CULTURA , IDENTIDADE E HIP HOP por Carolina Rodrigues e Gabriel de Castro 1
Foto: Carolina Rodrigues
Expediente
Departamento de Ciências Humanas
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Disciplina: Antropologia
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - FAAC
Professor Responsável: Claudio Bertolli Alunos: Carolina Rodrigues e Gabriel de Castro
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Porta de entrada da sede do Acesso Hip Hop
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EDITORIAL Desde sempre, nós, seres humanos, nos relacionamos em grupos, os quais possuem uma identidade coletiva. E isso acontece em todas as áreas que permeiam a convivência humana. A escola, a faculdade, o trabalho. E mais: a música, o futebol, a culinária, a religião. Você deve saber bem do que estamos falando. Se escuta rock, com certeza se identifica mais com as pessoas que também escutam rock. E talvez até não se identifique nem um pouco com alguém que, por exemplo, escute funk. Da mesma maneira, se você torce pro Corinthians, provavelmente se identifique com os corinthianos. E talvez nem um pouco com os palmeirenses. Porém, é claro que também temos nossa identidade individual. E dentro dela está tudo aquilo que somos: rockeiros, corinthianos, católicos, ou não. E assim, através dessa nossa identidade própria, criamos vínculos e laços com outras pessoas, também com suas identidades próprias. O nosso desafio eterno é, portanto, conciliar uma e outra identidade. E ainda conciliar a nossa com a de outra pessoa. Mas, nós conseguimos, quase sempre. Pensando assim, decidimos analisar a fundo a questão da identidade no mundo do hip hop, com foco na cidade de Bauru. Entramos em contato com pessoas que construíram sua identidade através do hip hop e que hoje “vestem a camisa” do movimento. No fim das contas, é difícil dissociar a identidade individual da coletiva, e o hip hop se transforma em um verdadeiro estilo de vida! 4
DJ GRAFITE CAPA: grafite de LGM
BREAK
SUMARIO 6 / Entrevista com Renato MagĂş
12 / Um Brinde ao Dom
RAP
16 / Perfil: Major
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Foto: Carolina Rodrigues
ENTREVISTA COM
RENATO MAGU R
Carolina Rodrigues
enato Magú literalmente vive um sonho seu: trabalha com hip hop. Trocou o palco pelos bastidores quando encontrou sua vocação para ser produtor cultural e garante: “meu trabalho é minha vida e minha vida é meu trabalho”. Aos 33 anos, é coordenador e produtor cultural do Acesso Hip Hop, um dos braços da ONG Acesso Popular, que se tornou um ponto de cultura em 2011 através do programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura. Todo ano, o Acesso Hip Hop recebe 60 mil reais do governo para investir no hip hop e dar condições técnicas e financeiras para os artistas desenvolverem seus trabalhos. O objetivo final do ponto de cultura é mapear o hip hop na cidade de Bauru. 7
Quais são os principais projetos do Acesso Hip Hop? Renato Magú: Nós temos algumas obrigações. Temos que fazer a gravação de uma coletânea, que contará com 90% dos grupos de hip hop da cidade. Além disso, gravamos clipes de artistas e temos que entregar ainda este ano para o Ministério da Cultura um documentário sobre a história do movimento. Os dois projetos principais do Acesso são o “Rap Hour”, que leva a produção periférica para o centro, e o “Ensaios”, que leva a produção de um bairro para outro bairro. Os dois são mensais. E vocês acompanham os artistas depois das gravações? R.M: A gente acompanha por que eles estão aqui todos os dias, eles participam da vida do ponto de cultura. Mas a gente não faz uma assessoria, os grupos são autônomos. De qualquer forma, a gente ajuda a fazer release, ajuda nas redes sociais, mas nada formal. De que maneira você construiu sua identidade através do hip hop? R.M.: Em 1992, eu tava passando na praça Rui Barbosa.
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Uns caras tavam cantando e de repente um deles pegou um taco de beisebol e quebrou uma TV. Aí eu sentei e fiquei ouvindo, porque os caras falavam aquilo que eu queria falar, sabe? E eu comecei a acompanhar, a ir nos shows, comecei a escrever e a cantar também. O rap é a voz da periferia, é o suingue da periferia. Eu sempre vi o rapper como um jornalista, porque ele vê o que tá na comunidade dele e divulga. Então, eu queria denunciar tudo aquilo que eu via, queria me expressar de alguma forma e o rap foi o caminho de expressão. Antes, eu não tinha muita perspectiva de estudar nem nada. A maioria da molecada ao meu redor morreu, virou bandido. Quando eu conheci o hip hop, comecei a me sentir como um sujeito dentro de um processo, como uma referência, né? E aí, como uma referência, eu não posso dar uma ideia errada em cima do palco pro moleque. Se eu falar pra ele matar, ele vai matar. Mas se eu falar pra ele dar uma flor, ele também vai dar. Pra ele respeitar pai e mãe, estudar… Entao, isso transformou minha vida. Aí fui me aprofundando. E com o tempo, comecei a perceber que eu não faço parte só de uma música, de uma banda. Em deter-
minado momento, eu tinha mais prazer em tá atrás do palco do que em tá em cima dele. Aí comecei a organizar eventos. Quando acabava o evento, depois de cuidar de toda a produção, de todas as bandas e tudo mais, eu tinha muito mais prazer! Para você, qual a força do movimento hip hop, então? R.M.: O hip hop não salva sua vida, mas ele te dá a opção de escolha. Eu mesmo resolvi seguir o movimento em sua essência, de militância, de denúncia, de resistência, de transformação pela arte. E mais: pra um cara escrever um rap, por exemplo, ele tem que estudar pra caramba, ler e tal. Então, isso transforma sua vida. Além disso, o hip hop ajuda as pessoas a se aceitarem do jeito que elas são. Então, quando a menina chega aqui com o cabelo enrolado, “black power”, sem se preocupar em ficar alisando, é uma conquista. O movimento é composto, em sua maioria, por pessoas pobres, pretas e periféricas e todo mundo se respeita aqui dentro. E como você veio parar no Acesso? R.M.: Eu entrei no Acesso Popular em 2007, 2008. An-
tes disso, no começo da década, Bauru tinha um movimento hip hop com ações isoladas. Aí, em 2001, resolvemos juntar tudo e fizemos um coletivo, chamado Núcleo Cultural Quilombo do Interior, formado por membros do movimento que trabalhavam o hip hop como ferramenta de eduação dentro da escola, com oficinas. Mas em 2007 o Núcleo acabou, porque meu mandato de presidente chegou ao fim e ninguém quis assumir a parada. E depois disso ficou um buraco dentro de mim! Foi então que eu conheci o Acesso Popular. A gente falava a mesma língua e tudo deu certo. Eu assumi a coordenação de projetos culturais, em 2011 o Acesso Hip Hop se tornou um ponto de cultura e eu to aqui até hoje. Nós temos uma tendência de nos identificarmos em grupos. Como você vê isso? R.M.: A gente se identifica com algumas pessoas que de certa forma têm os mesmos gostos que os nossos. E isso não é só o hip hop e a música que faz. Todo mundo pertence a algum grupo, desde criança. Mas, o mais legal é quando você se identifica com um grupo que tem uma visão que a maioria não tem. O hip hop é assim, vai além
Foto: Carolina Rodrigues
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da dança, da música. Ele denuncia, faz sua parte social. E foi aí que eu me achei… De que maneira o hip hop marca a identidade de Bauru? R.M.: O hip hop aqui é muito forte, desde sempre. Em 1900 e pouco, tinha o grupo Desacato Verbal, que quebrou a TV lá, e eles tinham umas ideias “pra frente”. Além disso, aqui sempre existiu um diálogo aberto com o poder público e isso ajuda muito, porque dá a possibilidade de a gente desenvolver projetos com bons recursos. Por exemplo: temos uma lei que é a Semana do Hip Hop. A prefeitura é obrigada a bancar a Semana todo ano. O que é a Semana do Hip Hop? R.M.: Bom, começou em 2011. A gente fazia tudo por nossa conta mesmo, sem o financiamento da prefeitura. Aí em 2012 fizemos um projeto de lei que foi aprovado em 2013. Então, a Semana do ano passado já teve ajuda da prefeitura, que disponibilizou 20 mil reais. Fazemos oficinas, palestras, shows, workshops. E não só sobre o hip hop, mas também sobre outras coisas que permeiam o movimento, como mesas redondas sobre o extermínio da população pobre, preta e periférica, oficinas de produção audiovisual, etc. Passamos por nove escolas e por mais de quarenta lugares diferentes. Em média, 30 mil pessoas participaram do evento. Recebemos gente do Brasil todo! E é importante falar também que aqui cada um colocou seu trabalho à disposição. Eu mesmo não recebi nenhum centavo com a Semana.
Fachada da sede do Acesso Hip Hop
Por fim, quais são seus planos? R.M.: Meu trabalho é minha vida e minha vida é meu trabalho. Agora, o que eu quero é fazer uma casa da cultura hip hop em Bauru, que possa gerar trabalho e renda pras pessoas. Infelizmente, a cidade hoje ainda não tem uma estrutura pras pessoas que querem viver da sua arte. Eu quero também expandir tudo que eu fiz aqui pra outros lugares. Só sei que vou ser pra sempre um produtor cultural, porque é isso que eu amo fazer! 11
UM BRINDE
AO
DOM
Carolina Rodrigues e Gabriel de Castro
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sol não dava descanso na tarde de quinta-feira. A entrevista com Júlio César Bastos estava marcada para as 18h. Fomos até a casa do rapper já perto do horário marcado, mas nos perdemos no caminho e atrasamos alguns minutos. Ao chegarmos, Júlio perguntou se gostaríamos de fazer a entrevista na calçada: “lá dentro tá muito abafado”, disse. Nós topamos. Afinal de contas, não há nada melhor do que sentar na calçada e jogar conversa fora enquanto o sol se põe. Há uns 6 anos, Júlio se tornou Dom Black quando produziu seu primeiro CD solo. “Antes, eu era só um cara que cantava rap, mas foram surgindo apelidos. Era só Black, depois eu tive um grupo e fiquei com o apelido de Dom. Aí, quando eu fui gravar o CD, eu pensei: ‘uns conhecem por Dom, outros por Black, então vou por Dom Black e gravar isso logo’”. Em casa, ele sempre foi influenciado pela black mu12
sic, desde sua mãe, que era fã de Michael Jackson, até seus tios, que eram do samba. Aos 5 anos, começou a ouvir rap; aos 7, já se arriscava a cantar; e aos 11, estava compondo suas próprias músicas. Tudo começou com uma mentira. Na escola, cantava música dos outros, porque ouvia o rap o dia inteiro e sabia cantar tudo. Chegava na sala e só cantava mais e mais. Quando seus amigos perguntavam, falava que ele próprio as tinha escrito. Um dia, um deles contou para a professora e ela disse: “você vai fazer uma música falando da AIDS”, porque estava próximo do Dia de Combate à Aids. Ele tentou negar, mas a professora insistiu: “não, você sabe. Se você não fizer, você vai reprovar da minha matéria e repetir de ano”. Sem alternativa, ele fez a letra e foi elogiado: “era só um microfone e um amigo batendo na carteira, mas o povo gostou”.
Foto: Carolina Rodrigues
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À medida em que o sol abaixava e as gotas de suor caíam dos rostos de todos nós, Dom Black falou como o hip hop mudou sua vida. Passou a gastar horas estudando para elaborar suas letras, misturando a criatividade, que vinha de repente, com o esforço, constante: “o que eu não estudei na escola, eu tive que estudar depois pra fazer minhas músicas”. O rap exige que seus MCs façam letras extensas, o que é muito trabalhoso. “Não era um negócio que saía de uma hora pra outra. Às vezes, eu tinha de ficar horas e horas, até oito horas direto, escrevendo uma letra, indo ali, comendo uma coisinha aqui, e escrevendo, escrevendo. Então, pra minha mãe foi ótimo, porque eu saía da rua e ficava lá em casa fazendo rap”. Como resultado dos dias passados em seu quarto e de suas inspirações, Dom Black já lançou dois discos e o terceiro (“Um Brinde ao Dom que o Dom não vem de Brinde”) deve sair ainda este ano. A aceitação do público, que já moveu tantos artistas na história, também é parte importante de sua carreira. No entanto, mais que agradar a todos, ele se sente responsável por tudo aquilo que escreve e tem noção da sua influência na vida das pessoas. Com o passar do tempo, isso o fez entender o papel do hip hop na criação da sua identidade. “Por eu não ter pai, eu me apeguei à música. Eu ouvia eles [os cantores] falando como se fossem um parente meu, um tio dando um conselho: ‘não se envolve com isso, não faça aquilo, o crime é assim, as drogas são assado’. Por isso, os caras me influenciaram tanto que passaram a ser como entes da minha família mesmo”. Desde criança, Dom Black sentia nas costas o peso da identidade que lhe era atribuída. De maneira bem descontraída e simpática, ele nos contou algumas histórias que fizeram dele uma pessoa melhor, passado o sofrimento pelo preconceito que insistia em assombrar. “Uma vez, eu tava num portão brincando com um menino na rua da minha casa, ele do lado de dentro da casa e eu do lado de fora, na calçada. Aí chegou outro coleguinha e o pai dele abriu o portão e eles continuaram brincando do lado de dentro e eu do lado de fora. Quando minha mãe passou, ela me levou pra casa, ficou muito 14
brava comigo e me bateu. E eu não entendi. Eu só fui entender anos depois que todo mundo era branco, e tava do lado de dentro, e eu, negro, tava ali do lado de fora”. Dom Black ainda lembrou de um outro episódio que muito lhe ensinou. “Quando pequeno, eu ia pra rua e começava a brincar com uns coleguinhas, que diziam ‘ah, eu sou o Rambo, ah, eu sou esse, eu sou aquele’ e aí quando eu falava ‘ah, eu sou o fulano de tal’, me respondiam ‘não, você não pode porque você não é branco, você tem que ser o bandido’. Depois que eu comecei a ouvir rap, tudo mudou. Eu pensei: ‘eu tenho que ser alguém que se parece comigo’. Então, mostrei os rappers que eu gostava pra todo mundo e aí comecei a falar ‘eu sou o Tupac’ e eles falavam ‘nossa, que da hora! Também sou o Tupac’ e eu só respondia ‘não, agora é minha vez! Eu sou o Tupac, eu sou o Mano Brown’ [risos]”. Em meio a declarações pessoais, chegamos a um assunto mais geral e de extrema importância: a responsabilidade social do rap. “O rap tá em constante mudança. Quem faz o povo não ser burro e alienado é a gente que fala a verdade. Quando o povo saiu pras ruas e falou “o Brasil acordou”, a gente disse: ‘é? Só que o rap nunca dormiu, o rap tava falando isso daí faz tempo’”. Isso é a prova de que, muitas vezes, a sociedade age com preconceito e não reconhece as coisas boas que o movimento faz. Como exemplo, podemos citar as intervenções sociais na periferia. “O rap é mal visto pelo que ele é, mas ele não ilude. E o povo não cita o quanto o rap faz o bem. Num show, os caras podem fumar maconha, é verdade, mas ninguém vê que a gente leva cesta básica na favela, né, que a gente senta no chão de terra e troca uma ideia com a molecada. Se não tivessem feito isso comigo, talvez eu nem estivesse aqui”. Após quase duas horas de conversa, um amigo passou. “Vai colar lá?” “Opa, vou sim, às nove, não é?” “Já são nove!” “Ixi, então fica pra próxima, a conversa aqui tá boa!” E, realmente, conversa boa a gente não vê passar. Quando menos esperávamos, lá se foi o sol e duas boas horas de papo.
Foto: GuaĂra Maia
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PERFIL
MAJOR Gabriel de Castro
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e provável ladrão a bboy: Luis Enrique Frabetti é um daqueles exemplos de mudança de personalidade e mudança de vida graças ao hip hop. Por mais clichê que seja dizer isso, Major, como é conhecido, viu no break dance, durante a adolescência, algo que o tirasse de um futuro arriscado.
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Foto: Carolina Rodrigues
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A influência do tráfico na periferia já é sabida. Os vendedores de droga fazem propaganda não só do produto, mas também do estilo de vida: dá dinheiro, dá moto, dá mulher. Por não ver uma alternativa tão boa e lucrativa quanto essa, muitas crianças, ao crescerem, optam por continuar nesse mundo. Com Major, a história poderia ser assim. Vivia dando trabalho na escola, arrumando briga e indo para a direção diariamente. A situação se complicou a ponto de os pais, temendo que o filho se tornasse um bandido, o inscreveram em um projeto com acompanhamento de uma psicóloga e com aulas de kung fu. Momentaneamente, aquilo o afastou dos problemas: por mais estranho que pareça, ao aprender a bater, ele parou também de brigar. Por falta de alunos - em um certo ponto, Major foi o único que restou da classe -, as aulas de kung fu terminaram. Ao mesmo tempo, porém, começaram as oficinas de hip hop, por volta de 2003. Durante um ano, ele frequentou as oficinas das três vertentes do hip hop oferecidas: o rap, o break dance e o grafite. O término das oficinas não significou o fim da linha no movimento: a partir daí, ele e seus amigos utilizavam o espaço oferecido para treinar os passos de dança: “Foi o que eu e meus amigos de infância mais nos identificamos”, ele diz. A identificação e o carinho adquirido pelo break foi tão forte que ele começou a se aventurar nos campeonatos pelo país. Juntava o dinheiro e viajava para competir, às vezes, sem passagem de volta: realizava uns bicos na cidade que estava para conseguir o suficiente para retornar a Bauru. Entre um abandono e outro, Major se viu treinando por mais de um ano sozinho. Trabalho, treino, competição. Tudo que podia fazer para se manter vivo no break era válido. As marcas roxas na pele eram constantes. Quando a mãe via, ficava pior ainda: dava bronca por estar fazendo aquilo, que estava só se machucando. “Mas eles sempre me apoiavam bastante, até porque eles viam que era uma coisa boa pra mim. Na época, eu dava muito 18
trabalho, então foi uma coisa que me fez ter foco e disciplina”, conta. As vitórias e derrotas nos campeonatos o estimulavam ainda mais. O prazer de ganhar e a sede de melhorar para vencer no futuro fizeram com que ele pensasse “É isso que eu quero pra minha vida”. A partir daí, Major fez de tudo para conseguir fazer do break sua profissão, o que o levou a dar aulas. As primeiras foram em um projeto social e ele logo avisou que sabia dançar, mas nunca havia ensinado ninguém. A didática, entretanto, foi natural e saiu mais fácil do que ele imaginava. Passou a dar aulas em outros projetos também, dedicando-se à dançade maneira integral: “Já neguei emprego bom porque ia prejudicar meus passos, deixei de fazer faculdade porque não ia ter tempo pra treinar”. A importância do break na sua vida é tão grande que vai além de uma dança apenas. Como ele mesmo diz, “tem gente que bate no peito, diz ‘Eu sou b. boy’, e vive aquela cultura”, enquanto outros levam apenas como hobby. Uma simples escolha entre quem quer levar aquilo a um outro nível e quem se contenta com os treinos nos horários vagos. Diariamente, ele vive o estilo de vida que o break - e, consequentemente, o hip hop - propõe. “É um negócio muito louco”, ele sugere, sendo que dorme e acorda pensando em movimentos para executar no próximo treino. Uma semana sem treinar é o suficiente pra incomodar alguém que há 10 anos faz isso quase que diariamente. Pensando assim, qual a importância do hip hop para a identidade de Luis Enrique Frabetti? Tão grande quanto a vontade dele em seguir a vida na dança. O break fez dele quem ele é. Primeiramente, poderia ser um ladrão, mas não é. Poderia por os passos debaixo do braço e levar a vida como muito de seus amigos levaram, fazendo disso apenas um hobby, mas preferiu viver se dedicando à dança. Finalmente se encontrou enquanto pessoa naquilo que o chamava atenção. Deu sentido àquilo que chama de vida. É tão decisivo que se torna difícil de imaginar quem seria Major sem o hip hop.
Foto: Carolina Rodrigues
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