em casa com
Moisés Patrício O artista e babalorixá abre seu generoso sobrado no bairro paulistano do Butantã, onde vive em meio a pincéis, telas, esculturas e fotografias. Ali, ele recebe não só filhos de santo como também sabiás, araras e tucanos atraídos pelo verde ao redor POR MARINA DIAS TEIXEIRA ESTILO ADRIANA FRATTINI FOTOS RUY TEIXEIRA
No ateliê farto em luz natural e obras em andamento, o artista trabalha em telas da série Álbum de Família, e, à dir., em primeiro plano, destaca-se a colorida escultura da série Homenagem ao Mestre Didi, feita com elásticos de cabelo – sobre o sofá, almofadas de Jacqueline Chiabay, na Dpot Objeto, e manta de Paola Müller, na Feira na Rosenbaum
em casa com Pela manhã, a rotina começa com culto aos orixás e cuidados com o jardim. “O que me guia é a filosofia iorubá e o candomblé Ketu, que pensam uma estrutura social para o coletivo”, explica. “Aqui é um recorte desse universo, do qual sou guardião.” Da mesma forma, o dia a dia profissional se liga às divindades, já que Exu, seu pai, e Oxum, sua mãe, relacionam-se com a arte. Peças em andamento ocupam o ateliê, contíguo ao estar. Ali, imponentes telas da série Álbum de Família retratam os integrantes da comunidade do terreiro; no chão, blocos de concreto aprisionam quartinhas de argila – “o encontro da cultura ocidental com a africana”; e milhares de elásticos de cabelo compõem esculturas que falam sobre a força do corpo social, tema transversal a toda sua obra. Os tempos de pandemia se mostraram um período fértil, em que criou “como estratégia de invocar a vida”, nas palavras dele. Até 22 de novembro, Patrício está em cartaz na Galeria Estação, em São Paulo, em sua primeira mostra individual. Representado também pela Galeria Karla Osorio, em Brasília, o artista de 36 anos figura entre os fundadores da 01.01 Art Platform, projeto que promove uma forma consciente e sustentável de adquirir trabalhos contemporâneos, com foco na produção africana e da diáspora. Ele atua com o mesmo afinco na outra ponta, como colecionador. Ao chamar a atenção para a presença da escultura de Lidia Lisboa e de uma gravura de Emanoel Araujo, ambas dispostas na sala entre combinações inusitadas de objetos, faz questão de ressaltar: “Não são ready-made. É magia”. l
Q
uando o morador é filho de Exu, a casa torna-se encruzilhada. Por isso, sempre que chega alguém, o “pai” da residência derrama água de uma quartinha (recipiente ritualístico) de argila na soleira da porta principal, a fim de abrir os caminhos. Do lado de fora, dois coqueiros de mais de 10 m de altura e uma parede vermelha coberta por trepadeiras – um vestígio original da construção secular – dão as boas-vindas. Uma vez lá dentro, a defumação que paira no ar convida a pisar no chão do artista e babalorixá Moisés Patrício e a reverenciar Exu – no candomblé, o orixá da comunicação e da relação social. Um atabaque, palhas, cabaças, máscaras africanas, velas, oferendas e luz vermelha fazem da entrada e saída o lugar sagrado deste lar, frequentado por seus filhos de santo. O espaço funciona como terreiro, ateliê e “microquilombo”, como o próprio dono diz. Tudo ainda tem gosto de novidade: Patrício mudou-se no início da pandemia. Trocou uma travessa da Avenida Paulista pelo Morro do Querosene, no Butantã, zona oeste de São Paulo. O sobrado de três andares e mais de 400 m² abrigava duas casas geminadas, unidas na reforma realizada há 30 anos por um antigo proprietário. A exemplo da parede azul no ateliê, que se confunde com o céu da noite, permaneceram algumas intervenções do ocupante anterior, o artista baiano e amigo Cipriano Souza. A desorientar as visitas, cinco escadas conectam os pavimentos: um par de cada lado e um caracol que leva à cobertura, onde há canteiros de ervas, plantas, hortaliças e até um galinheiro. Sabiás, araras e tucanos aparecem com frequência.
44 casavogue.com.br
As mãos são elementos recorrentes na obra de Moisés Patrício. Na série de fotografias Aceita?, ele estuda o processo de envelhecimento delas
Acima, Patrício segura fotografia de sua autoria; e, no alto, o rack do estar apoia peças de Mônica Carvalho e vaso de Kimi Nii, tudo na Dpot Objeto, com flores da Galeria Botânica, enquanto sofá e pufe receberam mantas de Paola Müller, na Feira na Rosenbaum, as almofadas e a manta entre elas são de Paula Ferber, na Dpot Objeto – no piso, vê-se o djembé, instrumento feito pelo ogan (sacerdote do candomblé) Cleiton Santos especialmente para o terreiro, e, na parede ao fundo, à esq., gravura de Emanoel Araujo
Acima, sobre manta de Paola Müller, fotografia impressa em azulejo da série Aceita?, de Moisés Patrício, parceria com o chef Walter Rosa; à esq., mesa de trabalho com materiais do ateliê; e, no alto, a cozinha, onde são preparadas as refeições e as oferendas para os orixás – um adesivo mexicano que remete ao Dia dos Mortos estampa a geladeira casavogue.com.br 45
em casa com
Além da intensa produção artística, a rotina diária inclui o culto aos orixás e o cuidado com o jardim que abraça a casa e atrai os pássaros
Esculturas de Patrício povoam as paredes desta passagem – o quadro ao fundo é um retrato seu assinado por Panmela Castro. Na pág. anterior, em sentido horário, a partir do alto, à esq.: a cobertura-jardim, no trecho em frente ao quarto, tem vaso de cerâmica de Sérgio J. Matos, na Dpot Objeto, plantas da Galeria Botânica e poltrona Bambina, de Müller e Loschiavo, na Feira na Rosenbaum; a lareira da sala ampara escultura da série Homenagem ao Mestre Didi, candelabros de Paula Juchem, na Dpot Objeto, e escultura de pássaro de Jan Araújo – à frente dela, bancos Escher, de Ricardo Bueno, na Dpot Objeto; canto da cozinha com quadro do pintor baiano Renot, além de mão e cabaça pertencentes ao acervo do morador; os blocos de concreto com quartinhas de argila e pedras são obras em andamento da série Brasilidades 46 casavogue.com.br