5B42D260-C642-4E3F-8974-71AD7B582BAE

Page 1


Poder Judiciário

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 – Porto Alegre/RS – CEP 90110-906

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 500134010.2025.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Nulidade de ato administrativo

AGRAVANTE: CAMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE

AGRAVADO: SINDICATO DOS MUNICIPARIOS DE PORTO ALEGRE

DESPACHO/DECISÃO

1. CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE interpõe agravo de instrumento contra decisão (evento 5) proferida nos autos da demanda que lhe move o SINDICATO DOS MUNICIPÁRIOS DE PORTO ALEGRE - SIMPA, nos termos que segguem:

(...)

É o sucinto relatório.

Em sede de cognição sumária no curso do plantão do recesso forense, vislumbro perfectibilizados os requisitos autorizadores da medida liminar vindicada, quais sejam, a probabilidade do direito e o risco ao resultado útil do processo, nos termos do art. 300, do CPC.

Isso porque não se pode olvidar, tal como preceitua o art. 29 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n.º 4657/42), que os atos normativos devem ser sempre precedidos de consulta pública, máxime aqueles mais caros ao interesse público.

Cumpre aqui reproduzir indigitada norma:

"(...) Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de

interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão. § 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver (...)".

Ora, não é por outra razão que o art. 103 da Lei Orgânica do Município de Porto Alegre (evento 1, OUT14) assim dispôs:

"(...) Art. 103. As entidades de âmbito municipal, ou se não o forem, com mais de três mil associados, poderão requerer a realização de audiência pública para esclarecimentos sobre projetos, obras e outras matérias relativas à administração e ao Legislativo municipais. § 1º Fica o Poder Executivo ou Poder Legislativo, conforme o caso, obrigado a realizar a audiência pública no prazo de trinta dias a contar da data de entrega do requerimento.

§ 2º A documentação relativa ao assunto da audiência ficará à disposição das entidades e movimentos da sociedade civil a contar de dez dias da data do pedido até o momento da realização da audiência (...)".

De sorte que o requerente comprovou ter protocolado pedido de realização de audiência pública, assim como demonstrou se tratar de entidade de âmbito municipal. Com efeito, nisso reside a verossimilhança da sua alegação, porquanto a Lei Orgânica do Município de Porto Alegre dispõe que a apreciação dos projetos de lei que contém inegável interesse público sejam debatidos pela sociedade em audiências públicas.

Importante ressaltar que não se cogita de indevida ingerência do Judiciário em outra esfera de Poder, na medida em que o controle que aqui se faz é de legalidade, e não de conveniência e oportunidade. É dizer que não se está a emitir qualquer espécie de juízo de valor a respeito das propostas do Chefe do Poder Executivo Municipal, nem mesmo de se imiscuir no processo legislativo da Câmara Municipal de Vereadores, mas, sim, de assegurar o cumprimento das próprias normas municipais, que se coadunam com a legislação federal.

O risco ao resultado útil do processo se desvela evidente, de vez que votado o projeto, seria inócua a realização posterior de audiência pública.

Aliás, nesse sentido, colaciono o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. PROCESSO LEGISLATIVO MUNICIPAL. DIREITO

AMBIENTAL. PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 08/2017. SUSPENSÃO LIMINAR DA TRAMITAÇÃO NA ORIGEM. MANUTENÇÃO.

REQUERIMENTO DE AUDIÊNCIA PÚBLICA POR ENTIDADES INTERESSADAS IGNORADO PELA CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE INOBSERVÂNCIA DOS ARTIGOS 103, §1º, E 237, CAPUT E § ÚNICO DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO. INTERFERÊNCIA DO JUDICIÁRIO NO CONTROLE DE LEGALIDADE DO PROCESSO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE, INÉPCIA DA INICIAL E INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA REJEITADAS. LEGITIMIDADE ATIVA DA AGRAVANTE PARA INTERPOR O PRESENTE RECURSO. 1. Preliminares. Ilegitimidade Passiva do Presidente da Câmara dos Vereadores e do Município de Porto Alegre. Não cabe à agravante pleitear direito de terceiro, ademais, consoante disposto no art. 17 do Regimento Interno da Câmara Municipal, o Presidente representa a Câmara para todos os efeitos legais. Quanto ao Município de Porto Alegre, sequer ventilou sua ilegitimidade passiva quando da apresentação das contrarrazões nos autos de origem. Preliminar rejeitada. 2. Igualmente, não há falar na Ilegitimidade Ativa da associação que requereu a audiência pública, pois, ainda que desatenda ao número mínimo de associados previsto na legislação municipal, o que não restou comprovado nos autos, trata-se de instituição regularmente constituída que atua em defesa do meio ambiente, elevado ao patamar de direito fundamental da pessoa humana, conforme disposto no art. 225, da CF. Preliminar rejeitada. 3. Inépcia da Inicial e Inadequação da via eleita. Procedimento de Tutela Cautelar Requerida em Caráter Antecedente que encontra abrigo no art. 305, do CPC. Petição inicial que cumpre todos requisitos do art. 319, do CPC. Do mesmo modo, não há como acolher a alegação de que o Projeto de Lei deveria ter sido atacado através de ação direta de inconstitucionalidade. Tendo em vista a inobservância de requisito legal no processo legislativo, plenamente cabível o controle prévio de legalidade. 4. Reconhecida a legitimidade da parte agravante para interpor o presente recurso, tendo em vista tratar o feito de origem sobre processo legislativo em andamento na Câmara Municipal. 5.

Mérito. Hipótese em que não foram respeitados dispositivos legais da Lei Orgânica do Município de Porto Alegre (art. 103, § 1º e 237, caput e §1º), que prevêem a obrigatoriedade de realização de audiência pública diante de requerimento, no caso de projeto de lei do qual possa resultar impacto ambiental negativo. 5. É possível ao Poder Judiciário interferir em atos do Poder Legislativo que importem na inobservância de requisito legal. Isto é, não se está interferindo na atividade típica da Casa Legislativa, mas apenas exercendo-se o controle de legalidade dos atos administrativos que compõem o processo legislativo diante da legítima provocação de entidade atuante na defesa do meio ambiente. 6. Assim, presentes os requisitos da probabilidade do direito e do perigo de dano ao resultado útil do processo, deve ser mantida a decisão agravada que suspendeu liminarmente o tramite do PLC n.º 08/2017. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO" (Agravo de Instrumento, Nº 70075836049, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em: 20-02-2018).

Diante do exposto, DEFIRO o pedido de tutela provisória de urgência a fim de determinar a suspensão da votação/tramitação do Projeto de Lei Complementar n. 001/25 (PLCE 001/25), do Projeto de Lei Complementar n. 002/25 (PLCE 002/25), e do Projeto de Lei n. 003/25 (PLE 003/25), enquanto não for promovida audiência pública pugnada pelo requerente, nos termos do art. 103, da Lei Orgânica do Município Municipal.

Expeça-se mandado a ser cumprido, com urgência, pelo Plantão da Central de Mandados, para intimação da Presidente da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, para cumprimento da ordem.

Cite-se a Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre, na pessoa de sua representante legal.

Em suas razões, alega que o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre ajuizou a presente demanda postulando a realização de audiência pública para a discussão de proposições apresentadas pelo Poder Executivo, referentes a extinção da Fundação Assistência Social e Cidadania, criação e extinção de secretarias municipais e alteração da competência do DMAE, e que estão na iminência de serem votadas pela Câmara Municipal. Refere que houve convocação extraordinária do Poder Legislativo para a realização de sessões legislativas a serem realizadas entre os dias 6 a 10 de janeiro de 2025.

Relata estar equivocada a alegação da parte autora de que a realização de audiência pública é obrigatória. Argui a falta de interesse de agir em relação ao projeto de lei ordinária nº 03/2025.

Informa que o Sindicato, por meio dos Ofícios 004/2025 e 005/2025, requereu administrativamente, a realização de audiência pública em relação aos projetos de Lei Complementar nº 001/25, 002/25 e 003/25, sem referência ao Projeto de Lei Ordinária nº 003/2025. Nega haja violação aos direitos invocados na exordial quanto ao projeto de lei ordinária.

Menciona que o controle constitucional judicial preventivo é de legitimação exclusiva de parlamentares. Refere a impossibilidade de controle constitucional preventivo por parte do Poder Judiciário. Cita precedentes.

Narra que a Lei Orgânica Municipal prevê a realização de audiência pública para a discussão de temas relevantes sob a perspectiva local e assevera que embora obrigatória, em alguns casos, a realização de audiência pública, esta não precisa, necessariamente, ser prévia à prática do ato objeto de discussão ou esclarecimentos.

Relata que ao Poder Legislativo cabe selecionar os temas que considera relevantes para serem pautados e discutivos para votação, não tendo o requerimento de audiência pública efeito suspensivo em relação ao processo legislativo. Discorre sobre a convocação extraordinária do Poder Legislativo, afirmando que ocorre quando existentes matérias urgentes e relevantes que exigem deliberação imediata.

Indica que as audiências públicas são instrumentos importantes para garantir a participação popular, todavia, sua finalidade contrasta com a necessidade de rapidez e concentração no debate de urgência. Sustenta que o prazo para a realização da audiência pública é de 30 dias contados do requerimento, o que impede a votação da matéria ainda durante o recesso parlamentar.

Aduz que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro faculta - e não obriga - a realização de consulta pública e refere que a interferência externa, seja por

entidades privadas ou decisões judiciais, limita a prerrogativa exclusiva do Poder Legislatvo de definir sua própria pauta e ordem de deliberação.

Discorre sobre a ocorrência de dano grave e prejuízo irreparável ao interesse público com a suspensão da votação de proposições voltadas à reorganização administrativa.

Requer seja agregado efeito suspensivo ao recurso e, ao final, o provimento do recurso.

É o relatório.

2. O Sindicato dos Municipários de Porto AlegreSIMPA afirma ter protocolado, em 03/01/2025, pedido administrativo de realização de audiência pública para discussão dos seguintes projetos de lei:

a) Projeto de Lei Complementar nº 001/25: dispõe sobre a extinção da Fundação de Assistência

Social e Cidadania (FASC), com absorção de sua competência, patrimônio e pessoal pela Administração Pública Municipal Direta;

b) Projeto de Lei Complementar nº 002/25: reorganiza e consolida a Administração Pública Municipal, criando, extinguindo e redefinindo finalidades e competência das secretarias municipais; e

c) Projeto de Lei nº 003/25: altera competências do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE), e modifica o controle social de seu conselho.

Todavia, por não ter obtido resposta e por haver previsão de inclusão dos projetos de lei nas Sessões Legislativas Extraordinárias a serem realizadas entre 06/01/2025 a 10/01/2025, ingressou com a presente demanda em 06/01/2025, contendo os seguintes pedidos:

ANTE O EXPOSTO, requer a parte autora:

(a) a concessão da tutela provisória de urgência, para que seja determinada suspensão da votação/tramitação do Projeto de Lei Complementar n. 001/25 (PLCE 001/25), do Projeto de Lei Complementar n. 002/25 (PLCE 002/25), e do Projeto de Lei n. 003/25 (PLE 003/25), enquanto não for promovida audiência pública, nos termos do art. 103 da Lei Orgânica do Município Municipal e da Lei Complementar n. 382/1996;

(a.1) deferida a liminar, seja determinada, desde já, multa diária, no valor a ser arbitrado por Vossa Excelência, para eventual descumprimento, como forma de impor respeito e acatamento às decisões do Poder Judiciário;

(a.2) a intimação pessoal do réu sobre a concessão da presente tutela provisória de urgência para, querendo, recorrer sob pena de sua estabilização, o que desde já se requer, conforme previsão do art. 304 combinado com o §6º, do art. 303, ambos do CPC;

(b) a citação da demandada para que, querendo, conteste a presente ação; (c) a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente a pericial, a documental e a testemunhal;

(d) no mérito propriamente dito, o julgamento de procedência da ação, confirmando os efeitos da liminar requerida, para torná-la definitiva, determinando que a Câmara Municipal de Porto Alegre se abstenha de colocar em votação o Projeto de Lei Complementar n. 001/25 (PLCE 001/25), o Projeto de Lei Complementar n. 002/25 (PLCE 002/25), e o Projeto de Lei n. 003/25 (PLE 003/25), enquanto não realizada audiência pública com estrito cumprimento aos requisitos legais, e, caso já tenha sido apreciada e aprovada a matéria na Câmara Municipal de Porto Alegre, seja declarada a nulidade da votação; e

(e) a condenação do demandado no pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados sobre o valor total da condenação.

Deferido o pedido de tutela provisória de urgência, com suspensão da votação/tramitação dos Projetos de Lei

Complementar nºs 001/25, 002/25 e do Projeto de Lei nº 003/25, foi interposto o presente recurso pela Câmara Municipal, sendo requerida a agregação de efeito suspensivo, com afastamento da necessidade de realização de audiência pública e, consequentemente, sejam os projetos de lei deliberados.

Por primeiro, registro que apesar de a Câmara de Vereadores afirmar a ausência de interesse de agir em relação ao projeto de lei nº 03/2025, por não ter sido objeto no âmbito administrativo, não prospera.

Ocorre que foi remetido à Presidente da Câmara Municipal de Vereadores o Ofício nº 006/2025, no qual o Sindicado informa ter ocorrido erro material no Oficio nº 005/2025, qual seja, pedido de audiência pública para discussão do Projeto de Lei Complementar nº 003/2025 quando deveria ser Projeto de Lei nº 003/25, vejamos (evento 16, ofício 3, autos de origem):

Ofícion°006/2025

PortoAlegre,07dejaneirode2025.

SenhoraPresidente:

•SindicatodosMunicipáriosdePortoAlegre-SIMPA,informa houveumpequenoerromaterialnoofícion°005/2025(processo 118.00012/2025-74),emqueosindicatosolicitaarealizaçãodeAUDIÊNCIA PÚBLICAparadiscussãosobreoProjetodeLein°003/25previstoparavotação naconvocaçãoextraordináriadessaCâmaradeVereadoresnessasemana, que,porumlapso(ficoupartedotextodoofícion°004/2025,queserviu modelo),constounotexto"ProjetodeLeiComplementar".

OProjetodeLeiobjetodopedidodeaudiênciapública,serefere alteraçõesnaLein°2312/1961,quedispõesobreoDMAE,enaLein°6203/1988 edáoutrasprovidências.

Sendoassim,oSimpacorrigeoerromaterial,ratificandoqueopedido deaudiênciapúblicaserefereaoProjetodeLein°003/2025(PLE003/2025).

Atenciosamente, Glifeli

Assim, demonstrado o equívoco, não prospera a afirmação da recorrente, na medida em que clara a intenção a intenção do Sindicato quanto à necessidade de realização de audiência pública para os três projetos de lei.

Saliento que o art. 300 do Código de Processo Civil elenca dois pressupostos sempre necessários para que se possa alcançar a chamada tutela de urgência: a evidência da probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo – requisitos que não destoam do fumus boni iuris e do periculum in mora previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973.

Eis o que se pode colher a respeito do tema in Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Artigo por Artigo de acordo com a Lei nº 13.256/2016, RT, doutrinadores Teresa Arruda Alvin Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello, p. 551, verbis:

(...) Segundo um dos coautores desses comentários, a diferenciação de requisitos para a cautelar e a tutela antecipada, mesmo sob a égide do CPC/73, nunca fez sentido. Tratando-se de tutela e urgência, o diferencial para a sua concessão – “o fiel da balança” – é sempre o requisito do periculum in mora. Ou noutras palavras, a questão dos requisitos autorizadores para a concessão da tutela antecipada de urgência – compreendendo-se a tutela cautelar e a antecipação de tutela satisfativa – resolve-se pela aplicação do que chamamos de “regra da gangorra”.

2.5. O que queremos dizer, com a “regra da gangorra”, é que quanto maior o periculum demonstrado, menos fumus se exige para a concessão da tutela pretendida, pois a menos que se anteveja a completa inconsistência do direito alegado, o que importa para sua concessão é a própria urgência, ou seja, a necessidade considerada em confronto com o perigo da demora na prestação jurisdicional.

(...)

2.8. O que não se pode permitir é a concessão da tutela de urgência quando apenas o periculum in mora esteja presente, sem fumus boni iuris. Estando presente o fumus, mesmo que em grau menor, se o periculum for intenso, deve ser deferida a tutela de urgência pretendida. Ao contrário, se o periculum não for tão intenso, o juiz deve exigir, para a sua concessão, uma maior intensidade do fumus apresentado.

(...)

2.10. Com efeito, ambos os requisitos, fumus e periculum, devem estar presentes, mas é o periculum o fiel da balança para a concessão da medida, porque, afinal de contas, o que importa no palco da tutela de urgência è reprimir o dano irreparável ou de difícil reparação á parte, seja pela via direta (tutela satisfativa), seja pela reflexa afastando o risco de inutilidade do processo (tutela cautelar).

Da análise dos autos, verifica-se que o Prefeito Municipal encaminhou os projetos de lei ora em debate para a Câmara de Vereadores a fim de que fossem submetidos à apreciação.

Passo seguinte, a Câmara de Vereadores do Município de Porto Alegre expediu Edital de Convocação Extraordinária para as Sessões Legislativas Extraordinárias que deveriam ocorrer de 06/01 a 10/01/2025, nas quais seriam objeto de discussão e votação os projetos de lei anteriormente referidos (evento 1, outros 9, autos de origem).

Na data de 03/01/2025 efetivamente foi protocolado pedido de realização de audiência pública para discussão dos Projetos de Lei Complementar nºs 001 e 002/25 (evento 1, outros 10, autos de origem) e Projeto de Lei nº 003/25 (evento 1, processo administrativo 12, fl. 1, autos de origem).

No âmbito administrativo foi exarado apenas o despacho datado de 03/01/2025, exarado pela Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, vereadora Nádia Gerhard (evento 1, processo administrativo 12, fl. 3, autos de origem):

Embora ausente manifestação no âmbito administrativo, verifica-se que os projetos de lei permanecem com previsão de análise nas Sessões Extraordinárias, tendo a

Câmara a intenção de proceder à votação, tanto que interpôs o presente recurso.

Pois bem, importa destacar que a Administração

Pública é regida à luz dos princípios constitucionais inscritos no caput do art. 37 da Carta Magna:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer do Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...).

O princípio da legalidade é base de todos os demais princípios que instruem, limitam e vinculam as atividades administrativas, de modo que a Administração só pode atuar conforme a lei.

Refere Hely Lopes Meirelles acerca da legalidade

(In Direito Administrativo Brasileiro, Editora Malheiros, 27ª ed., p. 86):

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2º da lei 9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme à lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos.

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.

Registro que a Carta Magna em seu art. 30, inciso I, dispõe que aos Municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local, dentre eles a organização de suas fundações, departamentos e secretarias.

E é o que se verifica no caso concreto: a intenção do Município de legislar sobre assuntos de interesse local, devendo, entretanto, observar o rito previsto no ordenamento jurídico.

Vejamos o que dispõe o art. 103 da Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, que se encontra na Seção IVDo Direito de Informação:

Art. 103. As entidades de âmbito municipal, ou se não o forem, com mais de três mil associados, poderão requerer a realização de audiência pública para esclarecimentos sobre projetos, obras e outras matérias relativas à administração e ao Legislativo municipais.

§ 1º Fica o Poder Executivo ou Poder Legislativo, conforme o caso, obrigado a realizar a audiência pública no prazo de trinta dias a contar da data de entrega do requerimento.

§ 2º A documentação relativa ao assunto da audiência ficará à disposição das entidades e movimentos da sociedade civil a contar de dez dias da data do pedido até o momento da realização da audiência.

A Lei Complementar nº 382/1996, que veio regulamentar o artigo 103 da Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, novamente dispõe sobre a possibilidade de solicitação de realização de audiências públicas com o intuito de serem prestados esclarecimentos sobre projetos, obras e outras matérias submetidas à competência dos Poderes Executivo e Legislativo Municipais.

Assim, ao que se verifica, há previsão acerca da realização de audiência pública para que seja esclarecido ato ou projeto da administração, justamente o que foi requerido pelo Sindicato autor, ausente, no entanto, análise a respeito.

Veja-se que o artigo 103 da Lei Orgânica permite a realização de audiência pública de qualquer ato ou projeto da administração, inexistindo vedação a uma determinada matéria ou exigência de requisitos - como a relevância ou impacto social - para que seja possibilitada a realização da audiência pública.

E ainda que a lei não estabeleça a obrigatoriedade da realização da audiência, prevê o direito dos interessados em solicitá-la, garantindo um dos direitos que compõem a cidadania: participar do destino da sociedade, mediante participação do processo legislativo.

Nesse sentido, os ensinamentos de André Leandro Barbi de Souza:

Um dos pressupostos da democracia é a certeza de que o cidadão e a sociedade não serão surpreendidos com uma nova lei, sendo dever dos governos e dos parlamentos realizar um qualificado diálogo social sobre a lei, quando seu processo de criação acha-se em curso.

Assim, a audiência pública, estando assegurada em lei, "é uma forma de participação direta da sociedade no processo legislativo, ou seja, na construção das leis [...] sem a qual não há legitimidade do processo de criação da Lei e a própria legalidade do processo fica comprometida".

Ressalte-se que não cabe ao Poder Judiciário avaliar o mérito de proposições legislativas, mas incumbe-lhe fazer cumprir as regras que devem guiar o processo de criação de leis, em controle preventivo formal de legalidade e constitucionalidade.

Nesse sentido, precedente de minha relatoria:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. SUSPENSÃO DO TRÂmite de projetos de lei. regime próprio de previdência dos servidores municipais. audiência pública prévia. possibilidade.

1. Preliminar de perda do objeto afastada. Não resta configurada a ausência superveniente do interesse processual quando o bem da vida buscado pela parte demandante é obtido em virtude do cumprimento de decisão judicial, caso dos autos.

2. O art. 69 da Lei Orgânica Municipal permite a realização de audiência pública de qualquer ato ou projeto da administração, inexistindo vedação a que seja esclarecido a respeito da reforma previdenciária a ser promovida pela administração pública, matéria de suma relevância para os servidores municipais, e que impacta sobremaneira a relação funcional.

3. Manutenção da decisão agravada que determinou a suspensão do trâmite de seis projetos de lei remetidos pelo Chefe do Poder Executivo do Município de Novo Hamburgo

à Câmara de Vereadores, em regime de urgência, que tratam do regime próprio da previdência dos servidores municipais, enquanto não realizada audiência pública prévia.

NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

Saliento, por fim, que embora a Câmara de Vereadores afirme que postergar a votação dos projetos de lei trará dano grave e prejuízo irreparável ao interesse público, não se pode deixar de ter em mente que o artigo 103 da Lei

Orgânica estabelece que a audiência pública deve ocorrer em 30 dias após o protocolo administrativo, prazo curto, a afastar a afirmação de grave dano e prejuízo ao erário.

A exemplo da extinção da FASC - que foi constituída em 1977 - embora na justificativa do projeto de lei haja referência à necessidade de maior eficiência do serviço a ser prestado, com menos gastos, não há prova de que a prorrogação da votação por um período razoável para que seja realizada a audiência pública, efetivamente importará em danos ao erário e à sociedade como um todo.

Assim, pelo menos neste juízo de cognição sumária, tenho por manter a decisão agravada.

3. Ante o exposto, recebo o recurso no seu efeito devolutivo.

Intimem-se, inclusive para contrarrazões recursais.

Após, vista ao Ministério Público.

Documento assinado eletronicamente por MATILDE CHABAR MAIA, Desembargadora Relatora, em 08/01/2025, às 20:13:27, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc2g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php? acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 20007327135v26 e o código CRC a648870d.

Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): MATILDE CHABAR MAIA

Data e Hora: 08/01/2025, às 20:13:27

5001340-10.2025.8.21.7000

20007327135 .V26

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.