Ana Pais Oliveira

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ANA PAIS OLIVEIRA A cor é o assunto

SÃOMAMEDE GALERIA DE ARTE



Junho / Julho 2017 Solução de habitação #8 2016 Acrílico s/ tela 80x280x12cm


A Cor é o Assunto A universalidade na experiência da cor é, sem dúvida, uma utopia. Mais do que interdisciplinar, a cor surge como um elemento sem disciplina, ou difícil de disciplinar. Permanece, continuada e demoradamente, no campo da volatilidade, da incerteza e de uma insistente dicotomia entre o fascínio e a própria negação do seu valor na arte. Como nos diz David Batchelor, a cor está em tudo, mas também é independente de tudo. Ou promete e ameaça a independência. Será muito diferente trabalhar sobre a cor ou com a cor, manipulando-a, agarrando-a com as mãos e experimentando. Podemos fazê-lo, ainda, sem estar a pensar nisso, ou sem lhe dar a devida importância. Mas também podemos fazer da cor o trabalho, o assunto, reconhecendo-a e usando-a, assumidamente, como elemento autónomo que constrói o trabalho. Este é o meu caso. Até hoje, e desde que pinto, por muito que tenha gravitado em torno de outros interesses, a cor foi sempre uma preocupação central e o elemento visual e expressivo pelo qual desenvolvi alguma obsessão. A experimentação foi continuada, a procura de um entendimento físico das suas possibilidades foi o caminho que se fez, fazendo, caminhando. Descobri que uma atenção à recusa da cor pode implicar a assunção do seu valor, ou pelo menos a revelação de que essa atenção existe. E a recusa da cor, a cromofobia de que fala Batchelor a respeito de um extremo preconceito desenvolvido na Cultura ocidental, desde a Antiguidade, e que permanece nos dias de hoje, caminha ao lado da utilização da cor nos lugares e contextos mais inesperados. De facto, esta negação do valor, significado e complexidade da cor justifica-se, segundo o autor e artista, pelo entendimento da cor como fazendo parte de um corpo exterior, geralmente o feminino, o oriental, o primitivo, o infantil ou o patológico; ou pelo relegar da cor para o campo do superficial, suplementar, desnecessário ou cosmético, uma qualidade secundária da experiência. E, ainda hoje, parece permanecer a crença, muitas vezes não falada nem questionada, de que a seriedade na arte e na cultura é uma questão a preto e branco. No entanto, poderíamos equilibrar essa associação da cor a um campo inútil, decorativo, excessivo ou excêntrico com a defesa de que a cor é, hoje, usada de modo mais arrojado e livre do que alguma vez aconteceu. Para além disso, é possível reconhecer que a cor teve uma presença muito mais significativa em alguns momentos da

história, nomeadamente em exemplos contemporâneos, do que aquilo que está documentado ou reconhecido. É neste contexto que a importância do conceito, reconhecido como essencial no percurso de determinados artistas, foi algumas vezes intercalada ou intercetada por momentos de prazer visual que derivaram de um uso profuso e privilegiado da cor. E se a cor é, então, algumas vezes associada a algo acessório, meramente visual ou que nos desvia da real função da obra de arte, intriga-nos que ela tenha assumido uma efetiva importância no trabalho de artistas como Sol LeWitt, Dan Graham ou Sherrie Levine. Um artista como Donald Judd também demorou a ser reconhecido como um dos grandes coloristas do século XX e ele próprio afirmou, em 1963, que a coisa mais interessante em Warhol é a cor. A própria Sherrie Levine afirmou: “I think of myself as a colorist, and people laugh when I tell them that, but it’s true.” Talvez o reconhecimento da artista como colorista, ou centrada em questões sensoriais da obra de arte, tenha sido colocado de parte devido ao foco no rigoroso conceptualismo do seu projeto. Fica, aqui, a sensação de que existe um preconceito impeditivo da associação entre uma arte assumidamente conceptual e o uso profuso e expansivo da cor. No caso de Sol LeWitt, existe essa antítese entre o seu posicionamento conceptual e o fascínio que ele tinha pela cor. No entanto, talvez não exista, simplesmente, contradição nenhuma. Talvez surja a evidência de um novo paradigma em relação à abordagem da cor, que deixou de ser vista como um veículo emocional, subjetivo, espiritual e associado a uma duradoura tradição teórica, passando a ser utilizado tal como ela é: a cor a não ser mais do que ela própria. A cor, depois de ter sido considerada como a maior irrelevância da arte e de a sua rejeição se ter manifestado de modos distintos até aos dias de hoje, terá talvez sido a primeira a reagir e salvar-se a si mesma, caminhando no sentido da autonomia e da experiência. Muito haveria a escrever sobre isto, mas esta exposição é para ver e, talvez, olhar para a cor como uma espécie de êxtase, como afirmou Roland Barthes. A cor surge, aqui, como um elemento autónomo capaz de transformar o espaço, a composição e a nossa percepção, um veículo poderoso na função de captar a atenção, estimular os sentidos e dar a ver.


Heavy drawing 2017 Técnica mista s/ cartolina 50x70cm

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The three tree houses #1 2016 Acrílico s/ tela 60x60cm

ANA PAIS OLIVEIRA Nota Biográfica Nasceu em 1982, Vila Nova de Gaia, vive em Arcozelo e trabalha em Espinho. É licenciada em Artes Plásticas – Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto (2005) e doutorada em Arte e Design – Pintura pela mesma faculdade (2015), com o projeto A cor entre o espaço pictórico e o espaço arquitetónico: processos relacionais nas práticas artísticas contemporâneas. Encontra-se em residência artística no FACE – Fórum de Arte e Cultura de Espinho, desde abril de 2016. É membro colaborador do núcleo de investigação em Arte e Design no Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade e integra o projeto de investigação Modelos de Ensino e de Investigação em Pintura (2014-2019). Foi bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) entre 2011 e 2015. É também membro do AIC Study Group on Environmental Colour Design e da APcor – Associação Portuguesa da Cor. Fez parte da seleção portuguesa para a Bienal Jovem Criação Europeia 2013/2015, itinerante por nove países europeus, foi selecionada para a XV Convocatória da Galeria Luis Adelantado em Valencia (2013) e venceu o Kunstpreis Young Art Award <33 [colour] da Galeria Art Forum Ute Barth em Zurique, Suíça, onde expôs individualmente no Verão de 2014. Foi nomeada, entre 30 artistas de vários países, para o Pegase International Art Award, Genebra, Suíça. Foi também selecionada para a longlist do Solo Award 2016 / London Art Fair 2017, promovido pela Wilson Williams Contemporary Art Gallery, Londres.

Obteve o Prémio Aquisição dos Amigos da Biblioteca-Museu de Amarante na 9ª Edição do Prémio Amadeo de Souza-Cardoso (2013), o 1º Prémio Aveiro Jovem Criador (2009), o 1º Prémio Engenho e Arte (2009), o 3º Prémio no 1º Prémio Jovem de Artes Plásticas da Figueira da Foz (2009), o 1º Prémio Arte XXI 10 (2009) e o 1º Prémio Eixo Atlântico na VIII Bienal Eixo Atlântico do Noroeste Peninsular (2008). Entre as principais exposições destacam-se as individuais O Bairro, no Fórum da Maia (2016); Pintura fora de si (ou algumas soluções de habitação), no Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso em Amarante (2015), Sedução em Erro, na Galeria S. Mamede em Lisboa (2014) e as coletivas Uamo Art Festival, Einstein Kultur, Theater Musik Wort Bild, Munique (2016), Kunst Zürich Art Fair 15, Stand Art Forum Ute Barth, Zurique, Suíça (2015), #Best of... 20 Jahre, Art Forum Ute Barth, Zurique (2015) e Arte & Negócios 2015, projeto com a organização da We Art, Agência de arte, Porto Business School, Porto (2015). Participa regularmente em conferências e seminários, tendo recentemente apresentado o seu trabalho em conferências em Génova, Newcastle, Valencia, Lisboa, Monção e Porto. A sua obra está representada nas coleções da Fundação Focus-Abengoa (Sevilha), Banco BPI, Eixo Atlântico, Casa da Cultura/Casa Barbot, Grupo Nautilus, Museu Municipal de Espinho e Museu Municipal de Amarante.

Texto Ana Pais Oliveira • Fotografia Ana Pais Oliveira, Floriano Morgado e Telmo Sá • Grafismo Galeria São Mamede • Impressão Gráfica Vilar do Pinheiro • Tiragem 300 exemplares



R. MIGUEL BOMBARDA, 624 4050-379 PORTO TEL/FAX +351 226 099 589 M +351 934 388 500

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R. ESCOLA POLITÉCNICA, 167 1250-101 LISBOA TEL +351 213 973 255 FAX +351 213 952 385

Solução de habitação #7 2016 Acrílico s/ tela 80x250x12cm

Heavy drawing #34 2017 Técnica mista s/ cartolina 50x70cm

SÃOMAMEDE GALERIA DE ARTE


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