Às margens do Jordão
Às margens do Jordão Bárbara Brandão Gabriela Titon Helena Krüger Luciana Grande Yarê Protzek
Fotodocumentário produzido como projeto experimental por alunas do 4º ano de Comunicação Social - Jornalismo Entrevistas, produção textual, fotografia e projeto gráfico: Bárbara Brandão, Gabriela Titon, Helena Krüger, Luciana Grande e Yarê Protzek Professora orientadora: Ana Maria Melech Universidade Estadual do Centro-Oeste Guarapuava - Paraná Junho/2012 Todos os direitos reservados
Águas passadas, presentes, futuras Rio Jordão. Quilômetros de partículas de hidrogênio e oxigênio ligadas entre si. Amontoados de cachoeiras e quedas d’água. Correntezas que exalam, ao mesmo tempo, força e imponência. Um símbolo de beleza natural em Guarapuava. Um mito em estado líquido. Várias significações que podem ser facilmente resumidas em uma pequena palavra: vida. Além da infinidade de seres vivos que habitam essas águas, há os seres que, ao redor delas, construíram sua história. Seres humanos. Seres que amam. Seres que, às margens do rio, fixaram raízes, como árvores que nascem e viram parte de uma paisagem. E são estes seres que colorem e dão vida às páginas deste fotodocumentário. A bacia do rio Jordão possui 4791 km² e está situada na região centro-sul do Paraná, sendo o principal rio que corta a cidade de Guarapuava. Esse rio é popularmente conhecido por abrigar um parque recreativo, o que faz dele um ponto turístico e uma opção de lazer para as pessoas que moram em Guarapuava e região. A beleza encanta e atrai os turistas,
que buscam relaxar e fugir da rotina intensa do meio urbano. Entretanto, as famílias que residem próximas ao rio, na maioria das vezes, passam despercebidas aos olhos tanto dos visitantes quanto da população local. Por meio da subjetividade da fotografia e dos relatos desses moradores que, às margens do rio Jordão, desenharam seu caminho, foi retratado o sentimento de identidade e pertencimento a seus lares. Em todas as visitas, a receptividade e a simpatia dos entrevistados foram cativantes. Isso se tornou fundamental para que as narrativas presentes neste fotodocumentário causassem empatia. Desta forma, as emoções vivenciadas puderam ser mais facilmente captadas e transmitidas por meio da fotografia e de palavras. Os personagens retratados nas várias páginas que seguem não se importaram em abrir a porta de suas casas e relatar suas histórias de vida, mesmo diante de pessoas, até então, desconhecidas. Lembranças tanto tristes quanto felizes foram resgatadas da memória e reve-
ladas sem preocupação. Pessoas simples e humildes que transparecem uma afeição intensa pelo lugar em que vivem. Com orgulho, eles nos mostraram fragmentos da paisagem, a qual parece fazer parte de si mesmos. Apesar dos nítidos problemas de infraestrutura, a intenção não foi ressaltá-los. Ao contrário, isso foi deixado de lado para evidenciar a relação de amor e gratidão entre os moradores e o local em que vivem. Sorrisos, cores, sonhos, paisagens bucólicas e a exuberância de uma natureza que convive em sintonia com esses seres humanos: sentimentos abstratos que são materializados por meio de imagens. A música sutil que embala o caminho das águas em seu percurso é a mesma que acalma e alenta o espírito das pessoas que vivem na companhia do rio Jordão. Um porto seguro, um lugar de paz. A felicidade está presente nos pequenos detalhes: a alvorada em tons de sonhos, a brisa fresca das manhãs de outono, o delicado cheiro do mato... Eles sabem dar valor a simplicidade destes momentos triviais e fazer disso o suficiente para sorrir a cada amanhe-
cer. Para eles, isso basta, mesmo diante de um mundo pautado pela tecnologia e pela banalização do tempo. Além dos laços de sangue que correm pelas veias, há também o laço das águas que correm pelos campos. Ao conhecermos esse lugar, percebemos a amizade entre os filhos daquele solo. Eram comuns cumprimentos enfáticos, como se todos vivessem no mesmo lar. Alguns dos personagens aqui retratados nasceram nas proximidades do rio; outros moram lá há menos tempo. No entanto, todos criaram vínculos rapidamente, adotando o Jordão como uma base segura para construir suas vidas. Esse sentimento perpassa gerações, fazendo com que o amor e o encanto pelo lugar permaneçam intactos. Liberdade, amor, saudade, trabalho, família, simplicidade, harmonia, sonhos, alegria, entre muitas outras palavras que traduzem a vivência no local. Doze histórias que se cruzam ao redor de um sentimento em comum: o carinho por aquela terra.
Herança de gerações
A família de Jader Cássio do Valle, 32 anos, mora no Jordão há mais de oito décadas. A chácara em que reside atualmente com a mulher, dois filhos e dezenas de animais foi herdada de outras gerações. Ele também pretende deixar a terra para seus filhos, netos, bisnetos... “A mãe já falou para nós ‘eu vou dar um documento para vocês passarem de geração para geração, jamais vender’”.
Mesmo morando próxima ao parque, a família prefere o sossego de seu próprio lar. Jader e sua mulher, Tânia, valorizam o fato de poder criar os filhos num ambiente que propicia liberdade e interação com a natureza. Por isso, os pais levam as crianças para brincar numa cachoeira perto da chácara.
É evidente a sintonia que existe entre a família e a natureza. Ovelhas, cachorros, porcos, galinhas, gatos, peixes, pássaros e até mesmo um javali: uma grande variedade de seres que convivem em harmonia, dividindo o mesmo espaço.
A família considera o Jordão o lugar mais bonito de Guarapuava. Apesar de ter vindo da cidade, Tânia (que, por timidez, não quis ser fotografada) adaptou-se rapidamente a nova rotina e a tranquilidade do local. “Pretendo fazer minha vida aqui e não quero mudar. Eu adoro lidar com os bichos. Quando vou para a cidade, fico meia hora e já quero voltar”.
As crianças são parte de uma nova geração que recebeu como herança o amor pelo Jordão. É nítido o prazer que elas têm em brincar e desfrutar da liberdade presente no lugar. O trator, que serve de instrumento de trabalho para Jader, nas horas vagas se torna diversão para os seus filhos.
Jovens de espĂrito
Seu Pedro Ferreira dos Santos e dona Ierte Nascimento exalam bom humor, que é representado por sorrisos sinceros e simpatia (até mesmo com estranhos). Apesar da idade, o casal demonstra a disposição de dois jovens felizes e apaixonados.
Embora não aparente, Pedro tem 94 anos. Ao perceber nossa surpresa diante de sua idade, perguntou: “vocês querem conferir minha identidade?”. Ele é tão jovem de espírito que se casou com uma mulher quase três décadas mais nova (já que Ierte tem 65 anos de idade). Porém, deixa claro que quem manda em casa não é ele. “O terreno aqui é da mulher, a dona da casa é ela”.
Ierte mora no Jordão desde os 14 anos. Já Pedro veio de Pinhão, há oito anos, para se casar com ela. Desde então, os dois constroem dia a dia a felicidade. O jovem senhor declara: “não sei ler, nem escrever, mas sou feliz mesmo assim”. Ierte tem 8 filhos, 21 netos e 19 bisnetos, a maioria residente próxima à ela. “É igual galinha. Todos os pintinhos tem que estar embaixo da minha asa”.
Um caminho de lembranรงas
Durval Gonçalves, 73 anos, mudou-se para o Jordão na década de 1970, período em que houve a ascensão do ciclo da madeira na região. “Eu fiquei desempregado em Inácio Martins e vim para cá em busca de trabalho”. Após um tempo, com o declínio do ciclo, perdeu o emprego e, mesmo assim, não quis ir embora.
Durval, que mora em frente ao parque, acompanhou todo o processo de construção deste, nos anos 80. Segundo ele, as condições de vida no local melhoraram depois disso. “Todo dia de manhã eu pego o meu facão e dou uma volta por aí. Eu ando mais que notícia ruim”.
“Não tenho documento desse terreno, mas considero como sendo meu, porque já faz muito tempo que estou aqui”. Hoje, Durval vive da aposentadoria e da venda de materiais reciclados que recolhe nas redondezas.
As cores da saudade
Odélia Vequer foi morar nas proximidades do rio Jordão no ano de 1978. Depois disso, a única vez em que mudou de casa foi para afastá-la cerca de 10 metros mais longe da rua, devido ao risco de acidentes. “Já veio comprador, meus filhos também querem que eu saia daqui, então eu já disse ‘podem vender, mas só depois que eu morrer’”.
Nas paredes da casa enfeitada e colorida, estão fotos de pessoas importantes para Odélia. Ela afirma que todos os presentes nos retratos moram ou já moraram algum dia próximos ao Jordão. Com tantos rostos familiares por perto, ela engana a solidão.
Quatro anos após a morte de seu marido, ela mora sozinha, na companhia de suas plantas e dois cachorros. Entretanto, seus filhos e netos são presenças constantes. A fitinha de Nossa Senhora do Bonfim amarrada no pulso demonstra a esperança e a fé que Odélia carrega consigo.
Na companhia do rio
Nascido no Jordão, Márcio Lima criou um vínculo muito forte com seu lar e o rio que atravessa o terreno, pouquíssimos metros atrás de sua casa. Ele tem como privilégio um pedacinho do rio Jordão exclusivo para si (até mesmo com uma cachoeira).
Mesmo morando numa casa de apenas um cômodo, Márcio não a deixaria de jeito algum. Quando questionamos se venderia o terreno, rapidamente, ele respondeu que não, mas afirmou já ter recebido propostas. Então, provocamos: “nem por um milhão de reais?”. E ele enfatizou, convicto: “nem por um milhão de reais”.
Mรกrcio perdeu a mรฃe, que morava na casa ao lado, hรก poucos meses. Embora a casa dela seja maior, ele prefere continuar no seu pequeno espaรงo, com uma janela que ocupa quase toda uma parede. Talvez porque assim preencha melhor o vazio de viver sรณ, na companhia apenas do rio.
A liberdade da inf창ncia
Quando avistaram as câmeras fotogråficas, Anderson e Gabriel correram para aparecer nas fotos. Desinibidos, os meninos demonstraram grande afinidade com o lugar, que conhecem como a palma de suas mãos. Foram eles que nos conduziram a esta bela paisagem estampada nas fotografias.
Os amigos, de nove e quatro anos, concordam que morar rodeados pela natureza permite que tenham mais liberdade para brincar. Anderson destaca: “eu não tenho vontade nenhuma de mudar para a cidade”. Com sua bicicleta, ele desbrava os vários caminhos que perpassam o Jordão.
Um mundo de sonhos
Daiane Andrade Santos, 20 anos, nasceu no Jordão e mora em uma casa que já pertencia a seus avós. Os familiares dela são, também, os seus vizinhos. Apesar da pouca idade, ela é casada há dois anos e tem uma filha. Mesmo assim, consegue conciliar a rotina de mãe e dona de casa com a faculdade de letras.
Daiane já tentou morar no bairro Santa Cruz e numa fazenda em Pinhão, mas o apego às suas origens é tão intenso que ela decidiu voltar. “Não me acostumei longe do Jordão. Aqui é meu lugar”. Além do rio, o trilho do trem, que passa atrás de sua casa, segue longe no horizonte, assim como a visão de seu futuro.
Uma estrada a cavalgar
Sob a sela de seu cavalo, Sebastião Nogueira percorre as estradas do Jordão, há 15 anos, tempo que vive no lugar. Apaixonado pelo campo, ele diz que não sairia dali, apesar da reclamação sobre eventuais alagamentos em tempos de chuva.
Os olhos cor-de-cĂŠu de SebastiĂŁo transparecem a tranquilidade de um dia claro. As paisagens bucĂłlicas traduzem a paz e o sossego de uma vida rodeada pela natureza.
Também sob o cavalo, Luan acompanha seu pai pelos caminhos. Sebastião é bastante ligado à família e preza pela união. “Somos em oito lá em casa. Eu gosto de casa cheia e não sairia daqui”.
A s贸s com o destino
Ao encontrarmos com dona Jesus Martins, ela estava de saída para uma consulta ao posto de saúde, já que não estava se sentindo bem. Mesmo assim, não hesitou em acender um cigarro de palha e gastar um tempo para contar a sua história.
No Jordão há 15 anos, a simpática senhora contou que nunca morou no meio urbano e só vai até lá quando precisa comprar alguma coisa. O coração dela tem espaço para 5 filhos e 14 netos. Alguns já a convidaram para viver com eles, mas ele preferiu permanecer em seu lar, mesmo que sozinha.
Com os olhos marejados, Jesus lamenta a morte do marido, que a deixou há poucos meses. Sem escolha, ela precisou se acostumar com a ausência de seu companheiro de vida. “Agora sou eu, Deus e meus cachorros”.
Espelho do passado e do futuro
Mãe de três filhos, Roseli Vivi tem uma vista privilegiada para o rio, já que mora logo em frente ao parque. Nascida nas redondezas, ela já viveu em outros lugares, mas sempre retornou às suas raízes. Por tal motivo, não sabe dizer com precisão o tempo total em que mora no Jordão.
Carolaine, que nasceu e está sendo criada às margens do rio Jordão, demonstra afeição ao lugar. Muito tímida, a menina tem o olhar fixado nas nuvens, como se estivesse contemplando a harmonia da natureza diante de sua casa. Ela ainda não sabe que carreira seguirá, mas, pela expressão sonhadora, apostamos que voará alto.
MĂŁe e filha demonstram sintonia tanto na personalidade quieta quanto nas prĂłprias roupas. O ambiente familiar reflete atĂŠ mesmo no cachorro, que posou ao lado delas nas fotografias e seguiu todos os seus passos durante a nossa visita.
Natureza que sorri
Colegas de trabalho, Ivone Ferreira e Adão Marquio não se importaram em interromper as tarefas para compartilhar suas histórias de vida. A bela paisagem que enfeita os fundos da fábrica se assemelha ao bom humor contagiante de ambos.
Adão veio para o Jordão há 37 anos, especialmente para trabalhar nesta fábrica. A partir de então, constituiu família e desenhou a sua história no local. Hoje, gerencia a empresa. “Comecei a trabalhar com 14 anos. Só sei fazer isso, nem estudo eu tenho. Aprendi tudo na prática”. Ele afirma que só deixará a casa onde vive, ao lado da empresa, caso o patrão o mande embora. “Se tiver que sair daqui, compro outra casinha aqui perto”.
Ivone se considera fruto do Jordão, já que nasceu ali. “A gente se apega ao lugar. Depois de 41 anos, é como o amor a um filho. Quando saio na rua, conheço e converso com todo mundo”. Dona de uma chácara nas redondezas, ela não pretende sair dali, mesmo depois de aposentada.
Ivone e Adão são funcionários de uma fábrica de pasta (matéria-prima para a produção de papel), que foi instalada no município em 1978, época da ascensão do ciclo da madeira em Guarapuava. Atraídas pelas oportunidades de trabalho, muitas pessoas vieram para a região nas décadas de 50 e 60, período marcado por um intenso extrativismo florestal.
“Tardes bucólicas, de longas sombras e difusos rumores, Falam idiomas distantes, diluídos no rubro poente, Ecos misteriosos vindos de sonhos e suados labores, Sinfonias e odes, românticos símbolos de povo ardente.” Nivaldo Krüger