Catarina Patrício

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CATARINA PATRÍCIO Two days before the day after tomorrow

SÃOMAMEDE GALERIA DE ARTE



Maio / Junho 2015 04. Como deixei de me apoquentar e adorei a Bomba #2 Grafite e tinta sb papel, 150 x 92 cm, 2012


«Em cada desenho uma série de linhas se cruzam, criando

geógrafos ou dos economistas, que a faz variar e avariar. Tal

uma efabulação permanente. O método que preside a estes

linha pode ser destruída, mas não pode ser anulada.

efeitos é difícil de apreender. O interesse de Catarina Patrício

Não por acaso, no desenho o que é constrangido a superar-

pelo cinema ressalta do cinematismo contido, prestes a

se a si mesmo até ao infinito, deparamos com o mesmo

explodir em cada uma das imagens, quase todas “desviadas” de

procedimento de associação. Travessando a linha ver tical do

filmes cuidadosamente escolhidos, de cineastas como Kubrick,

desenho, uma carcaça esventrada com as vísceras à mostra;

Dreyer, Tarkovsky, Muybridge que surge insistentemente nesta

na linha horizontal, o interior da Estação Espacial do Solaris

série. Mas a própria lógica do desenho dispensa a montagem,

de Tarkovsky, com um vulto humano no interior. E de imediato

mesmo que esta possa estar subterraneamente presente;

irrompe uma estória sobre o interior, o da máquina e do

também a colagem com a qual tem algumas similitudes

corpo; a enorme violência que sentimos quando a pele se

acaba por ser anulada pela sobreposição de desenhos

rompe, por ter falhado, originando uma extrusão do que

de desenhos, onde as imagens saem transformadas por

deveria estar protegido, mas essa falha sempre presente, por

diferenças de escala, aumentos e diminuições inesperados,

exemplo na doença ou no envelhecimento, derrama-se sobre

pela gama de negros e de grisailles, etc. Talvez seja com os

o interior da máquina, com inúmeros botões e controles,

combines de Rauschenberg que a afinidade é maior, embora

mostrando a fragilidade de todo o envolver e de todo o

Catarina Patrício nos remeta para o método do cut-up de

envelope. O esviceramento apenas acelera algo que corrói

Burroughs e Gysin, que fragmentam e remontam textos (e

desde dentro, desdobra a linha compacta das vísceras que

sons) de maneira a “cor tar as linhas de associação” em que se

resultou da “fita” biológica inicial, tal como a fileira de botões

fundamenta o controle, a repetição. Estando evidentemente

e máquinas, são “humana”. Através desta linha reúnem-

presente a operação de cindir, separar, justapor, a série Arche-

se imagens que contam uma estória sobre a debilidade da

fóssil desenvolve outra estratégia. De facto, cor tar as linhas

história, tanto mais fraca quanto mais absoluta e inevitável se

de associação que criam as estórias repetitivas e tristes que

pensa. O espaço do desenho onde isso se pode ver fica fora

caracterizam história, implica antes de mais revelar a própria

da Terra e das guerras em torno dela.

linha, dar conta da sua necessidade. Mais ainda, é evidente

Mas é a Terra que exige outra história e outras fábulas. Nesta

que desde que se trace algo, que se junte seja o que for, se

série de Catarina Patrício, a Terra é sempre vista ao longe, mas

recompõe a linha, ou se descobre que a linha está ao trabalho,

é em torno dela que vogam todas as imagens e sons, dinheiro

inexoravelmente. […]

e poder, guerra e desejo. A linha que originam parece caótica.

Percebe-se, melhor, o fascínio exercido por Kubrick, ele

Mas não é à ar te que compete prosseguir a linha e salvá-la?

reinventa a linha, como faz todo o ar tista, como fazemos

Não é esse o trabalho do desenho?»

todos. Ao aproximar uma imagem do paleolítico - a do osso -, com uma imagem do futuro, a da astronave, cria uma linha que faz variar as linhas cristalizadas dos historiadores ou dos

José Bragança de Miranda, “A Linha da Terra” in O Resto e o Gesto: Desenhos para o Século XXI. Patrício, C. (org.) 2014. Colecção Cadernos do Côa nº 8. Fundação Côa Parque - Fundação para a Salvaguarda e Valorização do Vale do Côa. ISBN: 978-989-98329-2-3


02. O que ĂŠ constrangido a superar-se a si mesmo atĂŠ ao infinito Grafite e tinta sb papel, 150 x 92 cm, 2014

01. Arche-Fossil Grafite e tinta sb papel, 150 x 92 cm, 2014



06. Como deixei de me apoquentar e adorei a Bomba #4 Grafite e tinta sb papel, 150 x 92 cm, 2012

CATARINA PATRÍCIO Nota Biográfica Catarina Patrício Leitão, artista plástica nascida em Lisboa, em 1980, investiga na área da Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias e é Professora na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT). Licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (2003), estudou fotografia e xilogravura na Fachhochschule Bielefeld, na Alemanha (2000). Em 2008 concluiu o Mestrado em Antropologia dos Movimentos Sociais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde se Doutorou em 2014 em Ciências da Comunicação, com uma investigação financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Actualmente desenvolve um programa de trabalhos em teoria e prática das artes, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian.

A sua obra está representada em diversas colecções particulares em Portugal e no estrangeiro, assim como no Instituto Amaro da Costa, na Fundação Engenheiro António de Almeida, na Fundação Côa Parque e na Colecção de Dietrich Mateschitz (Fundador da Redbull). Do seu percurso, destacam-se as seguintes exposições: “O Resto e o Gesto”, Catarina Patrício com Alexandre Farto e Paulo Lisboa, direcção e autoria de projecto de Catarina Patrício, Museu do Côa, Vila Nova de Foz Côa, 2014 (apoio pontual DGArtes 2014); “A ciência do Desenho”, Casa da Cerca, Almada 2012; “Pavilhão de Portugal”, colectiva comissariada por Lioba Reddeker, Hangart-7, Salzburg, 2009.

Grafismo Galeria São Mamede • Texto José Bragança de Miranda • Fotografia Ricardo Geraldes • Impressão Gráfica Vilar do Pinheiro • Tiragem 300 exemplares


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na capa: 07. Como deixei de me apoquentar e adorei a Bomba #5 Grafite e tinta sobre papel, 150 x 92 cm, 2012

01. Primeiro como tragédia, depois como farsa Grafite e tinta sobre papel, 100 x 86 cm, 2010

SÃOMAMEDE GALERIA DE ARTE


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