Aqui passa um rio - Imersões na liberdade

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Aqui passa um rio Imersões na Liberdade

Anahí Santos

Gabriela Leirias

Wellington Tibério

Colaborações e fotografia: Amanda Barral Fotografia: Lia Morena, Karina Fuji e Roberta Tibério

Agradecimentos a Karina Fuji, a equipe do Tensões Teatrais na Liberdade e a todos que apoiaram o projeto

São Paulo 2014


Aqui passa um rio Imersões na Liberdade Aqui passa um rio participa do projeto Tensões Teatrais da Liberdade investigando as águas submersas, bem como as histórias submersas da região. O que é conhecido hoje como bairro da Liberdade, notadamente de apelo turístico da cultura japonesa, tem muitas camadas de histórias e de memórias veladas, ocultas, relegadas. Neste projeto além de trazer à superfície a consciência destas águas invisíveis, coletamos e inventamos personas1 que contribuem na trama da memória do lugar. Para tanto desenvolvemos uma pesquisa-ação de caráter cartográficoperformático com o uso de mapas, referências bibliográficas e de outras fontes de informações históricas, como também, de pesquisas nas ruas sobre o conhecimento da população acerca os rios e nascentes da Liberdade. Dessa forma, foram coletadas histórias, memórias, casos de experiências cotidianas, bem como, uma investigação de como os rios urbanos atuam no imaginário das pessoas. Ao longo desta pesquisa foi criada uma ação cênica coletiva e colaborativa, o Transbordamento: Cortejo-invenção rio abaixo. Esta teve um caráter itinerante e trabalhou poética e criticamente a relação da cidade e dos seus moradores com as águas, enfocando a experiência no bairro da Liberdade. No processo do trabalho identificamos no espaço físico os lugares em que um rio Moringuinhos nasce e passa, como também, criamos situações para oportunizar a troca e debate com o público. O processo foi composto por quatro ações em espaço público que desencadearam a proposta cênica a partir da construção de personas e instalções interativas e itinerantes, que conduziram um cortejo-ritual no percurso do rio. Estas personas conduziram o percurso deste rio invisível, o Rio Moringuinhos, conectando o alto do Bairro da Liberdade (antigo Morro da Forca), onde se localiza a Praça da Liberdade, e o Glicério, a caminho do Rio Tamanduateí, que já foi conhecido como caminho do mar.

As águas da cidade A pesquisa-ação se deu a partir da investigação dos rios da região da Liberdade e Baixada do Glicério, em especial o córrego Moringuinhos, cujo percurso coincide com o Viaduto do Glicério e parte do Córrego Itororó (na Avenida 23 de Maio) até o Rio Tamanduateí (na Avenida do Estado). Atualmente o córrego está canalizado e causa enchentes em certos períodos do ano. 1

Trabalhamos com a noção de personas, pois o trabalho performático desenvolvido se deteve na criação de entidades simbólicas que não se configuravam como personagens com caraterísticas específicas, nomes e trajetórias dentro de uma narrativa.


Fragmento de mapa hidrográfico de São Paulo, em destaque o Córrego Moringinho que deságua no Rio Tamanduateí, na Avenida do Estado. Fonte: http://www.aguaspluviais.inf.br/mapas.aspx?id=1

Trabalhamos num contexto crítico e contraditório em que coexistem na cidade de São Paulo mais de 300 rios e córregos, muitos deles submersos e invisíveis, e um momento de grandes tensões em função da crise hídrica que assola a cidade, o estado e parte do país. Os rios na cidade apenas são percebidos quando há mal cheiro ou enchentes, de modo que procuramos encontrar formas lúdicas e poéticas de tornar visíveis as histórias, memórias e simbologias que envolvem a existência dos rios, e neste ensejo refletir sobre as águas que habitam a cidade e que nos habitam.

Mapa hidrográfico do município de São Paulo, imagem inspiradora do projeto, que evidencia nossa abundância de rios, na grande maioria submersos (invisíveis).


Processo do trabalho Ao longo do projeto ocorreram quatro ações 2 diferentes no espaço público abertas a participação. Partimos da concepção de que cada ação constituía um trabalho em si, que se resolvia naquele tempo e lugar, mas que também integrou o todo como uma grande obra, que teve a ação final, a Ação 4: Transbordamento, como ponto culminante. Deste modo, as quatro ações foram pensadas de forma progressiva e cumulativa, um working in progress, cujo trabalho toma corpo num processo aberto ao longo de todas as ações.

Na que foi chamada de Ação 0, esta não aberta ao público, o grupo fez a primeira expedição para investigar indíc ios da existência do Rio Moringuinhos. Procurando detectar um local para a sua nascente, na parte alta do bairro, nas proximidades das Avenidas 23 de Maio e Liberdade, até o momento em se torna visível no encontro do Rio Tamanduateí na baixada do Glicério. Ao longo de tal percurso identificamos diversos aspectos s o c i o e p a c i a is do b a i r r o , ob se r va n d o su a s i g re ja s, comércios, diversidade étnica, etc. Discutimos também as r ef e r ên c i a s hi st ó r ic a s que anteriormente pesquisamos, e pensamos o bairro na relação do p a s s a d o co m o pr e s e n t e , re c on h e c e n d o su a s c a r a c t e r í st ic a s , t enç õ es e potências.

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Denominamos “ações” para manter seu caráter aberto, investigativo e performativo, como momento de investigação prática no espaço, abertura para diálogo e simultaneamente proposição.


Na Ação 1 (realizada dia 23/10/14) nos propusemos a grafar no espaço um percurso para o Rio Moringuinhos em que utilizamos referências de mapas e de observação no espaço para encontrar vestígios de sua existência.

Foi feita uma chamada aberta cujo ponto de encontro foi a Capela Santa Cruz das Almas dos Enforcados (Praça da Liberdade). Tal local foi eleito por nós como um marco simbólico da expedição e um local possível para a nascente do Moringuinhos, em que pudemos falar sobre este rio invisível aos nossos olhos e sobre muitas histórias também veladas do lugar. Assim, em forma de conversa, convidamos os participantes a conhecer também um pouco da memória do lugar refletindo sobre as imediações da Praça da Liberdade, sobre o Morro da Forca, a história de Francisco Chagas e a tradição popular e religiosa que se criou ali. Em tal percurso fizemos algumas paradas para ver a Igreja dos Aflitos, observar micro cursos de água que brotam e são evidencias


de existência de águas do lençol freático e com o uso de stêncil marcamos a frase “Aqui passa um rio” ao longo do percurso. Tal ação gerou diversos diálogos com pessoas que nos observaram e, curiosas, se aproximaram do grupo que descia pelo leito invisível do rio.

Esta etapa do projeto se configurou, portanto, como um reconhecimento do lugar e de entrar em contato com as camadas de história e memória a partir do deslocamento ao longo do percurso do rio.


Na Ação 2 (ocorrida no dia 17/11/14) A ÁGUA ACABOU? - dúvidas reclamações sugestões e alguns sonhos. OUVIDORIA SABE! SP abrimos para uma es c ut a das o p iniõ es , anseios, dúvidas e sonhos das pessoas em relação as águas na cidade. Oportunizamos também o diálogo sobre a existência dos rios submersos na cidade, em especial o Moringuinhos. Nos p o sic io nam o s na P raç a da Liberdade captando depoimentos em áudio e convidando as pessoas para escreverem num grande pano azul estendido no espaço, nosso rio simbólico. Nesta etapa do trabalho a aç ão co ns is tiu de uma abertura para a escuta de múltiplas vozes sobre as relações com as águas. Onde as pessoas (transeuntes) p u d e r am co n v e r s a r abertamente sobre algumas memórias, sobre como se relacionavam no passado com os rios e como se relacionam agora com a água, a necessidade de economia, as possibilidades de reuso , in d i g naç õ e s , confusões, informaçõ es, desinformações, desconhecimentos, utopias, e inclusive olhares espirituais s o b r e o de st in o da humanidade.


Na Ação 3 (realizada dia 24/11/14) - ParangoRio - Experimentação de sons, corpos e tecidos líquidos no espaço público, abertos novamente a escuta, conversa e trocas de ideias, informações e desejos, propusemos a elaboração coletiva de vestimentas líquidas que potencializam a movimentação lúdica dos corpos.

Na Praça Liberdade convidamos as pessoas a criar e/ou utilizar tais vestimentas e movimentar-se com um repertório de músicas propostas. Todas em tons de azul, as vestimentas com referência ao Parangolé de Hélio Oiticica se tornaram objetos de experimentação do corpo no espaço.


A caracterização azul do grupo que estava em ação atraiu a atenção de muita gente e se instaurou como um rio dançante na praça pública. O rio humano sendo visto e vivido.

Diferentes pessoas incorporaram a proposta, vestindo os tecidos e se lançando ao rio coletivo: desde m o rado res de ruas, passantes, trabalhadores locais, ve n d e d o r e s a m b u l a n t e s, imigrantes e pessoas atraídas pela prévia divulgação nas mídias.

Grupo de haitianos que participou da ação.


Os tecidos manipulados ao som de músicas resultaram como um novo modo de interagir com as pessoas na rua, conversas que sempre desaguavam no nosso eixo temático: as águas e histórias escondidas.

A criação das capas, parangolés e vestimentas desta etapa, também foram usadas pelas pessoas na Ação 4.


A Ação 4 – Transbordamento: Cortejo-invenção rio abaixo (dia 29/11/14) foi uma composição a partir de todas as ações anteriores. Se configurou como uma proposta cênica de intervenção urbana participativa se deslocando no percurso do rio Moringuinhos.

Convidamos as pessoas a participar do cortejo-invenção no percurso do Rio Moringuinhos vestindo os ParangoRios elaborados coletivamente na ação 3. Utilizamos também uma caixa de som com os áudios de falas e depoimentos captados na ação 2.


Um grande tecido azul como o rio foi transportado do alto do bairro da Liberdade até a baixada do Glicério no Rio Tamaduateí e constituiu num objeto relacional que conduziu o nosso percurso em busca das águas.


Além dos participantes que utilizaram os ParangoRios, um elemento importante forma as personas criadas no processo do projeto: uma entidade das águas, híbrido de Yemanjá e Oxum da tradição afro-brasileira (tradição esta tão presente na história do bairro da Liberdade), com a nossa senhora católica e kuan yin, da tradição oriental; um homem obreiro com uma enxada que abre os caminhos para a passagem das águas; e uma persona feminina que sente o rio e abre os caminhos com o uso de ervas e da voz.





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