MÁRIO CESARINY Um grande inventor de pintura
SÃOMAMEDE GALERIA DE ARTE
Mário CESAriny
09. S/ Título 1957 Técª mista sb tela 70 x 100 cm
Um grande inventor de pintura
SÃOMAMEDE GALERIA DE ARTE
capa: 01. Mais nobre que a fábula 1971 Têmpera sb papel colado sb tela 49 x 67 cm
Passagem de Mário Cesariny Reuniu em boa hora a Galeria S. Mamede — que foi a galeria histórica do artista responsável por algumas das suas mais marcantes exposições ainda na década de sessenta — um conjunto muito significativo de obras de Mário Cesariny que compõem uma mostra de rara coerência e permitem rever, fora de um contexto de museu, pinturas da maior importância, algumas das quais haviam sido já expostas pela galeria há várias décadas: Rever a obra de Mário Cesariny entre as décadas de 60 e 70 é hoje uma oportunidade rara, e sobretudo quando, como no caso, todas são de excepcional qualidade. Mário Cesariny, genial poeta, mas também pintor de surpreendente capacidade de invenção plástica, realizou uma obra em que se inventa uma imagética brutalista/informalista marcada pelo uso da collage e da frottage, original no contexto da arte portuguesa e mesmo se comparada com a realidade artística europeia. Afirmada contra toda a retórica do acto de pintar, procurando uma via de libertação do gesto em sentidos de vária e consequente experimentação, a sua obra revela-se através de uma pintura gritante, entre valores de abstracção radiante e de figuração anti-pictural e anti-retiniana, como se decorrendo de um grau-zero da expressão, livre de compromissos formais, de algum modo comparável às propostas de um Wols (1947) e de um Asger Jorn (1948). Em 1949, o artista, que não podia conhecer as invenções dos seus contemporâneos europeus, eles mesmos ainda quase desconhecidos nos respectivos meios, seria o inesperado autor de uma série intitulada “Acasos objectivados”, formas imprevistas que trouxeram à arte portuguesa uma capacidade de invenção plástica e onírica e de relação com o acaso, bem como de a investigar a partir já não das regras de um ofício convencional, mas de uma abordagem poética experimental, que acolheu acasos e se debruçou sobre o mais radical não-visível, produzido através de cores saturadas e tantas vezes solares, de contrastes violentos rompendo os limites do chamado “bom gosto” para evidenciar a soberania da sua primordial afirmação poética. Primitiva, em sentido lato, ela decorre de um grau-zero da expressão, livre de quaisquer compromissos formais para com os movimentos vigentes, ainda que sempre animada pela fada encantada do farol surrealista. Em inícios de 1940, em França, só Bazaine e Charles Lapicque, do grupo des Jeunes Peintres, se ousavam medir com o informal. Foi preciso pois esperar pela violência incontida de um Fautrier
para ver a pintura de cavalete esboroar-se em figuras de martírio e de excepção. E com a chegada, em 1944 das artes de Dubuffet à Paris recém-liberta, é que o primeiro claro sinal de desfiguração e de raiva atingiria finalmente de uma nova situação o coração da pintura europeia em moldes que não se haviam, até então, previsto. Depois chegaram Wols (1947) e Jorn (1948). E se Portugal figurasse no mapa-mundi da arte europeia deste século, a estes nomes se juntaria decerto o de Mário Cesariny. Porque logo em 1949 insistia em “Acasos objectivados”, formas imprevistas, formas ainda a vir que em 58 levariam Raul Leal a escrever: “...sendo deveras irritante que críticos incompetentes, valendo-se acintosamente da sua boa e fácil situação na Imprensa, procurem diminuir (...) o incontestável valor desse belo artista português”. O que, portanto, Mário Cesariny trouxe à arte portuguesa — e partindo do princípio sensato de que toda a arte avança por contributos individuais que lhe alargam, mais ou menos generosamente, o campo — foi, antes de tudo, uma capacidade determinante de sonho e de relação com o acaso. E, depois, uma capacidade de a investigar a partir não das regras de um ofício convencional, mas de uma abordagem estritamente poética. O que, nos anos quarenta em que começou, não era de todo bem visto. Por aí também é que ele começou por influenciar uma série de importantes artistas portugueses que, de outro modo, e sem a coragem desse exemplo, não se teriam acercado: António Areal, Paula Rego, entre outros. A medida de um pintor é também a da sua influência. A de Mário Cesariny ainda hoje a veremos, se atentos, em Lapa e outros mais recentes. Foi Mário Cesariny buscá-la para si por sua vez — sobretudo para aquelas magníficas “linhas de água” e no que toca a um certo ambiente de sonho e de distância ainda tingida por um clima simbolista — a Arpad Szènes, seu amigo. E foi por aí também que começou por influenciar uma série de importantes artistas portugueses que, como atrás referi, e sem a coragem desse exemplo, não se teriam acercado: Areal, Paula Rego, entre outros. Quando hoje, e à distância do tempo, muitas décadas volvidas, olhamos para as obras deste grande Artista, apercebemo-nos com surpresa da sua verdadeira grandeza. Uma grandeza e uma originalidade que o tempo só tornou mais visível. Bernardo Pinto de Almeida
Fevereiro / Março 2014 03. Ele é a afeição e o presente 1971 Têmpera sb papel colado sb tela 68 x 48 cm
12. S/ Título n/d Acrílico sb madeira 97,5 x 68,5 cm
04. Animais de uma elegância fabulosa 1971 Têmpera sb papel colado sb tela 70 x 50 cm
08. Merece a tua morte n/d Acrílico sb papel colado em madeira 52,5 x 41,5 cm
07. Dar a volta ao Mundo 1994 Tecª mista sb papel colado sb madeira 80 x 49 cm
02. Rumeurs de Villes 1968 Aquamoto sb papel colado em platex 57,5 x 37,5 cm
11. Orlando n/d Acrílico sb papel colado em madeira 63 x 49 cm
16. Cadavre Exquis (c/ Mário Botas) 1974 Acrílico sb papel colado sb tela 46 x 33 cm
10. KipghĂŠzia n/d AcrĂlico sb papel colado sb madeira 60 x 51 cm
15. A Princesa n/d Acrílico sb madeira 43 x 40 cm
14. A Casa do Lobo Mau n/d Acrílico sb madeira 40 x 45 cm
06. S/ Título (linha de água) n/d Acrílico sb madeira 25 x 69 cm
Luís Mário Cesariny – Nota Biográfica Mário Cesariny de Vasconcelos nasceu, por acaso, na Vila Edith, na Estrada da Damaia, em Benfica, onde os pais estavam a passar férias. Último filho (três irmãs mais velhas) de Viriato de Vasconcelos, natural de Tondela, Tondela, e de sua mulher María de las Mercedes Cesariny (de ascendência paterna corsa e materna espanhola), natural de Paris. O pai, com uma personalidade dominadora e pragmática, era empresário ourives, com loja e oficina na rua da Palma, na freguesia de Santa Justa, em plena baixa lisboeta. Depois da escola primária, o jovem Mário frequentou durante um ano o Liceu Gil Vicente, após o que o pai (que o queria ourives) o mudou para um curso de cinzelagem na Escola de Artes Decorativas António Arroio (onde conheceu Artur do Cruzeiro Seixas e Fernando José Francisco), que completou. Depois, como não lhe agradasse o trabalho de ourives, frequentou um curso de habilitação às Belas-Artes. Também estudou música, gratuitamente, com o compositor Fernando Lopes Graça. Cesariny era um talentoso pianista, mas o pai, enfurecido, proibiu-o de continuar esses estudos. Entretanto, no final da adolescência, Cesariny e os amigos frequentam várias tertúlias nos cafés de Lisboa e descobrem o neo-realismo e depois o surrealismo. Em 1947, Cesariny viaja até Paris onde frequenta a Académie de la Grande Chaumière e conhece André Breton, cuja influência o leva a participar na criação, no mesmo ano, do Grupo Surrealista de Lisboa, juntamente com figuras como António Pedro, José Augusto França, Cândido Costa Pinto, Vespeira, Moniz Pereira e Alexandre O´Neill, que reuniam na Pastelaria Mexicana. Este grupo surgiu como forma de protesto libertário contra o regime salazarista e contra o neo-realismo, dominado pelo Partido Comunista Português, de tendência estalinista. Mais tarde, funda o antigrupo (dissidente) Os Surrealistas do qual fazem parte entre outros, António Maria Lisboa, Risques Pereira, Artur do Cruzeiro Seixas, Pedro Oom, Fernando José Francisco e Mário-Henrique Leiria. É nesta altura também que Viriato, seu pai, abandona a família para se fixar no Brasil com uma amante. Isto faz com que Mário se aproxime mais de sua mãe e, da sua irmã Henriette. Na década de 1950, Cesariny dedica-se à pintura, mas também, e sobretudo, à poesia, que escreve nos cafés. Tem colaboração na revista Pirâmide (1959-1960). É também durante esse período que começa a ser incomodado e a ser vigiado pela Polícia Judiciária, por “suspeita de vagabundagem”, obrigado a humilhantes apresentações e interrogatórios regulares, devido à sua homossexualidade, que vivencia diariamente, de modo franco e destemido. Só a partir de 25 de Abril de 1974 deixará de ser perseguido e atormentado pela polícia. Cesariny vivia com dificuldades financeiras, ajudado pela família. Apesar da excelência da sua escrita, esta não o sustentava financeiramente e
Cesariny, a partir de meados dos anos 1960, acabaria por se dedicar por inteiro à pintura, como modo de subsistência. Poeta maior do Surrealismo em português, tradutor de Rimbaud, Artaud, Michaux e outros autores malditos, Mário Cesariny foi quem, entre nós, levou mais longe a prática do automatismo psíquico, ao ponto de ter sido, desde os anos 40, o primeiro pintor informalista português e, numa perspectiva histórica, um dos que mais cedo se abeirou do Surrealismo Abstracto, ao mesmo tempo que Wols, Michaux, Masson e poucos mais. Mário Cesariny adopta uma atitude estética de constante experimentação nas suas obras e pratica uma técnica de escrita e de (des)pintura amplamente divulgada entre os surrealistas. A sua poesia é animada por um sentido de contestação a comportamentos e princípios institucionalizados ou considerados normais nos campos do pensamento e dos costumes. Ao recorrer a processos tipicamente surrealistas (enumerações caóticas, utilização sistemática do sem-sentido ou do humor negro, formas paródicas, trocadilhos e outros jogos verbais, automatismo, etc.) alcança uma linguagem que sabe encontrar o equilíbrio entre o quotidiano e o insólito. Introduz também a técnica designada “cadáver esquisito”, que consiste na construção de uma obra por três ou quatro pessoas, num trabalho em cadeia criativa em que cada um dá continuidade, em tempo real, à criatividade do anterior, conhecendo apenas parte do que este fez. A sua poesia funde-se na pintura-despintura com uma autoridade rara, e a sua pintura-despintura reverte para a poesia um admirável sentido de liberdade. Ele próprio declarou em 1971: «desde a minha adesão ao surrealismo, em 1947, e ao contrário do que a alguns pode parecer, foi a despintura que me ajudou a desregrar e a desmontar a linguagem que, a partir daí, pratiquei nos meus versos». Nos últimos anos de vida, desenvolveu uma frenética actividade de transformação e reabilitação do real quotidiano, da qual nasceram muitas colagens com pinturas, objectos, instalações e outras fantasias materiais. Sobre as sessões para que o convidavam e em que o aplaudiam, o poeta comentava: Estou num pedestal muito alto, batem palmas e depois deixam-me ir sozinho para casa. Isto é a glória literária à portuguesa. Nos últimos anos da sua vida, Cesariny viveu com a sua irmã mais velha, Henriette (falecida em 2004). Ao contrário do que acontecia anteriormente, abriu-se aos meios de comunicação dando frequentes entrevistas e falando sobre a sua vida íntima. Em 2004, Miguel Gonçalves Mendes realizou o documentário Autografia, filme intenso e comovente onde Cesariny se expõe e revela de modo total. Mário Cesariny morreu em 26 de Novembro de 2006. /
Galeria São Mamede Impressão
Texto Bernardo Pinto de Almeida Tiragem 300 exemplares
Lista de obras 01. 02. 03. 04. 05. 06. 07. 08. 09. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23.
Mais nobre que a fábula Rumeurs de Villes Ele é a afeição e o presente Animais de uma elegância fabulosa Soam galas amorosas nos canais suspensos S/ Título (linha de água) Dar a volta ao Mundo Merece a tua morte S/ Título Kipghézia Orlando S/ Título S/ Título A Casa do Lobo Mau A Princesa Cadavre Exquis (c/ Mário Botas) Homenagem a Dante Gabriel Rosseti S/ Título (linha de água) Empregos I - A hora da Saída Portada da janelas do atelier do pintor S/ Título S/ Título Lembrança p/ Wilfredo Lam
1971 1968 1971 1971 1971 n/d 1994 n/d 1957 n/d n/d n/d 1976 n/d n/d 1974 n/d n/d 1957 1972 n/d n/d n/d
Têmpera sb papel colado sb tela 49 x 67 cm Aquamoto sb papel colado em platex 57,5 x 37,5 cm Têmpera sb papel colado sb tela 68 x 48 cm Têmpera sb papel colado sb tela 70 x 50 cm Têmpera sb papel colado sb tela 49 x 68 cm Acrílico sb madeira 25 x 69 cm Tecª mista sb papel colado sb madeira 80 x 49 cm Acrílico sb papel colado em madeira 52,5 x 41,5 cm Técª mista sb tela 70 x 100 cm Acrílico sb papel colado sb madeira 60 x 51 cm Acrílico sb papel colado em madeira 63 x 49 cm Acrílico sb madeira 97,5 x 68,5 cm Aquamoto e tempera sb papel colado em tela 100 x 90 cm Acrílico sb madeira 40 x 45 cm Acrílico sb madeira 43 x 40 cm Acrílico sb papel colado sb tela 46 x 33 cm Tempera e verniz sb platex 57,5 x 43 cm Acrílico sb Tela 40,5 x 100,5 cm Tempera sb papel colado sb madeira 25 x 35 cm Acrílico sb madeira 106,5 x 124,5 cm Técª mista sb papel colado sb Tela 30,5 x 45,5 cm Técª mista sb papel colado sb Tela 30,5 x 45,5 cm Acrílico sb madeira 50 x 35 cm
Agradecimentos
A Galeria de São Mamede, agradece a colaboração das seguintes entidades sem as quais a produção desta exposição não seria possível: Bernardo Pinto de Almeida Fundação Cupertino de Miranda, Vª Nª de Famalicão Galeria Neupergama, Torres Novas
05. Soam galas amorosas nos canais suspensos 1971 Têmpera sb papel colado sb tela 49 x 68 cm
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