operou de maneira isolada, na medida em que as políticas de comércio exterior resultavam em altos níveis de proteção e a demanda interna apresentava características de mercado vendedor, ou seja, a oferta era maior que a demanda”, explica Afonso Fleury.1 Segundo o professor, entre 1990 e 1994, ano em que Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente da República, as empresas locais – nacionais ou subsidiárias – introduziram mudanças estratégicas e organizacionais. “A partir de 1995 intensificou-se bruscamente o movimento de mudanças na indústria brasileira, que passou a ser fortemente envolvida na onda da globalização produtiva.”2 Nesse contexto de efervescência econômico-social, a Engenharia de Produção foi expandindo sua atuação na indústria, assim como no setor de serviços, até se tornar um campo estratégico para as organizações. Tanto que o número de cursos de graduação em Engenharia de Produção disparou. Empresas de modo geral tiveram que lutar para sobreviver, investindo em capacitação, modelos de gestão, consultoria em projetos e certificação. Para progredir, era preciso encontrar soluções tanto do ponto de vista tecnológico, quanto do ponto de vista da gestão.
Crescimento da certificação Para a Fundação Vanzolini, foi um período de grandes oportunidades para desenvolver trabalhos tanto no setor público quanto no privado, mas a concorrência estrangeira também veio bater à sua porta. Nos anos 1990, a certificação sentiu o impacto da chegada das multinacionais. A primeira dificuldade, segundo José Joaquim do Amaral Ferreira, foi com o certificado de empresas estrangeiras. “Elas diziam: nós somos internacionais, nosso certificado está em inglês”, conta. “Na época tínhamos uma agilidade muito grande e dissemos: não tem problema, nosso certificado também pode ser em inglês, espanhol, japonês, o que quiserem.” Depois disso, o alvo de críticas foram os auditores. “Diziam que os auditores tinham certificado de curso dado por uma entidade estrangeira. Afirmamos que não havia problema: trouxemos um pessoal do QMI – Quality Management Institute –, montamos um curso com professores ingleses e, rapidamente, formamos nossos auditores”, acrescenta.
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Afonso Fleury (coord.), op. cit., p. 104. Idem.
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Segundo o professor, a terceira investida foi a mais complicada, mas também foi superada. O argumento usado foi o seguinte: se uma empresa certificada pela Fundação Vanzolini quisesse exportar seus produtos, teria dificuldades porque fora do país a área de certificação da Vanzolini não era conhecida. Nem mesmo o Inmetro tinha reconhecimento no exterior. Como resultado, as multinacionais acabavam procurando certificadoras estrangeiras, restringindo o mercado para a Vanzolini. A questão que precisava de resposta rápida era: como ganhar credibilidade no mercado externo em um período relativamente curto? Começamos a estudar as redes e vimos que havia algumas no mundo, basicamente duas grandes, o IIOC (Independent International Organisation for Certification), formada pelas [certificadoras] mais comerciais, e havia a IQNet – The International Certification Network (na época era EQNet – European Quality Network), que tinha mais a nossa cara. Chegamos lá, batemos na porta e dissemos que queríamos nos associar. Esse pessoal fazia o mútuo reconhecimento e uma certificadora alemã, a DQS, queria entrar no mercado brasileiro e não sabia como. E propusemos nos associar e fazer auditorias conjuntas. Com isso, resolvemos o problema do reconhecimento internacional. Nosso certificado passou a ser reconhecido no mundo todo pelo certificador local. Isso foi uma grande vantagem.3
A entrada como membro pleno na IQNet em 1998 alavancou o reconhecimento internacional da Vanzolini. Desde então, é a única instituição brasileira a fazer parte da rede, formada pelas 38 mais importantes certificadoras internacionais, com atuação em mais de 150 países e responsáveis por aproximadamente 30% do total de certificados de sistemas de gestão emitidos no mundo. Em meio a esse embate, a Vanzolini ampliou seu portfólio de certificações. No campo da gestão de sistemas, por exemplo, além da pioneira certificação para sistemas de gestão da qualidade, segundo a norma ISO 9001, hoje atua como certificadora de sistemas de gestão ambiental, de saúde e segurança ocupacional, de privacidade de dados e de responsabilidade social.
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Fundação Vanzolini 50 anos
O medo da hiperinflação Logo no início da década, o presidente eleito lançou o Plano Collor, que decretou o bloqueio das cadernetas de poupança e das contas correntes por 18 meses. Os saques foram limitados a 50 mil cruzados novos. Os salários e preços foram congelados e a moeda voltou a se chamar Cruzeiro (Cr$). A inflação acumulada do ano de 1990 foi de 1.476,56%, indicando a fragilidade das medidas econômicas implementadas. Em 1991, o governo Collor promoveu seu segundo choque econômico. O Plano Collor 2 impôs novo congelamento de preços e salários, elevou os juros e reduziu tarifas de importação. O professor Pedro Luiz de Oliveira Costa Neto rememora o período: Durante a minha gestão, a inflação era grande. E nós estávamos preocupados com a hiperinflação. A Fundação tinha dinheiro em caixa e acabamos adquirindo dois pequenos prédios na Lapa, para aplicar o dinheiro, caso viesse uma hiperinflação. Esses dois prédios novos estavam ocupados, um deles pela própria certificação. Felizmente não houve a débâcle da hiperinflação por causa do Plano Real, mas essa foi uma providência acertada que nós tomamos.4
Costa Neto se refere à aquisição de dois edifícios localizados em São Paulo, um na Rua Alberto Seabra, em 1992, e outro na Rua Camboriú, em 1994. O professor cita ainda o início de uma publicação institucional para contribuir na tarefa de difusão do conhecimento produzido na universidade e na Vanzolini e suas aplicações nas organizações públicas e privadas. A publicação passou por algumas reformulações em mais de 20 anos de existência. “Quero falar de uma iniciativa que tive, que foi a implantação do Boletim Vanzolini, uma espécie de cartão de visitas da Fundação, no qual apareciam notícias da qualidade, da Engenharia de Produção, entrevistas... Dava trabalho, mas valeu a pena.”5
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Responsabilidade social, educação e qualidade
A vez da educação a distância Um tema que despontou nos anos 1990 foi o ensino a distância. Um país de dimensões continentais como o Brasil precisava de instrumentos eficientes para fazer circular o conhecimento. Na opinião de Costa Neto, a Vanzolini não poderia ficar alheia ao tema: Passei a me interessar por uma coisa que estava crescendo – o ensino a distância. Pensei: a Fundação é uma entidade ligada a uma escola. Grande parte de suas atividades é feita através do ensino. Precisamos ver o que é isso. Comecei a fazer investimentos, trazer pessoas, fomos a um congresso, na Inglaterra, fazer um projeto piloto, para aprender, para conhecer e entrar nesse campo.6
Essa iniciativa permitiu a associação com um grupo da San Diego State University, nos Estados Unidos, para a realização de sete teleconferências internacionais, com tradução simultânea, sobre gestão empresarial. Depois desse primeiro passo, vieram outros. Costa Neto destaca a realização de um ciclo de 13 teleconferências chamado Engenheiro 2001. O objetivo era discutir a Engenharia de Produção no Brasil, no âmbito da graduação e da pós-graduação, além de abordar temas como o futuro da engenharia e o ensino da engenharia, e levar esse debate ao maior número possível de escolas de engenharia no Brasil. Trazíamos especialistas que iam para um estúdio – inicialmente no Rio de Janeiro – por duas horas. A interação era via fax, chegavam perguntas do país inteiro. Eles discutiam, falavam e respondiam as perguntas. Começou com 40 e poucas escolas ligadas e terminou com cerca de 100. Depois nós passamos a fazer no estúdio da TV Cultura.7
Outros projetos de educação a distância surgiram a partir daí. Um deles foi um ciclo de seis teleconferências sobre aspectos culturais, em associação com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, com 35 salas espalhadas no estado. Outro destaque foi um ciclo de quatro teleconferências sobre empreendedorismo, apoiado pelo Fundo de Apoio ao Trabalhador (FAT), que era voltado à classe trabalhadora. Segundo Costa Neto, foram mais de 200 eventos nesse campo. 6
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Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini.
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Fundação Vanzolini 50 anos
Qualidade no serviço público A atuação para a melhoria da qualidade da gestão no setor público não é novidade na Fundação Vanzolini. Entre outras iniciativas realizadas nas esferas municipal, estadual e federal, uma empreendida nos anos 1990 teve grande repercussão. Em 1996, a Vanzolini firmou contrato com o governo do estado de São Paulo para conceber as bases do Programa Permanente de Qualidade e Produtividade no Serviço Público. O objetivo principal do programa foi superar o modelo burocrático de gestão dos produtos e serviços públicos estaduais. A meta de melhorar a qualidade do atendimento ao público e reduzir a distância entre o Estado e a cidadania estavam na origem do projeto. O Programa Permanente da Qualidade e Produtividade faz parte de um movimento maior, trazido pela redemocratização, que é o resgate da cidadania brasileira. Esse processo deve ser consequente e, para tanto, depende de métodos. Por essa razão, o programa deve ser conduzido de maneira a permitir que os funcionários recebam o conhecimento necessário, através de um amplo programa de treinamento, para depois colocá-lo em prática na sua atividade de rotina.8
O trecho acima, reproduzido de um artigo publicado no Boletim Fundação Vanzolini, celebrava um ano da parceria para a implementação do programa no serviço público estadual.
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Antônio Lourenço Pancieri. “Movimento para a cidadania”. In: Boletim Fundação Vanzolini, mar./abr.1997, p. 8.
Dados de uma trajetória de sucesso A seguir, alguns números da história recente da Fundação Vanzolini CEAI e outros cursos •
Até 2016, o Curso de Especialização em
CERTIFICAÇÃO •
Administração Industrial já formou mais de 12.000 profissionais •
De 2004 a 2016, foram certificados 5.074 processos
•
Até 2016, os cursos de Especialização em
De 2004 a 2016, foram certificados 11.301 sites
Qualidade e Produtividade e Especialização em Logística Empresarial já formaram cerca de 850 alunos
AQUA-HQE •
De 2009 a 2016, foram certificados 978 empreendimentos
CURSOS IN COMPANY, CONSULTORIAS E
•
ASSESSORIAS • •
De 2008 a 2016, foram realizados 1.991 cursos
De 2009 a 2016, foram certificados 1.589 edifícios
•
Até 2014, mais de 17.500 pessoas haviam
in company
passado por cursos e treinamentos
De 2008 a 2016, foram emitidos 35.554
sobre o tema
certificados dos cursos in company •
De 2008 a 2016, foram realizadas 560 consultorias e assessorias
•
•
Desde 2001, cerca de 290 mil profissionais
Até o final de 2014, foram capacitadas 1.342
da educação já complementaram
empresas em São Paulo, Campinas, Ribeirão
sua formação em cursos oferecidos pela
Preto e Vale do Paraíba, por meio de parceria
Rede do Saber
com a Apex •
GTE
•
De 2003 a 2008, o Programa PEC Formação
Novo convênio com a Apex prevê 1.400
Universitária-Municípios já ofereceu graduação
atendimentos gratuitos de capacitação, além
em nível superior a cerca e 11.200 professores
de assessoria para empresas no período de
em 41 municípios paulistas
2016 a 2017
•
Desde 2009, o Programa tecReg ofereceu capacitação permanente a 700 mil servidores
QUALIDADE •
foram treinados 25.466 profissionais no PEGQ
•
do Estado de São Paulo nas áreas da saúde,
Até 2003, foram envolvidas 1.049 empresas e
Segurança pública, fazenda e gestão pública •
Desde 2009, participaram do Programa de
– Programa de Especialização em Gestão da
Gestão Governamental, Planejamento e
Qualidade
Orçamento nos Municípios 2.560 gestores e
De 1995 até 2003, foram envolvidas mais de
contadores de órgãos da administração direta
1.500 empresas e mais de 20.000 profissionais
e indireta de 606 municípios do estado
foram treinados em cursos na área de qualidade
de São Paulo
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anos 2000
O desafio do novo milênio No Brasil, depois do período das privatizações nos anos 1990 e da redução do papel do Estado na economia, houve a retomada dos investimentos públicos nos setores estratégicos de infraestrutura. O país cresceu, em média, 4% ao ano entre 2000 e 2011, segundo dados do BNDES. Conseguiu acumular mais reservas do que a dívida externa, recebendo status de credor e manteve a economia estável. Outros marcos para o país foram a descoberta de petróleo na camada do pré-sal, a conquista da autossuficiência em petróleo e o crescimento da produção de biocombustíveis (segundo dados do governo federal, até o final de 2011, graças à criação do programa de adoção do biodiesel, por exemplo, o Brasil deixou de importar cerca de 7,9 bilhões de litros de diesel, correspondendo a um ganho de 5,2 bilhões de dólares na balança comercial do país). A Fundação Vanzolini participou – e participa – de várias iniciativas envolvendo o desafio tecnológico, no campo da gestão, da certificação (de software, de sistemas, de segurança da informação), da educação continuada e de projetos. A década propiciou a ampliação do portfólio de cursos e de projetos, uma intensa colaboração com o setor privado, favorecendo a atividade de pesquisa acadêmica e gerando bem-estar social, além do cres-cimento sustentado de áreas já consolidadas na estrutura da entidade. “A partir dos anos 2000, uma série de ações ligadas ao setor de serviços passam a ser desenvolvidas pela Vanzolini. E também um conjunto de projetos li-gados ao setor público, que atende principalmente à demanda do estado de São Paulo”, esclarece João Amato Neto.1 1
Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini.
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Fundação Vanzolini 50 anos
A tecnologia aplicada à educação No âmbito do setor público, o atendimento a dois desafios feitos à Fundação Vanzolini, um pelo governo federal e outro pelo estadual, levaram à criação da área de Gestão de Tecnologias em Educação (GTE). A história remonta ao final dos anos 1990, quando a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência do então Ministério da Ciência e Tecnologia, solicitou o apoio ao Subprograma de Reengenharia do Ensino da Engenha-ria no Brasil (Reenge). Esse subprograma integrava o Programa de Desenvolvimento das Engenharias (Prodenge), empreendimento estratégico financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) voltado ao aumento da competitividade do país. O programa também envolvia o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (SESu) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O professor Guilherme Ary Plonski, diretor da área de Gestão de Tecnologias em Educação, rememora o escopo do trabalho bem-sucedido: Em essência, tratava-se de conscientizar os cursos de engenharia espalhados pelo país a respeito das oportunidades e exigências profissionais que o(a)s estudantes enfrentariam no futuro. Partiu-se da visão prospectiva do Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP e dos nexos estabelecidos por seus docentes com o mundo empresarial. Para viabilizar a cobertura nacional, numa época tecnologicamente “jurássica”, a Fundação Vanzolini desenvolveu e operou com êxito um elenco de soluções inovadoras focalizadas na formação de redes de capacitação baseadas em teleconferência, TV a cabo e web, entre outros recursos.
No ano 2000, foi a vez de a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo confiar à Vanzolini a imensa responsabilidade de viabilizar a aproximadamente 7 mil docentes efetivos da primeira à quarta séries da rede estadual paulista a oportunidade de graduação superior em pedagogia. Assim o Estado atenderia antecipadamente a uma disposição da então recente Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A secretaria estabeleceu como requisitos: formar em 18 meses um contingente que os cursos clássicos levariam décadas para atender; desenvolver um conteúdo especialmente voltado a professora(e)s em exercício e com experiência em sala de aula; e prover a certificação por universidades de excelência.
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O desafio do novo milênio
A resposta a esse desafiou gerou o Programa de Educação Continuada – Formação Universitária (PEC-FU). A Fundação Vanzolini concebeu e implementou uma estrutura tecnológica inovadora em rede com o apoio de parceiros estratégicos, produziu o material de apoio às atividades pedagógicas e desenvolveu e operou o sistema de gestão. O conteúdo e a gestão acadêmica do programa foram realizados pela Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Esse projeto também logrou sucesso e criou as condições para a criação da GTE, como explica Ary Plonski: Ao ter respondido com êxito a esses dois desafios a Fundação Vanzolini dispunha de uma equipe multidisciplinar de elevada competência, com importante experiência concreta no desenvolvimento e gestão, para o setor público, de soluções inovadoras em educação suportadas por tecnologias de informação e comunicação. A percepção da oportunidade de estender o apoio da Fundação a outros desafios no campo da educação e da capacitação institucional da administração pública levou à ideia de prosseguir essa jornada num formato perene, criando-se então a área de Gestão de Tecnologias em Educação (GTE).
De lá para cá, a GTE coordenou diversos projetos de grande alcance e estreitou os laços com o setor público, beneficiando milhares de pessoas em mais de 15 anos de existência. Alguns deles, de acordo com Plonski, merecem destaque como projetos-marco, pela natureza e magnitude dos seus benefícios para a sociedade durante os primeiros anos de consolidação da GTE. São eles: a) O Programa de Educação Continuada – Formação Universitária (PEC-FU) e sua versão municipal subsequente, por terem dado o impulso que justificou a criação da GTE e pelo impacto na educação pública paulista, ao elevar o nível de preparo de seus docentes. Contribuíram assim para que o Estado de São Paulo praticamente eliminasse uma dívida que até hoje não foi resolvida em alguns estados brasileiros, que é a de aluno(a)s com aulas ministradas por professore(a)s sem grau universitário. b) A Rede do Saber, por ser uma solução permanente da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo para a formação continuada de seus docentes e colaboradores. Ela é um potente instrumento de comunicação da rede estadual paulista que, em comparação com os
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Fundação Vanzolini 50 anos
processos tradicionais de capacitação em serviço, proporciona expressiva economia de recursos, os quais podem ser alocados para outras atividades em benefício do estudantado. c) O São Paulo Faz Escola, projeto que resultou na definição e elaboração de currículo para o ensino fundamental (Ciclo II) e para o ensino médio da rede estadual. Esse projeto pioneiro inspira iniciativas análogas de outras secretarias estaduais de educação e do governo federal. d) O Ensino Médio em Rede da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que foi criado para aperfeiçoar o currículo dessa etapa de ensino, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento. O programa, realizado há mais de dez anos, capacitou 60 mil professores da rede estadual paulista de ensino. O aperfeiçoamento do ensino médio é agora uma prioridade nacional. e) O Programa Tecnologia para Rede de Escolas de Governo (tecReg), que constituiu em uma rede de comunicação composta de 60 polos de recepção e seis de geração presente em 29 cidades paulistas. Utilizando tecnologia educacional apoiada em mídias digitais, ofereceu capacitação permanente e em larga escala, com expressiva economia de recursos, a cerca de 700 mil servidores do estado de São Paulo nas áreas da saúde, segurança pública, fazenda e gestão pública. Tratase de solução particularmente valiosa no extenso período em que as administrações públicas deverão realizar mais ações de qualidade, em regime de rígidas limitações orçamentárias. Ainda cabe mencionar os numerosos reconhecimentos públicos recebidos pela GTE, como o Prêmio E-Learning Brasil 2010-2011, promovido pela Câmara Brasileira do Livro; o Prêmio Jabuti – 2009, na categoria Educação, Psicologia e Psicanálise, com a obra Educação a Distância – O Estado da Arte (Capítulo 1: “A História da EAD no Mundo”); e o Prêmio Mário Covas 2006, na categoria Gestão de Recursos Humanos, pelo projeto Ensino Médio em Rede – Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Nesses anos de existência, a GTE consolidou seu papel na Fundação Vanzolini, em consonância com as demais áreas de atuação da entidade. Ou, nas palavras do professor Plonski: “A GTE se considera apenas um naipe da ‘orquestra FCAV’, naturalmente especializada em certo tipo de ‘sons’. E, como os demais naipes, dedica-se a continuamente aprimorar o seu toque, de forma a encantar os públicos que a honram com a sua escuta”.
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O desafio do novo milênio
A TI nas organizações A Tecnologia da Informação (TI) vem sendo um campo em que a Fundação investe com afinco desde os anos 1990, quando o papel da TI em organizações dos mais diversos segmentos começou a aumentar. Tratava-se de um setor estratégico para o país, no qual muitas oportunidades haviam sido perdidas. “Por exemplo, a indústria de informática cresceu por causa da reserva de mercado e, de repente, por uma penada do governo, acabou de um dia para o outro. Isso é um problema. Então na área de TI hoje o que se discute muito é a questão da exportação de software”, disse o professor Marcelo Schneck de Paula Pessôa, membro do Conselho Curador da Vanzolini, em 20072. Para outro membro do Conselho, Mauro Spinola, a Fundação Vanzolini pôde contribuir para que as empresas oferecessem melhores produtos de TI, como na área de produção de software. “Nós fomos pioneiros no Brasil de trazer os modelos internacionais de melhor produção de software”, declara. Por outro lado, [contribuímos para que] empresas que se utilizam de sistemas ERP, se utilizam de sistemas para gestão, pudessem adquiri-los e implantá-los de forma mais adequada. Podemos citar alguns casos. No Brasil, algumas empresas pioneiras na implantação do modelo CMMI – que é um modelo de produção de sistemas desenvolvido pela Universidade Carnegie Mellon e que é considerado desde os anos 90 o principal modelo de gestão de processos de TI –, como a Motorola e a HP, tiveram o apoio da Vanzolini para implantar esses modelos e se alinhar como empresas que produziam produtos de alta qualidade. Então, essa combinação de TI com organização, de TI com produção, de TI com processos é um perfil muito importante do trabalho da Fundação Vanzolini.3
Outras linhas de trabalho abordaram a segurança da informação e impactos estratégicos da TI. “Os sistemas de informação podem ter grande importância para empresas cujos produtos e processos contêm muita informação, como empresas de educação, telecomunicações, advocacia, consultoria e bancos. O alinhamento estratégico, como prática permanente, tem sido observado nas empresas em que a TI tem maior impacto na competitividade”, afirmou em 2005 o professor do Departamento Fernando José Barbin Laurindo.4 2
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Em depoimento concedido ao informativo Vanzolini em Foco – FCAV em Três Tempos, edição especial realizada em comemoração aos 40 anos da Fundação Vanzolini completados em março de 2007. Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini. Em depoimento concedido ao informativo Vanzolini em Foco – Especial TI, edição especial de TI, publicada em 2005.
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Fundação Vanzolini 50 anos
Uma questão-chave em meados da década era a da inserção da produção brasileira de software no mercado internacional. “Essa inserção é uma preocupação do Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP e da Fundação Vanzolini. Dentro desse objetivo, tenho defendido alguns pontos fundamentais a trabalhar. O primeiro é qualidade de nossos produtos e processos. O segundo é a produtividade – produzir mais gastando menos e no prazo definido. O terceiro é a fábrica de software. A Engenharia de Produção tem contribuído para que a produção de software seja sistematizada, controlada, medida – para poder atingir aqueles outros objetivos de qualidade e produtividade”, opinou na época o professor Mauro de Mesquita Spinola.5 Spinola salienta ainda a atuação com pequenas empresas. A Vanzolini começou a formar grupos com essas organizações para ministrar treinamentos (com redução de custos) e oferecer um trabalho de consultoria para a implantação de processos. “Se pegarmos as empresas, especialmente no estado de São Paulo, que adotaram sistemas (desde os anos 1990, com a ISO 9001, passando pelo CMMI e, mais recentemente, os modelos MPSBr), boa parte delas foi com o apoio da Fundação Vanzolini. Isso é um orgulho.”6
Processo AQUA e outras certificações
No campo da certificação, os anos 2000 trouxeram muitas novidades. Na virada do século, por exemplo, a Fundação Vanzolini recebeu o credenciamento da Organização Nacional de Acreditação (ONA) para realizar a acreditação em organizações assistenciais de saúde. Ainda na primeira metade da década, tornou-se o primeiro e único Organismo de Certificação acreditado pelo IATF (International Automotive Task Force) para realizar auditorias em conformidade com a ISO/TS 16949 na América do Sul. Outro projeto de grande expressão da diretoria de certificação da Fundação Vanzolini teve o lançamento na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), em 2008: trata-se do processo AQUA (Alta Qualidade Ambiental), que promove a certificação do desempenho ambien5
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Em depoimento concedido ao informativo Vanzolini em Foco – Especial TI, edição especial de TI, publicada em 2005. Em depoimento disponível em http://50anos.vanzolini.org.br/. Site especialmente criado para as comemorações dos 50 anos da Fundação Vanzolini.
O desafio do novo milênio
tal das edificações. Na mesma época, foi formada a Sustainable Building Alliance, pelas principais certificadoras da construção sustentável do mundo, sendo a Fundação Vanzolini membro fundador, com assento no board. Os primeiros passos em direção à elaboração do referencial do AQUA, um conjunto de conhecimentos baseados em quatro pilares, a ecoconstrução, a ecogestão, a saúde e o conforto, foram ensaiados após a Rio-92, quando países como Japão, Austrália, Nova Zelândia, França, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos incluíram em sua agenda, os aspectos ambientais da construção, concebendo seus critérios e sistemas de avaliação e certificação da sustentabilidade da construção. Atenta aos anseios de seus clientes e ao mundo em constante mudança, a Fundação Vanzolini identificou, em 2005, uma demanda para a certificação do desempenho ambiental das edificações no Brasil. A entidade tomou então para si a missão de implementar um sistema de certificação ambiental que fosse o mais adequado ao nosso país. A história do surgimento dessa certificação foi contada pelo diretor de certificação da Vanzolini, professor José Joaquim do Amaral Ferreira: Os americanos começaram a chegar aqui [no Brasil] com um modelo chamado Leed, típico da América do Norte, muito focado na insolação do Hemisfério Norte, e venderam esse selo de edificação sustentável, baseado no modelo deles, sem dar a mínima bola para a “torcida local”. Tentamos conversar com eles, mas foi impossível. Pensamos o seguinte: temos aqui a Politécnica, com a Engenharia Civil, que é de primeiríssimo mundo – temos toda essa internacionalização por meio da IQNet. Por que não fazer um modelo adequado às condições brasileiras, para que a gente tenha controle dele? Aí surgiu o AQUA, um modelo de Alta Qualidade Ambiental na construção civil. Surgiu numa tese de pós-doutoramento que orientei. Foi a situação bem típica de criar um know-how na universidade e transferi-lo para a sociedade. E para evitar o problema que a gente já conhecia de ter um modelo internacional, nós nos antecipamos e fizemos um acordo com a França, onde tínhamos bastante contato. Eles têm uma instituição lá chamada HQE – Haute Qualité Environnementale (Alta Qualidade Ambiental).7
Foi assim que, em 2007 a Fundação Vanzolini firmou contrato de cooperação técnica com o CSTB e sua subsidiária Certivéa, para elaborar o processo AQUA – Alta Qualidade Ambiental, em cooperação com o CSTB/ Certivéa da França e os Departamentos de Engenharia de Produção e de 7
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Construção Civil da Poli-USP, e passou a oferecer essa certificação de padrão internacional. Em 2013, realinhou o modelo, renomeando-o AQUA-HQE, realçando os indicadores de desempenho globais, mas ao mesmo tempo integrando seus requisitos com os critérios da norma brasileira de desempenho das edificações, a NBR 15575 e a norma de acessibilidade, a NBR 9050, além do PBE-Edifica, o regulamento para a etiquetagem da eficiência energética das edificações, tornando-se também um organismo acreditado para fazer as inspeções e fornecer essa etiqueta.
Realizações em várias frentes Uma das atividades mais representativas da Vanzolini e que está no cerne de sua existência como entidade de propagação de conhecimento está no campo da educação. “Nós temos um conjunto bastante grande de cursos, alguns deles dados em parceria com a Universidade de São Paulo, outros que são exclusivos da Fundação. Essa é uma atividade importante”, afirma o professor Roberto Marx, diretor de operações da entidade, atualmente o responsável pela área.8 Atenta às demandas da sociedade, a Vanzolini desenvolveu programas de pós-graduação e MBA em convênio com a USP, cursos de capacitação e de curta duração, que também foram disponibilizados em versões in company. Mais recentemente, a Vanzolini assinou convênios para a realização de módulos internacionais. Entre os principais lançamentos, estão o MBA – Gestão da Inteligência Competitiva, os cursos de Especialização em Qualidade e Produtividade e Especialização em Logística Empresarial, Especialização em Gestão de Projetos e Especialização em Gestão de Projetos para TI. “Tenho impressão de que essa é uma atividade em que a Vanzolini vai estar sempre envolvida. No estatuto original era objetivo da Fundação disseminar metodologias da Engenharia de Produção, e a primeira forma utilizada, mais imediata, foi oferecer cursos, depois vieram a educação a distância e a certificação. Mas o objetivo é um só: transferir conhecimento”, diz o professor Gregório Bouer.9 Ainda no campo da difusão do conhecimento, a Fundação Vanzolini apoiou vários eventos de grande porte organizados pelo Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP, como o Seminário Internacional 8
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O desafio do novo milênio
O Trabalho no Século 21, em 2004; três edições do Seminário Internacional de Inovação na Pequena e Média Empresa, em 2006, 2008 e 2014. Entre outros projetos levados adiante no período, organizou em 2002 um estudo sobre a cadeia automotiva brasileira para o BNDES, com o objetivo de mapeá-la, além de identificar seus principais gargalos. Em 2007, ao completar 40 anos, a Vanzolini festejou uma trajetória robusta, consistente com suas atribuições e conduzida de forma ética. E a festa foi no novo endereço, localizado na Avenida Paulista.
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presente
Meio século em plena forma Na aldeia global, o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação revolucionou as relações de espaço e tempo nas transmissões de informações. É em meio a uma miríade de dispositivos móveis interconectados que o ser humano se relaciona socialmente e profissionalmente. A sociedade do espetáculo se traduz em imagens transmitidas por smartTVs, smartphones e tablets. Outros componentes desse cenário, uns mais populares, outros de uso ainda restrito, são a impressora 3D, aplicativos como o WhatsApp, a tecnologia 4G de telefonia móvel e o conceito de Big Data. Nesse mundo visto pela telinha, alguns marcos captaram o olhar de internautas e telespectadores. Nos últimos anos, assistimos ao fim da Guerra do Iraque, às reivindicações que deram origem à Primavera Árabe, à crise migratória na Europa, à ascensão do grupo terrorista Estado Islâmico e à eleição do republicano Donald Trump nos Estados Unidos, entre outros eventos. No Brasil, o espetáculo da política está em curso, com a eleição e queda de Dilma Rousseff, a operação Lava Jato e inúmeras denúncias de corrupção. Mais uma crise econômica acomete o país, cujo PIB despenca. No início da década, em 2010, o PIB cresceu 7,5%; em 2015, houve um encolhimento de 3,8% em relação a 2014, segundo dados do Banco Central.
Relevância social Em meio século de vida, a Fundação Vanzolini consolidou-se no âmbito da difusão da Engenharia de Produção, Administração Industrial e gestão de operações. Nesse período, a instituição lançou um modelo pioneiro –
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Fundação Vanzolini 50 anos
e soube adaptá-lo quando necessário – para desempenhar essa tarefa, tendo como público-alvo organizações externas ao meio acadêmico. Também tem dado contribuição expressiva para a criação e enraizamento de um movimento em prol da qualidade e da produtividade na sociedade brasileira. Outro ponto que merece destaque é sua atuação na tradução de conceitos da Engenharia de Produção em soluções inovadoras para áreas típicas da administração pública, como a educação e a saúde. A credibilidade conquistada pela Fundação Vanzolini, seu principal ativo, é renovada constantemente em cada projeto, curso, consultoria ou certificado emitido. O trabalho é duro, mas os resultados, gratificantes. Num exercício constante de refletir sobre o papel social da Fundação Vanzolini, alguns de seus professores elencaram os desafios do presente para a instituição. Entre os mais relevantes estão: fortalecer os laços entre universidade e empresa, ampliar a atuação no campo da educação e consultoria, bem como no setor público, apoiar pesquisas e desenvolver projetos que envolvam a internet das coisas e a indústria 4.0, a produção de software, a segurança de informações e, claro, manter-se na linha de frente nas áreas em que a Vanzolini se especializou.
Laços fortes entre universidade e empresa A sinergia entre conhecimento teórico e prática marca a atuação da Fundação Vanzolini desde o surgimento, estabelecendo um vínculo entre a academia e o meio produtivo, mas vale ressaltar que existe de modo geral uma dicotomia na relação entre a universidade, em sentido amplo, e o mercado. É o que explica o professor Marcelo Pessôa: A universidade está descolada do mercado. Descolada no seguinte sentido: não existe uma integração entre as empresas, a universidade e a sociedade. Isso é válido dos dois lados. Quer dizer, o empresário quando precisa de alguma coisa, uma tecnologia, ele dá valor a uma tecnologia que ele vai buscar lá fora, que ele licencia, compra, importa, mas ele não vai ao lado, à universidade, para pedir ajuda, para resolver um problema ou para desenvolver alguma solução. E isso é um fluxo muito importante em alguns países como Estados Unidos, Alemanha, França, que são os países que poderiam nos inspirar para fazer esse tipo de coisa.1 1
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No âmbito da Engenharia de Produção, essa interação é imprescindível, pois permite que alunos e pesquisadores estejam em contato constante com a realidade da profissão. “A Engenharia de Produção tem uma distinção em relação a outras engenharias, pois o objeto de estudo dela são sistemas. A Engenharia Civil tem um objeto que são as construções civis. A Engenharia Elétrica é da mesma forma, assim como a Mecânica. Já a Engenharia de Produção se preocupa muito menos com os elementos do sistema e muito mais com as interligações entre eles, de forma que esse sistema tenha eficiência”, argumenta o professor Luis Fernando Pinto de Abreu, diretor administrativo e financeiro da Fundação Vanzolini. Essa característica impõe uma questão: Qual seria o laboratório da Engenharia de Produção? “É fácil ir aos laboratórios das outras engenharias, mas e o nosso? O nosso laboratório seriam as próprias empresas, de tal forma que é impensável que a Engenharia de Produção não tivesse uma inter-relação estreita com as indústrias desde seu nascedouro.”2 Em grande parte, continua o professor, a maneira de viabilizar esse estreitamento foi por intermédio da Fundação Vanzolini. “Ela conseguiu viabilizar do ponto de vista burocrático e econômico a nossa contribuição para as indústrias ao mesmo tempo que trazia esse ambiente complexo de uma indústria real para nós estudarmos. A principal característica da Fundação, que a distingue de outras, é a sua ligação com uma universidade pública. A primeira que surgiu com esse escopo foi a nossa.”3 O professor Guilherme Ary Plonski descreve mais alguns aspectos dessa relação: A Fundação Vanzolini, como algumas de suas coirmãs que surgiram posteriormente, atua como estrutura para dinamização da interface entre a produção de conhecimentos acadêmicos numa universidade pública de excelência internacional e a utilização desses conhecimentos, devidamente transpostos, pelo meio empresarial privado na construção de respostas às suas necessidades. Desejavelmente estabelece-se uma dinâmica de fluxos bilaterais de conhecimentos e pessoas que, alicerçada em confiança gradativamente construída, gera um processo de cooperação interinstitucional de longa duração. Essa cooperação tem múltiplos beneficiários, com destaque para o(a)s estudantes.
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Plonski também alerta para o fato de que numa sociedade que passa por intensas e permanentes transformações, em que novos campos de conhecimento emergem com frequência, é essencial preservar a atuação articulada da Fundação Vanzolini com o Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP, “assegurando a complementaridade profícua desenvolvida ao longo de mais de 18 mil dias”. Outro desafio que se apresenta é lidar com segmentos do governo e da própria universidade que se opõem à existência de fundações privadas, sem fins lucrativos, de apoio a universidades públicas, mesmo que – como é o caso da Fundação Vanzolini – contribuam de forma efetiva para a sociedade. “É importante registrar que essa incompreensão é alimentada, em medida expressiva, pelo próprio êxito do modelo fundacional, que tem se expandido notavelmente ao longo das cinco décadas em que atuamos”, acrescenta Plonski. O ex-ministro Antônio Kandir, engenheiro de produção e entusiasta dos esforços da Fundação Vanzolini, é categórico ao afirmar que as empresas que vão sobreviver são aquelas com capacidade de inovação, o que depende de uma reflexão interna, mas sobretudo apoiada externamente. “Por isso, a chamada ponte entre universidade e empresa não é mais uma ponte para ser projetada. É uma ponte para ser implementada da melhor forma possível. E certamente instituições como a Fundação Vanzolini desempenham um papel fundamental. Não só pelo que fazem, mas pelo exemplo que dão das formas mais práticas de solidificar essa relação”, declara.4
Expansão da área de consultoria Com tanto know-how e experiência acumulados em setores estratégicos para organizações do setor privado e público, é natural pensar em meios de transferir esse conhecimento pelo trabalho de consultoria a organizações. E o caminho inverso também é muito profícuo, pois nesse corpo a corpo com os embates enfrentados pelas empresas surgem inúmeras oportunidades para elaborar soluções aplicáveis quase imediatamente, como explica o professor Roberto Marx.
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É uma área extremamente importante não só pelo resultado – ou seja, o tipo de produto que os professores e as equipes geram para as empresas, para a sociedade e para governos –, como também porque a meu ver é uma grande oportunidade que a Fundação viabiliza para professores de estudar e gerar soluções para problemas concretos, que são apresentados pela sociedade de uma maneira geral. Embora os professores, especialmente da Engenharia de Produção, tenham um pé na prática, trata-se de uma oportunidade real de receber um desafio que vem das empresas, entender esse desafio e oferecer um resultado relevante, usando o conhecimento que nós temos e desenvolvemos ao longo do tempo.5
Esse é um campo que pode crescer muito na estratégia da Vanzolini. Essa é a opinião do professor Alberto Wunderler Ramos. “Acho que isso está mudando, pois temos sido convidados a participar de concorrências públicas ou consultados por empresas para prestar consultoria.”6
Foco na gestão pública É sabido que o Estado brasileiro, em suas três esferas – federal, estadual e municipal –, tem de maneira geral uma grande carência na área de gestão. Em muitos casos, trata-se de um fosso que precisa ser suplantado para o bem-estar da sociedade. Roberto Marx aborda o tema e apresenta alguns caminhos para o desenvolvimento. É um espaço ainda fértil para ser semeado pela Fundação Vanzolini: É mais recente – algo como 15 anos – uma atuação mais forte, mais sistemática, junto à gestão pública. Há dificuldade de contratação e de interlocução com o governo, por vários motivos, mas acho que a Fundação pode ter um papel maior do que tem tido nessa área. Isso vai acontecer se os professores ligados à Fundação se aprofundarem nesse tema. O espaço para que isso aconteça, ou seja, a carência na gestão pública, é muito grande.7
Segundo o professor Fernando José Barbin Laurindo, as pessoas esquecem que muitos aspectos da gestão pública e privada são, no fundo, 5
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idênticos. Guardadas as particularidades, a gestão nas organizações públicas, seja da administração direta ou nas empresas de origem pública, enfrenta os mesmos problemas da gestão em organizações privadas. Portanto, o nível de excelência deve ser o mesmo. “Eu acredito que as pessoas podem mudar o espaço que elas ocupam, onde quer que elas estejam. Muitas vezes a gente procura soluções muito grandes e a solução pode começar com aquela pessoa que executa bem o seu trabalho, aquela que usa princípios adequados e éticos de gestão”, explica. E acrescenta que o setor enfrenta a dificuldade de ter que periodicamente se adaptar a uma nova orientação política. “Isso tira a perspectiva de que a organização tem de ser eficiente e eficaz.” A solução seria desvincular o corpo técnico do viés político. “Isso ajudaria muito no bom funcionamento a longo prazo.”8
Produção e segurança de software O Brasil é responsável por cerca de 1% da produção de software mundial e é grande o número de empresas que não sobrevivem ou que não conseguem sair de um patamar muito pequeno de produção porque não perceberam que para produzir em um mercado global é preciso ter melhores processos. A boa notícia é que esse dado encerra uma oportunidade. “São mais de 3 mil empresas fabricantes de software. A maioria ainda se utiliza de métodos artesanais de produção”, afirma o professor Mauro de Mesquita Spinola. “A Fundação Vanzolini, com várias outras organizações do Brasil, tem buscado trazer modelos mais avançados, que permitam que as empresas – mesmo as pequenas – se organizem melhor, gerenciem melhor seus processos para oferecer produtos de melhor qualidade, mas ainda existe uma resistência de muitos segmentos.”9 Diante da infinidade de dados compartilhados na rede, é cada vez mais lucrativo roubar informações. O professor Amaral Ferreira explica que, como um vírus descobre a porta de entrada numa célula, o hacker pode entrar no equipamento de qualquer pessoa. Imagine que toda essa parte de segurança de informação tenha um sistema de gestão que diz para pensar nessa questão e evitar que essas coisas aconteçam. É algo 8
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que está um pouco acima do nível da programação. Está no nível de planejamento. Como você vai planejar o seu software, o seu sistema, de modo a evitar que essas coisas aconteçam.10
A Fundação Vanzolini trabalha com uma certificação na área de segurança da informação de acordo com a norma ISO 27000 e com a certificação de acordo com a norma ISO 20000, que certifica software houses. O desafio agora no campo da certificação é trabalhar com a internet das coisas.
Internet das coisas e indústria 4.0 A humanidade está no limiar de um mundo em que o físico e o digital se tornem um só, por meio de dispositivos que se comuniquem com outros, com data centers e suas nuvens. A internet das coisas, que, de modo simplificado significa a conexão de objetos com a internet para facilitar a vida das pessoas, é o conceito que está por trás desse mundo que até pouco tempo seria designado como ficção científica. Hoje esse é um campo de pesquisa e de projetos em grande expansão. “Estamos muito focados em aplicações da tecnologia e desdobramentos para o Brasil, em como as novas tecnologias ou a internet das coisas impactam a gestão da produção, que é uma área tradicional da Vanzolini”, conta o professor Eduardo Zancul. “Temos um projeto no Departamento de Engenharia de Produção, de criação de uma fábrica do futuro Poli. E nesse ambiente a gente vai demonstrar a aplicação da internet das coisas no processo produtivo. É um desafio para a universidade porque é um tema de grande impacto para a sociedade, é muito abrangente, demanda integração de competências.”11 A indústria 4.0 prevê a conectividade do ambiente industrial, permitindo a customização de produtos, por exemplo. Nesse processo, usa a tecnologia da internet das coisas. O tema indústria 4.0 está muito em voga no setor empresarial brasileiro. No último ano aumentou o interesse das empresas e do governo brasileiro em buscar conhecimento, atualização, tecnologias nessa área, principalmente seguindo países como os Estados Unidos, a Alemanha e em alguma medida a China.
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O amanhã se faz agora Uma entidade com tanta história para contar não pode se furtar de planejar o porvir. Esse círculo virtuoso que envolve a memória das realizações e a disposição constante de pensar o futuro alimenta o diálogo entre os atores sociais responsáveis pelo avanço da inovação e do empreendedorismo. Elo essencial na corrente que liga o conhecimento acadêmico a empresas do setor público e privado, a Fundação Vanzolini tem ciência da responsabilidade de seu protagonismo nesse debate e, por isso mesmo, ao longo de seus 50 anos, dedicou tempo considerável a refletir sobre seu papel na sociedade para traçar estratégias e se lançar a novos desafios. É nesse contexto que o Conselho Curador da Fundação Vanzolini tem tomado algumas decisões de impacto para as atividades futuras da instituição. Em 2016, foram realizadas duas alterações no estatuto da entidade com o objetivo de ampliar seu espectro de atuação como estratégia de longo prazo. A primeira alteração permitiu que a Vanzolini se tornasse uma instituição habilitada a desenvolver pesquisas em ciência e tecnologia. Esse passo vai permitir maior sinergia com o Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP e acesso a órgãos de fomento. “Mas é importante salientar que as pesquisas realizadas pela Vanzolini são de cunho prático. A ideia é fazer com que rapidamente possam se tornar algo a ser utilizado pelas empresas, seja por meio de novos processos, seja em novos produtos”, detalha o professor Marcelo Schneck de Paula Pessôa. A segunda mudança é referente à possibilidade de participar de empresas privadas. Agora a Vanzolini tem autonomia para, por exemplo, se associar a alguma organização do setor produtivo para desenvolver uma tecnologia. “A universidade gera conhecimento. Esse conhecimento vai virar
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uma patente, vai virar uma tese, com base em uma pesquisa que está sendo feita. E a Vanzolini vai estar lá na ponta para transformar essa pesquisa em ‘riqueza’”, acrescenta Pessôa. A iniciativa é importante porque a USP, assim como outras universidades, é excelente no âmbito da pesquisa, mas apenas uma pequena quantidade desse conhecimento é convertida em riqueza para a comunidade que a sustenta. “Com essas alterações vamos aos poucos fechando o ciclo do conhecimento e da geração de riqueza. Assim, estamos dando a nossa contribuição para devolver à comunidade o conhecimento gestado na academia, por meio de um produto ou um serviço que vai ser produzido por agentes econômicos”, completa. Como diz o professor Mauro Zilbovicius, que também faz parte do Conselho Curador da instituição, um dos papéis da Fundação é, portanto, pensar no que ainda não está disseminado no setor produtivo. É o caso da reflexão sobre o impacto da internet das coisas no dia a dia da produção e dos serviços. “Isso não está resolvido. Na parte de mobilidade urbana e das cidades inteligentes também tem muita coisa que não está resolvida. O automóvel, por exemplo, tem um futuro muito incerto, muito mais incerto do que ele tinha há 30, 40 anos no Brasil. A Vanzolini precisa pensar em como traduzir isso em conhecimento aplicável aos empreendedores, às empresas que estão nessa área de ponta.”1
Mudanças de paradigma na produção Em meio à quarta revolução industrial, que possibilita novas formas de produção, a produção em massa vai dividir o cenário com a customização, de acordo com o professor Eduardo Zancul. “Para cada uma das pessoas, alguns produtos poderão ser feitos sob demanda. E isso é uma mudança de paradigma. A Fundação Vanzolini teve fases importantes no desenvolvimento industrial brasileiro. Chama muito a atenção o que aconteceu com a área de qualidade, que teve no Brasil um grande impulso pela Vanzolini. Estamos no momento de ter o mesmo posicionamento nesses novos paradigmas de produção e saber como o Brasil vai se inserir nessa área.”2
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A partir de 2007, o planeta passou a ter mais pessoas vivendo em cidades do que no campo. Esse é um fato inédito na história da humanidade. Para 2020, a expectativa é de que 70% da população mundial seja urbana. Diante disso, é imperativo buscar soluções para os problemas de infraestrutura e, ao mesmo tempo, começar a aplicar as novas tecnologias na organização do caos urbano. Um dado relevante em termos de mobilidade urbana é a demanda crescente por parte dos usuários e das novas gerações por outros meios de transporte que não o individual. O professor Leandro Alves Patah cita o exemplo de informações de trânsito em tempo real por meio de aplicativos de celulares, que deve estar disponível em breve em São Paulo. Trata-se de um dispositivo relativamente simples de ser implementado. “A conexão dos ônibus é por meio de chips ou redes de dados. E você sabe exatamente onde esse veículo está. E consegue reportar isso para a central de controle, mas para a população também. Através de um aplicativo eu saberia a linha que preciso pegar, onde ela está, se ela vai demorar. A gestão pública consegue gerenciar melhor a concessionária de transporte e também oferecer ao usuário informações em tempo real.”
A Fundação Vanzolini tem se dedicado a temas novos que apontam o futuro para a sociedade, entre eles a manufatura avançada, ou indústria 4.0, a internet das coisas e a indústria criativa de modo geral. O professor Roberto Marx afirma que alguns professores já desenvolvem pesquisas sobre esses assuntos no Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP e têm se engajado em projetos que a Vanzolini tem interesse de desenvolver e articular com entes sociais. “Seja cursos de formação, seja palestras e discussões para entender melhor o impacto dessas tecnologias ou desses novos campos do conhecimento na sociedade, seja na parte de estudos, de consultoria. São temas emergentes em que a Vanzolini quer se consolidar e oferecer seus serviços.”3 3
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Ciência, tecnologia e inovação A Fundação Vanzolini tem uma tradição de olhar as organizações nos diversos aspectos que envolvem o seu trabalho, como estratégia, processos e tecnologia da informação. No entanto, não faz mais sentido trabalhar essas dimensões separadamente. Dessa forma, como explica o professor Mauro Spinola, é preciso ter uma visão global das empresas para que elas possam utilizar as melhores práticas, voltadas para processos e projetos, e as novas tecnologias. “Serviços, produtos, pessoas, processos e decisões estarão cada vez mais integrados. Se podemos pensar que temos um software em uma máquina e temos um software em todas as outras máquinas, por que não as integrar? Isso traz um repensar fantástico para as organizações. A Fundação Vanzolini cada vez mais deverá voltar os seus trabalhos e produtos para essa nova visão.”4 É consenso entre os pesquisadores da área que a TI é essencial para o desempenho das organizações, mas ela é incapaz de resolver problemas isoladamente e não basta integrar equipamentos e software. O professor Fernando Laurindo esclarece que é preciso ter a tecnologia alinhada com a gestão da empresa para obter efeitos positivos e duradouros com a sua aplicação. “Se você não consegue combinar sua estratégia de negócio com sua estratégia de tecnologia, se você não tem isso bem coordenado, bem orquestrado através de uma gestão bem-feita, você não vai ter vantagem. Você não vai competir com sucesso.”5 Cabe ainda fazer menção a outro aspecto estudado pela Engenharia de Produção e que envolve as novas tecnologias: como o uso intensivo das tecnologias mudou as relações de trabalho. Segundo o professor do Departamento Laerte Idal Sznelwar, essa questão remonta à fase de difusão do emprego dos computadores nas organizações e na vida das pessoas. “O salto tecnológico da disseminação do computador trouxe desafios enormes”, diz. “O problema não é a máquina em si, apesar de que ela pode trazer problemas no seu bojo – dependendo de como ela é concebida e com que propósito. O problema está em como é usada a máquina e, no caso das relações de trabalho, é uma relação de heteronomia.”6 O professor explica que, em países de tradição 4
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mais autoritária, como o nosso, esse sistema cria uma relação de submissão intensa, entre a pessoa que opera o computador e o gestor que dá as ordens. Outra tarefa dos pesquisadores, da universidade e da Vanzolini em relação às novas tecnologias é procurar compreender como elas podem ser inseridas nas empresas ou até mesmo nos lares. “O papel fundamental é fazer uma análise crítica disso, indicar novos caminhos, novas formas de fazer negócio, novas formas de interagir”, destaca Marcelo Pessôa.
Compromissos de longo prazo Para João Amato Neto, os desafios que se colocam agora para a Fundação Vanzolini têm a ver com os desafios da nossa economia e da nossa sociedade. “Entendo que a Fundação Vanzolini deve continuar a trabalhar nas suas frentes de excelência, como no aprimoramento dos padrões de qualidade, nos modelos de gestão ambiental, nas tecnologias de educação a distância, nos padrões de manufatura classe mundial.7 Ao mesmo tempo, segundo o professor, a instituição deve desenvolver e aperfeiçoar novas frentes de trabalho. Como exemplo, cita o setor público: trabalhar muito com a qualificação de gestores, de políticos e políticas públicas, colaborando para criar projetos de Estado, com resultados sólidos e com visão de longo prazo. “Além disso, creio que a Fundação deva avançar nas frentes nas quais ela vem desenvolvendo projetos, como no tema da gestão de sistemas de saúde, contribuindo para qualificar hospitais e centros de saúde, em termos de capacitação na gestão de operações e certificações de sistemas de saúde.”8
Cinco temas para os próximos 50 anos No mês em que completa seus 50 anos de existência, a Fundação Vanzolini resolveu comemorar em grande estilo: promovendo um debate sobre cinco eixos temáticos relevantes para o país: a Relação Universidade-Empresa; a Educação Continuada; a Indústria 4.0; a Gestão de Sistemas de Saúde; e a Gestão Pública. 7
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Realizado em março de 2017, o Ciclo de Seminários Produzindo o Futuro foi concebido para promover a discussão desses temas do ponto de vista da universidade e do mercado, ao reunir professores, pesquisadores e consultores que convivem com os problemas da gestão pública e privada. De acordo com o professor João Amato, entre os objetivos do encontro está o “alinhamento da agenda das estratégias empresariais e políticas públicas, embasado no conhecimento e na experiência de nossos professores e de convidados de expressão”. Os dois primeiros seminários, “Educação Continuada” e “O Papel da Fundação Vanzolini na Relação Universidade-Empresa”, levantam o tema da formação profissional e do diálogo produtivo entre universidade e empresa. Dessa forma, a Vanzolini pode compartilhar seu conhecimento na educação continuada e na implementação de estratégias e tecnologias de aprendizagem, bem como reforçar sua posição pioneira como elo entre o conhecimento acadêmico e a prática de organizações públicas e privadas. O terceiro, “Inovação e Indústria 4.0, leva para a mesa de discussão as inovações globais da manufatura avançada e as dificuldades de integração do Brasil aos novos paradigmas de tecnologia e produção. No quarto seminário, “Projetos Inovadores na Gestão Pública”, o foco são as competências para estruturar projetos de Estado com resultados sólidos e visão de longo prazo. O tema do quinto e último seminário, “Gestão de Sistemas de Saúde”, é objeto de interesse e atuação da Vanzolini, seja no campo da qualificação profissional, seja no da certificação. *** É preciso dizer, sem nenhuma hesitação, que foram 50 anos bem vividos e que não falta disposição para enfrentar os desafios dos próximos 50. A Fundação Vanzolini tem as ferramentas necessárias para se manter na vanguarda da Engenharia de Produção em qualquer cenário que se apresente. Além disso, tem consciência do privilégio de contar com a competência de um corpo docente de primeira linha e a dedicação de consultores, auditores e colaboradores. É na convergência de experiência e inovação que a Vanzolini traça a sua trajetória. É por tudo isso que o futuro da instituição está garantido.
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A Fundação Vanzolini faz história Alguns marcos na trajetória da instituição, do Brasil e do mundo Anos 1930 e 1940 – Revolução de 1930 marca o início da Era Vargas. Ocorre a Revolta Constitucionalista
em São Paulo. Política econômica do governo Dutra (1946-1951) leva o país à queima das reservas cambiais acumuladas durante a Segunda Guerra Mundial. EUA lançam o Plano Marshall. 1934 – Fundação da Universidade de São Paulo (USP). A Poli faz parte de sua composição original. É promulgada a nova Constituição. 1938 – Organização do Conselho Nacional de Petróleo. 1940 – Lançada a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). 1941 – Criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). 1942 – O Brasil declara guerra ao Eixo, entrando oficialmente na Segunda Guerra Mundial. 1947 – A ISO (International Organization for Standardization) começa a funcionar.
Anos 1950 – Juscelino Kubitschek desenvolve a indústria de bens de consumo duráveis. A instalação
das empresas estrangeiras no Brasil estimula a implantação do curso de Engenharia de Produção na Escola Politécnica da USP. A União Soviética dá início à corrida espacial. Começa a Guerra do Vietnã. Fidel Castro lidera a Revolução Cubana. 1952 – Criação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). 1953 – Getúlio Vargas funda a Petrobras. 1955 – Ruy Aguiar da Silva Leme lança curso de extensão para engenheiros. 1958 – Criação da graduação em Engenharia de Produção da Poli-USP.
Anos 1960 – Kennedy é assassinado nos EUA. Brasil vive sob ditadura militar. Fundação Carlos Alberto Vanzolini é instituída. Estudantes saem às ruas em vários países para protestar. Collor é eleito. É trocado o primeiro e-mail entre computadores. 1960 – Juscelino Kubitschek inaugura Brasília, a nova capital federal. 1964 – Golpe militar. Castelo Branco assume a presidência. 1965 – Primeira Semana de Engenharia de Produção. 1967 – Criação da Fundação Carlos Alberto Vanzolini. Ruy Leme assume a presidência do Banco Central.
1968 – Primeiros cursos de extensão da Fundação Vanzolini. O Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP começa a oferecer um curso de mestrado. O Ato Institucional nº 5 fecha o Congresso Nacional. 1969 – O homem chega à Lua.
Anos 1970 – PIB cresce a 12% e o setor industrial a 18% ao ano no início da década. Explode a crise mundial do petróleo. Surge o primeiro “chip” comercial, com 4 bits.
1970 – Graduação em Engenharia de Produção torna-se um curso autônomo. 1972 – Início do curso de doutorado do Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP. 1973 – Criado o Inmetro. 1976 – Decreto Federal nº 78.319 reconhece o curso de Engenharia de Produção da Poli-USP. 1978 – A Fundação Vanzolini lança o Curso de Especialização em Administração Industrial (Ceai).
Anos 1980 – Primeiros passos da globalização da economia. No Brasil, estagnação econômica e
inflação. Cresce o movimento Diretas-Já. Acaba a ditadura. Cai o Muro de Berlim. Cientistas isolam o vírus da aids. 1986 – Criação da Associação Brasileira de Engenharia de Produção (Abepro). 1987 – Lançada a série de normas ISO 9000.
Anos 1990 – Collor sofre impeachment. São lançados o Macintosh, o Windows, o CD. O Plano Real derruba a inflação. Surge o Google. Internet começa a se popularizar. Preocupação com o bug do milênio. 1990 – A Fundação Vanzolini torna-se a primeira certificadora brasileira a atuar com as normas da série ISO 9000. A entidade desenvolve programas de capacitação para a construção civil. 1993 – A Poli completa 100 anos. 1994 – Peter Drucker lança o livro Administração de Organizações sem Fins Lucrativos, patrocinado pela Fundação Vanzolini. 1995 – Fundação Vanzolini realiza teleconferências internacionais em parceria com a San Diego State University (EUA). 1995 – A Fundação Vanzolini assina protocolo com a AOTS (The Association for Overseas Technical Scholarship), promove o Seminário Internacional Strategy to Promote TQM, Japonese Way e torna-se membro fundador do Instituto da Qualidade Automotiva (IQA). 1996 – A Fundação Vanzolini firma contrato com o governo do Estado de São Paulo para conceber as
bases do Programa Permanente de Qualidade e Produtividade no Serviço Público. É aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. 1997 – Morre o Professor Ruy Leme. Fundação Vanzolini começa a certificar sistemas de gestão ambiental, de acordo com ISO 14001. 1998 – A Fundação Vanzolini entra como membro pleno na IQNet. Lança o Curso de Especialização em Gestão Industrial.
Anos 2000 – Atentado ao World Trade Center, em Nova York, dá início à guerra ao terror. Lula é eleito.
Nasce o Facebook. Lançado o iPhone. Popularização da banda larga. Brasil obtém grau de investimento. É concluído o Projeto Genoma. NASA confirma a existência de água congelada em Marte e na Lua. Ocorrem grandes protestos, as Jornadas de Junho. 2000 – A Fundação Vanzolini recebe o credenciamento da Organização Nacional de Acreditação (ONA) para realizar a acreditação em organizações assistenciais da saúde. 2001 – A Fundação Vanzolini cria a área de Gestão de Tecnologias em Educação (GTE). 2002 – Lançamento do Curso de Capacitação em Black Belt Seis Sigma pela Fundação Vanzolini. Também organiza estudo para o BNDES com o objetivo de mapear a cadeia automotiva brasileira. 2003 – A GTE é responsável pela concepção e implantação do Programa PEC Formação Universitária Municípios. 2004 – A Fundação Vanzolini apoia o Seminário Internacional “O Trabalho no Século 21”. A entidade torna-se o único organismo de certificação brasileiro acreditado pelo IATF (International Automotive Task Force) para realizar auditorias em conformidade com a ISO/TS 16949. A GTE concebe e implanta o Programa Ensino Médio em Rede (Promed), da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Lançado o MBA de Gestão de Operações em Produtos e Serviços. 2005 – Criação dos cursos de Especialização em Qualidade e Produtividade e Especialização em Logística Empresarial. 2006 – A Fundação Vanzolini patrocina o 1º Seminário Internacional de Inovação na Pequena e Média Empresa. 2008 – Evento de lançamento do Processo AQUA (Alta Qualidade Ambiental). A GTE inicia sua parceria com a Campus Party Brasil. 2008 – A bolha imobiliária norte-americana desencadeia uma crise econômica mundial. 2008 – A Fundação Vanzolini é membro fundador, com assento no Board, da SBAlliance (Sustainable Building Alliance), com sede em Paris. O Departamento de Engenharia de Produção da Poli- USP comemora 50 anos.
2009 – Lançamento do Curso de Capacitação em Gestão da Qualidade e de Processos. A GTE desenvolve e implanta o Programa tecReg.
Anos 2010 – O PIB do Brasil cresce 7,5% e Dilma Rousseff é eleita primeira mulher presidente. Na Copa do
Mundo, Brasil perde por 7 a 1 para a Alemanha. Começa a Operação Lava Jato. Com a queda da presidente reeleita Dilma Rousseff, assume o vice, Michel Temer. Brasil entra em forte recessão. Nos EUA, o republicano Donald Trump é eleito presidente. Surgem a televisão 3D, a tecnologia 4G e o conceito de Big Data. 2010 – A Fundação Vanzolini lança os cursos de Capacitação em Gestão de Operações Logísticas e Capacitação em Análise de Negócios. A GTE colabora na criação do curso de Estatística para Engenheiros na modalidade EAD (com a tecnologia Polimedia) para a Poli. 2011 – Vanzolini participa de projeto com a Apex para aumentar a capacidade exportadora de empresas do estado de São Paulo. A GTE elabora o projeto Escola com Celular, em parceria com o MIT (Massachusetts Institute of Technology) e a ONG Ecosurfi. A diretoria de certificação desenvolve o RGMAT, selo de produtos sustentáveis da construção civil. 2012 – A Fundação Vanzolini lança o Curso de Especialização em Gestão de Processos e Serviços e o MBA Gestão da Inteligência Competitiva. 2013 – O Processo AQUA transforma-se em AQUA-HQE. A instituição inicia trabalhos para rever processos e avaliar e melhorar a capacidade de gestão de órgãos da administração pública nas suas três esferas. Desenvolve projeto de avaliação a 23 Arranjos Produtivos Locais (APLs) de Economia Criativa espalhados pelo Brasil. 2014 – Parceria com a West Virginia University permite o desenvolvimento do módulo internacional para alunos dos cursos de MBA e Especialização. A Vanzolini participa da Rio +20 e dá início ao processo de certificação de construção sustentável (Processo AQUA-HQE), da Vila dos Atletas e do Parque Olímpico. 2015 – Lançada a certificação AQUA-Portos, para Instalações Portuárias. 2016 – A Fundação Vanzolini recebe a acreditação do Inmetro para prover serviços de certificação dentro das novas versões das normas ISO 9001:2015 e ISO 14001:2015. A Fundação Vanzolini assina novo convênio com a Apex-Brasil. 2017 – A Fundação Vanzolini completa 50 anos e promove o ciclo de seminários Produzindo o Futuro, que aborda a Relação Universidade-Empresa; Educação Continuada; Indústria 4.0; Gestão de Sistemas de Saúde; e Gestão Pública.
Galeria dos 1967 e 1976-1983
1968
Ruy Aguiar Da Silva Leme
Oswaldo Fadigas Fontes Torres
1974-1975 Henrique Silveira De Almeida
1976 Paulo Kirschner Júnior
1998-2001
2002-2005
2008-2009
Afonso Carlos Corrêa Fleury
Marcelo Schneck De Paula Pessôa
Mauro Zilbovicius
Presidentes 1968-1971
1971-1973
Max Barcellos
Samsão Woiler
1984-1991 e 2006-2007
Gregório Bouer
1992-1997 Pedro Luiz De Oliveira Costa Neto
2010-2013
2014-2015
2016-2017
Antonio Rafael Namur Muscat
Mauro De Mesquita Spinola
João Amato Neto
Referências bibliográficas
Fundação Vanzolini
Fernandes, Waldir Algarte. O Movimento da Qualidade no Brasil. Inmetro/Essential Idea Publishing, 2011.
Conselho Curador:
Fleury, Afonso (coord.). Produzindo o futuro: 50 anos de Engenharia de Produção na Universidade de São Paulo. São Paulo, Epusp, 2008. Marangoni, Gilberto. Desafios do Desenvolvimento. Ano 9, Edição 72, 15/06/2012. Maranhão, Ricardo. “São Paulo, 1932: tecnologia a serviço da Revolução”. In: História Viva. São Paulo, Duetto, jul. 2010. Marcolin, Neldson. “Teoria e prática”. In: Revista Pesquisa Fapesp. São Paulo, Fapesp, ed. 206, abr. 2013. Nakata, Vera (org.). Escola Politécnica da USP. São Paulo, Riemma Editora, 2013. Pancieri, Antônio Lourenço. “Movimento para a cidadania”. In: Boletim Fundação Vanzolini, mar./ abr. 1997. Schwarcz, Lilia M., e Starling Heloisa M. Brasil: uma biografia. São Paulo, Companhia das Letras, 2015.
Alberto Wunderler Ramos, Celma de Oliveira Ribeiro, Fernando José Barbin Laurindo, Fernando Tobal Berssaneti, Marcelo Schneck de Paula Pessôa, Mauro de Mesquita Spinola, Mauro Zilbovicius Diretoria Executiva (2016 – 2017): João Amato Neto Presidente da Diretoria Executiva Luis Fernando Pinto de Abreu Diretor Administrativo e Financeiro Roberto Marx Diretor de Operações Coordenação editorial: João Amato Neto Organização e texto: Ana Paula Cardoso Projeto gráfico e ilustrações: Antonio Rodante Pesquisa histórica e iconográfica: “Entre Aspas” e Armazém de História Revisão: Fernanda Rodante Produção gráfica: Marcos Antonio Pinto Impressão: Gráfica Elyon Este livro foi composto em Berkeley LT e Helvetica Neue. Impresso em papel couche fosco 150 g
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