Ana Pais Oliveira

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ANA PAIS OLIVEIRA Seduテァテ」o em Erro

SテグMAMEDE GALERIA DE ARTE



Abril / Maio 2014 Bairro desocupado 2014 AcrĂ­lico s/ tela 100x140cm


SEDUÇÃO EM ERRO A expressão surgiu tão errada quanto surpreendente e, dado o contexto, foi uma invenção quase perfeita: numa aula de dança, há anos atrás, o nosso professor repreendeu o meu par, durante uma sequência coreográfica, afirmando que ele me estava a seduzir em erro. Como estávamos a dançar rumba, a dança da sedução, fiquei a pensar em como se podia falhar tão bem. Há, efetivamente, um conjunto de novas possibilidades e de definição de recomeços em cada erro ou no ato de falhar. Se o medo de falhar se aliar a uma ditadura de palavras, ações, intenções e desejos, a possibilidade para a liberdade perde-se no caminho. Podemos pensar que tudo está feito, mas também que tudo está por fazer, num contexto de multiplicidade e de ausência de qualidades definitivas e irrepreensíveis. Passados estes anos surgiu uma necessidade quase urgente de me apropriar deste episódio e do seu potencial metafórico para falar do meu trabalho de pintura. Percebi que a expressão continha, em si mesma e no modo como, à partida, falha e erra, duas questões fundamentais do meu trabalho: a intenção de seduzir e o aproveitamento de um processo de tentativa e erro e de experimentação continuada para a construção da imagem. O elemento aglutinador destes dois aspectos é a cor como sujeito e como experiência, uma experiência física, prática, do ato de fazer e experimentar, de aproveitamento efetivo e afetivo do erro e da incerteza, do uso da intuição numa plataforma de compatibilidade com um ciclo de pensamento/ação e informação/transformação. A cor, aqui, é pouco mais do que ela própria e, por essa mesma razão, determina o processo criativo, compõe o trabalho, orienta a sua gestão e construção, transforma significativamente o espaço, a paisagem e a gramática da arquitetura, servindo-se de um processo relacional para determinar os resultados perceptivos e de interpretação da imagem. Aliás, este interesse pelo potencial transformador da cor e pelo conjunto de relações e tensões a que a identidade da cor está sujeita vem confirmar um processo de valorização da experiência física e sensorial da obra, de sedução para o erro. Depois de várias soluções erradas, há sempre uma que valida todas as anteriores, que lhes atribuí significado e imprescindibilidade. Há um processo absolutamente condicional e interdependente em relação a um momento inicial, que pode ser uma mancha de azul intersectada por quatro linhas da geometria errada e disfuncional de uma casa vermelha. A casa é o lugar por excelência, um elemento arquitectónico que reflete a fragilidade do ser humano: como também vive e morre, a

segurança que nos dá não é inviolável ou perene. No meu trabalho, a casa é desconstruída, impossível e quase sempre aberta, atravessada por elementos que perturbam a sua convencional funcionalidade, acentuando a ausência, o vazio e o silêncio. Podemos pensar se o que nos faz sentir em casa são quatro paredes, um contexto, as nossas coisas ou uma mera sensação de calor e conforto. Mas apesar de um crescente desenraizamento aos nossos lugares de eleição, numa procura apressada de qualquer coisa, a casa é sempre o nosso lugar, “o nosso canto do mundo”, como nos diz Gaston Bachelard. Nesta exposição, todas as casas podem ser as nossas e seduzem-nos para uma experimentação sensorial, física e afetiva de lugares que achamos que conhecemos e onde nos poderíamos sentir bem. Podem não existir, mas estão aqui. Sedução em Erro apresenta, assim, um conjunto de trabalhos onde a cor errada, que engana continuamente, que ilude e que é volátil, é o elemento visual e expressivo protagonista de objetos de pintura que, de algum modo, se apropriam de elementos da arquitetura ou que assumem uma mais evidente qualidade e dimensão arquitectónicas. Daqui surge uma intenção de distender a pintura para o espaço real, explorando distintos mecanismos de contaminação entre o espaço pictórico e o espaço arquitectónico, incorporando especificidades formais e estruturais da arquitetura em objetos que são sempre e primeiramente pintura. Na dicotomia entre espaço geométrico e espaço aberto da paisagem, ou na sua interação, existe um exercício de intertextualidade: a pintura cita a arquitetura, querendo igualmente sair dela própria através de uma derivação para um campo tridimensional, o que pode começar na definição do próprio suporte e no modo como este se relaciona com o espaço expositivo, diluindo fronteiras. A arquitetura pode, assim, traduzir-se num objeto de arte de pequena escala ou na orientação da obra de arte para uma escala arquitectónica, ocupando o espaço. Pretendo pensar como relacionar espaço, escala, limites, matéria, construção e habitabilidade num mesmo objeto, manipulando estes conceitos através da intertextualidade da própria cor: a sua capacidade de ser e de se comportar de modos distintos em diferentes espaços e contextos, evidenciando uma vulnerabilidade intrínseca ao carácter mutável da sua expressão, organização, identificação e orientação. O discurso da cor constrói-se através da prática, da experiência e no ato de fazer coisas e, bem vistas as coisas, é possível fazer. Ana Pais Oliveira Abril de 2014


De uma forma muito clara #2 2014 80x110x10cm (díptico) Acrílico sb tela

De uma forma muito clara #1 2014 80x110x10cm (díptico) Acrílico sb tela



Desired Shelter #3 2011 Acrílico e colagem s/ tela 70x70cm

Desired Shelter #2 2011 Acrílico e colagem s/ tela 70x70cm

Ana Pais Oliveira - Breve nota biográfica Ana Pais Oliveira (Vila Nova de Gaia, 1982) é licenciada em Artes Plásticas – Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto (Julho de 2005), onde frequenta atualmente o doutoramento em Arte e Design com o projeto Mecanismos de contaminação entre o espaço pictórico e o espaço arquitectónico nas práticas artísticas contemporâneas: o papel da cor. É membro colaborador do núcleo de investigação em Arte e Design no Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade e bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). É também membro do AIC Study Group on Environmental Colour Design desde Julho de 2013. Foi oradora convidada para o Ciclo de Conferências A Cor Entre Formas, organizado pelo Mestrado Integrado em Arquitetura da Universidade Lusófona do Porto, onde participou com a conferência Paisagem e Cor no Processo Criativo da Pintura, a 26 de Abril de 2012. Obteve, em 2003, uma bolsa de mérito atribuída pela F.B.A.U.P. e venceu, em 2007, o Prémio Engenheiro António de Almeida para a melhor licenciatura em Pintura do ano lectivo de 2004/2005. Participou em diversas exposições colectivas e expõe individualmente desde 2006.

Faz parte da seleção portuguesa para a Bienal Jovem Criação Europeia 2013/2015, itinerante por nove países europeus e está entre os 50 finalistas do Prémio Internacional de Artes Plásticas Obra Abierta de Caja de Extremadura 2014, Plasencia. Vencedora do Kunstpreis Young Art Award 2014 da Galeria Art Forum Ute Barth em Zurique, obteve também o Prémio Aquisição dos Amigos da Biblioteca-Museu de Amarante na 9ª Edição do Prémio Amadeo de Souza-Cardoso (2013), o 1º Prémio Aveiro Jovem Criador (2009), o 1º Prémio Engenho e Arte – Melhor Trabalho Nacional (2009), o 3º Prémio no 1º Prémio Jovem de Artes Plásticas da Figueira da Foz (2009), o 1º Prémio Arte XXI 10 (2009), o 1º Prémio Eixo Atlântico na VIII Bienal Eixo Atlântico do Noroeste Peninsular (2008) e o 1º Prémio de Pintura Estoril Sol (2006). A sua obra está representada nas coleções da Fundação Focus-Abengoa (Sevilha), Banco BPI, Grupo Lena Construções, Eixo Atlântico, Casa da Cultura/Casa Barbot, Museu Municipal de Espinho e Museu Municipal de Amarante.

Galeria São Mamede

Luísa Soares de Oliveira • Impressão

• Tiragem 300 exemplares


R. MIGUEL BOMBARDA, 624 4050-379 PORTO TEL/FAX +351 226 099 589 M +351 934 388 500

www.saomamede.com galeria@saomamede.com

R. ESCOLA POLITÉCNICA, 167 1250-101 LISBOA TEL +351 213 973 255 FAX +351 213 952 385

na capa: Entrada privada 2014 Acrílico s/ tela 80x290x8cm (políptico c/ 6 telas)

Neighborhood #5 2013 Acrílico s/ tela 120x200x6cm (políptico c/ 7 telas)

SÃOMAMEDE GALERIA DE ARTE


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