Psicologia ambiental e o uso dos sentidos na arquitetura de espaços comerciais

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Psicologia

Resumo

O presente estudo se propõe a contribuir para a reflexão acerca da importância da arquitetura sensorial e uso dos sentidos para a construção de ambiência em espaços de arquitetura comercial, levando em consideração a relação intrínseca entre os conceitos estudados em psicologia ambiental, neurociência e arquitetura. Ao longo de seu desenvolvimento foram utilizados artigos e bibliografias de dados reconhecidos cientificamente, sendo a pesquisa de caráter exploratório e abordagem qualitativa, com instrumento de coleta de dados estritamente documental. Para tal, o trabalho foi dividido em 2 (duas) etapas, sendo a primeira etapa desenvolvida pela ótica da psicologia e a segunda etapa pela ótica da arquitetura Ao se analisar a relação “espaço-indivíduo”, buscou-se compreender como ocorre o intercâmbio contínuo entre o mundo “interior” do ser e o mundo “exterior” no qual o espaço construído é elemento fundamental. Além disso, foram apresentados conceitos sobre hedonismo, bem como os princípios básicos da arquitetura sensorial e sua correlação com o conceito de ambiência. Ao final, buscou-se fomentar o entendimento sobre como ocorrem as formas de apropriação do espaço projetado arquitetonicamente para fins comerciais e os aspectos motivacionais que resultam em engajamento e conexão afetiva entre o meio e seus usuários, numa relação dinâmica e subjetiva

Palavras-chave: Psicologia ambiental. Arquitetura sensorial. Percepção. Ambiência. Experiência de compra.

1. Introdução

A arquitetura, ao longo da história, apresentou-se de diversas formas, tendo sido responsável por atribuir significado aos espaços através de seus inúmeros conceitos e inovações. As mudanças assim apresentadas tenderam a ser consideradas causa e consequência de mudanças maiores associadas às novas demandas socioeconômicas e culturais ocorridas nas últimas décadas.

Também conhecida como “a arte de edificar”, a arquitetura constrói para os indivíduos que dela usufruirão. O estudo da ergonomia, psicologia das cores, biofilia e acessibilidade são alguns dos diversos temas assim abordados por tal área do conhecimento. Além de preocupações funcionais e estéticas, a prática projetual da arquitetura inclui o estudo de outras vertentes, cujas preocupações também estão associadas ao bem-estar físico, psicológico e emocional dos indivíduos quando inseridos nos espaços projetados.

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ambiental: um estudo sobre a importância do uso da arquitetura sensorial para a construção da experiência em espaços comerciais

Diante desse contexto, a psicologia ambiental então surge como um dos segmentos de estudo da psicologia associada à arquitetura para compreender melhor sobre como funciona a relação “homem-meio ambiente”

Inicialmente conhecida como “psicologia da arquitetura”, tal vertente surgiu no final dos anos de 1950 e início dos anos 1960, com o objetivo de compreender através de uma análise sistêmica os aspectos comportamentais e motivacionais dos indivíduos quando inseridos no meio Posteriormente tendo sua nomenclatura alterada para “psicologia ambiental”, percorreu um longo período de análise sobre o funcionamento do comportamento humano quando exposto a variáveis ambientais e aos impactos do constante intercambio entre o “mundo interior” do indivíduo e o “mundo exterior”, no qual o espaço construído é um dos elementos fundamentais.

Moser (1998) explica a psicologia ambiental como área responsável por estudar a relação de reciprocidade entre a pessoa e o meio ambiente. Segundo o autor, tal relação se caracteriza por ser dinâmica, pois “os indivíduos agem sobre o ambiente (por exemplo, construindo-o), mas esse ambiente, por seu turno, modifica e influencia as condutas humanas”. Além disso, também explica sobre outros fatores que exercem grande influência sobre o comportamento humano, tais como “as dimensões sociais e culturais” que “estão sempre presentes na definição dos ambientes, mediando a percepção, a avaliação e as atitudes do indivíduo frente ao ambiente.” Segundo ele, “cada pessoa percebe, avalia e tem atitudes individuais em relação ao seu ambiente físico e social” e essa inter-relação explica os “efeitos desse ambiente físico particular sobre as condutas humanas.” (MOSER, 1998)

Em paralelo aos estudos da psicologia ambiental, também houve o surgimento de estudos relacionados à neurociência, os quais originaram o recente termo cunhado “neuroarquitetura”, considerado campo interdisciplinar entre a psicologia, a neurociência e a arquitetura, cujo objetivo se concentra no estudo de processos cognitivos dos seres humanos quando inseridos no meio construído pela arquitetura. Tal desenvolvimento da neurociência também se deve aos avanços tecnológicos ocorridos nos últimos anos, os quais possibilitaram o surgimento de novas teorias, conceitos, métodos de coleta e tratamento de dados que fundamentariam as recentes descobertas realizadas pela ciência.

De acordo com Marília Matoso, em seu artigo intitulado “Neuroarquitetura: como o seu cérebro responde aos espaços” a neuroarquitetura é capaz de “projetar ambientes eficientes baseados não apenas em parâmetros técnicos de legislação, ergonomia e conforto ambiental, mas também em índices subjetivos como emoção, felicidade e bem-estar.” Segundo a autora, os avanços da neurociência possibilitaram a mensuração de índices, além de “entender como as ondas cerebrais se comportam nos espaços através de biofeedback.” (MATOSO,

Inclusive, um dos temas mais estudados por tais disciplinas diz respeito ao uso dos sentidos corpóreos para a construção da experiencia entre o indivíduo e o meio no qual está inserido. Tal vivência, repleta de intercâmbios entre o espaço material construído pela arquitetura e o espaço virtual construído pelos recursos tecnológicos atuais, também denotam que a tecnologia possibilitou tanto o desenvolvimento de novos métodos de pesquisa, quanto a implementação de novas formas construtivas e o surgimento de realidades imersivas atreladas à arquitetura. Partindo dessa

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premissa, então, pode-se afirmar que a tecnologia proporcionou o surgimento de novos tipos de estudos, novas formas construtivas e novas experiencias em virtude do surgimento de novas realidades.

Portanto, este é o ponto de convergência entre todas as temáticas abordadas no presente estudo. Se a arquitetura é responsável por construir o espaço, a psicologia ambiental por compreender a relação entre o indivíduo e o meio e a neurociência compreender os processos cognitivos desencadeados por essa interação aliada às novas tecnologias que possibilitam a constante inovação, então pretende-se contribuir com reflexões sobre a correlação que se faz entre essas três áreas de conhecimento através da análise de temas mais específicos, como, por exemplo, os conceitos sobre ambiência, hedonismo e a arquitetura sensorial, objetivando ressaltar a importância destes para a construção da experiencia do indivíduo quando inserido nos espaços comerciais projetados pelos arquitetos

1.1 Objetivos

Objetivo Geral

Como parte do objetivo geral, intende-se correlacionar conceitos pertencentes à diversas áreas do conhecimento, com o intuito de reforçar a ideia de que a ambientação, bem como a utilização dos 5 (cinco) sentidos corpóreos são fatores determinantes para a construção da experiencia em projetos arquitetônicos comerciais Propõe-se, através do estudo, ressaltar a importância da arquitetura como sendo uma das ferramentas capazes de gerar estímulos positivos através de arranjos construtivos e estes responsáveis por instigar, envolver e proporcionar o ambiente favorável a conexões entre indivíduos, ambientes e seus visitantes

A relação espaço-indivíduo ganha destaque nesse sentido. O espaço e suas características construtivas se torna o palco onde o indivíduo adquire o protagonismo e a participação necessários para desenvolver uma relação única com o meio Os sentidos tendem a ser aflorados e reforçados pelo arranjo construtivo e a ambiência, então, se torna o elemento-chave para retroalimentar este processo.

Objetivos Específicos

Os objetivos específicos incluem:

- Relatar sobre como ocorre a relação espaço-indivíduo assim estudada pela ótica da psicologia ambiental;

- Discutir como essa relação espaço-indivíduo se relaciona com o conceito de valor hedônico e sua aplicabilidade na arquitetura;

- Demonstrar como a arquitetura influi na percepção do “eu” e na simbologia do “lugar”;

- Por fim, explicar como os sentidos estão vinculados aos processos cognitivos e como se vivenciam as experiencias através da ambiência em projetos de arquitetura comercial.

Ao final da pesquisa espera-se gerar resultados que contribuirão para o conhecimento acadêmico no campo da psicologia, arquitetura e até mesmo para estudos voltados ao marketing e design.

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1.2 Justificativa

Este estudo se justifica devido às mudanças tecnológicas e comportamentais observadas nos últimos anos, as quais denotam o perfil do novo “indivíduoconsumidor” diante de novas demandas sociais e econômicas em realidades cada vez mais interconectadas, proporcionadas pela união da arquitetura com a tecnologia.

Atualmente a tecnologia proporciona uma nova percepção sobre os espaços comerciais, tendo sua participação tanto do ponto de vista da neurociência (utilizando-a como ferramenta de analise minuciosa dos processos cognitivos de indivíduos quando submetidos à determinadas experiencias), quanto do ponto de vista da psicologia e da arquitetura (sendo a primeira voltada para o estudo do ser e a segunda voltada para a construção dos espaços responsáveis por abrigar os seres e proporcionar ambientes propícios para se reforçarem as relações).

Levando em consideração o novo perfil das relações entre espaços e indivíduos, bem como as novas possibilidades de construção de espaços comerciais com arranjos cada vez mais tecnológicos, interativos e imersivos, o uso dos sentidos está fortemente associado ao conjunto de elementos responsáveis pela construção da experiencia em si.

Entende-se, portanto, a tecnologia como ferramenta aliada à arquitetura e capaz de proporcionar estímulos sensoriais que transformam a experiencia em algo memorável, de forte valor hedônico e conexão emocional. O visitante recebe o protagonismo desejado, sendo a arquitetura responsável por criar o espaço ideal, os estímulos sensoriais responsáveis por potencializar a experiencia e então favorecer o estabelecimento de conexões dos indivíduos com o espaço, dos consumidores com a marca no ambiente comercial e igualmente na relação entre os usurários

1.3 Enquadramento metodológico Ferramentas e métodos

Pesquisa de caráter exploratório e de abordagem qualitativa, com método de levantamento de dados bibliográficos e instrumento de coleta de dados estritamente documental. De caráter subjetivo e valorativo, com o objetivo de discorrer sobre a relação entre conceitos desenvolvidos pela psicologia ambiental, arquitetura e neurociência.

2. Psicologia ambiental

Entendendo a relação entre indivíduo e meio ambiente

Inicialmente, propõe-se compreender como funcionam as relações bidirecionais entre espaço e indivíduo, incluindo suas dimensões simbólicas e afetivas para então, posteriormente, tratar o viés de estudo associado aos conceitos pertencentes à arquitetura e aos estudos da neurociência sobre os sentidos.

Segundo Moser (1998), doutor em psicologia pela Universidade René DescartesParis V, “a especificidade da psicologia ambiental é a de analisar como o indivíduo avalia e percebe o ambiente e, ao mesmo tempo, como ele está sendo influenciado

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por esse mesmo ambiente”, além de compreender como ocorrem “as incidências específicas de certos micro e macros ambientes sobre o indivíduo”. Para ele, as dimensões física e temporal são conceitos importantes, pois entende-se que o espaço em suas características materiais – incluindo as construtivas – e imateriais são capazes de provocar sensações e sentimentos, bem como a dimensão temporal “se entende ao mesmo tempo como projeção no futuro e referência ao passado, à história” do indivíduo.” (MOSER, 1998)

Dentro dos estudos realizados pela psicologia ambiental, há estudos de campo e experimentais responsáveis por gerar “descrições sistemáticas baseadas em análises multivariadas das variáveis mais poderosas para explicar comportamentos e necessidades do indivíduo num ambiente em particular” (MOSER, 1998), indicando o constante estudo de fenomenos de alta complexidade em contextos de analises sistemicas com condições diversificadas

Em paralelo, Jun Akamoto (1996), em seu livro intitulado “Percepção ambiental e comportamento”, afirma que:

“A relação entre homem e espaço, no contexto do meio ambiente, tem sido objeto de questionamento para a formação do comportamento, pois o homem é constituído de dois universos: um exterior, em constante processo de adaptação ao meio e outro interior que se exterioriza em ações como resposta à interpretação da realidade.” (AKAMOTO, 1996:10).

Pode-se dizer, então, sobre a existência de uma relação dinâmica entre espaço e individuo, em um contexto em que “a arquitetura não se restringe exclusivamente à construção de abrigo para as necessidades básicas do homem”, e que “mais do que a exteriorização material e formal de todas as atividades concretas, deveria a arquitetura atender às suas aspirações” (AKAMOTO, 1996:12)

Entender as necessidades de interação afetiva do homem com o meio ambiente é de suma importância, levando em consideração que o seu desenvolvimento pessoal tende a ser influenciado pela sua relação com o meio, bem como as suas aspirações e sentimentos fortemente influenciados pelas relações proporcionadas por esse meio. Além dos aspectos referentes ao meio, entende-se que o indivíduo possui motivações internas e referencias pessoais associadas à:

“Fatores provenientes do tipo de educação, que constituem condicionantes que filtram as informações, como o paradigma, a lateralidade cerebral, a modalidade de inteligência, a cosmovisão que dá ao homem a crença em seus valores pessoais, familiares, sociais e culturais” (AKAMOTO, 1996:11).

Ou seja, a percepção do indivíduo com relação ao seu meio recebe forte influência de seus valores e história pessoal, e a percepção da realidade se torna variável com base em seu próprio juízo de valor.

Outro ponto importante também diz respeito aos exemplos que o individuo trás de suas vivencias anteriores, fruto de sua história de vida e de seu “place-identity” –termo em ingles cunhado para designar o conceito de identidade de lugar, o qual representa “o aspecto revelador do modo como a pessoa interage com o ambiente, uma vez que as pessoas tendem a adotar determinados comportamentos em função

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do lugar e dos indivíduos que ali estão.” (GOFFMAN, 1975 apud ZACARIAS; HIGUCHI, 2021)

Outros conceitos como affordance, proxêmica, territorialidade, aglomeração, privacidade e apropriação estão associados ao estudo do comportamento humano, no que tange a relação entre indivíduo e espaço, dentro do contexto de uma discussão mais aprofundada pela psicologia. Como o enfoque do presente estudo é o de discorrer sobre a relação entre psicologia, arquitetura e o uso dos sentidos, não entraremos em detalhes a respeito desses conceitos e vamos diretamente aos demais tópicos.

Do prazer à motivação: o sentido do valor hedônico na arquitetura

Termo cunhado pelo filósofo Aristipo de Cirene, o hedonismo surgiu na Grécia Antiga e se caracteriza como teoria filosófica e doutrina ética que defende a busca do prazer como finalidade da vida. Ao longo da história, tal conceito recebeu novas percepções fomentadas por estudos que se basearam em sua ideia central para compreender as dinâmicas sociais e econômicas da contemporaneidade

Diante do cenário atual, observam-se diversas transformações culturais e comportamentais que reforçam a ideia da constante busca do indivíduo pelo prazer, pelo estímulo do ego e pelo interesse por experiencias inusitadas que propiciem satisfações imediatas e recompensas instantâneas. Ou seja, partindo da abordagem do presente estudo, se faz necessário compreender sobre o sentido de valor hedônico quando aplicado aos espaços comerciais e à ambiência, como fator de extrema relevância para a construção de experiencias imbuídas de significado, sentimento de pertencimento e memória afetiva na relação entre “homem-meio ambiente”.

Em paralelo ao entendimento sobre o significado do conceito de hedonismo, entende-se o processo de humanização do espaço como elemento-chave para produzir a subjetividade pertencente às percepções ambientais, pois o espaço também é responsável por proporcionar sentimentos como autorrealização e bemestar psicológico. Como endossa Akamoto (1996) a respeito dos valores subjetivos da experiencia:

“Entendem-se por elementos subjetivos os fatores intervenientes dos sentidos internos, das motivações e da interpretação dos fatos que dão origem às ações externas,” pois “toda ação é precedida de um pensamento consciente, inconsciente ou de ambos.” (AKAMOTO, 1996:13)

Levando em consideração tais aspectos, acredita-se que uma das atribuições da arquitetura comercial contemporânea é a de planejar arranjos construtivos com forte valor hedônico, pois o espaço construído se associa à expectativa do indivíduo em sua busca pelo prazer através da experiencia, atribuindo dimensão simbólica e de forte conexão emocional com o espaço Portando, pode-se afirmar que a prática projetual envolve o planejamento de aspectos funcionais e a compreensão do valor simbólico que determinado espaço receberá através da interação do homem com o meio, além do uso de tecnologias que, quando integradas ao arranjo espacial, tendem a reforçar o processo de apropriação deste mesmo espaço pelo usuário em sua constante busca por satisfação.

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Corroborando com essa ideia, Akamoto (1996:10) reitera que a função da arquitetura “é criar o ambiente perceptivo do homem para o seu desenvolvimento adequado, utilizando uma linguagem ambiental” harmoniosa e cujo universo perceptível seja positivo para a observação dos fatos. Os espaços construídos possuem uma dimensão simbólica que reverbera no interior do indivíduo e este reflete ao mundo exterior aquilo que o exterior repercute dentro dele. Ou seja, ainda de acordo com o autor, “os estímulos que provocam as sensações passam pela emoção, pelo pensamento (crenças) que, utilizando princípios normativos, chegam à ação e, novamente, pelo mesmo processo, retornam ao sentimento que as gerou ” (AKAMOTO, 1996:15)

Portanto, tais reflexões fomentam a premissa de que este processo de captação dos estímulos e percepções do meio, assimilação e ação, estão intrinsecamente ligados à compreensão da importância de se planejar a ambiência ao longo da prática projetual como mecanismo capaz de gerar estímulos motivacionais e de reforço do valor hedônico, uma vez que “as percepções decorrentes das sensações vão além das simples reações aos estímulos externos, pois são acrescidas de outros estímulos internos que intervém e conduzem o comportamento.” (AKAMOTO, 1996:11)

O Eu e o Lugar: entendendo a influência do espaço construído na percepção do indivíduo

A partir dos discursos apresentados anteriormente, os quais visam compreender o viés de estudo pela psicologia ambiental e o conceito de hedonismo na arquitetura, é de fundamental importância compreender o diálogo presente entre o espaço construído e a sua influência sobre o sistema de percepções do indivíduo a respeito do sentido de “eu” e o sentido de “lugar”.

Como afirma Allan de Botton, em seu livro intitulado “Arquitetura da Felicidade”, “as nossas identidades estão indelevelmente associadas ao lugar onde vivemos, e junto com ele se transformarão.” (BOTTON, 2006:12) Ainda segundo o autor:

“A premissa para se acreditar na importância da arquitetura é a noção de que somos, queiramos ou não, pessoas diferentes em lugares diferentes – e a convicção de que cabe à arquitetura deixar bem claro para nós quem poderíamos idealmente ser.” (BOTTON, 2006:13)

Logo, entende-se que tais colocações reforçam a ideia de que a identidade individual do ser-humano, sua percepção do “eu”, está em constante transformação e troca com o meio no qual está inserido, sofrendo adaptações e contribuindo igualmente para a formação da identidade de lugar. Inclusive, dentro dessa ótica, também vale citar que:

“A nossa sensibilidade ao que nos cerca pode ter origem numa característica incomoda da psicologia humana: o modo como abrigamos dentro de nós muitas identidades diferentes (...) Nós queremos que nossas construções nos mantenham fiéis, como uma espécie de molde psicológico, a uma visão benéfica de nós mesmos. Colocamos ao nosso redor formas materiais que nos comunicam aquilo de que precisamos interiormente.” (BOTTON, 2006:105 - 106)

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Neste sentido, também explica Pinheiro (2006), em seu estudo intitulado “Experiência ambiental de ambientes representados”, que a percepção ambiental pode ser considerada o “elo inicial da sequência de processos psicológicos presentes nas interações com os ambientes”, se distinguindo “da percepção do objeto pelas condições de imersão do percebedor (ou sujeito) no tempo e espaço do ambiente percebido (ou objeto que o circunda)”. Ou seja, a percepção direta do ambiente depende das informações contidas nele, pois o objeto está sujeito à diversos fatores que influenciam o seu sistema de “codificação espacial” e que podem alterar a percepção das “representações físicas externas” (PINHEIRO, 2006:170) às quais os indivíduos estão fisicamente expostos. Ainda por essa perspectiva:

“Um aspecto importante de nosso relacionamento com os lugares é a forma como se dá o processo de apropriação dos espaços, evidentemente relacionados à maneira através da qual percebemos esses ambientes e formamos cognições a respeito.” (PINHEIRO, 2006:168)

Portanto, é possível conduzir à ideia de que a apropriação do ambiente construído está relacionada à ideia de identidade do lugar. Temas como a escala ambiental e o estudo dos processos psicossociais estão fortemente relacionados à maneira como o homem interage com o meio, levando em consideração que as impressões geram implicações nas representações mentais dos ambientes e essas representações podem – ou não – seguir os princípios de operação desses mesmos ambientes.

Diante desse cenário, vale ressaltar que existem as experiencias consideradas primárias (aquelas que dizem respeito à experiencia direta entre o homem e o meio) e as experiencias secundarias (que dizem respeito às maneiras de se experienciar o ambiente de forma indireta), sendo a segunda de dimensão subjetiva e abstrata em relação a primeira e “influenciada essencialmente pelo estímulo sensorial, dada a inexistência de expectativas ou estímulos prováveis do ambiente.” (McANDREW, 1993 apud. PINHEIRO, 2006:170)

Tendo em vista tais especificidades, a arquitetura propõe-se a projetar o espaço construído para que este possibilite formas de apropriação capazes de gerar uma conexão entre o indivíduo e o meio, partindo da premissa de que “a arquitetura é o contexto ambiental que apresenta a evidência e o significado da existência na sociedade” (AKAMOTO, 1996:16). Segundo o autor, “chama-se realidade empírica tudo que existe e pode ser conhecido através da experiencia”, sendo parte das experiencias secundárias adquiridas através das percepções captadas pelos sentidos corpóreos e pela consciência do indivíduo quando submetido aos estímulos do meio.

A fim de compreender sobre a relação entre o “eu” e o lugar’, além da reflexão acerca do viés subjetivo que as experiencias são capazes de nos proporcionar, entende-se que, na dimensão abstrata do meio, os estímulos sensoriais exercem grande influência sobre a percepção do espaço construído, podendo atribuir-lhe maior ou menor valor de acordo com o sistema de crenças e experiencias vivenciadas anteriormente pelo indivíduo, sendo o “eu” construído pela união das impressões externas e internas e a ideia de “lugar” construída com base no valor simbólico do espaço.

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Assim como reitera Vera Damazio, em seu texto introdutório desenvolvido para o livro de Juliana Duarte Neves, autora da obra “Arquitetura sensorial: a arte de projetar para todos os sentidos”:

“Nossas experiencias diárias são mediadas pelo entorno material e suas formas, sons, odores, cores, sabores, texturas, temperaturas. As coisas e os espaços que nos rodeiam são espectadores, coadjuvantes e muitas vezes personagens principais de nossas ações diárias. Eles se fazem perceber por todos os nossos sentidos e acabam tornando-se, também, marcas daqueles que os escolhem e códigos culturais através dos quais nos apresentamos, nos identificamos, nos singularizamos e nos relacionamos com o outro. Os espaços e as coisas que nos cercam estabelecem significados sobre nós mesmos.” (DAMAZIO apud NEVES, 2017:07)

Neste sentido, portanto, pode-se concluir que o processo perceptivo se torna um compêndio de elementos materiais e imateriais que compõem a experiência, o qual pode influenciar direta e indiretamente aspectos comportamentais e relacionais do indivíduo com o “lugar” e do indivíduo em sua constante construção do “eu”

Dado o exposto, na próxima etapa do trabalho se apresentarão alguns dos princípios gerais do conceito “arquitetura sensorial” e reflexões acerca dos processos cognitivos, a fim de correlacioná-los com os temas discutidos nas duas etapas anteriores do estudo.

3. Arquitetura sensorial

Compreendendo a importância do uso dos sentidos na arquitetura comercial

Muito se discute sobre a importância do uso dos sentidos no espaço projetado pela arquitetura, especialmente em se tratando das atividades relativas ao exercício da profissão em projetos comerciais, pois entende-se como sendo de responsabilidade do arquiteto a criação de “um ambiente que transporte sensorialmente o visitante ao mundo da marca, conectando-o aos seus valores.” (NEVES, 2017:10) Portanto, frente à tal arcabouço conceitual se inicia o discurso sobre a relevância da aplicabilidade da arquitetura sensorial ao longo do exercício da prática projetual no contexto de espaços utilizados para fins comerciais.

Atualmente, se observa a necessidade de compreender a relevância do tema tanto do ponto de vista humano – pois experiencias positivas vivenciadas no espaço imprimem memórias afetivas relevantes para a constituição do indivíduo como ser humano – quanto do ponto de vista comercial – levando em consideração que interações de maior qualidade entre os consumidores e os espaços comerciais das marcas tendem a acarretar o aumento das vendas e volume de visitas de potenciais novos consumidores. Ou seja, pode-se dizer que as formas de engajamento proporcionadas pelos espaços comerciais, pela ótica da sensorialidade, podem apresentar viés relacional e de interesses financeiros.

Paralelamente, tem-se discutido também sobre o conceito de design de experiencias, cuja ideia central se refere à “progressão do valor econômico dos bens, serviços e experiencias; ou seja, no fato de o valor material e simbólico de uma experiencia ser maior do que o de um bem por si só.” (NEVES, 2017:21)

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Neste sentido, se evidencia que “a constante transitoriedade vivida pela sociedade contemporânea é a maior responsável pela rápida mudança de valores e pela sensação de que nada é permanente”, portanto, há o reforço da ideia de que as experiências passaram a ser consideradas produtos não descartáveis em um período da história em que bens materiais – objetos – são facilmente descartados pela sociedade

Também cabe uma breve associação do conceito de “design de experiencias” ao conceito de valor hedônico, tendo em vista que a busca pelo prazer se apresenta como a principal motivação do novo consumidor em sua procura por novos e gratificantes momentos Partindo da premissa de que as vivencias acontecem dentro de determinado contexto e recorte temporal, vale ressaltar que para se consolidarem necessitam de um recorte espacial – o qual a arquitetura é capaz de projetar com o arranjo construtivo necessário para reforçar e potencializar as experiências

Vivenciar memórias através do meio tornou-se, portanto, a constante busca na contemporaneidade e tal argumento fomenta a ideia de que a arquitetura projeta o espaço propicio para que tal objetivo se consolide em sua totalidade, sendo o “palco capaz de gerar maior valor econômico” quando analisado sob a perspectiva da “emergente economia da experiencia.” (NEVES, 2017:22)

Além disso, é preciso pontuar que um bom projeto comercial se faz através de uma boa ambiência, sendo esta responsável por estimular os sentidos corpóreos e iniciar o processo perceptivo da experiência. Os aspectos trabalhados pela ambiência –que incluem desde a preocupação com ergonomia e mobilidade, até aspectos relacionados ao marketing sensorial – podem incitar os sentidos de forma conjunta, em complementariedade, ou individualmente, sendo a primeira forma mais adequada para despertar experiencias de alto impacto e maior envolvimento do usuário com o meio. Os estímulos, então, também devem ser congruentes entre si e congruentes com a mensagem que a marca deseja transmitir ao consumidor por meio experiência.

O diálogo entre o indivíduo e o meio carrega em si uma identificação, sendo os estímulos sensoriais proporcionados pelo meio e captados pelos sentidos corpóreos do indivíduo responsáveis por oferecer à mente impressões que podem desencadear um processo de identificação positivo da experiencia. A apropriação do espaço pode ocorrer, portanto, tanto do ponto de vista físico – em que o processo de apropriação inclui o exercer de atividades e as relações que ocorrem através dele –quanto do ponto de vista emocional – em que o indivíduo se apropria de forma afetiva, estabelecendo um vínculo extra físico com o meio. A respeito desse assunto, Akamoto (1996) afirma que:

“O homem está rodeado de um campo de energia corpuscular ou vibratória correspondente à cor, ao frio, ao cheiro, à claridade, ao vento, à pressão atmosférica sentida na pele, ao som que se ouve, a temperatura que vem estimular os sistemas de receptores sensoriais do corpo através dos cinco sentidos conhecidos, e dos sentidos interiores menos mencionados como sentido vestibular, sentido orgânico, sentido cenestésico.” (AKAMOTO, 1996:27)

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Para endossar a importância dos processos corporais na captação dos sentidos, o autor também explica que:

“Todos os nossos órgãos dos sentidos têm características comuns: possuem receptores que são células nervosas especializadas, capazes de responder a estímulos específicos. Recebem, transformam e transmitem, para o restante do sistema nervoso, grande número de informações existentes no ambiente, na superfície e no interior do nosso organismo.”

(TIEDERMANN, 1985, p.5 apud AKAMOTO, 1996:30)

Concomitantemente ao entendimento do processo perceptivo, no contexto da prática projetual, devem ser levadas em consideração as características funcionais e estéticas de todos os materiais e elementos que serão incorporados no espaço construído, como, por exemplo: resistência e aplicabilidade técnica dos materiais, formas de manutenção e preservação, cores e texturas de superfícies, bem como a forma e função dos elementos tridimensionais que comporão o arranjo arquitetônico.

Estes são alguns dos fatores que devem ser considerados quando analisados do ponto de vista construtivo e sensorial e em complementariedade com o marketing sensorial – responsável por implementar estímulos sonoros, aromas e visuais estratégicos na ambientação – quando combinados harmonicamente entre si e com a arquitetura, são capazes de proporcionar a fruição sensorial ideal para o visitanteconsumidor. Como endossa Botton (2006), a respeito da maneira como nos relacionamos com o meio material:

“Se nosso interesse por construções e objetos é realmente determinado tanto pelo que eles nos dizem, quanto pelo desempenho de suas funções materiais, vale a pena falar sobre o curioso processo pelo qual combinações de pedra, aço, concreto e vidro parecem capazes de se expressarem – e podem em raras ocasiões nos dar a impressão de estarem nos falando sobre coisas significativas e emocionantes.” (BOTTON, 2006:78)

Levando em consideração os aspectos supracitados e objetivando elucidar sobre a maneira como os espaços comerciais são capazes de nos transmitir sensações e despertar sentimentos, valem algumas exemplificações a respeito do assunto:

• Quando nos referimos aos espaços residenciais, por exemplo, a sensorialidade manifestada na arquitetura objetiva proporcionar bem-estar, relaxamento, familiaridade e sentimento de pertencimento. Enquanto nos casos dos espaços comerciais, a sensorialidade objetiva incitar no visitante outros sentimentos e sensações, a depender do tipo de espaço e das atividades que ali serão desempenhadas.

• Em clínicas médicas, por exemplo, há a presença de elementos arquitetônicos e mobiliários com formas predominantemente monolíticas e elementares, de cores neutras e frias, bem como iluminação indireta – por vezes há o uso de iluminação natural como estratégia biofílica – e estímulos sonoros de baixa intensidade. Os aromas utilizados neste tipo de ambientação geralmente estão associados à natureza, com aromas herbais ou florais. Em análise, tais elementos constituintes do espaço construído e da ambiência, neste caso, são pensados para proporcionar ao paciente um sentimento de desaceleração, acolhimento e de reconexão com a natureza, se propondo a prepará-lo para o atendimento que será realizado na sequência e fortalecendo a ideia de que naquele determinado

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local (clínica), o indivíduo será “cuidado”, quase como uma espécie de reforço a ideia do autocuidado.

• Em contrapartida, em lojas de vestuário e calçados, normalmente há a presença de elementos arquitetônicos e mobiliários com formas monolíticas dispostas em layouts de fluxo livre e orgânico, cuja distribuição dos expositores e localização dos setores atribuem maior dinamicidade ao espaço, superfícies e mobiliários de cores quentes e metalizadas com presença de estímulos visuais como letreiros iluminados, espelhos e espaços “instagramáveis”, iluminação indireta predominantemente amarelada direcionadas aos manequins e áreas de exposição, além do maior planejamento quanto aos estímulos sonoros de alta intensidade e com músicas de ritmo acelerado e popularmente conhecidas. Os aromas utilizados neste tipo de ambientação geralmente possuem notas olfativas mais adocicadas, amadeiradas e intensas, envolvendo o consumidor e conduzindo a sua experiencia à um ritmo mais acelerado que pode, eventualmente, resultar em uma venda de produto ou serviço ofertado no local. Portanto, se observa que o objetivo deste segundo tipo de arquitetura comercial é o de promover ação – a venda em si – e alimentar no consumidor sensações que reforcem a ideia de cultivo da autoimagem, valorização da beleza física, além de remeter à ideia de glamour e status social.

• Há outros exemplos a respeito de como os espaços comerciais são capazes de nos transmitir sensações, motivar e despertar conexões através de seus arranjos construtivos e ambientações, todavia, caberia uma pesquisa mais extensa e aprofundada sobre o assunto para trazer informações mais especificamente. Portanto, seguiremos a diante com as próximas considerações cabíveis ao tema do presente estudo.

Diante desse cenário, vale lembrar que a qualidade de um projeto comercial tende a ser avaliada tanto do ponto de vista técnico e funcional, quanto do ponto de vista social e financeiro, visto que o ambiente deve garantir o perfeito funcionamento e desenrolar das atividades comerciais, bem como proporcionar a ambientação ideal capaz de reforçar positivamente a experiencia e permitir a livre apropriação do espaço pelo usuário

Logo, percebe-se que o julgamento sobre a vivência ter sido positiva ou negativa, relevante ou irrelevante para a existência do indivíduo será realizado, minimamente, a partir desses critérios. Partindo dessa premissa, também se reforça a ideia de que todo o processo da experiência extrapola do âmbito estritamente comercial para o social, uma vez que outro critério de classificação da experiência compreende a busca pela “socialização, bem-estar e solidariedade” (NEVES, 2017:23) durante a vivência da mesma. Portanto, o resultado desse processo dependerá de múltiplos fatores que necessitam de um bom planejamento e sensibilidade por parte do arquiteto ao longo de sua prática projetual.

Outro ponto de extrema importância para o tema é o de análise do perfil do novo consumidor, o qual se apresenta cada vez mais exigente por almejar momentos que sejam impactantes, memoráveis e edificantes – além de considerarem as atribuições funcionais e estéticas dos produtos que pretendem adquirir durante o processo da experiência.

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Em um passado remoto, as características estéticas e funcionais dos objetos eram os fatores decisivos para a escolha dos consumidores e a para se obter a conversão das vendas, enquanto que, atualmente, a vivenciada adquirida durante o processo de aquisição do produto passou a ser considerada fator preponderante e etapa fundamental, sendo responsável por agregar valor ao artefato comercializado através da experiência em si. Logo, entende-se que tal afirmação endossa a relevância do planejamento da ambiência e do uso dos sentidos como estratégias comerciais que visem agregar valor através do arranjo presente no espaço em que as experiências serão vivenciadas pelos consumidores

Em paralelo, cabe ressaltar que a “experiência” também tornou-se o valioso produto de diversas marcas de renome disponíveis no mercado, reforçando ainda mais o conceito de “design de experiências”, em que o produto passou a ser o “momento” e a “memória do momento” – incluindo a sua reverberação através de sensações e sentimentos vivenciados pelo indivíduo – passou a ser considerada a finalidade da aquisição da experiência Ademais, este assunto se correlaciona com as considerações do tópico à seguir.

Memória afetiva e conexão: entre os estímulos e os processos cognitivos

Ao abordarmos sobre memória afetiva na arquitetura, tratamos sobre diversos conceitos, dentre eles, o conceito de “arquitetura de atmosferas”, o qual descreve as atmosferas dos ambientes comerciais como “etéreas, um tipo de fluido ou gás; não suscetíveis à apreensão”, onde os “corpos e coisas estão imersos e algumas vezes permeados por elas. Uma atmosfera pode ser sentida sem ser percebida. Notavelmente, ninguém é sensível a elas a todo momento e do mesmo jeito.” (WIGLEY, 1998:18 apud NEVES, 2017:24). Conforme também reforça a autora:

“Embora não seja possível projetar como se darão a vivência da experiencia e o envolvimento das pessoas com o meio projetado, é possível projetar atmosferas. Assim, intangíveis, imensuráveis, etéreas, efêmeras, sutis, voláteis, incontroláveis, porém, projetáveis e impactantes, as atmosferas criadas em espaços físicos proporcionam experiencias marcantes e variadas.” (NEVES, 2017:25)

Corroborando com as colocações mencionadas no parágrafo anterior em se tratando do sentido de “ser e estar” dos objetos que compõem a dimensão material de atmosferas imensuráveis, de acordo com Botton (2006), “nos é oferecida uma rara perspectiva de como exatamente massas tridimensionais podem assumir e transmitir significados” (BOTTON, 2006:78) pois considera que tais elementos são capazes de demonstrar a “variedade de ideias e emoções que todos os tipos de objetos não representativos podem transmitir” e que estes mesmos objetos nos proporcionam a “chance de focalizar com incomum intensidade o poder da comunicação.” (BOTTON, 2006:80)

Ou seja, ao se permitir que ocorram as interações entre percebedor e objeto/meio, se possibilita a comunicação em um nível mais profundo em que ocorre a transmissão de possíveis “expressões abstratas de alguns dos temas importantes de nossas vidas” (BOTTON, 2006:80) sem a utilização de uma linguagem verbal e em um sistema de comunicação indireto. Nesse sentido, há o reforço da ideia de que há subjetividade ao longo do processo da experiência e a presença de valor emocional

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em todos os objetos que, quando dispostos no arranjo espacial ideal, proporcionam conexão afetiva, além da criação de uma atmosfera de subjetividade, de livre apropriação e forte significado pessoal

Em paralelo ao entendimento sobre tal conceito, cabe considerar também que as experiências recebem grande influência dos referenciais de vida do indivíduo e de sua história pessoal. Nesse sentido, ao se correlacionar a individualidade da experiencia com a ideia de que as atmosferas podem ser consideradas voláteis, entende-se que a vivência da experiencia em si recebe significado muito particular, pois ocorre do ponto de vista individual e à nível pessoal. Ainda que um mesmo espaço seja experienciado por uma mesma pessoa em dias diferentes, pode gerar experiencias e memorias distintas por receber influência de aspectos emocionais e psicológicos variáveis do indivíduo – os quais estão em constante transição ao longo da vida. Ainda segundo a autora, a respeito do conceito de atmosfera, cabe citar:

“Produzida pela forma física, a atmosfera de um edifício seria um tipo de emissão sensorial de som, luz, calor, cheiro e umidade (...) Assim, uma construção solida, tangível e mensurável teria capacidade de produzir algo tão sutil e intangível quanto uma atmosfera composta de elementos que envolvem os sentidos.” (NEVES, 2017:25 - 26)

Diante de tal cenário, vale ressaltar sobre a importância do uso dos sentidos para a construção da percepção do meio, onde:

“Sensacionam-se os estímulos do meio ambiente sem se ter consciência disto. Pela mente seletiva, diante do bombardeiro de estímulos, são selecionados os aspectos de interesse ou que tenham chamado a atenção, e só aí que ocorre a percepção (imagem) e a consciência (pensamento sentimento), resultando em uma resposta que conduz a um comportamento.”

(AKAMOTO, 1996:21)

Deste modo, entende-se que o sistema sensorial capta a energia externa através dos 5 (cinco) sentidos corpóreos – visão, audição, olfato, paladar e tato – sendo as células receptoras responsáveis por transformar a energia captada em energia eletroquímica e essa responsável por desencadear o fluxo de íons que percorre pela membrana celular originando os impulsos no sistema nervoso. Tal processo, denominado “transdução”, explica como ocorre fisiologicamente a transformação das energias. Na sequência, o impulso elétrico chega ao cérebro através do sistema nervoso, o qual processa a informação com base em seus registros de experiencias anteriores, sistema de crenças e julgo de valores pessoais. A memória, nesse sentido, torna-se fator determinante para classificar as informações coletadas no meio e categorizá-las como positivas ou negativas.

Logo as sensações captadas pelos sentidos são selecionadas pela mente e à elas atribuídas significados em forma de figuras e pensamentos. Durante esse processo, o significado será atribuído com base nas experiencias passadas vividas pelo indivíduo, bem como pelo seu sistema de crenças, valores, estado emocional do momento e motivações pessoais. A percepção, portanto, dependerá de complexos processos desencadeados pela captação de sensações do ambiente e receberá forte simbologia pessoal.

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Dentro desse contexto, cabe explicar que existem 3 (três) tipos de sentidos, sendo o perceptivo, o espacial e o proxêmico. O primeiro está associado aos sentidos corporais, que quando ativados em conjunto são responsáveis pelo registro de estímulos mais intensos e que provocam maior impacto e podem se tornar memorias intensas. O segundo está associado ao espaço físico, às pessoas que nele estão e o arranjo espacial de elementos construtivos e equipamentos que possibilitam o desenvolvimento de atividades. E o terceiro relacionado ao grau de distanciamento físico espontâneo que acontece entre as pessoas no ambiente em que há o convívio social. Vale ressaltar que esses 3 (três) conceitos são fatores importantes para o processo de construção do significado, pois podem tanto elevar o nível da experiencia, quanto no sentido de que também podem gerar experiencias e memorias negativas.

Portanto, a correlação que se faz entre o funcionamento dos processos perceptivos e o registro de memórias afetivas ocorre devido à essa dinamicidade de interação e resposta ao meio. Para concluir tal reflexão, vale citar:

“A arquitetura, nesta conjuntura, transforma-se no palco da imagem expressiva dos valores subjetivos de seus autores”, além de também carregarem forte significado atribuído pelo “sujeito simbólico, o seu sentido afetivo, o sentimento e a emoção”. (AKAMOTO, 1996:12)

Ambiência: entendendo a sua importância para a construção da experiencia

O meio, composto por elementos visíveis e invisíveis articulados dentro do contexto espacial, tende a imprimir sensações e percepções nos indivíduos, sendo estes elementos materiais (como o espaço construído arquitetonicamente) e imateriais responsáveis por compor a experiencia. Tal arranjo denomina-se “ambiência”.

A ambiência engloba um conjunto de estímulos, sentimentos e experiencias ligadas à contextos sociais existentes em determinado tempo e espaço vivenciados pelo usuário. Envolve aspectos construtivos, responsáveis por proporcionar bem-estar e funcionalidade do ponto de vista material, bem como aspectos imateriais e simbólicos responsáveis por promover forte conexão emocional e sentimento de pertencimento.

De acordo com Gleice Azambuja Elali, em seu artigo intitulado “Relações entre comportamento humano e ambiência: uma reflexão com base na psicologia ambiental”, para compreender sobre o conceito de ambiência é necessário entender o significado de percepção.

Segundo a autora, percepção “corresponde a um processo complexo que envolve características pessoais, objetivos do individuo na situação, motivação e experiencia anteriores, os quais estão relacionados à maior ou menor sensibilidade do indivíduo às affordances proporcionadas pelo local e seus objetos”. Neste caso, o conceito de affordance “corresponde ao conjunto de informações fornecidas quer por um objeto em particular, quer por um ambiente”, sendo que possuem “em si potencial de uso latente, abrindo diferentes possibilidades de ação para quem esteja em contato com elas.” (ELALI, s.d.)

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Além de compreender os sistemas de percepção e o conceito de affordance, vale enfatizar a diferença entre percepção ambiental e ambiência, em que se entende a percepção ambiental “como modo de decodificar aspectos da ambiência” (ELALI, s.d.), ou seja, a percepção acontece através dos elementos presentes na ambiência.

Em seu artigo publicado na “Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia”, a autora Maria Luisa Trindade Bestetti explica que “podemos definir percepção como sendo a tradução dos estímulos ambientais refletida em padrões de comportamento e com fatores selecionados por meio dos sentidos ativos de cada indivíduo” sendo que “a percepção humana depende de fatores subjetivos” e que devido à essa razão “podemos afirmar que a realidade de cada um é construída a partir desses filtros mentais.” (BESTETTI, 2014:602)

A autora também afirma que a experiencia acumulada pode ser positiva ou negativa, o que a caracteriza como afetiva e endossa que “quando falamos em ambiência, pensamos em humanização por meio do equilíbrio de elementos que compõem os espaços, considerando fatores que permitam o protagonismo e a participação” do indivíduo, sendo composto pelo espaço físico (construído) e pelo “efeito moral que esse meio físico induz no comportamento dos indivíduos.” (BESTETTI, 2014:602)

Outro conceito que agrega à reflexão sobre ambiência, diz respeito ao estudo conduzido pelo psicólogo James Jerome Gibson, o qual classificou os sentidos corpóreos como elementos constituintes do “sistema perceptivo”, sendo categorizada por ele como a “abordagem mais pertinente à percepção do meio projetado” (NEVES, 2017:46). Em seu estudo, sugeriu a definição dos 5 (cinco) sentidos corpóreos como 5 (cinco) sistemas perceptivos, sendo eles: paladar-olfato, háptico, sistema básico de orientação, auditivo e visual.

Segundo Neves (2017:47), o agrupamento do primeiro sistema perceptivo denominado “olfato-paladar” se deve ao fato de que “em relação à percepção do ambiente projetado, o paladar é sempre dependente do olfato”. Ainda conforme afirma a autora, o sentido do paladar possui “caráter social”, embora seja mais complexo de ser trabalhado do ponto de vista projetual. Nesse sentido, o olfato pode ser considerado “um sentido involuntário” e de maior conexão com as memórias –pois promove o registro de memorias olfativas – enquanto que o paladar “é voluntário” e possibilita a socialização. Quando ambos funcionam em complementariedade, sendo os odores captados pelo olfato capazes de nos instigar e motivar, exercem forte influência sobre a percepção do meio projetado, podendo ser explorados mais intensamente pela arquitetura e pelo marketing sensorial.

O sistema háptico, no entanto, se refere ao sentido do tato e aborda conceitos como cinestesia e princípios básicos de conforto ambiental, enquanto o terceiro sistema perceptivo nomeado sistema básico de orientação “se fundamenta na relação entre o plano horizontal (o chão) e a nossa postura vertical” (NEVES, 2017:73), tratando de temas mais específicos como escala arquitetônica e proporções ambientais, bem como percepções gerais do ambiente, incluindo mobilidade e suas respectivas formas de orientação. Por este viés de análise projetiva, entende-se que o sistema auditivo também se correlaciona com o sistema básico de orientação, pois a audição pode ser considerada o sentido responsável pela “habilidade de escutar através dos

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sons” e por detectar “a natureza dos barulhos no espaço” (NEVES, 2017:82), além de estar fortemente associado à percepção do tempo e espaço.

Por último, e não menos importante, o sistema perceptivo visual tende a ser o sentido mais explorado pela arquitetura e pelo design, abordando questões referentes ao equilíbrio de uso das cores, às formas de se projetar espaços com luzes, sombras, objetos e elementos tridimensionais, bem como planejar o equilíbrio visual e a “construção de uma atmosfera” de forte valor simbólico que, quando projetada com base em todos os sistemas perceptivos, é capaz de proporcionar experiências de forte valor hedônico e relevância do ponto de vista humano e econômico.

Quando analisados do ponto de vista da construção da experiência partindo de interesses financeiros, entende-se que a comunicação transmitida aos sistemas perceptivos nos espaços onde ocorrem trocas comerciais visam promover conexão da marca com seus consumidores, induzindo o engajamento do público-alvo, à conversão das vendas e às experiências capazes de gerar forte identificação entre os valores pessoais dos compradores, de “seguidores” – indivíduos que defendem narrativas de marcas, sem necessariamente consumi-las – e o universo de valores e identidade das marcas em questão. Portanto, cabe observar que, mesma maneira que o novo consumidor apresenta o aumento dos níveis de exigências e expectativas, as marcas desenvolvem meios de superá-las e o objetivo da ambiência, neste sentido, é o de trazer a identidade da marca ao espaço para envolver o consumidor e satisfaze-lo em seus anseios e aspirações.

4. Considerações finais

Os espaços carregam em si características materiais e imateriais que influenciam sobremaneira a percepção do indivíduo a respeito da sua própria identidade e este, em resposta ao meio, reflete as suas percepções e aspirações pessoais através de ações e engajamento. Então, a demonstração de aspectos motivacionais tende a ser o resultado do processo perceptivo, o qual contribui para a construção da simbologia do “lugar”, além de que o indivíduo estabelece com o meio uma forte conexão afetiva quando ocorre o processo de identificação com os valores transmitidos pelo espaço

Dado o exposto, a relação “homem-meio ambiente” apresenta relativa dinamicidade, levando em consideração que o espaço reverbera no indivíduo através de seu arranjo construtivo e o indivíduo igualmente reverbera no espaço através de suas reações desencadeadas pelo processo perceptivo. Pode-se dizer, então, que tal dinâmica transita constantemente entre a dimensão coletiva do espaço material projetado e a dimensão individual – de interpretação subjetiva dos fatos percebidos através dos sentidos corpóreos – incitada pela ambiência

Ou seja, a configuração espacial assim projetada pela arquitetura influencia a maneira como o indivíduo se apropria do ambiente, bem como a aplicação dos conceitos estudados pela arquitetura sensorial tende a promover diferenciação ao espaço, especialmente no que tange a maneira como ocorrerá a captação das informações subjetivas transmitidas pelo conjunto de elementos responsáveis por ativar os sentidos corpóreos e associá-los aos significados almejados.

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Partindo de um viés econômico e de interesse por trocas comerciais, a premissa da arquitetura comercial é a de projetar espaços que envolvam, inspirem e supram a constante busca por satisfação do perfil do “novo-consumidor”. Neste sentido, também cabe ressaltar que o surgimento de novas tecnologias possibilitou o surgimento de novos estudos relacionados ao funcionamento do comportamento humano, além da implementação de realidades interconectadas que ampliaram os horizontes de possibilidades para a prática projetual unificando a existência dos espaços construídos no mundo considerado “real” aos espaços “virtuais” assim projetados para se adaptarem à nova realidade contemporânea

Por todos esses aspectos, sugere-se aos profissionais das áreas correlatas aprofundarem os estudos sobre psicologia ambiental em conjunto com estudos sobre sistemas perceptivos aplicados à arquitetura, à fim de se ampliar o arcabouço conceitual que fundamente as ideias apresentadas – mesmo que de forma embrionária – no presente estudo, além de aprimorar outros conceitos assim tratados na atualidade

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