ARMANDA PASSOS OS OUTROS
SÃOMAMEDE GALERIA DE ARTE
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O ESPELHO DOS OUTROS José Luís Peixoto
São uma multidão. Depois de ver pela primeira vez, seguidas, as figuras que constituem este conjunto, a memória mistura-as. A qual pertence o chapéu que recordo? Não sei dizer, foram-me apresentadas demasiado depressa. Preciso de regressar a cada uma delas, examiná-la com tempo e detalhe. Preciso de compará-las entre si. Ao fazê-lo, dou-me conta de que propõem um código. São constituídas por um número circunscrito de elementos. As diversas combinações sugerem diversidade, mas a repetição de elementos afirma a coerência interna de um mundo, uma lógica a decifrar. Talvez fosse possível desencaixar os braços de uma e colocá-los noutra; talvez pudesse experimentar várias pernas numa destas personagens. Essas mudanças implicariam alterações de identidade, mas tenho a impressão de que não faltaria capacidade de encaixe. Os próprios rostos parecem ter sido assentes ali, são como máscaras. Assim, até os rostos poderiam ser intercambiados. Nesse caso, claramente, seriam outros. Se agora são os outros, conforme indicado pelo título deste conjunto de obras; passariam a ser os outros outros. Em qualquer dessas circunstâncias, reconheço um código, tento interpretá-lo. Tratam-se de imagens antropomórficas, o que está a ser dito refere-se ao ser humano. Talvez a subjetividade do humano seja comparável à das cores. Talvez também a sua objetividade seja dessa natureza. O que posso entender destes vermelhos? As cores são caracteres como as letras, edificam uma linguagem. E o dourado? A que ouro se refere? As roupas, estilizadas, são uma convenção social, parecem dar eco de uma misteriosa hierarquia. Como se tivessem funções diferentes, como se ocupassem postos de importância variável.
Tal sofisticação organizativa, deixa antever a complexidade do mundo de que chegam. Ao mesmo tempo, por outro lado, para lá dos rostos/máscaras, as áreas de pele que deixam a descoberto são limitadas: os braços, as mãos, os pés, o pescoço, os ombros, o colo do peito às vezes. Fixo os seus olhos amplos à procura de respostas. São personagens andrógenas, femininas e masculinas, grossas. Com a mesma ambiguidade, as suas posturas definem-nas. Em certas ocasiões, seguram pequenos objetos entre os dedos, o que será? São objetos minuciosos, pequenos, com alguma utilidade no seu mundo. A forma das mãos é extraordinária, também um sistema de sinais? E os animais que as acompanham: poderoso elemento destas obras. São sobretudo aves, algumas cobras, alguns aparentes mamíferos. A relação que existe entre estes animais e as figuras centrais é marcante para estas, faz toda a diferença no modo como as entendemos. Especulo: e se os animais são a materialização de algo invisível? Considero alguns e sou capaz de imaginá-los como metáforas: o medo, a incapacidade, os equívocos, o passado, etc. Os animais são algo que existe, não podemos fingir que não os vemos. Além disso, temos de aceitar que flutuem de asas fechadas, mesmo que a sua constituição, sólida e compacta, pareça não lhes permitir voar. Ocupam um espaço branco, sem tempo, para lá dessas condicionantes. São uma alegoria gráfica do humano, do mundo. E se todas estas figuras se referirem a uma única personagem, um único ser em momentos diversos, visto de múltiplas perspetivas, a ser parte de uma única história? E se for eu, o meu reflexo, o reflexo de cada um de nós? Escreveu Clarice Lispector: “Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu. Entendi então que já tinha sido os outros e isso era fácil. Minha experiência maior seria ser o outro dos outros: e o outro dos outros era eu.”
OS OUTROS “Aqui volto-me para uma diferente humanidade, a que chamo OS OUTROS. Tenho a esperança que um dia circulem entre nós. São guardiões de animais.” Armanda Passos
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Representada em colecções privadas e públicas, entre as quais: Fundação Calouste Gulbenkian - Centro de Arte Moderna, Lisboa; Fundação de Serralves Museu de Arte Contemporânea, Porto; Fundação Champalimaud, Lisboa; Fundação Museu do Oriente, Lisboa; Secretaria de Estado da Cultura - Direcção Regional da Cultura do Norte; Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado, Lisboa; Museu da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto; Museu Nogueira da Silva, Universidade do Minho, Braga; Museu Amadeo de Sousa-Cardozo, Amarante; Museu Martins Sarmento,
Guimarães; Museu Abade de Baçal, Bragança; Museu Pio XII, Braga; Tesouro-Museu da Sé de Braga; Museu dos Biscaínhos, Braga; Museu de Arte Sacra e Arqueologia do Seminário Maior do Porto; Cabido da Sé Catedral do Porto, Tesouro da Sé; Museu de Arte Sacra de Arouca, Mosteiro de Arouca; Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, Coimbra, DRCC; Museu de Arte e Arqueologia de Viana do Castelo; Museu Municipal de Penafiel; Museu Municipal de Coimbra; Museu Municipal de Tomar, Colecção José-Augusto França; Museu Quinta de Santiago, Matosinhos; Museu de Aveiro; Museu do Douro; Museu de Lamego; Museu de Chaves; Museu Francisco Tavares de Proença Júnior, Castelo Branco; Casa-Museu Teixeira Lopes, Vila Nova de Gaia; A Casa de José Saramago, Lanzarote; Casa Fernando Pessoa, Lisboa; Casa Camilo, S. Miguel de Seide; Museu Antoniano, Câmara Municipal de Lisboa; Museu de São Roque, Lisboa/ Santa Casa da Misericórdia; Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade do Porto; Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; Biblioteca Municipal Florbela Espanca, Matosinhos; Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional Porto; Fundação Júlio Resende, Gondomar; Fundação D. Luís, Cascais; Fundação Casa de Mateus, Vila Real; Fundação da Juventude - Casa da Companhia, Porto; Colecção Millennium BCP, Lisboa; Hospital Geral de Santo António, Porto; Ordem dos Médicos, Lisboa e Porto; Reitoria da Universidade do Porto; Reitoria da Universidade de Coimbra; Palácio de Belém, Lisboa; Palácio da Justiça, Tribunal da Relação do Porto; Palácio da Justiça, Tribunal da Relação de Coimbra; Supremo Tribunal da Justiça, Lisboa; Tribunal de Contas, Lisboa; Tribunal Constitucional, Lisboa; Procuradoria-Geral da República, Lisboa.
Legenda de todas as obras que integram a exposição: Sem Título (série OS OUTROS), 2018 Guache sb papel 31,5x23,5cm (s/ moldura) e 87x72cm (c/ moldura)
Texto José Luis Peixoto | Fotografia Fabíola Valença Grafismo Galeria São Mamede | Impressão Gráfica Vilar do Pinheiro | Tiragem 300 exemplares
Armanda Passos - Nota Biográfica. Nasceu no Peso da Régua, em 1944. Licenciou-se em Artes Plásticas pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Foi monitora de Gravura na ESBAP (1977-79) na cadeira de Ângelo de Sousa. Premiada pelo Ministério da Cultura em 1984. Participou em diversas exposições individuais e colectivas. Representou Portugal em bienais internacionais. Expõe desde 1976. Vive e trabalha no Porto na Casa-Atelier projectada pelo Arquitecto Álvaro Siza. No ano do seu Centenário a U.Porto dedicou duas exposições a Armanda Passos, uma na Casa Andresen e outra no edifício da Reitoria. Também nas comemorações dos 50 anos do Palácio da Justiça, o Tribunal da Relação do Porto distinguiu a Pintora passando a ficar representada no átrio da Sala de Audiências. Sobre a sua obra escreveram Fernando Pernes, Joaquim Matos Chaves, Mário Cláudio, José Saramago, Vasco Graça Moura, António Alçada-Baptista, David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, Arnaldo Saraiva, Eduarda Chiote, Armando Silva Carvalho, Álvaro Siza, Fernando Guimarães Eduardo Prado Coelho, Lídia Jorge, Mia Couto, Adília Lopes, Isabel Pires de Lima, Miguel Cadilhe, António Barreto, Luís de Moura Sobral, Sylvie Deswarte-Rosa, Raquel Henriques da Silva, José Augusto-França, entre outros. A galeria que expõe com regularidade desde 1986 é a Galeria São Mamede.
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www.saomamede.com galeria@saomamede.com Maio/2019
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