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a psicologia das cores Mais do que tornar os espaços bonitos, as cores mexem com o corpo e a alma. São elas as responsáveis pelo clima do ambiente – e fundamentais para a sensação de bem-estar O efeito das cores sobre o ser humano é um tema fascinante que sempre despertou a curiosidade dos estudiosos das mais diversas especialidades. Desde que o homem passou a usar a cor como forma de linguagem – a civilização fenícia, que povoava a costa mediterrânea em torno de 2500 a.C., já era famosa pelo bonito pigmento púrpura desenvolvido com glândulas de moluscos –, artistas, matemáticos, filósofos, físicos, metafísicos, médicos e neurocientistas, só para citar algumas áreas do conhecimento, formularam teorias sob os mais diferentes pontos de vista. De Platão a Leonardo da Vinci, de René Descartes a Johann Wolfgang von Goethe, não foram poucos os que tentaram entender de que maneira o olho humano e o cérebro captam as cores – e, como consequência, como cada uma delas age sobre nosso organismo e, sobretudo, nosso estado de espírito. Registros que datam da Antiguidade clássica dão conta de que os gregos já suspeitavam do poder das cores como um meio de alcançar o equilíbrio entre corpo e mente – o que seria comprovado cientificamente alguns milênios adiante. Trata-se de uma influência poderosa, que vai muito além do gosto pessoal por essa ou aquela tonalidade. A ação se dá no nível do inconsciente, na maioria das vezes sem que nos demos conta, estimulando reações físicas e psíquicas. Muito ainda há para ser descoberto nos próximos anos, quem sabe séculos. Mas a ciência já conseguiu comprovar, de forma inequívoca, que a saúde e o humor são diretamente afetados pelas cores.
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fontes de energia Historicamente associados à vitalidade, alegria e força, o vermelho, o laranja e o amarelo são cores estimulantes por natureza. O primeiro impacto é visual: de tão marcantes, dominam qualquer ambiente, mesmo que em pequenas doses. E não é por acaso. “Estudos comprovam que as cores quentes estimulam a pressão sanguínea”, atesta Paula Csillag, professora de linguagem visual e cor do curso de design da Escola Superior de Propaganda e Marketing, em São Paulo. Desse grupo, também faz parte o rosa, em todas as suas variantes – feminina em sua essência, é uma cor à qual não se consegue ficar indiferente.
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Luis Gomes
Efeito inverso Contrariando o senso comum, a arquiteta Luciana Castro ousou inverter o papel das cores nesta cozinha. O branco, geralmente usado sem medo, surge apenas no tampo da pia e nos banquinhos, como um respiro. E todo o entorno, do piso ao teto, passando pelos armรกrios e mรณveis, se cobre de um laranja intenso que faz o espaรงo pulsar.
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As pessoas evitam usar cores com medo de enjoar. Mas bege também enjoa – e entedia.
Evelyn Müller
Regina Strumpf, arquiteta
Você tem fome de quê? Uma das propriedades do vermelho é estimular o apetite – mais do que adequado, portanto, à parede da sala de jantar. Neste projeto, o designer de interiores Felipe Alcici demonstra como o cereja, versão rosada de vermelho, assume um viés bastante contemporâneo quando associado ao mobiliário leve de madeira freijó.
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Luis Gomes
Boudoir revisitado Magenta e bordô – unidas, essas duas cores tão esfuziantes e femininas são as responsáveis pelo clima sensual deste ambiente retrô, criado pelos arquitetos Antonio Ferreira Jr. e Mario Celso Bernardes para a mostra Casa Cor São Paulo. A cadeira cor de laranja, diante da penteadeira dos anos 1940, imprime um toque de irreverência.
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universo particular
Divulgação
Por seu poder estimulante, as cores quentes são uma importante ferramenta na decoração, receita quase infalível de alegria e jovialidade. Mas é fundamental analisar as características do ambiente, o uso que se pretende dar ao espaço e, sobretudo, o temperamento de quem vai viver ou trabalhar ali. Pessoas estressadas tendem a ter essa característica exacerbada pela presença dos vermelhos, laranjas e amarelos – bem diferente do que ocorre com indivíduos introspectivos ou com tendência à depressão. “Exceto pelo aspecto fisiológico, as cores não têm sempre o mesmo efeito sobre o ser humano”, alerta Paula Csillag.
Perto do sol Bem no alto da serra, a lareira da casa de campo irradia vitalidade, não importa o clima lá fora – obra da alegre paleta de cores criada pela decoradora Neza Cesar. O amarelo, pontuado pelo eletrizante coral, acende todo o ambiente e aquece também a alma.
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Evelyn Müller
Luis Ribeiro - 2010
Calor em dobro Cercada pela transparência dos janelõesdevoltados para o jardim, Projeto de arquitetura Jose Alcides, a lareira pré-moldada interiores de Marilu Bueno almofadasidealizada e tecidos pela arquiteta Neiva é JRJ, madeira Monet, papel deFernanda parede Casa o principal de atenção da sala. Fortaleza, tecidos Regatas,foco objetos Conceito A tinta vermelho-sangue tem Firma Casa e tintas suvinil colors especialcoresfunção maiswisit do que decorativa sugeridasOre velit wiscil iniamco – aliada aos lenha e objetos, rperaestrud te nichos min el \para rperaestrud te min. disfarça o volume da peça de alvenaria.
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Luis Gomes
Banho turco Tons de terra trazem calor à decoração. Neste banheiro, porém, o arquiteto René Fernandes reforçou a sensação de aconchego ao colorir parte das paredes com um tom de amarelo temperado por certa dose de laranja. Detalhes pontuais, como o piso de ladrilho hidráulico estampado e os metais dourados, complementam a paleta de cores. 70
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Receita de harmonia Combinação das mais ousadas, o vermelho-sangue se torna ainda mais encantador diante das irreverentes cadeiras rosa-chiclete. O arquiteto Guilherme Torres soube manter tanta vibração sob controle ao adotar o cinza como contraponto, cor escolhida para o piso de ardósia, o tapete e as vigas de concreto aparente.
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Estrela principal Não há dúvida: a parede rosa-forte é o grande destaque deste quarto, projeto assinado pelo designer de interiores Francisco Cálio. O inusitado é o uso da cor em linguagem tão contemporânea, impressão reforçada pelo mobiliário baixo – repare no nicho de concreto que substitui a cabeceira –, pelo piso de perobinha de demolição e pelo uso farto de branco.
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Doses de equilíbrio Quem busca os benefícios das cores energizantes não precisa cercar-se delas por todos os lados – ao tingir muitas paredes ou a maioria dos móveis, corre-se o risco de potencializar o efeito a ponto de gerar angústia e mal-estar. “O equilíbrio depende de pinceladas de cores opostas”, ensina o arquiteto João Carlos Oliveira César, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade de São Paulo. Outro recurso eficiente é cercar o foco de cor com porções generosas de branco – fresco e leve, ele mantém as cores pulsantes sob controle e proporciona conforto.
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Primeira impressão No hall de entrada do apartamento, projetado pelo arquiteto Décio Navarro, o vermelho dá boas-vindas e enche de energia o espírito de quem chega. Assim como as paredes e a porta principal, o louceiro tingido no mesmo tom proporciona a ilusão de que se trata de uma estrutura única, ainda mais realçada pela neutralidade do restante do ambiente.
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paz e sossego
Marco Antonio
Assim como as cores quentes alteram o metabolismo e aceleram a circulação sanguínea, há um grupo de tons frios que causam o efeito contrário. Azuis, verdes, violetas e cinzas são uma fonte comprovada de calma e estabilidade emocional – sob sua ação, o organismo experimenta um bem-vindo alívio das tensões, e a consequência é rapidamente convertida em instrospecção, desejo de intimidade e busca de paz. Dentro de casa, não é diferente – ambientes onde predominam as cores frias propiciam o repouso. “Nossa vida já é tão estressante que precisamos de descanso para tanta pressão”, alerta Paulo Félix, psicólogo e presidente da Associação Pró-Cor do Brasil.
Atmosfera suave O azul, em versão bem acinzentada, confere o clima sereno e contemporâneo da cozinha, projeto do designer Felipe Alcici. Note que o painel que reveste as paredes do fundo, composto de madeira teca em diferentes tonalidades, é o mesmo aplicado sobre a bancada e no tampo da mesa: receita de aconchego.
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Eduardo Pozella
Passagem purificante Antídotos contra as energias negativas, roxo e lilás são bem-vindos a todos os cantos da casa. Por que não no corredor de acesso aos quartos? A cor atua como um convite a deixar o estresse longe da ala íntima. O tom sobre tom – parede escura, porta em matiz rebaixado – garante um efeito contemporâneo e feminino.
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Marco Antonio
Toque de personalidade Nem azul nem verde. O turquesa, ponto de encontro dessas duas cores tão repousantes, inspira calma sem deixar de ser divertido, cheio de bossa – escolha perfeita para o canto de leitura, projetado para longos períodos de sossego. As peças maiores são inteiramente brancas, receita certeira de equilíbrio – cabe às almofadas a pitada de irreverência.
Cores e sensações azul
Associado à vastidão do céu e do mar, inspira frescor e serenidade. Representa a busca pela espiritualidade, embora o tom azul-royal tenha sido usado como símbolo de poder pelos reis franceses.
O ambiente depende do equilíbrio de energias entre cores quentes e frias, fortes e fracas. Tensões desequilibradas incomodam, sobretudo em espaços de longa permanência. João Carlos Oliveira César, arquiteto
amarelo
Lembra luz do Sol, vitalidade e, por isso, tem o poder de revigorar e restabelecer a alegria. Propicia a extroversão e, consequentemente, estimula os relacionamentos.
vermelho
Cor do fogo, está diretamente relacionado à vida, às emoções intensas, ao poder e à nobreza – mas adquire simbologias bem distintas de acordo com a cultura. É a primeira tonalidade a capturar nossa atenção.
verde
Inspira o sentimento de esperança, sorte e renovação e, por isso, é a cor mais usada nos ambientes hospitalares. Seu efeito sobre o organismo é neutro: não acalma nem excita.
lilás
Liberta o ambiente das energias negativas, purificando a atmosfera. Promove a troca de afeto e, como efeito direto, estimula o romantismo.
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Gosto de cores quentes, como o magenta forte. E das neutras também. É importante olhar para as cores como uma fonte de emoções. Tricia Guild, criadora da Designers Guild
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Evelyn Müller
Infantil cheio de charme Azul e verde, em tonalidades rebaixadas, se unem para criar a atmosfera de tranquilidade de que toda criança precisa. A escadinha e o lustre seguem a suave paleta de cores do adesivo, instalado por trás da cama suspensa, com dois colchões, onde as irmãs dormem juntinhas. Ambiente de Marcelo Rosenbaum. 81
Lições da natureza
Luis Gomes
Basta olhar ao redor para notar que o mundo é uma miscelânea de cores – e o organismo recebe toda essa heterogeneidade, acredite, como um consolo. “O equilíbrio da diversidade cromática traz sossego”, atesta o arquiteto João Carlos Oliveira César. Ambientes monocromáticos, ao contrário, são sempre excitantes – mesmo uma sala inteirinha branca ou um quarto de dormir azul-clarinho do piso ao teto. “O azul só será capaz de proporcionar calma se for predominante dentro de uma variedade de cores.”
Espírito vivaz Mesmo nesta versão tão saturada, o verde mantém a fleuma e reveste a cozinha com certa atmosfera de aconchego e tranquilidade, acentuada pelo predomínio da madeira nos acabamentos. O projeto leva a assinatura do arquiteto René Fernandes. Bastante estilosas, as cadeiras de palhinha pintadas de vermelho tratam de apimentar o espaço.
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Eduardo Pozella
Leve e sofisticado Quatro tons de verde e duas variações de ocre compõem o elegante grafismo assinado por Antônia Mendes e Ricardo Umada – são os tons terrosos que conferem aconchego. A escolha da parede da cabeceira é estratégica: as listras, de diferentes espessuras, pintadas diretamente sobre a alvenaria, emolduram a cama e dispensam outros recursos decorativos.
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Salvador Cordaro
Atmosfera masculina O projeto da arquiteta Zize Zink para um jovem cliente de 8 anos é a prova cabal de que o azul-clarinho, comumente associado a bebês e crianças pequenas, pode se transfigurar. Painéis laqueados de cinza e enxoval azul-escuro eliminam de vez a aura infantil e resultam em um quarto sem idade definida, preparado para crescer.
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Marco Antonio
Azul em três versões Para clientes apaixonados pela cor, o designer de interiores Felipe Alcici projetou esta cozinha em três tonalidades distintas: azul-marinho nos móveis, azul-claro nas paredes e um tom mais acinzentado no piso cerâmico artesanal. Estante e bancada de teca e luminárias vermelhas atuam como antídotos para espantar a frieza.
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Evelyn Müller
Urbano chique Três diferentes tonalidades de cinza envolvem o quarto minimalista decorado por Marcos Marcelino – do mais rebaixado, da lona que reveste a cama, passa pelo tom intermediário, da parede e do sofá, até chegar ao cinza-chumbo, da colcha. A sisudez é combatida com as almofadas e luminárias, de cores bem vivas. 86
A cor do ambiente extrapola a superfície onde foi aplicada. Ela escapa da parede e preenche todo o espaço, mudando a relação que temos com os objetos e com as pessoas. Paulo Félix, psicólogo e presidente da Associação Pró-Cor do Brasil
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