IZIDORA
ESPAÇO COTIDIANO GENTE
GABRIEL SALES
(Modelo)
Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Biblioteca do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas/UFOP Sales, Gabriel Gonçalves de. Izidora: Espaço, Cotidiano, Gente / Gabriel Gonçalves de Sales; orientador, André Luís Carvalho. — 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Federal de Ouro Preto, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social, Mariana, 2016. 1. Fotografia Documental. 2. Narrativa. 3. Ocupações Urbanas. I. Carvalho, André Luís. II. Izidora: Espaço, Cotidiano, Gente. CDD: 22.ed. : 641.1
IZIDORA
ESPAÇO COTIDIANO GENTE
GABRIEL SALES
E
m junho de 2013, enquanto o Brasil testemunhava uma jornada inédita de manifestações, dezenas de famílias se organizavam na região norte de Belo Horizonte. Espelhando-se nas experiências da Ocupação Dandara*, os grupos se organizaram em três ocupações urbanas: Esperança, Rosa Leão e Vitória. As ocupações logo se uniram numa luta em comum, formando as Ocupações do Izidora. O nome é oriundo da Região do Isidoro, no Vetor Norte da capital mineira, onde suas raízes etimológicas apontam ao Ribeirão da Izidora, nome de uma mulher que teria sido escrava alforriada que construiu sua descendência na região. O território possui cerca de mil hectares, divididos entre a Granja Werneck e a Fazenda Capitão Eduardo. A complexa questão que envolve os moradores, movimentos sociais, proprietários e Poder Público possui raízes históricas nas quais, em 1914, uma extensa área foi doada à família Werneck. A partir da criação da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves, a região se tornou num eixo de desenvolvimento metropolitano e foi aprovada a Operação Urbana do Isidoro, que prevê a ocupação planejada do local – criticada por ignorar as camadas mais pobres da população. Os moradores e movimentos sociais não questionam apenas o uso da terra, que há décadas não *
A ocupação Dandara, de Belo Horizonte, surgiu em 2009 e hoje conta com cerca de 1000 famílias.
demonstra a sua função social. As ocupações urbanas também iluminam o problema de um déficit habitacional de 173 mil moradias apenas em Belo Horizonte e buscam ser entendidas como uma alternativa para as camadas populares viverem e pertencerem às cidades. A organização das Ocupações do Izidora nasce do senso de pertencimento comunitário: as decisões são tomadas de forma coletiva, em assembleias, nas quais cada ocupação possui uma coordenadora. Andando pelas ocupações, sua arquitetura demonstra criatividade, onde garrafas pet transformam-se em muros, lonas em cercas, pneus em hortas. A urbanização também é feita pelos próprios moradores, que dividem o trabalho e os recursos necessários. Atualmente, a região possui uma população estimada em torno de 8 mil famílias e carrega um dos maiores índices de Vulnerabilidade Social de Belo Horizonte. Sua população, além de lutar pelo direito à moradia, luta pelo direito à vida digna, ao reconhecimento enquanto cidadãos. “Em última análise, a cidade capitalista não tem lugar
para os pobres. A propriedade privada do solo urbano faz com que a posse de uma renda monetária seja requisito indispensável à ocupação do espaço urbano. Mas o funcionamento normal da economia capitalista não assegura um mínimo de renda para todos.” Paul Singer, 1978.
ESPAÇO
A
s ocupações da Região do Isidoro ocorrem de maneira planejada, a partir da posse informal de terrenos ociosos, para fins de moradia urbana. A menos populosa das ocupações, Esperança, é composta por seis quadras, que são conjuntos de lotes, e 1.500 famílias dividem o seu terreno. É nela que a maioria das cenas foram retratadas, onde fiquei por aproximadamente 4 semanas. Rose Freitas, a coordenadora da ocupação, acolheume em sua casa e as ruas da Esperança foram o ponto de partida para o documentário. De acordo com Rose, o nome “Esperança” denota confiança e expectativa, sentimentos compartilhados na busca ao direito à moradia e à vida digna. A Ocupação Rosa Leão está localizada ao lado do Conjunto Ubirajara, no Bairro Zilah Sposito, na região norte de Belo Horizonte. Seu terreno compreende 15 quadras e aproximadamente 2 mil famílias ali vivem. Seu nome é uma homenagem à Rosa Leão, que foi membro das Comissões do Movimento de Luta pela Moradia (MLPM) de Minas Gerais. O nome é um resgate à mulher que foi assassinada ao tentar impedir um homicídio, e havia participado de conquistas como o Conjunto Ubirajara, no final dos anos 1990. Limítrofe com a Esperança, a Ocupação Vitória é a maior delas, com 4.500 famílias. Atualmente é a que mais sofre com a ausência de estrutura e autoridade estatais, como iluminação pública e segurança, tendo o maior índice de violência. Seu nome, assim como as outras comunidades, tem o objetivo de evocar o sentimento de luta, de perseverança e legitimar simbolicamente a conquista de seus moradores. Andando pelas ocupações, as casas de alvenaria
convivem com barracos montados em lona e outras habitações erigidas em madeira. Improvisos criativos são comuns nas moradias, como muros de garrafa pet e pinturas, demonstrando a riqueza subjetiva em meio à vulnerabilidade social. Toda estrutura básica de distribuição de água, luz, pavimentação e coleta de lixo é feita pelos moradores. Cada um, na medida do possível, contribui com cerca de 20 reais mensais para esses gatos estruturais (luz, água, pavimentação, etc). Nas assembleias, há uma espécie de orçamento participativo, onde são definidas as prioridades de melhorias e reformas como que rua será pavimentada primeiro ou consertos elétricos. As três ocupações, unidas em suas reivindicações, são chamadas de “ocupações-irmãs” pelos moradores e todas as negociações junto ao Poder Público são feitas em conjunto. Atualmente, todas as três ocupações possuem mandados de reintegrassão de posse expedidos desde 2014. Contudo, o Coletivo Margarida Alves*, em virtude da ação policial para despejar os moradores, determinada pela juíza Luzia Divina, da 6ª Vara da Fazenda Municipal, apresentou um mandado de segurança. Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, até o julgamento da legalidade de desocupação da área, ações policiais não devem ser utilizadas para esse fim. *
O Coletivo Margarida Alves tem como objetivo “prestar assessoria jurídica popular a movimentos sociais, ocupações urbanas, comunidades tradicionais, coletivos organizados, dentre vários outros grupos que politizam as relações sociais no campo e na cidade.” (http://coletivomargaridaalves.org/)
Ocupação Esperança
Ocupação Rosa Leão
Ocupação Vitória
Entre a Ocupação Vitória e Ocupação Esperança. A erosão impede o acesso de veículos a algumas ruas.
Atualmente, a maioria das habitações é de alvenaria, embora não seja incomum encontrar casas de madeirite e lona. Elas coexistem numa arquitetura criativa.
Em segundo plano, a Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves contrasta com Izidora, lembrando o conflito entre as partes
COTIDIANO
D
urante quatro semanas entre os meses de janeiro e fevereiro de 2016, pude imergir na realidade das ocupações Esperança, Rosa Leão e Vitória. Para documentar o cotidiano dos personagens, mantive uma rotina diária de caminhadas entre Esperança e Rosa Leão: não é exagero afirmar que estive em cada rua dessas ocupações. Durante a estadia, pude tomar conhecimento de realidades severas, como a violência que insiste sua presença na ocupação Vitória – o que impossibilitou um maior aprofundamento no cotidiano dessa ocupação. A vulnerabilidade social a que os moradores estão sujeitos toma forma a cada passo que se dá nas ocupações: não é incomum encontrar famílias inteiras dividindo uma casa que se apresenta em um cômodo, seja de lona, madeira ou alvenaria. Não é raro, também, chocar-se com histórias de pessoas que efetivamente passam fome. A qualquer momento, durante uma caminhada nas ocupações, uma história crua de perda, de dificuldade, de dor pode saltar ao peito do documentarista e não há distanciamento ou imparcialidade que impeça de se colocar no lugar do outro. Contudo, outras histórias também compõem Izidora: durante todos os dias, é comum testemunhar o zelo individual que as pessoas têm com suas casas, contruídas em contexto de luta. Não ser “escravo do aluguel”, como é dito, é mote para diversos sorrisos. Desde a terraplanagem até as paredes, tudo é feito manualmente. Nas ocupações, os moradores não pretendem apenas construir suas casas,
objetivam erigir uma vida digna. Os moradores dividem a mesma realidade e o sentimento de comunidade, de pertencimento, é vivo em cada esquina: vizinhos se cumprimentam aos risos, se ajudam nas constantes reformas estrutrais em suas casas, zelam pelo espaço conjunto e buscam alternativas para melhor viverem. Exemplos disso não faltam, vão da futura construção de uma creche comunitária até o mestre de capoeira que dedica seu tempo para gingar com as crianças, personagens vívidos nas ocupações. De fato, a infância, talvez o maior símbolo de esperança a que nos dispomos, salta nas ruas de Izidora esperando dias melhores.
A rua que liga a quadra 4 à quadra 5, na Esperança, também dá acesso à Ocupação Vitória.
Algumas casas de madeirite, como essa, possuem apenas um cĂ´modo. As avarias relacionadas a vento e chuva fazem dessa cena uma constante.
A chuva derrubou um barranco. Apรณs passar a noite na casa de outro morador, a dona passa o dia retirando a lama da sua propriedade.
Em Rosa LeĂŁo os comĂŠrcios sĂŁo mais abundantes. Casas, varandas e garagens viram bares e mercearias.
Algumas famílias não possuem acesso a água encanada.
Alguns moradores criam animais para sustento prĂłprio. Galinhas e patos sĂŁo os mais comuns.
Durante uma caminhada, o homem encontrou a aranha e a capturou. Segundo ele, ĂŠ uma iguaria quando assada.
Às quartas e sextas o Mestre Baiano dá aulas de capoeira para as crianças da Ocupação Esperança.
Durante as fÊrias escolares as crianças deixavam as ruas repletas de brincadeiras infantis.
GENTE
O
direito à moradia é reconhecido como pressuposto para a dignidade humana pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, desde que foi publicada, em 1948. No Brasil, ele foi rearfirmado pela Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 6º, diz: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
A própria existência das ocupações urbanas questiona a eficácia desse direito. A Região do Isidoro, por exemplo, possui o segundo maior Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) da Região Metropolitana de Belo Horizonte. O IVS complementa o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), focando em indivíduos na linha de exclusão social. Para definir uma situação de vulnerabilidade social, o Estado leva em consideração valores baixos de três índices: infraestrutura urbana, capital humano, renda e trabalho. O Estado brasileiro não consegue garantir todas os direitos sociais estabelecidos por sua Constituição. Em Isidoro, são 8 mil famílias em situação de exclusão social, ou seja, com pouca ou nenhuma infraestrutura urbana, capital humano, e renda e trabalho.
As ocupações não questionam apenas a dificuldade em acessar os direitos sociais, elas surgem como uma alternativa às famílias das camadas mais vulneráveis para participarem das cidades. Izidora possui, por característica, a mobilização constante de seus moradores para viverem e pertencerem aà uma sociedade. Em Izidora, os moradores dividem uma luta, um espaço e um objetivo. As pessoas nas ruas, em suas casas, as mães, os pais, os adultos, as crianças, os trabalhadores, os com ou sem emprego... todos, para além de um teto sobre as cabeças, buscam viver dignamente.
Esperando o vizinho trazer um tatu para o almoรงo, Mรกrcia lembrou dos mais de 20 amigos perdidos durante a vida. Vรกrios deles de forma violenta.
À esquerda e centro: vizinhos na divisa entre a Esperança (esquerda) e Vitória (centro). À direita, em Rosa Leão.