Estadunidenses e uruguaios estão tirando pira. Confira os resultados das novas leis para uso recreativo da cannabis e fique por dentro do assunto no Brasil
Afinal, maconha faz bem ou mal?
Rapper Rhuan Bocão fala tudo o que pensa sobre a erva
Remédio de maconha pode! Saiba como pedir Quais são as drogas proibidas mais consumidas no mundo? Foto: Gabriela Nogueira
O
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) era criar um produto jornalístico. A minha curiosidade era saber mais sobre maconha. E aí, o que penso sobre a erva? Sou contrária? Favorável? Não tinha respostas até começar as pesquisas. Foi por isso que decidi me enfiar nesta fumaça. Para falar a verdade, eu nunca fumei, mas já conheci maconheiros de corpo e alma, maconheiros discretos (que mal demonstravam o uso da erva) e os “antimaconha”. Cada um com seus argumentos. “Um baseado faz menos mal do que álcool e tabaco” ou “a maconha mexe com o psicológico, destrói famílias e é a porta de entrada para outras drogas”, essas eram frases comuns que eu escutava. E que só confundiam minha cabeça. Eu precisava, como toda jornalista, de dados concretos, provas. E existem sim várias pesquisas internacionais sobre maconha. Em uma busca rápida pelo PubMed, por exemplo, um acervo digital da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, é possível encontrar mais de 15 mil artigos digitando a palavra CANNABIS.
Mas a grande dificuldade de formar minha opinião estava justamente em decidir quais dos 15 mil eu deveria ler. Não era humanamente possível sugar todos eles! Temos cerca de 5 meses para o trabalho, 5 meses intensos, mas apenas 5 meses kkkkkk. Além de artigos, existem outras publicações “canábicas”, mas a maioria puxa muita sardinha para o lado bom ou ruim da maconha ou esclarece apenas uma parte das dúvidas dos leitores. Senti falta de um documento em que eu encontrasse um resumão. Queria novidade, informações básicas, verdadeiras e neutras. Então surgiu a revista MariaJoana. A ideia não foi incentivar o uso ou o desuso da droga, foi descobrir e contar sobre ela. Porque concordo com Samuel Lima: “educação gera conhecimento, conhecimento gera sabedoria, e só um povo sábio pode mudar seu destino.” Não encontrei ninguém satisfeito com as atuais políticas sobre maconha no Brasil. Então, nas próximas páginas, segue uma ferramenta de mudança. Eu formei minha opinião, mas o que cada um vai fazer com o seu conhecimento, aí fica a critério do freguês. Leia sem moderação!
DIAGRAMAÇÃO Gustavo Andrade REPORTAGEM E EDIÇÃO Gabriela Nogueira
INFOGRAFIA Rudolf Valentin
COLABORAÇÃO Alvaro Ferreira Aroldo de Oliveira Larissa Andrade Luccas Urbaneja
4 a 8 - Q ISSO? Cannabis, a mais pedida 9 a 11 - PAPO Palavras sativas de Rhuan Bocão
12 a 13 - EFEITOS Positividade X negatividade 17 a 19 - PAPO Voo devastador 20 a 24 - DUELO Legalização, good game ou game over?
14 a 16 - CAUSAS Fumando um beck para sair da bad 25 a 27 - REGRAS O criminoso do usuário Depois da Anny, remédio de maconha pode!
28 a 29 - #OPINIÃO
Foto: Gabriela Nogueira
CANnABIS, A MAIS PEDIDA Maconha é substância ilícita mais usada no Brasil, além de ser a mais cultivada, produzida, traficada e consumida mundialmente
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Q isso?
CANNABIS?
É o nome científico de um grupo de plantas arbustivas que surgiram na Ásia Central e são conhecidas há pelo menos 5 mil anos.
NATURAL
A cannabis floresce anualmente. A flor completinha mesmo só nasce da planta fêmea e vem cheia de pelos chamados tricomas. Os machos também têm tricomas, mas bem menos do que a “mulherada”. Esses pelinhos funcionam como uma fábrica de canabinoides e aparecem até em outras partes da erva. Em uma cannabis sativa fêmea podemos encontrar pelo menos 750 produtos químicos e 104 canabinoides diferentes.
DROGA
As extremidades floridas ou frutificadas da cannabis são classificadas como drogas pela Convenção Única sobre Entorpecentes. Nessa reunião, feita lá em 1961 e atualizada em 1972, estavam presentes representantes de 73 lugares do mundo, eles definiram quais substâncias deveriam ficar sob controle das organizações internacionais. A maconha foi uma delas!
MACONHA
PROIBIDA
O Brasil é um dos países que participou da Convenção. Aqui a cannabis é uma erva proibida. Ela está em uma listinha junto com outras 8 plantas com potencial para gerar entorpecentes e/ou psicotrópicos, ou seja, para produzir substâncias que provocam dependência.
HISTÓRIA
A galera considera o baseado uma droga natural porque usa a própria planta ou seus extratos como matéria-prima. As preparações alucinógenas da cannabis são popularmente chamadas de maconha. A própria cannabis do tipo sativa também recebe esse apelido.
A substância é recomendada no livro de medicina mais antigo da humanidade, o Pen-Ts’ao Ching, do século I ou II antes de Cristo (a.C.). O livro é inspirado nas tradições do imperador chinês Shen-Nung, que receitava a erva em meados de 3.000 a.C. para combater dores, prisão de ventre, perturbações de sono, entre outros problemas de saúde. E existem ainda sinais que indicam o uso da planta há mais de 10 mil anos, em Taiwan. A planta foi batizada em 1753 pelo botânico sueco Carl Linnaeus, também chamado de Carl von Linné. Por isso, muitas vezes a moçada usa a letra L na frente da palavra cannabis.
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DROGA PSICOTRÓPICA A maconha é considerada uma droga, mas a Convenção de 1961 não diz exatamente o que significa esse termo. Então, separamos algumas definições da Organização Mundial de Saúde (OMS): Drogas: na medicina, são substâncias que podem prevenir ou curar doenças ou aumentar o bem-estar físico ou mental. Já para os estudos dos medicamentos, drogas são agentes químicos que alteram o funcionamento de tecidos ou organismos;
Drogas psicoativas: são substâncias que mexem com nossos processos mentais, como humor e percepção;
Q isso?
DROGA PERTURBADORA A cannabis também é chamada de substância perturbadora. Ela não aumenta nem diminui a atividade do cérebro, mas, mesmo assim, perturba! Faz a caixola trabalhar fora do normal. Então ela não acalma como o álcool, não agita como crack, mas muda o funcionamento cerebral. Substâncias do tipo perturbadoras também são conhecidas como psicodélicas. Essa definição é dada por causa dos efeitos causados no Sistema Nervoso Central. Confira aí as divisões feitas pelo pesquisador francês Louis Chaloult:
Drogas psicotrópicas: podem ter o mesmo significado que drogas psicoativas, mas também são definidas como substâncias com alto risco de criar problemas sociais, psicológicos ou físicos. Na legislação brasileira (portaria n° 344/1988), além da cannabis ser classificada como planta geradora de entorpecentes e/ou psicotrópicos, o THC, um dos canabinoides da erva, está na lista de psicotrópicos proibidos no País.
Depressoras: álcool, soníferos, morfina, heroína, ansiolíticos... Estimulantes: cocaína, crack, merla, anfetaminas, cafeína... Perturbadoras: maconha, LSD-25, êxtase, cogumelo, cacto...
TIPOS DE CANNABIS São conhecidas 3 espécies da maconha, que ainda podem cruzar e gerar plantas híbridas: RUDERALIS • Floresce de acordo com a idade e não pela luz; • Se adapta mais ao frio; • Tem baixo THC; • Não atinge 1m.
SATIVA • É a mais comum no Ocidente; • Tem folhas finas e compridas; • Pode crescer até 5,5m de altura. INDICA • Tem folhas e brotos mais largos; • Tem mais folhas e brotos; • Alcança aproximadamente 1m.
A sativa está mais relacionada com os efeitos psicoativos. A indica, com os efeitos mais periféricos, como relaxamento, sem tanta alteração de percepções e pensamentos”
Lucas Maia, mestre em Psicobiologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Os canabinoides são compostos químicos que funcionam como “monitores” no cérebro, liberando ou não os impulsos pelos neurônios. Existem camaradas em algumas células do nosso corpo prontos para receberem esses compostos, são os receptores de canabinoides, mais conhecidos como CB1 e CB2.
Os primeiros são encontrados principalmente no cérebro mesmo, em regiões que envolvem memória (hipocampo), emoção (amígdala), compreensão (córtex cerebral), motivação (prosencéfalo límbico) e coordenação motora (cerebelo).
Os canabinoides da maconha são distribuídos do pulmão (via inalatória) ou do intestino (via oral) para órgãos com maiores fluxos de sangue, como fígado e cérebro, e “monitoram” os sistemas nessas regiões. No cérebro, por meio dos receptores, todos os tipos de canabinoides regulam a liberação de neurotransmissores. Os canabinoides produzidos pelo corpo são liberados pelos neurônios pós e agem sobre os receptores nos neurônios pré-simpáticos.
Os CB2 aparecem mais no nosso sistema imunológico e em outros órgãos, mas tem uns de boa no Sistema Nervoso Central também. Os canabinoides chegam até esses receptores e controlam algumas informações enviadas para o corpo, tipo sobre ansiedade, medo e humor.
Os canabinoides podem ser divididos em 3 grupos: • Endocanabinoides (endógenos): produzidos pelo próprio corpo, como anandamida, 2-AG...; • Fitocanabinoides (exógenos): produzidos pela cannabis; • Canabinoides sintéticos (exógenos): produzidos em laboratório.
Os principais canabinoides da maconha são o delta9-tetrahidrocanabinol (THC), o canabidiol (CBD) e o cannabinol (CBN). O THC é o grande responsável pelo efeito alucinógeno da erva. A maioria dos outros canabinoides são inativos ou mais fracos. O CBD, por exemplo, não proporciona o barato da maconha e ainda pode mudar os efeitos psicoativos do THC.
O THC é encontrado principalmente nos pelinhos das cannabis “mulheres” e, geralmente, em maior quantidade do que o CBD. Então a cannabis só é considerada droga pela Convenção de 1961 quando a resina da planta não estiver sido extraída desses pelinhos.
O sistema endocanabinoide é muito bem regulado, ele atua quando há um desequilíbrio em algum outro sistema, modulando neurotransmissores e processo bioquímicos. Quando a gente coloca um outro canabinoide no corpo ele não atinge só uma região específica e a concentração é maior do que a de endocanabinoides”
Lucas Maia, mestre em Psicobiologia pela Unifesp
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Q isso?
Composição
Formas de uso
Média de THC
Média de CBD
THC máximo
Maconha
Folhas, flores e caules
Fumado
5,8%
0,4%
37,2%
Haxixe
Resina extraída das flores
Fumado ou ingerido
23,1%
2,1 %
66,3%
Óleo de haxixe
Óleo concentrado da resina
Fumado, vaporizado ou ingerido
6,5%
0,2%
81,7%
Sem semente
Flores femininas não polinizadas
Fumado ou ingerido
11,5%
0,2%
33,1%
em amostras analisadas em 2008 nos Estados Unidos
Principais fontes:
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em amostras analisadas de 1993 a 2008 nos Estados Unidos
Livros As drogas na contemporaneidade: perspectivas clínicas e culturais e Tudo sobre drogas: maconha; relatório e arquivos da Organização Mundial da Saúde; relatório da Organização das Nações Unidas; levantamento do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas; e artigos da Revista da Biologia, do Journal Neurotherapeutics e do Journal of Forensic Sciences.
Foto: Danny Haiduk
Rhuan Cezar Sanches tem 25 anos, é ex-integrante do coletivo de rap 50g e responsável pela competição de rima Batalha dos 50. Em muitas músicas e nas redes sociais Bocão fala tranquilamente a favor da maconha, como na canção Palavras Sativas. Seu primeiro disco solo foi lançado no último ano e se chama Camaleão Rato, seguindo a ideia de adaptação em situações “sujas”. Atualmente ele mora em Praia Brava, na cidade catarinense Itajaí, onde planeja terminar uma trilogia solo.
Nascimento 08/12/1990 Cidade Jataizinho-PR Tem alguma música específica para começarmos a falar de maconha? Alguma sua... Eu mesmo nunca me escuto né?! Mas uma música boa pra falar de ganja... acho que, mano... pode ser Quiemando Tudo, do Planet Hemp.
Fuma maconha desde os 13 anos
pro Brasil, eu já tinha 16. Ele ainda tentou me tesourar, a gente sentou pra conversar umas 3 vezes assim... mas sem muito sucesso. Meu pai sempre fumou maconha, mas escondido da minha mãe e tal. Aí, ele percebeu que não tinha como ficar batendo de frente. A gente conseguiu levar pra esse lado e, mano, a gente é parceirão, hoje de manhã mesmo ganjamo uma, antes de ele ir trampar.
Por que essa? É um dos sons que me fizeram ver que dava pra falar de maconha sem tabu, sem o medo que a sociedade bota na gente [acende um baseado]. Esse som fala de maconha do começo ao fim e ao mesmo tempo passa outras visões. É de 98, uma época que tava bem pior do que agora. Meu pai fuma maconha comigo e ele fala que, realmente, antes era muito maior o preconceito.
E o restante da sua família? Não. O resto da minha família não fuma. E a gente também não fuma perto nem na frente deles. Mas mais por um lance de... tabu mesmo. Não porque eles ligam ou porque seria falta de respeito, saca?! É mais por aquela ‘velha opinião formada sobre tudo’ que a gente tem que seguir.
Então você não teve problemas com a família? Eu tive sim. Eu fumo maconha desde os 13 e nessa época meu pai morava na Europa. Daí, quanto ele retornou
E como começou sua história com o beck? Minha história com o beck é o seguinte: eu sou de Jataizinho, uma cidade ribeirinha [acende um cigarro]. A primeira
Foto: MUV Produções
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vez que eu fumei maco- papo nha foi na beirada do rio com mais um monte de amigos, quase todos estavam fumando pela primeira vez. E, ah... dali pra frente foi aquela fase, né?! A rapaziadinha toda juntando R$ 1,00 pra ir comprar uma paranga de R$ 5,00 que durava muito tempo. E foi isso, véio... desde de que eu fumo maconha, fiquei talvez um mês ou menos que isso sem e já voltei. Hoje em dia eu nem tenho fumado tanto, sei lá, fumo 2, 3 baseados por dia. Mas, nossa, tive épocas de fumar muito mesmo, tipo, 15, 20 beck. E a maconha não te atrapalha? Ahh, depois de mais de 10 anos de janela, eu entendo que atrapalha um pouco o lance da memória, mas a memória recente. Decorar algumas coisas tem sido complicado. Hoje eu vejo que realmente a ganja deu essa estragadinha na memória, mas acredito que isso é um mal pequeno. Qualquer produto que a gente usar em longo prazo causa algum problema. Se eu fosse viciado em comer McDonald’s desde os 13 anos, hoje seria muito gordo, ia ter as veias entupidas, ia ter qualquer coisa, saca?! Tipo assim, o malefício que a maconha traz é praticamente insignificante. Esse é o único prejuízo que você sente? É. Mas em contrapartida eu vejo que a maconha trouxe vários benefícios pra mim. Alguns deles são entendimento e paciência. Ela ajuda você a filosofar sobre as coisas, a chegar a conclusões que você tem normalmente quando tá chapado. Eu gosto muito de escrever quando eu to louco. Acho que a maconha ajuda na criatividade, dá uma expansão, um suingue gostoso... ela ambientaliza. Hoje você se considera dependente? Ah, véio, ia ser mentira se eu falasse que não. Porque eu sei que eu sou dependente de maconha. Dependente é uma palavra muito forte, mas eu sei que, se eu não fumar, tipo, assim como se eu não fumar cigarro, eu fico mais nervoso do que o normal. Eu faço rap e rap é um mercado difícil de fazer dar certo. Eu to nessa já faz um tempo, desde 2009, e ainda não consegui emplacar de verdade, então é estressante, saca?! [procura o cinzeiro].
Foto: Danny Haiduk
Em poucas palavras, o que a maconha representa na sua vida? A maconha tem uma importância na minha vida, eu não posso negar. Mas eu tento hoje desassociar um pouco essa imagem de que ela é tudo. Porque, tipo, eu faço rap, então não pode ser só maconha. Maconha talvez tenha sido uma das coisas que a gente usou pra chamar atenção, pra dizer: ‘ó, a gente fuma maconha, mas a gente faz uma parada que é da hora’. Nas músicas você cita bastante a palavra COGUMELO. Você consome ou é a favor de outras drogas? Meu, eu consumo algumas coisas psicodélicas, psicotrópicas, essas paradas assim, esporadicamente quando vou a festas. Eu acho elas divertidas, mas em poucas doses. E eu gosto de expansão de percepção, eu gosto de alucinógenos. Agora, essas drogas químicas: crack, cocaína... eu odeio. Tenho aversão a isso, porque realmente elas correm em uma vertente muito diferente das outras. Você já teve amigos que sofreram pelo uso dessas drogas naturais? Não, pior que não. Têm que ser divididas as drogas pesadas das drogas leves. Maconha é calmante pra quem usa droga de verdade. As pessoas vão às festas, quebram tudo, chegam em casa e fumam maconha pra dormir ou comer, saca?! Então, tipo, mano, não tem como falar que maconha é droga. A gente já tá em 2016, não dá mais pra ficar tampando o sol com a peneira. As crianças hoje em dia tem a internet aí, não dá pra ficar acreditando no que a Globo fala! Falar abertamente de maconha nas canções prejudica ou, pelo menos, dificulta sua carreira? Sim, porque acaba me classificando como um tipo de artista e não me permite trabalhar no resto do leque. Mas essa foi uma escolha que eu fiz. E acredito que o público pro qual eu direciono as minhas músicas não tá se importando. Mas não podem mais achar que quem fuma maconha é bicho, que é o fim do mundo, porque não é! Maconha é um bagulho insignificante se você comparar com um remédio antidepressivo ou com uma cervejinha no fim do dia. Ninguém nunca morreu de maconha. Não existe overdose de maconha. M
O grupo musical 50g nasceu em Londrina, em junho de 2013, com Rhuan Bocão e Melk. Maumau e Tevez também fizeram parte dos primeiros meses de vida do conjunto. Em janeiro do ano seguinte o 50g deu à luz a mixtape Ninguém Vai Desconfiar e deslanchou. A última
apresentação da dupla foi em junho de 2015, na abertura do show do Racionais MC’s, também na pequena Londres. O nome original do coletivo era 50g80conto em protesto ao aumento do preço da maconha. Hoje 50g da erva cusstam +ou- R$ 150,00 - segundo Bocão.
OLHOS • ajuda a controlar a pressão intraocular de pessoas com glaucoma; • dilata as pupilas; VIAS RESPIRATÓRIAS • prejudica células imunológicas do pulmão; • diminui a filtragem de microorganismos e aumenta o risco de infecções; PULMÃO • dilata os brônquios e diminui a falta de ar; • libera toxinas para o sistema respiratório; • aumenta chances de câncer no pulmão; • pode levar a perda de funções pulmonares; • incha e provoca edemas nos brônquios, podendo gerar falta de ar; CORAÇÃO • acelera os batimentos cardíacos; TESTÍCULOS • está associado ao diagnóstico de câncer nos testículos; MORTE
DEPENDÊNCIA
DPOC
COMPARANDO AS DOSES FATAIS E AS DOSES COMUMENTE CONSUMIDAS, A PROBABILIDADE DE MORRER DE OVERDOSE DE MACONHA É CERCA DE 100 VEZES MENOR DO QUE MORRER DE ÁLCOOL.
ESTIMA-SE QUE O RISCO DE DEPENDÊNCIA DA MACONHA SEJA DE 9%, EM COMPARAÇÃO COM 32% DE NICOTINA, 23% DE HEROÍNA, 17% DE COCAÍNA, 15% DE ÁLCOOL E 11% DE ESTIMULANTES.
DIFERENTE DOS FUMANTES DE TABACO, ESTUDOS NÃO ENCONTRARAM RISCO AUMENTADO DE DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA (DPCO) ENTRE FUMANTES DE CANNABIS.
Revista Scientific Reports, 2015
Organização Mundial da Saúde, 2016
Organização Mundial da Saúde, 2016
Principais fontes:
Cartilhas da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas; relatório da Organização Mundial da Saúde; artigos dos jornais Drug and Alcohol Dependence, Scientific Reports, Drug and Alcohol Review, da Revista Uningá e da British Lung Foudation; e patente americana n° 6.630.507-B1.
CÉREBRO • previne ou trata danos neurológicos, além de doenças associadas a radicais livres; • libera dopamina, a “substância do prazer”; • dá a sensação de felicidade e riso incontrolável, o “barato do baseado”; • altera algumas estruturas do cérebro, como o volume do hipocarpo; • prejudica a conexão entre os neurônios; • reduz o número de receptores CB1 no cérebro; • diminui o Quociente Inteligente (QI); • diminui a concentração e a aprendizagem (cognição); • prejudica o tempo de reação; • compromete a memória; • piora ou estimula o surgimento de doenças psiquiátricas, como esquizofrenia e depressão, em pessoas com predisposição; • altera sentidos e percepção, dificultando a noção de tempo e espaço; • uso crônico pode reduzir a capacidade do cérebro para sintetizar ou liberar dopamina; • pode gerar irritabilidade, ansiedade, medo, tremor, suor, delírios, estado de pânico, alucinação etc. BOCA • estimula o apetite de pacientes com HIV e câncer; • reduz ou encerra náuseas e vômitos de pacientes em quimioterapia; • aumenta a percepção dos sabores; • aumenta o apetite; • transmite doenças pelo uso compartilhado; • diminui a salivação, deixando a boca seca; CORPO • ajuda a aliviar dores e desconfortos de tratamentos médicos; • controla crises epiléticas (convulsões) e espasmos musculares; • relaxa os músculos;
• diminui a coordenação motora; • pode elevar a pressão sanguínea (hipertensão); • pode interferir no desenvolvimento cerebral de crianças expostas à cannabis no útero da mãe;
TRATAMENTO
CONDUÇÃO
CÂNCER
A CANNABIS É A SEGUNDA SUBSTÂNCIA PSICOATIVA RESPONSÁVEL PELA ENTRADA EM TRATAMENTOS NO MUNDO, REPRESENTANDO 18% ELA FICA ATRÁS DO ÁLCOOL 53,9%.
ESTUDOS SUGEREM QUE A CANNABIS É MENOS PERIGOSA DO QUE O ÁLCOOL EM TERMOS DE ACIDENTES NO TRÂNSITO.
FUMAR UM CIGARRO DE MACONHA GERA O MESMO RISCO DE DESENVOLVER CÂNCER DE PULMÃO QUE FUMAR 20 CIGARROS DE TABACO (UM MAÇO).
Organização Mundial da Saúde, 2010
Organização das Nações Unidas, 2016
British Lung Foundation, 2012
Fatores de crescente vulnerabilidade ao uso droga COMUNIDADE/SOCIEDADE
14 CAUSAS
Leis e normas favoráveis ao uso de droga Disponibilidade Acessibilidade Extrema pobreza Comportamento antissocial na infância
C
om certeza você já ouviu dizer que a maconha é uma forma de dar uma fugidinha dos problemas. Será que isso é verdade? Sim, ela também é consumida como uma saída de emergência! A Organização das Nações Unidas (ONU) listou situações que estão superligadas ao uso da cannabis, basta dar uma olhadinha para ver que a maioria dos tópicos não são muito positivos não. O termo USO RECREATIVO tem tudo a ver com esse papo de distrair os problemas. Recrear significa dar prazer, divertir, aliviar o peso de uma situação, ou ainda, nas palavras de quem curte um baseado, recrear significa dar aquela relaxada... E é fato que a maconha pode trazer uma brisa. Mas, afinal, precisa acalmar se já está suave? Para o psicólogo clínico e ex-presidente do Conselho Estadual de Entorpecentes de Rondônia (Conen), Jair Queiroz, o uso de drogas é uma forma de fugir de algum mal-estar, às vezes, até pequeno, às vezes, inconsciente. “A droga altera o estado de percepção da realidade. E em que realidade eu quero mexer? Na boa? Não, eu modifico a realidade que não está me agradando. O senso comum diz que a droga faz mal. Para o adicto, o que faz mal é a realidade dele, a droga traz um bem -estar, ainda que momentâneo”, afirma o psicólogo. “É possível alguém que não usa nenhum tipo de droga sair, se divertir o dia inteiro e voltar muito feliz para casa. E por que o outro, para se divertir, tem que usar droga? Onde ele viu essa necessidade de alterar o estado de percepção dele para se divertir? Da forma como ele é, ele não consegue?”, questiona Queiroz. Mas a galera fala que usa porque gosta e que não procura escapar de nenhuma zica. O vendedor londrinense Gabriel Piovesana, de 27 anos, conta que não busca fugir da realidade ao fumar um. “Eu fumo porque sinto falta”, fala. Ele estava com os amigos quando deu a primeira tragada, aos 15 anos, e diz que não enfrentava nenhum grande problema na época que o motivasse a fumar. “A gente tem de tudo em casa, a é família superestruturada, eu tenho tudo para cres-
ESCOLA/EDUCAÇÃO E COMPANHEIROS
Infância/adolescência Fracasso escolar Baixo compromisso escolar Não comprometimento universitário Colegas com mau comportamento Atitudes de colegas em relação às drogas Ligação com usuários de droga Agressão aos companheiros Alienação interpessoal Rejeição de companheiros Maioridade juvenil Comparecimento à faculdade Companheiros usuários de substâncias
FAMÍLIA
Primeira infância Comportamento materno indiferente Exemplo de uso de droga dos pais Infância/adolescência Criação permissiva Conflito pais-filho Baixo afeto dos pais Hostilidade dos pais Disciplina rude Abuso infantil/maus tratos Exemplo de uso de droga na família Atitudes dos pais favoráveis às drogas Supervisão e monitoramento inadequado Baixo envolvimento com os pais Baixos anseios dos pais para a criança Ausência de ou disciplina inconsistente Maioridade juvenil Saída de casa
INDIVIDUAL
Preconcepção Predisposição genética Exposição pré-natal ao álcool Primeira infância Temperamento difícil Meia infância Fraco controle de impulso Baixa autoconfiança Busca de sensações Falta de autocontrole comportamental Agressividade Comportamento antissocial Ansiedade, depressão TDAH, hiperatividade Problema comportamental precoce Uso precoce de substância Adolescência Comportamento descomprometido Emotividade negativa Desvio de conduta Atitudes favoráveis às drogas Comportamento antissocial Rebeldia Uso precoce de substância Maioridade juvenil Ausência de compromisso Comportamento antissocial
MÍDIA
Normas, como propagandas favoráveis às drogas
FONTE: World Drug Report, 2015 (Unodc)
cer na minha vida. Então eu não tenho nenhum problema grave em casa. Mas depende muito da pessoa. Eu acho que tem muita gente que começou a fumar agora e está dando fuga de alguma coisa sim”, confessa. Pois é... vale lembrar que o mundo é grande demais para generalizar as coisas, cada um tem suas motivações, não dá para dizer que os 182,5 milhões de seres humaninhos que usaram droga em 2014 fizeram isso porque tinham algum pepino na vida. Porém, existem tendências.
Até porque, nós somos assim: carentes! Há mais de 300 anos a.C. o gênio Aristóteles já sabia que o homem é por natureza um animal social. Moleque esperto! É só nos sentirmos sozinhos para pipocar aquelas palavrinhas difíceis conhecidas como CONFLITOS INTRAPESSOAIS. É sensação de inadequação para cá, rejeição para lá e falta de identidade para todo lado. Para piorar, a necessidade de ser amado e aceito é ainda cultural. Os espartanos, por exemplo, eram separados da família aos 7 anos de idade
para um treinamento militar intenso, que só acabava depois dos 18. Além de deixar os caras marombados, é claro, essa formação tornava normal viver longe dos pais. E aqui no Brasil, como funciona? “O nosso padrão cultural está definido pelo pensamento cristão da Sagrada Família: Maria, José e Jesus. Então na nossa cultura temos o papai e a mamãe santificados, com o filho no colo, cercando-o de todo o carinho. A nossa cultura aceitou isso”, explica Queiroz. Segundo o psicólogo, 90% dos casos de usuários de drogas que ele atendeu estavam envolvidos com a ausência do pai na família. Adolescência Outro fator muito comum aos usuários
de droga é a idade. O II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas 2012 verificou que 62% dos entrevistados experimentaram maconha pela primeira vez antes dos 18 aninhos no Brasil. Eita pega! Essa é justamente uma fase de descobertas, de experimentações... e também de dúvidas e desesperos. “O adolescente é o depositário de todas as mazelas da sociedade, sempre foi assim. Ele está exprimido entre a elaboração do luto do corpo infantil e a imersão em um mundo desconhecido, um mundo chato, um mundo estranho para ele, que é o mundo do adulto. Então ele está nesse meio termo que a sociedade não considera muito. Quando criança, é bonitinho, quando adulto, é útil, e, quando adolescente, não é nada,” completa o psicólogo.
Depressão e violência O último levantamento brasileiro, já citado aqui, também percebeu que 29,7% dos usuários de maconha apresentam algum indicador para depressão, enquanto, entre a população geral, esse número representa 25,1%. Se a gente foi falar só da mulherada, o número aumenta. São 65,8% de usuárias com sinais de depressão contra 32% da população em geral. E se liga só, a pesquisa mostrou que, enquanto 21,1% da galera geral sofreu pelo menos um ato de violência na infância, 47,5% dos usuários de maconha passaram por esse perrengue. A maioria homens. Pobreza Segundo o World Drug Report 2016, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (Unodc), a pobreza também tem fortes ligações com o uso de drogas. Olha o que o documentos mostra: um estudo entre as pessoas sem-teto nas 4 maiores cidades da Holanda (Amsterdã, Roterdão, A Haia e Utreque) constatou
que a cannabis tinha sido utilizada no mês anterior por 43% dos adultos moradores de rua e por 63% dos jovens sem casa. E um estudo realizado na Irlanda concluiu que 67% dos indivíduos sem-teto ex-prisioneiros eram dependentes de drogas. Um levantamento divulgado em 2013 na Colômbia mostrou que a maior parte dos casos de abuso ou dependência de drogas vêm de pessoas de classe pobre. Mas, no geral, os ricos aparecem como maiores consumidores. Genética Mais uma polêmica! Alguns estudos superrelacionam a genética com o consumo inicial e problemático da cannabis. Em 2010 foi feita uma análise com gêmeos, a pesquisa concluiu que o uso de maconha por 59% das mulheres e 51% dos homens com problemas de consumo era atribuído aos genes. E a primeira provadinha da erva estava relacionado com 48% dos casos de hereditariedade feminina e 40% masculina. A pesquisa está disponível no relatório sobre efeitos sociais e na saúde do uso não médico da cannabis da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2016. Mas, em geral, quando se fala em início de consumo, estudos apontam que o ambiente é o protagonista. Um desses testes foi o Rat Park, do psicólogo canadense Bruce Alexandre. Na década de 70, a ideia foi construir um parque de diversões para os ratos. Isso mesmo! É mole?! Enquanto 16 bichinhos estavam em gaiolas espaçosas e divertidas, outros experimentaram ficar em jaulas menores, sem companhia e sem brinquedos. Os 2 grupos
Principais fontes:
tiveram acesso a um bebedouro com água e outro com morfina. Adivinha? O grupo sussa na montanha russa ignorou a droga, enquanto os demais se acabaram de tanta morfina.
16 CAUSAS
Ciclo Resumindo, algumas situações individuais, biológicas, culturais, sociais e ambientais são parentes da utilização e reutilização de drogas. Mas essas situações podem formar uma bola de neve. Vejamos bem: em uma pesquisa no Afeganistão, 60% de familiares entrevistados disseram que parentes usuários de droga perderam o emprego depois que começaram a usar. A frustração é um fator que pode aumentar o uso de droga. E esse é apenas um dos exemplos de ciclo vicioso, as brigas familiares provocadas pelo consumo de droga também podem aumentar o isolamento paternal e reforçar o desejo de uso de drogas e assim por diante. Por isso, para o psicólogo Queiroz a solução para conflitos ligados ao uso de drogas não está no usuário, mas em todos a sua volta, em toda a situação. “[Nos casos de problemas familiares] têm que ser mudada a dinâmica dentro da casa, não é discurso, não é ameaça, não é internação, não é polícia, isso possivelmente faz piorar bastante. A família tem que ter um nível de sabedoria para saber onde está a chave para o problema e mudar a partir dali a forma de olhar para aquela pessoa, a forma de lidar com ela. E é um processo lento e as famílias às vezes não têm paciência, se entregam muito rápido”, conclui. M
Relatórios da Organização das Nações Unidas e levantamento do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas.
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A opinião e ligação de um ex-morador de rua com a cannabis M.S.F.* tem 44 anos, é magro, alto e um pouco grisalho, mas desde o início da entrevista pediu para ser chamado de VOCÊ. Foi viciado em drogas e morou na rua por quase uma década por causa disso. Ele nunca chegou a traficar
nada, porque imagina que consumiria toda a mercadoria. O uso da cannabis deu start em um “voo” que o deixou sem casa, sem emprego, sem namorada e sem convívio familiar. Várias vezes M.S.F. já procurou atendimento na As-
sociação Água Pura, que atende dependentes químicos em Londrina-PR, e há 5 meses está firme no tratamento. * A pedido da associação, o entrevistado não foi identificado.
Nascimento 29/12/1971
cidade Bandeirantes-Pr
Fuma maconha desde os 12 anos
18 papo
Como foi a primeira experiência com a maconha? Curiosidade. O cheiro gostoso, todo mundo louco, oba! E eu lá pensando ‘como é que vou ficar igualzinho esses caras, me enturmar com eles’. Daí eu ia jogar bola e acabei consumindo a cannabis. Só que ela foi mexendo comigo e eu fui gamando nela. Eu carregava ela direto no bolso. Você acha que algo em casa te motivou a usar maconha? Não, não, não. Foi eu mesmo. O problema maior era eu. Eu era cheio de colegas e sempre tinha pessoas no-
Quando você foi apresentado às outras drogas? Fui num churrasco. Um churrasquinho de final de semana, coisa linda. Muita gente, muita alegria, muita cerveja... Colocaram uma lagartona [carreira de cocaína] lá, eu bati de testa, parecia um aspirador. ‘Quero mais, quero mais’. Tava com dinheiro, gastei tudo, saí de lá assim: tchuww [erguendo as mãos para cima]. Cheguei em casa daquele jeito. Minha mãe falou ‘olha, decepção você, o dinheiro do seu pagamento... nada, roupa que é bom... nada. Sua namorada passou aqui, tá brava com você, falou pra você ir na casa dela’.
Entre as drogas que você já usou, qual você considera pior? A pior pra mim é a química. Porque da química que vem a criptonita [apelido do crack ou da mistura do crack com a maconha], que é pequenininha e acaba com o ser humano. Quando você fumava antes ou durante o serviço, a maconha te atrapalhava? Às vezes sim, eu ficava muito morgado, dava aquela sonera, aquela fome. Nossa, chegava o cara lá com a caixinha de isopor cheia de salgadinho, o que mais comia era eu, ele falava ‘você é o número 1, cara’. Você considera a maconha uma droga pouco prejudicial? Ela mexe com o sistema nervoso. Ela é devastadora.
vas na cidade, porque [Bandeirantes] é uma cidade de agrônomos, então os caras chegam de todas as partes do Brasil e levam a tal da cannabis, cada vez melhor. E me envolvi com os caras. O falecimento do seu pai agravou o uso? Agravou um pouco. Gostava dele pra caramba. Aí eu comecei a me aprofundar mais nas drogas, esqueci da minha família verdadeira que era minha mãe. Troquei minha mãe por droga. Qual foi a reação da sua família quando descobriu que você usava? Nossa, foi como tomar um banho de água gelada. Mudou todo o meu relacionamento com eles. A atitude que eu tinha com eles mudou. Foi preconceito nato mesmo, eles achando que eu era a pior coisa da face da Terra. Você acha que eles estavam errados? Não, tavam certos. Hoje vejo que eles tavam certos. Se você pegar a palavra CANNABIS SATIVA no dicionário, vai estar lá ERVA DO DIABO.
Eu tinha marcado com ela e acabei não indo. Falei ‘você quer saber de uma coisa, o negócio é separar’. Qual era sua idade nessa época? Eu tava com uns 22 anos de idade. Muita gente diz que a maconha é porta de entrada para outras drogas. Então você concorda? Concordo. Ela foi a porta de entrada para todas as drogas. Porque no começo ela era gostosa, paaahh, depois vem aquela depressão. Você vai fumar ela e ela não faz a cabeça mais, você quer algo mais forte pra poder dar uma amenizada naquilo que ela deixou. Ela é só a porta de entrada, isso eu falo com experiência.
M.S.F. perdeu as contas de quantas vezes foi em cana, mas as 2 prisões mais severas aconteceram por furto. Foram quase 3 anos no xilindró. Ele também já passou por 2 internações para tratar a dependência. Agora, M.S.F. segue o atendi-
Mas você disse que conseguia trabalhar sob o efeito dela... Conseguia. Porque na hora que você tá no relax da maconha é paz e amor. Quando você fica 2, 3 dias sem fumar ela, ela mexe com o sistema nervoso, você fica irado, fica bravo. Você não consegue ficar muito tempo sem ela. Você sabe que representa 10% das pessoas que se tornam dependentes de maconha? As pesquisas dizem que maioria dos usuários não se vicia na erva... Essas pesquisas tão furadas, porque vicia. Se o cara tá fumando maconha, o cara tá viciado nela. Nós que somos dependentes químicos e recebemos apoio das instituições temos essa convicção. A partir do momento que você tá com elas [as drogas], você não tá conseguindo nada, tá apenas fantasiando.
mento na associação. Ele recebe cupom-alimentação, benefício do programa Bolsa Família e Transferência de Renda Municipal. O aluguel da casa atual é bancado pela irmã e as mensalidades do curso de eletricista, por parceiros.
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Nesta última vez, quando você percebeu que estava fora de controle e quis ajuda? Foi no mês de junho deste ano. Eu tava na avenida Higienópolis, encontrei um colega meu. Na primeira tragada que eu dei [em pedras de crack], não consegui fazer minha cabeça, falei ‘não é possível, vou tentar de novo’. O meu colega fez do novo e foi legal, eu fui e não consegui. Fui lá no espelho, olhei, meu olho não tava estalado. Falei ‘nossa, não é pra mim usar’. Porque alguma coisa especial aconteceu, foi a primeira vez na minha história que uma criptonita não fez minha cabeça. Você acha que tanto quem usa quanto quem trafica têm que ser presos? Viciado não. E no tráfico tem que pe-
gar o cara que tem a economia da fronteira, não pegar o cara da periferia. Quando você pensa que não, um cara tá lá na favela com um três oitão trocando tiro com polícia, enquanto o patrão verdadeiro tá lá, com ar-condicionado, whisky, mulher bonita do lado, com investimento pro filho e o filho não vai usar droga não. E por que você acha que os usuários não devem ser punidos? Usuários têm que ser tratados com mais respeito. Eles são massacrados como marginais. Uma dependência química é doença, não é crime nenhum. Os defensores da legalização falam muito de ajudar os marginalizados, porque eles são o grande alvo dos
traficantes. Eles acreditam que, com a legalização, isso mudaria... Ajudaria. Mas é um risco total, eles não sabem o que pode acontecer. E eu falo isso por experiência própria, porque tive muitos colegas meus que morreram com câncer por causa de maconha. Se legalizar, ela vai continuar sendo devastadora e as outras drogas vão continuar proibidas. O que você diria para quem usa ou está pensando em usar? Pra quem tá pensando em usar, não use. Pra quem tá usando, tente sair, cara, sai que é fundo de poço, na hora é alegria, vocês vão ver só no futuro. Quantos colegas meus não tão aqui hoje, se mataram ou tiveram depressão. Porque maconha é depressão, você fica isolado, não quer contato com familiar. M
Legalização, good 20 game ou game over? duelo
M
ais 4 estados dos Estados Unidos (EUA) deram o play na legalização da maconha para uso recreativo. Califórnia, o estado mais populoso do país está entre eles, junto com Massachusetts, Nevada e Maine. A aprovação aconteceu junto com as eleições presidenciais estadunidenses, em novembro deste ano. Legalizar a erva está se mostrando viral. Outros 4 estados e a capital dos EUA já compartilhavam essa política. Dois deles, Colorado e Washington, desde dezembro de 2012, os demais aderiram à legalização em 2015. Acompanhando a onda, o Uruguai foi o primeiro país do mundo a regulamentar o uso recreativo da cannabis sem penalidades. A Organização das Nações Unidas (ONU) diz que ainda é cedo para dizer com firmeza se “deu bom” ou não, mas já tem alguns resultados da experiência no Colorado e no Washington para uma espiadinha. Deu para perceber pelo World Drug Report 2016 da ONU que a galera tem usado mais maconha no Colorado e no Washington depois da liberação. E...quén, quén, quén, quéeeeen... aumentaram também as emergências, hospitalizações e acidentes de trânsito relacionados à erva. Mas o número de pessoas buscando tratamento e
as punições por causa da ganja se estabilizou ou caiu. Esses pontos os estadunidenses ganharam! No Colorado, 10% dos americanos maiores de 12 anos tinham usado maconha até 30 dias antes das pesquisas em 2012. Com a cannabis legalizada, o número subiu para 15% em 2014. E no Washington o percentual passou de 10 para 12,5% no mesmo período. Os dados são superiores ao número geral nos estados dos EUA, que saiu de 7 para 8% de usuários. Já os casos judiciais sobre cannabis no Colorado caíram cerca de 60% de 2012 a 2014. E as ofensas e crimes leves envolvendo posse de maconha no Washington chegaram a ser zeradas em 2013. Mas uma pesquisa de 2015 citada no relatório mostra que o tráfico da verdinha ainda era responsável por um terço das vendas da marijuana no Washington. No Colorado, a compra e venda ilícita representava 40% do mercado em 2014. No Brasil, é possível ver a fumaça “canábica” no meio das ruas, mas na real a erva é proibida. A legalização está no stop por aqui. Estamos em outra fase, a de disputa. De um lado do embate ficam os brasileiros favoráveis à regras que permitam e controlem o uso da maconha, esses serão chamados aqui de “Legalizoides”.
Segundo uma pesquisa divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), não há relatos de morte exclusivamente por overdose de cannabis. Considerando que um cigarro tem em média 0,5g de maconha; que, segundo uma pesquisa de 2008 divulgada no Journal Forensic Sciences, a erva concentra cerca 6% de THC; e que seriam necessários de 15 a 70g de THC para uma overdose, como apontam algumas pesquisas; um usuário precisaria fumar pelo menos 500 cigarros para morrer.
Recentemente, esse grupo brasileiro tentou destravar as tramitações e passar para a outra etapa. Logo após a novidade da legalização chegar para os estadunidenses em novembro, o deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE) pediu informações sobre o Projeto de Lei (PL) 7187/2014 na Câmara dos Deputados. Esse tal PL legaliza a cannabis no Brasil. O PL foi apresentado pelo ex-deputado Eurico Júnior (PV-RJ) em 2014 e permite o uso recreativo e medicinal da maconha, assim como o cultivo no quintal de cada casa autorizada. Para uso recreativo, os locais registrados poderiam, segundo o projeto, vender até 40g por pessoa e ela teria que ser maior de idade. Para uso médico seria preciso ter receita. E para plantar na horta de casa, além do registro, os interessados deveriam cumprir a regra: cultivar no máximo 6 plantas que correspondam a até 480g por ano para colheita. Cumprindo essas tarefas, a maconha estaria liberada! Junto com esse projeto estão outros 2 sobre o mesmo assunto, um deles do deputado Mitidieri. Todos aguardam a formação de uma Comissão Especial, ou seja, um grupo de deputados para analisar a parada. Mas adivinha desde quando os projetos estão pausados? Desde 2014 também. Equipe favorável No meio dos Legalizoides comemorando o pequeno passo desse pedido de informações, têm defensores que nunca usaram a droga, como um jovem de Belo Horizonte (MG) que não quis se identificar. “A cannabis não deve ser criminalizada, pois a proibição financia o tráfico de drogas. Além disso, perde-se a oportunidade de taxar a substância, gerando receita para o Estado”, opinou o internauta de 24 anos. Ele ainda defende que o uso recreativo da cannabis é menos viciante do que outras drogas e não deixa o usuário violento. Em partes é verdade. De acordo com dados apresentados este ano no relatório da OMS sobre cannabis, os usuários de maconha tem 9% de risco para dependência da droga, em comparação com 32% de nicotina, 23% de heroína, 17% de cocaína, 15% de álcool e 11% de estimulantes. Quanto aos efeitos, nos primeiros minutos geralmente são a sensação de bem-estar e riso incontrolável, mas depois também podem ser irritação e até alucinação. Outro argumento dos favoráveis é a letalidade da cannabis. O risco de uma overdose fatal da marijuana também é bem menor do que o de outras drogas.
Mas vale lembrar que tem Legalizoide lutando pela legalização só para fumar uns baseados, como o londrinense Gabriel Piovesana, 27 anos. “Tipo assim, se você me perguntar se sou a favor da legalização, vou te falar que sou a favor só pra eu poder fumar”, confessa. Esse é sincero! Descriminalização Diferente de Piovesana, muitos combatentes Legalizoides tem a missão de evitar que a população marginalizada perca pontos. “A política de guerra às drogas não deu certo é uma política falida que desde o início tem um viés de criminalização da população negra e criminalização da pobreza. Na verdade não é uma guerra às drogas é uma guerra aos pobres e aos pretos,” explica a médica e integrante da Marcha da Maconha em Londrina, Débora de Campos, 28 anos. Segundo um estudo da Universidade de São Paulo (USP), de 2011, 59% do total de apreensões por tráfico de drogas na capital paulista foram de negros e pardos. Em 2012, uma pesquisa do Instituo Sou da Paz na mesma cidade mostrou que, entre as prisões em flagrante de maconha na metrópole, 14% dos casos eram de porte de 1,1g a 10g da erva. Outros 54% das pessoas portavam de 10,1 a 100 gramas da cannabis. “O combate pela segurança pública tem apenas o mínimo de eficácia. Uma polícia que se ocupa de entrar em um barraco de uma favela, arrebentar a porta do barraco e aprender 300g de maconha, não serve para nada. O investimento para levar esses policiais até lá não compensa o que eles apreendem. É a história da criminalização do pobre”, idealiza o especialista em Segurança Pública e ex-policial civil federal, Jair Queiroz. “Já perdi as contas de quantas vezes na periferia os policiais entraram nas salas de aula e revistam todo mundo. Esse é o maior prejuízo da proibição. O playboy está de boa, dificilmente vai ser afetado por essa guerra direta e vai correr risco de morte,” afirma outro integrante da Marcha da Maconha em Londrina, Paulo Silva, 23 anos. A ONU também diz que chegar dando porrada, marginaliza ainda mais os usuários de drogas. O principal objetivo de muitos Legalizoides é acabar com a desigualdade social que acreditam ser provocada pela proibição da cannabis. Porém, do outro lado do jogo, estão os Proibizoides. Alguns deles até foram Legalizoides um dia, sofreram péssimas consequências por usar a droga e mudaram de aliança.
Paulo Fernando Constantino usou drogas por 20 anos e há 30 está limpo. Ele teve 2 prisões por tráfico, enfrentou 18 vezes o medo de morrer em roleta russa na cadeia, sobreviveu, passou quase 30 dias em um manicômio e 5 anos em liberdade condicional. Por que tudo isso? Ele culpa a maconha. “E tudo teve início com a maldita dessa maconha”, lamenta. Constantino não era pobre e não é negro, mas, mesmo assim, foi punido e agradece por isso. “A federal estourou minha casa, mas eu dei graças a Deus, porque eu ia me matar de tanto usar droga”, explica. Hoje ele é pastor e presidente do Centro de Assistência e Recuperação de Vidas Morada de Deus em Londrina, que oferece tratamento para dependentes químicos. Corrupção A cannabis continua sendo a droga mais traficada do planeta. Segundo a ONU, no mundo foram apreendidas quase 6 mil toneladas da erva bruta e 1,5 mil toneladas de resina em 2014. A segunda droga mais apreendida foi a folha de coca, em quantidade bem menor do que a maconha, no total, foram confiscadas 800 mil toneladas. O grande lucro desse comércio ilegal muitas vezes se transforma em propina para agentes policiais e judiciários. A estratégia dos Legalizoides é cobrar impos-
Aplicação
Alaska
Fevereiro 2015
Colorado
Dezembro 2012
Oregon
Julho 2015
Washington
Dezembro 2012
Washington DC
Fevereiro 2015
Uruguai
Agosto 2014
Idade mínima
21
21
21
21
21
18
tos sobre a venda legalizada de cannabis e sair distribuindo o valor arrecadado para tratamento e prevenção de danos do uso.
22 duelo
Qualidade e informação Se os favoráveis conquistarem a legalização, o processo de produção e venda da erva passa a ser fiscalizado, ou seja, tem mais qualidade. Nos estados que regulamentaram a maconha, por exemplo, as empresas devem ter licença para cultivar e/ou vender a substância. Se não cumprirem os objetivos, as empresas saem da jogada! “Substâncias traficadas contém uma série de contaminantes, mais tóxicos e mais prejudiciais. Não existe controle de qualidade e muitas pessoas morrem por causa disso. Se tivermos um mercado regulado, podemos ter a substância pura”, explica o doutorando em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da grupo de estudos Maconhabrás do Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), Lucas Maia. Além disso, outro prêmio prometido pelos Legalizoides com a legalização é abrir o diálogo sobre a cannabis na sociedade e aumentar o nível de informação da população. Porque a proibição dificulta inclusive a realização de pesquisas sobre os efeitos
Consumo pessoal
Cultivo caseiro
Limite em varejo
Preço médio/g
Exigências
Clubes de Maconha
28,5 g
6 plantas (até 3 em florescimento)
28,5g
Sem lojas atualmente
Licença para produção e venda
Permissão indefinida
28,5 g
6 plantas (até 3 em florescimento)
28,5g e 7g *
$11,5
Licença para cultivo e venda
Não permitido
4 plantas em florescimento
7g
$10
Licença para produção e venda
Não permitido
28,5g
Não permitido
28,5g
$10
Licença para produção e venda
Não permitido
57g
6 plantas (até 3 em florescimento)
Não aplicado
Não aplicado
Não aplicado
Não aplicado
40g
6 plantas em florescimento
10g por semana
Projeção de $1,25
Obedecer aos termos**
De 15 a 45 membros e até 99 plantas
28,5g em público
* 28,5g para residentes e 7g para estrangeiros ** ter cidadania ou residência permanente no país, ter registro para acesso à cannabis e licença para produção e venda em farmácias
Já estão inclusos os impostos nos preços médios
da droga. A ideia é: mais liberdade de uso = mais liberdade de discussão.
polêmico, as drogas. Foi lá que definiram o que seria proibido e o que seria permitido. “Não foram feitos estudos especificamente para Porta de entrada se fazer as listas, se basearam em estudos que já Com certeza, no meio dessa disputa Legalizoiexistiam e em muitas opiniões de cientistas que desXProibizoides, você já ouvi alguém dizendo: “a estavam envolvidos com o processo de criação. maconha é a porta de entrada para drogas mais Vale lembrar que quando essas convenções foram pesadas”. O pastor Constantino confirma! Aos produzidas já havia um movimento global puxado 12 anos ele fumou o primeiro beck, aos 14 pupelos EUA de guerra às drogas. As convenções lou para outras substâncias. “Chega a um certo foram criadas nesse contexto e até hoje elas vigoponto onde aquilo já não te satisfaz mais, aí você ram, mesmo que muitas coisas já mudaram, até parte para outras drogas”, narra mesmo a questão medicinal da Constantino. maconha”, defende o membro RESULTADOS PRELIMINARES DA LEGALIZAÇÃO O psicólogo clínico e ex-predo Cebrid, Lucas Maia. sidente do Conselho Estadual Enfim, os Legalizoides não de Rondônia de Entorpecentes aceitam a proibição nua e crua (Conen), Jair Queiroz, diz que da cannabis, sem mais explicanão há ligação química direta ções. Eles afirmam que ela viola que leve ao uso de outras subsos direitos de liberdade previstos tâncias a partir da maconha. na Constituição Federal, que dão Mas é fato que o consumo da a cada um o poder de escolha e erva atualmente facilita o conde bem entender seu corpo. tato com essas drogas, princi“A pessoa tem que ter noção palmente porque a fonte ou o dos prejuízos que ela vai ter conponto de encontro dos usuários sumindo, mas ela tem o direito são os mesmos, geralmente o de enrolar um baseado todo dia traficante e a biqueira. e chapar, mesmo sabendo que Fonte: World Drug daqui alguns anos ela pode ter Report, 2016 (Unodc) Liberdade câncer. Agora, ninguém tem o diPronto! Os 2 grupos já estão no jogo com suas reito de proibir a maconha sendo que gera toda essa principais missões. A maioria deles são jovens. O úlcadeia de violência”, explica Paulo Silva. timo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas do Olhando o lado oposto, os Proibizoides marBrasil, de 2012, mostrou que 62% dos usuários de cham gritando “proibição!!!!!”. “A pessoa é livre cannabis provaram a droga antes dos 18 anos. Eles para escolher até um certo ponto, quando ela gostam e agora marcham ao encontro dos Probizoipassa a querer usar algo, neste caso a maconha, des gritando “liberdade!!!!” ela não está dentro das suas faculdades mentais A proibição da maconha e do THC foi estabeleciesclarecidas, como eu. Ái se viessem me falar da definitivamente nas convenções de 1961 e 71, em que maconha causava algum dano. Eu era um desequência. Representantes de mais de 70 países se fensor de maconha até a coisa entortar por outro encontraram nessa época para debater um assunto lado”, afirma o pastor Constantino. Foto: Gabriela Nogueira
Novos problemas Ah, e só para constar, com a legalização surgiu um probleminha de vizinhança nos EUA. Em dezembro de 2014, os estados americanos Nebraska e Oklahoma pediram o fim da legalização no Colorado dizendo que as novas regras estavam aumentando o tráfico de cannabis nos estados vizinhos. Iiiii, agora Brasil e Argentina estão preocupados com a regulamentação no Uruguai. Fim? Bom, nem o jogo LegalizoidesXProibizoides nem o uso de drogas chegou ao final no Brasil. A história dos psicoativos vem de muitos anos atrás e, provavelmente, fará parte da humanidade até sempre. Segundo Maia, “não é possível um mundo sem drogas, nunca existiu e nunca existirá, porque a alteração de consciência faz parte do ser humano, a maior parte delas por meio de substâncias”. O curioso é que, na real, as 2 equipes dessa disputa sobre a legalização
REDUZIR A POSSE DE MACONHA DA SITUAÇÃO DE CRIME QUE LEVA À PRISÃO PARA UMA INFRAÇÃO QUE PODE SER PENALIZADA COM ADVERTÊNCIA OU MULTA.
CRIAR LEIS QUE PERMITAM A POSSE DE MACONHA SEM APLICAÇÃO DE PENALIDADES DIANTE DO COMPRIMENTO DAS REGRAS.
FONTE: Baseado no Glossário de Álcool e Drogas, 2010 (Senad)
lutam pela mesma conquista: um país sem problemas sociais, econômicos, políticos e culturais por causa do uso de maconha. A diferença é que enquanto alguns vão pelo caminho proibicionista com estratégias para a prevenção e tratamento de usuários, outros entendem que liberar, mas ter controle sobre o consumo da cannabis é o macete. Se o resultado vai ser good game ou game over no Brasil, os próximos anos
dos países que legalizaram vão ajudar a dizer. Vamos jogar com 2 telas para ficar de olho! O jogo só não pode ficar parado, o assunto é muito sério para isso. “Eu não acho que vai ser do dia pra noite. Não vai funcionar se vier de cima para baixo, do poder público da sociedade, tem que ser o contrário, tem que ser uma demanda social”, conclui Maia. Então, galera, apertem os próximos botões. M
Foto: Pixabay
Principais fontes:
Relatórios da Organização das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde; artigos do Journal of Forensic Sciences; publicações do Instituto Sou da Paz; e estudo do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.
“V
ai, vai, vai, vai, vai... Todo mundo é mão na cabeça, mão na cabeça, cadê o baguio irmão?”. Aqui no Brasil funciona como descreve a música Crime Vai e Vem, do Racionais MC’s. A polícia chegou, tem maconha, já era! Quem estiver com a cannabis vai para a delegacia. O crime não é usar a droga, é ser pego com ela. Para falar a verdade, muita gente nem chama de crime. Porque quem é pego com o beck só para uso próprio deve levar uma advertência sobre os efeitos da substância, prestar serviços à comunida-
de – de preferência em locais que atendam usuários e dependentes químicos - ou comparecer a um programa/curso educativo, por até 5 meses. Ou seja, na teoria, usuário de maconha não deve ser preso. Tem uma galera defendendo que a legislação atual já descriminaliza o uso de maconha, justamente porque não leva o infrator para trás das grades. O jurista Luiz Flávio Gomes é um deles. No livro “Lei de Drogas comentada: artigo por artigo: Lei 11.343, de 23.08.2006”, Gomes cita o artigo 1º da Lei de Introdução do Código Penal. Segundo ele, o texto de-
Fotos: Gabriela Nogueira
Maconha prensada moída no dichavador de fumo
termina que para um ato ser considerado crime deve haver prisão. E que, logo, se a lei não manda prender o usuário, uso de maconha não é crime. Mas a própria constituição fala das punições para os usuários de drogas em um capítulo chamado Crimes e Punições. Eita confusão! E o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) afirma que a Carta Maior libera esse ajustizinho de penas, autorizando, assim, a existência de crime sem que o infrator vá para o xadrez. Então, na prática, ser flagrado com maconha é crime sim. O Brasil segue as regras das convenções internacionais. Se o uso da cannabis fosse descriminalizado e não somente despenalizado como é hoje, uma série de definições jurídicas teriam que ser alteradas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ECA protege os menores que cometem atos infracionais, mas, só são considerados atos infracionais pelo estatuto, crimes e contravenções penais. Ou seja, se não fosse crime, o uso de drogas por menores de 18 não teria as proteções previstas no ECA. Além de detalhes jurídicos, os defensores da descriminalização argumentam que a mudança mais importante com a medida seria a criação de regras para diferenciar usuário de traficante. É o que acontece em muitos países que descriminalizaram a droga. Quem decide isso no Brasil é o juiz, levando em conta a natureza, quantidade, local, condições em que aconteceu o flagrante, as circunstâncias sociais e pessoais, a conduta e os antecedentes criminais do camarada. Se o infrator for enquadrado como usuário, ele cumpre “punição pena”, se ele for enquadrado como traficante, “punição pesada”, traduzindo: vai em cana! Por isso, muitas pessoas apontam a Lei de Drogas como responsável por piorar a superlotação nas cadeias. A lei nº 11.343 acabou com a pena de prisão para usuários, mas não definiu critérios para diferenciar uma coisa da outra e aumentou a pena mínima para traficantes.
Para os defensores da descriminalização, a lei joga usuários na prisão e condena pequenos traficantes a penas longas no xilindró. “Eu acho que a descriminalização é algo urgente, na teoria ela já existe, mas na prática ela não funciona. Tanto que o número de encarceramentos tem aumentando muito, até por deixar o juiz decidir se se trata de uso ou tráfico. Negros e pobres são enquadrados como traficantes enquanto brancos de classe média são enquadrados como usuários. E sabemos que um ano em uma prisão pode ser muito danoso para uma pessoa que é usuário”, comenta o membro do grupo de estudos Maconhabrás do Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), Lucas Maia. Em entrevista à rede BBC, o ministro do STF Luís Roberto Barroso confirmou a necessidade de detalhar quem é usuário e quem é traficante. “Como no Brasil hoje o porte e o consumo já não são punidos com prisão, mas com medidas alternativas mais brandas, na prática o grande problema é a falta de critério [para distinguir porte para consumo e para tráfico], porque isso cria um impacto extremamente discriminatório sobre as pessoas pobres”, diz. A entrevista foi publicada em 19 de setembro de 2015, depois que o ministro Teori Zavascki pediu para dar uma analisadinha e suspendeu a votação do Recurso Extraordinário (RE) 635659, que prevê a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio no Brasil. O RE foi movido em São Paulo por causa de um detento pego com 3g de maconha na cela. Em tramitação desde 2011, a última atitude do STF nesse processo foi em março deste ano. De lá para cá, nenhuma novidade concreta. M
PENAS
De acordo com os artigos 28 e 29 da lei nº 11.343/2006, quem cultivar, comprar, guardar, transportar ou trazer consigo maconha para uso próprio deve ter acesso a um local de saúde gratuito para tratamento, além de sofrer as seguintes penas:
26 regra
1 | advertência sobre os efeitos das drogas; 2 | prestação de serviços à comunidade
por até 5 meses, ou até 10 para quem repetir o delito. De preferência em locais de recuperação para usuários ou dependentes químicos;
3 |
medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo por até 5 meses, ou até 10 para quem repetir a infração. Quem se recusar a cumprir as penas pode ser repreendido verbalmente e pagar até 100 dias-multa no valor de 3 salários-mínimos cada, de acordo com as condições econômicas dos acusados. Quem define se a droga apreendida é para consumo pessoal ou tráfico é o juiz. Ele deve analisar a natureza, quantidade, local, condições em que aconteceu o flagrante, as circunstâncias sociais e pessoais, a conduta e os antecedentes criminais do infrator. De acordo com o atrigo 33 da mesma lei, importar, exportar, produzir, comprar, vender, oferecer, guardar, transportar, trazer consigo, prescrever, ministrar e fornecer – mesmo gratuitamente – maconha é crime passível de:
1|
prisão de 5 a 15 anos e pagamento de até 1,5 mil dias-multa no valor de 5 salários-mínimos cada, de acordo com as condições econômicas dos acusados.
PIONEIRA No Brasil, a primeira autorização para importação de medicamentos à base de maconha foi dada em abril de 2014. O produto foi liberado para Anny Fischer, uma garotinha de 5 anos na época. Ela tem uma rara síndrome chamada CDKL5, problema que provoca epilepsia grave. Anny chegou a enfrentar até 80 crises epiléticas por semana. As convulsões só cessaram quando os pais da menina passaram a tratar ela com um medicamento importado ilegalmente dos Estados Unidos. Mas não deu muito certo na segunda importação, aí tiveram que apelar para a permissão brasileira. CBD O remédio pedido pela família Fischer foi um óleo feito com canabidiol (CBD), um canabinoide da maconha sem efeito psicoativo. Em janeiro do ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tirou o CBD da lista de substâncias proibidas e lançou o composto na lista de substâncias sob controle especial na portaria n° 344 do Ministério da Saúde (MS). A partir de lá, empresas podem produzir e vender derivados de canabidiol aqui. Mas antes, os empresários interessados têm que fazer um registro na Anvisa, claro! Em novembro de 2016 a Anvisa criou umas regrinhas para permitir esse registro.
ONDE PEDIR Atualmente, quem quiser importar um produto com CBD ou tetrahidrocannabinol (THC), um outro componente da cannabis, pode se cadastrar na Anvisa. O cadastro vale por um ano e pode ser feito: - pelo formulário FormSUS disponível no site da agência; - pelo e-mail med.controlados@anvisa.gov.br; - presencialmente na sede da Anvisa, em Brasília; - ou ainda por correio. O QUE PRECISA Mas não é só chegar e pedir não, para ter o cadastro autorizado é necessário: - formulário de importação; - laudo médico detalhado; - receita do produto assinada pelo médico; - e declaração de responsabilidade e esclarecimento assinada pelo médico e pelo paciente ou responsável. Todos os detalhes do cadastro estão na... aí vai o nome difícil: Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 17, de maio de 2015. É só dar uma “googleada”. Vale lembrar que, para ter a autorização do pedido, outros tratamentos já devem ter sido tenteados pelo paciente, sem sucesso. Por isso os medicamentos só podem ser importados em “caráter de excepcionalidade”, como a Anvisa gosta de chamar. MEDICINAL Mesmo não permitindo o uso recreativo, vários lugares do mundo já legalizaram a maconha para uso medicinal. NÚMEROS De janeiro até o início de novembro deste ano, foram feitas 739 solicitações de autorização para importação de produtos à base de derivados da maconha para a Anvisa. Entre essas, 677 foram autorizadas, 37 foram enviadas sem alguma informação ou documento necessário, 25 estão em análise e 3 foram arquivadas por falecimento dos pacientes. Segundo a agência, o prazo médio para análise dos pedidos é de 5 dias. A cada ano o cadastro deve ser renovado.
Principais fontes:
Matéria da rede BBC; projeto de lei na Câmara dos Deputados; monografia do Centro Universitário de Brasília.
28 #opinião
O mal que ela causa usada da forma errada vai além do físico, é estrutural, social, familiar e em muitos casos irreversível. Tudo aquilo que ficamos obrigados a fazer mesmo quando não queremos mais (dependência), com certeza não pode ser bom, mas é uma escolha e respeito. Sem nome, 46 anos – Londrina (PR) *nunca usou
Além de ter diversas propriedades medicinais, economicamente a cannabis movimenta um mercado gigante em países que legalizaram. Creio que não possua malefícios desde que usado em quantias moderadas. Sem nome, 24 anos – Nova Mutum (MT) *usa há um ano
O uso da cannabis deve ser criminalizado, pois quando é liberado mais pessoas passam a usar. Sem nome, 42 anos – Londrina (PR) *nunca usou
Todo dia que eu acendo o primeiro e fico chapado eu penso: “porra, como é bom fumar maconha” kkkkkkkkkkkkk. Nossa, mano, o mundo devia ouvir essa frase. Eu tenho diabetes desde os 12 anos e faço uso desde os 13 por ser uma criança curiosa e ler bastante também... Já tive crises de ansiedade e depressão, não consigo me alimentar direito pela minha insônia e fazer uso me ajuda em todos esses pontos. Nem todos da sociedade conseguem enxergar e/ou aceitar a existência da cannabis e seus benefícios. O cheiro pra algumas pessoas não é muito agradável, minha vizinha mesmo fica muito puta kkkkkkkkkkkkkkkk, mas eu penso assim: meu espaço, minha fumaça. Foda é ter que sair de casa, pagar caro pra fumar e correr o risco de perder a liberdade pelo simples ato de querer fumar um baseado. Sem nome, 23 anos – Lavínia (SP) *usa há 9 anos
A cannabis não deve ser criminalizada, pois a proibição financia o tráfico de drogas. Além disso, perde-se a oportunidade de taxar a cannabis, gerando receita para o Estado. O uso recreativo é menos nocivo do que o uso de álcool ou tabaco, por exemplo. Tem um menor potencial de causar dependência química quando comparada às outras drogas. E não deixa o usuário violento. Pode provocar surtos psicóticos, câncer de pulmão, etc. Sem nome, 24 anos – Belo Horizonte (MG) *nunca usou
Tive o primeiro contato no exército. O uso de cannabis não deve ser criminalizado, pois o uso existe há milhares de anos e a demanda sempre existirá. João Paulo Alvares, 35 anos – Londrina (PR) *usa há 17 anos
É uma planta, traz inúmeros benefícios comprovados e, além disso, cada um é livre nas escolhas que faz. Pesquisar e estudar sobre é fundamental para entender o porquê de tal criminalização sem o menor fundamento. Mas, assim como qualquer substância, deve haver moderação no uso, esse é o segredo para extrair todo benefício. Ubiratã, 24 anos - São Caetano do Sul (SP) *usa há 8 anos