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SOCIEDADE E PUNIÇÃO Memorial da Prisão Brasileira
SOCIEDADE E PUNIÇÃO Memorial da Prisão Brasileira
Trabalho Final de Graduação FAU USP Gabriela Villaescusa Orientador: João Sette Whitaker Ferreira
Dezembro, 2015
Punir est la chose la plus difficile qui soit. Michel Foucault Punir é a coisa mais difícil que há.
AGRADECIMENTOS
Obrigada ao meu orientador João por caminhar ao meu lado nessa jornada e por tudo que me ensinou não somente durante este ano, mas em todas as suas aulas e conversas. Obrigada à professora Karina e ao professor Bruno por suas orientações e seu carinho durante este ano, e a todos os professores desta faculdade que tanto me ensinaram sobre a arquitetura e sobre a vida. Obrigada a todos os meus colegas da FAU por estes anos maravilhosos que pude dividir com vocês, seja nas aulas, nas festas, na natação e competições ou nas conversas nas rampas. Em especial agradeço Gi, Lau, Lu e Mari por sua amizade. Obrigada aos meus pais pela paciência, pelas caronas, pela comida e por todo o apoio e incentivo durante meus anos de faculdade e todos os outros anos anteriores. Obrigada aos meus irmãos, Ma pelos cuidados, Guga pelas maquetes e Caio pelo carinho. Obrigada à Rute por todas as idas ao cinema.
SUMÁRIO
Introdução
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Parte I - Sociedade e punição
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União e sobrevivência
Punição
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O punir através da história
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Ficamos com as prisões
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Justiça ou vingança?
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Punição no Brasil
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O problema em números
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Um pouco de otimismo
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Parte II - Santana e o Complexo do Carandiru
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Breve histórico do bairro de santana
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Penitenciária do Estado
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Parque da Juventude
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Outras propostas
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Parte III - Memorial da Prisão Brasileira
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Área de projeto
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Expansão do parque central
96
Expansão da área esportiva
100
Memorial da Prisão Brasileira
106
Considerações finais
130
Referências projetuais
132
Lista de figuras
134
Bibliografia
142
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INTRODUÇÃO
O trabalho final de graduação proposto é a criação de um projeto de memorial das prisões brasileiras. Esta seria uma proposta para o futuro, e neste futuro o sistema de penalização através da privação de liberdade teria falido e não seria mais utilizado no Brasil. A proposta inicial deste trabalho era a criação de um modelo mais humanizado para as unidades prisionais no estado de São Paulo. No entanto, durante o período do TFG1 e a pesquisa bibliográfica, percebi que a pena de prisão é injusta e ineficiente, e um projeto arquitetônico melhor não resolveria as questões de injustiça no sistema jurídico do país ou de má administração do sistema penitenciário pelo governo do estado. O maior problema das prisões em um país desigual como é o caso do Brasil é que elas não deveriam existir. Tendo em vista este impasse que se colocou diante do trabalho, foi tomada uma nova postura para enfrentar o problema. O trabalho ganhou um caráter mais crítico ao sistema penal existente, baseado na maneira como a privação de liberdade será vista pelos olhos de uma sociedade no futuro que já superou estes problemas. Dessa maneira, da mesma forma como visitamos museus de tortura medievais, museus sobre os campos de concentração da Alemanha nazista e museus de prisões como Alcatraz e o próprio DEOPS da ditadura brasileira, as gerações futuras irão visitar museus sobre as antigas e horríveis prisões.
14 A cultura e o status quo da sociedade brasileira são incrivelmente difíceis de transformar. A mídia, o jogo político de poderes e a classe conservadora no país criam barreiras para mudanças e, mesmo quando se prova cientificamente a ineficiência do sistema prisional para a contenção da violência e reabilitação dos criminosos, ainda observamos a aprovação de medidas como redução da maioridade penal e construção de presídios privados por grande parte da população. O Brasil se sente mais seguro com a existência de prisões, mas esse é um falso sentimento de segurança em que a população escolheu acreditar. Sendo assim, esse projeto visa trazer um olhar diferente para a questão de modo menos científico e mais emocional. Mostrando uma possibilidade de futuro para que o presente possa ser visto de um diferente ponto de vista. Da mesma maneira como cortar as mãos de um criminoso e apedrejamentos são vistos como naturais em algumas culturas, a prisão é vista com normalidade no Brasil, mas será que deveria ser assim? Como seria olhar para a prisão como se fosse um absurdo? Será que é um absurdo? É isso que esse trabalho se propõe a discutir.
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PARTE I SOCIEDADE E PUNIÇÃO
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UNIÃO E SOBREVIVÊNCIA
“Cansados de só viver no meio de temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que a incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para gozar do resto com mais segurança.” - BECCARIA, 1764 Os primeiros homens e mulheres selvagens descobriram uma grande ferramenta para garantir sua proteção e sobrevivência: a vida em comunidade. Se unindo com outros da mesma espécie, eles ganharam força para superar obstáculos e sobreviver. No entanto, viver em grupo traz conflitos internos, e para ter sucesso nessa vida em sociedade o ser humano percebeu a necessidade de regras para garantir a harmonia. As normas são uma condição para que os seres humanos consigam deixar de viver isolados. Durante a história da humanidade, cada civilização criou suas leis que mudaram conforme o próprio ser humano evoluiu e se desenvolveu. Desde então, não existe quem viva sozinho, todos acabamos por abdicar de parte de nossa liberdade para que possamos viver com mais segurança e conforto.
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PUNIÇÃO
“Não bastava, porém, ter formado esse depósito; era preciso protegê-lo contra as usurpações de cada particular, pois tal é a tendência do homem para o despotismo, que ele procura sem cessar, não só retirar da massa comum sua porção de liberdade, mas ainda usurpar a dos outros.” - BECCARIA, 1764 Assim que as leis são criadas, aparece também a possibilidade de infringir as mesmas. O que uma sociedade pode então fazer para garantir a justiça entre todos os membros, para que todos tenham os mesmos direitos e não tenham sua porção de liberdade violada? É com esse pensamento que, junto com as regras, surgem as punições para quem as desobedeça. Etimologicamente, não se sabe ao certo de onde deriva a palavra “pena”, existem várias hipóteses que ligam pena ao sentido de castigo, ou de pesar na balança da justiça, ou de trabalho e sofrimento, de fazer o bem e corrigir, de pureza ou até mesmo ao fato de que o juiz utilizava uma pena de pavão para fixar a pena (castigo). Independentemente da origem da palavra, sabemos que a pena é a consequência jurídica que se impõe àqueles que transgridem as normas vigentes na sociedade em que vivem. E por mais que hoje nos pareça óbvio que uma pessoa que desrespeita as leis deva cumprir algum tipo de pena, muito se discute sobre qual a função da punição e como ela deve ser feita. Para Durkheim, “a pena consiste, pois, essencialmente, numa reação passional, de intensidade graduada, que a sociedade exerce por intermédio de um corpo constituído contra aqueles de seus membros que violaram certas regras de conduta”.
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Qual a função das punições?
Para Melina Duarte, “a punição, de maneira geral, tem como principais finalidades a repreensão e a prevenção de comportamentos nocivos à sociedade. Acredita-se que caso tais comportamentos não sejam punidos, eles passarão a fazer parte daquilo que é considerado correto, moral e de direito.” Existem, no entanto, três tipos de teorias que buscam encontrar a finalidade das punições, as teorias absolutas, as relativas e as unitárias. _Teoria Absoluta A teoria absoluta defende que a função da punição é puramente de retribuição, de compensar o mal causado pelo crime. Esse tipo de pensamento apareceu no idealismo alemão, em particular com a teoria de Kant. _Teoria Relativa A teoria relativa defende que a principal motivação para a sanção de penas é a de prevenir o acontecimento de novos crimes. Assim, as penas intimidam a sociedade, com a função de uma prevenção geral, e intimidam e corrigem o próprio delinquente, impedindo que ele volte a desobedecer às leis. _Teoria Unitária A teoria unitária é mais atual que as outras duas, e ela procura conciliar os pensamentos absolutos e relativos, ou seja, ela pretende garantir uma retribuição jurídica da pena ao mesmo tempo que previne o acontecimento de novos crimes de maneira geral e especial.
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O PUNIR ATRAVÉS DA HISTÓRIA
Na Antiguidade, quando ainda não existiam os Estados e os regimes monárquicos, a punição era de responsabilidade do indivíduo ofendido e não da sociedade como um todo. Esse período da história das punições é chamado de período da vingança privada, onde cada pessoa deveria lidar com os litígios (conflitos) individualmente, definir o procedimento a ser seguido e apenas consultar o soberano para que ele atestasse a regularidade do que havia sido definido. Dessa maneira, prevalecia a lei do mais forte, a punição era sempre imposta como uma vingança e não obedecia a nenhum princípio de proporcionalidade, podendo afetar não somente o malfeitor mas também sua família. O papel reparador e sem medidas da punição nesse período muitas vezes gerava um ciclo de disputas já que nem sempre o acusado era o único a sofrer as consequências de seus crimes, e os inocentes envolvidos também passavam a procurar por vingança. Esse tipo de organização não poderia se manter por muito tempo pois ele não garantia a harmonia na sociedade, e conforme a espécie humana evoluiu, cria-se uma medida para limitar o direito de desforra conhecida como a pena de Talião. Este princípio muito famoso surge no Código de Hamurabi do Rei da Babilônia em XXIII a.C., e até hoje lembramos dele: “olho por olho, dente por dente”. Atualmente, sabemos que essa regra não é a mais ideal para resolver os conflitos já que nem sempre é possível alcançar a justiça com uma reparação direta da ofensa, mas no momento em que surgiu, a lei de Talião criou uma noção de dimensão dos crimes e punições, evitando que um conflito se estendesse muito além de sua causa inicial.
Código de Hamurabi. Conjunto de leis inscrito em uma rocha de diorito em escrita cuneiforme acádica. Encontrado na Mesopotâmia, hoje a peça de 2,25m x 1,50m está em exposição no Museu do Louvre, em Paris.
23 Em algumas civilizaçõess como, por exemplo, o egípcio, o hebreu, o chinês e o indiano, houve uma época em que se acreditava que os deuses fossem os guardiões da paz e, por isso, os crimes que fossem eventualmente cometidos eram afrontas às divindades e não à sociedade ou aos indivíduos. Sendo assim, a punição era uma maneira encontrada para aplacar a ira divina e regenerar a alma do infrator. Esse período, também conhecido como período da vingança divina, é lembrado pela crueldade das penas utilizadas nos criminosos, e quanto mais importante fosse o Deus ofendido, mais atroz seria a punição. Os sacerdotes eram responsáveis por administrar a justiça e mediar as penas, e o Direito Penal vigente foi chamado então de Direito Penal Teocrático. Apesar da ligação com a religião dar uma ideia de altruísmo para a penalização daqueles que desobedeciam as regras, esse período foi marcado por muita maldade e perversidade. As monstruosidades praticadas em nome dos deuses foram inspiradas em princípios conservadores e fanatizados. Durante a Idade Média, a partir do momento em que surgem as monarquias absolutistas, as ofensas feitas a um indivíduo passam a ser consideradas como uma ofensa ao Estado também, então a reparação deve ser feita não só ao indivíduo ofendido, mas também ao soberano. O poder público passou então a regulamentar os castigos, conservando a lei do Talião, mas sempre indo em direção aos interesses do soberano. O Estado prometia proteger a coletividade tomando para si a responsabilidade pelo direito punitivo (jus puniente) mas acabava por aterrorizar a população com medidas despóticas. Nesse momento aparecem os mecanismos de punição como as multas e confiscações. Apesar desses instrumentos serem inicialmente os mais utilizados na baixa Idade Média, com o tempo diminuiu a capacidade dos malfeitores de pagar as multas e esses sistemas foram gradativamente substituídos pelas penas corpóreas. A vida humana não era vista como algo de grande importância já que a mão de obra era abundante e barata. É
24 importante perceber como a situação econômica influencia o sistema penal vigente ao longo da história. Durante toda a Idade Média, as penas físicas foram a maior parte das penas aplicadas em toda a Europa. O Direito Penal desta época foi extremamente cruel e desumano. De acordo com Garcia “para se ter ideia do que representou no passado o sistema de atrocidades judiciárias, não será necessário remontar a mais longe que há três séculos. Na França, por exemplo, ainda depois do ano de 1700, a pena capital era imposta de cinco maneiras: esquartejamento, fogo, roda, forca e decapitação. O esquartejamento, infligido notadamente no crime de lesa-majestade, consistia em prender-se o condenado a quatro cavalos, ou quatro galeras, que se lançavam em momento em diferentes direções. A morte pelo fogo verificava-se após ser amarrado o condenado a um poste, em praça pública, onde era o corpo consumido pelas chamas. E costume houve, também, de imergir o sentenciado em chumbo fundido, azeite ou resina fervente. O suplício da roda era dos mais cruéis: de início, o paciente, que jazia amarrado, era esbordoado pelo verdugo, até se lhe partirem os membros. Em seguida era colocado sobre uma roda, com a face voltada para o céu, até expirar.”
25 Os suplícios, mencionados no trecho anterior, também surgiram nessa época. Eles aconteceram em menor escala quando comparados com as penas físicas, mas chocavam a população sendo sua característica principal ter o corpo como objeto imediato do castigo, através da dor e de procedimentos graduais e atrozes de penalizá-lo. Fora isso, acreditava-se também que através dos suplícios era possível atingir um reconhecimento Divino em relação ao sofrimento pelo qual passa o condenado, sendo que Deus dará seu perdão apenas a quem for merecedor. Assim, quanto mais rápida a morte do condenado, mais ele estaria sendo agraciado por Deus, podendo-se até concluir que o condenado era na verdade inocente. Dessa maneira, as penas corpóreas continuaram a ser utilizadas em larga escala até o século XVI, quando a mão de obra começa a ficar mais escassa e a possibilidade de utilizar a força de trabalho dos apenados para aumentar os lucros se torna muito vantajosa.
26 No fim do século XVIII, surge aquilo que Foucault chama de “sociedade disciplinar”. Esse nome faz referência às profundas mudanças que ocorreram nos sistemas judiciário e penal durante a Idade Moderna. Seguindo os ideais Iluministas, a Europa entra em um período chamado como Período Humanitário no que diz respeito às punições. Lembrando que nesse momento a mão de obra era mais escassa, passou a se dar mais valor para a vida e a reforma realizada no sistema penal visou exatamente a humanização das penas. Esse momento histórico, também conhecido como século das luzes, trouxe profundas modificações em inúmeras áreas do saber e nessa revolução foi criado o Direito Penal Moderno. Autores como Beccaria, Bentham e Brissot defendem que o sistema teórico da lei penal deveria ter como princípio fundamental o crime, deixando de lado a relação com as faltas morais e religiosas. Assim, a lei passa a atribuir penas a crimes específicos com uma metodologia de aplicação da lei. O criminoso é aquele que rompe o pacto social e deverá, através da pena, reparar a perturbação que causou na sociedade com essa desobediência. A punição vem então na mesma medida da violação do pacto social. Esse caráter técnico que reforça a proporcionalidade da pena com o delito representa a busca por penas mais humanas com a abolição de práticas como a tortura, as penas corporais e as execuções capitais. As punições cruéis e atrozes passam a ser vistas como uma afronta ao pacto social. Ao mesmo tempo, para os reformistas, a punição deveria servir como um desincentivo para que outros membros da sociedade cometessem crimes, como uma forma de prevenção. Para os pensadores da época, a certeza da punição e uma vigilância constante eram muito mais eficazes do que a dor corporal para impedir a ocorrência de mais rompimentos com a lei. Beccaria afirma: “não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo, o zelo vigilante do magistrado e essa severidade inflexível que só é uma virtude no juiz quando as leis são brandas”
Cesare Beccaria. Autor do livro “Dos delitos e das Penas”(1764), criticou as penas utilizadas até então. Sua obra originou uma verdadeira revolução nos estudos sobre direito penal e despertou a atenção de grande parte da população.
27 Durante a reforma, foram apontados quatro tipos possíveis de punição: a deportação, o desprezo público, a reparação forçada do dano e a pena de Talião. No entanto, apesar de aos poucos abolir penas de morte, corporais e de infâmia, não foram essas substituídas pelos tipos apontados acima pelos reformistas, elas acabaram por dar lugar às penas privativas de liberdade, onde se iniciou a construção de inúmeros presídios. Surge a ideia de que seria possível reeducar os criminosos enquanto estes estivessem no cárcere para que depois eles fossem ressocializados e reintegrados na sociedade. As discussões iluministas foram deixadas de lado para dar lugar às penitenciárias. Será que essa foi a escolha certa? Após o peíodo da grande reforma, o Direito Penal passou a ser visto como um fato social e individual, fruto de um sistema patológico de seu autor. Alguns estudiosos buscavam identificar características físicas e mentais que se repetissem em criminosos para que se pudesse identificar pessoas propensas aos crimes. Essa área científica foi chamada de Antropologia Criminal e um de seus grandes defensores foi o italiano Cesare Lombroso. No Brasil, um de seus discípulos foi Raymundo Nina Rodrigues.
Cesare Lombroso. Precursor da antropologia criminal, utilizava técnicas como a antropometria (imagem ao lado) para identificar características físicas em comum nos criminosos.
28 Esses estudiosos da Escola Positiva acreditavam que a criminalidade era uma doença que poderia ser diagnosticada e tratada. Eles procuravam explicar a partir de uma base biológica a propensão para o crime, encontrar o perfil do “delinquente nato”. O principal objetivo dessa linha de pensamento era entender o fenômeno criminal através do estudo antropológico e sociológico dos indivíduos. Assim, a pena passou a ser vista como uma espécie de remédio e não mais um castigo, dosada conforme o perigo que o delinquente apresentava para a sociedade. Nesse momento surgem as penas de longa duração para que os delinquentes habituais não se tornassem mais nocivos e são criados também os sistemas de segurança máxima. Com o advento da Primeira Guerra Mundial e de movimentos autoritários como o fascismo, o nazismo e comunismo, as penas aparecem com maior intensidade e até mesmo a pena de morte é reestabelecida na Itália. Esse período dura até o início da Segunda Guerra Mundial quando começa o período da Nova Defesa Social. “O Movimento de Defesa Social não tem propriamente uma unidade de pensamento, nem está filiado a qualquer escola filosófica. Ele tem uma concepção crítica do fenômeno criminal e o acompanha e estuda nas suas transformações, nas suas causas, nos seus efeitos, entendendo-o como resultado de uma diátese social, que deve ser curada racionalmente, através de uma política que respeite a dignidade da pessoa humana e resguarde os direitos do homem. Ele tem uma posição reformista quanto à atividade punitiva do Estado, que há de ser exercida de modo não dogmático, mas dentro de uma visão abrangente dos conhecimentos humanos. O movimento, como já notamos, repudia o álgido tecnicismo jurídico e, por isso, entende que a lei não é a única fonte do direito, mormente na sua aplicação.” - LINS E SILVA, 1991 A partir do ano de 1945, começa uma nova etapa na história da punição nas sociedades. O professor italiano Filippo Gramatica cria o Centro de Estudos de Defesa Social para trazer de volta à discussão o assunto que havia sido deixado de lado durante as grandes guerras mundiais, e dá início a uma nova forma de
29 pensar as penas. Outra figura importante nesse processo é Marc Ancel, seguidor das ideias de Filippo. Ele se torna um grande precursor do novo paradigma, mesmo não concordando com alguns exageros propostos pelo professor italiano. Neste novo movimento, a pena passa a ser vista como uma forma de proteção da sociedade e de reeducação do delinquente. Uma das questões centrais que as novas concepções trazem para que isso seja possível é a humanização do tratamento penal, considerando a pessoa humana e não apenas a teoria encontrada nas leis. No entanto, mesmo com este viés de humanização das penas e de recuperação dos condenados, esse movimento continua a defender o sistema carcerário vigente, sistema esse que não ressocializa os criminosos mas apenas os corrompe ainda mais e impossibilita sua reinserção na sociedade, criando um grupo de pessoas marginalizadas e excluídas e num sistema penal com altos índices de reincidência.
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FICAMOS COM AS PRISÕES
“E se, em pouco mais de um século, o clima de obviedade se transformou, não desapareceu. Conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa quando não inútil. E entretanto não “vemos” o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão.” - FOUCAULT, 1987 Até o século XIX, o aprisionamento não era utilizado como um meio de punição. Sua função era apenas de reter os acusados até que eles cumprissem sua pena. Caso o criminoso se mostrasse corrigido nesse meio-tempo, ele poderia ser absolvido de seu crime. É notável que a prisão sempre carregou uma ideia de correção do indivíduo em seu princípio e, para Foucault, isso representa a necessidade de controle social dos que estavam no poder. Em sociedades como a grega e a romana, não existiu a privação de liberdade como punição. Já na Europa, durante a Idade Média, além de servir como meio de contenção dos condenados, as prisões eram local de torturas e castigos terríveis. As casas de correção representam o primeiro passo direcionando para o sistema carcerário da forma que conhecemos hoje. Elas recolhiam mendigos, vagabundos e desocupados e os colocavam em um sistema que juntava assistência social, oficina de trabalho e instituição penal. Foi uma forma encontrada de transformar pessoas socialmente inúteis em mão de obra para o mercado.
32 Desde a reforma Iluminista, a pena de privação de liberdade se tornou o principal meio de punição nas sociedades ocidentais, mesmo que esta opção não tivesse aparecido com nenhum destaque nas discussões dos reformistas. Beccaria, grande influência na reforma penal, afirmou que a prisão era mais um suplício do que uma forma de deter um acusado, e Foucault afirma que a privação de liberdade se colocou como uma instituição quase sem nenhuma justificação teórica. Por que então usamos a prisão como forma de punição dominante desde a Idade Moderna? É importante lembrar que a política penal sempre é construída de acordo com os interesses das classes sociais dominantes, servindo como mais uma ferramente de manutenção do status quo social e econômico. Para Foucault, a prisão como sistema penal cria uma classe de delinquentes, marginalizados, que facilita o controle social. Assim, os mecanismos de criminalização tendem a escolher os indivíduos de classes subordinadas, e em qualquer local, é visível a maioria da população carcerária ser composta por classes sociais com renda mais baixa e de pouca voz na sociedade. Assim, o que antes era um Estado Social (Welfare State) nos países mais desenvolvidos, muda de categoria para um Estado Penal onde as políticas de controle social são cada vez mais severas e os direitos sociais são deixados de lado, modelo esse que os países sub-desenvolvidos logo importaram. A ideia de punição como defesa da sociedade dá lugar a um sistema que se baseia no controle psicológico dos indivíduos, e este controle está presente em diversas instituições como a policial, de vigilância, psiquiátricas, médicas e pedagógicas. De acordo com Beatriz Piffer,“o que tais dados identificam é um modelo penal tendencioso, que procura reproduzir desigualdades, estigmatizando e isolando os que ameaçarem tal hegemonia. Porém, crimes são cometidos por todas as camadas sociais e (...) podemos observar que tais crimes dificilmente sofrem punição, de maneira que podemos concluir que o sistema vigente, a despeito de todo um ideal de justiça, funciona de acordo com um critério que parece medir condições sociais e poder para penalizar.”
33 Mesmo assim, a sociedade ainda é levada a acreditar que o sistema funciona através de uma ilusão de segurança que ele promove. Temos o costume de naturalizar o cotidiano, e muitas vezes somos levados a acreditar que as instituições atuais sempre existiram e continuaram a existir. De acordo com Foucault, o sistema carcerário também carrega em si uma carga de obviedade, ou seja, em teoria, ele parece ser a solução perfeita. A pena de prisão pode ser utilizada para qualquer tipo de crime, sendo que o tempo de pena será proporcional à gravidade do crime. Todos os seres humanos gozam de sua liberdade, então a pena de privação de liberdade pode ser aplicada à qualquer pessoa de forma igualitária. A prisão é um local onde o condenado pode ser corrigido e reeducado, e além disso ele é mantido fora da sociedade, não representando nenhum tipo de perigo ou ameaça. É exatamente por causa desta lógica distorcida que o sistema penal carcerário não apresenta avanço no combate à criminalidade e a violência, não promove a segurança pública. A prisão não ressocializa, não reeduca, não regenera, ela apenas destrói a personalidade e a saúde dos condenados e impossibilita a volta destes para a sociedade. As taxas de reincidência ao crime no sistema são muito altas, mas como poderíamos esperar resultado diferente? A prisão não é muito diferente de um castigo corporal, imagine os efeitos que podem causar em uma pessoa o confinamento num local sem espaço, sem sol, sem ar, sem condições adequadas de saneamento, em um constante clima de humilhação? Como pode se esperar que um ser humano viva anos em uma situação completamente fora do que seria uma vida em sociedade e se ressocialize? Por esses motivos, o cárcere é chamado também de escola do crime, na prisão o condenado passa a ser invisível socialmente, cercado em um ambiente hostil, despersonalizado e dessocializado, e sem nenhuma perspectiva de ser reintegrado em uma sociedade que o vê como criminoso mesmo após ter cumprido sua pena. Que outra opção ele tem se não entrar para o grupo marginalizado e excluído de delinquentes da sociedade? Com tudo isso, a prisão deveria ser uma ferramenta reservada aos criminosos realmente perigosos e sem possibilidade de recuperação imediata, e aos outros casos, deveriam ser
34 aplicadas penas alternativas. Não há vantagens em utilizar a pena privativa de liberdade para todos os condenados, além de onerar o Estado, ela se provou não ser eficaz. “Se eu traí meu país, sou preso; se matei meu pai, sou preso; todos os delitos imagináveis são punidos da maneira mais uniforme. Tenho a impressão de ver um médico que, para todas as doenças, tem o mesmo remédio.” - CHARLES LUCAS, 1838
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JUSTIÇA OU VINGANÇA?
“As penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano conservar aos súditos.” - BECCARIA, 1764 Grande parte das pessoas tem a impressão de que enquanto a justiça estiver sendo feita através de uma instituição responsável, ela será justa, e que vingança é um ato praticado por pessoas individualmente e não tem ligação com o sistema jurídico de uma sociedade. Mas qual a diferença entre justiça e vingança? E não seria possível que uma sentença pronunciada pelo juiz fosse de certa forma uma vingança para a vítima? Nem sempre a presença de um mediador entre vítima e condenado, que seja responsável por definir uma punição ao malfeitor, é suficiente para que a justiça seja garantida. Aqui estão alguns pontos necessários para que a justiça seja feita, e não a vingança: Proporção com crime ou dano. Quando desejamos que o mal imposto pela punição seja o maior possível e que o criminoso sofra, apanhe, etc., estamos sendo vingativos. A punição justa não deve ser exagerada, ela deve seguir uma proporcionalidade, como já dizia a Lei de Talião.
36 A vida segue após a pena cumprida. Uma punição justa é aquela que possibilita a reabilitação do condenado e sua reinserção na sociedade após o cumprimento da pena. Só paga pelo crime aquele que o cometeu. Para que se tenha justiça, apenas o criminoso pode responder por seus danos. Permitir que a punição atinja qualquer outra pessoa que não seja responsável pelo crime seria injusto e vingativo. A punição deve colocar um fim no conflito e não prolongar a cadeia de retaliações envolvendo mais pessoas na questão. Sendo assim, devemos sempre ter em mente o verdadeiro motivo da existência das punições e sua função. Para punir é preciso ser racional e é por isso que o Estado mediador é indispensável no momento de resolver os litígios. Não podemos esquecer que o criminoso não deixa de ser um cidadão e de ter direitos, ele deve responder por seus erros de forma justa e humana, sem nenhum tipo de abuso que ultrapasse a pena. Por fim, a maneira como a sociedade pensa tem grande influência no modo como o governo trata a justiça e seus condenados. No Brasil, tratamos nossos presos com dignidade? Será que somos justos? Ou vingativos?
Superlotação. Fato que se repete em inúmeras penitenciárias brasileiras, a superlotação é um indicador da falência do sistema penitenciário.
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PUNIÇÃO NO BRASIL
o 16 Brasil é o
país mais violento do mundo.
“A maneira com que uma sociedade trata seus prisioneiros diz muito sobre a sua cultura” - MITCHEL P. ROTH Num país com a quarta maior população carcerária do mundo, é comum ouvirmos falar de prisões superlotadas, sem condições básicas de higiene, onde ocorrem torturas, abusos sexuais, onde doenças se espalham e não há atendimento médico suficiente. O cárcere no Brasil não é muito diferente dos suplícios da Idade Média, nossa sociedade ainda pede pela punição-espetáculo, com violenta punição corporal e o corpo como troféu. Aqui os presos não são dignos de direitos humanos e penas alternativas são vistas como sinônimos de impunidade. As penitenciárias brasileiras não abrigam a parte da população que rompeu com o pacto social de maneira grave, mas a parte da população que as classes dominantes desejam ver marginalizadas. Esse grupo formado em sua maioria por homens, jovens, pobres, de pele escura, que moram em áreas urbanas e de baixa escolaridade, são aqueles escolhidos por essa sociedade vingativa para entrar numa vida de delinquência e exclusão social, foram matriculados na universidade do crime de onde sairão para uma vida de marginalidade. Grande parte dos presos atualmente no país não foram julgados e chegam a passar meses pagando por um crime que talvez não tenham cometido, enquanto vemos pessoas de classes altas, que cometeram crimes graves em liberdade.
38 Nossos prisioneiros são colocados em uma situação de altos níveis de estresse constantemente. A falta de espaço, de ar, de alimentação adequada e as condições precárias de higiene e saúde são os fatores responsáveis por isso e levam a uma degradação física, moral e psicológica do ser humano muitas vezes irreversível. Nesse cenário, a violência dentro dos presídios não é uma surpresa, e brigas entre gangues, assassinatos, mutilações e torturas são parte do cotidiano no cárcere. Combinando isso à falta de assistência aos egressos do sistema e a uma sociedade preconceituosa, garantimos a impossibilidade de reintegração social dos presos e geramos altos índices de reincidência ao crime. De acordo com Suzann, “a prisionalização é uma ação de grande impacto na vida e no comportamento do condenado e sua natureza e extensão jamais poderiam autorizar a tese enfadonha de que constitui uma etapa para a liberdade, assim como se fosse possível sustentar o paradoxo de preparar alguém para disputar uma prova de corrida, amarrando-o a uma cama.” Mas o que diz a lei? “O Brasil possui uma das mais avançadas leis penitenciárias da América Latina, Lei nº 7.210, a Lei de Execuções Penais, de 11 de julho de 1984, que assegura todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, propondo, inclusive, aspectos recuperadores de tratamento aos condenados. Além disso, a Constituição Federal enumera os direitos e garantias fundamentais dos presos. Em complemento, a Resolução de 11 de novembro de 1994, do Conselho Nacional de Polícia Criminal e Penitenciária (CNPCP) fixa regras mínimas de tratamento do preso no Brasil, assegurando ao interno todos os direitos que a sentença não atingiu.” - SUZANN, 2006 Nesse cenário, cabe bem uma frase de Hegel em sua Filosofia do Direito: “Não se importa uma Constituição”. De nada vale uma lei que não reflete o espírito do povo, e apesar de uma lei avançada, o Brasil possui uma população conservadora e atrasada que acredita que os bandidos merecem a morte e sofrimento. Assim, para Melina Duarte,“obviamente que o governo não vai oferecer justiça para quem não a quer. Ele oferece vingança, que, por ser mediada por uma instituição governamental, pode ser chamada de vingança legal.”
70%
é a taxa de reincidência no Estado de São Paulo para delito de roubo.
50%
da população brasileira concorda com a frase:
bandido bom é bandido morto.
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O PROBLEMA EM NÚMEROS
Para ilustrar a questão da falência da pena privativa de liberdade no Brasil, com todas as suas injustiças e ineficiência, foram consultadas publicações feitas pelo Infopen, pelo Instituto Avante Brasil, pela revista Superinteressante e pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015. Os dados colocados a seguir falam por si só e criticam melhor do que ninguém o modelo de encarceramento em massa que é utilizado em nosso país.
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Brasil é o
4o
país com maior população prisional do mundo
Porcentagem de presos sem condenação
Estados Unidos China
20,40%
698
-
Rússia
17,90%
Brasil
41,00%
Índia
Taxa de aprisionamento
a cada 100 mil habitantes
67,60%
119 468 300 33
41
213,1%
foi a taxa de crescimento da população carcerária no país entre 1999 e 2014. Nesse ritmo chegaremos a 1,9 milhões de presos em 2030.
Taxa de ocupação das prisões
População Prisional
2.228.424 1.657.812 673.818 607.731 411.992
102,70% 94,20% 161,00% 118,40%
42
Dos presos no Brasil
15%
em regime semiaberto
3%
em regime aberto
41%
sem condenação
41%
em regime fechado
43
Superlotação...
265%
é a taxa de ocupação do sistema prisional em Pernambuco
231.062
é o déficit de vagas do sistema prisional brasileiro.
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Perfil das pessoas privadas de liberdade Raça, cor ou etnia 2% amarela, indígena e outras
Pixação encontrada em banheiro de Universidade em São Paulo.
21% branca
67 % negra
45
94%
dos presos são homens.
Escolaridade 6% - Analfabetos 9% - Alfabetizados sem curso regular
53% - Ensino Fundamental Incompleto 12% - Ensino Fundamental Completo
11% - Ensino Médio
Faixa etária
Incompleto
7% - Ensino Médio 70 anos
Completo
1% - Ensino Superior Incompleto 60 anos
1% - Ensino Superior Completo
45 anos
35 anos 30 anos 25 anos
18 anos
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Da condenação Tipo de Crime 27% - Tráfico 21% - Roubo 14% - Homicídio 11% - Furto 11% - Outros 7% - Desarmamento
Tempo de Pena 2% - Até 6 meses 1% - 6 meses até 1 ano 3% - 1 até 2 anos
3% - Receptação
21% - 2 até 4 anos
3% - Latrocínio
26% - 4 até 8 anos
2% - Quadrilha ou Bando 1% - Violência Doméstica
23% - 8 até 15 anos 10% - 15 até 20 anos 8% - 20 até 30 anos 5% - 30 até 50 anos 1% - 50 até 100 anos
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Na Prisão
apenas 5% dos presos com deficiência física estão em unidades adaptadas com acessibilidade univeral.
a despesa média com cada preso varia de
2,5 a 3 mil reais por mês.
apenas 21% dos presos trabalham dentro da prisão.
apenas 10% dos presos estudam dentro da prisão.
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UM POUCO DE OTIMISMO
Apesar do quadro que foi colocado até aqui sobre o desastre do sistema penal brasileiro e da ineficiência da pena de privação de liberdade, podemos sim ser otimistas em relação ao futuro e imaginar um país que possa ultrapassar esta crise. Talvez, no futuro, o Brasil supere este sistema, utilize mais penas alternativas e diminua suas desigualdades sociais. Assim, me proponho a discutir o assunto pois acredito que este é o primeiro passo para a mudança. Talvez, mais para frente, toda esta discussão não passará de uma peça de exposição em museu, uma memória de uma sociedade injusta, de um sistema ineficiente, de um passado ao qual não se deve retroceder. Assim, é nesse contexto que proponho a criação de um Memorial da Prisão Brasileira, onde atualmente funciona a Penitenciária Feminina de Santana, para um futuro que espero não esteja tão distante.
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PARTE II SANTANA E O COMPLEXO DO CARANDIRU
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BREVE HISTÓRICO DO BAIRRO DE SANTANA
Fazenda de Santana.
Localização do bairro de Santana
Santana é um bairro localizado logo acima do Rio Tietê que possui 118.797 habitantes (INFOCIDADE, 2010) e é considerado a principal centralidade da zona Norte da cidade de São Paulo, além de ser um dos bairros mais antigos da região. Ele faz parte de um conjunto de bairros como Santo Amaro, Penha e Pinheiros que foram se constituindo aos arredores da cidade, no início do século XX, com o desenvolvimento do processo de industrialização de São Paulo. Fundada em 1673, a Fazenda dos Jesuítas (Fazenda de Santana) foi responsável por criar um núcleo de povoamento que mais tarde se tornaria o bairro de Santana. A Fazenda ocupava praticamente todo a atual região do Campo de Marte. Durante o período colonial até o fim do século XIX, esse núcleo era responsável pelo fornecimento de frutas e verduras para a cidade, contava com plantações e áreas para criação de animais e era visto como zona rural onde “turistas” da cidade iam passear nos fins de semana. Essas atividades permaneceram até o início do século XX quando foi construído o Quartel do Exército e quando se formou uma colônia de imigrantes europeus próximo à área da fazenda. Além disso, também existiam olarias na região para a produção de tijolos. A partir do início do século XX, esse quadro começou a se modificar gradativamente com o advento da indústria, a presença dos imigrantes europeus e a vinda de trabalhadores em busca de terras mais baratas onde pudessem morar. Aos poucos foi introduzido na região o modo de vida urbana tradicional através de processos modernizadores e instalação de equipamentos
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55 urbanos, e assim o bairro foi aos poucos absorvido como parte integrante da cidade. O núcleo central do bairro se desenvolveu a partir da Igreja de Santana que foi construída entre 1915 e 1944, com a criação de uma área comercial ao longo das ruas Voluntários da Pátria e Alfredo Pujol, e nessa mesma época foram construída a Penitenciária do Estado e o Campo de Aviação da antiga Força Pública. Ao longo das décadas de 50 e 60, o comércio que havia surgido na região foi se transformando. O que era inicialmente um apoio às atividades rurais passou a servir como lojas de roupas, tecidos, calçados, utensílios domésticos, entre outros, que serviam principalmente a parte da população de maior poder aquisitivo. A partir deste momento o bairro deixa de ser uma região homogênea e começa a se fragmentar e apresentar diferentes realidades paisagísticas e socioeconômicas. Aos poucos o bairro vai se integrando mais à cidade com a construção de pontos que o ligam à região central e posteriormente o metrô, na década de 70. Na mesma época surgem outros equipamentos importantes em Santana como a rodoviária do Tietê, o Anhembi, o Pólo Cultural Grande Otelo e o complexo Center Norte.
Santana aparece ao norte do mapa de São Paulo pela primeira vez em 1905.
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Em 1916, a Penitenciária do Estado já aparece no mapa da cidade, mesmo ainda estando em fase de construção. Nota-se que, na época de implantação, o complexo estava afastado da cidade.
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Em 1943, Santana ĂŠ um bairro integrado na cidade, o aeroporto do Campo de Marte aparece no mapa junto com a PenitenciĂĄria
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PENITENCIÁRIA DO ESTADO
Projetada por Samuel Stockler das Neves e construída pelo escritório Ramos de Azevedo, a Penitenciária do Estado na região do Carandiru foi idealizada como uma prisão modelo no ano de 1911. A construção do presídio demorou 9 anos e ele foi inaugurado em 21 de abril de 1920, com um custo final duas vezes maior do que o orçamento inicial. A Casa de Regeneração foi pensada para recuperar os condenados em um sistema moderno e humanizado, de acordo com o Código Penal de 1890, e autoridades e estudantes vinham de outros países para conhecer nossos métodos e procedimentos. Na Penitenciária, haviam poucos funcionários e os presos eram responsáveis por fazer sua comida, cuidar do pomar, produzir pão e seus calçados e trabalhar na enfermaria. Tinham também a possibilidade de estudar, ir na missa e aprender artes plásticas em seu tempo livre. Inicialmente, o complexo contava com dois pavilhões, sendo que o terceiro foi construído em 1929, durante o governo de Júlio Prestes. Mesmo com o novo pavilhão, a penitenciária atingiu sua lotação máxima de 1200 detentos em 1940 e passou a sofrer com o problema da superlotação com sucessivas crises e rebeliões. Como uma tentativa de resolver a situação, foi construída a Casa de Detenção em 1956, durante o governo de Jânio Quadros, aumentando a capacidade do complexo para 3250 detentos. Com o passar do tempo, foram construídos novos pavilhões na tentativa de conter o problema da superlotação. Além disso, foi inaugurada em 1973 a Penitenciária Feminina da Capital e ,em 1983, o Centro de Observação Criminológica. Assim se formou o Complexo Penitenciário do Carandiru, maior presídio americano da época.
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Prédio da Administração
Sub. Portaria
Interior do prédio da Administração
Interior do prédio da Administração
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Interior do Pavilhão
Interior da cela do Pavilhão
Inscrição no frontão do prédio da Administração
Galeria Central
Presos trabalhando na lavoura
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Escola
Escola de desenhos
Audit贸rio
Laborat贸rio
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Gabinete dentรกrio
Hospital
Cozinha
Padaria
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Notícia no jornal Estado de São Paulo
Planta de Implantação da Penitenciária
Notícia em jornal (Polícia de NY visita Penitenciária
Prédio da Administração em jornal
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Lavanderia
Serraria
Dep贸sito sapataria
Alfaiataria
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Vista aérea do Complexo do Carandiru
Entrada e Pavilhões da Casa de Detenção do Carandiru
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Janelas dos Pavilhões Rita Cadillac apresenta show no Carandiru
Entrada da Casa de Detenção no dia do massacre
70 Após inúmeras rebeliões, em 02 de Outubro de 1992, abrigando cerca de 8 mil detentos, o complexo do Carandiru vivenciou um massacre de repercussão internacional. No Pavilhão 9, onde estavam presos 2.069 réus primários, um conflito entre dois detentos acabou se espalhando pelos andares do Pavilhão e deu início a uma rebelião sem reivindicações. Os presos queimaram colchões, arquivos e montaram barricadas nos corredores para impedir o acesso da polícia. Após tentativas frustradas de acalmar os ânimos dos detentos, a Polícia Militar é acionada e invade o Pavilhão 9 causando a morte de 111 presos. Existem diferentes versões do que aconteceu nesse dia, e não se sabe ao certo se os presos decidiram pôr fim à rebelião, se renderam e foram exterminados, ou se a polícia foi recebida com facadas e tiros e portanto atirou para se defender. No entanto, a idéia de extermínio é reforçada pelo laudo da perícia que indica que 70% dos tiros foram direcionados à cabeça ou ao tórax. Esse acontecimento é visto como responsável pelo surgimento do PCC (Primeiro Comando da Capital), uma das maiores organizações criminosas do país que apareceu como resposta ao massacre. Assim, com o objetivo de desmantelar a facção e de cumprir as promessas feitas à Organização dos Estados Americanos em 1996, o governo do Estado inicia o processo de desativação do Complexo do Carandiru em 2002. Três dos pavilhões foram implodidos e outros dois foram reaproveitados para a instalação da Etec Parque da Juventude. Por sua vez, a Penitenciária Feminina de Santana foi mantida e hoje abriga cerca de 2.674 mulheres em 1.409 celas. Cerca de 1.100 detentas trabalham nas 13 oficinas e outras trabalham na cozinha e na padaria que ainda funcionam no complexo.
71 “E ao ouvir o silêncio sorridente de São Paulo Diante da chacina 111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos Ou quase pretos, ou quase brancos, quase pretos de tão pobres. E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos” -Haiti. Caetano Veloso e Gilberto Gil
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PARQUE DA JUVENTUDE
Em 1999, o governo do estado de São Paulo lançou um concurso nacional para a criação de um projeto de recuperação do complexo do Carandiru, transformando-o em uma área de lazer e institucional para a população. O primeiro lugar foi dado ao projeto criado pelo escritório Aflalo & Gasperini, com paisagismo de Rosa Kliass, chamado de Parque da Juventude. A obra foi realizada em três etapas após a desativação do presídio em 2002, sendo concluída em 2007 com um total de área construída de 34.360m² num terreno de 232.933m². A primeira etapa, inaugurada no fim do ano de 2003, foi a área esportiva do Parque da Juventude, que conta com com 10 quadras de esportes (tênis, futebol, basquete e vôlei) e uma arena de skate.
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Estudos iniciais de Aflalo e Gasperini para o Parque da Juventude, incluindo a Penitenciรกria Feminina no parque.
77 A segunda etapa de intervenção, chamada de Parque Central, foi finalizada no ano de 2005. Uma área de 90 mil metros quadrados planejada como espaço de retiro e contemplação do verde, “nossa proposta era criar um oásis urbano , onde os visitantes pudessem sentar à sombra das árvores para ler um livro ou descansar”, disse José Luiz Brenna, co-autor do paisagismo. O Parque Central não conta com equipamentos para atividades físicas, mas possui bancos e cestos de lixo. No centro desta área foi criado um pequeno morro para quebrar a planicidade do local, e dois maciços de árvores preexistentes foram mantidos e tratados. Um desses maciços é uma área de preservação formada por eucaliptos cortada por uma trilha para caminhada e com uma tirolesa. O segundo está em um local onde estava sendo construído um novo presídio, construção essa que foi abandonada após o massacre do Carandiru. A estrutura que já havia sido executada foi preservada como referencial histórico e possui um aspecto de ruína com a vegetação que nasceu naturalmente a sua volta. Foram utilizadas passarelas de madeira para a circulação neste pedaço e a vegetação de trepadeiras foi reforçada. Outra estrutura interessante mantida é o passadiço acima da muralha de 7 metros de altura, que pode ser acessado por três escadas de aço corten, e de onde se tem uma vista interessante do conjunto. A alameda principal que corta o parque inteiro vai da área esportiva até a terceira e última etapa do projeto, o Parque Institucional. Interessante perceber que esta alameda possui uma bifurcação que direciona o pedestre até o limite do parque com a Penitenciária Feminina. Esse percurso foi desenhado por Rosa para sugerir a integração da penitenciária ao conjunto no futuro, como já era previsto no projeto inicial de 99. Para o concurso, foi proposto um pavilhão de exposições que aproveitava os prédios da penitenciária de Santana, mas, posteriormente, o governo decidiu por manter o presídio funcionando.
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80 Na terceira e última parte do parque, foram mantidos e recuperados dois dos quatro pavilhões inicialmente propostos, com o intuito de preservar a memória do lugar. Os pavilhões mantidos foram os dois da direita, mantendo a idéia de uma praça de acesso ao parque. Ao mesmo tempo, foi proposta a construção de mais um pavilhão, onde hoje funciona a Biblioteca de São Paulo, que junto com o teatro, que não foi construído, conformaria a praça. Foram utilizados pré-moldados para o retrofit dos pavilhões do Carandiru, criando novas fachadas para os prédios e aproveitando apenas a estrutura existente. Atualmente estes prédios abrigam escolas profissionalizantes além de áreas de acesso público e administração. O projeto para o teatro está pronto e à espera de uma iniciativa privada para sua construção.
Modelo do teatro proposto.
Estudos feitos para a área Institucional do Parque da Juventude, contendo o teatro que não foi construído.
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OUTRAS PROPOSTAS
Outras propostas para a recuperação do Complexo do Carandiru que participaram do concurso em 1999 também incluíam a Penitenciária Feminina como parte integrante do parque.
1 - Vazio S/A 2 - Equipe formada por Paulo Bastos, Horácio Galvanese, Maurício Farias, Sidney Linhares, Heliana Vargas, Ailton Pires, Cristiano da Luz e Florestal Darcy Brega Filho. 2o lugar 3 - e3gp arquitetura, menção honrosa 1
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PARTE III MEMORIAL DA PRISテグ BRASILEIRA
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ÁREA DE PROJETO
Rio Tietê Anhembi
Av. Braz Leme
Campo de Marte
Estação de metrô Carandiru
Estação de metrô Santana
Av. Cruzeiro do Sul
87 Parque da Juventude
Av. Ataliba Leonel
Terminal Rodoviário e estação de metrô Tietê
Penitenciária Feminina de Santana
Shopping Center Norte
Parque Vila Guilherme - Trote
Av. Zaki Narchi
Expo Center Norte
88 A Penitenciária Feminina de Santana, junto com o Parque da Juventude, é cercada por avenidas de importância municipal que contam com ciclovias, e está próxima também às estações de metrô do Carandiru e de Santana, sendo de fácil acesso por diversos meios de transporte. O Complexo do Carandiru, por muito tempo, impediu que o entorno que o cercava atingisse todo seu potencial, pois os muros degradavam as avenidas e sua extensão criava uma barreira urbana na região. Com a construção do Parque da Juventude, é nítida a transformação e valorização das avenidas lindeiras, principalmente quando comparamos essas às avenidas que fazem divisa com a Penitenciária Feminina hoje.
Av. Ataliba Juventude
Leonel
x
Parque
da
Av. Zaki Narchi x Penitenciária Feminina
Av. Ataliba Leonel x Penitenciária Feminina
Vias de importância municipal
89 No que diz respeito ao uso do solo na região estudada, percebe-se a predominância de atividades comerciais e de serviços nos eixos das principais avenidas, com alguns equipamentos públicos. Mais ao norte, o bairro ganha uma característica residencial e a medida que nos afastamos do centro, esta característica se intensifica nos bairros dormitórios. No eixo da rua Voluntários da Pátria, as quadras residenciais são verticalizadas, porém no restante do bairro de Santana, na Vila Guilherme e no Tucuruvi, as quadras residenciais são majoritariamente horizontais. A população que reside nesta região possui pouquíssimos equipamentos de lazer como parques e praças, e os que existem, em geral, são de baixa qualidade. O Parque da Juventude se destaca nesse contexto e tem potencial para oferecer muito mais.
Equipamento Público Residencial Comércio / Serviços Indústria Residencial / Indústria Residencial / Comércio / Serviços Indústria / Comércio / Serviços Sem predominância de uso Referência urbana
Mapa de ocupação do solo
90 A cidade de São Paulo é carente em espaços públicos e áreas verdes. As pessoas não são convidadas a viver a cidade mas são encorajadas a ficar dentro de casa ou em shopping centers. O Parque da Juventude é uma bonita exceção à regra, ele traz educação, esporte e lazer para os jovens da região e está sempre repleto de pessoas. A Penitenciária Feminina já não cabe mais nesse ponto da cidade pois ela se torna um empecilho para o aproveitamento pleno deste espaço tão essencial aos paulistanos. É comum encontrarmos prisões e casas de detenção inseridas em áreas urbanas, mesmo que as diretrizes para a construção de presídios exijam que estes sejam implementados em locais afastados dos municípios. Isso ocorre por dois motivos principais: pela expansão natural das cidades e pelo surgimento de bairros residenciais no entorno destes equipamentos onde moram pessoas que trabalham no presídio ou que visitam periodicamente os presos. Assim, as penitenciárias que não foram projetadas para conviver com a cidade ao seu redor acabam por criar áreas degradadas e se tornam um problema para o planejamento urbano. Mapa com parques, praças e equipamentos de lazer públicos destacados no bairro de Santana e proximidades
91 Ao mesmo tempo, no caso de São Paulo, elas também são uma solução para a nossa necessidade de equipamentos públicos. Diminuindo a quantidade de condenados à privação de liberdade, podemos desativar estas prisões e oferecê-las à população. Muito melhor do que investir em prender seria investir em qualidade de vida. É o caso da Febem do Belém que foi tranformada em um parque e uma Fábrica de Cultura, do próprio Carandiru e possivelmente da Penitenciária Feminina. Em outros países esta também é uma tendência comum como, por exemplo, nos casos de Alcatraz, do presídio de Ushuaia na Argentina, em Old Melbourne Gaoul na Austrália, em Robben Island na África do Sul, entre outros.
Alcatraz
Ushuaia
Old Melbourne Gaoul
Parque do Belém
92 Dentro dos limites atuais da Penitenciária Feminina de Santana, o projeto de recuperação foi dividido em três áreas de atuação: expansão do Parque Central, expansão da área esportiva e Memorial da Prisão Brasileira, conforme mapa abaixo:
Expansão do Parque Central
Memorial da Prisão Brasileira
Expansão da área esportiva
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Principais acessos e circulação interna
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N IMPLANTAÇÃO GERAL
ESCALA 1:10.000
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EXPANSÃO DO PARQUE CENTRAL
Para a expansão do Parque Central, será mantido o pórtico de entrada e o jardim será restaurado seguindo o desenho original. Esta área será ligada ao Parque Central através de uma continuação da alameda existente no Parque da Juventude, e dará continuação ao parquinho existente. Este trecho do projeto tem importância fundamental na conexão entre o Parque da Juventude e o Memorial da Prisão Brasileira, já que a topografia e a presença de remanescentes da mata Atlântica dificultam a passagem pela área esportiva.
Imagem de referência para desenho do jardim
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EXPANSÃO DA ÁREA ESPORTIVA
A área da Penitenciária Feminina adjacente ao Parque esportivo não fazia parte do projeto original da Penitenciária do Estado e contém alguns prédios anexos de administração. Em 1920, essa região era coberta por mata Atlântica e uma porção desta mata ainda é preservada no local. No projeto proposto, esse terreno será integrado à área esportiva existente no Parque da Juventude. Como a pista de skate é o equipamento mais utilizado do parque, ela será expandida para atender mais pessoas. Os quatro prédios de três andares serão reformados para abrigar salas onde possam ser praticadas lutas, danças, yoga e etc. Neste trecho, ainda, haverá um recuo para estacionamento, estruturas para quiosques de comida, locais de estar e uma escadaria de madeira para o acesso ao Memorial.
101 Escadaria de ligação
Pista de skate Mata Atlântica
Estacionamento Prédios mantidos
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103 Na base da escadaria foi proposto um deck de madeira que envolve os quatro prédios, criando pequenas praças entre as construções. O intuito é convidar as pessoas a permanecer no espaço, na arquibancada formada pela escada, nos bancos de madeira ou no gramado entre as quadras e os prédios. Os quiosques são indicados com uma estrutura de aço corten e madeira, dialogando com as escadas e passarelas do Parque Central de Rosa Kliass.
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MEMORIAL DA PRISÃO BRASILEIRA
Dentro dos muros da Penitenciária do Estado original de 1920, serão mantidos o prédio de Administração, o terceiro Pavilhão, o Auditório, as oficinas de trabalho e as guaritas nas extremidades dos muros com os passadiços que as interligam. A parte do fundo desta área será destinada a uma segunda praça de entrada com saída para as avenidas Ataliba Leonel e Zaki Narchi. As exposições do Memorial da Prisão Brasileira ocorrerão no Pavilhão, dentro das celas, e em duas oficinas de trabalho. Seu conteúdo incluirá tudo o que foi discutido até então neste trabalho sobre os sistemas penais e sobre a história do terreno de projeto, desde a construção da Penitenciária do Estado, do Complexo do Carandiru, até a implantação do Parque da Juventude.
Administração
Pavilhão 3
Oficinas de trabalho
Auditório
Guaritas
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Prédio da Administração
O atual prédio da Administração da Penitenciária Feminina será mantido como prédio administrativo para o Parque e seus equipamentos. O edifício tem três pavimentos, o térreo abriga hoje a padaria e cozinha da prisão. Ele será reformado para receber a entrada do memorial com bilheteria, banheiros e balcões de recepção e informação. No primeiro pavimento será feito o acesso à passarela central. O segundo pavimento e o espaço restante dos outros dois andares será ocupado por salas administrativas. Esta construção, assim como o restante dos prédios do Memorial, serve como documentação histórica para a arquitetura feita no início do século XX em São Paulo, como também para a ideologia da arquitetura prisional no mundo. Portanto, há uma preocupação em preservar os conceitos que foram utilizados no projeto de Samuel das Neves e Ramos de Azevedo desde posicionamento dos edifícios e suas funções até a estética das fachadas.
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Galeria Central
A Galeria Central será substituída por uma passarela de madeira e aço corten elevada à 2,5m de altura. Esta estrutura se estenderá do prédio administrativo até o auditório, fazendo a ligação entre esses prédios e o Pavilhão 3. Com esta substituição, permitimos aos usuários andar por toda a extensão do Memorial sem a barreira que a galeria representava, tanto fisicamente como visualmente. Ao mesmo tempo, a função original é mantida e a passarela marca o posicionamento conforme ele havia sido projetado para a penitenciária, com a adição de algumas escadas de acesso.
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Guaritas e Passadiços As Guaritas de observação serão mantidas e darão acesso aos passadiços que envolvem toda a área do Memorial. Dessa forma, os frequentadores do Parque ficarão livres para explorar o local de diferentes formas. Os muros, por sua vez, serão abertos para permitir a passagem entre o Memorial e as áreas envoltórias. Os passadiços serão suportados pelos pilares estruturais do muro, marcando assim sua existência e posição.
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Oficinas de Trabalho
As oficinas de trabalho dos três Pavilhões serão mantidas como marcadores do espaço, sendo responsáveis por enquadrar a área do Memorial. As fachadas serão mantidas conforme projeto original, mas, no interior das oficinas dos Pavilhões 1 e 2, ao invés de manter os dois pavimentos existentes, será criado um grande espaço de pé direito duplo e planta livre. O uso proposto para estes edifícios é o de oficinas diversas para os jovens. Alguns exemplos de programas possíveis são oficinas de teatro, pintura, fotografia, circo, artesanato, dança, música, entre outros, dependendo da programação interna do parque. Portanto, estes edifícios deverão ser flexíveis para estes diversos usos. Nas oficinas do Pavilhão 3, os dois pavimentos serão mantidos conforme projeto original. O acesso será através do primeiro pavimento, pelo museu do pavilhão, e ele fará parte do programa das exposições.
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Praça de entrada
No fundo do terreno do memorial, além do Auditório, há uma área ocupada por construções recentes de uso dos trabalhadores da prisão (estacionamento, quadras de esporte, etc). Originalmente esta era uma área verde livre, mas, após a desativação do Complexo do Carandiru, ela foi tomada por estes novos prédios. Esta porção do terreno é mal organizada e não possui valor histórico ou arquitetônico. Sendo assim, optou-se por criar uma segunda praça de entrada no local, coberta por vegetação e com caminhos que fazem a conexão com o restante do parque e a frente do Memorial. Em uma das extremidades, foram posicionados bancos de concreto que convidam quem está passando pela calçada a entrar no parque, sentar e descansar. A outra extremidade acaba na escadaria do parque esportivo, e no centro foi mantido o Auditório. Este trecho se assemelha ao Parque Central, uma área de permanência, passagem ou contemplação, porém completamente plana.
Foto aérea 2000
Foto aérea 2004
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Foto aérea 2009
Foto aérea 2015
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Pavilhões 1 e 2
O Pavilhão 1 foi aqui substituído por dois espelhos d`água nos limites originais do edifício., e, do Pavilhão 2, foi mantido apenas seu formato através de uma esrutura de concreto e a cobertura original. A ideia presente nestas modificações é a de criar um espaço público de qualidade e com flexibilidade sem perder a memória do lugar que é tão importante para este trabalho. A água e a estrutura são marcos do que um dia existiu no local, e fazem uma progressão até o Pavilhão 3. A estrutura coberta, além de ser utilizada pelos usuários do parque de maneira livre, pode servir de palco de exposições temporárias ao ar livre. Já o espelho d`água será rodeado de bancos de concreto formando um local de permanência e contemplação.
Desenho de inspiração para projeto, feito por João Sette Whitaker.
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Pavilhão 3
O terceiro Pavilhão será mantido com suas celas e servirá como espaço de exposição permanente. Originalmente, o pavimento térreo dos três pavilhões era chamado de porão e sua função era apenas de depósito. Atualmente, não foi concluído qual o uso deste espaço, portanto entende-se que sua função não é importante para a representação da história do presídio. Sendo assim, propõe-se que o térreo do Pavilhão 3 permaneça livre, possibilitando a passagem de pessoas entre a praça de entrada e a frente do Memorial. O acesso será feito pelo 1o pavimento através da passarela central, mesmo pavimento que conecta o edifício com as oficinas.
121 No interior do prédio, as celas serão mantidas e nelas ocorrerá a exposição. Onde houver necessidade de ambientes maiores do que as celas, como banheiros ou salas com mais conteúdo, salas adjacentes serão unidas retirando-se a parede de divisão, mas as portas permanecerão no local original, fechadas ou abertas. Dessa forma, flexibiliza-se o uso, mas a memória visual do interior dos pavilhões não é prejudicada, já que as portas marcam os locais das celas. Além disso, é proposta a instalação de um elevador para cada setor do Pavilhão (à direita e à esquerda da passarela central) no mesmo local onde havia sido projetado por Samuel das Neves, na primeira cela. Assim, permitimos acessibilidade universal aos pavimentos superiores.
Projeto para Penitenciária do Estado
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N PLANTA 1O PAVIMENTO PAVILHテグ 3
ESCALA 1 : 2.000
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Exposição Permanente
Foram considerados diversos temas que poderiam fazer parte do que será exposto nas celas, mas o propósito central seria o de trazer informações que evidenciem a falência da pena privativa de liberdade e tragam conhecimento sobre os assuntos ligados ao Direito Penal. Alternativamente, as celas poderiam ser transformadas em salas de estudo e as oficinas em bibliotecas com material específico de direito.
Setor amarelo _Vida em uma prisão brasileira
Setor Laranja _Audiovisual _Arte produzida por prisioneiros
_A história da Penitenciária de Santana e o Complexo do Carandiru _Presos famosos _Crimes famosos
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Setor Azul _Punições através da história _Os problemas da pena privativa de liberdade e como ela foi superada
_Teorias do Direito Penal
Setor Verde _Expoições temporárias
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Precisamos trabalhar em nossas desigualdades sociais. Precisamos educar nossos jovens. Precisamos investir em cultura e esportes. Precisamos de mais espaços públicos de qualidade. Precisamos de segurança.
Não precisamos das prisões. Este trabalho discutiu o tema do sistema penal e apresentou uma possibilidade de futuro que atenda as reais necessidades do nosso país. A discussão não se esgota no que foi escrito aqui, este é só um primeiro passo para que possamos transformar a maneira como pensamos e, portanto, agimos. Da mesma forma, o projeto proposto não é um ponto final, mas sim um início de conversa sobre equipamentos urbanos, áreas verdes e patrimônio histórico.
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REFERÊNCIAS PROJETUAIS
Além das mencionadas anteriormente, algumas obras que serviram de referência para este projeto são:
Estação Pinacoteca - Memorial da resistência (DEOPS)
Museu Penitenciário Paulista
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Parque La Villette - Paris
Parque Ibirapuera - São Paulo
Parque da Redenção - Porto Alegre
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LISTA DE FIGURAS
Capa - Foto da fachada de Pavilhão Fonte: www.saopauloantiga.com.br Pág. 4 - Mãos nas grades Fonte: http://www.techenet.com Pág. 18 - Sociedade pré-histórica Fonte: http://historiageografiadeportugal.blogspot.com.br Pág. 22 - Código de Hamurabi Fonte: http://ivoaffonso.blogspot.com.br Pág. 24 - Suplício Fonte: http://geographica.net Pág. 25 - Suplício da roda Fonte: http://historia8-penedono.blogspot.com.br Pág. 26 - Cesare Beccaria Fonte: www.wikipedia.com Pág. 27 - Cesare Lombroso Fonte: /www.museudeimagens.com.br Pág. 27 - Antropometria
135 Fonte: /www.museudeimagens.com.br Pág. 30 - O panóptico Fonte: http://crimeincanada.org Pág. 36 - Superlotação Fonte: http://rotadeseguranca.com.br Pág. 43 - Superlotação Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/ Pág. 44 - Pixação em banheiro Fonte: http://g1.globo.com/ Pág. 47 - Presos trabalhando Fonte: http://www.psdb.org.br/ Pág. 47 - Presos estudando Fonte: http://www.tjmt.jus.br/ Pág. 53 - Fazenda de Santana Fonte:www.wikipedia.com Pág. 60 - Penitenciária do Estado Fonte: Museu Penitenciário Paulista Págs. 62 à 67 - Fotos da Penitenciária Fonte: www.saopauloantiga.com.br Pág. 66 - Planta de Implantação Fonte: http://brasil.estadao.com.br/ Pág. 66 - Notícia de jornal Fonte: http://brasil.estadao.com.br/
136 Pág. 66 - Notícia de jornal Fonte: http://www.vitruvius.com.br/ Pág. 68 - Entrada da casa de detenção Fonte: http://noticias.uol.com.br/ Pág. 69 - Janelas dos pavilhões Fonte: http://www.mundopositivo.com.br/ Pág. 69 - Rita Cadillac Fonte: http://hid0141.blogspot.com.br/ Pág. 69 - Entrada do carandiru no dia do massacre Fonte: http://jornalggn.com.br/ Pág 70. - Demolição do carandiru Fonte: http://noticias.uol.com.br/ Pág. 71 - Demolição do carandiru Fonte: http://noticias.uol.com.br/ Pág. 71 - Janelas no dia do massacre Fonte: http://www.hypeness.com.br/ Pág. 71 - Mortos no corredor Fonte: http://noticias.uol.com.br/ Pág. 71 - Presos pelados no dia do massacre Fonte: http://www.anovademocracia.com.br/ Pág. 72 - Pintura em parede de cela do carandiru Fonte: http://www.hypeness.com.br/
137 Pรกg. 74 - Skatista Acervo pessoal Pรกg. 74 - Grafitte Acervo pessoal Pรกg. 74 - Vista aรฉrea Fonte: spcity.com.br Pรกg. 75 - Vista das quadras Fonte: planetasustentavel.abril.com.br Pรกg. 75 - Quadra de futebol Acervo pessoal Pรกg. 75 - Skate 1 Fonte: http://www.saopaulo.sp.gov.br/ Pรกg. 75 - Skate 2 Fonte: http://cemporcentoskate.uol.com.br/ Pรกg. 75 - Skate noturno Fonte: http://cemporcentoskate.uol.com.br/ Pรกg. 76 - Estudo original Fonte: http://arcoweb.com.br/ Pรกg. 76 - Parque central Acervo pessoal Pรกg. 77 - Passadiรงo Fonte: http://www.jorgetadeu.com.br/
138 Pág. 77 - Escultura Fonte: http://arcoweb.com.br/ Pág. 78 - Escada Acervo pesoal Pág. 78 - Passarela Acervo pessoal Pág. 78 - Parque central Fonte: http://www.vitruvius.com.br/ Pág. 79 - Estruturas remanescentes Acervo pessoal Pág. 79 - Passarela de madeira Acervo pessoal Pág. 79 - Bifurcação de caminhos Acervo pessoal Pág. 80 - 3d do teatro Fonte: https://arcoweb.com.br Pág. 80 - Estudos de projeto Fonte: http://arcoweb.com.br/ Pág. 80 - Perspectiva do parque da juventude Fonte: http://arcoweb.com.br/ Pág. 81 - Prédios da ETEC Acervo pessoal
139 Pág. 81 - Ponte Acervo pessoal Pág. 81 - Ponte 2 Acervo pessoal Pág. 81 - Pessoas na praça Fonte: http://www.vitruvius.com.br/ Pág. 81 - Biblioteca Acervo pessoal Pág. 81 - ETEC Acervo pessoal Pág. 88 - Foto de ruas e calçadas Acervo pessoal Pág. 91 - Alcatraz Fonte: http://www.inside-guide-to-san-francisco-tourism.com/ Pág. 91 - Old Melbourne Gaoul Fonte: http://www.victoriantourismawards.com.au/ Pág. 91 - Ushuaia Fonte: http://www.tripadvisor.com.br/ Pág. 91 - Parque do belém Fonte: http://www.ambiente.sp.gov.br/ Págs. 96 e 97 - Fotos Acervo pesoal
140 Pág. 100 - Parque esportivo x Penitenciária Fonte: http://www.guiadasemana.com.br/ Pág. 132 - Museu deops Acervo pessoal Pág. 132 - Museu penitenciário paulista Fonte: http://g1.globo.com Pág. 133 - Parque Ibirapuera Fonte: http://www.parquedoibirapuera.com Pág. 133 - Parque la Villette Fonte: http://paripolis.canalblog.com Pág. 133 - Parque da Redenção Fonte: http://www.terragaucha.com.br
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BIBLIOGRAFIA
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