SOLA #1

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SOLA



United Nations Photo

EDITORIAL

pág.4

DAS ONDAS PARA AS CALÇADAS As jovens skater girls pág.6 pág.12

PROFISSIONALIZAÇÃO E INVESTIMENTO A FORTE RELAÇÃO DA pág.7 MÚSICA COM SKATE pág.13

PARE DE CONTAR ATÉ CEM E PRATIQUE LONGBOARD “O SKATE GERA TENDÊNCIA pág.8 TOTAL NA MODA” SHAPES ALÉM DO ESPORTE

pág.9

É PROIBIDO PROIBIR pág.10

pág.14

manobras na pele pág.15

GRAFITE X PIXAÇÃO pág.16


SOLA O trabalho do jornalista é mais árduo do que parece. Afinal, como reduzir a história de vida de alguém a algumas páginas, suas palavras tão cheias de significado e informações a alguns parágrafos, suas emoções e percepção do mundo a alguns verbos, substantivos e adjetivos? Este esforço é constante e, quando o jornalista consegue, transforma um acontecimento diário num evento que pode ser compartilhado por milhares de olhos, ouvidos, mentes e corações, por meio de imagens, sons, fotos e textos que circulam por toda parte. Investigar, em jornalismo, é o trabalho digno de um Sherlock Holmes. Não se trata apenas de desvendar o mistério que reside no não-conhecido. É também buscar as induções e deduções que podem tornar aquilo que é familiar em algo novo; é olhar o comum com olhos curiosos, desvendar o que já parecia totalmente esclarecido. Interpretar, como diz o nome da disciplina a que esta revista se refere, não é meramente traduzir, nem fechar os acontecimentos num ângulo único de sentido, mas mobilizar, incomodar, emocionar e despertar o leitor. É o jornalismo cumprindo seu papel no mais alto grau. Editor-chefe

Hideide de Brito Torres Editor Gráfico

Gabriel Novais Revisão

Monique Bertto Redação

Bruna Santos Caroline Mauri Gabriel Novais Gabriela Dalton Letícia Natalina Monique Bertto Foto de capa

Éole Wind

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Os alunos da Disciplina de Jornalismo Interpretativo foram desafiados a este trabalho árduo, condensando em umas poucas páginas de revista um leque de experiências e informações, e olhares distintos sobre fenômenos culturais os mais variados. Para além de trazer dados, números e curiosidades, foi-lhes pedido que contassem uma boa história, refletindo em palavras suas sensações, pensamentos, percepções, olhares, cheiros, gostos, sentidos presentes na vida das pessoas que estão por trás de cada matéria. Portanto, que a leitura destas reportagens conduza você por este caminho de descobertas e que seja para você algo tão vibrante quanto foi para diversos dos estudantes, ao se depararem com pessoas, histórias, narrativas e fatos tão distintos, encantadores, intrigantes – como é a própria vida! Hideide Brito Torres

Profa. da Disciplina de Jornalismo Interpretativo Curso de Jornalismo, Comunicação Social - UFV


Luis Díaz

É utópico pensar que conseguiríamos, em uma única edição, fazer uma abordagem tão ampla que justificasse a existência de um esporte tão consolidado como o skate é no Brasil. Mas foi isso o que buscamos, em todas as etapas da nossa produção. Levantar a bandeira do esporte, trazendo para você leitor, discussões sobre o skate desde o seus primórdios até os dias atuais. Em terras brasileñas, o skate só perde em número de praticantes para o futebol, mas ganha ouro em desvalorização e preconceito. O que você encontra nas próximas páginas é a história do skate contada por pessoas que fazem essa história, como a moda de Dexter, o longboard de Luiz Henrique, as tatuagens de Renan, a feminilidade de Clarissa. Colocamos tudo em uma peneira e aproveitamos, dentro do espaço do qual dispomos, o ouro do universo do skate. Assim nasceu a Revista Sola, em memória a todas as solas de tênis gastadas pelos milhões de skatistas ao redor do mundo, e pela sola que gastamos para produzi-la cheia de carinho pra você. Agora sem caô, não faz nata e dá um rolê pela nossa revista! Monique Bertto

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Elias Angulo

DAS ONDAS PARA AS CALÇADAS Caroline Mauri

Era um daqueles longos períodos sem ondas na Califórnia do fim da década de 50. Impacientes com o tédio que reinava, muitos surfistas tentavam imitar as manobras de surf fora da água, usando pranchas de madeiras com rodas acopladas. Foi nesse cenário que a primeira ideia de skate surgiu no mundo. Não se sabe afirmar ao certo quando o esporte foi mesmo criado, mas já em 1959 começava a ser comercializado Roller Derby, o primeiro skate fabricado em série na história. A partir daí rapidamente a novidade se espalhou pelos Estados Unidos, e depois pelo mundo. Em 1963 já se tinha o primeiro campeonato em Hermosa Beach, nas Califórnia, vencido por Larry Stevenson, que acabou criando a primeira modificação no tail, melhorando o equilíbrio e as manobras. Então em 1964 foi lançada a primeira revista especializada no assunto, The Quarterly Skateboarder. Acontece que suas rodinhas eram de ferro, bastante escorregadias, e causavam muitos acidentes. Isso levou a sociedade norte-americana do momento a criar uma campanha para banir a prática, que foi prejudicada e demorou a ter de volta sua credibilidade.

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Só nos anos 70, com as primeiras evoluções do modelo, é que o esporte voltou à sua glória. Mais precisamente em 1972, Frank Nashworthy inventou as rodas de poliuretano, material utilizado até hoje que garante maior atrito e estabilidade à superfície. Esse foi o impulso que faltava para garantir ao skate status de esporte popular. Desde então novas modalidades foram criadas, como slalom, downhill, freestyle, streete vertical. Modificações no instrumento resultaram em novos formatos que facilitaram cada vez mais a realização de diferentes manobras, sempre mais ousadas. E foi então que nos anos 90 tomou o rumo atual do profissionalismo esportivo (pag. 7). Existia uma fome de reconhecimento nos skatistas e, em resposta a isso, foi criado em 1995 pela ESPN os X-Games, que começaram a limpar a imagem do skate como um esporte rebelde. Para além do esporte, o skate se agregou a uma crescente contracultura de sua época, o punk, mas acabou ganhando um estilo próprio e é considerado hoje parte da cultura urbana, passeando entre as mais diversas tribos. ▲


PROFISSIONALIZAÇÃO E INVESTIMENTO Caroline Mauri

Não foi fácil, mas depois de anos de altos e baixos, o skate se consolidou como uma prática popular e foi reconhecido então como esporte. De uma atividade marginalizada na década de 80, passou por um boom no final dos anos 90 e hoje está concretizado nos mais diversos nichos da sociedade, e se destacando como uma modalidade milionária. Em 1989 foi realizado o primeiro Circuito Brasileiro de Skate Profissional, vencido pelo paulistano Rui Muleque, e abrindo espaço para o que viria seis anos depois, em 1995: Rodrigo Menezes trouxe para o Brasil o primeiro título mundial de skate. Com essas conquistas, parecia impossível não dar ao esporte o devido reconhecimento e assim, em 1999, foi fundada em Curitiba a Confederação Brasileira de Skate (CBSk), que é a entidade responsável por organizar hoje o campeonato brasileiro, com fases de seleção na maioria dos estados onde possui organizações filiadas, facilitando a divisão de modalidades. E por falar nisso, muitas são as modalidades que surgiram ao longo dessa história esportiva. Porém, as principais reconhecidas nos campeonatos são: street, freestyle, vertical e downhill. Apesar de todas terem suas semelhanças e utilizarem manobras parecidas, cada um tem suas especificidades. O street nada mais é que o skate de rua, onde os praticantes utilizam a arquitetura da cidade, como bancos, escadas e corrimãos, como obstáculos para executar suas manobras. É com folga a modalidade mais popular. O freestyle é a modalidade onde o skatista apresenta várias manobras em sequência, geralmente no chão. A modalidade vertical pode ser dividida ainda mais profundamente, mas, no geral, é a prática do skate em desníveis curvos, como as rampas em forma de U e as piscinas com fundos arredondados. Por fim, o downhill é a modali-

dade em que o atleta deve descer uma ladeira em alta velocidade realizando manobras neste percurso. Atualmente, os principais nomes no âmbito brasileiro são Bob Burnquist, bi-campeão mundial no Vertical; Sandro Dias, o Mineirinho, penta-campeão mundial no Vertical; e Sérgio Yuppie, penta-campeão mundial no Downhill Slide. Mas nem só de marmanjos vive o skate: Karen Jones e Letícia Bufoni,

em inglês), com o objetivo de representar o esporte frente ao Comitê Olímpico Internacional (COI), buscando uma oportunidade de fazer parte das Olimpíadas Rio 2016. Natural de Ponte Nova, o estudante Rafael Quirino descobriu o skate aos 13 anos e, com menos de um ano de prática, se arriscou em um campeonato local, aqui em Viçosa. Apenas com o intuito de ganhar experiência, o garoto ficou sur-

andy mac donald

ambas bicampeãs, no Vertical e Street, respectivamente, marcam presença e inspiram jovens de todo o país. É fácil perceber que desde o primeiro campeonato, em 1963, muita coisa mudou e, com mais organização, o skate tomou proporções, inclusive no Brasil, de altos investimentos publicitários. Segundo a CBSk, o segmento movimenta R$ 500 milhões por ano. Um ponto importante que favoreceu a valorização do esporte foi a aparição de ídolos que, indiretamente, contribuiu para e o grande crescimento do número de adeptos. Segundo a última pesquisa realizada pelo Datafolha, em 2009, o número de skatistas no país passa dos 3,5 milhões. Com esses dados, que refletem uma situação semelhante em todo o planeta, não é de se surpreender que, em 2004, tenha sido criada na Alemanha a Federação Internacional de Skate (ISF, sigla

preso quando levou o primeiro prêmio. Daí em diante, Rafael passou a treinar cada vez mais e participar de todos os campeonatos ao se alcance. Com total apoio da família, ele viajava bastante e tinha um estilo de vida focado no esporte. Porem, mesmo com todos os cuidados e equipamentos necessários, por volta do ano de 2011, Rafael começou a se machucar bastante, chegando a fraturar algumas partes do corpo. Além disso, a discriminação, apesar de ter diminuído drasticamente, ainda existe. Somado a isso há também o fato de que as oportunidades para crescer no esporte demoram a aparecer. Hoje com 18 anos, o estudante admite que mesmo com todo o avanço alcançado, não é tão simples ser um skatista. Por esses motivos, Rafael resolveu priorizar os estudos, mas não sem levar o skate junto, mesmo que como um hobby. ▲

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arquivo pessoal de luiz

PARE DE CONTAR ATÉ CEM E PRATIQUE LONGBOARD Gabriel Novais

Quando se está de cabeça quente, respirar fundo ou contar até cem pode ser a solução para muita gente. Para Luiz Henrique, a fórmula calmante passa longe disso. O que ele faz é pegar o seu longboard e sair sem destino, na correria, desafiando ruas e ladeiras de Ipatinga, cidade a 217 km de Belo Horizonte. Já há doze anos em cima de tábuas de madeira com rodas, a prática do esporte para ele é abstrata e libertadora. Em seu perfil no facebook, a paixão está estampada. Quase sempre ao lado de diferentes skates, a impressão que fica é a de alegria, amizade e velocidade. Das diversas vertentes do skate, o longboard é a que mais faz o estilo de Luiz. Para quem não sabe o longboard é o shape com mais de 18 polegadas. A modalidade estourou na Califórnia na década de 70 e chegou ao Brasil em 80, fazendo uma ponte entre o skate e o surf. Hoje ele está cada vez mais no pé de quem é do litoral e também de quem está longe do mar.

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Foi logo depois dos vinte anos que Luiz começou a se arriscar com o long. Antes disso o skate convencional era seu rolê. A prática do street era o que fazia, conectando tudo, rua, calçadas, bancos e tudo mais que estivesse pela frente, prática que é mal vista por muitos. “Se você passa e vê uma escada, mas o local é particular, você vai lá e pula pra alimentar o que o esporte proporciona... Mas aí o dono do lugar vê e chama a polícia” conta. Mas também tem gente que acha massa. Luiz animado relembra que em um de seus rolês durante a madrugada, um casal saiu de casa: “achei que ia me dar um esparro porque não estar deixando eles dormirem” mas não, o homem perguntou sobre o esporte e há quanto tempo praticava e o elogiou pela prática. A história toda começou quando tinha 12 anos. Luiz comprou seu primeiro skate por cinquenta reais de um colega mais velho que havia parado de praticar e começou a se aventurar sozinho. “Na época eu só via pessoas mais velhas que eu praticando, então nem sempre dava

pra interagir” conta. Depois de um tempo um vizinho também se iniciou, mas logo depois desistiu. Persistir no esporte é para poucos, já que tombos e, principalmente, o preconceito é grande.“Eu não parei mesmo tendo machucado muito, e até hoje machuco” diz Luiz, que permanece no esporte por se sentir muito bem sobre o skate. Nem mesmo a repressão de seus pais fazem o jovem largar o skatismo. “Eles meio que acham que eu não vou “crescer” na vida. Estão completamente equivocados. Posso ser um mega empresário hoje, não abandonarei o longboard e não deixarei de crescer pra praticar” ressalta. Luiz vê no long um estilo de vida e também um sonho. Ingressar profissionalmente no esporte é seu ideal. Apesar de toda a concorrência da área o jovem não desiste. Como resultado de sua persistência na prática, ele espera algum dia ser reconhecido na modalidade. Sendo hobbie ou competição, para ele, estar sobre um shape é, na maior parte das vezes, a principal válvula de escape. ▲


SHAPES ALÉM

DO ESPORTE, UM ESPAÇO PARA ARTE Letícia Natalina

No Brasil é conhecido como shape, nos Estados Unidos como deck. Para os menos entendidos no assunto varia entre tábua, prancha ou madeira. Esses são alguns dos nomes que uma das principais peças do skate recebe. O shape é o lugar onde o skatista se apoia e executa suas atividades. Para cada praticante do esporte existe um significado diferente: pode ser apenas mais uma peça, uma forma de expressão de identidade ou um objeto de melhoramento da prática esportiva. Weverton Carlos trabalha em um supermercado na cidade de Patrocínio, MG, e também é skatista há mais de cinco anos, ele descreve o shape como parte essencial do skate. “Não é possível existir skate sem uma peça, mas o shape dá a liberdade para que possamos nos expressar customizando ele.”

No início os shapes eram feitos de madeira sólida, sendo às vezes de carvalho. Na década de 70 houve mudanças e eles passaram a ser laminados, apresentando uma vida útil maior. Porém eles apresentam uma frequência elevada de troca em relação às outras peças. Outra evolução foi o formato, que pretende favorecer o desenvolvimento da prática do esporte. Atualmente, eles apresentam alguns padrões como o arredondamento da frente e da parte de trás e promove uma maior segurança para o skatista. O shape vai além do status de ser uma peça. Ele garante que o skatista mostre seu talento fora das manobras. Weverton relata que geralmente são os próprios skatistas que pintam ou grafitam seus próprios shapes. Sendo esse hábito uma forma de afirmação de que o skate vai além do esporte, também é uma arte. ▲

Richard Child

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Keoki Seu

É PROIBIDO

PROIBIR Monique Bertto

Até onde a proibição de esportes como o skate se justifica como medida de precaução contra acidentes?

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Atrás do caminho percorrido pelo skate ao longo da história está uma série de proibições e especulações sobre seu uso. Quem proíbe alega que a segurança dos praticantes e de terceiros está em perigo. Quem é proibido reforça a ideia de que existe um preconceito implícito contra os skatistas. Apesar de por aqui, em terras brasileiras, a prática já ser reconhecida como esporte, perdendo em número de adeptos apenas para o Futebol, ainda persistem alguns discursos que reforçam uma ideia distorcida sobre a cultura do skate. No Brasil, a primeira proibição aconteceu em 1975, no estado de São Paulo. Foi no famoso bairro Morumbi, mais precisamente na Rua Queiroz Filho, que

foi apelidada pelos skatistas de “tapetão”. Lá, a polícia cercou aproximadamente 100 jovens que praticavam o esporte sob a mira de metralhadoras. Segundo o jornalista Luiz Carlos Azevedo, em reportagem publicada na revista Manchete no dia 25 de outubro de 1975, os skatistas começaram a sofrer agressões por praticarem um “esporte proibido”. Nos relatos das pessoas envolvidas que foram publicados por Luiz Carlos estavam frases como “um deles me apontava um revólver calibre 38, engatilhado, e o outro uma metralhadora, calibre 45, pronta para disparo”. Em 1988, o então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, proibiu definitivamente a prática do skate em toda a


capital paulista. A ação gerou uma reação de desagrado entre os praticantes, que saíram as ruas para protestar contra a decisão de Jânio. A passeata saiu do metrô Paraíso em direção ao Parque Ibirapuera, mas não houve nenhuma resposta do prefeito, que não só permaneceu firme com sua decisão, como ordenou que os portões do Parque fossem fechados para os manifestantes. Em diversos lugares ao redor do país as proibições continuaram e continuam acontecendo. O histórico se estende por motivos quase sempre relacionados à segurança. Esse discurso, embora bem fundamentado, esbarra em alguns poréns. O uso de bicicletas, por exemplo, em lugares em que não existe uma

ciclovia, se torna tão perigoso aos pedestres e veículos, e ao próprio ciclista, quanto o skate. As ligações do skatismo com a contracultura e a cultura punk, que são consideradas pelos olhos do conservadorismo como uma forma de transgressão às regras e costumes estabelecidos, pode ser um dos motivos que levam à marginalização dessa prática. Além disso, o estilo de ser e se vestir próprio que o skate carrega em suas raízes ainda não é o que muitos pais sonham para seus filhos. Tatuagens, piercings, roupas largas e rasgadas. Essa marginalização acaba esbarrando nos fatores que levam lideranças a proibir o uso de skate em lugares públicos. Na Universidade Federal de Viçosa, é proibido o trânsito de skates nas vias principais do campus. Segundo Belmiro Zamperlini, Diretor de Logística e Segurança da UFV, a medida foi tomada em função dos acidentes que vinham acontecendo devido à prática do esporte sem uso de equipamentos de segurança. “Eu atendi depois que entrei na diretoria, há quatro anos, várias pessoas com fraturas nos braços, nas pernas, traumatismo craniano, etc. Como isso estava se tornando uma prática diária eu pedi à vigilância que orientasse essas pessoas a não praticar esse tipo de atividade, e aqueles que insistiam em praticar naquelas áreas eu recolhia o skate” conta Belmiro. Ele reforça que a medida foi tomada exclusivamente por questões de segurança. A solução encontrada pela vigilância foi viabilizar um trecho dentro do campus para a prática do skate aos fins de semana e feriados, mas para que as atividades ocorressem, algum integrante da LUVE (Liga Universitária Viçosense de Esportes) deveria estar presente

no local. Os integrantes da LUVE, depois de determinado tempo abandonaram o compromisso, como conta Belmiro, o que inviabilizou a continuidade da atividade. Dessa forma, o uso de skate dentro da Universidade continua inviabilizado. Clarissa Mendonça anda de skate há dois anos. Tempo suficiente para observar de perto o preconceito que ronda o universo do skate. “Qualquer skatista já sofreu algum tipo de preconceito, já foi apelidado de marginal, vagabundo. Esse esporte ainda não foi aceito na sociedade como uma coisa boa, e a maioria das pistas estão em condições precárias. Quando existe pista na cidade, pois a maioria dos skatistas tem que andar na rua, correndo perigo junto ao trânsito”, conta Clarissa. Além de não causar nenhum tipo de dano ao meio ambiente, como os veículos automotivos, Clarissa acredita que não há nenhum risco que o skate traga as pessoas que estão ao redor. “Não acho nem um pouco cabível a proibição do skate em lugares públicos.” conta a juiz-forana, que anda livremente pelo campus da UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora - onde ao contrário do que acontece na UFV, a circulação de skatistas não sofre nenhuma restrição. “O poder público deveria entender de uma vez, que o skate é muito melhor que os veículos, que além de poluírem a natureza pioram ainda mais o trânsito caótico das cidades. Eles deveriam fazer mais pistas, parques, ciclovias e algum tipo de escola que possa ensinar os iniciantes, e assim o esporte seria praticado com mais segurança, e por mais pessoas. O skate deveria ser aceito pela sociedade, pois não vejo nenhum tipo de malefício nesse esporte”, opina Clarissa. ▲

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GABRIELA DALTON

as jovens skaters girls Gabriela Dalton

Quando surgiu, na Califórnia da década de 60, andar de skate era considerado “coisa de menino”. Mas a cada dia que passa as mulheres vêm conquistando seu espaço e o esporte sobre as rodinhas não ficou de fora dessa. As mulheres estão vencendo os preconceitos e mostrando que skate é moda, é estilo, é comportamento e também é coisa de menina. Nos anos 2000, foi criada a Associação Brasileira de Skate Feminino no estado de São Paulo, e o esporte ganhou ainda mais charme com as novas adeptas. Dados da Confederação Brasileira de Skate apontam que temos mais de 180 mil skatistas. O esporte chegou ao Brasil em meados da década de 70, quando as mulheres não tinham tanta independência, mas cada dia mais, esse cenário vai ficando para trás. A estudante de 14 anos, Amanda Briguente, apesar de sua nítida timidez, acaba se soltando ao falar sobre o esporte que pratica há três anos. Entusiasmada ao lembrar-se de como tudo começou, ela admite que se encantou pelo skate porque observava alguns garotos praticando. Ela conta que atualmente não sofre algum tipo de preconceito por ser uma garota skatista, e sim o contrário: os meninos admiram-na. “Quando estou

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andando em lugares próprios para skatistas percebo alguns garotos me observando, mas não com preconceito, e sim com admiração e interesse. Meninos skatistas gostam muito de garotas que também praticam o esporte!”, afirma Amanda, em meio a gargalhadas. Além do crescimento do movimento feminino no skate, também existe o fator idade. Os praticantes desse esporte radical vêm iniciando suas manobras desde cedo. Estudos pedagógicos confirmam que, o exercício feito ao andar de skate tem ajudado crianças a superar variados problemas de ordem emocional, neurológica, psicológica e até comportamental. Em Manaus, existe um projeto chamado Escola Pedagógica de Skate que beneficia cerca de 200 jovens de origem humilde. São diversas as histórias, desde crianças que eram hiperativas ou muito tímidas, até jovens inseridos no mundo das drogas, com o mesmo final: todos melhoraram sua condição de vida após se apaixonarem pelo esporte radical. Clarissa Mendonça, 14 anos, acredita que o esporte é, além de uma atividade recreativa, uma forma de exercer uma atividade física e de se tranquilizar, colaborando na sua própria saúde desde que começou a pra-

ticar, há dois anos. “O skate tem como maior importância na minha vida o fato de me divertir, mas também é o único esporte que eu pratico, então tento andar com uma frequência maior para melhorar meu condicionamento físico. Durante o período letivo fico sem tempo para praticar, mas nas férias tento andar bastante porque sempre me sinto mais livre, e andar de skate me acalma”, relata a estudante. De calça jeans e camiseta, não é possível ver as marcas no corpo que o skate já lhe trouxe, mas de forma extrovertida, Clarissa conta sobre um “tombo inesquecível”. “Um dia eu estava tentando aperfeiçoar meu desenvolvimento na manobra flip, mas acabei caindo na frente de todas as minhas amigas. Obviamente, elas começaram a rir. Eu também ri da situação, depois levantei e tentei mais cinco vezes, até que eu consegui realizar a manobra perfeitamente”. A garota ainda brinca com a situação: “É assim mesmo, skate é arte e cair faz parte!”. ▲


A FORTE RELAÇÃO DA

MÚSICA COM SKATE Bruna Santos

A música sempre foi uma forma de expressar sentimentos e ajudar na formação da identidade de cada um. O Brasil é um país com uma cultura musical bastante ampla, contendo muitos estilos que acabam marcando fatos da nossa rotina e momentos já vividos. A presença da música no cotidiano, em diversas situações, pode ser usada até como terapia. Canções e melodias têm o grande poder de acalmar, ou até mesmo criar certa sensação de êxtase. Quando ela está presente no esporte, ou mais especificamente no skate, suas batidas são mais aceleradas, estimulam uma maior adrenalina, ajudando na disposição para as atividades. É fácil perceber que o skate e a música têm uma ligação muito forte. E a influência é recíproca: da mesma forma que a música influencia o skate, o skate influencia a música. Certas canções marcam determinada época desta modalidade. Quando se fala deste esporte e lazer na década de 80, por exemplo, o punk rock é mais ressaltado. Já na década de 90, ele se associa mais ao rap. Hoje em dia, parece haver uma síntese de todos esses estilos, mas o pop rock ganha mais dimensão. O fotógrafo e estudante de publicidade, Rafael Santos, 23 anos, morador de Viçosa, anda de skate desde quando estava na 5ª série, por influência de amigos. Ele fala sobre a importância da música em sua vida, que por sinal, possui um grande valor: - Meu gosto musical é bem variado, e com certeza ele está ligado ao meu estilo de vida, meu trabalho e pelo esporte que pratico. A música representa várias coisas dentro de um cenário, seja ele por inspiração, por trabalho ou até mesmo por diversão. No meu caso a música é como um combustível para minhas atividades, tudo que faço é ouvindo uma musiquinha, seja trabalhando, dirigindo ou praticando esporte.

Rafael também conta que a banda Charlie Brown Jr. influenciou na sua adolescência, mas afinal, como falar de skate e não lembrar desta banda e do seu eterno vocalista, Chorão? Alexandre Magno Abrão, ou como todos conheciam, o polêmico e talentoso Chorão, fundou o grupo em 1992 na cidade de Santos, litoral de São Paulo. Com mais de 20 anos de carreira e nove álbuns lançados, dois discos ao vivo, duas coletâneas, seis DVDs e parcerias com grandes nomes da música brasileira, a banda estourou com sucessos como “Zóio de Lula”, “Tudo o que ela gosta de escutar”, “Tâmo aí na atividade”, “ Senhor do tempo”, a mais recente “Céu Azul”, entre outros diversos sons que marcaram a adolescência e juventude de muitos. Mais do que um grande cantor, o também compositor, era um amante

convicto do skate. Em praticamente todos os seus shows ele levava o seu e arriscava manobras em cima do palco. Chorão já chegou a ser vice-campeão paulista, a paixão pelo esporte era tão grande que em 2005 fundou o Chorão Skate Park, uma pista indoor em Santos que sediou etapas de campeonatos importantes como o Circuito Brasileiro de Freestyle e o Campeonato Mundial de Skateboard Freestyle, em 2008. O ex-vocalista sempre demonstrou seu amor pelo skate nas letras de suas músicas e em seus clipes, onde o item aparecia quase que obrigatoriamente. Em 6 de março deste ano, Chorão deixou todos os seus fãs, familiares, amigos e admiradores de forma inesperada. Sua presença não será mais vista, mas será sentida em cada canção da banda. Focka

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“O SKATE GERA TENDÊNCIA TOTAL NA MODA” Ricardo Fernandes, ou Dexter, como é conhecido, representa sua paixão pelo skate no vídeo No Class Visitors* de uma forma alternativa. Além do exercício ele se dedica a fazer moda no skatismo. Com o objetivo de trabalhar com vídeo e revista, seu foco jamais foram as competições. Aos poucos foi se descobrindo e acabou se tornando um dos maiores responsáveis pelas artes de marcas famosas.

Acreditando que o skate gera tendências ele investiu nesse ramo. Atualmente, é estudante de moda e busca conciliar roupas e skate. Seu foco é atender as necessidades dos skatistas com estilo. Dexter conta que nem sempre o que encontrava, que diziam ser feito pra skatistas, o agradava. Por essa razão ele procura transferir o que mais gosta do esporte para o mundo da moda. Já inserido nesse universo, moda e skate, há algum tempo ele afirma que não pretende ter uma marca própria. Porém deseja ser um colaborador na confecção de roupas para skatistas e pretende contribuir no desenvolvimento de peças mais resistentes, confortáveis e bonitas que irão agradar os praticantes do esporte. Entretanto, o jovem João Eustáquio, skatista de Patrocínio, MG, conta que um de seus maiores so-

só do skate, porque é muito amor”, conta. João está inserido nas novidades do universo do skate, primeiro por ser um praticante e também por vender peças para outros skatistas. Ele confirma que nos dias atuais existe muita preocupação em desenvolver produtos que otimizem o esporte. Afirma ainda, que quem se preocupa em produzir para skatistas é um skatista, como no caso do Dexter e de outras marcas conhecidas.

Os skatistas pertencem a um grupo social que ainda sofre discriminação, mas não é difícil esbarrar em algumas pessoas que vêm dando duro para que essa realidade mude. Um dos caminhos possíveis foi expor o skate à população por meio da moda. Expressar a arte em estampas de camisetas, levar as tendências para as passarelas são algumas opções, mas também há investimentos em tecnologia para proporcionar aos praticantes uma experiência cada vez melhor. ▲

Letícia Natalina Se equilibrar em uma pequena prancha com quatro rodas não é tão simples. Além de se manter em pé, executar manobras em rampas, corrimão, meio fio e qualquer outro espaço que permita ser radical, é um desafio. É isso que um skatista faz, seja por diversão, adrenalina, emoção, ou apenas, pela prática da atividade. Porém o amor pelo skate pode ser expresso de outras formas. Matteo Fagiolino

nhos além de viver do skate, é ter sua própria marca. Ele ainda ressalta que este é um dos desejos mais comuns entre os skatistas. Funcionário de uma popular loja de produtos que atendem o público que anda sobre o shape, o rapaz afirma que não é barato ser skatista e que a maior motivação é o amor pelo esporte. “No mundo do skate tudo é feito por amor. É caro ser skatista, falta apoio para a prática do esporte e a sociedade julga sem conhecer. Mas eu ainda quero viver

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manobras na pele Bruna Santos

A Tatuagem é uma das formas mais antigas de modificação do corpo e já existe há mais de 3.500 anos. Os primitivos se tatuavam para marcar os fatos da vida, tanto social como biológica. Os primeiros cristãos se reconheciam por uma série de sinais desenhados na pele, sendo esta prática, desde sempre, uma forma de expressão da personalidade. Na idade média, ela foi banida pela Igreja Católica por se acreditar que tratava de rituais pagãos. Com o tempo, a igreja mudou sua visão e deixou de condenar o ato, mas a sociedade não, vendo esta marca como algo que influencia no caráter do indivíduo. Atualmente, esta idéia ainda divide opiniões, mas tem sido amenizada. Este fato vem ocorrendo por causa de um crescente número de pessoas tatuadas e uma população mais compreensiva, com ideais menos conservadores. A maioria dos skatistas possui pelo menos uma tatuagem. Quando estas são relacionadas a este esporte, há a predominância do desenho do próprio skate ou da palavra escrita com alguns outros símbolos. Mas, as artes no corpo predominante deste estilo não se restringem apenas às tatuagens. Piercings e alargadores também fazem parte de toda

uma marca registrada do skate. E, o porquê destas formas de expressão serem tão características é simples, se tratam de elementos relacionados a cultura urbana, cultura esta que surgiu nos bairros pobres das cidades americanas em resposta à exclusão social, ao racismo e à crise econômica que os Estados Unidos atravessaram com a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. Desde o final da década de 1970, ela passou a se confundir com o movimento hip hop, cujo estilo se reflete nas letras dos rappers, na dança de rua (o break), nas gírias, na arte do grafite, na tatuagem e na moda em conjunto com diversos acessórios. Entretanto, há ainda pessoas que não são influenciadas pelo real conceito de todo este estilo, se deixando levar por apenas questão de “modinha”. Não é possível saber ao certo como cada skatista presente em Viçosa, adota esta forma de arte e vida. Mas, é perceptível que a paixão pelo esporte é grande, sendo praticado por muitos em diversas horas do dia. No município, existe até uma Associação de Skatistas, com muitos jovens e pessoas de maiores idades. Ela é aberta para quem se interessar. Existe também a Associação de Tatuadores e Perfuradores do Brasil, uma

comunidade que divide informações sobre este universo de maneira segura e adequada, sem fins lucrativos. Mais informações se encontram na página www.facebook.com/atpdobrasil. Na cidade, o número de estúdios que trabalham com esta arte não é relevante, mas atende à demanda da população viçosense. Renan é estudante de Agronomia e tatuador, fato um tanto quanto diferente. Botina, chapéu, fivela e camisa xadrez, essa é a descrição do estereótipo de um estudante deste curso, mas Renan não se encaixa nesse padrão. O jovem de roupas escuras e tênis de skatista, começou sua carreira desde cedo, motivado pela grande paixão aos desenhos. Ele conta que o estúdio onde trabalha é bem procurado, tanto pela localização como pelo reconhecimento do seu trabalho, recebendo em média de 40 sessões por mês. Quase todas são feitas em jovens, seu público alvo favorito. Ele também é um amante do skate, e, como praticamente todos os tatuadores, possui também as suas tatuagens. Uma delas é sobre esta modalidade do esporte, que para ele, é estilo de vida. Renan é um grande praticante do skate nas horas vagas e ressalta o fato de que as duas artes estão cada vez mais interligadas. ▲

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GRAFITE X Gabriela Dalton Além de esporte, o skate também é moda, estilo, comportamento e arte. Tratando-se de uma cultura urbana, grande parte dos adeptos do skate também estão ligados à arte do grafite, e muitas vezes isso acaba se mesclando. Mas grafite e pichação são coisas diferentes. Enquanto o grafite é considerado uma arte, a pichação é encarada como uma atitude de vandalismo. O grafite surgiu no final dos anos 70 em Nova York (Estados Unidos), sendo parte de um movimento cultural organizado nas artes plásticas. Diferentemente do grafite, cuja preocupação é a ordem estética, o piche tem como objetivo, na maioria das vezes, a demarcação de territórios entre grupos urbanos. Atualmente, um projeto de lei do estado de São Paulo, de autoria do vereador Nabil Bonduki, visa garantir a legitimidade do trabalho artístico que vem sendo desenvolvido nas ruas da cidade. Fazendo com que o grafite seja reconhecido como arte e não seja mais apagado sem maiores explicações, mesmo quando se tem autorizações de órgãos públicos e privados. Fomos às ruas para saber se pessoas acreditam na importância do grafite e se pensam que o projeto de lei proposto no estado de São Paulo deve ser seguido por vereadores de outros estados.

“Acho que o grafite é diferente de pichação sim. Não digo que o grafite traga apenas benefícios para os municípios, mas é uma forma de manifestação que deve ser feita apenas em locais autorizados. Considero pichação como um ato vandalismo. E sou a favor que o projeto de legitimidade do grafite seja proposto em outros estados, porque se é uma forma de arte autorizada, não tem porque ser apagada” Livia Santiago, estudante de Engenharia de Alimentos, 22 anos

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X PIXAÇÃO “Não vejo diferença entre as duas coisas, acho que é uma forma só de os artistas tentarem se diferenciar dos vândalos através da denominação do que eles fazem. Mas acredito que é uma forma de arte sim, muito bonita e criativa, que traz benefícios para a sociedade. A imagem da rua fica mais agradável e o grafite é muito atrativo para os jovens. Creio que estimulando isso de forma correta, com educação, pode ser mais bem visto pela sociedade. Acho que o projeto é muito interessante e deve ser levado para outros estados”. Anna Carolina Sodré, estudante de Farmácia, 19 anos

“Sim, eu vejo diferenças e acredito no benefício do grafite. A pichação, ao meu ver, é um meio que gangues de delinquentes se utilizam para demarcar seu território ou deixar a sua marca. Não respeita a propriedade privada ou espaços públicos preservados. Na minha opinião, é um ato de vandalismo. Já o grafite é apenas mais uma forma de expressão da arte. Uma transferência da imagem da tela para o concreto. Sou a favor desse projeto de lei em outros estados porque ele pode aumentar o incentivo a cultura, disseminar a arte do grafite e possivelmente até quebrar um preconceito, já que muitas vezes o grafite acaba sendo confundido com a própria pichação” Jackson Corrêa, estudante de Engenharia Civil, 20 anos

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Tom Coates




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