unioes universais

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Uniões Universais na Pirâmide Pessoambiental 1. Pirâmide 2. Quatro Pares Começo-α e Final-Ω 3. Pessoambientes 4. Comunhões de Pares 5. Delineando os Universais 6. Delineando as Uniões 7. Promovendo as Uniões 8. Estabelecendo o Global 9. Globalizando o Estabelecimento 10. O Mundo de Novo Vitória, segunda-feira, 01 de junho de 2009. José Augusto Gava.

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Capítulo 1 Pirâmide Em se tratando do modelo as pirâmides são de seis degraus, por exemplo, internamente no Conhecimento (Magia-Arte, Teologia-Religião, Filosofia-Ideologia, Ciência-Técnica e Matemática), porque dois degraus são virtuais. A PIRÂMIDE DO CONHECIMENTO (é externa) ESQUERDA: avança DIREITA: salta Matemática Técnica Ciência Ideologia Filosofia Religião Teologia Arte Magia CONHECIMENTOS CONHECIMENTOS BAIXOS (PRÁTICOS) ALTOS (TEÓRICOS) Os mais avançados da direita saltam e passam para o nível de cima à esquerda, até atingir a Matemática (geo-algébrica) plena. MAS INTERNAMENTE NA CIÊNCIA SÃO SEIS DEGRAUS (porque dois são virtuais) – técnicas altas, teóricas: Dialógica VIRTUAIS p.6 Cosmologia p.5 Informática p.4 REAIS Psicologia p.3 Biologia p.2 Física Química (primeira ponte) NA TÉCNICA TAMBÉM SÃO SEIS (ciências baixas, práticas) Discursiva X6 Astronomia X5 área de avanço Cibernética X4 Psiquiatria X3 Medicina X2 Engenharia X1 2

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Em resumo: avança da esquerda para a direita, salta e volta à esquerda, reavança e salta de novo e assim por diante. O MESMO SE DÁ COM AS PESSOAMBIENTES a) PESSOAS: a.1. indivíduos; a.2. famílias; a.3. grupos; a.4. empresas; b) AMBIENTES: b.1. cidades-municípios; b.2. estados; b.3. nações; b.4. mundos. PODEMOS ARRUMAR ASSIM saída do planeta (por exemplo, globalização é um avanço, nações mundos mas sair do planeta é um salto)

cidades-municípios estados grupos empresas indivíduos famílias avança e salta e reavança ESQUERDA DIREITA Indivíduos avançam e formam famílias, que saltam para serem indivíduos no grupo; um punhado destes forma uma empresa ou empreendimento individualizado nas cidades. Produzem pares polares oposto-complementares e lutam entre si, como o yin/yang (o que ainda está para determinar enquanto mecânica dialógica). INDIVÍDUOS E FAMÍLIAS LUTAM (é a luta pela sobrevivência do dominante mais apto, o domínio de um só na família, e em contrapartida o controle de todos dela) – é um novo entendimento da psicologia, claro.

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Tudo luta com tudo, mas também tudo apóia tudo. É uma espécie de LUTAMIGA para a escolha da PESSOAMBIENTE mais apta para prosseguimento da aventura humana na Terra, que é (postas as diferenças) a mesma aventura da racionalidade em toda parte.

Capítulo 2 Quatro Pares Começo-α e Final-Ω

Então, temos pares envolvidos em lutas: • indivíduo-família; • grupo-empresa; • C/M-estado; • nação-mundo. Evidente que empresa e cidade-município também lutam, mas não constituem um par polar αΩ (alfa-ômega, alfômega). SALTAVANÇA (foi como chamei no modelo): salta-e-avança ou avança-e-salta, não importa. salta

avança É um mecanismo preciso e bem definido. Ora, para realizar a globalização (que por enquanto foram levando atropeladamente) é necessário REALIZAR A GLOBALIZAÇÃO DE TODOS OS PARES: • globalização psicológica do indivíduo-família; • globalização psicológica do grupo-empresa; • globalização psicológica do município-estado; • globalização da nação-mundo (isto é, desvendamento e solução de todos os CONFLITOS-DE-PAR). Em resumo, é preciso ESTABELECER FLUXO, quer dizer, fundar novos patamares de disputas universais por dominância universal. VEJA O QUANTO ESTÁ ATRASADO (e o quanto eles são incompetentes ao deixar tudo à mão invisível) 4

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1. universalização dos indivíduos (lembre-se das dificuldades de circulação em razão da exigência de passaportes); 2. universalização das famílias (pense nos casamentos inter-raciais); 3. universalização dos grupos (mesmo a Internet não conseguiu isso); 4. universalização das empresas (a atual correspondeu apenas ao espalhamento das matrizes nas filiais); 5. universalização dos municípios (ainda nem fizeram a União Universal das Prefeituras, UP); 6. universalização dos estados (idem, UE); 7. universalização das nações (UN: a ONU nem é mesmo universal, é uma reunião posuda nova-iorquina; não há Executivo Mundial, nem Legislativo Mundial, nem Juizado Mundial); 8. universalização dos mundos (a expansão espacial ainda não começou; a estação espacial internacional nem mesmo é global). Enfim, o anúncio da globalização não passou de propaganda, pois ela não vai ser realizada, já que os governos nacionais não estão preparados, com ou sem modelo.

Capítulo 3 Pessoambientes As pessoambientes que estão aqui ainda são as máximonacionais: o patamar maior que atingiram foi o da nacionalidade. Não existe mundo como tal, ainda; o que existe são as nações, nem que sejam nações internacionalizadas. OS TRÊS ESTÁGIOS DAS NAÇÕES • pré-nacionais (pós-estaduais); • nacionais; • pós-nacionais (internacionalizadas, mas não globalizadas). Está bem claro que passamos do estágio nacional, com as nações se estranhando e só de longe trocando objetos, favores, idéias; hoje existe um franco comércio internacional, mas é só isso. A GLOBALIZAÇÃO DEVE TER UM PROGRAMÁQUINA (programa-máquina que a guie) 5

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EXECUTIVO MUNDIAL

LEGISLATIVO MUNDIAL

JUDICIÁRIO MUNDIAL

E quais seriam os candidatos? Quem TOLERAVELMENTE seria votado a nível mundial? Evidentemente não há respostas para essas perguntas. Quem são os candidatos a governantes mundiais? E a juízes planetários? E a legisladores globais? Só para começar não há ninguém que conheça as legislações comparadas, nem todo o comércio mundial (nem a OIC), nem todo o trabalho mundial (nem a OIT). Não há verbas específicas para tal, não há grupos-tarefa, nem quem tenha legitimidade. Olhando do ponto que está, a globalização parece perfeitamente impossível. Quem seria respeitado, quem seria ouvido? Não há heróis mundiais, não há ninguém que desponte na representação do coletivo mundial, não há canais de comunicação, não há quadros planetários (servidores globais). Como é que esses caras pretendiam globalizar o que quer que fosse? PROGRAMAS E MÁQUINAS MUNDIAIS MÁQUINAS UNIVERSAIS PROGRAMAS UNIVERSAIS (sempre são européias, (nenhum foi preparado para americanas, japonesas ou o que favorecer todas as populações seja) mundiais) 26/05/09 - 13h15 - Atualizado em 26/05/09 - 13h15 Supercomputador mais rápido da Europa equivale a 50 mil PCs Jugene, localizado na Alemanha, realiza 1 trilhão de cálculos por segundo. Máquina poderá ocupar terceira posição entre as mais poderosas. Do G1, em São Paulo Pesquisadores apresentaram nesta terça-feira (26), na Alemanha, aquele que já é considerado o computador mais rápido da Europa. Com capacidade de 1 petaflop (1 trilhão de cálculos por segundo), a máquina chamada Jugene tem 73 mil processadores de quatro núcleos, o equivalente a 292 mil unidades de processamento.

Jugene, apresentado nesta terça-feira, fica no centro de supercomputação de Julich. (Foto: France Presse) Supercomputador vai desafiar humanos em programa de auditório nos EUA Brasil atinge marca de 60 milhões de computadores em uso Netbooks esquentam disputa pelo mercado de computadores portáteis Computadores tunados disputam torneio on-line em busca de recorde Venda de PCs no Brasil cai 12% no 1º trimestre, diz pesquisa Fabricantes de eletrônicos pecam no atendimento por telefone Por conta do alto poder de processamento, o Jugene poderá aparecer em terceiro lugar no ranking dos computadores mais

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poderosos do mundo -- o Roadrunner e Jaguar, respectivamente na primeira e segunda posição, estão localizados nos Estados Unidos. “A nova máquina, instalada em Julich, será capaz de realizar um trilhão de operações aritméticas por segundo. Para isso, o Jugene faz uso da tecnologia mais eficaz, no consumo de energia, atualmente disponível”, afirmou Thomas Lippert, diretor do centro de supercomputação de Julich. Ao jornal alemão “Deutsche Welle”, ele afirmou que a máquina combina o desempenho de 50 mil computadores domésticos combinados. O Jugene será utilizado para uma variedade de operações, como pesquisas de células de combustível para carros elétricos, previsão do tempo e a origem do universo.

Onde está a bandeira elementar universal (ar, água, terra/solo, fogo/energia e vida)? Onde o tratamento universal da chave da proteção (lar, armazenamento, saúde, segurança e transportes)? Onde os tremendos canais de fluxo necessários ao desenvolvimento da humanidade nesse patamar superior? Rio desses camaradinhas que não sabem do que estão falando, mas não por não saberem, pois ainda é relativamente cedo; rio pela pretensão deles de saberem.

Capítulo 4 Comunhões de Pares Imagine só que tremenda confusão será fazer confessar e comungar a proximidade aos milhares de pares oposto-complementares! Eles nem mesmo conhecem a dimensão das tarefas! Só a UE União Européia (que começou com 6 e agora tem 25 países) vem “rolando” desde Roma em 1957 e desde Maastricht em 1992. OS TRATADOS DE DEFINIÇÃO DO NOVO ESTADO EUROPEU ANO TRATADO E CIDADE Tratado de Roma (1957) 1957 Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Museus Capitolinos, em Roma, onde foi fundada a CEE em 1957.

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O Tratado de Roma é o nome dado a dois tratados: • Tratado Constitutivo da Comunidade Económica Europeia (CEE) • Tratado Constitutivo da Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom) Foram assinados em 25 de Março de 1957 em Roma pela Alemanha, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo. Entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1958. >A assinatura deste tratado é o culminar de um processo que surge após a Segunda Guerra Mundial, que deixou a Europa destruída económica e politicamente, e "submetida" às duas superpotências: Estados Unidos e União Soviética. Tratado Constitutivo da CEE Atualmente em vigor com o nome de Tratado Constitutivo da Comunidade Europeia, é junto com o Tratado da União Européia um dos dois textos fundamentais da instituições européias. O tratado estabelecia: • União aduaneira: a CEE foi conhecida popularmente como o "Mercado comum". Se acordou um período transitório de 12 anos, no que deveriam desaparecer totalmente as barreiras alfandegárias entre os Estados membros. • Política Agrícola Comum (PAC): esta medida estabeleceu a livre circulação dos produtos agrícolas dentro da CEE, assim como a adoção de políticas protecionistas, que permitiram aos agricultores europeus evitar a concorrência de produtos procedentes de outros países não pertencente a CEE. Isto se conseguiu mediante a subvenção aos preços agrícolas. Desde então a PAC tem concentrado boa parte do Pressuposto comunitário. Este tratado estabeleceu a proibição de monopólios, a concessão de alguns privilégios comerciais às regiões ultraperiféricas da União Européia, assim como algumas políticas comuns em transportes. Ante o êxito impulsionado pela maior fluidez dos intercâmbios comerciais, em 1 de julho de 1968 se suprimiram todos os entraves internos entre os Estados membros, ao tempo que se adotou uma política aduaneiro comum para todos os produtos procedentes de países não pertencentes a CEE. Este mercado comum afetava somente à livre circulação de bens. O livre movimento de pessoas, capitais e serviços teve que esperar ao Acto Único Europeu (AUE) de 1986 para dar o impulso para em 1992 se estabelecer o mercado unificado. Tratado Constitutivo da CEEA (Euratom) Menos relevante que o da CEE, buscava criar condições de desenvolvimento de uma indústria nuclear. O Tratado Euratom não experimentou grandes mudanças desde a sua criação e 8

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segue em vigor. A Comunidade Européia de Energia Atômica, não se juntou com a União Européia e guarda uma personalidade jurídica distinta, ao mesmo tempo que comparte as mesmas instituições. Resultados Os Tratados de Roma significaram um triunfo para os europeístas como Robert Schuman e Jean Monnet que ante a impossibilidade de consolidar de maneira imediata uma união política, desenvolveram um processo de integração que afetasse de maneira paulatina diversos setores da economia, criando instituições supranacionais nas quais os estados membros cedem parte de sua soberania sobre determinadas competências. Assim a CEE criou uma série de instituições: • Comissão Europeia • Conselho Europeu • Parlamento Europeu, • Tribunal de Justiça da União Europeia • Comitê Económico e Social Europeu. Desta maneira se iniciou um processo em que a progressiva integração económica solidou o caminho à união política. Em seu preâmbulo o Tratado que instituía a CEE afirmava: "...os signatários estão determinados a estabelecer os fundamentos de uma união sem fissuras mais estreita entre os países europeus" Cronologia O Tratado de Roma foi modificado, sucessivamente, pelos seguintes documentos: • Acto Único Europeu, assinado no Luxemburgo, efectivo a 1 de Julho de 1986 ; • Tratado de Maastricht, efectivo a 1 de Novembro de 1992. Este tratado institui União Europeia; • Tratado de Amsterdão, efectivo a 1 de Maio de 1997, modificando o tratado sobre a União Europeia, os tratados instituindo as Comunidades Europeias e certos actos ligados a estes. • Tratado de Nice, efectivo a 1 de Fevereiro de 2000. • Tratado de Roma (2004), igualmente chamado de Tratado estabelecendo uma Constituição para a Europa, assinado a 29 de Outubro de 2004 pelos chefes de Estado membros da União Europeia. A entrada em vigor deste tratado ainda não é certa, consequência da rejeição do tratado por referendo em França e na Holanda em 2005. • Tratado de Lisboa (2007) União Europeia - Tratados europeus, História da União Europeia 1951

1957

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1992 1996 2000 2004 2007 U N I Ã O E U R O P E I A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) Comunidade Económica Comunidade Europeia Europeia (CEE) Euratom (Comunidade Europeia da Energia Atómica) Justiça e Assuntos Internos ...Comunidades Europeias: Política Externa e CECA, CEE , Euratom

de Segurança Comum 9

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(PESC)

Tratado de Tratado de Paris Roma

Tratado de Fusão

Tratado de Maastricht

Tratado de Amsterdão

Tratado de Nice

Tratado de Roma Tratado de II Lisboa (Constituição)

"Três Pilares" - Comunidades Europeias (CE, Euratom), Política externa e de segurança comum (PESC), Justiça e assuntos internos (JAI)

Bibliografia MAGNOLI, Demetrio. História da Paz. São Paulo: Editora Contexto, 2008. 448p. ISBN 85-7244-396-7

1992

Maastricht Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

50° 51' N 5° 41' E

Localização de Maastricht

Maastricht cujo nome também é por vezes escrito Maestricht (como em neerlandês antigo) ou Mastrique, é uma cidade neerlandesa com 120.000 habitantes. É a mais antiga das cidades neerlandesas e hoje é capital da província de Limburgo. Espalha-se por ambas as margens do rio Mosa ("Maas" em neerlandês), na extremidade sudoeste dos Países Baixos, um território estreito, encravado entre a Bélgica e a Alemanha. O nome da cidade deriva dos seus nomes latinos, Traiectum ad Mosam e Mosae Traiectum (Travessia da Mosa), que se refere à ponte construída pelos 10

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romanos durante o reinado de César Augusto.

Há várias instituições que se localizam na cidade, entre as quais a Universidade de Maastricht (Universiteit van Maastricht) e o Museu Bonnefanten, de arte. A sul da cidade situa-se o St. Pietersberg ("Monte São Pedro"), onde se ergue um forte antigo e que tem uma rede de grutas, que mantêm uma temperatura constante de 10ºC e servem de local de hibernação para morcegos. Em certas épocas do ano, podem-se visitar as grutas em visitas guiadas.Essas cavernas foram construidas pelos romanos a 2000 anos atras e tem aproximadamente 8km de extensão.Durante a 2°Guerra mundial foi adequada para abrigar de 30000 a 40000 pessoas mas foi utilizada apenas por 3000 nos ultimos dias de guerra.Dentro da caverna é possivel apreciar pinturas feitas no decorrer dos anos. Maastricht tem ligação por caminho de ferro a Liège, na Bélgica, a Eindhoven e a outros locais, e um aeroporto partilhado com a cidade de Aachen (Aquisgrão), na Alemanha. Foi nessa cidade que, no ano de 1992 foi assinado o Tratado de Maastricht, que veio a substituir o Tratado de Roma, de 1957. E tinha, como objetivo principal, a unificação monetária, através do Euro, realizada em 1 de Janeiro de 2002.

Se demoraram de 1957 a 1992 (35 anos e ainda não está completamente fundida em 2009, 52 anos depois) para delinear a UE, por quê intempestivamente criar algo muito mais complicado? OS PARES CONFESSAM PROXIMIDADE (“eles” nem tem um modelo de governatório em uso!)

se um sobe outro tem de descer, mas a compensação é exigida na gangorra

os pares nem começaram seu processo de discussão (por exemplo, norte-sul)

esquerda e direita unidas em um

Para onde vai a humanidade?

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OS PARES COMUNGAM GOVERNABILIDADE (através do governatório yin/yang) – a compensação equalizadora nem começou.

Capítulo 5 Delineando os Universais Como aprendi no modelo, toda vez que há um salto para diante tem de ser colocada uma “válvula K” (de Koestler, um “koestleriano”, como chamei) para impedir a dissolução do par fundido, do hólon (de holo, todo, e on, parte) ou partodo ou todoparte. Um travamento - como existe no coração – que faça funcionar combinadamente os dois lados, um alimentando o outro. Por exemplo, na agregação das “pré-nações” em nação aquelas se tornam províncias ou estados desta através de uma CONSTITUIÇÃO, que tem poder de colar ou cimentar. Quando a cola não é boa, como na Iugoslávia, as partes separam ou dissolvem. OS PARES E A CONSTITUIÇÃO UNIVERSAL homem-mulher homem-mulher nacional transição universal norte-sul norte-sul nacional universal Por exemplo, se a exploração do sul planetário pelo norte planetário ficar igual ou piorar em relação ao agora, com toda certeza os do sul dificilmente irão “embarcar na onda” da globalização. OS PROBLEMAS A RESOLVER

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Se os poderes contemporâneos, seccionais, forem aumentados pela globalização e levaram os vícios atuais adiante (digamos, 2 % de todos deterem 50 % ou mais das rendas mundiais) vai haver oposição. E não existe nem mesmo promessa de mudança. ONDE ESTÁ A CARTA POLÍTICA? (nem as mentiras apareceram ainda!) PARTIDO DA TERRA (terrinteira - deveria chamar-se)

não existe MÍDIA DA TERRA (TV, Revista, Jornal, Livro-Editoria, Rádio, Internet e o resto) abaixo o programa do (por assim dizer) FEDE

O Partido Federalista é constituído sob princípios políticos destinados a preservar a liberdade do Indivíduo e a nortear mudanças constitucionais, a legislar e executar ações e programas de governo, em quaisquer poderes e esferas federativas, tendo como objetivo principal a redução das ingerências do Poder Central sobre a vida das pessoas e sobre as estruturas autonômicas estaduais e municipais, independentemente do regime ou do sistema de governo, desde que livre e diretamente decididos pelo Povo Brasileiro, pela manifestação plebiscitária de sua Soberania Popular. Assim sendo, o Partido Federalista tem o firme e inarredável compromisso com os seguintes objetivos nacionais prioritários: 1º - Adoção da concepção do Estado Democrático Federativo, exercido em função das escolhas

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majoritárias, desde que resguardadas as autonomias política, administrativa, tributária, legislativa e judiciária dos Estados e Municípios, os valores culturais do idioma pátrio e os valores cívicos nacionais estimulados através da Educação, desenvolvida localmente, os direitos individuais constitucionais, o respeito integral ao direito de Propriedade e ao Meio Ambiente, que garanta o funcionamento da Economia de Mercado e a existência de uma Sociedade Aberta, sempre privilegiando a Liberdade e a valorização do Indivíduo, do homem e da mulher comuns, em busca de suas vocações e realizações pessoais, numa sociedade de livre iniciativa, próspera, desburocratizada ao máximo possível e de confiança. 2º - Concessão, aos Estados Federados, de acordo com suas peculiaridades e na forma pela qual a Soberania Popular democraticamente manifestada referendar, respeitados os princípios fundamentais da União, também assim referendados, da competência de legislar sobre matérias de direito civil, penal, tributário, previdenciário, trabalhista, administrativo, substantiva e adjetivamente, estabelecendo-se nestes as instâncias máximas infra-constitucionais da Federação. 3º- Eliminação das transferências de recursos entre União, Estados Federados e seus Municípios, reduzindo-se drasticamente a burocracia, a sonegação, a corrupção e a concentração da renda nacional nas mãos do Estado Central. 4º- Valorização estratégica do Governo da União, cujas competências básicas serão: emissão e controle da Moeda, através de um Banco Central independente, Relações Exteriores, Supremo Tribunal Eleitoral, Supremo Tribunal Federal, Comércio Exterior, Forças Armadas, Segurança Pública nas faixas de Fronteira, Polícia Federal, normatização da Aviação Civil , Marinha Mercante, Vigilância Sanitária e Obras de Integração Nacional, Administração de Parques Nacionais, Administração Indígena, diretrizes de Meio Ambiente, Propriedade Intelectual, Energia Nuclear, e Previdência Pública Federal. 5º - Submeter a promulgação de emenda constitucional federal proposta pelo Congresso Nacional, à prévia ratificação mínima de 2/3 dos Estados Federados, manifestados através de seus poderes legislativos. 6º - Eliminação, por parte do Governo da União, de impostos declaratórios e progressivos, inclusive o Imposto de Renda, eliminando-se toda a tributação na cadeia produtiva, desonerando a produção, ampliando-se sobremaneira a capacidade de consumo, de produção, de geração de empregos, com novas oportunidades para todos, com a implantação de um sistema tributário simples e justo, dentro dos princípios da universalidade, da transparência e das regras claras. Dentro dos mesmos princípios e do mesmo objetivo de desonerar a cadeia produtiva nacional, os Estados Federados e seus Municípios terão total autonomia para tributar conforme se autodeterminarem. O Partido Federalista compromete-se, também, com a vedação da tributação sobre o comércio interestadual e as exportações, o restabelecimento do equilíbrio fiscal e a eliminação gradativa da dívida pública até os limites de endividamento aceitos pelo mercado, de forma a proteger a credibilidade nacional e a redução substancial dos juros para o desenvolvimento crescente da produção, do consumo e das melhorias sociais daí decorrentes. 7º - Estimular o processo democrático de consulta popular, de referendo e plebiscito para as questões de interesse estadual ou municipal, incluindo decisões dos eleitores municipais sobre cargos eletivos e suas remunerações, sobre eleições municipais apartidárias e contratação de administradores para os executivos municipais. 8º - Estimular a previdência privada e a multiplicação dos fundos de pensão, fiscalizados pelo Governo Federal, estabelecendo o regime de capitalização, pelo método da contribuição definida na Previdência Pública Federal, incomunicável com o Tesouro Nacional, com fiscalização representativa eleita pelos mutuários de cada Estado Federado, substituindo o falido e obsoleto sistema atual de repartição simples. 9º - Abertura, simplificação e popularização do Mercado de Capitais, como meio de democratização da participação popular no capital votante e do lucro das empresas e, conseqüente transformação da participação acionária em patrimônio real. 10º - Adoção do voto não-obrigatório e, para o processo eletivo, o voto distrital para os Estados Federados e seus Municípios, além de um novo modelo político eleitoral: pluripartidarismo livre, que permita a prática político-associativa em qualquer âmbito territorial da Federação, mesmo que sem capacidade de acesso direto aos Poderes Executivo e Legislativo federais, proibindo-se as coligações partidárias pré-eleitorais e eliminando quaisquer tipos de financiamentos públicos para campanhas eleitorais, assim como o fim do Fundo de Financiamento a Partidos Políticos, à custa da tributação nacional, ou seja, do bolso do Contribuinte Brasileiro. Aprovado pelo Fórum Administrativo do Partido Federalista em 19.08.2003, com revisão final (ortográfica, estilo e gramática) liberada em 18.09.2003

“Globalização” é por enquanto apenas uma palavra, não é uma ação, nem mesmo tem qualquer gênero de competência, sequer a indicativa de futuro.

Capítulo 6 14

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Delineando as Uniões Como já vimos no modelo, TUDO é psicologia. Dentro desse todo as leis são psicologias e elas pretendem guiar as pessoambientes, mas nem sabemos ainda dirigi-las a isso. É PRECISO SEPARAR AGORA PARA MELHOR JUNTAR DEPOIS: produzindo leis específicas, para cada espécie pessoambiental. 1. leis individuais; 2. leis familiares (onde já se ouviu falar de preocupações a esse nível fino?); 3. leis grupais; 4. leis empresariais; 5. leis urbano-municipais; 6. leis estaduais; 7. leis nacionais; 8. leis mundiais (não existem). Quando os legisladores fazem leis, fazem-nas de qualquer jeito, cada qual usando somente sua consciência e achando-se nesse mister “o tal”, “o cara”, o que sabe das coisas, o que é evidentemente impossível, pois não há racionalidade capaz de abarcar não apenas todo o mundo como sequer um município. Contudo, eles não se avexam disso e seguem legislando com a maior displicência. Não adotam os conselhos de nenhum dos pesquisadores & desenvolvedores do Conhecimento (Magia-Arte, TeologiaReligião, Filosofia-Ideologia, Ciência-Técnica e Matemática), como pretendi que fizessem na Assembléia Legislativa do Espírito Santo. São roceiros, não têm absolutamente nada de relevante.

Capítulo 7 Promovendo as Uniões Exceto que há gente boa, o que é muito significativo; gente que deu exemplo e merece respeito, gente pela qual se podem fazer as coisas. No mais são uns tarados desacertados e violentos. A ESTRELA DOS MAGOS (união de oito elementos; ou quatro pares, conforme se veja)

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Imagine aquilo que chamei outrora de “esfera de tríades”: pense nos pares, pense na união deles para produzir os terceiros (sínteses dialéticas das teses com as antíteses) e então una esses triângulos eqüiláteros numa esfera, que é como uma geodésica. TESE, ANTÍTESE E SÍNTESE

Achei esta na Internet. Coloquei invertido para vermos a reunião do par em cima.

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17 Por terem desdenhado da dialética no Ocidente (onde ela surgiu há 2,5 mil anos e foi solenemente desconsiderada, ao contrário do Oriente, onde apareceu na mesma época com o nome de TAO, puramente sentimental, mágico, não-filosófico) ela não foi desenvolvida e não se matematizou ao longo dos séculos. Agora eles não possuem nenhum instrumento de medição das relações e padecem a sua falta. Não podem promover a união-de-pares PORQUE NEM SABEM COMO COMEÇAR, sequer operando com as razões individuais, quanto mais com instrumentos que se situem fora, estejam isentos das preferências pessoais e sejam menos propensos a erros! Não há um programáquina lógico-dialético de tratamento de frases ou grandes períodos e muito menos que possa compô-los segundo a melhor lógicarelacional. 17


Capítulo 8 Estabelecendo o Global Sem qualquer exagero, eles são muitos primitivos. Não possuem nada assim de muito relevante, só a tecnociência ao fim da evolução durante 550 anos desde Gutenberg. Há males que vem para bem, porque quando perceberem seu atraso frente às possibilidades darão um salto tremendo, muito significativo. Quando virem que seu orgulho é não somente desmedido, mas inteiramente fora de contexto frente às promessas do cosmo eles saberão reagir e saltar adiante em grande velocidade relativa. São tolos, esses que querem atualmente a globalização do jeito que desejam, mas não são todos tolos. Eles vieram até agoraqui às machadadas, nada realizado com instrumento fino; passaram pelas etapas até a nacionalização e acham que os mesmos mecanismos podem ajudá-los a vencer as novas distâncias. Não pode, claro que não, sob pena de formar algo esdrúxulo que vai custar demais em carne e sangue, em mortes, em destruição, por causa das oposições polares vivas (como está acontecendo com a globalização atual). DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO ATUAL (por ela não ter começado de baixo para cima e sim ao contrário, de cima para baixo, das elites para o povo, como imposição, não foi eficaz) – muitos equívocos e muitas questões não-resolvidas, porque não chamaram o povo.

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Maior dominação de mais gente pelos mesmos.

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Eles confundiram alhos com bugalhos, trocaram os pés pelas mãos e, apressados demais, comeram cru.

Capítulo 9 Globalizando o Estabelecimento Para globalizar corretamente é preciso primeiro identificar corretamente: O QUE ESTÁ SENDO GLOBALIZADO? GLOBALIZAÇÃO DA PSICOLOGIA (já falei disso alhures, mas vou repetir de outro modo) 1. globalização (ação permanente de globalizar, estabelecer o globo; as pessoas pensam que só porque a Terra é redonda já é global: é-o física-quimicamente, biológicamente-p.2, mas não psicologicamente-p.3) das figuras ou psicanálises; 20

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2. globalização dos objetivos ou psico-sínteses (podemos dizer que as metas de todos os países são uma e a mesma?); 3. globalização das produções ou economias (integradas e não sobrepostas; precisam ser EMPRESAS UNIVERSAIS e isso não existe SEQUER PARA UMA); 4. globalização das organizações ou sociologias (por acaso o Greenpeace é realmente planetário? Temos partidos terrestres?); 5. globalização do espaço-tempo ou da geo-história (acaso contamos a história da Terra como sendo uma convergência? Ainda separamos em História do Brasil e História Universal, como se não fosse a mesma coisa, como se esta não contivesse aquela). Você há de convir que para erigir uma casa seja preciso que todos estejam construindo, e não que metade dos pedreiros desfaça o trabalho dos outros. Com esse tipo de oposição fatalmente surgirão e se agudizarão os conflitos.

Capítulo 10 O Mundo de Novo DOIS MUNDOS (como diz o modelo: na parte de dentro, para nós, é um todo, um mundo, mas na parte de fora, para o universo é só um planeta) LADO DE DENTRO LADO DE FORA (nós olhamos para dentro) (o lado de fora olha para nós)

Eu tinha uma bolinha... Você está aqui! É preci-necessário (como diziam os Novos Baianos) cumprir corretamente os ritos, sob pena de chegarmos aonde não queríamos ir. PRECISÃO-NECESSIDADE Besta é Tu

Gal vão, Pepeu Gomes e Moraes Morei ra 21

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Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Não viver nesse mundo Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Se não há outro mundo... Porque não viver? Não viver esse mundo Porque não viver? Se não há outro mundo Porque não viver? Não viver outro mundo... Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Não viver nesse mundo Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Se não há outro mundo... Porque não viver? Não viver esse mundo Porque não viver? Se não há outro mundo Porque não viver? Não viver outro mundo... E prá ter outro mundo É preci-necessário Viver! Viver contanto Em qualquer coisa Olha só, olha o sol O maraca domingo O perigo na rua... O brinquedo menino A morena do Rio Pela morena eu passo o ano Olhando o Rio Eu não posso 22

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Com um simples requebro Eu me passo, me quebro Entrego o ouro... Mas isso é só Porque ela se derrete toda Só porque eu sou baiano... (2x) Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Não viver nesse mundo Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Se não há outro mundo... Porque não viver? Não viver esse mundo Porque não viver? Se não há outro mundo Porque não viver? Não viver outro mundo... E prá ter outro mundo É preci-necessário Viver! Viver contanto Em qualquer coisa Olha só, olha o sol O maraca domingo O perigo na rua... O brinquedo menino A morena do Rio Pela morena eu passo o ano Olhando o Rio Eu não posso Com um simples requebro Eu me passo, me quebro Entrego o ouro... Mas isso é só Porque ela se derrete toda Só porque eu sou baiano... (2x) Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! 23

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Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Não viver nesse mundo Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Besta é tu! Se não há outro mundo... Porque não viver? Não viver esse mundo Porque não viver? Se não há outro mundo Porque não viver? Não viver outro mundo! Em resumo, para dar salto ao espaço é preciso VIVER este mundo, VI-VER, SER ESTE MUNDO, pois por enquanto não há outro; é preciso-necessário vivê-lo com gratidão e respeito por todos os seres, por todas as etnias, todas as línguas, por tudo mesmo. É preciso realizar TODAS as uniões universais, produzir todos os universais e não apenas alguns ao gosto das elites. Vitória, segunda-feira, 08 de junho de 2009. José Augusto Gava.

ANEXOS Capítulo 2

DESACERTOS DA GLOBALIZAÇÃO Singer, André. “A cortina de fumaça da globalização”. São Paulo: Folha de São Paulo, 26 de novembro de 2000. A cortina de fumaça da globalização ANDRÉ SINGER da Reportagem Local Sou suspeito para comentar o trabalho de Paulo Nogueira Batista Jr. porque tendo a concordar com as principais posições defendidas pelo autor. Não tenho nem nunca tive simpatia pelo nacionalismo, mas creio que hoje é necessário resistir com firmeza à perda de soberania que impede o Brasil de formular políticas autônomas voltadas para o desenvolvimento sustentado e a distribuição da renda. Em outras palavras, penso que a evolução recente do capitalismo repôs a chamada questão nacional, que a minha geração pretendia ver enterrada junto com o populismo e a Guerra Fria. Daí a atualidade de "A Economia Como Ela É...", o volume em que Batista Jr. reúne trabalhos publicados durante a década de 90, entre eles os artigos que escreve para a Folha uma vez por semana. Há 20 anos a afirmação de que um país deveria preservar os instrumentos macroeconômicos com os quais pudesse construir o próprio futuro soaria acaciana, como diria o próprio Batista Jr. (o personagem de Eça de Queiroz freqüenta algumas boas páginas do livro). No entanto houve uma alteração profunda do ambiente ideológico e os termos do debate precisam ser 24

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reconstruídos desde o marco zero. Revisão do mito Um dos pontos altos do volume encontra-se, justamente, na revisão que Batista Jr. faz do mito da globalização. Apoiado em dados comparativos sobre o grau de internacionalização da economia no período anterior à Primeira Guerra Mundial e o das últimas décadas, ele mostra que só agora a integração retorna aos patamares atingidos cem anos atrás. Com isso, Batista Jr. dá um tiro certeiro na base de uma das idéias mais difundidas dos últimos anos. Aquela segundo a qual tudo o que ocorre na economia (e não só) decorre de um fenômeno novo e misterioso: a globalização, da qual todos falam, mas ninguém sabe dizer o que é. Sem dúvida, existe uma crescente dependência econômica entre os países, mas não se trata de um admirável mundo novo, em que todas as regras anteriores tenham sido subitamente revogadas. Apenas passamos por mais um ciclo de internacionalização, como outros do passado. Por que, então, a forte impressão de que está em curso algo inédito, pergunta-se o autor. "A ilusão decorre, pelo menos em parte, do fato de que a integração alcançada no passado recente é realmente muito significativa quando comparada ao baixo grau de abertura das economias logo após a Segunda Guerra Mundial" (pág. 35), esclarece Batista Jr. Ou seja, nós, os não-economistas, somos vítimas de uma tremenda falta de perspectiva histórica. Desse ponto de vista, "A Economia Como Ela É..." presta um importante serviço ao colocar as idéias no lugar, o que, segundo Antonio Candido, é, por definição, o trabalho do professor. No entanto, Batista Jr. vai mais longe. Sugere que o mito da globalização é também uma cortina de fumaça, lançada por economistas desejosos de "mascarar a responsabilidade pelas opções e decisões dos governos, obstruindo a crítica das políticas públicas". O argumento faz sentido. Se a globalização for vista como uma onda irrefreável que a tudo e a todos engole por igual, ficam borradas as distinções entre os que governam, e por isso detêm o poder de adotar medidas macroeconômicas, e os que são submetidos a tais políticas. Mergulho nos dados Coerente com tal premissa, o autor empreende a análise do Plano Real, o mais importante conjunto de políticas públicas dos últimos seis anos no Brasil. De um novo mergulho nos dados, emerge a visão de que, com o real "no fundo, o que se fez foi substituir a inflação por uma tendência ao desequilíbrio externo" (pág. 111). Apesar da elegância da linguagem -Batista Jr. é um articulista culto e bem-humorado-, a demonstração sobre os desacertos do governo FHC não é tão clara, para um leigo, quanto a desmistificação da "era global". A ligação entre valorização da moeda, déficits nas transações com o exterior, juros internos e tamanho das reservas cambiais, apenas para citar alguns elementos, precisaria ser mais didática para que todos os passos do raciocínio fossem compreendidos de modo cristalino. Ainda assim, dois pontos ressaltam. De uma parte, a destruição de setores inteiros da economia nacional pela combinação, descuidada segundo o autor, da valorização cambial e da repentina queda de barreiras para produtos estrangeiros. De outra, a constante necessidade de dólares com os quais seja possível pagar a conta dos produtos importados, o que resulta em uma perigosa dependência do país em relação a voláteis capitais externos. No contexto da discussão sobre a política econômica do governo, três aspectos mereceriam, a meu ver, discussão mais detida por parte de Batista Jr. A desvalorização do real em janeiro de 1999, debatida no livro, mas menos do que se poderia esperar, dada a centralidade da questão para o raciocínio do autor. A queda dos juros, iniciada neste ano pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga. E as privatizações, segunda grande marca do governo FHC. Afora o desejo de ver tais assuntos contemplados de modo mais abrangente, tenho um reparo menor ao volume. A reunião de textos escritos para distintas finalidades (artigos 25

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acadêmicos, apresentações públicas, textos para jornal) resulta em certa repetição de argumentos, o que poderia ser facilmente solucionável em uma segunda edição. Por fim, uma idiossincrasia. Acho que há um uso exagerado hoje no Brasil de um dos autores que Batista Jr. gosta de citar em seus artigos para a Folha: Nelson Rodrigues (1912-1980), a quem se deve também o título do livro (o teatrólogo manteve uma coluna chamada "A Vida Como Ela É..."). Minha birra deve ser despeito de paulista. No conjunto, "A Economia Como Ela É..." constitui uma amostra útil e importante do pensamento de um economista de oposição que é referência no debate brasileiro contemporâneo. 17/10/2002 - 11h31 Atualidades: Os (des) caminhos da globalização ROBERTO CANDELORI da Folha de S.Paulo Polêmico, o termo globalização foi tão amplamente empregado que, em vez de tornar-se mais claro, fica cada vez mais impreciso e confuso. Considerado do ponto de vista estritamente econômico, poderia ser descrito como um processo de crescente integração de mercados nacionais, facilmente observado por consumidores com acesso a produtos das mais diversas procedências, tênis "made in" Cingapura ou brinquedos "made in" China. Mas sua abrangência vai além da aceleração no fluxo de comércio internacional. Secundada pela grande revolução na área das comunicações, a globalização propiciou maior mobilidade dos fluxos financeiros, que transitam livres entre fronteiras nacionais. Essa crescente interdependência econômica global compromete progressivamente as decisões políticas domésticas, que cada vez mais estão subordinadas ao que acontece no mundo. Essa "submissão" restringe significativamente o poder de cada Estado nacional e dos seus governantes. A globalização também está associada ao neoliberalismo. O avanço da integração econômica dependia de uma reformulação urgente no papel do Estado, afinal, argumentava-se, o Muro de Berlim (1989) caíra e com ele os paradigmas da Guerra Fria. Na época, profetizava o então presidente dos EUA, George Bush, sobre os escombros da ex-URSS: "Chegamos a uma nova ordem mundial". Aquele Estado, aparelhado para a guerra, com monopólio de setores estratégicos, pesado e oneroso, ia desaparecer. Em seu lugar, seria erigido um Estadomínimo, mais ágil e comprometido com a agenda social. Em tese, esse era o caminho. Roberto Candelori é coordenador da Cia. de Ética, professor da Escola Móbile e do Objetivo. E-mail: rcandelori@uol.com.br CAMINHOS E DESCAMINHOS DA GLOBALIZAÇÃO Fevereiro 23, 2008 in Papo Reto com Wellington Nery Três visões de mundo: a fábula, a perversidade e a possibilidade Por Wellington Nery* Num texto limpo e agradável, o que se caracteriza como exceção dentre as obras da temática, Por uma outra globalização do mestre baiano Milton Santos, disseca o fenômeno globalização e abre as janelas da história humana ao alvorecer de três visões de mundo: a primeira como fábula, a segunda como perversidade e a terceira como possibilidade. 26

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A primeira seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula que erige de certo número de fantasias forjadas por uma máquina ideológica forte, utilizando-se do discurso uníssono de movimento acelerado e contínuo de ideais que repulsam e rechaçam qualquer pensamento contrário à “evolução natural humana”. Mudar para permanecer o mesmo, tudo igual. Promover “revoluções instantâneas” (tecnológicas, bélica etc.) ao invés de assegurar revoluções reais lentas e graduais (educação para todos e com qualidade, fortalecimento da sociedade civil organizada e da cidadania nela contida etc.) que verdadeiramente contribuem para a real transformação social e a subseqüente evolução humana. A segunda seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade. Para a maior parcela da população mundial a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. Desemprego, fome, violência, a pobreza e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. A perversidade sistêmica está na raiz dessa (in)evolução negativa da humanidade tem relação direta com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são imputadas direta ou indiretamente ao presente processo de globalização. A terceira, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização. As bases materiais do período atual são, entre outras, a unicidade da técnica, a convergência do momento e o conhecimento do planeta. A questão é como tais bases têm sido trabalhadas pela humanidade, pois elas têm sido o apoio do grande capital para construir a globalização perversa. Só que essas bases podem e devem ser postas a serviço de outros fundamentos sociais e políticos. Ao que pareciam, as condições históricas do fim do século XX apontavam para esta última possibilidade. Infelizmente, tem ficado tão somente na aparência, pois a hegemonia da gananciosa aceleração do processo de mais valia e as irracionalidades humanas, caminham crescentemente para um descompasso ao vislumbramento do mestre Milton Santos em seguirmos uma trajetória oposta à que tomamos nos dias atuais. Inexoravelmente, a universalização positiva da humanidade distancia-se a cada momento de intransigência e irracionalidade dos líderes mundiais. No entanto, a esperança persiste e reside em pessoas como Milton Santos e em ações como as de suas obras. E o que nos motiva é a existência de uma verdadeira sociodiversidade, historicamente muito mais significativa que a própria biodiversidade e as famigeradas políticas hegemônicas. Fonte: SANTOS, Milton. Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal. São Pauto: Record, 2000. * Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo Especialista em Metodologia do Ensino Superior Especialista em Comunicação em Saúde Especialista em Gestão de Pessoas Jornalista filiado a FENAJ, ao SINJORBA e a AJI – DRT/BA: 1958. e-mail: jornalistanery@yahoo.com.br Site: www.jequietotal.com.br

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Globalização para quem? Caminhos e Descaminhos Gilberto Andrade de Abreu Educação 313 páginas Formato: 14x21 Este livro foi concebido de maneira a oferecer ao público em geral (advogados, executivos, administradores, estudantes, etc) uma visão ampliada do conjunto de fenômenos que se convencionou, na última década, denominar globalização. Da mesma maneira que ocorre com as tentativas de periodização histórica, essa expressão sofre o mesmo desgaste. O pior é que, na maioria das vezes, ela é usada indevida ou inadequadamente. E quase sempre é usada em vão. A aceleração histórica em que se vive, com a voragem de novidades e de acontecimentos, suscita espanto, quando não o medo e, quase sempre, a perplexidade. Foram-se, definitivamente, as épocas em que as coisas mudavam - quando mudavam - com extrema lentidão. A partir de algumas décadas para cá, sobretudo, o ritmo das mudanças foi acelerado, o que gera sentimentos contraditórios, sendo o mais grave, o da relativização dos valores. A avalanche de informações, de estímulos de toda ordem, de sensações contraditórias, a que somos submetidos por essa realidade múltipla e prismática, provoca-nos, tentativas e esforços de compreensão. Das tantas e muitas já feitas, algumas dezenas delas citadas nesta obra, pretendendo-se, assim, oferecer uma valiosa contribuição, alinhavando idéias próprias do autor e alheias, na busca de um mínimo entendimento. Os capítulos deste livro estão divididos por temas, tais como: Economia, Urbanização, Tecnologia, Política, Cultura e Meio Ambiente. O capítulo final aponta as dúvidas e as incertezas, embora não lhe falte, como nos demais, uma fundada esperança nos destinos do Homem. Sem nenhuma dose de certezas fúteis ou mesmo pueris, mas calcada em toda a herança humanista do autor, declaradamente iluminista. Por essa razão é que a obra não é, e nem pretende ser, um trabalho neutro. Gilbert Chesterton dizia que "só o nada é neutro". Max Weber que "neutro é quem optou pelo lado mais forte". A opção clara é, pelo contrário, pelo lado dos vencidos. Daqueles a quem tiraram a vez e a voz. O livro persegue, conforme declara o autor, dentre as ameaças que a todos assediam: alucinadas políticas de segurança, que poderão conflagrar o planeta; a cupidez dos mercados, notadamente o financeiro, que enriquecem demasiadamente uns e condenam à condição subumana a tantos; a possibilidade de um desastre ambiental, sem precedentes e sem possibilidades de reequilíbrio; da intolerância que divide tantas pessoas e povos; além de incontáveis outros e temíveis riscos; mostrar que não se deve viver na desesperança, mas, ao contrário, demonstra que deve ser mantida viva a chama da luta para manter a cadeia da vida, seguindo a lição do poeta João Cabral de Mello Neto: "podeis aprender que o homem é sempre a melhor medida. Mais: que a medida do homem não é a morte, mas a vida." Trata-se de livro que ilustra, elenca, demonstra, enumera, aponta e discute o que é essa tal de GLOBALIZAÇAO, indagando: Para quem? Quais os caminhos e descaminhos?

Capítulo 3

O TROCA-TROCA INTERNACIONAL COMÉRCIO INTERNACIONAL Resumo: neste tutorial será mostrado os várias blocos econômicos que atuam no comércio mundial, em busca de fortalecer suas economias e mercados, e como eles se relacionam entre si. Uma das principais questões da atualidade, é se a tendência de se formar e consolidar blocos econômicos irá enfraquecer os acordos 28

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multilaterais de comércio. Os acordos multilaterais surgiram com a criação do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio). Essa entidade vem aprovando regras que visam estimular o comércio multilateral. Regras essas, que devem ser seguidas por todos seus signatários, que hoje são mais de 120 países, facilitando as trocas comerciais. Um principio importado dessa entidade entre países membros. Ou seja, qualquer vantagem envolvendo tarifas aduaneiras e concedido bilateralmente deve ser estendido ao comércio feito com todos os países signatários. A ultima rodada de negociações se iniciou em 1986, no Uruguai. Nessas negociações era pretendido incorporar às regras do Gatt setores como agricultura, serviços, têxteis, investimentos em que o protecionismo se mantinha preservado por regras que dificultavam a expansão dos trocos. Devido aos obstáculos colocados por países que não queriam ceder certas vantagens, as negociações, que receberam o nome de Rodada Uruguai, extrapolaram o prazo, que foi previsto para quatro anos. Finalmente a Rodada Uruguai finalizou em 1994, quando em Marrakech, Marrocos, foi assinada a Declaração de Marrakech, que criou a OMC (Organização Mundial do Comércio). A OMC, tem sua sede em Genebra, Suíça. Surgiu para substituir o Gatt, que era apenas um acordo, e passou a ter o mesmo status do FMI, tendo maior força para finalizar o comércio e fortalecer o multilateralismo. A OMC começou a funcionar em 1995; e resultando de acordos da OMC ou de interblocos, uma coisa é certa, o comércio mundial só tende a crescer.

Como mostra o gráfico o comércio mundial cresce cada vez mais, principalmente entre os países ricos O comércio mundial tem crescido rapidamente, desde a Segunda Guerra Mundial, inclusive mais rápido que o produto mundial bruto. Essa é uma das importantes da globalização. A expansão do comércio se deve aos avanços tecnológicos nos meios de transportes 29

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e comunicações, que além de terem provocado, podemos dizer o encurtamento das distancias, e, portanto reduzindo o tempo gasto para deslocar mercadorias. O Comércio está fortemente restrito aos países desenvolvidos. As transações feitas entre esses países representam 85% do comércio mundial. A tendência atual parece ser o aumento das trocas interblocos, além do crescimento dentro dos vários blocos regionais, respeitando-se algumas regras básicas da OMC. Uma União Européia Com o nome de Comunidade Econômica Européia, criada em 1957, assim começou o que hoje é uma das mais forte do mundo. À União Européia. A França, a Alemanha Ocidental, a Itália, Paises Baixos, Luxemburgo e Bélgica, foram seus primeiros membros. Com o tempo, em 1973, ingressaram a Dinamarca, o Reino Unido, a Irlanda, na década de 80, a Espanha, a Grécia e Portugal. Em 1995, entraram a Áustria, a Finlândia e a Suécia, completando assim o grupo dos quinze. Mas é possível o aumento desse grupo, vários países da Europa Central têm pretensão de entrar na UE. Num momento em que os países emergentes estavam enfraquecidos não só economicamente, mas também politicamente, por causa da 2ª Guerra Mundial, foi criada a UE, essa união visava recuperar a economia dos países membros, bem como fazer frente ao avanço da influência econômica Norte-americana, enfrentando o comunismo. Os objetivos da UE foram abrangidos gradualmente. Em 1986, houve a assinatura do Ato único, que revisou e complementou o Tratado de Roma, estabelecendo objetivos precisos para integração. Em 1993 estabeleceu-se o fim das barreiras, à livre circulação de mercadorias, serviços, capitais e pessoas. Entretanto, quanto a circulação de pessoas somente em 1997 entrou em vigor o Acervo Schengen. Esse acesso consistia em suspensão gradualmente de controle fronteiriço entre os países membros. Os países membros aceitaram abolir as barreiras para a livre circulação de pessoas num período de cinco anos, a partir de 1997, com exceção do Reino Unido e Irlanda. Em Maastricht, Países Baixos, em dezembro de 1991, foi feito um novo trato, que substitui o de Roma. Com a assinatura desse tratado, foi mudado, em 1994, o nome CCE, para UE (União Européia), e seus membros estabeleceram o ano de 1999, para a implantação de moeda única o Euro. Essa moeda está em circulação desde de janeiro de 1999, mas o Reino Unido, Dinamarca e Suécia, não aderiram à União Monetária Européia. O controle monetário dessa nova moeda é exercido pelo Banco Central Europeu, Frankfurt, Alemanha. 30

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A UE pretende também implantar uma carta social definindo os direitos de cidadãos em todos os países membros, e uma legislação comum de preservação ambiental. Todas as decisões que afetam a UE devem passar pelo Parlamento Europeu, sediado em Estrasburgo (França). Esse Parlamento é composto por representantes, eleitos diretamente de todos os países membros; o numero de representantes é proporcional a cada país. No Tratado da UE, podemos dizer que há de novo: - Direitos inerentes à qualidade de cidadão europeu; - Uma nova moeda européia, comum entre os países membros; - Novas competências: intensificação da defesa do consumidor; política de saúde; política de concessão de vistos; reforços das infraestruturas de transporte, energia e telecomunicações; consagração no Tratado da cooperação no desenvolvimento; cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos; - Poderes acrescidos ao Parlamento Europeu: aprovação da composição da comissão; participação no processo legislativo; aprovação de todos os tratados internacionais importantes; - Instituição de uma política externa e segurança comum. Em 1994, os então 12 países da UE, formaram a EEE, junto com os cinco países da Associação Européia de Livre Comércio (Aelc), Islândia, Noruega, Suécia, Finlândia e Áustria. A Suíça, membro da Aelc rejeitou a participação no EEE. Em 1995, se desligaram da Aelc e ingressaram como membros definitivos da UE, a Áustria, a Finlândia e a Suécia. Assim a Aelc, uma zona de livre comércio, ficou restrita a apenas: Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça.

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Hoje a UE é formada por 25 países, e cada vez mais esse bloco fica mais forte Nafta O Acordo Norte-americano de Livre Comércio (Nafta) entrou em vigor em 1994, entre os Estado Unidos e Canadá. Trata-se de um gigantesco mercado, com um PNB superior a 8 trilhões de dólares. Tem como centro a economia dos Estados Unidos, essa zona de livre comércio deve ser implantada com a gradativa redução das barreiras alfandegárias entre os países membros. O Nafta parece ser uma reedição da Doutrina Monroe, adaptada para os dias atuais. Isso ficam bem evidente quando, em 1990, foi lançada em proposta de criação de uma zona de livre comércio em toda as Américas. Ficou claro o interesse norte-americano por uma região que ficou um tanto esquecida durante a Guerra Fria, à América Latina. Os Estados Unidos pretendem criar a ALCA (Área de Livre Comércio da Américas) abrangendo toda a América, menos Cuba. MERCOSUL O MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) vigora desde novembro de 1991, foi constituído pelo Tratado de Assunção. Os países que fazem parte são: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Esse acordo visava estabelecer ema zona de livre comércio entre os países membros, eliminando taxas alfandegárias, e tendo restrições não-tarifárias, liberando a circulação de mercadorias. Foi fixada uma política comercial conjunta dos países em relação a terceiros, o que implicou em uma tarifa externa comum. No momento o MERCOSUL se encontra no estágio de união aduaneira, mas estão previstos avanços para uma integração mais profunda. Diante de outros grandes blocos, o MERCOSUL parece um anão, e problemas econômicos e políticos dos países membros dificultam para se ter uma integração mais plena. O Chile e a Bolívia assinaram um acordo de livre comércio com o MERCOSUL, isto, porém, não os considera como membros do Mercosul, mas apenas uma abolição de barreiras alfandegárias para estimular o comércio regional. O MERCOSUL, apesar de ser uma união aduaneira, está sendo o passo mais sólido dado por países subdesenvolvidos rumo a economia mundial globalizada. Outras organizações na América latina A tentativa de integração na América Latina é antiga. Sob a influencia da Comunidade Econômica Européia, em 1960, foi criada a 32

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Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC), através do Tratado de Montevidéu. Seu objetivo era criar a partir de uma zona de livre comércio inicial, um mercado comum. No entanto a ALALC fracassou, seus objetivos nunca foram alcançados. Entre outros, um dos motivos disso, foi as práticas protecionistas implantadas pelos regimes militares autoritários que predominavam na região desde a década de 60 aos anos 80. Com o fracasso da ALALC, foi feira outra tentativa com um novo Tratado de Montevidéu, que resultou na criação da Associação Latina Americana de Desenvolvimento e Integração (Aladi). Essa entidade traçou objetivos bem pretensiosos: não fixava prazos rígidos para criação de uma zona de livre comércio, aceitava acordos bilaterais entre os países membros, etc. Mas a Aladi também fracassou; ela surgiu em um período que a América Latina passava por um período de dívida externa, o que fez com que os países tomassem medidas protecionistas para garantir saldos positivos em seu comércio exterior. Mais uma vez a integração regional foi protelada. Além da ALALC e Aladi, foram feitas ouras tentativas integracionistas. Em 1960, foi criado o Mercado Comum Centroamericano (MCCA), composto por Honduras, Nicarágua, El Salvados e Costa Rica. Também em 1965 surgiu o Pacto Andino, fazendo parte o Peru, a Bolívia, a Colômbia, Equador e a Venezuela. Todas essas organizações buscavam: implantar uma zona de livre comércio, e uma integração econômica mais profunda. Mas todas elas sofrem do mal do subdesenvolvimento: dependência econômica e tecnológica, mercado interno reduzido, baixo nível de industrialização, grandes desníveis sociais e regionais. Os países subdesenvolvidos tem grande dificuldade de se inserir competitivamente na economia mundial, que está cada vez mais globalizada. Assim, é compreensível que o MERCOSUL, apesar de mais novo. Está sendo relativamente bem sucedido. Isto porque fazem parte neste bloco dois dos países que possuem maior industrialização e diversidade da América latina: o Brasil, em primeiro lugar, e a Argentina, em terceiro lugar. Em torno desses países, principalmente o Brasil, que as outros economias vão circular, como o Paraguai e o Uruguai. Ásia e Pacífico Em 1967, foi constituída a Associação da Nações do Sudeste Asiático (Asean). Foi criada inicialmente para o desenvolvimento da região, mas em 1992 foi resolvido transformar em uma zona de livre comércio a ser implantada até 2008. A Asen é composta pelo Camboja, Brunei, Cingapura, Indonésia, Laos, Filipinas, Malaísia, Myanmar, Finlândia e Vietnã. Em 1989, foi criada a Apec (Cooperação Econômica Ásia33

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Pacífico) essa entidade prevê a implantação d uma zona de livre comércio entre os seus membros. Mas essa integração parece que ocorrerá em um longo prazo, dividido a desigualdade econômica entre os países membros, e a disputa entre as potências: Estados Unidos e Japão. O bloco do Pacífico engloba vários países da bacia do Pacífico, tendo como potência dominante o Japão. O Japão, devido a sua alta capacidade de investimento e produtividade, grande dinamismo econômico e tecnológico, é hegemônico no Pacífico. Nessa região a moeda forte é o iene. Diferente dos ouros blocos, esse não resulta de acordos, mas sim da hegemonia japonesa. Como será o capitalismo que vai salvar o mundo da crise? Esta foi a grande questão do 39º Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça JOSÉ FUCS, DE DAVOS

EM TODO LUGAR Manifestação de trabalhadores em Paris; mendigo numa rua de Nova York; protesto contra o desemprego em São José dos Campos, São Paulo; e telão da Bolsa de Valores de Tóquio (em sentido horário). Os efeitos da pior crise desde os anos 1930 são globais

No Fórum Econômico Mundial, realizado na semana passada na charmosa estação alpina de Davos, na Suíça, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair contou uma história que ilustra com perfeição o impacto da atual crise financeira não apenas na vida das pessoas e das empresas, mas também no campo das ideias. Convidado a participar de um painel sobre os valores que estão por trás do capitalismo, Blair disse ter encontrado recentemente, por acaso, um amigo dos tempos da faculdade – que, como ele, havia sido engajado nos protestos estudantis contra o sistema. “Acreditem ou não, eu era bem de esquerda, como vários amigos que acabaram virando executivos de bancos”, afirmou, provocando risos da plateia, formada principalmente por banqueiros, empresários e economistas de quase cem países. De acordo com Blair, seu amigo se manteve fiel à luta contra o sistema até hoje. E, ao encontrá-lo, não perdeu a oportunidade de alfinetá-lo: “Eu lhe falei que o capitalismo iria acabar”, disse seu amigo, referindo-se ao estrago causado na economia global pela crise. Assim como o velho companheiro de Blair, a ideia de que o capitalismo está agonizando vem sendo comentada, em maior ou menor grau, em quase todo lugar. Uma pesquisa realizada pela Harris Poll, publicada pelo jornal britânico Financial Times, mostra que um grande número de pessoas no mundo acredita que a crise se deve ao capitalismo em si, e não apenas a seus excessos. Na Alemanha, 30% acreditam nisso. Na França, 17%. Na Espanha, 15%. Nos Estados Unidos, epicentro da crise, 8%. No Brasil, a morte do capitalismo também se transformou num dos temas preferidos nas rodas de intelectuais, nos bares da vida e nas areias de Ipanema. Ou então em reuniões de grupos de esquerda como o Fórum Social, ao qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva compareceu,

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realizado em Belém O impacto da crise 2009 terá redução do crescimento econômico, aumento do desemprego e queda significativa no comércio internacional em todo o mundo

Desaceleração recorde Em 2009, a economia mundial deverá ter o menor crescimento desde a Segunda Guerra Mundial – em % ao ano

Pela primeira vez desde 1982, o comércio mundial deverá encolher em 2009 – variação anual das exportações em %

Como será o capitalismo que vai salvar o mundo da crise? Não é de hoje que se anuncia a morte do capitalismo. Desde que o filósofo escocês Adam Smith lançou as bases do sistema no clássico A riqueza das nações, publicado em 1776, o capitalismo virou alvo de críticas tão intensas quanto a paixão que ele costuma despertar em seus defensores. Por vezes, perdeu espaço na vida das nações, em particular em momentos de crise como o que vivemos hoje. Mas, com o tempo, como

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uma fênix, parece ressurgir revigorado por suas próprias fraquezas. De certa forma, é compreensível que o capitalismo esteja sendo dado como morto. O mundo enfrenta a pior crise econômica desde a Grande Depressão, nos anos 1930. Ninguém com menos de 80 anos viveu algo semelhante. A queda das Bolsas de Valores e as perdas nos mercados futuros já drenaram mais de US$ 50 trilhões da poupança global – no Brasil, a perda alcançou cerca de R$ 1 trilhão. “As pessoas estão deprimidas e traumatizadas ao ver as economias de suas vidas, incluindo casas e planos de aposentadoria, desaparecer”, disse o empresário Rupert Murdoch, presidente da News Corporation, uma das maiores empresas de mídia do planeta, durante o evento de Davos. Na tentativa de estimular a atividade econômica, os principais bancos centrais já baixaram os juros para quase zero. No Brasil, o Banco Central promoveu em janeiro um surpreendente corte de um ponto na taxa básica, para 12,75%, o maior desde 2003. Na tentativa de salvar o sistema financeiro, os governos e bancos centrais também já injetaram somas colossais em pacotes emergenciais e assumiram o controle de alguns bancos. Segundo dados do Banco da Inglaterra, o total de recursos injetado no sistema financeiro em todo o mundo chega a US$ 7,3 trilhões, o equivalente a mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB) americano e a quase seis vezes o PIB brasileiro. Só o Fed, o banco central americano, já entrou com US$ 2 trilhões, incluindo a garantia para os ativos tóxicos dos bancos em dificuldades. Mesmo depois de todas essas medidas, o sistema financeiro ainda não dá sinais de ter voltado à normalidade. Negócios bem estabelecidos estão quebrando por causa da falta de crédito. Linhas de financiamento à exportação, normalmente uma das modalidades mais convencionais de crédito da praça, minguaram. E o buraco parece não ter fim. Quando se acredita que a crise está acalmando, aparece outro banco com problema aqui ou ali. A questão é: o que fazer agora para resolver o problema de uma vez por todas? É isso, basicamente, que está em discussão no encontro de Davos. E é por isso que esta 39ª edição do Fórum Econômico Mundial é considerada histórica. De acordo com o megainvestidor George Soros, mais do A queda nas Bolsas que nacionalizar ou injetar recursos públicos nos bancos Nos últimos 12 meses, até 28 de sem o recebimento de uma contrapartida em ações, a janeiro, as Bolsas de Valores melhor opção é seguir um esquema semelhante ao que foi acumulam uma perda significativa adotado pelo Proer, o programa brasileiro de saneamento em dólar do sistema bancário implementado nos anos 1990. A ideia, como no Proer, é separar os bancos com problemas em duas instituições: a boa, com os ativos de qualidade, os clientes e os créditos saudáveis, e a ruim, que herda o “banco velho” com os ativos tóxicos. É algo ruim para os acionistas, que veem seu patrimônio evaporar, e também para os contribuintes, já que o governo paga a conta. Mas resolve – e o governo iria pagar a conta mesmo, de um jeito ou de outro. A questão, segundo Soros, é que depois da recente injeção de recursos públicos nos bancos fica difícil seguir esse caminho. Isso significa que não há muitas opções à vista além da estatização e da doação pura e simples de dinheiro público. “Os bancos estão vivendo como um doente que se mantém vivo com a ajuda de aparelhos”, afirma Soros. Com o sistema financeiro na UTI, a crise, em vez de dar sinais de acomodação, parece se aprofundar cada vez mais. Já há algum tempo, ela ultrapassou a fronteira do mercado financeiro e atingiu a economia real. O desemprego deverá crescer de forma dramática. Pelas projeções da Organização Mundial do Trabalho (OIT), cerca de 50 milhões de pessoas poderão perder seus empregos só neste ano. O comércio internacional também deverá encolher. De acordo com o Banco Mundial, as exportações mundiais terão uma queda de 2,1%, o pior desempenho desde 1982. É um quadro sombrio. Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia mundial deverá crescer apenas 0,5% em 2009, o pior resultado desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O crescimento do Brasil poderá ficar em 1,8% em 2009, segundo o FMI, menos da metade da taxa de 2008. Muitos economistas acreditam que o resultado da economia global poderá ser ainda pior – uma queda de 0,5% a 1%. Estima-se que, entre 2010 e 2012, a média de crescimento global deverá ficar em apenas 2,5% ao ano. “Não veremos a economia mundial crescer 4% ao ano novamente por um bom tempo”, afirmou o economista Stephen Roach, comandante na Ásia do Morgan Stanley, maior banco americano de investimento. Ao contrário do

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que aconteceu nos últimos anos, o encontro de Davos foi marcado pelo pessimismo dos participantes. “Não chegamos ainda ao fundo do poço”, disse Justin Yufi Lin, economista-chefe do Banco Mundial. Como se fosse para dar razão aos pessimistas, na sexta-feira o governo dos Estados Unidos divulgou que o PIB caiu 3,8% nos últimos três meses de 2008. É a pior contração trimestral desde 1982, mas não foi tão ruim quanto muitos economistas esperavam – e isso pode indicar que a maior economia do mundo ainda vá cair mais. Como será o capitalismo que vai salvar o mundo da crise? Nos países em desenvolvimento, o efeito da crise é ainda mais perverso. Com as exportações em queda e sem as reservas em moeda forte acumuladas pela China e mesmo pelo Brasil, eles estão sem dinheiro para manter as exportações de produtos essenciais, como petróleo e alimentos. Sem ajuda internacional, a pobreza e a fome tendem a aumentar. Mesmo a China, considerada a grande locomotiva da economia mundial hoje, está sofrendo com a crise. Com um mercado interno ainda pouco desenvolvido e fortemente dependente das exportações, o país deverá crescer 6% em 2009, bem abaixo dos 9% de 2008 e dos 13% de 2007. A desaceleração da China deverá dificultar ainda mais a retomada econômica. Na semana passada, a Câmara dos Deputados americana aprovou o pacote de US$ 819 bilhões do novo presidente, Barack Obama, para estimular a economia e criar empregos, com o corte de impostos e a realização de investimentos na área de infraestrutura e o desenvolvimento de fontes alternativas de energia, saúde e educação. Iniciativas semelhantes estão sendo adotadas na Europa e em outros países, inclusive o Brasil. Mas promover o aquecimento da economia com o dinheiro do Estado – quer dizer, dos contribuintes, atuais e das futuras gerações – suscita uma série de dúvidas.

US$ 819 BI Obama, na Casa Branca, depois que a Câmara aprovou seu pacote de investimentos. O valor é alto – mas a expectativa é maior Infelizmente, governos de várias épocas já demonstraram que são muito hábeis para gastar dinheiro rápido. Falta demonstrar que sabem gastá-lo bem. Onde quer que o governo influa no funcionamento do mercado, surge a questão da eficiência e do desperdício. Governos são sempre sujeitos a lobbies, de setores, empresas, governos estaduais – e isso já está acontecendo nos EUA e em todos os países que planejam pôr dinheiro público na economia. A posse de Obama, há 15 dias, aumentou as expectativas em relação às medidas dos Estados Unidos contra a crise. É difícil que ele consiga atendê-las. Esperado em Davos, o presidente do Comitê Econômico americano, Larry Summers, cancelou a viagem, frustrando os participantes. Como representante de seu governo, Obama enviou Valerie Jarrett, conselheira-sênior da Casa Branca. “Precisamos reconstruir a confiança no sistema financeiro, com base em transparência, respeito e responsabilidade”, disse Jarrett. “Uma nova regulação do setor financeiro é uma das prioridades do governo Obama. É preciso ter regras fortes, simples, para proteger investidores e consumidores.” Apesar da ideia de que a crise representa o fim do capitalismo, alimentada por muita gente, isso está longe de acontecer. Uma das forças do capitalismo é sua capacidade de adaptação e de aperfeiçoamento. Foi assim em 1929. Foi assim também na crise da dívida externa de países emergentes, como o México e o Brasil, em 1982. O mesmo aconteceu com a crise da Ásia em 1997. É certo que, na crise atual, o Estado, que havia perdido espaço na economia em quase todos os países nas últimas décadas, assumiu o papel de protagonista para salvar o sistema financeiro do colapso e evitar uma desaceleração ainda maior da economia mundial. A crise ressuscitou as ideias do economista John Maynard Keynes (1883-1946), de que o Estado deve atuar com vigor para estimular a atividade econômica, adotadas na Grande Depressão pelo presidente americano Franklin Delano Roosevelt. Mas, embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha afirmado que “mais governo é a solução e não o problema”, é pouco provável que a intervenção do Estado na economia tenha vindo para ficar. “O Estado tem um grande papel a desempenhar no momento, para nos ajudar a sair da crise, mas não é a resposta para o futuro”, afirma Tony Blair. “Ao contrário. Seu propósito é garantir que o sistema de livre mercado volte a funcionar”. Após a queda do Muro de Berlim e o fim da ex-União Soviética, no final dos anos 80 e início dos anos 90, o capitalismo passou a reinar de forma absoluta. De lá para cá, o mundo prosperou como nunca. A riqueza se multiplicou, melhorando a qualidade de vida de centenas de milhões de pessoas. Até a China, governada pelo Partido Comunista desde 1948, aderiu ao capitalismo, com a implantação de reformas

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liberalizantes da economia a partir de 1978. Elas transformaram a face do país, com uma taxa média de crescimento de 10% ao ano desde então. “A concentração de ativos nas mãos do Estado é um aspecto negativo das medidas anticrise em qualquer país”, afirmou o primeiro- -ministro da Rússia, Vladimir Putin, na semana passada em Davos. “No século XX, na União Soviética, o Estado tinha um papel absoluto. No longo prazo, isso comprometeu totalmente a competitividade da economia. Estou certo de que ninguém quer repetir isso”. Segundo o economista e empresário Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, o que está acontecendo agora é uma fase de transição. Ela deverá forjar um novo capitalismo. “Estamos vendo o nascimento de uma nova era, um chamado para repensar nossas instituições, nossos sistemas e, acima de tudo, nosso pensamento e nossas ações”, diz Schwab. “Se olharmos esta crise como uma oportunidade de transformação, podemos criar as bases para um mundo mais estável, mais sustentável e mais próspero”. Não por acaso o tema central do encontro de Davos deste ano foi “Moldando o mundo pós-crise”. Mais do que se concentrar no diagnóstico da crise, a ideia era identificar as soluções e o “novo capitalismo” que deverá surgir a partir dela. Não era uma tarefa fácil e, provavelmente, será apenas mais uma contribuição para o debate que se inicia na esfera internacional. Mas, de qualquer forma, do encontro de Davos é possível traçar um desenho desse novo capitalismo. No novo cenário, espera-se que os americanos, em particular os 10% mais ricos da população, que sofreram a maior perda patrimonial com a crise, levem uma vida mais frugal, ao menos por algum tempo. Espera-se também que a classe média, ainda assustada com a crise, aumente sua poupança, que era negativa, para algo como 10% do PIB americano, de US$ 14,1 trilhões. Em tese, isso deveria ter um impacto tremendamente negativo na economia global. Mas, segundo Ian Davis, diretor mundial da McKinsey, uma das principais consultorias do mundo, deverá ser compensado pelo crescimento da classe média em países emergentes como a China, a Índia e o Brasil. Embora deva haver uma retração no comércio mundial em 2009 e exista a perspectiva de um aumento do protecionismo, prevalece o consenso de que a globalização não vai dar marcha a ré. Ao contrário, a tendência é que ela se amplie. Roach, do Morgan Stanley, diz, porém, que é necessário adotar uma postura que privilegie o multilateralismo na esfera internacional. “Não há um mecanismo para punir quem tem mau comportamento nem para premiar o bom”, afirma. “Sem um organismo multilateral que possa latir e punir não vamos chegar a lugar nenhum”. DISCUSSÕES Participantes do Fórum conversam durante uma pausa, no centro de convenções. O tom era de pessimismo com a crise Por essa visão, organismos como o G-20, que reúne países ricos e em desenvolvimento, entre eles o Brasil, tendem a ganhar importância, enquanto o G-8, um clube fechado dos sete países mais industrializados mais a Rússia, tende a perder espaço. O poder político está migrando do Ocidente para o Oriente e do Norte para o Sul – e isso precisará ser reconhecido na arena global. “A crise financeira prova que a interdependência global hoje é mais importante que qualquer outra coisa. Nós simplesmente não podemos ficar longe uns dos outros. O divórcio não é uma opção”, diz o ex-presidente americano Bill Clinton. A atuação de organismos internacionais como o Banco Mundial e o FMI também terá de ser repensada. O capitalismo forjado a partir da atual crise econômica precisará resgatar os valores perdidos nas últimas décadas, em particular no sistema financeiro, em que impera a visão de curto prazo. “A corrida em busca da capitalização das ações das empresas na Bolsa de Valores estava obscurecendo o aumento de produtividade e a eficiência real do negócio”, afirmou Putin em seu discurso em Davos. Acusações de ganância, fraude e desrespeito pela ética e os interesses da sociedade proliferam durante a crise. Muitos banqueiros e líderes empresariais foram acusados de ter perseguido bônus milionários para si mesmos, em detrimento dos contribuintes que agora financiam os pacotes de resgate de instituições quase falidas. Há uma forte demanda, hoje, para que os conselhos de administração assumam mais responsabilidades nas iniciativas das empresas. “Nos últimos anos, desenvolveu-se uma cultura em que as pessoas deixaram de levar em conta o que é certo ou errado e passaram a se preocupar apenas em saber se uma transação é legal e se há um mercado para ela”, diz Stephen Green, presidente do conselho de administração do HSBC, um dos poucos banqueiros internacionais que, segundo Blair, ainda podem sair de casa à luz do dia, por não ter se envolvido na “pirâmide” financeira montada com os títulos hipotecários americanos. “Muita gente em Wall Street falou que houve um erro de julgamento. Mas a linha divisória entre o erro de julgamento e a falha moral é sutil”, afirma Indra Nooyi, presidente da Pepsico. “Você pode ter todos os tipos de leis, mas é a ordem moral, e não a legal, que deve prevalecer”. É na regulação do sistema financeiro, no entanto, que se concentra boa parte das medidas práticas de mudança. Entre as ideias que estão na mesa, incluem-se a adoção de diferentes moedas para aplicação das reservas internacionais, em vez de usar apenas o dólar, e uma mudança nos índices de capitalização e nos procedimentos contábeis dos bancos. No papel isso parece fazer todo o sentido, junto com a adoção

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de políticas de responsabilidade social e ambiental. Mas algumas ideias são de difícil implementação. O escritor Paulo Coelho, que participa do Fórum de Davos há nove anos, diz que “estão fazendo as perguntas certas”. Mas ele diz que as respostas “são muito perigosas” e se mostra preocupado com as interferências do governo na economia, com a injeção de dinheiro público em empresas semifalidas. “As outras empresas podem entender que, quando tiverem um problema, o governo sempre estará por perto para lhes dar cobertura”, diz o escritor. A discussão está longe de terminar. Mas, em Davos, o que se ouviu foi um programa de resgate dos valores básicos do capitalismo. Entre eles, que só o trabalho produz riqueza.

PrimeiraAnteriorÚltimaPróxima1234567 Como será o capitalismo que vai salvar o mundo da crise? Esta foi a grande questão do 39º Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça JOSÉ FUCS, DE DAVOS O tom do encontro Chefes de governo e empresários frisaram a necessidade de reformar o sistema capitalista, mas para salvá-lo, e não destruí-lo “Na União Soviética, o Estado era absoluto na economia. Isso comprometeu a competitividade. Ninguém quer repetir isso” Vladimir Putin, primeiro-ministro da Rússia

“Seria bobagem dizer que a gente vai sair da crise facilmente. Ela está ficando pior e não há atalhos para encontrar as soluções” Rupert Murdoch, presidente da News Corporation

“A resposta correta à crise não é o protecionismo. Não queremos voltar a uma visão fechada do mundo” Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico

“Em um momento de dificuldades, a recuperação da confiança é mais importante que qualquer outra coisa” Wen Jiabao, primeiro-ministro da China

“Você pode ter todos os tipos de leis, mas é a ordem moral, e não a legal, que deve prevalecer” Indra Nooyi, presidente da Pepsico Como será o capitalismo que vai salvar o mundo da crise? Esta foi a grande questão do 39º Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça JOSÉ FUCS, DE DAVOS Enquanto isso, na quente Belém... Em vez de ir a Davos, Lula prestigiou o Fórum Social Mundial, no Pará. Lá ouviu as ideias de

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Chávez, Morales, Correa – e pagou a conta

À VONTADE Lula, com colegas latino-americanos em Belém. Sobraram críticas aos ricos Como fazem todos os anos, os participantes da 9ª edição do Fórum Social Mundial, em Belém, Pará, passaram a semana discutindo as possibilidades de um mundo alternativo. De ONGs as mais variadas (incluindo uma união de prostitutas indianas, por exemplo) até partidos de esquerda bem estabelecidos, todos festejaram os efeitos da crise econômica mundial, que seria o primeiro cavaleiro do apocalipse a destruir o capitalismo. Honraram a tradição do Fórum, criado como contraponto ao encontro de Davos. A crise, aliás, não existe em Belém. A temporada da turma no spa ideológico está garantida pelo dinheiro público. Juntos, a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal entraram com mais R$ 750 mil em patrocínios. O governo federal investiu cerca de R$ 80 milhões na infraestrutura para receber grupos de 59 países. Em 2003, o recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi às montanhas de Davos desfazer os medos de que o Brasil daria um calote em seus investidores. Em 2007, o presidente retornou aos Alpes suíços para defender, entre outras coisas, a conclusão da rodada Doha, para a liberalização do comércio mundial. Neste ano, Lula desistiu de Davos. Lá, estão 41 chefes de governo, sendo 11 representantes das 20 maiores nações do mundo. Lula preferiu encontrar os 100 mil ativistas de Belém. Lá, criticou os países ricos e organismos como o FMI e o Banco Mundial. “Lula não quer ir a Davos ouvir as mesmas ideias que levaram o mundo à falência”, diz o empresário Oded Grajew, um dos criadores do Fórum e amigo do presidente. Em Belém, ouviram-se as ideias novas do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que busca o direito à reeleição eterna. E de seus colegas Rafael Correa, do Equador, que tentou aplicar um calote no Brasil; Fernando Lugo, do Paraguai, que quer um aumento no preço pago pela energia de Itaipu; e Evo Morales, da Bolívia, que tomou refinarias da Petrobras. “Não vejo razão alguma para Lula estar em Davos e muitas para ele estar no Fórum Social Mundial”, afirma o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Uma ideia interessante foi formulada por Candido Grybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Para ele, cada participante deveria doar o equivalente a um dia de trabalho por ano. O dinheiro arrecadado financiaria o evento. Mas essa é só mais uma das ideias exaustivamente discutidas no Fórum, e nunca implementadas no mundo real. Por enquanto, o Fórum vai de dinheiro público mesmo.

Contexto Internacional Print version ISSN 0102-8529 Contexto int. vol.29 no.2 Rio de J aneir o J uly/Dec. 2007 doi: 10.1590/S0102-85292007000200001 ARTIGO A ordem econômico-comercial internacional: uma análise da evolução do sistema multilateral de comércio e da participação da diplomacia econômica brasileira no cenário mundial The international economic-commercial order: an analysis of the evolution of the multilateral trading system and of the involvement of the brazilian economic diplomacy in the global scenario Ivan Tiago Machado Oliveira Mestrando em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador do Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo) da Escola de Administração da UFBA RESUMO O trabalho traça uma análise histórica do Sistema Multilateral de Comércio (SMC), tendo como foco a sua importância para a conformação da ordem econômica internacional do pós-Segunda Guerra Mundial. A partir de uma perspectiva analítico-evolutiva, faz-se uma apresentação do contexto internacional no qual o sistema multilateral foi gerado e identificam-se as interações

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entre as transformações históricas mundiais, tanto no plano político quanto no econômico, e a estruturação do Sistema Multilateral de Comércio, desde o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade (GATT)) até a Organização Mundial do Comércio (OMC). Ademais, o papel desempenhado pela diplomacia econômica brasileira na construção e transformação do SMC será discutido ao longo do presente trabalho. Também são feitas considerações sobre a atual Rodada de negociações multilaterais, a Rodada Doha, e a sua relevância na ótica dos países em desenvolvimento. Palavras-chave: GATT – OMC – Multilateralismo – Comércio Internacional – Diplomacia Econômica ABSTRACT This work brings a historical analysis of the multilateral trading system, focusing on its importance to the building up of the international economic order, after the Second World War. From an evolutionary perspective, the international context in which the multilateral trading system was created is presented. Moreover, the interactions between world historical transformations and the development of the multilateral trading system, from GATT to WTO, are analyzed, both in political and economic points of view. Furthermore, the role played by the Brazilian economic diplomacy in building and transforming the multilateral trading system is analyzed. Some considerations are also made on the Doha Round of trade talks and its importance to the developing countries. Keywords: GATT – WTO – Multilateralism – International Trade – Economic Diplomacy Introdução Uma análise ponderada, e que pretenda ser bem-feita, dos acontecimentos contemporâneos exige o conhecimento dos processos históricos que formaram o caminho seguido até o presente. Isto é, ao analisarmos o comportamento dos agentes ao longo dos anos precedentes – a história da interação entre eles –, os argumentos a serem utilizados a cerca do cenário atual ganham maior embasamento e consistência analítica. Assim, realizaremos, no presente estudo, uma avaliação do processo evolutivo ocorrido no Sistema Multilateral de Comércio (SMC), desde o imediato pósSegunda Guerra até o presente momento, identificando as interações entre as transformações históricas mundiais, tanto no plano político quanto no econômico, e a estruturação do sistema multilateral. O SMC contemporâneo tem suas bases constitutivas na Carta que criava a natimorta Organização Internacional do Comércio (OIC), da qual o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade (GATT)) faria parte. O GATT, estabelecido em 1947 para atuar temporariamente, acabou por ser o organismo (quase-instituição) responsável pela regulação das trocas internacionais por quase cinco décadas. Nesse ínterim, ocorreram modificações significativas na economia mundial, afetando a competitividade das nações e modificando o jogo da política internacional. Uma rápida avaliação do histórico do sistema multilateral sob os auspícios do GATT nos trará alguns elementos comprobatórios de que o lançamento periódico de rodadas de negociação se fundamenta na crença de que as mesmas são importante mecanismo para a criação de um ambiente mais propício ao debate político-diplomático, tendendo a ser observada uma melhora apreciável na facilitação do processo político de construção de regras para o comércio internacional. Ocorreram oito rodadas de negociações no âmbito do GATT. Nessas rodadas, tanto as reformas do próprio GATT quanto os processos de mudança nas barreiras comerciais das partes contratantes eram discutidos. As oito rodadas foram: em Genebra (1947), Annecy (1949), Torquay (1951), Genebra (1956), a chamada Rodada Dillon (1960-1961), a Rodada Kennedy (1964-1967), a Rodada Tóquio (1973-1979) e a chamada Rodada Uruguai (1986-1994). Tomando tais rodadas de negociação multilateral como marcos analíticos importantes, discutiremos, a seguir, o desenrolar do processo histórico-evolutivo do SMC, que teve seus fundamentos teóricos originados em uma visão liberal acerca do comércio internacional, além de aspectos outros de ordem político-ideológica. Primeiramente, analisaremos os esforços de construção do SMC desde a Carta de Havana até os anos 1960, quando acontece a Rodada Kennedy de negociações do GATT. Em seguida, serão abordadas as transformações no sistema, ocorridas na Rodada Tóquio e alargadas na Rodada Uruguai. Finalmente, concluiremos o capítulo analisando o SMC na última década, período marcado pela entrada em cena da Organização Mundial do Comércio (OMC) como verdadeira instituição internacional responsável pela regulação, discussão e abertura de negociação multilateral no que diz respeito às trocas entre as nações. Ademais, o papel desempenhado pela diplomacia econômica brasileira na construção e transformação do SMC será discutido ao longo do presente capítulo. Da Carta de Havana à Rodada Kennedy O Problema da regulação do comércio internacional no pós-Segunda Guerra Ao fim da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se a reconstrução econômica internacional, fundamentada nas novas relações de poder político-econômico que a guerra ajudara a criar. Entretanto, a reconstrução econômica do pós-guerra não deve ser entendida somente a partir do cenário então vigente, mas também como reorientação e re-organização das relações econômicas internacionais, no contexto pós-depressão dos anos 1930.

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A explosão da crise econômica da década de 1930 fez com que o protecionismo tomasse a cena internacional, afetando negativamente o comércio entre as nações. Além disso, após o período da guerra, traumas ainda mais profundos foram sentidos em termos globais. Nesse sentido, com o fim da guerra, procurou-se [...] montar um sistema que evitasse a possibilidade de mais um conflito em escala mundial, evitasse as crises de liquidez de divisas e impedisse os danos provocados pela imposição de barreiras comerciais (BAUMANN et al., 2004, p. 133). Vale notar que iniciativas relativas ao reordenamento da economia mundial no pós-guerra tomaram lugar mesmo antes do fim do conflito. Em agosto de 1941, o presidente dos EUA, Roosevelt, e o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, assinaram a Carta do Atlântico (Atlantic Charter), "documento fundador" dos princípios que viriam a nortear a reconstrução da ordem internacional na segunda metade do século XX, e ao qual o Brasil aderiria no início de 1943. Sobre as características, motivações e importância da Atlantic Charter, Sato (2001, p. 5) relata: O documento não era nem um acordo contratual e nem uma aliança com dispositivos formais. Era, antes, uma declaração de princípios que condenava a tirania sob todas as formas e enfatizava a necessidade do empenho pela construção de uma paz baseada na defesa da liberdade, no respeito às linhas de fronteira consolidadas, na autodeterminação das nações e na renúncia ao uso da força. O documento também entendia que esses princípios estavam inexoravelmente ligados a ações a serem empreendidas no plano econômico e recomendava que um esforço de cooperação entre as nações para se construir uma paz mais duradoura deveria contemplar a igualdade no acesso ao comércio e às matérias-primas e o desenvolvimento de formas mais estáveis de arranjo institucional necessárias à promoção da prosperidade e da segurança social para todos os povos. Obviamente, a Carta do Atlântico teve por motivação fundamental articular o esforço de guerra das nações que lutavam contra o Eixo e seu teor não deixava dúvidas quanto à disposição e inevitabilidade do envolvimento direto dos Estados Unidos na guerra. Todavia, o documento foi, inegavelmente, peça importante na construção da ordem internacional do pós-guerra ao servir de base para dar início às consultas e negociações que iriam resultar nos Acordos de Bretton Woods e na assinatura da Carta das Nações Unidas. A estruturação da nova ordem econômica internacional foi tomando forma a partir, fundamentalmente, da Conferência de Bretton Woods, realizada entre junho e agosto de 1944, ou seja, antes mesmo do fim efetivo da guerra. Ademais, as bases políticas para o estabelecimento de uma nova "confraria entre as nações" foram lançadas em Dumbarton Oaks, em agosto de 1944, tendo resultado na criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em abril de 1945, por meio da Carta de São Francisco. Por fim, em Ialta, em fevereiro de 1945, e em Potsdam, entre julho e agosto do mesmo ano, foram esboçadas as linhas do contorno geopolítico que passaria a dividir o mundo de forma mais clara a partir de 1947. O chamado Sistema de Bretton Woods construiu os pilares para o restabelecimento da ordem no campo monetário e financeiro internacional. Embora tanto nos EUA quanto na Grã-Bretanha existisse certo "consenso" acerca da fundação de uma ordem liberal que viesse a se contrapor às idéias e práticas protecionistas dos anos 1930, observou-se nessa Conferência a contradição entre as percepções norte-americanas e aquelas defendidas pelos britânicos. Tal fato ficou mundialmente conhecido a partir dos debates entre o representante dos EUA, Harry Dexter White,e o enviado britânico, John Maynard Keynes. A proposta norte-americana para o ordenamento das relações monetárias e financeiras internacionais predominou, tendo por base uma simples e poderosa idéia: "quem pagava as contas?". Criou-se, então, o Fundo Monetário Internacional (FMI), enquanto provedor de liquidez internacional e atenuador de crises das contas externas dos países associados; e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), que, como o próprio nome já indica, foi encarregado de financiar a reconstrução e o desenvolvimento econômico dos países do mundo, principalmente das economias européias destruídas durante a Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, ainda que na Conferência de Bretton Woods tenha sido ratificada a necessidade da construção de um sistema multilateral de livrecomércio para a estruturação do sistema econômico mundial no pós-guerra, não houve condições de se tratar do assunto durante a Conferência. Assim, ficou acertado que uma reunião especial deveria ser convocada nos anos seguintes para tratar do tema, como de fato ocorreu. A participação brasileira no reordenamento econômico foi tímida, como era de se esperar, dado o seu limitado poder naquele período, tanto no plano econômico quanto no político. Após uma rápida tentativa de independência econômica na década de 1930, quando se observou o ensaio de preservação de um arranjo de equilíbrio entre as potências predominantes da época, as relações econômicas internacionais do Brasil caracterizaram-se por uma intensa relação com os EUA, especialmente a partir do ataque japonês a Pearl Harbor (1941), quando as nações do Eixo declararam guerra aos EUA, acabando por apressar o envolvimento brasileiro no conflito, ao lado dos Aliados. Sobre a participação brasileira na estruturação do ordenamento mundial no pósguerra, Paulo Roberto de Almeida (2004, p. 114) coloca: Na segunda conferência interamericana de consulta, realizada no Rio de Janeiro em princípios de 1942, as nações americanas hipotecavam solidariedade ao país agredido. O Brasil faz mais do que

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isso: concebendo a aliança como uma excelente oportunidade para resolver os problemas da industrialização pesada e do suprimento militar, o governo de Vargas se decide por um envolvimento direto no conflito militar, algo não exigido pelos estrategistas aliados. No terreno econômico a colaboração também passa a ser a regra. Em maio de 1944, Roosevelt estende ao Brasil o convite para participar, junto com 43outras "nações unidas e associadas", da conferência que deveria discutir a reconstrução econômica do pós-guerra. Um ponto bastante importante, por vezes esquecido, também ressaltado por Paulo Roberto de Almeida (2004), é o da presença da União das Repúblicas Socialistas Sociéticas (URSS) no debate acerca do ordenamento político-econômico mundial no pós-Segunda Guerra. O autor relata: Em todo caso, a "planificação" da ordem econômica do pós-guerra também reservou um papel para a URSS, a despeito da pequena importância que esta tinha nos fluxos monetários e comerciais internacionais. Ao assim procederem, os Estados Unidos queriam evitar o desastroso erro de Versalhes que, ao excluir uma potência – no caso, a Alemanha de Weimar – do concerto mundial, havia gerado o clima de instabilidade e desconfiança responsável pelo ulterior acirramento dos conflitos no continente europeu. Os Estados Unidos se mostraram sensíveis aos interesses soviéticos, em parte porque previam um grande intercâmbio entre matérias-primas soviéticas e manufaturados norte-americanos, o que, depois, revelou-se ilusório. (ALMEIDA, 2004, p. 118). Não obstante o esforço norte-americano para dar certo grau de influência à URSS no quadro institucional que vinha sendo criado, a mesma não ratificou os acordos de Bretton Woods até dezembro de 1945, ficando, portanto, de fora das primeiras instituições econômicas multilaterais criadas no mundo no pós-guerra. A liderança dos EUA foi essencial no processo de reconstrução mundial após o Grande Conflito. Tal liderança, além de necessária, era "natural". Em 1945, os EUA, de forma ainda mais significativa do que havia ocorrido ao final da Primeira Guerra Mundial, haviam emergido como o grande credor internacional. Não se tratava apenas de uma concentração relevante das reservas de ouro nos EUA, mas também de um fosso econômico que se abriu entre esse país e o resto do mundo. O Produto Nacional Bruto (PNB) dos EUA, em 1950, foi de US$ 381 bilhões, enquanto o da GrãBretanha alcançava US$ 126 bilhões, o da URSS, US$ 71 bilhões, e o da França, US$ 50 bilhões. Na realidade, no período em questão, o PNB dos EUA (US$ 381 bi-lhões) era maior do que a soma dos PNBs da URSS, Grã-Bretanha, França, Alemanha Ocidental, Japão e Itália (US$ 356 bilhões).1A demais, a dinâmica da política internacional acabou por desembocar na Guerra Fria, quando foram constituídos dois blocos representativos de modelos político-econômicos distintos e antagônicos, dando aos EUA uma liderança ainda mais solitária sobre as economias de mercado. O papel desempenhado pelos EUA na cena internacional a partir de 1945 teve influência importante, tanto no plano das idéias e princípios que viriam a nortear o desenrolar da dinâmica da política internacional, quanto no das ações efetivas, tomadas com objetivos que variavam, dependendo do quadro geopolítico mundial e de pressões e interesses internos. A estruturação da ordem liberal pretendida no imediato pós-guerra trazia consigo um ar otimista no que diz respeito às construções institucionais da época. Não foi diferente com a pretensão de se criar uma organização voltada para o comércio internacional. A proposta norte-americana de realizar uma reunião especial para negociações acerca da criação de talorganização foi colocada em prática e, sob os auspícios da recém-criada ONU, aconteceu, em Londres (em outubro de 1946), a primeira reunião da Comissão preparatória para Conferência sobre Comércio e Emprego das Nações Unidas, na qual seriam estabelecidos os fundamentos constitutivos de uma Organização Internacional do Comércio (OIC). Entre abril e novembro de 1947, ocorreu, em Genebra, a segunda reunião da Comissão preparatória para a Conferência de Havana. Nesse encontro, ainda em um ambiente de crença e expectativas positivas em relação à criação da OIC em um futuro próximo, 23 países (entre eles, três latino-americanos: Brasil, Chile e Cuba) assinaram o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), destinado a ser incorporado à Carta constitutiva da OIC. Ocorreu, então, a primeira Rodada de negociações multilaterais para a redução de barreiras tarifárias. Ademais, foram definidos os princípios básicos do Sistema Multilateral de Comércio contemporâneo e acertada a adoção temporária do GATT, que entraria em vigor a partir de janeiro de 1948, até que a OIC fosse discutida e aprovada pelas partes contratantes. O GATT teria um secretariado – chamado oficialmente de Interim Commission for the International Trade Organization (ICITO), com vinculação, ainda que apenas formal, à ONU –atuando em Genebra no sentido de servir como fórum para negociações de acordos específicos, que almejassem a redução de tarifas alfandegárias e outras barreiras ao comércio internacional. Durante as negociações da Conferência sobre Comércio e Emprego das Nações Unidas, que veio a acontecer entre novembro de 1947 e março de 1948 em Havana, mais de cinqüenta países acordaram acerca da Carta de Havana, documento oficial que criava a OIC enquanto instituição responsável pelo comércio internacional. Tendo a Carta sido aprovada pelos participantes da Conferência, a constituição efetiva da OIC ficou dependendo apenas da ratificação do documento pelos países signatários, segundo suas normas internas.

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Algo digno de nota sobre a Conferência de Havana diz respeito à visão que os países mais pobres tinham acerca das negociações e resultados da mesma. Em geral, acreditavam que o tom desenvolvimentista perceptível na Conferência (o próprio nome traz algo nesse sentido) pudesse fornecer instrumentos factíveis de auxílio àqueles países que esboçavam uma saída em direção ao "paraíso" do mundo desenvolvido, industrializado. Não obstante tal fato, alguns tons destoantes eram ouvidos entre as vozes "subdesenvolvidas". Vários países latino-americanos deram apoio, por exemplo, a propostas que colocavam a constituição de zonas de preferências comerciais como mecanismo legal dentro do documento final da Conferência.2 Voltando à Carta de Havana e à sua ratificação pelos países signatários, vale colocar que, como levantado por Paulo Roberto de Almeida (2004, p. 117), [...] a Carta da OIC incluía tantas exceções, lacunas e ambigüidades deliberadas que mesmo seus partidários mostravam muito pouco entusiasmo por ela – apenas dois países chegaram a ratificála: a Austrália de forma condicional e a Libéria incondicionalmente. No entanto, o relativo desânimo acima relatado veio sendo "construído" não apenas com base em eventuais problemas de origem da Carta, mas também apartir de dois aspectos importantes, complementares e interrelacionados, que tomavam contornos distintos no final da década de 1940, comparativamente àqueles percebidos no período logo posterior à guerra, quais sejam: 1) a mudança no contexto geopolítico mundial – o inicial convívio pacífico e respeitoso entre a URSS e os EUA no imediato pós-guerra havia se tornado tenso alguns anos após; a Guerra Fria desabrochava; e 2) o Congresso norte-americano, autoridade maior da política comercial externa dos EUA, mostrava-se cada vez menos desejoso de abrir mão de determinados controles sobre a política comercial e tarifária dos EUA, o que poderia vir a acontecer com a ocasional criação da OIC. O "resumo da ópera" relativo à Carta de Havana, justamente na confluência das tendências acima abordadas, pode ser feito a partir da decisão do Congresso dos EUA de não ratificar a Carta. Na realidade, com o aumento dos focos de tensão internacional, os assuntos relativos à segurança internacional–políticas estratégicas como o próprio Plano Marshall – passaram a ter maior relevância no Congresso dos EUA, comparativamente a temas predominantemente econômicocomerciais, como a Carta da OIC, com interesses focados em uma temporalidade mais estendida. A não-ratificação da Carta de Havana pelos EUA foi o decreto de morte da nascente OIC. A nação que liderava o mundo ocidental em sua reconstrução no pós-guerra achou por bem não levar adiante sua própria proposta de criação de uma verdadeira instituição para gerir o comércio entre as diversas nações do globo. Nesse contexto, o GATT, pensado inicialmente enquanto instrumento temporário e que não demandava ratificação congressual pelo fato ser um acordo executivo, entra em cena de forma permanente e irá servir como uma quase-instituição internacional, organizadora do SMC contemporâneo por mais de quatro décadas. Como abordado por Sato (2001, p. 5): Pode-se dizer que o GATT foi, de um lado, a forma contratual possível dentro do quadro das dificuldades econômicas e limitações institucionais do pós-guerra e, de outro, o arranjo que melhor se adequava à economia política internacional que se configurou na esteira da Segunda Guerra Mundial. Valls (1997, p. 3) afirma que o Acordo Geral [...] emergiu de negociações que visavam remover barreiras ao comércio e não de negociações que tivessem por objetivo o estabelecimento de regras gerais de comportamento das relações comerciais entre os países. Sendo assim, não obstante a existência de um tímido sistema de enforcement (panels) desde o Acordo de 1947, reformado parcialmente em 1952, o SMC, sob os auspícios do GATT, não tinha poder disciplinatório efetivo sobre as partes contratantes. Tal aspecto acabava por trazer algum grau de incerteza e arbitrariedade das potências, principalmente dos EUA, para as trocas internacionais.3 Alguns autores pertencentes a correntes mais críticas, como Arrighi (2003), consideram o sistema multilateral organizado sob a orientação do GATT como sendo "o principal instrumento de formação do mercado mundial sob a hegemonia norte-americana" (ARRIGHI, 2003, p. 72), deixando nas mãos dos Estados, fundamentalmente dos EUA, o controle sobre o ritmo e a direção do processo de liberalização comercial multilateral. Nesse ponto, a hegemonia dos EUA se distanciaria daquela da Grã-Bretanha do século XIX, tendo em vista que a última aplicava um regime de livre-comércio unilateral, enquanto os EUA fariam uso do livre-comércio ideologizado como estratégia de negociação intergovernamental, a fim de expandir as oportunidades de inserção mundial para empresas e produtos norte-americanos. Destarte, observou-se, no âmbito multilateral, um grau de liberalização muito mais amplo sob a hegemonia dos EUA do que sob a britânica. Desconsiderando-se, no momento, a relevância, ou não, e a validade, ou não, dos argumentos mais críticos acerca da caracterização do SMC, fato é que os princípios norteadores do mesmo (não-discriminação e reciprocidade) têm suas origens mais próximas naqueles que permearam os acordos bilaterais de comércio realizados pelos EUA a partir da Lei dos Acordos Recíprocos de Comércio (LARC), de 1934. Tal lei teve por finalidade o estímulo às exportações por meio da

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quebra de barreiras comerciais – ajudando, assim, no combate à recessão iniciada em 1929 – e aos entraves protecionistas levantados por leis como a Lei de Tarifas Smoot-Hawley, de 1930. Por intermédio da LARC, o Congresso permitiu ao Executivo norte-americano a realização de acordos comerciais em bases de reciprocidade que reduzissem as tarifas aduaneiras dos EUA até o limite de 50%, relativamente àquelas vigentes no período. Ademais, tais acordos continham em si a idéia de não-discriminação, representada pela Cláusula da Nação Mais Favorecida (NMF), na qual as concessões feitas bilateralmente eram, de forma automática, estendidas aos demais parceiros comercias do país.4 No GATT, em seu artigo I, está a Cláusula da Nação Mais Favorecida (NMF), na qual a idéia da não-discriminação é ratificada, ficando também garantida a multilateralização do processo negociador.5 A Cláusula da Reciprocidade é vista como estímulo importante para as negociações, uma vez que os países tendem a não realizar movimentos unilaterais de liberalização comercial, mas sim a fazer uso de uma concepção mercantilista do comércio para a condução do processo negociador da abertura comercial. Além disso, a proibição de restrições quantitativas e o princípio do tratamento nacional, no qual os produtos importados devem ter o mesmo tratamento que seus similares nacionais, apresentam-se como princípios complementares de suporte do SMC. Desde o início, com o processo de entrada do Benelux e, posteriormente, quando da criação da Comunidade Européia em 1957, o princípio da NMF foi "desrespeitado". Porém, tais acontecimento socorreram dentro da legalidade presente na cláusula de escape do artigo XXIV, que trata da criação de zonas de livre-comércio e uniões aduaneiras, como já apresentado no presente trabalho. Assim, práticas que iam de encontro aos pilares fundamentais gattianos se tornaram aceitáveis segundo parâmetros específicos. No artigo XII por exemplo, os países podem fazer uso de medidas temporárias que restrinjam as importações, quando houver problemas em seus Balanços de Pagamentos. No artigo XVIII, condicionado à aprovação pelas demais partes contratantes, admite-se o uso de instrumentos de assistência governamental para promover o desenvolvimento econômico, como no caso de apoio às indústrias nascentes de países em desenvolvimento. Já no artigo XIX (Cláusula de Salvaguarda), restrições ao comércio podem ser impostas, segundo regulamento, caso as concessões negociadas no GATT impliquem aumentos inesperados e danosos à indústria nacional.6 Observamos, pois, que as condições de excepcionalidade na aplicação dos princípios fundadores do GATT foram criadas no sentido de adaptar as normas à realidade das condições econômicas e políticas. Esse aspecto, como bem apresentado por Seitenfus (2005, p. 212), advém do duplo caráter do Acordo Geral enquanto organização responsável pelo trato do comércio entre as nações: O GATT deve ser considerado como sendo uma organização internacional especial na medida em que possui duas faces distintas: por um lado, trata-se de um rol de normas procedimentais sobre as relações comerciais entre os Estados-Partes. Estas atividades são de cunho jurídico, pois dizem respeito à elaboração, prática e controle de regras de direito material. Por outro, trata-se de um fórum de negociação comercial onde, através de instrumentos próprios à diplomacia parlamentar, de natureza comercial, procura-se aproximar posições entre os Estados-Partes. Essa face é de natureza essencialmente política. Como apresentado, a seguir, no Quadro 1, após a primeira Rodada de negociações em Genebra, em 1947, na qual foram negociadas 45 mil concessões tarifárias, sobre um valorto tal de comércio de US$ 10 bilhões, ocorreu na cidade francesa de Annecy, em 1949, a segunda Rodada de negociações do GATT. Nesta última, apenas treze países participaram e 5 mil concessões tarifárias foram intercambiadas. Entre setembro de 1950 e abril de 1951, 38 países estiveram presentes na Rodada Torquay, na qual a "morte" da OIC foi confirmada, e 8.700 concessões tarifárias foram negociadas, sendo os direitos aduaneiros reduzidos em 25% de seu nível nominal de 1948, em média. A quarta Rodada de negociações comerciais multilaterais ocorreu em Genebra, em 1956, envolvendo dessa vez 26 países, que fizeram concessões tarifárias sobre um valor de comércio de US$ 2,5 bilhões.7 Nessa última Rodada, também foi realizada uma "reforma" do SMC, necessária em virtude da não-implementação da OIC, criando um protocolo de emenda ao preâmbulo e às partes II e III do GATT.

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A Rodada Dillon (nome do secretário do Comércio dos EUA de então) teve como principais motivações, segundo Rêgo (1996, p. 7), a criação da Comunidade Econômica Européia (CEE), pelo Tratado de Roma de 1957, e os impactos de sua política comercial comum sobre as demais partes contratantes do GATT. Com 26 países envolvidos, 4.400 concessões tarifárias foram intercambiadas, representando um montante de US$ 4,9 bilhões. Vale aqui notar que as negociações no GATT tinham foco primordial, e quase que exclusivo, na redução de barreiras tarifárias para produtos industrializados. Tal fato será observado até a Rodada Uruguai, quando novos (e antigos, mas pendentes) temas, como produtos agrícolas, têxteis e serviços, serão inseridos na agenda negociadora. Outro ponto digno de nota diz respeito ao descontentamento com o insucesso relativo do método bilateralista de negociações no GATT,o qual, por causa do aumento progressivo da complexidade do sistema, acabou por reduzir o ritmo do processo de liberalização tarifária, em comparação com aquele observado na primeira Rodada em Genebra. Bueno (1994), analisando o papel desempenhado pela diplomacia brasileira no SMC ao longo de sua evolução, coloca que as negociações no GATT parecem não ter tido prioridade na agenda do Itamaraty. Não obstante a existência de certa retórica multilateralista nas posições da política exterior do Brasil, e sua participação na criação do SMC contemporâneo, grande parte do comércio exterior brasileiro da época era regido por acordos bilaterais. Para Bueno (1994, p. 75), o comparecimento da delegação brasileira nas rodadas de Annecy, Torquaye Genebras em instruções específicas, improvisando e, muitas vezes, referindo-se em seus posicionamentos a assuntos já tratados, denota o grau de relativo desprezo dado pela diplomacia brasileira ao SMC, naquele momento. Baumann et al. (2004, p. 176) dizem que: "As razões para a adesão do país ao GATT desde o início estariam aparentemente relacionadas à percepção de evitar o pagamento de um custo futuro maior em termos de abertura comercial". Após uma ampla reforma tarifária feita em 1957, o Brasil realizou pedidos de derrogações tarifárias no GATT, e foi compelido a revisar suas condições de acesso (na verdade uma nova adesão) ao SMC. Tal revisão veio a acontecer por meio de uma longa e difícil renegociação das concessões sobre direitos aduaneiros com todos os demais países que faziam parte do Acordo Geral. Como explicitado por Paulo Roberto de Almeida (2004, p. 120): Na ocasião, sendo o Brasil um dos poucos países em desenvolvimento aderentes ao GATT e se ressentindo dos duros efeitos de um contrato entre "iguais" para parceiros desiguais, setores econômicos internos chegaram inclusive a questionar a utilidade, em termos práticos de comércio exterior, de uma adesão estrita do País aos princípios do GATT. Essa contestação implicaria, entretanto, para o Brasil, uma denúncia formal do Acordo e uma saída do sistema de concessões recíprocas do GATT, o que foi julgado excessivo na época. Cabe aqui ressaltar que, em meados da década de 1950, a partir de queixas por parte dos países em desenvolvimento de que seus interesses não estariam sendo levados em conta no SMC, as partes contratantes do GATT estabeleceram um comitê de especialistas para realizar um estudo sobre o caso. Fizeram parte do comitê, além do professor Haberler, que o presidia (daí o comitê ter ficado conhecido como The Haberler Commitee), Meade, Tinbergen e Roberto Campos. O Haberler Commitee Report, de 1958, deixou claro que o problema do fraco dinamismo das exportações dos países em desenvolvimento estava ligado às políticas comerciais utilizadas pelos países mais avançados, impondo barreiras excessivas àqueles produtos em que os países menos desenvolvidos teriam potencial de ganho mais significativo, via comércio internacional. Em meados da década de 1950, mesmo com algumas reformas que buscavam dar maior legitimidade ao sistema, o GATT continuava a atender de forma importante, na visão dos países em desenvolvimento (inclusive do Brasil), aos interesses e necessidades dos países desenvolvidos. Era visto, pois, pelos países pobres, como um richmen's club. Ademais, a queda gradual da participação dos países em desenvolvimento no comércio internacional, nas décadas de 1950 e 1960, juntamente com os trabalhos seminais de Raúl Prebisch acerca do intercâmbio desigual entre os países, reforçavam a idéia de que os países em desenvolvimento vinham sendo prejudicados pela configuração das relações econômicas de então. Prebisch nota, a partir de análises empíricas, que havia uma tendência à deterioração dos termos de intercâmbio das economias periféricas em suas relações com os centros econômicos. Tal acontecimento estaria ligado à diferença entre a elasticidade-renda dos produtos primários exportados pelos países em desenvolvimento e aquela de suas importações. Além disso, a relativa inelasticidade-preço da oferta dos produtos primários aumentava as pressões geradoras de desequilíbrios externos nos países da periferia, dificultando ainda mais seu processo de desenvolvimento econômico. Como colocado por Paulo Roberto de Almeida (1999, p. 103): "Essa conceitualização rompia com os padrões normalmente aceitos nas relações econômicas internacionais". Na Rodada Dillon, o Brasil entrou com representação contrária à formação da CEE e a seus acordos preferenciais de comércio com áreas coloniais de países europeus, com base nos prejuízos sofridos pela exportação brasileira de café e cacau para o mercado europeu. A diplomacia brasileira colocava, então, que a integração econômico-comercial européia não poderia ser feita em

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detrimento de nações como o Brasil, que seriam abaladas por uma zona preferencial de comércio, a qual, ademais, desviaria artificialmente correntes de investimentos. Vale notar que se vivia, no período, o auge do nacional-desenvolvimentismo no governo Juscelino Kubitschek (JK), no qual era clara a idéia de que a política externa do país deveria ser empregada como importante ferramenta do governo para promover o desenvolvimento nacional. Destarte, por meio da ação diplomática, o governo empenhou-se no exterior para obter o suporte indispensável à industrialização. Toda essa conjuntura de insatisfação e repulsa à ordem econômico-comercial estabelecida resultou, em 1964, na primeira Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (em inglês, United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD)). A UNCTAD servirá como base para os países em desenvolvimento em sua tentativa de pressionar por reformas importantes do SMC e pelo estabelecimento de um sistema de preferências, não recíproco, beneficiando-os. É válido observar que a diplomacia brasileira teve importância capital durante toda a fase de preparação e constituição da UNCTAD, dando uma contundente colaboração para o surgimento de uma organização que, pela primeira vez na história econômica mundial, tinha seu foco de ação verdadeiramente voltado para o problema do desenvolvimento.8 Como primeiro resultado das pressões unctadianas, em 1965, durante a Rodada Kennedy, inseriuse a parte IV no GATT. Nessa nova parte do Acordo Geral ficou reconhecida a necessidade de se prover "condições mais favoráveis e aceitáveis" às exportações de produtos primários dos países em desenvolvimento, além de acesso ampliado, sob condições favorecidas, aos produtos processados e manufaturados pelos países de menor desenvolvimento econômico. Vale ressaltar que, inicialmente, a parte IV indicava a possibilidade do tratamento não recíproco, permanecendo, assim, como uma declaração de princípios. Tal caráter mal formado da não-reciprocidade só será efetivamente revisado e incorporado ao GATT na Rodada Tóquio, pela Cláusula de Habilitação. Na Rodada Kennedy, que durou de 1964 a 1967, observou-se a continuação do aprofundamento das concessões tarifárias sobre produtos industrializados, com participação crescente de países. Mais de sessenta países participaram da sexta Rodada de negociação do GATT, na qual se acordou uma redução de até 50% (tendo sido 35% efetivados) nas tarifas aduaneiras aplicadas sobre produtos industrializados, correspondendo a um volume de comércio de cerca de US$ 40 bilhões. Ademais, iniciou-se a discussão sobre o problema do dumping, empurrada principalmente por interesses dos países desenvolvidos, e que resultou no primeiro código anti dumping do GATT. Cabe aqui ressaltar que, apartir da Rodada Kennedy, o método de negociação foi mudado para atender à complexidade crescente do sistema, e talvez a alguns interesses específicos, passando a redução linear de tarifas a ser efetivada como resultado. Analisando o Quadro 2, podemos observar que, não obstante os percalços e insatisfações do caminho, o SMC, sob os auspícios do GATT, teve sucesso em seu objetivo de redução tarifária pela via multilateral negociada. Em 1947, quando da primeira Rodada de negociações multilaterais em Genebra (onde o próprio GATT foi criado), a tarifa média mundial era de 38%. A importância da Rodada Kennedy de negociações, no que respeita ao processo de queda das tarifas aduaneiras sobre o comércio de bens (fundamentalmente manufaturados), pode ser observada pela redução da tarifa mundial média de 17%, no período anterior ao lançamento da Rodada, para 9%, alguns anos após a mesma. Sabe-se que a tarifa média mundial é muito agregada para se ter uma idéia mais particular sobre o processo de liberalização em setores econômicos; contudo, esse processo nos apresenta, mesmo que genericamente, a tendência observada com respeito ao nível de liberalização mundial dos fluxos de comércio.

Desse modo, durante a Rodada Kennedy, o SMC passou por mudanças significativas, que deram início a uma nova etapa. Tais transformações estão fundamentadas tanto na organização dos países em desenvolvimento na UNCTAD, dando aos mesmos um papel mais ativo na construção da ordem econômico-comercial de então, quanto no começo de outras modificações internas, que incluem a ampliação progressiva dos temas relacionados ao comércio internacional tratados pelo GATT, como antidumpinge comércio de produtos agrícolas, que viriam a ser negociados paulatinamente em rodadas posteriores.

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A Rodada Tóquio e a Rodada Uruguai O neoprotecionismo e as novas estratégias negociadoras dos Estados Unidos A década de 1970 foi marcada por mudanças substanciais na ordem econômica internacional. O Sistema de Bretton Woods, construído no imediato pós-guerra, apresentava fragilidades que acarretaram o seu fim, ou pelo menos transformações importantes na forma de gerência global das relações monetárias e financeiras entre as nações. O fim do padrão dólar-ouro, em 1971, e o conseqüente fim do câmbio fixo, em 1973, acabaram por trazer à tona novos desafios ao sistema internacional, tendo em vista que a configuração monetária que deu ao capitalismo mundial condições relativamente estáveis de crescimento, entre as décadas de 1950 e 1970, não mais existia. Somavam-se aos problemas de ordem econômico-monetária aqueles ligados ao aumento dos preços do petróleo em 1973, em virtude do choque de oferta da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e de suas conseqüências sobre o ritmo do crescimento econômico mundial, bastante petróleo-intensivo, além da geração de mudanças na configuração do mercado financeiro internacional, cada vez mais inundado por petrodólares. Em 1979, com a Revolução Iraniana, mais uma vez o ouro negro viria a ter seu preço no mercado internacional aumentado significativamente, o que acabaria por gerar um quadro recessivo para a economia mundial, com evidentes efeitos sobre o comércio internacional. Ademais, algumas tendências quanto à distribuição do poder econômico no mundo, iniciadas nas décadas anteriores, viriam a tomar forma mais clara a partir dos anos 1970, modificando substancialmente o cenário e conômico internacional. A ascensão da economia japonesa e da Europa Ocidental trariam consigo o início da contestação à hegemonia dos EUA nos campos econômico e tecnológico, transformando assim as atitudes e estratégias da política externa norteamericana, tanto no plano bilateral quanto em negociações multilaterais do GATT. No que concerne a este último, a nova configuração de forças e interesses econômicos no mundo, gerando conseqüentes transformações no campo comercial, exigia uma atualização do SMC para atender a essa nova realidade, que se apresentava cada vez mais complexa e ambígua. Em virtude de tais desdobramentos históricos da economia mundial, a relação entre os EUA e o mundo desenvolvidos e modificou. A perda de competitividade internacional de setores importantes da economia norte-americana, principalmente em indústrias de alta tecnologia, e o aumento paulatino dos deficits comerciais dos EUA, a partir de meados da década de 1970, fizeram com que esse país deixasse de lado posicionamentos mais permissivos em relação tanto ao Japão quantoà Europa Ocidental. Além disso, tornou-se freqüente o uso de novos mecanismos de proteção comercial destinados àquelas indústrias nacionais com menor competitividade internacional. Tais mecanismos eram fundamentados em barreiras não tarifárias que visavam à redução quantitativa de importações, tais como restrições voluntárias de exportações, antidumping, direitos compensatórios, salvaguardas etc. Aflorado esse contexto de neoprotecionismo, os EUA passarão a adotar novas estratégias de negociação no GATT, podendo-se observar tal fato de forma mais visível a partir da Rodada Tóquio. Antes, porém, de nos atermos especificamente às novidades da política comercial externa dos norte-americanos no SMC, a partir da década de 1970, cabe aqui apresentarmos alguns comentários auxiliares sobre a conjuntura comercial internacional e também sobre a política de comércio exterior dos EUA. Como relatado por Ricupero (2002), a teoria da estabilidade hegemônica, paradigma conceitual dominante nas análises acerca da economia política das relações internacionais, coloca que "a abertura da economia global depende criticamente da presença de um país hegemônico que possui tanto os motivos quanto os meios para estabelecer uma ordem comercial liberal" (RICUPERO, 2002, p. 9). Dessa forma, alguns estudiosos afirmam que a perda relativa da hegemonia econômica norte-americana teria feito com que a ordem comercial liberal do pós-guerra desabasse, estando a prova para tal fato no crescente uso de medidas protecionistas por parte dos EUA a partir dos anos 1970. Embora possamos considerar correta a idéia de que a perda relativa da hegemonia da economia dos EUA foi importante fator de fomento a práticas protecionistas, cabe lembrar que a política de comércio exterior de um país não é construída exclusivamente a partir de sua posição no cenário internacional. Os condicionamentos e interesses domésticos são substancialmente relevantes quando se analisa a posição de uma nação em referência à sua política de comércio exterior, principalmente no caso dos EUA. O Congresso dos EUA tem a supremacia sobre a política de comércio exterior do país.9 Como apresenta Godinho (2005, p. 19-20): Não há um "comandante-em-chefe do comércio" previsto na Constituição. A clareza com que ela atribui a função de regulamentar o comércio exterior ao Congresso dá a este a primazia neste campo. Qualquer iniciativa presidencial só pode concretizar-se como expresso consentimento do Poder Legislativo;10 e, além disso, este pode tomar a iniciativa. Diante de tal configuração de poder e responsabilidades, podemos observar que no Congresso dos EUA os interesses de grupos econômicos de pressão estão representados, sendo portanto a

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influência, ou não, de tais grupos no Capitólio um ponto determinante na construção das posições comerciais dos EUA relativamente aos seus parceiros, nos mais diversos setores econômicos. Vale ressaltar que a descentralização das decisões de política comercial nos EUA foi de grande valia para a proteção da economia, desde as políticas de defesa das indústrias nascentes até a atualidade, quando alguns setores, como o agrícola, continuam a ter subsídios e proteção tarifária e não tarifária como barreiras efetivas, que lhes permitem a sobrevivência. A história da legislação comercial dos EUA deixa clara a crescente influência dos grupos de interesse na definição da política comercial do país, desde a Lei de Expansão do Comércio de 1962, passando pela Lei de Comércio de 1974 e pela Lei de Comércio e Tarifa de 1984, até a Lei Omnibus de Comércio e Competitividade, de 1988. Com o passar do tempo, as demandas protecionistas tornam-se mais sofisticadas no sentido de que buscam, por meio de novos mecanismos, a criação de instrumentos efetivos para responder às supostas práticas desleais dos parceiros comerciais dos EUA. É justamente nesse processo de mudança das posições protecionistas que veremos os norte-americanos iniciarem o uso de novas estratégias negociadoras. Dias (1996) apresenta, de forma sucinta, esse novo comportamento da potência econômica do mundo capitalista relativamente às negociações comerciais, indicando a mudança em dois importantes conceitos negociadores. A autora coloca que: A partir da Rodada Tóquio (1973-1979), os Estados Unidos começaram a utilizar dois novos conceitos negociadores, cujo significado foi explicitado ao longo dos últimos anos, tornando-se, com o tempo, mais evidente a sua contradição com o contexto de liberalização do comércio. Primeiro, a noção de livre comércio foi substituída pela de comércio "eqüitativo" (fair trade), e a noção de reciprocidade efetiva no acesso a mercados, em termos de resultados, substituiu a reciprocidade anterior, associada à igualdade de oportunidades. (DIAS, 1996, p. 61). Esses novos conceitos se afastam de vez da idéia de liberalismo administrado, qualificação do marco institucional do comércio internacional, vislumbrado no GATT pela Cláusula da NMF e da reciprocidade anterior, aproximando-se assim da idéia de comércio administrado, conceito ligado a uma visão em que os governos atuam no âmbito internacional no sentido de dividir mercados entre suas empresas, de forma mutuamente satisfatória. Tais mudanças de posicionamento dos EUA trouxeram consigo um potencial de conflito de interesses mais significativo dentro do GATT. Como aborda Abreu (1998, p. 6): Na Rodada Tóquio (1973-1979) pela primeira vez houve um conflito evidente entre os mais adiantados países em desenvolvimento, como o Brasil, e os Estados Unidos, na busca de reciprocidade em termos de concessões concretas. Assim, o cenário internacional no qual a Rodada Tóquio acontece é bastante distinto daqueles nos quais as rodadas anteriores foram negociadas. Além das modificações estruturais ocorridas no mundo desenvolvido, que acabaram, em conjunto com outros fatores, por levar os EUA a realizar mudanças importantes em sua estratégia de política comercial, os anos 1970 assistiram ao ponto alto da tendência reformadora da agenda econômica internacional, por parte dos países em desenvolvimento. Esse novo contexto participativo dos países da periferia do sistema internacional pôde ser vislumbrado na aprovação sucessiva, nas assembléias da ONU ou de seus órgãos subsidiários (Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (em inglês, Economic and Social Council (Ecosoc)) e UNCTAD), de resoluções ou declarações sobre a Nova Ordem Econômica Internacional, ordem essa que teria como objetivo primordial dar mais vez e voz aos países em desenvolvimento, trazendo a questão do desenvolvimento econômico e da eqüidade do poder mundial para o centro das discussões.11 Os países em desenvolvimento continuavam, pois, sua ofensiva pelo estabelecimento de regras diferenciais e tratamento mais favorável, ao passo que os países desenvolvidos eram convidados a estender cada vez mais concessões unilaterais e sem caráter de reciprocidade em benefício dos primeiros. O Sistema Generalizado de Preferências (SGP), criado na II UNCTAD, em 1968, que traduzia a derrogação, na prática, do princípio da reciprocidade do SMC, foi autorizado pelo GATT em 1971. Os países em desenvolvimento tentaram, na Rodada Tóquio, institucionalizar de forma permanente o SGP no GATT. Por intermédio da Enabling Clause (Cláusula de Habilitação), adotada ao fim da Rodada Tóquio, o princípio da não-reciprocidade toma forma explícita e efetiva. Desse modo, a declaração de princípios relativa à parte IV do Acordo Geral, introduzida na Rodada Kennedy, passa a fazer parte do quadro legal do GATT como um mecanismo de tratamento especial aos países em desenvolvimento. A Cláusula de Habilitação deixa claro que: Os países desenvolvidos não esperam que os países em desenvolvimento aportem, no curso das negociações comerciais, contribuições incompatíveis com as necessidades de desenvolvimento, das finanças ou do comércio de cada um dos países. As partes contratantes desenvolvidas não procurarão alcançar, e as partes contratantes menos desenvolvidas não serão obrigadas a acordar, concessões incompatíveis com as necessidades de desenvolvimento, de finanças e de comércio destas últimas. (CLÁUSULA DE HABILITAÇÃO, parágrafo 5 apud ALMEIDA, 2004, p. 123).

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Embora os países em desenvolvimento tenham trabalhado com empenho para a instituição do SGP em bases permanentes, suas demandas não foram atendidas. O SGP foi, sim, aprovado, porém em base temporária, sujeito à graduação. Sobre esse aspecto, Paulo Roberto de Almeida (2004, p. 119) coloca que no SMC: Na prática, aceita-se uma série de derrogações ao princípio da NMF, sem que isso se traduza na letra da lei, esperando os países desenvolvidos um "retorno gradual" das partes menos desenvolvidas ao sistema jurídico consolidado (graduação), isto é, a aplicação da igualdade de direitos e obrigações que está na base do Acordo Geral de 1947. Mais de cem países participaram das negociações da Rodada Tóquio, que levaram a uma redução da tarifa média sobre produtos manufaturados em cerca de 30%, representando um comércio global de US$ 300 bilhões.12 Ademais, houve a elaboração de códigos reguladores com respeito a algumas barreiras não tarifárias, como compras governamentais, subsídios e direitos compensatórios, antidumping, valoração aduaneira etc. Tais códigos eram assinados somente por aqueles países que tivessem interesse em fechar acordos em áreas específicas cobertas pelos códigos, sendo, pois, de participação voluntária, o que os colocava fora da estrutura formal do GATT. Um ponto interessante a ser abordado é que cada um desses códigos trazia consigo regras para a resolução de controvérsias relativas aos temas de que tratavam. Assim, a resolução dessas disputas poderia não estar entre as atribuições do sistema de controvérsias do GATT, sistema esse que foi revisado, com a aprovação de novas regras de solução, na Rodada Tóquio, mas permaneciam sem um aparato de enforcement poderoso e eficaz. Provavelmente o fruto mais importante gerado na Rodada foi a reforma do GATT, com a incorporação efetiva de um tratamento diferencial e mais favorável para países em desenvolvimento, por meio da Enabling Clause(Cláusula de Habilitação). Entretanto, mesmo com a criação do tratamento diferenciado, os "países periféricos" não viram suas demandas totalmente atendidas, tendo em vista que não se conseguiu chegar a um resultado nas negociações na área agrícola e também na questão de salvaguardas durante a Rodada. Ademais, os países desenvolvidos ficaram frustrados com o pequeno número de países em desenvolvimento que subscreveram os códigos. Os resultados efetivos da Rodada Tóquio em relação às barreiras não tarifárias foram pouco significativos. Segundo Rêgo (1996), o sucesso apenas relativo de tais negociações em relação a questões não tarifárias se deveu a dois fatores, quais sejam: "o sucesso das negociações quanto à redução das tarifas para níveis baixos e as recessões econômicas dos anos 70 e início dos anos 80 (desencadeadas, em parte, pelos dois choques de petróleo)" (RÊGO, 1996, p. 8). Tais fatores fomentaram a criação, nos países desenvolvidos, como já foi aqui abordado, de novas formas de proteção para os setores mais significativamente prejudicados pela competição internacional. Ao final da Rodada Tóquio, os descontentamentos, tanto dos países em desenvolvimento quanto daqueles desenvolvidos, foram inseridos em um programa de trabalho que viria a ser lançado na reunião ministerial do GATT, em Genebra, em 1982. Já nessa reunião ministerial os EUA tentaram o lançamento de uma nova Rodada de negociações multilaterais que englobasse novos temas ligados à harmonização de políticas públicas em âmbito global. Contudo, a resistência dos países em desenvolvimento, com o apoio da Comunidade Européia, falou mais alto naquele momento. Na ocasião, a diplomacia econômica brasileira desempenhou papel importante enquanto liderança dos países em desenvolvimento, conjuntamente com a Índia, opondo-se firmemente à inclusão de novos temas, como serviços, na agenda negociadora do GATT. Os países em desenvolvimento viam como fundamental a resolução de questões pendentes em um primeiro momento, para depois pensar na inclusão de novas demandas e no lançamento de uma nova Rodada multilateral de negociações. Como coloca Feliciano de Sá Guimarães (2005, p. 105): No início da década de 80 aposição do G5 (Brasil, Índia, Argentina, Iugoslávia e Egito) no GATT, antes de apoiar o lançamento de uma nova Rodada, era a de solucionar algumas lacunas dos acordos firmados na Rodada anterior. Os temas defendidos em 1982 eram: assegurar a implementação dos códigos da Rodada Tóquio antes do lançamento de uma nova; não iniciar outra Rodada sem antes resolver satisfatoriamente velhas questões (agricultura e têxteis); obter dos países desenvolvidos a garantia de que os mesmos não aumentariam as tarifas no curso da negociação (standstill); alcançar a abolição de todas as práticas comerciais que fossem contra as regras do GATT antes do lançamento da Rodada (rollback), e não discutir os novos temas enquanto os antigos não fossem resolvidos. A importância dos novos temas para os EUA deriva de fatores atrelados tanto à ordem política internacional quanto às questões relacionadas a problemas econômicos internos. A apreciação do dólar durante a década de 1980 fez com que diversos setores da economia norte-americana ficassem expostos a maior concorrência com produtos importados. Tal fato acabou por ter efeitos importantes nas contas externas dos EUA. O deficit comercial do país iniciou uma trajetória de rápida deterioração, chegando em 1987 a superar US$ 150 bilhões, um recorde na época. Enquanto isso, o Japão e a Alemanha seguiam apresentando os maiores superavits comerciais do mundo. No que diz respeito à política internacional, a Guerra Fria entrava no ocaso na década de 1980,

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com a URSS iniciando suas reformas, tanto no plano político quanto no econômico. Essa conjuntura permitiu aos EUA colocar seus interesses puramente econômicos acima daqueles relacionados à geopolítica, dando espaço para a grande potência capitalista usar, de forma mais aberta e tranqüila, o seu market power como elemento de pressão, de ameaça e de possíveis retaliações contra seus parceiros comerciais na busca de mercados para suas empresas. É justamente a partir dos anos 1980 que os EUA irão, a exemplo do que já vinha fazendo a Comunidade Européia, iniciar a negociação de acordos bilaterais de comércio, como o primeiro acordo com Israel, em 1985. Por meio desses acordos, os EUA esperavam conseguir negociar de forma mais benéfica para seus interesses pontos controversos que, em uma negociação multilateral, seriam aprovados com maior dificuldade. O jogo comercial bilateral, tête-à-tête, colocava a maior potência econômica do mundo em clara vantagem negociadora13. As mudanças na estratégia dos EUA perante o GATT, juntamente com a crescente bilateralização das negociações comerciais com seus parceiros, levam à criação de um ambiente paradoxal no SMC. Os países em desenvolvimento vêem-se na necessidade de defender o multilateralismo comercial, sem, contudo, possuírem poder político suficiente para dar legitimidade ao sistema. Com o Brasil não foi diferente. Ocorre, assim, uma mudança no posicionamento do Brasil relativamente ao SMC. O país passa a atuar de forma mais efetiva na defesa do SMC e seus princípios legais, deixando de lado antigas posições defensivas em relação aos acordos multilaterais. A seguinte frase de Lacordaire resume bem a atuação da diplomacia brasileira na defesa do multilateralismo comercial: "Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o mestre e o servo, é a liberdade que oprime e alei que liberta". O Brasil tinha, pois, na defesa do SMC fundamentada no direito, a possibilidade de restrição do exercício do poder e da arbitrariedade pelas potências mundiais, especialmente pelos EUA. Como apresentado anteriormente, quando se falou da teoria da estabilidade hegemônica, os EUA só tiveram capacidade de fazer o papel do hegemon na cena internacional nas primeiras décadas do pós-guerra. A partir dos anos 1970 e, principalmente, nos anos 1980, os EUA passaram a apresentar estratégias de negociação nas quais buscavam de forma mercantilista mercados para seus produtos e proteção para suas indústrias menos competitivas. Nesse contexto, inicia-se no SMC uma verdadeira caça aos freeriders (caroneiros). Os caroneiros eram, fundamentalmente, os países em desenvolvimento que participavam do SMC defensivamente, e tiravam proveito da liberalização multilateral acertada entre os países desenvolvidos. Na oitava Rodada de negociações do GATT, a caça aos freeriders será definitiva, e os países em desenvolvimento terão de se comprometer com a abertura gradual de suas economia sao comércio internacional em diversos setores.14 Para Baumann et al. (2004), a postura de freerider do Brasil nas negociações comerciais acabou por gerar três conseqüências mais importantes, quais sejam: 1) ampliação do acesso aos principais mercados; 2) geração de crescente desconfiança por parte dos parceiros comerciais; e 3) enorme postergação da tomada de consciência, por parte dos agentes econômicos nacionais, da importância das negociações multilaterais (BAUMANN et al., 2004, p. 176). Esse complexo quadro de interesses, pressões e mudanças estratégicas entre os mais diversos países do mundo capitalista se fez presente nos trabalhos preparatórios ao lançamento de mais uma Rodada de negociações do GATT. Vale acrescentar que, na década de 1980, observamos uma crise do sistema financeiro internacional que acabou por assolar, primeiramente, o México, em 1982 e, posteriormente, outros países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, em 1987. Os EUA fizeram uso dessa fragilidade e vulnerabilidade das economias em desenvolvimento para exercer pressões no sentido de levar adiante o lançamento de uma nova Rodada no GATT, na qual novos temas seriam inseridos.15 O consenso necessário para o lançamento de uma nova Rodada de negociações no GATT só foi alcançado na reunião ministerial de Punta del Este, no Uruguai, em setembro de 1986.16 Ficou acordado, então, que tanto temas pendentes (como agricultura, têxteis, subsídios) quanto novos temas (como serviços, propriedade intelectual, investimentos) seriam negociados. Contudo, as negociações de bens e serviços seriam realizadas de forma separada, atendendo a demandas do G-10 e de alguns outros países em desenvolvimento. Um fato importante que vem a acontecer na Rodada Uruguai é a idéia do singleunder taking nas negociações do comércio de bens, na qual o país ou aceitaria todos os dispositivos negociados ou nada. Esse aspecto traz uma diferença substancial da Rodada Uruguai em relação às rodadas anteriores, tendo em vista que nelas era possível que um país aceitasse determinados acordos em certas áreas e refutasse outros que não lhe parecessem benéficos.17 Destarte, o mandato negociador da Rodada Uruguai comprometia-se a realizar a mais ampla e complexa negociação multilateral da história. A previsão inicial era a de que a Rodada duraria quatro anos, porém a complexidade das negociações fez com que os trabalhos da Rodada durassem praticamente o dobro. Um importante fato, que viria a influir de forma significativa nos rumos da Rodada Uruguai, acontece em 1988 nos EUA. O presidente Reagan assina o Omnibus Trade and Competitiveness Act, que dá ao Executivo o poder de negociar a Rodada Uruguai sob os auspícios do fast-tracke, ao mesmo tempo, reforça o uso da seção 301.18 Sobre esta última lei e as mudanças dela

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decorrentes, Godinho (2005, p. 24) traça comentários esclarecedores: Esta lei reforçou os poderes do USTR [United States Trade Representative; em português, Representante Comercial dos Estados Unidos] ao transferir, do presidente para este órgão, o poder de aplicar sanções de retaliação aos países que incorressem em "práticas comerciais injustas". Ainda que a lei faculte ao presidente abolir as sanções por razões econômicas ou de segurança, o fato é que ela torna as sanções muito mais comuns, já que o presidente teria de arcar com o custo político de cancelar uma sanção já aprovada pelo USTR e provavelmente defendida por interesses privados. A outramudança foi a famigerada "Seção Super 301", criada por causa da preocupação com os excessivos déficits comerciais. A medida ordenava ao USTR elaborar, em prazo de tempo estipulado, uma lista de países que ofereciam barreiras injustas aos produtos norte-americanos e cuja remoção era "prioritária" para os interesses comerciais dos EUA. Com base nesta lista, a Super 301 ordenava então que se procedesse a negociações bilaterais com os países citados para remover as barreiras; ou, caso a tentativa não fosse bem sucedida, que se considerasse a aplicação de sanções às exportações daquele país para os Estados Unidos. A "Super Seção 301" trouxe consigo uma importante novidade. Seu foco, diferentemente das tradicionais medidas antidumping, não estava nas exportações dos países para os EUA, mas, sim, nas barreiras existentes contra os produtos exportados pelos EUA para o mundo, fundamentalmente para o Japão, que vinha acumulando grandes superavits comerciais e ganhando terreno no comércio mundial.19 A Rodada Uruguai seguiu, pois, em um contexto em que a principal potência econômica mundial indicava que faria claramente uso de seu "estoque de poder" para levar adiante seus interesses no processo negociador multilateral. Em dezembro de 1988, na reunião ministerial de Montreal, acordos preliminares foram alcançados em produtos tropicais, têxteis, propriedade intelectual, salva guardas, melhoria no mecanismo de solução de controvérsias, além de um acordo-base na área de serviços. No entanto, o impasse na área agrícola, que se colocou como tema mais complexo desde o início das negociações, continuou.20 As negociações agrícolas, embora o Grupo de Cairns21 tenha tentado participar de forma ativa, tomaram forma de discussão bilateral, entre os EUA e a Comunidade Européia, sobre o processo de liberalização do comércio desse setor e a redução dos subsídios internos. Os EUA mantiveram uma posição mais agressiva em relação a esse tema, tendo em mente a possibilidade de aumentar suas exportações agrícolas para o velho continente, enquanto a Europa defendia firmememente sua política de proteção e subsídios. A Europa comunitária barganhava, pois, com os EUA, o acesso a mercados em troca do compromisso americano de não questionar sua Política Agrícola Comum (PAC) no GATT. Somente em 1992 a agricultura propiciou o encaminhamento da Rodada Uruguai. Os EUA e a Comunidade Européia estabeleceram o Blair House Accord, no qual existia a Cláusula da Paz, em que se determinava a inclusão das disciplinas agrícolas até então negociadas pelas grandes potências, ficando as demais partes contratantes do GATT impedidas de mover qualqueração acerca de eventuais distorções do comércio agrícola no sistema de solução de controvérsias até 2003. Destarte, as demandas do Grupo de Cairns relacionadas à diminuição substancial dos subsídios, preços administrados e aumento das importações não foram consideradas. Depois de idas e vindas, as negociações da Rodada Uruguai foram finalmente concluídas em dezembro de 1993, em Genebra. Permaneceram, contudo, em aberto, algumas questões mais controversas, para as quais não se conseguiu "consenso" para fechar as negociações dentro da Rodada, como aquelas relativas ao comércio de produtos audio visuais, à abertura do setor financeiro, a cláusulas sociais e ambientais, tendo as partes contratantes assumido o compromisso de continuar as discussões a respeito nos anos seguintes. Em abril de 1994, os representantes das partes contratantes do GATT assinam a Ata Final da Rodada Uruguai, em Marraqueche. Provavelmente, a principal novidade trazida pela Ata foi a criação, em bases concretas, da Organização Mundial do Comércio (OMC), primeira instituição, de fato, responsável pelo trato das questões relativa sao comércio internacional. Fechava-se, assim, uma lacuna nunca muito bem preenchida na ordem internacional do pós-guerra, quando a OIC não entrou em funcionamento.22 Sobre os resultados finais da Rodada Uruguai, Lampreia (1995, p. 247) coloca: O conjunto de textos de instrumentos legais negociados desde o lançamento da Rodada, em setembro de 1986, apresenta-se na Ata Final sob a forma de anexos ao Acordo que cria a Organização Mundial de Comércio (WTO), que não fora prevista em Punta del Este, mas cuja constituição foi julgada necessária para fins de abrigar, dentro de uma única moldura institucional: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, tal como modificado pela Rodada Uruguai (GATT); todos os acordos e arranjos concluídos desde 1947 sob os auspícios do mesmo GATT; e os resultados completos da recém-concluída Rodada. De forma resumida, os principais resultados da última Rodada de negociações do velho GATT foram os seguintes:23 1) acordou-se um corte médio nas tarifas internacionais, de 37%; 2) no que concerne aos produtos industrializados, os países desenvolvidos concordaram em reduzir em 49% suas tarifas (de 6,3% para 3,8%, em média); 3) o tema agrícola foi finalmente inserido no SMC,

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sendo o Acordo sobre Agricultura (no qual normas e compromissos concernentes ao acesso a mercados, ajuda interna e subsídios às exportações foram estabelecidos) um importante marco para as negociações agrícolas na OMC. Além disso, foi acordada a tarificação de todas as barreiras não tarifárias sobre mais de 30% da produção agrícola, devendo os cortes sobre as tarifas resultantes ser de 36%, para os países desenvolvidos, e de 24%, para aqueles em desenvolvimento, em um período de seis e dez anos, respectivamente, a partir de 1995; 4) o setor de têxteis também foi incorporado ao SMC, devendo o Acordo Multifibras ser eliminado em dez anos, até 2005;24 5) ocorreu uma ampliação das linhas alfandegárias consolidadas no SMC, de 78% para 99%, no caso dos países desenvolvidos, e de 21% para 73%, relativamente aos países em desenvolvimento;25 6) o setor de serviços também foi inserido no sistema, sendo acordado um código de regulamentação para o setor, o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (em inglês, General Agreementon Trade in Services (GATS)); 7) negociou-se também o Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (em inglês, Trade Related Intellectual Property Rights (TRIPS)); 8) houve um aprimoramento dos mecanismos de defesa comercial, por meio do Acordo sobre Salvaguardas e do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias; e, finalmente, 9) criou-se um novo sistema de solução de controvérsias comerciais, essencial com o mecanismo efetivo de enforcement da OMC. Quase cinqüenta anos depois da tentativa de criação da natimorta OIC, omundo comercial construía as bases, pela via multilateral, para a edificação de uma "nova" ordem comercial internacional, fundamentada no direito e com mecanismos que davam caráter impositivo às decisões tomadas multilateralmente. Embora seja possível que se faça uma relativização do poder efetivo da OMC enquanto marco jurídico internacional, é ululante a importância do papel que tal instituição veio a desempenhar, desde a sua criação, em um cenário internacional marcado pelo incremento substancial das trocas comerciais. Da Criação da OMC à Rodada do Desenvolvimento Antes de realizarmos uma análise das modificações ocorridas no SMC com a entrada em cena da OMC, assim como de sua trajetória durante a última década do século XX, é interessante que façamos uma avaliação honesta, ainda que relativamente rápida e superficial, dos impactos que o processo de liberalização comercial pela via multilateral ajudou a gerar sobre os fluxos mundiais de comércio, auxiliando, desse modo, o crescimento da economia mundial. O Gráfico 1 nos traz uma clara amostra da trajetória de crescimento do comércio e produção mundiais de bens. Tomando o ano de 1950 como ano-base, observaremos que o crescimento do volume das exportações mundiais de bens tenderá a manter um crescimento maior do que aquele ocorrido no volume da produção mundial de bens. Tal diferença entre o crescimento do comércio e a produção mundial começou a se tornar mais evidente nas décadas de 1970 e 1980. Contudo, é a partir da década de 1990 que a diferença entre o crescimento observado no comércio de bens e aquele da produção dos mesmos será alargada de forma significativa.

Acreditamos que um conjunto de fatores complementares deva ser levado em conta quando da análise das estatísticas acima apresentadas, entre eles o papel desempenhado pelo GATT na retirada dos gravames ao comércio internacional. Evidentemente as políticas de recuperação econômica do pós-guerra, de cunho fundamentalmente keynesiano, tiveram importante impacto na geração de renda e comércio no mundo. Entretanto, vale a pena lembrar que a queda progressiva das barreiras aos produtos industrializados, negociada multilateralmente, acabou ampliando as áreas de contato econômico-comercial entre as nações do mundo, principalmente entre a Europa e os EUA, em um primeiro momento.26 Ademais, especialmente na década de 1990, quando os efeitos da Rodada Uruguai começam a ser sentidos, as iniciativas minilateralistas (tanto bilaterais quanto regionais) de realização de acordos visando à liberalização do comércio internacional, seguidas por diversos países (dentre eles os EUA), vieram a auxiliar no rigoroso incremento das trocas internacionais. O que o Gráfico 1 deixa claro é que uma parte cada vez mais significativa do produto mundial passou a ser gerado pelas

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exportações, denotando com evidência o aumento da interdependência econômico-comercial no mundo. Falando de regionalismo, é importante relembrar que tais acordos minilateralistas sempre foram identificados como sendo um desafio ao SMC. Para uns, o regionalismo poderia vir a ferir a tendência globalizante do capitalismo, observada de forma mais clara no momento atual, e a descaracterizar o processo multilateral de liberalização comercial. Para outros, o regionalismo é visto como auxiliar no processo de abertura comercial no mundo. De toda forma, como ressalta Paulo Roberto de Almeida (2005, p. 3), é fato que: A construção normativado sistema multilateral decomércio registrou, de certo modo, uma evolução paradoxal. De um lado, houve o reforço dos princípios tradicionais de nação mais favorecida, de tratamento nacional, de reciprocidade, de transparência e de igualdade de direitos e de obrigações, este último temperado parcialmente pelo tratamento diferencial e mais favorável para as partes contratantes menos desenvolvidas. De outro, ocorreu o aprofundamento e a disseminação dos esquemas minilateralistas e dos arranjos geograficamente restritos, ofendendo a primeira dessas cláusulas, a de NMF. É claro que o regionalismo não é, fundamentalmente, um movimento atual. O próprio Benelux, criado em 1947, e a Comunidade Européia, em 1957, além de diversos mecanismos de integração regional criados por países em desenvolvimento na década de 1960, atestam tal fato. Contudo, a última década do século passado será marcada pela expansão gigantesca desse tipo de acordo comercial entre nações. Segundo dados da OMC, apresentados por Oatley (2003, p. 22), existiam em vigor, em 2001, aproximadamente 134 acordos regionais de comércio. Desse total, noventa foram assinados entre os anos 1991 e 2001.27 Assim, como conclui Paulo Roberto de Almeida (2005) ao falar dos acordos regionais de comércio disseminados por toda a América (a exemplo do North American Free Trade Agreement (NAFTA)), do Mercosul, da Comunidade Andina de Nações (CAN) etc.): Esses exemplos americanos, ao lado da estratégia assistencialista desenvolvida pela UE [União Européia] em direção da clientela periférica dos países de menor desenvolvimento relativo – os PMDRs, do chamado grupo ACP [países da África, Caribe e Pacífico] –, configuram, portanto, a confirmação cabal de que o multilateralismo atual tem de conviver com um regionalismo disforme, oportunista e basicamente disfuncional em relação aos princípios do sistema econômico multilateral definido no imediato pós-Segunda Guerra. Provavelmente ele terá de enfrentar uma longa travessia do deserto antes de reencontrar terreno mais favorável para seu florescimento e expansão. (ALMEIDA, 2005, p. 12). É nesse contexto que entra em atividade, em 1995, a Organização Mundial do Comércio (OMC), institucionalizando a regulação comercial mundial. A OMC tem como princípios basilares aqueles mesmos que davam suporte ao "velho" SMC, sob os auspícios do GATT 47, quais sejam: nãodiscriminação (Cláusula da NMF), reciprocidade e tratamento nacional. Além disso, o quadro legal que sustenta o SGP foi mantido no "novo" sistema. Entre as funções capitais da OMC está a de ser o organismo administrador, tanto de acordos multilaterais, como o GATT 94, GATS, TRIPS, quanto dos plurilaterais, relacionados ao comércio de aeronaves civis, compras governamentais, comércio e produtos lácteos e de carne bovina. Ademais, a Organização serve como um fórum permanente para negociações multilaterais internacionais e também como organismo imbuído de capacidade jurídica para a resolução de desavenças comerciais entre seus membros, por meio do Órgão de Solução de Controvérsias. É justamente o maior poder efetivo, fundamentado no Direito Internacional, do sistema de resolução de conflitos existente na OMC que se coloca como ponto fundamental de distinção, relativamente ao "velho" sistema GATT.28 Tal aspecto traz consigo a conformação de um sistema caracterizado por ser mais rule-oriented (orientado por regras), dando maior efetividade e legitimidade ao SMC. No entanto, vale frisar que, mesmo com um sistema de solução de controvérsias mais eficaz e poderoso, por vezes será observado que principalmente as grandes potências terão algum espaço, ainda que "ilegal", para o uso de seus "estoques de poder" no descumprimento de compromissos assumidos multilateralmente, o que denota a complexidade da interação entre as nações, quando tentam construir regras gerais e objetivas para gerir suas trocas materiais. Sobre esse fato, Lima (2004, p. 36) coloca: Os países não se desfazem da sua autonomia voluntariamente e as regras que compõem o sistema raramente são auto-executáveis. Em vez de criar uma lei para controlar o comportamento dos Estados, as instituições internacionais servem para estabelecer expectativas a respeito do comportamento de outras nações. A OMC tem, no topo da estrutura funcional, a Conferência Ministerial, na qual os representantes de todos os seus membros se reúnem pelo menos uma vez a cada dois anos, podendo deliberar sobre qualquer assunto relacionado aos acordos multilaterais de comércio. No intervalo das reuniões ministeriais, os trabalhos da OMC são realizados por diversos órgãos, sendo o principal deles o Conselho Geral, ao qual estão subordinados o Conselho para Comércio de Mercadorias, o Conselho para Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio e o Conselho para Comércio de Serviços.29 Aos diversos conselhos que estão subordinado sao Conselho Geral, por sua vez,

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ficam subordinados numerosos outros grupos de trabalho e comitês. Ademais, existem outros quatro comitês responsáveis por assuntos relacionados com as temáticas: comércio e meio ambiente, comércio e desenvolvimento, restrições de balanço de pagamentos, e administração e orçamento da OMC. Na primeira reunião ministerial da OMC, realizada em Cingapura em 1996, foram iniciadas negociações sobre novos temas dentro da agenda da Organização, como comércio e investimento, comércio e competição, transparêncianas compras governamentais e facilitação de comércio, seguindo o que fora acordado ao fim da Rodada Uruguai. Já na reunião de Cingapura, por iniciativa liderada pela UE, foi proposto o lançamento de uma nova Rodada de negociações multilaterais, que tivesse como foco os temas acima referidos. Entretanto, a oposição consistente de diversos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, fez com que tal proposta fosse adiada. Ademais, os países em desenvolvimento levaram acabo um conjunto de proposições que visava tentar resolver os muitos problemas que ainda persistiam relativamente à implementação do acordado na Rodada Uruguai, principalmente naqueles setores que mais lhe seram benéficos, como o agrícola e o têxtil.30 Reunidos em Seattle, nos EUA, em 1999, os ministros dos países-membros da OMC tentaram pavimentar o caminho para o lançamento da então chamada Rodada do Milênio. Contudo, por fatores diversos, impasses foram criados e a reunião resultou em um retumbante fracasso.31 Como elementos capitais na geração de tal fracasso, podemos destacar a falta de efetiva motivação política e de consenso, entre os atores internacionais mais poderosos, quanto à agenda a ser negociada. Por um lado, os EUA tentavam avançar na abertura do setor de serviços, movimento iniciado na década de 1980, no qual se observa a liberalização dos serviços como mecanismo a ser usado na tentativa de melhora das contas externas do país. Já o Japão e a Europa, sabendo que uma nova Rodada puxaria necessariamente o tema agrícola para o centro das discussões, queriam ampliar as negociações na área de investimentos e concorrência, temas que lhes eram mais convenientes.32 Cabe aqui apresentar, de forma sucinta, algumas modificações ocorridas na posição da diplomacia econômica brasileira no decorrer da década de 1990, relativamente ao SMC. As próprias transformações da economia, com a abertura comercial iniciada no início dos anos 1990, atuaram sobre o posicionamento do país diante das negociações internacionais. A diplomacia toma um tom mais liberal, não deixando de ter, pelo menos retoricamente, o objetivo primordial de ser elemento auxiliar na busca pelo desenvolvimento econômico brasileiro. A construção do Mercosul também influenciou o trato diplomático do Brasil no mundo, passando o país a ter de harmonizar interesses dentro do bloco para seguir adiante nas negociações de liberalização pela via multilateral. É importante lembrar que muitos países em desenvolvimento continuam a manifestar freqüente descontentamento com as mudanças só marginais nas normas internacionais de comércio relativas aos setores em que possuem maior competitividade, desde o GATT-1947 até a atualidade. Mesmo existindo um arcabouço de medidas que busca dar maior proteção aos países em desenvolvimento dentro da OMC, a insatisfação torna-se clara e fundamentada quando os principais produtos exportados pelos mesmos encontram significativas barreiras de entrada nos mais diversos mercados mundiais, sejam elas ligadas a picos e escaladas tarifárias, ou a quotas, barreiras fitossanitárias etc. Para alguns, como Gonçalves (2003a), a falta de democracia no SMC leva à elaboração de agendas que interessam aos países desenvolvidos. Assim, muitos vêem a OMC como uma instituição usada pelos países fortes como instrumento de política externa. Destarte, os países em desenvolvimento vêm apresentando especial interesse em modificar, no âmbito da OMC, normas e fundamentos das negociações, tendo em vista um maior foco no desenvolvimento, o que denota uma volta aos fundamentos da Carta de Havana, pensada há quase cinqüenta anos atrás. Tentando conciliar os interesses de países em desenvolvimento (Grupo de Cairns, entre outros) com aqueles dos países desenvolvidos (EUA, os da UE e Japão), ocorre em Doha, no Catar, a quarta reunião ministerial da OMC. É importante lembrar que os trabalhos político-diplomáticos em Doha, em novembro de 2001, ocorreram em uma conjuntura em que os traumas dos ataques terroristas aos EUA estavam muito presentes, e a economia mundial não andava muito bem, existindo grande incerteza acerca do seu desempenho futuro. Destarte, o mundo pressionava pela emissão de sinais positivos pela OMC, tendo em vista que um novo fracasso nas negociações em Doha poderia trazer mais trevas ao cenário mundial, já bastante negativo. Ao final do encontro, a Declaração Ministerial de Doha lançou um documento repleto de "ambigüidades construtivas", que colocavam a questão das concessões às preocupações dos países em desenvolvimento como ponto primordial a ser discutido. Estava lançada a nova Rodada de negociações multilaterais da OMC: a Rodada do Desenvolvimento. A Rodada Doha: Expectativas, Desafios e Oportunidades O SMC, seguindo o processo histórico-evolutivo descrito anteriormente, chega ao século XXI comum a nova roupagem, mais robusta e efetiva na condução da regulação internacional do comércio. A OMC tornou-se uma instituição central enquanto componente de suporte à atual onda de globalização. Ademais, neste início de século, a luta pelo desenvolvimento das regiões mais

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pobres do planeta também passou a ecoar de forma mais relevante em instituições internacionais como a OMC. Observa-se, aqui, certa volta às demandas dos países mais pobres, colocadas em meados do século passado, quando das negociações acerca da Carta de Havana que criava a OIC. Conceito-chave que norte ou as ações do mundo econômico nos mais diversos países durante boa parte da segunda metade do século XX, estando marginalizado nas últimas décadas do mesmo pelas crises que assolaram o mundo, o desenvolvimento volta à cena internacional no início de século XXI, buscando fazer com que uma parte cada vez maior da população mundial tire proveito dos benefícios trazidos com a, por vezes tão vilipendiada, globalização. É nesse contexto que os membros da OMC lançam a atual Rodada de negociações comerciais multilaterais, a Rodada Doha. Como colocado ao findar a seção anterior, a retórica desenvolvimentista em prol dos países menos avançados foi a base de lançamento da Rodada, apontando para o tema agrícola como pilar fundamental das negociações. Não obstante a liberalização do comércio agrícola seja considerada como elemento central da Rodada, novas negociações acerca de diversos outros temas (como serviços, produtos não agrícolas, propriedade intelectual, investimentos, comércio eletrônico etc.) foram também lançadas em Doha, buscando uma óbvia harmonização de interesses entre os países em desenvolvimento e os países desenvolvidos. A importância dada aos interesses dos países em desenvolvimento na atual Rodada de negociações da OMC, pelo menos retoricamente, pode ser vislumbrada de forma clara no seguinte excerto da Declaração Ministerial de Doha: O comércio internacional tem condições para desempenhar um importante papel na promoção do desenvolvimento econômico e na diminuição da pobreza. Reconhecemos a necessidade de todos os nossos povos se beneficiarem do aumento de oportunidades e da prosperidade gerados pelo sistema multilateral de comércio. [...] continuaremos nossas iniciativas concretas, planejadas para garantir que os países em desenvolvimento, e especialmente os menos desenvolvidos dentre eles, as segurem a sua parcela de participação no crescimento do comércio mundial, proporcional às necessidades de suas economias em expansão. Nesse contexto, acesso favorecido ao mercado, regras equânimes, assistência técnica com financiamento sustentável e objetivos bem formulados, e programas de capacitação têm importante função a cumprir. (CONFERÊNCIA MINISTERIAL DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO, 2001, p. 1). Desde a IV Conferência Ministerial da OMC, em Doha, quando o mandato negociador sobre os variados temas foi acordado, as negociações tomaram corpo de forma permanente em Genebra, tendo ocorrido eventos posteriores que buscaram diminuir as divergências entre posicionamentos dos países, relativamente aos temas negociados. Em um primeiro momento, pode-se citar a V Conferência Ministerial, ocorrida em Cancun, em setembro de 2003, fracassada pela falta de entendimento entre os países em desenvolvimento e seus pares desenvolvidos, sobre a liberalização agrícola e ditos temas de Cingapura. Vale ressaltar que, do ponto de vista dos interesses brasileiros na Rodada (focados no tema agrícola), a Conferência em Cancun trouxe à tona a participação do G-20 como interlocutor importante nas negociações. As negociações comerciais multilaterais ficaram relativamente estagnadas até meados de julho de 2004, quando se conseguiu chegar a um acordo para a retomada efetiva das negociações (The July 2004 package). As negociações prosseguiram por um ano e meio até a VI Conferência Ministerial da OMC, realizada em Hong Kong em dezembro de 2005. Nesse encontro, algumas arestas foram aparadas em relação aos temas mais controversos e um progresso relativo foi obtido em áreas específicas, como na dos subsídios à exportação agrícola, que devem ser extintos completamente até 2013. Entrementes, muito ainda restava de controverso e não acordado em temas muito importantes para a Rodada, como aqueles relacionados à agricultura (acesso a mercado e apoio interno), serviços e bens não agrícolas. Ademais, na Conferência de Hong Kong, estabeleceu-se um novo cronograma para as negociações em 2006, que seria mais uma vez desrespeitado. Não obstante tenha ocorrido alguma aproximação entre as propostas dos principais grupos interessados no tema agrícola desde o início das negociações, o mesmo continuou a ser tanto o foco principal do mandato negociador de Doha, quanto o elemento mais controverso e de complexa negociação da Rodada. Os EUA e a Europa Comunitária continuam bastante reticentes quanto aos seus pontos mais sensíveis na negociação agrícola. Por um lado, a UE pressiona os norte-americanos por uma proposta mais agressiva em relação ao apoio interno. Por outro, os EUA colocam que, sem uma proposta européia de liberalização efetiva do acesso ao seu mercado no setor agrícola, o progresso das negociações não pode ser materializado de forma mais rápida. Os países do G-20, de outro lado, buscam maior abertura dos mercados agrícolas dos países desenvolvidos para seus produtos, mas são um tanto relutantes na abertura de setores industriais e de serviços. Tudo isso sem falar em certa esquizofrenia do próprio G-20, em que existem desde países com posicionamentos agressivos em todas as frentes agrícolas, como o Brasil, a economias que buscam posicionamentos claramente protecionistas, como a Índia.33 Tais posicionamentos discrepantes entre os principais atores das negociações agrícolas na OMC levaram a Rodada Doha a mais um impasse e à paralisação por tempo indeterminado das negociações, em meados de 2006.

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É importante frisar, por fim, que, mesmo que o resultado objetivo obtido ao fim da Rodada Doha, que provavelmente terá as negociações retomadas em um futuro não muito distante, não seja o firstbest, os países-membros da OMC, principalmente os em desenvolvimento, devem observar atenciosamente a importância da defesa do SMC fundamentado no Direito Internacional como instrumento que possibilita certa restrição ao exercício do poder arbitrário em âmbito mundial. Além do mais, os países em desenvolvimento necessitam estar atentos às oportunidades e aos desafios gerados, com as negociações na OMC, ao desenvolvimento econômico (inter) nacional, o qual necessariamente passa por uma inserção econômica ativa neste nosso mundo cada vez mais interdependente. Notas 1. Dados apresentados por Sato (2001, p. 9). 2. É interessante notar aqui que, quando das negociações do GATT em 1947, ficou acordada a possibilidade do estabelecimento de zonas de livre-comércio e de uniões aduaneiras, tendo por base o modelo e a experiência do Benelux, nascente no período (artigo XXIV do Acordo Geral). Esse fato irá gerar impedimentos legais ao início do processo de integração latino-americano, em que uma área de livre-comércio teve de ser criada desde o princípio (Aliança Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), em 1960) e não uma zona de preferências comerciais, como parecia mais adequado, dado o grau de desenvolvimento das economias da região, o que acabou por resultarem insucessos significativos. 3. Para uma análise aprofundada acerca do enforcement do sistema multilateral, desde o GATT/47 até os dias atuais com a OMC, ver Lima (2004). 4. Vale aqui frisar que tanto o princípio da NMF quanto o da reciprocidade já haviam sido utilizados em acordos feitos na segunda metade do século XIX pelos EUA e por muitos países europeus, conformando um verdadeiro SMC, à sua época, que seria destruído em 1914 com a Primeira Guerra. 5. Até a Rodada Dillon do GATT, ocorrida entre 1960 e 1961, as negociações eram feitas em bases bilaterais, indentificando-se os principais fornecedores de cada produto negociado. Depois de elaborada uma lista de pedidos e ofertas, um acordo era buscado, pautado na reciprocidade das concessões e, por meio do princípio da NMF, tais concessões eram estendidas para os demais países que faziam parte do Acordo Geral. Os EUA viam o bilateralismo gattiano como benéfico, tendo em vista que a acomodação de interesses internos, muitas vezes conflitantes, tornava-se menos complexa. 6. Tanto países em desenvolvimento quanto países desenvolvidos fizeram uso, por vezes continuado, de tais mecanismos excepcionais do GATT. O Brasil, por exemplo, utilizou-se principalmente do artigo XVIII para promover sua industrialização, via substituição de importações, sem ferir a legalidade do SMC, do qual fazia parte. 7. Dados apresentados por Paulo Roberto de Almeida (2004, p. 119). 8. É importante lembrar que o mundo passava por mudanças geopolíticas relativamente importantes com o movimento dos não-alinhados, que se colocaram como forças protagonistas nas transformações da ordem comercial de então, como pode ser observado na própria criação do G77 e da UNCTAD. 9. Vale mencionar que, por vezes, o Congresso dá ao Executivo o poder de negociar acordos comerciais sob determinadas condições, o que faz com que os congressistas possam considerar as demandas de seus eleitores por mais proteção sem que isso ameace o processo negociador internacional. Tal delegação de poder negociador ao Executivo é comumente chamada de fasttrack. 10. Pela legislação comercial vigente nos EUA, isto significa que qualquer tratado comercial, como qualquer outra lei, deve obter a aprovação da maioria das duas casas do Congresso, que pode, a não ser em casos especiais, propor emendas e interpretações aos tratados que lhe são submetidos. [Nota no original]. 11. Para uma análise eloqüente e com riqueza de detalhes sobre as relações Norte-Sul nos foros econômicos multilaterais, ver Bahadian (1992). O autor analisa os debates na ONU a respeito das negociações sobre o Código de Práticas Comerciais Restritivas, estendendo-se ainda aos Códigos de Conduta para Transferência de Tecnologia e de Empresas Transnacionais. 12. Dados apresentados por Paulo Roberto de Almeida (2004, p. 119). 13. Vale notar que a posição norte-americana em relação aos acordos bilaterais e regionais de comércio será mantida durante a década de 1990, quando importantes iniciativas tomaram forma, como o NAFTA, Iniciativa da Bacia do Caribe, African Growth Opportunity Act, e as primeiras negociações da ALCA. 14. Na verdade, para alguns estudiosos, o que os países desenvolvidos (fundamentalmente os EUA) fizeram foi colocar os países em desenvolvimento como "bodes expiatórios" dos problemas da ordem comercial internacional. 15. Logo após a crise mexicana de 1982, o Tesouro dos EUA ofereceu empréstimo ao Brasil, auxiliando-o no enfrentamento das condições econômicas adversas daqueles anos. Entretanto, o condicionante para tal foi justamente o Brasil não bloquear a entrada das discussões sobre o setor

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de serviços no GATT. 16. Uma importante observação a ser aqui realizada é a de que as posições do G-10, no qual o Brasil e a Índia se colocavam como líderes, foram, de certa maneira, marginalizadas quando do lançamento da Rodada. Foi o Acordo Colômbia-Suíça (Café au Lait), que reunia diversos países em desenvolvimento que não estavam de acordo com os posicionamentos do G-10 e era apoiado pelos EUA, que traçou as bases de lançamento da Rodada Uruguai, em competição com o documento construído pelo G-10. 17. Vale aqui notar que, ao final da Rodada Uruguai, as negociações do comércio de bens e de serviços haviam se fundido, resultando no pacote global da Rodada sendo tratado como um singleunder taking. 18. Cabe frisar que, embora seja possível encontrar antecedente jurídico na Seção 2252 da Lei do Comércio de 1962, a famosa Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA apareceu pela primeira vez na Lei de 1974, concedendo ao presidente poder para iniciar ações retaliatórias contra práticas comerciais "não razoáveis" e "injustificáveis". Desde então, a Seção 301 foi sendo ampliada, dando cada vez maior poder ao Executivo para fazer uso de medidas claramente protecionistas. 19. O Brasil, juntamente com a Índia e o Japão, entrou na primeira lista negra de "prioridades" elaborada pelo USTR a partir da Lei de 1988. Brasil e Índia eram considerados alvos politicamente fáceis, por serem economias relativamente pequenas e possuírem grandes barreiras comerciais. O Brasil saiu da lista negra quando da abertura comercial unilateral promovida durante o governo Collor. Em relação ao Japão, as pressões sobre o mesmo fizeram com que os japoneses cedessem e concordassem com a Structural Impediments Initiative norte-americana de 1989, na qual se iniciou a negociação da redução de barreiras japonesas às exportações dos EUA. 20. Em abril de 1989, foi alcançado um primeiro acordo relativo aos objetivos gerais para o tema agrícola. 21. O Grupo de Cairns surgiu da interação iniciada entre países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, no infrutífero G-10, e alguns países desenvolvidos, tendo como objetivo comum a abertura comercial na área agrícola. O grupo reúne, pois, países que são grandes produtores agrícolas tanto do grupo dos desenvolvidos (Austrália, Nova Zelândia e Canadá), quanto daqueles em desenvolvimento. Vale ressaltar que a diplomacia brasileira teve importante participação na constituição do Grupo de Cairns, não obstante o mesmo não tenha tido muita vez e voz nos resultados concretos relativos à agricultura no GATT. 22. Vale lembrar que, inicialmente, os países em desenvolvimento mantinham uma posição relativamente cética em relação à criação de uma nova organização internacional. Contudo, tal posicionamento veio mudando ao longo da Rodada Uruguai, tendo por base a idéia, já aqui apresentada, de que um sistema com maior fundamentação legal os deixaria menos vulneráveis ao arbítrio das grandes potências. 23. Dados e informações apresentados a seguir foram baseados fundamentalmente em Rêgo (1996). 24. Vale lembrar que em 2005, com o fim do Acordo Multifibras (criado em 1974), tanto a Europa quanto os EUA começaram a ser inundados por produtos têxteis vindos principalmente da China. Tal fato levou os mesmos a negociarem acordos com os chineses, no sentido de restringir exportações chinesas de têxteis para o mercado europeu e norte-americano. É importante lembrar que o setor têxtil foi muito protegido pelos países desenvolvidos desde as primeiras décadas do pós-guerra, tendo tal proteção começado a tomar forma de um acordo plurilateral ainda na década de 1960. 25. O Brasil consolidou suas tarifas em 35%, para produtos industrializados, e em 55%, para os agropecuários, válidas a partir do ano 2000. 26. A legitimidade do SMC, sob os auspícios do GATT, advinha parcialmente do crescimento substancial do comércio internacional. Contudo, é lógico que a anuência da potência econômica mundial com o que era acordado multilateralmente tinha peso mais significativo enquanto ação legitimadora do SMC. 27. Volta à discussão, aqui, a questão do hegemom, ou hegemons. Muitos estudiosos colocam que essa tendência minilateralista existente no sistema comercial internacional atualmente adviria do "problema de liderança", no qual o exemplo dado pelas principais potências mundiais (fundamentalmente os EUA e a União Européia) nas últimas décadas reforçaria a constituição de um ambiente favorável a esses arranjos minitaleralistas mundo afora. 28. Vale aqui colocar que outra inovação ocorrida no SMC, no pós-Rodada Uruguai, foi a criação do Órgão de Exame de Políticas Comerciais, por meio do qual são feitas análises acerca das políticas comerciais dos países-membros, servindo como mecanismo de vigilância quanto ao cumprimento dos compromissos assumidos. 29. Cabe salientar que o Conselho Geral também atua tanto como Órgão de Exame de Políticas Comerciais, quanto como Órgão de Solução de Controvérsias Comerciais. 30. Os temas ligados a questões sociais e ambientais, que deveriam ser discutidos na reunião, acabaram por ganhar atenção marginal, sem resoluçãoaparente no curto prazo. É fato que existe uma enorme resistência, inclusive por grande parte dos países em desenvolvimento, de se

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incorporar normas no SMC relativas a questões sociais e ambientais, tendo por base a idéia de que alguns dos fatores geradores de suas vantagens comparativas poderiam ser contestados, em benefício de uma minoria nos países desenvolvidos. 31. Entre os possíveis fatores que engendraram o fracasso de Seattle está a pressão dos movimentos antiglobalizadores feita durante a reunião. 32. Gonçalves (2003b), em seu capítulo 2, faz uma interessante análise sobre as principais interpretações acerca do fracasso da reunião de Seattle, bem como sobre divergências e impasses lá gerados. 33. Como líder do G-20, o Brasil tem desempenhado um papel fundamental no processo negociador agrícola, empenhando-se na árdua tarefa de buscar pontos de convergência interna que dê em sustentação ao grupo, e em não deixar que o tema agrícola venha a apresentar resultados negociados, ao fim da Rodada, que sejam puramente fundados nos interesses das grandes potências. Referências Bibliográficas ABREU, Marcelo de P. Brazil, the GATT and the WTO: history and prospects. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 1998. 38 p. (Texto para discussão no 392). Disponível em: <http://www.puc-rio.br>. Acesso em: 10 ago. 2006. [ Links ] ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o multilateralismo econômico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. 210 p. [ Links ] ______. Diplomacia comercial: de Bretton Woods e Havana à OMC. In ______. Relações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2004, p. 111-144. [ Links ] ______. Acordos minilaterais de integração e de liberalização do comércio: uma ameaça potencial ao Sistema Multilateral de Comércio. In: ______. Negociações internacionais: mais do que produzir, é preciso saber negociar. São Paulo: American Chamber, 2005. Disponível em: <http://www.pralmeida.org>. Acesso em: 28 jan. 2006. [ Links ] ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003. 408 p. [ Links ] BAHADIAN, Adhemar Gabriel. A tentativa do controle do poder econômico nas Nações Unidas: estudo do conjunto de regras e princípios para o controle das práticas comerciais restritivas. Brasília: IPRI, 1992. [ Links ] BAUMANN, Renato et al. Economia internacional: teoria e experiência brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 442 p. [ Links ] BUENO, Clodoaldo. A política multilateral brasileira. In: CERVO, A. L. (Org.). O desafio internacional: a política exterior do Brasil de 1930 a nossos dias. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994. cap. 2, p. 59-144. [ Links ] CONFERÊNCIA MINISTERIAL DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Ministerial declaration. Genebra: OMC, 2001. 10 p. Disponível em <http://www.into.org>. Acesso em: 30 abr. 2006. [ Links ] DIAS, Viviane Ventura. O Brasil entre o poder da força e a força do poder. In: BAUMANN, R. (Org.). O Brasil e a economia global. Rio de Janeiro: SOBEET, 1996. cap.4, p. 5573. [ Links ] GODINHO, Renato Domith. Os diplomatas do Capitólio: a política externa norte-americana e a influência dos grupos de pressão no Congresso dos Estados Unidos. 2005. 163 p. Dissertação (Mestrado em Diplomacia) – Instituto Rio Branco, Brasília, 2005. [ Links ] GONÇALVES, Reinaldo. Globalização comercial. In: ______. O nó econômico. Rio de Janeiro: Record, 2003a. cap. 4, p. 97-122. [ Links ] ______. O Brasil e o comércio internacional: transformações e perspectivas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2003b. 149 p. [ Links ] GUIMARÃES, Feliciano de Sá. A Rodada Uruguai do GATT (1986-1994) e a política externa brasileira: acordos assimétricos, coerção e coalizões. 2005. 195 p. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Programa San Tiago Dantas – UNESP, UNICAMP, PUC-SP –, Campinas, 2005. [ Links ] LAMPREIA, Luiz Filipe P. Resultados da Rodada Uruguai: uma tentativa de síntese. Estudos Avançados, v. 9, n. 23, p. 247-260, 1995. [ Links ] LIMA, Tatiana Macedo N. GATT/OMC: uma análise institucional. 2004. 97 p. Dissertação (Pósgraduação em Economia) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, USP, São Paulo, 2004. [ Links ] OATLEY, Thomas. International political economy: interests and institutions in the global economy. Londres: Longman, 2003. 432 p. [ Links ] OMC. Understanding the WTO. 3. ed. Genebra, 2005a. 116 p. Disponível em: <http://www.wto.org> . Acesso em: 22 mar. 2006. [ Links ] ______. International trade statistics 2005. Genebra, 2005b. 274 p. Disponível em: <http://www.wto.org>. Acesso em: 20 set. 2006. [ Links ] RÊGO, Elba C. L. Do Gatt à OMC: o que mudou, como funciona e para onde caminha o Sistema

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Capítulo 8

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Dialética Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Dialética (português brasileiro) ou Dialéctica (português europeu) (do grego διαλεκτική (τέχνη), pelo latim dialectĭca o dialectĭce) era, na Grécia Antiga, a arte do diálogo, da contraposição e contradição de idéias que leva a outras idéias. "Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão." "Aristóteles considerava Zênon de Eléa (aprox. 490-430 a.C.) o fundador da dialética. Outros consideraram Sócrates (469-399 AEC)." (Konder, 1987, p. 7). Um dos métodos diáleticos mais conhecidos é o desenvolvido pelo filósofo alemão Georg Hegel (1770-1831). Visões sobre a dialética O conceito de dialética, porém, é utilizado por diferentes doutrinas filosóficas e, de acordo com cada uma, assume um significado distinto. Para Platão, a dialética é sinônimo de filosofia, o método mais eficaz de aproximação entre as idéias particulares e as idéias universais ou puras. É a técnica de perguntar, responder e refutar que ele teria aprendido com Sócrates (470 a.C.-399 a.C.). Platão considera que apenas através do diálogo o filósofo deve procurar atingir o verdadeiro conhecimento, partindo do mundo sensível e chegando ao mundo das idéias. Pela decomposição e investigação racional de um conceito, chega-se a uma síntese, que também deve ser examinada, num processo infinito que busca a verdade. Aristóteles define a dialética como a lógica do provável, do processo racional que não pode ser demonstrado. "Provável é o que parece aceitável a todos, ou à maioria, ou aos mais conhecidos e ilustres", diz o filósofo. O alemão Immanuel Kant retoma a noção aristotélica quando define a dialética como a "lógica da aparência". Para ele, a dialética é uma ilusão, pois baseia-se em princípios que são subjetivos. O método dialético possui várias definições, tal como a hegeliana, a marxista entre outras. Para alguns, ela consiste em um modo esquemático de explicação da realidade que se baseia em oposições e em choques entre situações diversas ou opostas. Diferentemente do método causal, no qual se estabelecem relações de causa e efeito entre os fatos (ex: a radiação solar provoca a evaporação da água, esta contribui para a formação de nuvens, que, por sua vez, causa as chuvas), o modo dialético busca elementos conflitantes entre dois ou mais fatos para explicar uma nova situação decorrente desse conflito. Método dialético Os elementos do esquema básico do método dialético são a tese, a antítese e a síntese. A tese é uma afirmação ou situação inicialmente dada. A antítese é uma oposição à tese. Do conflito entre tese e antítese surge a síntese, que é uma situação nova que carrega dentro de si elementos resultantes desse embate. A síntese, então, torna-se uma nova tese, que contrasta com uma nova antítese gerando uma nova síntese, em um processo em cadeia infinito. A filosofia descreve a realidade e a reflete, portanto a dialética busca, não interpretar, mas refletir acerca da realidade. Por isso, seus três momentos (tese, antítese e síntese) não são um método, mas derivam da dialética mesma, da natureza das coisas. A dialética é a história do espírito, das contradições do pensamento que ela repassa ao ir da afirmação à negação. Em alemão aufheben significa supressão e ao mesmo tempo manutenção da coisa suprimida. O reprimido ou negado permanece dentro da totalidade. 61

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Esta contradição não é apenas do pensamento, mas da realidade, já que ser e pensamento são idênticos. Esta é a proposição da dialética como método a partir de Hegel. Tudo se desenvolve pela oposição dos contrários: filosofia, arte, ciência e religião são vivos devido a esta dialética. Então, tudo está em processo de constante devir. História da dialética A dialética hegeliana é idealista, aborda o movimento do espírito. A dialética marxista é um método de análise da realidade, que vai do concreto ao abstrato e que oferece um papel fundamental para o processo de abstração. Engels retomou, em seu livro, "A Dialética da Natureza", alguns elementos de Hegel, concebendo a dialética como sendo formada por leis; esta tese será desenvolvida por Lênin e Stálin. Por outro lado, outros pensadores irão criticar ferrenhamente esta posição, qualificando-a de não-marxista. Assim, se instaurou uma polêmica em torno da dialética. Até hoje não foi definido quem teria sido o fundador da dialética: alguns acreditam que tenha sido Sócrates, e outros, assim como Aristóteles, acreditam que tenha sido Zênon de Eléa. Na Grécia Antiga, a dialética era considerada a arte de argumentar no diálogo. Atualmente é considerada como o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. Desde a Grécia Antiga, a dialética sempre encontrou quem fosse contra, como Parmênides, mesmo vivendo na mesma época do mais radical pensador dialético: Heráclito. Para compreensão do tema, o autor passa por vários itens, começando pelo trabalho. Heráclito foi o pensador dialético mais radical da Grécia Antiga. Para ele, os seres não têm estabilidade nenhuma, estão em constante movimento, modificando-se. É dele a famosa frase “um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio”, porque nem o homem nem o rio serão os mesmos. No Século XX, Osho Rajneesh, nascido na Índia, retoma o pensamento de Heráclito sobre a dialética com a publicação do livro "A Harmonia Oculta:Discursos sobre os fragmentos de Heráclito". Porém, na época, os gregos preferiram acreditar na metafísica de Parmênides, a qual pregava que a essência do ser é imutável, e as mudanças só acontecem na superfície. Esse pensamento prevaleceu, por atender aos interesses da classe dominante, na época. Para sobreviver, a dialética precisou renunciar às expressões mais radicais, conciliando-se com a metafísica. Depois de um século, Aristóteles reintroduziu a dialética, sendo responsável, em boa parte, pela sua sobrevivência. Ele estudou muito sobre o conceito de movimento, que seriam potencialidades, atualizando-se. Graças a isso, os filósofos não deixaram de estudar o lado dinâmico e mutável do real. Com a chegada do feudalismo, a dialética perdeu forças novamente, reaparecendo, no Renascimento e no Iluminismo. Dialética e trabalho Com o trabalho surge a oportunidade do ser humano atuar em contraposição à natureza. O homem faz parte da natureza, mas com o trabalho, ele vai além. Para Hegel, o trabalho é o conceito chave para compreensão da superação da dialética, atribuindo o verbo suspender (com três significados): negação de uma determinada realidade, conservação de algo essencial dessa realidade e elevação a um nível superior. Mas Marx criticou Hegel, pois Hegel não viveu nessa realidade, apenas em sala de aula e bibliotecas, não enxergando problemas como a alienação nesse trabalho. Na ordem, a segunda contradição é justamente essa alienação. O trabalho é a atividade na qual o homem domina as forças naturais, cria a si mesmo, e torna-se seu algoz. Tudo isso devido à divisão do trabalho, propriedade privada e o agravamento da 62

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exploração do trabalho sob o capitalismo. Mas não são apenas os trabalhadores que foram afetados. A burguesia também, pela busca do lucro não consegue ter uma perspectiva totalizante. Dialética e totalidade A visão total é necessária para enxergar, e encaminhar uma solução a um problema. Hegel dizia que a verdade é o todo. Que se não enxergamos o todo, podemos atribuir valores exagerados a verdades limitadas, prejudicando a compreensão de uma verdade geral. Essa visão é sempre provisória, nunca alcança uma etapa definitiva e acabada, caso contrário a dialética estaria negando a si própria. Logo é fundamental enxergar o todo. Mas nunca temos certeza que estamos trabalhando com a totalidade correta. Porém a teoria fornece indicações: a teoria dialética alerta nossa atenção para as sínteses, identificando as contradições concretas e as mediações específicas que constituem o “tecido” de cada totalidade. Sendo que a contradição é reconhecida pela dialética como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem. Na dialética, fala-se também na “fluidificação” dos conceitos. Isso porque a realidade sempre está assumindo novas formas, e assim o conhecimento (conceitos) precisam aprender a ser “fluidos”. Engels junto com Karl Marx sempre defenderam o caráter materialista da dialética. Ele resumiu a dialética em três leis. A primeira lei é sobre a passagem da quantidade à qualidade, mas que varia no ritmo/período. A segunda é a lei da interpenetração dos contrários, ou seja, a idéia de que tudo tem a ver com tudo, que os lados que se opõem, são na verdade uma unidade, na qual um dos lados prevalece. A terceira lei é a da negação, na qual a negação e a afirmação são superadas. Porém, essas leis devem ser usadas com precaução, pois a dialética não se deixa reduzir a três leis apenas. Após a morte de Marx, Lênin foi um dos revolucionários que lutaram contra a deformação da concepção marxista da história. A partir dos estudos da obra de Hegel, Lênin aplicou os conhecimentos na prática, como na estratégia que liderou a tomada do poder na Rússia. Com a morte de Lênin, vem uma tendência anti-dialética com Stálin, que foi um grande político, mas desprezava a teoria. Ele chegou a “corrigir” as três leis de Engels, traçando por cima, 4 itens fundamentais pra ele: conexão universal e interdependência dos fenômenos; movimento, transformação e desenvolvimento; passagem de um estado qualitativo a outro; e luta dos contrários como fonte interna do desenvolvimento. Enfim, o método dialético nos incita a revermos o passado, à luz do que está acontecendo no presente, ele questiona o presente em nome do futuro, o que está sendo em nome do que “ainda não é”. É por isso que o argentino Carlos Astrada define a dialética como “semente de dragões”, a qual alimenta dragões que talvez causem tumulto, mas não uma baderna inconseqüente. Método dialético As leis da dialética Por causa das diferentes interpretações quanto ao número de leis fundamentais do método dialético pelos autores, para facilitar, podemos dizer que são quatro leis: 1. ação recíproca, unidade polar ou "tudo se relaciona"; 2. mudança dialética, negação da negação ou "tudo se transforma"; 3. passagem da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa; 4. interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários. P.S.: Deve-se ressaltar que essas regras da dialética são exclusivamente adotadas pela 63

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dialética marxista. Ação recíproca Segundo Engels (In: Politizer, 1979:214), a dialética é a "grande idéia fundamental segundo a qual o mundo não deve ser considerado como um complexo de coisas acabadas, mas como um complexo de processos em que as coisas, na aparência estáveis, do mesmo modo que os seus reflexos intelectuais no nosso cérebro, as idéias, passam por uma mudança ininterrupta de devir e decadência, em que finalmente, apesar de todos os insucessos aparentes e retrocessos momentâneos, um desenvolvimento progressivo acaba por se fazer hoje". Isso significa que para a dialética, as coisas não são analisadas na qualidade de objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa está "acabada", encontrando-se sempre em vias de se transformar, desenvolver; o fim de um processo é sempre o começo de outro. Porém as coisas não existem isoladas, destacadas uma das outras e independentes, mas como um todo unido, coerente. Stalin, pelo metódo de interdependência e ação recíproca, afirma "que o método dialético considera que nenhum fenômeno da natureza pode ser compreendido, quando encarado isoladamente, fora dos fenômenos cincundantes; porque, qualquer fenômeno, não importa em que domínio da natureza, pode ser convertido num contra-senso quando considerado fora das condições que o cercam, quando destacado destas condições; ao contrário, qualquer fenômeno pode ser compreendido e explicado, quando considerado do ponto de vista de sua ligação indissolúvel com os fenômenos que o rodeiam, quando considerado tal como ele é, condicionado pelos fenômenos que o circundam". Politizer et al. citam dois exemplos referentes à primeira lei do método dialético. Determinada mola de metal não pode ser considerada à parte do universo que a rodeia, pois foi produzida pelo homem com o metal extraído da natureza. Ela está sujeita a modificação pelo fato de atuar sobre a gravidade, o calor, a oxidação e assim por diante. Se um pedaço de chumbo for suspenso na mola, este distenderá seu ponto de resistência de modo a formar, junto à mola, um todo, tendo estes interação e conexão recíproca. A mola é formada por moléculas ligadas entre si e quando não pode se distender mais, quebra, ou seja, rompe-se da ligação entre determinadas moléculas. Portanto, a mola não distendida, a distendida e rompida apresentam, de cada vez, um tipo diferente de ligações entre as moléculas. A planta não existe a não ser em unidade e ação que provoca com o meio ambiente. Todos os aspectos da realidade prendem-se por laços necessários e recíprocos. Mudança dialética Todo movimento, transformação ou desenvolvimento opera-se por meio das contradições ou mediante a negação de uma coisa - essa negação se refere à transformação das coisas. A dialetica é a negação da negação. A negação da afirmação implica negação, mas a negação da negação implica afirmação. "Quando se nega algo, diz-se não. Ora, a negação, por sua vez, é negada. Por isso se diz que a mudança dialética é a negação da negação". O processo da dupla negação engendra novas coisas ou propriedades: uma nova forma que suprime e contém, ao mesmo tempo, as primitivas propriedades. O ponto de partida é a tese, proposição positiva: essa proposição se nega ou se transforma em sua contrária - a proposição que nega a primeira é a antítese e constitui a sengunda fase do processo; quando a segunda proposição, antítese, é negada, obtém-se a terceira proposição ou síntese, que é a negação da tese e antítese, mas por intermédio de uma proposição positiva superior - a obtida por meio da dupla negação. 64

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A união dialética não é uma simples adição de propriedades de duas coisas opostas, simples mistura de contrários, por isso seria um obstáculo ao desenvolvimento. A característica do desenvolvimento dialético é que ele prossegue através de negações. Segundo Engels (In: Politzer, 1979:2002), "para a dialética não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado; apresenta a caducidade de todas as coisas e em todas as coisas e, para ela, nada existe além do processo ininterrupto do devir e do transitório". Assim, "quem diz dialética, não diz só movimento, mas, também, autodinamismo" (Politzer, 1979:205). Referências bibliográficas • FOULQUIÉ, Paul. A Dialética. 3.ed. Europa-América, 1978. (Col. saber). • KONDER, Leandro. O que é Dialética. 17. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Col. primeiros passos; 23). • KRAPIVIENE, V. O que é o Materialismo Dialéctico? Moscou: Progresso, 1986. (col. abc dos conhecimentos sociais e políticos; 6). CIRNE LIMA, Carlos Roberto Velho http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Roberto_Velho_Cirne_Lima Dialética para Principiantes Porto Alegre, PUCRS, 1997

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