maternidade atrás das grades
a omissão do pensar arquitetônico frente às mulheres encarceradas giovanna barbosa bianchini
MATERNIDADE ATRÁS DAS GRADES A omissão do pensar arquitetônico frente às mulheres encarceradas Giovanna Barbosa Bianchini
Giovanna Barbosa Bianchini Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação Orientadora: Profa. Dra. Ana Gabriela Godinho Lima 2020 Revisão: Leticia Becker Savastano
nĂŁo serei livre enquanto alguma mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas. Audre Lorde
agradecimentos
Aos meus pais, pelo amor incondicional e por todo o esforço investido na minha educação. Por me incentivarem nos momentos difíceis e por me inspirarem a correr atrás dos meus sonhos todos os dias. Sem vocês esse trabalho não seria possível. À Ana Gabriela Godinho Lima, minha orientadora de monografia, por ter confiado no meu trabalho desde a primeira conversa, e pela sua dedicação, responsabilidade, paciência e vasto compartilhamento de conhecimento. Por ser uma mulher, arquiteta, professora e feminista inspiradora não só para mim como para diversas alunas na faculdade. Foi uma honra ter sido sua orientanda. Ao Silvio Sant’Anna, meu orientador de projeto, pela confiança depositada na minha proposta, pela calma que me transmitiu em todos os atendimentos, por todos os ensinamentos e principalmente por me manter motivada durante todo o processo. Nossos encontros online com toda a turma foram muito especiais. Às pessoas que gentilmente cederam seu tempo e atenção fornecendo importantes materiais de pesquisa e relatos pessoais para essa monografia: à Jaqueline Schneider, amiga querida, por ouvir minhas indagações com tanto carinho e zelo e por dividir comigo suas opiniões baseadas em sua vivência como mãe e advogada; à Gabriela Papi, pela ajuda com a diagramação dos infográficos; à Caroline Coelho, pela indicação de bibliografias com temáticas de pautas raciais e por compartilhar seu conhecimento com tanta transparência e disposição; à Flávia Nappi, pelas dicas e partilha de experiências sobre a imersão nos estudos que envolvem as mulheres e o cárcere; e à Patrícia Bertolin, pelos relatos de sua vivência profissional com mulheres detentas.
À Leticia, por ter revisado meu trabalho de forma tão sensível e cautelosa, e por se mostrar mais do que disponível para me esclarecer dúvidas e conselhos sobre a vida acadêmica. Às amigas e amigos de longa data que estiveram comigo antes e durante a graduação, em especial à Giovana Sanches e ao eterno “grupão”. Pelo companheirismo, por entenderem minhas ausências neste período e por estarem sempre disponíveis para ouvir minhas inquietações. Ao Marcello, por estar ao meu lado durante todos os meses de elaboração desse trabalho, pelo carinho imensurável e pelas serenatas no violão, que se manifestaram como momentos de respiro durante as situações caóticas. Obrigada, meu amor, por me ajudar nas crises de estresse e compreender minha ausência em diversas ocasiões. À Rita, minha psicanalista, pelo acompanhamento essencial durante todos os anos de graduação, em especial nesse último. À GMAA - Gomes Machado Arquitetos Associados, à Michaelis Arquitetos Associados e à Stella Tedesco Arquitetura por tanto aprendizado adquirido nestes estágios, além da paciência e didática de cada um dos arquitetos e arquitetas desses escritórios. Ao Coletivo Zaha, coletivo feminista da FAU-Mackenzie, por ter sido meu refúgio nos últimos três anos da faculdade. Pelas reuniões no horário de almoço no bosque – ou virtualmente pelo Zoom, nesse ano atípico –, pela força, garra e dedicação de cada mulher que dividiu esse espaço comigo durante todo esse caminho. Por me ensinarem na prática que, juntas, vamos longe. À todas as minhas amigas e amigos que conheci na universidade, em especial à Ana, Bia Ueda, Bia Valente, Bru, Enrico, Gabi, Gi, Lari, Leo, Nic, Rebeca e Sté. Só nós sabemos como nosso apoio mútuo foi essencial para chegarmos aqui hoje. Esses cinco anos não teriam sido os mesmos sem vocês, nossos trabalhos em grupo e nossos intervalos regados a risadas escandalosas no bosque. Os momentos que passei com todas vocês tornaram esse percurso muito mais leve. À todo o corpo docente da FAU-Mackenzie pelos infinitos aprendizados, mas em especial à Lizete Rubano, Larissa Ferrer, Mauro Claro, Vólia Kato e Carlos Leite, por terem sido figuras decisivas na minha formação e na forma como enxergo a Arquitetura e Urbanismo hoje. À todas as pessoas que direta ou indiretamente estiveram comigo nesse momento tão importante. Obrigada por me apoiarem, me inspirarem e me permitirem sonhar durante esses cinco anos. Mas acima de tudo, por me ensinarem a ser grata pelo que passou e a ter coragem para o futuro. Que andemos de mãos dadas, sempre.
resumo | abstract
Este trabalho tem o objetivo de compreender como a arquitetura pode atuar como agente colaborativo na possibilidade de projetar formas de encarceramento mais humanitárias para as mulheres gestantes e lactantes, enquanto a abolição penal não for realidade. Para isso, discute os espaços carcerários apontando para suas negligências, sobretudo no que se refere às especificidades de gênero, com foco no exercício da maternidade. Para realizar uma aproximação do contexto social, econômico e psíquico da maioria das mulheres encarceradas atualmente no Brasil, a pesquisa volta sua atenção para o cotidiano e vivência dessas, atentando-se também ao que as leva à prática do crime bem como suas relações com o território. Em seguida, é realizada uma retomada histórica das tipologias das arquiteturas penitenciárias e dos métodos de punição, para posteriormente discutir a relação entre os espaços carcerários e a questão de gênero. Por fim, é apresentado o exercício projetual como uma possibilidade de revisão da lógica do encarceramento feminino no Brasil: a Unidade Materno-Infantil, no bairro de Santana (São Paulo), para mulheres privadas de liberdade que são gestantes, lactantes e mães de crianças na primeira infância. Com os resultados dessa monografia, buscou-se contribuir para a área da arquitetura e do urbanismo, compreendendo seu papel social e demonstrando a integração entre teoria, contexto e prática.
Palavras-chave: gênero, penitenciária, maternidade, cárcere
arquitetura
This work aims to understand how architecture can act as a collaborative agent considering the possibility of designing more humanitarian forms of incarceration for pregnant and lactating women, while penal abolition is not a reality. For that, it discusses the prison spaces pointing to their negligence, especially with regard to gender specificities, focusing on the exercise of motherhood. In order to approach the social, economic and psychological context of the majority of women currently incarcerated in Brazil, the research turns its attention to the daily life and experience of these, also paying attention to what leads them to the practice of crime, as well as their relations with the territory. Then, a historical review of the types of penitentiary architecture and methods of punishment is carried out, to later discuss the relationship between prison spaces and the gender issue. Finally, the project exercise is presented as a possibility of revising the logic of female incarceration in Brazil: the Maternal and Child Unit, in the Santana neighborhood (SĂŁo Paulo), for women deprived of their liberty who are pregnant, lactating and mothers of children in early childhood. The research goals to contribute to the area of architecture and urbanism, understanding its social role and by demonstrating the integration between theory, context, and practice.
Keywords: gender, penitentiary architecture, maternity, prison
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sumário
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Apresentação Introdução
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A MULHER E O CÁRCERE NO BRASIL 22 1.1 As primeiras prisões femininas no Brasil 1.2 Quem são as mulheres privadas de liberdade? 1.3 Questões raciais e o encarceramento em massa 1.4 Família, relações afetivas e a solidão da mulher presa
24 28 56 66
ARQUITETURA PENITENCIÁRIA A ineficácia da ressocialização
70
2.1 Tipologias da Arquitetura Penitenciária: disciplina e punição no decorrer do tempo 72 2.2 A ineficácia da ressocialização 114 2.3 Saúde no espaço carcerário 118 2.4 2020 - COVID-19 e o Sistema Prisional 122
04 PROJETO
Unidade Materno-Infantil para mulheres gestantes e lactantes privadas de liberdade
03
194
4.1 Local 4.2 Partido 4.3 Programa e setorização
200 208
Considerações finais Anexos Bibliografia Epílogo
244 248 268 287
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ARQUITETURA SEGREGATÓRIA
Relações espaciais e a questão de gênero
126
3.1 O espaço carcerário e a questão de gênero 128 3.2 Maternidade atrás 144 das grades 3.3 Visita à Penitenciária Feminina de Sant’Anna 170
APRESENTAÇÃO
O interesse pelas problemáticas que envolvem a questão de gênero me acomete desde meus anos de Ensino Médio, quando tive contato com o feminismo pela primeira vez. Entre meus estudos que envolvem esse assunto, fui apresentada ao livro “Prisioneiras”, de Drauzio Varella (2017), que me instigou em diversos níveis desde que o li, em 2019. Por me aproximar de uma temática da qual nunca tive conhecimento suficiente, um assunto considerado tabu pela sociedade, portanto pouco difundido, a obra manifestou-se em meus pensamentos como uma intensa epifania. Conforme relata Angela Davis (2018), ao mesmo tempo em que as pessoas de fora desse contexto tendem a considerar as prisões algo “natural”, há certa relutância de enfrentar a realidade que se esconde dentro delas, o que resulta na visão estereotipada que grande parte da população tem em relação ao cárcere e às pessoas encarceradas. O livro revolucionou a imagem, totalmente baseada no senso comum, que eu possuía das penitenciárias brasileiras e, principalmente, das mulheres condenadas e em relação aos motivos pelos quais a maioria delas cometem crimes. O desejo de trabalhar com essa temática surgiu dessa experiência, que me sensibilizou e despertou um interesse genuíno pelas questões que envolvem o sistema prisional no Brasil, especialmente em relação às mulheres encarceradas. Feita a escolha do tema, foi assertivo que o processo para a realização deste trabalho não seria tarefa fácil, o que de fato não foi – e certamente foi dificultado pelo isolamento social imposto pela pandemia da COVID-19. Lembrome do primeiro dia que levei este assunto para uma conversa com minha orientadora, ainda nos encontros ao vivo, e ela me disse que trabalhar com assuntos delicados como esse, especialmente
quando envolvem a questão de gênero, é sempre tarefa árdua e complicada, mas que a pertinência do estudo dessas questões supera essa dificuldade. O choque com realidades tão cruéis e tão diferentes da minha certamente me afetaram psicologicamente, mas essa situação constituiu um processo elucidativo essencial para a constatação de que esse é um assunto de extrema relevância e que deve ser estudado cada vez mais pela comunidade acadêmica, inclusive na área da arquitetura e do urbanismo.
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introdução
O objetivo deste trabalho é investigar a relação entre a arquitetura penitenciária brasileira e a falta de atenção às especificidades de gênero no que tange às questões espaciais no cárcere. Para isso, essa monografia foi organizada em quatro capítulos, sendo três teóricos e um exercício prático, que compreende o projeto de uma Unidade Materno-Infantil para mulheres gestantes e lactantes privadas de liberdade, no bairro de Santana, em São Paulo. O percurso do trabalho foi norteado principalmente por dois livros: “Presos que Menstruam”, de Nana Queiroz (2015) e “Prisioneiras”, de Drauzio Varella (2017). Ambas as obras tratam das experiências pessoais do autor e da autora relacionadas às mulheres encarceradas, considerando-as protagonistas. Enquanto Varella (2017) discursa sobre as histórias que vivenciou e ouviu durante sua atuação como médico voluntário na Penitenciária Feminina de Sant’Anna, Queiroz (2015) compartilha seu período de estudo empírico por diversas penitenciárias femininas em todo o Brasil, quando entrevistou e visitou muitas internas. Diante da situação grave que vivenciamos – e continuamos vivendo – neste ano de 2020, proveniente da pandemia da COVID-19, fui impossibilitada de realizar as visitas às penitenciárias que havia planejado, exceto pela Penitenciária Feminina de Sant’Anna, que por sorte tive a oportunidade de conhecer antes do primeiro caso de coronavírus ser noticiado no Brasil. Nesse sentido, ambos os livros se mostraram ainda mais essenciais na concepção deste trabalho, já que trazem consigo relatos de experiências reais e sensíveis vividas por estas mulheres, fator que é de grande importância para a construção de um projeto para estas pessoas. O primeiro capítulo busca a compreensão
do contexto social, econômico e psíquico da grande maioria das mulheres encarceradas atualmente no Brasil, com intuito de aproximar a pessoa que está lendo do cotidiano e vivência dessas mulheres e do que as leva à prática do crime. As principais fontes para acesso de dados foram o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen Mulheres (2017), o mestrado em psicologia “Quem são as mulheres encarceradas?” de Daniela Canazaro de Mello (2008) para análise das condições psíquicas das mulheres condenadas, e o Atlas Socioassistencial São Paulo (2015) para análise da vulnerabilidade social existente nos locais de residência das pessoas condenadas. Ademais, tendo como principal base a obra de Angela Teixeira Artur (2017), esta seção apresenta um breve histórico das primeiras prisões femininas no país, que carregam com si desde seus primórdios um moralismo e vontade de “domesticação” frente aos papéis sociais impostos às mulheres da época. Com intenção de entender de que forma a história das instituições penais afeta a construção e diretrizes das penitenciárias atuais, a segunda seção deste trabalho, a partir do estudo da obra “Vigiar e Punir” de Michel Foucault (1975), dos mestrados da arquiteta Suzann Flávia Cordeiro de Lima (2004) e do arquiteto Augusto Cristiano Prata Esteca (2010), e do trabalho final de graduação de Heloisa de Santis Alfredo (2018), apresenta uma linha do tempo das tipologias das arquiteturas penitenciárias e dos métodos de punição e disciplina desde a Idade Média até a atualidade, mas também questiona sobre a eficácia destes espaços no que se refere à ressocialização das pessoas condenadas, principalmente com questionamentos trazidos por Angela Davis (2018) em seu livro “Estarão as prisões obsoletas?”. Ainda, este capítulo faz uma discussão quanto a falta de manutenção da saúde das detentas devido à precariedade das instalações carcerárias, além de expor um panorama geral das implicações da pandemia da COVID-19 no sistema prisional brasileiro. Já o terceiro capítulo busca evidenciar a negligência em relação às especificidades das mulheres nos espaços carcerários, sobretudo no que tange ao exercício da maternidade e à convivência entre mães presas e suas crianças. Para esta seção, a principal fonte bibliográfica foi a pesquisa “Dar à Luz na Sombra”, de Ana Gabriela Mendes Braga e Bruna Angotti (2015), obra fundamental para os estudos que envolvem a maternidade no cárcere e as leis existentes em torno desta temática. Além disso, o Relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil (2007) também foi uma importante referência para este capítulo, por apresentar análises críticas detalhadas de diversas penitenciárias femininas brasileiras, informações que só foram encontradas neste documento. Ao fim do capítulo, relato a visita que realizei à Penitenciária Feminina de Sant’Anna em fevereiro deste
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ano. Por se tratar de uma experiência pessoal, adotei a forma narrativa em primeira pessoa do singular. Por fim, o último capítulo é destinado à apresentação do exercício projetual decorrente de todos esses estudos, que resultou na Unidade Materno-Infantil para mulheres gestantes e lactantes privadas de liberdade. Esta seção foi subdividida em quatro partes, sendo elas: as análises espaciais do local da intervenção, os partidos do projeto, seus programas e setorização, e os desenhos técnicos. Com os resultados dessa monografia, busca-se demonstrar a integração entre teoria, contexto e prática.
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A LINGUAGEM COMO MANIFESTO
Em relação à linguagem textual, é importante que se destaque uma reflexão da autora, que surgiu junto às leituras e estudos em prol da concepção do presente texto. O trabalho em questão é um “trabalho feminino” e aliado a feminismos. Foi realizado por uma mulher, orientado por uma mulher, revisado por uma mulher, contou com o auxílio de diversas outras mulheres, as referências bibliográficas são majoritariamente de autoria de mulheres e a população estudada para a realização desta pesquisa e do projeto proveniente da mesma é constituída por mulheres. Não obstante, o exercício da maternidade, principal campo de estudo deste trabalho, é um tema, por excelência, do feminino. Sendo assim, para além de uma escolha estilística, mas principalmente como forma de manifesto político e de coerência com o gênero que este trabalho majoritariamente se refere, foi utilizado o gênero feminino para as formas gerais e plurais na escrita deste texto. Essa posição vai ao encontro do que se pretende com o estudo e análise do tema escolhido: o questionamento do feminino como exceção, resultante do uso do masculino como neutro e universal.
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A MULHER E O CÁRCERE NO BRASIL
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As fraldas haviam acabado, o leite também. Ela ia buscar seu bebê em minutos na casa da irmã. Imaginou o choro de fome dele. Ficou nervosa, começou a tremer. Precisava de um copo de água com açúcar. Abriu os armários com ansiedade, derrubando as coisas pela cozinha no caminho. Tirou a tampa do pote de açúcar só para conferir que também estava vazio. Lembrou que dirigia muito bem, dirigia “feito homem”, como os caras da favela gostavam de dizer. Pensou nas propostas que recebera durante a vida toda. A qualidade era muito visada pelos assaltantes, seus vizinhos, que a convidavam para fazer fugas de assalto. Nascera e crescera na favela e nunca tinha feito nada de errado. Conhecia, sabia, mas nunca tinha feito. E aonde a honestidade a havia levado? Sentiu raiva, um embrulho no estômago e um frio na espinha. Saiu de casa decidida. Passou no barraco de Valdemar antes de buscar o filho. Quando manifestou suas intenções, outro rapaz que estava no lugar protestou: — Não, ela não — e se voltou para Safira, em um apelo. — Você não precisa disso, você sempre batalhou desde novinha, desde criança. Ao que ela respondeu: — Se eu não tenho nem o que comer dentro da minha casa! Nem o amigo pôde retrucar a esse argumento. Assim era a vida nas favelas de São Paulo, pensou. Era assim pra ele, era assim pra ela. Deu uma arma para Safira. Ela respirou fundo, pensou no leite e foi assaltar. Nana Queiroz
AS PRIMEIRAS PRISÕES FEMININAS NO BRASIL 1.1
As denominadas casas de correção para mulheres foram inauguradas somente na segunda metade do século XIX, sobretudo no Canadá, França, Chile e Argentina, sendo que, anteriormente, as mulheres que cometiam delitos eram confinadas em espaços concebidos para homens. Segundo Cláudia R. Miranda de Freitas (2012, p.8), “esse fato gerava inúmeros problemas para as próprias mulheres, a começar pelos abusos sexuais que eram frequentes em estabelecimentos dessa natureza”. Diante dessa situação, o grupo católico Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor D’Angers foi responsável pela iniciativa de criar centros de detenção femininos no Brasil (ibid.). Angela Teixeira Artur (2017, p. 23) afirma que “foi apenas a partir de 1940, com o, então novo, Código Penal, que se decretou a separação física entre homens e mulheres no interior do sistema prisional brasileiro”. Nesse cenário, surgiram os primeiros estabelecimentos carcerários brasileiros para o recolhimento exclusivo de mulheres, sendo que alguns foram estabelecidos em construções adaptadas para elas, enquanto outros foram projetados especificamente para tal fim. A administração desses locais foi realizada pelas freiras da Irmandade da Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor D’Angers por quase duas décadas (ANGOTTI, 2011).
Figura 2.
Entre as penitenciárias criadas a partir do novo Código está o Presídio de Mulheres do Estado de São Paulo, a primeira penitenciária do estado paulista, inaugurada em 1941 e que “nasceu de maneira improvisada, pois foi instalado na antiga residência dos diretores no terreno da Penitenciária do Estado, no bairro do Carandiru (ANGOTTI, 2011, p.194). Outra penitenciária que teve condições parecidas como a da administrada pelas freiras do Bom Pastor desde sua criação em 1963 até o advento da gestão laica, em 1980, foi a Penitenciária Feminina de Tremembé (ARTUR, 2017, p. 24). De acordo com Freitas (2012, p. 8), “os índices geralmente baixos de criminalidade e de aprisionamento de mulheres indicavam a desnecessidade de preocupação com o tema”. A autora conclui que quando ocorriam detenções, as mulheres eram consideradas delinquentes ocasionais e vítimas da própria debilidade moral, já que o desvio do padrão moral então vigente era gravemente censurável. Sobre o tratamento dado a essas mulheres submetidas à detenção, Aguirre relata:
[Figura 2] Internas com uniforme da penitenciária de Tremembé. Fonte: Reprodução Angela Teixeira Artur (1963).
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As prisões e casas de correção de mulheres se guiavam pelo modelo da casaconvento: as detentas eram tratadas como se fossem irmãs desgarradas que necessitavam não de um castigo severo, mas de um cuidado amoroso e bons exemplos. A oração e os afazeres domésticos eram considerados fundamentais no processo de recuperação das delinquentes. As detentas eram obrigadas a trabalhar em tarefas “próprias” de seu sexo (costurar, lavar, cozinhar) e, quando se considerava apropriado, levavam-nas para trabalhar como empregadas domésticas nas casas de famílias decentes, com a finalidade de completar sua “recuperação” sob a supervisão dos patrões. Na década de 1920, pouco a pouco, o Estado passaria a exercer uma maior autoridade sobre as mulheres presas, mas, ainda assim, em algumas ocasiões, as prisões femininas foram postas sob a administração de ordens religiosas. A discussão sobre a quem estas criminosas pertencem continuaria até boa parte do século XX.” (AGUIRRE, 2009, p. 51).
Figura 3.
[Figura 3] Internas trabalhando no presídio. Fonte: Reprodução Angela Artur (1963).
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Ainda sobre o tratamento dado às detentas, Mayara Paixão (2017,s/p) parafraseia Angela Teixeira Artur dizendo que “[...] a primeira penitenciária feminina do país previa, em seu decreto de criação, que a pena das internas deveria ser cumprida com trabalho e instrução domésticos”. Artur (2017) compreende essa denominação como “domesticação do regime de execução penal”. Com seu projeto de “recuperar as almas decaídas”, as irmãs do Bom Pastor reproduziram nas penitenciárias femininas paulistas a mesma domesticação das mulheres exercida em seus próprios estabelecimentos. Promoveram a execução de uma verdadeira domesticação do regime de execução penal. Regime esse que, pelo código penal, deveria envolver trabalho e instrução. Nesse tocante, há uma consonante harmonia de interesses, uma vez que o Estado, por meio do decreto de criação do Presídio de Mulheres, determinava que o trabalho prisional deveria ser voltado às tarefas domésticas e o projeto do Bom Pastor proclamava o mesmo (ARTUR, 2017, p.211).
Entende-se que essa predefinição da ocupação das detentas, ao atribuir a elas tarefas domésticas, salientava a busca por reforçar os papéis sociais, em especial no que dizia respeito à manutenção da mulher no espaço privado (PAIXÃO, 2017). Dessa forma, reitera Angela Artur (2017), a punição sobre as mulheres deveria ser treinada de modo a voltar para seu lugar “ideal”: uma casa, realizando as atividades domésticas.
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QUEM SÃO AS MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE? 1.2
De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) para Mulheres (BRASIL, 2017), parda é, dentre todas as cores e etnias declaradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017, a mais presente dentro das penitenciárias femininas brasileiras: 48,04% de cor/etnia pardas, seguido de 35,59% de cor/etnia branca e 15,51% de cor/etnia preta. Somadas, as mulheres presas de cor/etnia pretas e pardas totalizam 63,55% da população carcerária nacional.
Autodeclaração de cor e raça no Brasil
Figura 4.
Etnia/cor das mulheres privadas de liberdade
Etnia/cor da população brasileira
Figura 5 e 6.
[Figura 4] Autodeclaração de cor e raça no Brasil. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2017). [Figura 5] Etnia/cor das mulheres privadas de liberdade. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017). [Figura 6] Etnia/cor da população brasileira. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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Mas antes de iniciar a análise dos dados levantados sobre quem são as mulheres atualmente privadas de liberdade, é interessante que, no contexto da discussão acerca do racismo nos últimos anos e especialmente no enfoque que a pauta alcançou neste ano de 2020¹, se destine um espaço neste trabalho para contextualizar e problematizar o uso do termo “pardo”. Ao observar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2017 na Figura 4, é perceptível que há uma expressiva representação da população preta e parda no sistema prisional brasileiro. Esses dados indicam que o total de pessoas pretas e pardas (população negra) representam 55,4% da população brasileira, e esse índice é tido a partir da autodeclaração. Mas o que se entende por pardo, e qual a origem do termo? Ao longo da história do Brasil, as classificações raciais sofreram diversas mudanças. Sabe-se que, por volta do século XV, a Europa era simbolicamente considerada o centro do mundo e as relações econômicas eram baseadas no trabalho escravo, por meio do qual as pessoas escravizadas (em grande parte advindas do continente africano) eram consideradas máquinas de trabalho desprovidas de suas subjetividades, como um produto mercantil. No Brasil, especificamente, a pessoa escravizada tornava-se “livre” apenas em 1888 com a abolição da escravatura. Não obstante, essas pessoas continuaram marginalizadas por diversos setores da sociedade, inclusive pelo Estado (SILVA, 2020). Nesse contexto, no século XIX e em meados do século XX, Luana Mendes Daltro (2019, s/p) aponta para o fato de que “a elite brasileira estruturou a ‘ideologia do branqueamento’, baseada na premissa de que era necessário embranquecer o país (tornar a população branca), uma vez que ser negro era considerado ruim”, e assim instaura-se uma brutal política eugenista de Estado em vigor até hoje. Essa política de branqueamento - disfarçada de miscigenação -, foi estruturada, planejada e difundida como forma de alienação da identidade das pessoas negras, que chegaram a acreditar que, se embranquecidos, seus filhos seriam incluídos na sociedade. Tal processo, que foi sucedido através da violência sexual de homens brancos contra mulheres negras 1. Após o assassinato de George Floyd, de 40 anos, em Minnesota nos Estados Unidos, onde um policial branco ajoelhou em seu pescoço de forma que o homem não conseguisse respirar, o mundo inteiro foi tomado por uma onda de manifestações antirracistas. Além dos Estados Unidos, países como o Reino Unido, Bélgica, Espanha, Portugal, França e Brasil tiveram milhares de pessoas indignadas se unindo para demandar o fim da violência policial exacerbada com as pessoas negras. Neste ano, o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) ganhou adesão de multidões que se espalharam pelo mundo para terem suas vozes ouvidas (MIGUEL, 2020).
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e indígenas, reforçou a crença vigente de que no Brasil não há racismo. Proclama-se assim a chamada democracia racial, que é marcada pela ideia de que a miscigenação e a pluralidade racial do país demostram que seu povo não é preconceituoso, ao contrário, que exala diversidade (DALTRO, 2019). De toda forma, é evidente o caráter mítico que a tal democracia racial carrega em si, já que a mesma está disfarçada pelo intuito de embranquecer a população, e que, conforme Maria Aparecida S. Bento (2002, p. 20-21), “nasce do medo da elite branca do final do século XIX e início do século XX, cujo objetivo é extinguir progressivamente o segmento negro brasileiro”. Sobre o termo pardo em si, que possui intensa relação com a política de branqueamento, cabe analisarmos primeiramente as mudanças nas classificações de raça nos censos demográficos nacionais, exposto na imagem abaixo. Em sua primeira edição, de 1872, as categorias eram: branca, preta, cabocla e parda, sendo que essa última era o que “restava” e, logo após, a classificação “parda” foi substituída por mestiça. Retirada e renomeada diversas vezes, o termo “pardo” volta a ser uma categoria residual em 1940, quando também eram incluídas autodeclarações classificadas amarela (para pessoas de origem asiática). Em relação à classificação indígena, foi apenas em 1991 que a palavra foi incluída como categoria individual (SILVA, 2020). Atualmente, o IBGE (2017) classifica as pessoas brasileiras em quatro definições de raça: branca, amarela, indígena e negra, sendo que essa é subdividida em preta e parda.
Figura 7.
[Figura 7] Mudanças nas classificações de raça nos censos demográficos nacionais. Infográfico formulado por Gabriela Papi a partir do infográfico produzido por Higor Vieira. Fonte: IBGE (1872-2010).
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Assim sendo, deve-se entender como a raça de um indivíduo é definida no Brasil. Diferentemente das experiências norte-americanas e sulafricanas, em que a árvore genealógica de uma pessoa define sem muitas hesitações a raça de um sujeito, no Brasil, por inúmeras vezes, uma mulher de traços e pele clara que tenha ascendentes negras não é considerada negra. Não é a árvore genealógica que define se uma pessoa será excluída, mas sim, seus traços fenotípicos. A pigmentação da pele costuma ser considerada o principal fator racial no país. Marcada pelo mito da democracia racial, a população negra brasileira possui traços de uma identidade racial singular (SILVA, 2020, s/p).
Essa discriminação pela tonalidade da pele é conhecida por colorismo. Orientada pela cor da pele da pessoa, essa determinação tira a sensação de pertencimento das negras claras, por exemplo, que por muitas vezes foi conquistado depois de anos sem o reconhecimento de suas ancestralidades. Já quando falamos de grupos étnicos como os indígenas e descendentes de asiáticos (as chamadas vermelhas e amarelas), não vemos essa classificação intermediária, por mais que essas populações também tenham passado por processos de mestiçagem. Ao contrário do que acontece com as negras de pele clara, o pertencimento delas se mantém (ibid, 2020). Entrevistada por Silva (2020, s/p), Amanda Koschnik afirma que “o lugar do negro de pele mais clara, convencionalmente chamado de pardo, é um não lugar”, que caracteriza a falta de identidade racial dessa população, e, por conseguinte, o sofrimento da mesma. Salientando esse sofrimento, a psicanalista Neusa Santos Souza (1983) discorre a respeito do impacto da ideologia do branqueamento sobre a saúde mental das negras. A autora assemelha que o branqueamento não se estabelece como manipulação, mas sim como construção de uma identidade branca que a pessoa negra foi coagida a desejar. Ana Célia da Silva (2007) exemplifica essa pressão por, enquanto pessoa negra, viver e pensar o que é desejável pelo branco, e a dificuldade em manter relações não hierárquicas entre as diferentes cores de pele por meio de uma vivência, vide Anexo 1. A miscigenação, portanto, é uma das heranças do período colonial estabelecida como lembrança constante do projeto racista de embranquecimento da população negra. Por isso, é preciso questionar sobre qual local a pessoa a pessoa parda ocupa no Brasil, e como se constitui seu pertencimento racial e o reconhecimento de suas ancestralidades. Como indicam as pesquisas e discussões recentes, colocar as pardas como menos negra pode ser uma alienação do seu processo identitário (SILVA, 2020).
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Essas questões explicam a quantidade de pessoas com ascendência negra que se autodeclaram pardas ou brancas dentro das penitenciárias e no Brasil como um todo, o que se mostra como um problema estrutural, e não individual. O embranquecimento deixou implícito no imaginário social que a negra ocupa a posição de “não-lugar” como se esse fosse um lugar de transição. Quais seriam, então, as diretrizes em relação ao termo pardo? A solução não é o IBGE excluir o termo pardo. E todas as pessoas que acham que estão no meio do caminho, como ficam? Antes do IBGE fazer essa mudança - que não foi culpa do mesmo - é preciso ter uma discussão estrutural com todas as pessoas. E eu acredito que isso nunca vai acontecer, sendo sincera (Informação verbal)².
Posto isso, a questão que permanece é a seguinte: como as pessoas pardas devem se autodescrever? Ou melhor, quem somos nós para dizer como alguém deve se autodescrever? Aqui, algumas considerações são cabíveis: o termo pardo é oriundo de um momento histórico de opressão, levantando a necessidade de ser encarado com a devida cautela e complexidade. É importante também ressaltar o caráter autodeclaratório dessa denominação, o que a coloca como de uso ainda mais pessoal de cada um, menos imperativo por parte de um terceiro.
2. Fala da estudante de psicologia Caroline Coelho da PUC-SP, autora do TCC “Investigação sobre o uso do Teste de Velocidade de Aquisição de Função (FAST) para a identificação de atitudes raciais preconceituosas ”, durante uma conversa pessoal, no dia 5 de julho de 2020.
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PERFIL Ao analisar os dados censitários da última versão disponibilizada virtualmente no formato de documento pelo Infopen Mulheres (2017), entende-se que atualmente as penitenciárias femininas no país são espaços que abrigam, em sua maioria, um perfil específico de mulheres (inclusive as grávidas e puérperas): pessoas autodeclaradas pardas, como já discutido, jovens (entre 18 e 29 anos), de baixa renda, mães, presas provisórias suspeitas de crimes contra o patrimônio ou relacionados ao tráfico de drogas.
Faixa etária das mulheres privadas de liberdade no Brasil
Figura 8.
[Figura 8] Faixa etária das mulheres privadas de liberdade no Brasil. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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Taxa de aprisionamento da população feminina jovem e não jovem no Brasil (por 100 mil)
Figura 9.
Sobre a faixa etária das mulheres privadas de liberdade no Brasil, os dados coletados do Infopen Mulheres (BRASIL, 2017) revelam que a maior parte é composta por jovens. Uma porcentagem de 25,22% possui de 18 a 24 anos seguido de 22,66% entre 35 a 49 anos e 22,11% entre 25 e 29 anos. Somadas ao total de presas até 29 anos de idade totalizam 47,33%, quase metade da população carcerária. A cada grupo de 100 mil mulheres jovens no Brasil, nota-se uma taxa de aprisionamento de 100,69, ao passo que no grupo de mulheres não jovens (acima de 30 anos) essa taxa é de 21,7. É relevante considerar que no último gráfico (fig.9), a subdivisão da população carcerária feminina foi pensada para jovens e não jovens.
[Figura 9] Taxa de aprisionamento da população feminina jovem e não jovem no Brasil (por 100 mil) – taxa calculada pela razão entre o número total de mulheres privadas de liberdade e a quantidade populacional de mulheres no país acima de 18 anos, sendo a razão obtida multiplicada por 100 mil. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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Estado civil das mulheres privadas de liberdade no Brasil
Figura 10.
No que se refere ao estado civil das mulheres encarceradas, verificase no gráfico acima (fig.10) que, entre essa população, o maior percentual é o de mulheres autodeclaradas solteiras representando 58,55% da população prisional; seguido pelas mulheres em união estável/amasiado, que representam 24,44%; e, em menor percentual, as mulheres casadas representando 8,24% da população prisional feminina. Os gráficos ao lado (fig. 11 e 12) indicam, respectivamente, o número total de filhas na guarda de homens e mulheres que se encontram dentro do sistema penitenciário. É possível observar que entre os homens, 47,2% possuem uma filha, seguido de 27% com duas filhas e 12,32% com três. Já entre as mulheres, 28,91% possuem uma filha, 28,27% duas filhas e 21,07%, três. Segundo o Infopen Mulheres (BRASIL, 2017), “é interessante notar que o percentual de 44 mulheres somadas que possuem mais de quatro filhos representa 11,01%, ao passo que entre os homens este percentual é de 7,11% para a mesma faixa.”
[Figura 10] Estado civil das mulheres privadas de liberdade no Brasil. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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Número total de filhas/os de homens presos no Sistema Penitenciário
Figura 11.
Número total de filhas/os de mulheres presas no Sistema Penitenciário
Figura 12.
[Figura 11] Número total de filhos de homens presos no Sistema Penitenciário. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017). [Figura 12] Número total de filhos de mulheres presas no Sistema Penitenciário. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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Escolaridade das mulheres privadas de liberdade no Brasil
Figura 13.
Escolaridade das cidadĂŁs brasileiras
Figura 14. [Figura 13] Escolaridade das mulheres privadas de liberdade no Brasil. Fonte: grĂĄfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017). [Figura 14] Escolaridade das cidadĂŁs brasileiras. Fonte: grĂĄfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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Em relação aos dados de escolaridade da população prisional brasileira obtidos a partir do Infopen Mulheres 2017, é possível perceber que não há no sistema prisional uma representação dos mesmos graus de escolaridade observados na sociedade brasileira. Segundo o Infopen Mulheres (BRASIL, 2017, p.35), “mais da metade das mulheres custodiadas possuem baixa escolaridade, ao passo que entre a população brasileira percebe-se maior dispersão entre todos os níveis educacionais”. Esses índices não podem ser tomados como mera coincidência. Para entender as correlações entre o perfil de mulheres que é mais presente no cárcere, bem como sua incidência no mundo do crime, é necessário entender suas experiências de vida e a situação social dessas mulheres.
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ÁREAS DE VULNERABILIDADE E CONTEXTO SOCIAL Os níveis do bem-estar de pessoas e famílias são diretamente influenciados pelas circunstâncias em que essas viveram, habitaram e permaneceram por grande parte de sua vida, como a falta de segurança pública, de infraestrutura e de espaços públicos de qualidade e os altos índices de criminalidade local e de vulnerabilidade social. De acordo com o Atlas Socioassistencial de São Paulo (2015), o termo vulnerabilidade não tem um significado único. É um conceito complexo, uma vez que a vulnerabilidade não se restringe a situações de pobreza, e sim a um conjunto de fatores que tem como origens processos mais amplos de reprodução das desigualdades sociais, como características do território, ciclo etário, dificuldades enfrentadas pelas famílias e falta de acesso a políticas públicas.
Número de municípios por faixa de prosperidade social em 2010
Figura 15.
[Figura 15] Número de municípios por faixa da prosperidade social em 2010. Fonte: tabela elaborada pela autora a partir de dados do Atlas da Vulnerabilidade Social dos municípios brasileiros (2015).
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O gráfico da figura 15, produto de análises do desenvolvimento humano com a vulnerabilidade social, nos traz dados em relação à prosperidade social. Conforme Costa e Margutti (2015), a prosperidade social é a ocorrência simultânea do alto desenvolvimento humano com a baixa vulnerabilidade social, indicando um desenvolvimento humano menos vulnerável. A prosperidade social, nesse sentido, reflete uma situação em que o desenvolvimento humano se assenta em bases sociais mais robustas, onde o capital familiar e escolar, as condições de inserção no mundo do trabalho e as condições de moradia e de acesso à infraestrutura urbana da população são tais que há uma perspectiva de prosperidade não apenas econômica, mas das condições de vida no meio social (COSTA; MARGUTTI, 2015, p.74).
Drauzio Varella, em seu livro “Prisioneiras” (2017), considera as mulheres encarceradas que atendeu na Penitenciária Feminina de Sant’Anna como protagonistas. O médico compartilha as narrativas de suas pacientes que, por muitas vezes, apresentam detalhes de suas vivências desde suas criações, e por conseguinte, especificam o local onde cresceram e tiveram seus primeiros contatos com a criminalidade. Os mapas das figuras 16, 17 e 18 foram diagramados baseados nessas narrativas, espacializando locais de moradia e convivência onde estas mulheres passaram a maior parte de suas vidas.
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Figura 16.
VULNERABILIDADE BAIXA RENDA Indicador que classifica famílias de baixa renda, com renda igual ou inferior a 1/2 salário mínimo per capita ou renda familiar mensal de até três salários mínimos.
Figura 17.
ÍNDICE PAULISTA DE VULNERABILIDADE SOCIAL (IPVS) Desenvolvido pela SEADE, o IPVS mensura a vulnerabilidade utilizando indicadores socioeconômicos (renda e escolaridade) e ciclo de vida familiar (presença de crianças menores, idade e gênero da pessoa considerada chefe de família). O índice subsidia políticas públicas para comunidades mais vulneráveis.
Figura 18.
CRIMINALIDADE BAIRRO A BAIRRO EM SÃO PAULO
O que se percebe ao analisar essas imagens é a congruência entre áreas de alta vulnerabilidade social, baixa renda, e de alta criminalidade referente ao tráfico, com a região onde a maioria dessas mulheres residem. Entende-se, portanto, a influência do espaço urbano e do contexto social no desenvolvimento das mulheres e no contato com a criminalidade. Ao discutir sobre São Paulo em meados de 1960 - época em que a cidade era a que mais crescia na América Latina devido a onda de migrantes que chegavam à procura de trabalho, o que consequentemente foi fator decisivo para o crescimento desordenado da periferia -, Varella deixa inteligível a relação entre a violência urbana e a vulnerabilidade social pela qual as pessoas estão sujeitas: (...) Pobreza, analfabetismo, falta de saneamento básico, iluminação nas ruas, escolas, serviços de assistência médica e de policiamento, bem como o aparecimento de uma legião de adolescentes sem perspectiva de acesso ao mercado de trabalho, criaram condições favoráveis para a disseminação da violência urbana em grau até então desconhecido (VARELLA, 2017, p. 262).
[Figura 16] Índice de vulnerabilidade de baixa renda em São Paulo em 2010. Fonte: mapa elaborado pela autora a partir de dados do Atlas Socioassistencial da Cidade de São Paulo (2015). [Figura 17] Índice paulista de vulnerabilidade social em 2010. Fonte: mapa elaborado pela autora a partir de dados do Atlas Socioassistencial da Cidade de São Paulo (2015). [Figura 18] Criminalidade bairro a bairro em São Paulo em 2017. Fonte: mapa elaborado pela autora a partir de dados do site do jornal Estadão (2017).
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CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS PSÍQUICAS E FATORES DE RISCO DECORRENTES DO CONVÍVIO SOCIAL Para além dos aspectos territoriais de vulnerabilidade social, Drauzio Varella chama atenção para mais uma questão relevante e comprovada em estudos conduzidos com metodologia científica, no que se refere aos estudos das motivações para a violência urbana. O médico aponta para a importância de considerar os fatores de risco, sendo três os principais: 1) Infância negligenciada, referente a crianças que não recebem amparo familiar, atenção ou carinho e que são maltratadas ou agredidas; 2) Falta de orientações firmes, que imponham limites a adolescentes; 3) Convivência com pares que vivem na marginalidade. Varella ainda alerta para o fato de que, se por um lado esses estudos evidenciam que atribuir a criminalidade crescente dos últimos vinte anos somente à pobreza não se justifica, por outro, sugerem que esses fatores de risco se acumulam perversamente nas camadas mais desfavorecidas (VARELLA, 2017). O estudo realizado por Daniela Canazaro de Mello (2008) em seu mestrado em psicologia clínica também dialoga com tal situação. A psicóloga analisou o perfil psicológico das mulheres detidas na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre (RS), observando como o encarceramento afetava seus comportamentos. Depois de investigar o caso de 287 mulheres, Mello (2008, p. 48) conclui que, além do fato de que as presas possuem um “elevado grau de comorbidade psicopatológica, dependência de substância, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de personalidade anti-social e depressão maior”, elas também são mais propensas a terem passado por experiências traumáticas, que incluem abuso físico e sexual precoce, vide Anexo 2, em que se é descrita a vivência de Vânia Alexandra de Souza. Através da análise, evidencia-se que aproximadamente um a dois terços de todas as mulheres encarceradas necessitam de tratamento de saúde mental.
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Figura 19.
Ao analisar os gráficos acima, percebe-se que mais da metade da população feminina encarcerada nas penitenciárias brasileiras encontrase em estado de vulnerabilidade social, seja por não se encontrarem em uma estrutura familiar segura, seja por experiências angustiantes de abuso sexual e físico, sendo que ambos os fatores podem ser aliados à situação econômica-territorial em que essas mulheres se encontravam.
[Figura 19] Características clínicas encontradas nas mulheres presas na Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Fonte: imagens elaboradas pela autora a partir de dados de Mello (2008).
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DROGAS, DESIGUALDADE NO TRABALHO E NO CUIDADO COM OS FILHOS E O TRÁFICO COMO COMPLEMENTO DE RENDA Além de todos esses fatores, é preciso comparar a entrada no mundo do crime entre homens e mulheres. Segundo o site Women in Prison (2008 apud MELLO, 2008), as prisioneiras mulheres são diferentes dos prisioneiros homens por alguns motivos tais como: o padrão dos crimes das mulheres, que impõe um menor nível de risco à comunidade; e a desigualdade no papel de criação de seus filhos e manutenção da casa. Ademais, deve-se citar também a diferença entre a falta de oportunidades confiadas a elas no mundo do trabalho formal de modo que, tanto o tráfico quanto o roubo, acabam por ser crimes que agem como complementação de renda. Dados comprovam a teoria. Os delitos mais comuns entre mulheres são aqueles que podem funcionar como complemento de renda. Os crimes cometidos por elas, são, sim, menos violentos, mas é mais violenta a realidade que as leva até eles. (QUEIROZ, 2015, p.63)
O cuidado das crianças é essencial para o desenvolvimento e para o bem-estar dessas. No entanto, grande parte da responsabilidade pelo cuidado das filhas e filhos recai sobre as mulheres, especialmente aquelas que são pobres e vulneráveis (SAMMAN, et. al., 2016). O impacto dessa desigual distribuição de cuidados é negativo não só para as mães e para as demais prestadoras de cuidados, como também para as crianças, já que as mulheres responsabilizadas são levadas ao seu limite pelas exigências de cuidar de suas famílias. Além do mais, a distribuição desigual de atendimento, por consumir muito tempo e recursos, as impede de avançar em outras áreas de suas vidas e, em vista disso, “o impacto da prisão é desproporcionalmente mais grave para as prisioneiras, frequentemente resultando na perda do lar e em dano grave na vida de seus filhos.” (MELLO, 2008, p.48).
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Figura 20.
Figura 21.
Figura 22. [Figura 20 e 21] Dados mundiais sobre a diferença dos cuidados infantis e tempo de trabalho remunerado e não-remunerado entre homens e mulheres. Fonte: gráficos elaborados pela autora a partir de dados de Emma Samman et al (2016). [Figura 22] Dados mundiais em relação à diferença de cuidados domésticos, e trabalho remunerado e não remunerado entre homens e mulheres. Fonte: Emma Samman et al. (2016).
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Esses números mostram o tamanho do desafio a ser enfrentado. A responsabilidade que recai sobre as mulheres de cuidar de suas filhas e de seus filhos, majoritariamente sem a ajuda de seus companheiros, não apenas reduz para elas as possibilidades de educação inibindo suas participações na força de trabalho, como também afeta os tipos de empregos que as mulheres realizam, quão produtivas são consideradas e quanto ganham (SAMMAN, et. al., 2016). Ao tentarem negociar as demandas de trabalho dentro e fora de casa, o resultado é angustiante: milhões de crianças ficam sem a supervisão de pessoas adultas, com consequências desastrosas para o bem-estar, e às vezes, para a vida. O documento “Women’s work: Mothers, children and the global childcare crisis” (SAMMAN, et al., 2016) relata que fatores críticos que condicionam as decisões de deixar as crianças sozinhas em casa incluem indisponibilidade dos pais e más condições de trabalho, redes de apoio limitadas, incapacidade de cuidar de crianças, segurança no bairro e idade das crianças.
Parcelas de homens que participam do cuidado diário de uma criança em cinco países (%) em 2009
Figura 23.
[Figura 23] Parcela de homens que participam do cuidado diário de uma criança em cinco países em 2009. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados de Emma Samman et al (2016).
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As mulheres lutam para preencher as lacunas e enfrentam difíceis escolhas no exercício de equilibrar suas responsabilidades domésticas com o amor pelos filhos somados à necessidade de provê-los economicamente. Nesse contexto de constante pressão de conciliar o trabalho com a educação e convívio de suas filhas, é provável que algumas mulheres optem por buscar aceitar empregos de menor qualidade no setor informal, que possa ser mais facilmente reconciliado com as responsabilidades de cuidar (SAMMAN, et. al., 2016). É nessa circunstância que, por faltas de alternativas, o tráfico torna-se um recurso de sobrevivência para estas mulheres, em sua maioria mães, mas também podendo ser filhas que encontram outros meios para ajudar familiares. (...) Marta, a mais velha, não ganhava dinheiro suficiente para sustentar as três e não queria que a irmã caçula parasse de estudar. Ela mesma tinha sonhado em se mudar para Belém e virar algum tipo de doutora. Mas trabalhava horas demais, duro demais, não aguentara a escola ao fim do dia. Descobriu, então, que traficar exigia muito menos esforço e pagava muito melhor. Podiam comer bem, viver bem, usar roupas da moda, ir às aparelhagens de tecnobrega. (QUEIROZ, 2015, p. 63)
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Evolução da distribuição dos crimes tentados/consumados entre os registros das mulheres privadas de liberdade, por tipo penal
Figura 24.
[Figura 24] Evolução da distribuição dos crimes tentados/consumados entre os registros das mulheres privadas de liberdade, por tipo penal, entre 2005 e 2017. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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Distribuição dos crimes tentados/consumados entre os registros dos homens privados de liberdade por tipo penal.
Figura 25.
Distribuição dos crimes tentados/consumados entre os registros das mulheres privadas de liberdade por tipo penal.
Figura 26.
[Figura 25] Distribuição dos crimes tentados/consumados entre os registros dos homens privados de liberdade por tipo penal. Fonte: gráfico elaborado por Gabriela Papi a partir do Infopen (2017). [Figura 26] Distribuição dos crimes tentados/consumados entre os registros das mulheres privadas de liberdade por tipo penal. Fonte: gráfico elaborado por Gabriela Papi a partir do Infopen (2017).
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Apesar de serem mais afetadas pelas políticas punitivas, essas mulheres raramente representam uma verdadeira ameaça para a sociedade. A maioria delas é detida por realizar tarefas de menor importância, embora de alto risco, na hierarquia do tráfico de drogas (distribuição de drogas em pequena escala ou transporte de drogas), como uma forma de enfrentar a pobreza ou, às vezes, por coerção de um parceiro ou membro da família³. Em relação a essa última circunstância, Amanda Daniele Silva (2015) compartilha o mesmo entendimento, constatando que a literatura da área indica que muitas dessas mulheres de fato buscam ou são levadas a cometer delitos induzidas por uma figura masculina, o que, juntamente com diversos outros fatores, confirma a influência das relações desiguais de gênero no universo criminal.
Figura 27.
[Figura 27] Problemas de saúde mental encontrados nas mulheres presas na Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Fonte: imagens elaboradas pela autora a partir de dados de Mello (2008). 3. WOLA. Women and Drugs. Página inicial (Women across the Americas are being incarcerated for low-level drug offenses at an alarming rate). A WOLA é uma organização líder de pesquisa e defesa dos direitos humanos nas Américas. Trabalhando em colaboração com alguns parceiros, o projeto da WOLA sobre mulheres e encarceramento está apoiando o desenvolvimento de um movimento regional de base de mulheres ex-encarceradas e suas famílias na América Latina.
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Também com dados consultados na pesquisa de Mello (2008), os dados da figura 27 revelam fatores de prevalência relacionados aos problemas de saúde mental das mulheres encarceradas que integraram a pesquisa. Observa-se que mais da metade das participantes fizeram uso de substâncias psicoativas e/ou álcool ao longo da vida. Além disso, 48,7% apresentam sintomas de depressão e cerca de 40% mostram abuso e/ ou dependência de SPA (substâncias psicoativas). Os dados também revelam que, entre essas substâncias, as mais utilizadas são a maconha (47%), a cocaína (38,3%) e o crack (27,2%). Pode-se inferir, inclusive, que muitas dessas mulheres possivelmente tiveram o primeiro contato com substâncias psicoativas dentro do ambiente familiar ou em situação de rua, considerando que existe uma relação entre os altos índices de história de violência, familiares com histórico de uso de SPA (substâncias psicoativas) e/ou álcool e ocorrência de fuga de casa. Encadeamento, esse, que pode ter contribuído para que elas tenham passado por situações de risco, o que ocasionaria a busca e o convívio com as drogas. (MELLO, 2008) Conclui-se através das análises do perfil e contexto social da mulher presa que ela está em posição social e econômica desfavorável, e que o envolvimento com o crime está ligado a diversos fatores, principalmente nos aspectos sociais e psicológicos. Embora uma grande parte das mulheres estivesse trabalhando antes da detenção, a maioria possui o ensino fundamental incompleto, baixa qualificação profissional, atividade laborativa informal e trabalhos de baixa rentabilidade. Além dessas características, muitas possuem um elevado número de filhos e são solteiras, desempenhando o papel de provedoras e de cuidadoras da família. Diante desse contexto, as mulheres podem tornarse mais propensas a cometer delitos em função de dificuldades econômicas e sociais. (MELLO, 2008, p. 63)
Sendo assim, o sistema prisional deve ser repensado de forma que ele não se constitua como um instrumento de exclusão destas mulheres da sociedade, mas sim como uma ferramenta de reinserção social, baseandose na redução dos danos causados nas mesmas enquanto estavam em liberdade.
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QUESTÕES RACIAIS E O ENCARCERAMENTO EM MASSA 1.3
Para além das comentadas questões de nomenclatura e de pertencimento, cabe inserir no contexto dos temas raciais a problemática do encarceramento em massa da população negra. Ao analisar a tabela da figura 28, com dados levantados pelo Infopen Mulheres (BRASIL, 2017), pode-se apontar para o fato de que a população prisional feminina em junho de 2017 era de 37.828 mulheres, sendo que 63,55% são negras ou pardas. Em comparação à taxa de brancas aprisionadas, a taxa de negras tem crescido repetidamente nas últimas décadas. Borges (2018, apud SOUZA, 2019) em seu livro “O que é encarceramento em massa?’’ introduz questões relacionadas ao sistema prisional e às formas como são operadas as políticas de segurança pública e de justiça criminal no Brasil expondo a influência das origens do sistema escravocrata na realidade carcerária brasileira atual. […] abolida a escravidão no país, como prática legalizada de hierarquização racial e social, outros foram os mecanismos e aparatos que se constituíram e se reorganizaram […] como forma de garantir controle social, tendo como foco os grupos subalternizados estruturalmente (ibid p. 37).
BRASIL - JUNHO DE 2017 Total da população prisional feminina Sistema Penitenciário Secretaria de Segurança e Carceragens Total de vagas para mulheres Déficit de vagas Taxa de Ocupação Taxa de Aprisionamento
37.828 36.612 1.216 31.837 5.991 118,8 35,52
Figura 28.
Esse processo, no Brasil, pode ter sido influenciado diretamente por diversos fatores, como a ampliação das políticas neoliberais, o aumento do controle punitivo, a ênfase na guerra às drogas e a criminalização da pobreza (SOUZA, 2019). De acordo com artigo publicado na Carta Capital4, a principal responsável pelo incremento da população carcerária no Brasil, segundo pesquisas da organização Human Rights Watch, foi a Lei de Drogas aprovada em 2006, que endureceu as penas por tráficos de droga. Antes dela, 13% das pessoas presas cumpriam sentença por tráfico, enquanto, atualmente, esse contingente é de aproximadamente 60% nas cadeias femininas do estado de São Paulo (VARELLA, 2017). Devido a essa suposta “solução” para o combate ao tráfico de drogas e preservação da segurança pública, temos hoje a terceira maior população encarcerada do mundo (710.240 presos em números absolutos), apenas atrás dos Estados Unidos e da China (VELASCO; CAESAR; REIS, 2020). Percebe-se nas figuras 29 e 30 que enquanto o crescimento da população diminui, a taxa de aprisionamento por ano só aumenta. Segundo a Carta Capital (2017), isso ocorreu devido à imprecisão da nova legislação, que não estabelece critérios objetivos para diferenciar uso e tráfico.
[Figura 28] Mulheres privadas de liberdade no Brasil em junho de 2017. Fonte: tabela elaborada pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017). 4. CARTA CAPITAL. Encarceramento em massa: ineficaz, injusto e antidemocrático. São Paulo, 2017.
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Figura 29.
Figura 30.
Para a mulher, soma-se o fato de sua subalternização na hierarquia do tráfico que, de acordo com Fernanda Isaac e Tales de Campos (2019), as coloca em uma posição de “braço vulnerável” do crime organizado, fazendo com que ela acabe sendo presa pouco depois de cometer um crime, enquanto traficantes de maior porte saem impunes. Evolução das mulheres privadas de liberdade entre 2000 e 2017
Figura 31.
Como se observa na figura 31, o número de mulheres presas no Brasil aumentou 675% no período compreendido entre os anos 2000 e 2017, com um número absoluto aproximadamente sete vezes maior. Esse crescimento deve-se ao fracasso do “proibicionismo”, “pois 62% das mulheres estão encarceradas por crimes relacionados à Lei de Drogas e por um número excessivo de prisões decretadas preventivamente” (MARTINO, 2020, p. 84).
[Figura 29] Crescimento da população brasileira anual. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen (2019). [Figura 30] Taxa de aprisionamento por ano no Brasil. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen (2019). [Figura 31] Evolução das mulheres privadas de liberdade entre 2000 e 2017. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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Mulheres privadas de liberdade por natureza da prisão e tipo de regime no Sistema Penitenciário
Figura 32.
Na figura 32, é possível observar a distribuição das mulheres privadas de liberdade segundo a natureza da prisão e o tipo de regime ao qual a custodiada está submetida. A partir da análise gráfica, podese inferir que 37,67% das mulheres encarceradas no Brasil são presas em regime provisórios (ou seja, sem condenação), enquanto 36,21% são presas sentenciadas em regime fechado e 16,87% presas sentenciadas em regime semiaberto. O fato de que a maioria das detentas são presas em regime provisório sem fundamento legal, nos confere que o instituto desse tipo de prisão é mais um mecanismo que vem sendo largamente utilizado como instrumento racista disfarçado de controle social. Segundo a Carta Capital (2017), em 2014, “entre 37% e 50% dos presos provisórios ou serão inocentados ou receberão penas de reclusão inferiores ao tempo que ficaram privados de liberdade”. Dessa forma, percebe-se que uma grande parcela das prisões são injustas e as vítimas desses casos sem conclusão – pois costumam carecer de empenho efetivo de apuração por parte do
[Figura 32] Mulheres privadas de liberdade por natureza da prisão e tipo de regime no Sistema Penitenciário. Fonte: gráfico elaborado pela autora a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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poder público – são negras, pobres, moradoras de bairros periféricos e, como foi relatado em diversos casos deste ano de 2020, assassinadas pelas próprias forças de repressão do Estado. Essa escalada nas taxas de encarceramento tem intensificado, nas últimas décadas, os problemas que constituem o sistema penitenciário brasileiro, como o déficit de vagas (de 5991 em 2017, representando uma taxa de ocupação de 118%, segundo o Infopen Mulheres 2017), à precariedade das condições físicas oferecidas nas cadeias e presídios, a absoluta insalubridade nas unidades de aprisionamento e uma cultura de intensa violência institucional, que é representada por trágicos acontecimentos que se constituem em verdadeiras práticas de extermínio da população encarcerada, como o conhecido Massacre do Carandiru5, episódio ocorrido em 2 de outubro de 1992 (BRASIL, 2007). Apesar desse crescimento contínuo na taxa de aprisionamento feminino nos últimos anos, o sistema prisional brasileiro não mostrou grandes mudanças na política penitenciária, tampouco acolheu condições e nem necessidades específicas das mulheres, como a maternidade. Pelo contrário, elas continuam sendo punidas duplamente: primeiro pela prática do crime, segundo por serem do gênero feminino (MARTINO, 2020). Pode-se concluir que o Brasil não parece contar com uma estrutura judicial estabelecida para realizar justiça de forma democrática e que, inclusive, “o caráter do Sistema de Justiça Penal é outro. Não se trata da prevenção e punição do crime, mas sim da gestão e do controle dos despossuídos. […]” (ALEXANDER, 2018, p. 9 apud SOUZA, 2019, s/p.).
5. O Massacre do Carandiru ocorreu em 2 de outubro de 1992 quando 111 presos foram assassinados na Casa de Detenção da Capital de São Paulo, maior presídio da América Latina à época, pelo batalhão de choque da polícia militar do Estado e por ordem das autoridades responsáveis pela custódia desses indivíduos.
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FAMÍLIA, RELAÇÕES AFETIVAS E A SOLIDÃO DA MULHER PRESA 1.4
Entre todas as situações vividas no cárcere, o abandono é o que mais parece afligir as detentas. As mulheres cumprem suas penas esquecidas pelos familiares, maridos, namorados, amigos e até pelos filhos. A sociedade é capaz de encarar com alguma tolerância a prisão de um parente homem, mas a mulher presa envergonha toda sua família. O homem quando preso contará com a visita de sua mãe, namorada, esposa, amiga, prima ou vizinha, esteja ele em um presídio de São Paulo ou a centenas de quilômetros distante. O mesmo não acontece com a mulher, ela é esquecida (VARELLA, 2017). (...) um rapaz de vinte anos, usuário e traficante de cocaína desde a adolescência, era o fiel depositário da droga que a polícia encontrou atrás do guarda-roupa do quarto da irmã, funcionária de uma confecção no Brás. De nada adiantou o irmão assumir a culpa, explicar que escondera o pacote naquele local para burlar a vigilância rigorosa da irmã, nem a mãe insistir na inocência da filha, de comportamento exemplar, arrimo da família. Quando gritou ao ver os filhos empurrados para a viatura, ela ouviu de um dos policiais: - Se não quiser ir junto, para com esse escândalo, dona. Numa das raras visitas que recebeu, a filha perguntou por que razão a mãe visitava todos os fins de semana, em Iaras, a 280 quilômetros de São Paulo, o filho causador de tantos desgostos, enquanto ela cumpria, solitária, uma pena injusta. - Você tem juízo; ele precisa mais de mim – foi a resposta. (VARELLA, 2017, p.41)
De acordo com o censo Penitenciário de 2002 da Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” (FUNAP), no estado de São Paulo, 36% das mulheres entrevistadas não recebiam visitas (em comparação a 29% dos homens); 19% tinham visitas semanais (sendo 21% dos homens), 14% três vezes por mês (18% dos homens), e 11% menos que uma vez por mês (9% dos homens). Ou seja, 47% das mulheres recebem visita menos que uma vez por mês. Em paralelo, no ano de 2015, dados da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) mostram que apenas 34 das 2104 (o que equivale a 1,6%) internas das seis unidades prisionais femininas do estado do Rio de Janeiro recebem visita íntima, direito adquirido em 2001, 17 anos após a promulgação da lei que garantiu essa regalia aos homens (COSTA, 2015). Na Penitenciária Feminina da Capital, segundo Varella (2017), são poucas também as que desfrutam desse privilégio. Nela, o número das que recebem visitas íntimas oscila entre 180 e 200, menos de 10% da população da casa. É importante ressaltar que os dados sobre as visitas íntimas não são muito transparentes nas últimas versões atualizadas do Infopen. Por conta disso, foram utilizadas neste trabalho informações encontradas de anos anteriores. Babiy Querino (2020) é dançarina, coreógrafa e escritora. Mesmo sem provas, passou quase dois anos na prisão. A artista compartilha sua experiência e narra um diálogo que teve com uma companheira que disse: O homem sofre muita opressão também, o homem também apanha, também sofre abusos, mas é o homem que todos os finais de semana têm visita e “jumbo” [pacote com alimentos e produtos de higiene pessoal que as famílias levam aos presos]. Ele não é humilhado por não ter nem um cigarro pra fumar. Na cadeia você vale o que tem e nós não temos nada, nem direito à água, sofremos muito, porque grande parte de nós tem família longe. Somos abandonadas por nossos maridos e, detalhe, a maioria está aqui por causa do marido. Nós ficamos longe de nossos filhos, muitos são pequenos, mas os maiores sempre nos julgam.” (QUERINO, 2020, s/p).
Quem passa na frente de um presídio masculino nos fins de semana se depara com o tamanho das filas, compostas basicamente por mulheres e crianças que chegam a armar barracas de plástico para passar a noite nos primeiros lugares, de forma que tenham mais tempo para desfrutar da companhia de seu ente querido. Em onze anos de trabalho, Varella (2017) conta que nunca viu ou soube de alguém que tivesse passado uma noite em vigília na Penitenciária Feminina, à espera do horário de visita. As filas, ao contrário do que acontece nas unidades masculinas, são pequenas, mas com o mesmo predomínio de mulheres e crianças enquanto os poucos homens são mais velhos, geralmente pais ou avôs. Ainda que os números das visitas não sejam altos, é preciso reforçar
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a importância delas no processo de ressocialização e na manutenção dos vínculos afetivos com companheiras, companheiros e família das mulheres privadas de liberdade. Portanto, as instituições devem reconhecer a necessidade de acabar com processos que dificultam seu acontecimento, como é o caso das revistas vexatórias as quais visitantes são sujeitas. Segundo Gabriel Martins Furquim (2017), a revista vexatória, cuja realidade de violência sexual institucionalizada tem sido ocultada pelo termo revista íntima, de acordo com leis federais e da Convenção Americana de Direitos Humanos, viola a dignidade humana, a intimidade, a integridade física, psíquica e moral e a convivência familiar entre visitantes e presas. Isso significa que esse tratamento cruel para com as pessoas vinculadas afetivamente com as presas não encontra amparo no ordenamento jurídico nacional e internacional. Depois que Socorro pegou a guarda da neta, levou-a para visitar a mãe uma única vez. Não aguentou ver a miudinha passar pela humilhação de ficar nua para ser revistada por estranhos, como se fosse uma pequena transgressora. Carolina só verá a filha de novo quando sair da cadeia. Não quer mais que Maria pague pena junto com ela. Enquanto isso, os dias passam tardios, em constante atraso. (QUEIROZ, 2015, p.113)
Tal procedimento, que é realizado de maneira manual e invasiva, com desnudamento total ou parcial das vestes, agachamentos repetitivos e exames nas cavidades corporais, com a finalidade de verificar a existência de algum objeto ilícito, se manifesta como uma concreta violência sexual institucionalizada em face de pessoas, principalmente mulheres, submetidas às violações observadas por suas filhas e filhos. Nas palavras das visitantes: “A gente deixa a dignidade do lado de fora antes de entrar” (SANCHES, 2015 apud FURQUIM, 2017).
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ARQUITETURA PENITENCIÁRIA A ineficácia da ressocialização
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De modo geral, as pessoas tendem a considerá-las [as prisões] algo natural. É difícil imaginar a vida sem elas. Ao mesmo tempo, há relutância em enfrentar a realidade que se esconde nas prisões, medo de pensar no que acontece dentro delas. Dessa maneira, o cárcere está presente em nossa vida e, ao mesmo tempo, está ausente de nossa vida. Pensar nessa presença e nessa ausência simultâneas é começar a compreender o papel desempenhado pela ideologia em modelar a forma como interagimos com nosso entorno social. Consideramos as prisões algo natural, mas com frequência temos medo de enfrentar as realidades que elas produzem. Angela Davis
Tipologias da Arquitetura Penitenicíária: disciplina e punição no decorrer do tempo Brasil e mundo Antes de prosseguirmos com a análise de como os espaços destinados a pessoas privadas de liberdade atualmente não colaboram com a ressocialização e reinserção das mesmas na sociedade, deve-se entender como, e em que contexto, as tipologias penitenciárias, as formas de punição e de disciplina se desenvolveram no decorrer do tempo, até chegarem aos modelos atuais no Brasil e no mundo.
Nota: esta linha do tempo foi formulada com base no trabalho original de Heloisa de Santis Alfredo (2018).
As prisões já eram mencionadas por Vitrúvio e Palladio, porém pouco se sabe sobre a arquitetura penitenciária na antiguidade. Na Idade Média, as formas mais utilizadas de aprisionamento eram os castelos, fortalezas e antigas portas das cidades. Devido a instabilidade política ocorrida pela tentativa de mudanças sociais na Europa, é instalada pela Igreja Católica, a Inquisição6. A partir desse momento, o número de pessoas condenadas com objetivos punitivos e corretivos aumentou exponencialmente, fazendo com que os edifícios eclesiáticos fossem utilizados também como prisões (VAZ, 2005 apud ALFREDO, 2018). 6. A Inquisição foi um sistema jurídico iniciado nos fins da Idade Média, estabelecido com a missão de combater o desenvolvimento dos chamados movimentos heréticos, como a blasfêmia e a bruxaria. A palavra heresia, de origem grega, significava originalmente “aquele que escolhe” e foi reinterpretada pelos clérigos como qualquer ideia ou manifestação que ameaçasse a vigência dos inquebráveis dogmas católicos (SOUSA, 2020).
IDADE MÉDIA SÉC. V - XV 72
BRASIL COLÔNIA SÉC XVI - XIX Até o século XIX no Brasil, não havia nenhum projeto arquitetônico específico para estabelecimentos prisionais. O espaço da prisão fazia parte do edifício da Câmara, onde as pessoas condenadas eram separadas por raça, gênero e classe social, sendo que recebiam tratamento diferenciado dependendo da categoria na qual se encaixavam. Nas Casas de Câmara e Cadeia, não era fornecidos alimentação, roupa ou cuidados médicos. Contendo geralmente dois andares e, por vezes, um subsolo, os pavimentos inferiores eram destinados à prisão, e o pavimento superior, às atividades da câmara (JORGE, 2000) Figura 33. Câmara Municipal de Ouro Preto (atual Museu da Inconfidência), Minas Gerais. Fonte: Hermann Burmeister (1952).
No período colonial, as mulheres condenadas encontravam apenas separação de gênero nas Casas de Câmara e Cadeia. Não se pensava nas necessidades femininas dentro daquele espaço, uma vez que não era prevista a presença da mulher nesses locais. As mulheres presas nesse período eram as que encontravam-se na “contramão do dever ser feminino”, ou seja, eram aquelas mulheres acusadas de bruxaria, que desfaziam arranjos matrimoniais e não serviam como bons exemplos sociais para os parâmetros da época (ANGOTTI, 2011).
A CRIMINOSA NO BRASIL COLÔNIA 73
ORDENAÇÃO PARA OS QUARTÉIS 1719 A disciplina procede em organizar e distribuir os indivíduos no espaço. Para isso, utiliza técnicas como a exigência de cercas e a especificação de um local heterogêneo pautado em hierarquias de ocupação, fechado em si mesmo. Um exemplo dessa aplicação é a Ordenação de 1719 referente à construção de diversos quartéis para a época, que prescreveu que o encarceramento neles seria descrito como um conjunto fechado e cercado por uma muralha alta que rodearia seus pavilhões. O intuito era fixar o exército, impedir a pilhagem e as violências, evitar os conflitos com as autoridades civis, fazer cessar as deserções e controlar as despesas. Em resumo, o propósito era o de manter as tropas em ordem e em disciplina (FOUCAULT, 1975).
Figura 34. Planta que acompanhava a Ordenação de 25 de setembro de 1719 sobre a construção dos quartéis. Fonte: Reprodução Michel Foucault/Livro Vigiar e Punir (1975).
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A PUNIÇÃO ANTES DAS PRISÕES 1757 Foucault (1975) inicia seu estudo em “Vigiar e Punir” com a descrição de uma execução em Paris no ano de 1757. O homem, condenado à morte, foi submetido a uma série de terríveis torturas ordenadas pelo tribunal. No mesmo período, o crime de traição cometido por uma mulher era também “solucionado” por meio de torturas e execução: queimavam-nas vivas. Nessa época, a punição era, em essência, um espetáculo público.
Também é preciso salientar que a punição não deixava de ter dimensões de gênero. As mulheres eram punidas com frequência no domínio doméstico, e instrumentos de tortura eram por vezes importados por autoridades para dentro do lar. Na Inglaterra do século XVII, mulheres consideradas irascíveis e refratárias ao domínio masculino pelo marido eram punidas com uma “mordaça” [...]. Embora o amordaçamento de mulheres estivesse muitas vezes associado a um desfile público, esse instrumento era por vezes preso a uma das paredes da casa, onde a mulher punida permanecia até que seu marido decidisse libertá-la. Menciono essas formas de punição infligidas à mulher porque, como as impostas aos escravos, raramente eram abordadas pelos reformadores do sistema prisional (DAVIS, 2018, p. 44-45).
PUNIÇÃO SEM DIMENSÃO DE GÊNERO 75
Segundo Davis (2018), outros modos de punição que também antecederam a ascensão das prisões incluem o emprego da pena das galés (sanção criminal por meio da qual as pessoas condenadas cumpriam com trabalhos forçados), o banimento, o degredo e o confisco das propriedades da pessoa acusada. É somente após o século XVIII na Europa, e o século XIX nos Estados Unidos, que o encarceramento foi empregado como a principal forma de punição. Na Ásia e na África, por sua vez, os sistemas prisionais foram instituídos como um importante componente do domínio colonial. A partir desse momento, o encarceramento tornou-se a pena em si, fazendo surgir uma distinção entre o aprisionamento como punição e a detenção antes do julgamento ou até a aplicação da pena.
Davis (2018) afirma que as origens da prisão remontam à Revolução Americana e, consequentemente, à resistência ao poder colonial britânico. Mesmo que atualmente pareça irônico, o encarceramento em uma penitenciária era considerado algo humano, ou pelo menos muito mais humano do que as punições corporais e capitais herdadas da Inglaterra e de outros países europeus.
REVOLUÇÃO AMERICANA 1776 76
Salienta-se ainda que a ascensão do capitalismo e o surgimento de um novo conjunto de condições ideológicas por parte da burguesia estão diretamente relacionados à transformação do encarceramento na maneira primária de punição imposta pelo Estado. Em resumo, é preciso compreender que a prisão como conhecemos hoje não surgiu no palco histórico como a forma suprema e definitiva de punição; foi simplesmente a solução que fazia mais sentido em determinado momento da história de nossa sociedade. Dessa forma, deveríamos nos perguntar se esse sistema, que estava diretamente relacionado à um conjunto específico de circunstâncias que predominaram durante o os séculos XVIII e XIX, deveria continuar sendo o método dominante no século XXI (DAVIS, 2018).
Howard, principal protestante defensor da reforma penal na Inglaterra, publicou no ano 1777 a obra The State of Prisons (O Estado das Prisões), na qual classificava o aprisionamento como uma ocasião de autorreflexão religiosa e autorreforma. Cordeiro (2004, p. 72) alega que, com isso, registrou-se na Inglaterra um movimento revolucionário para, em tese, “humanizar” o regime prisional da época através do recolhimento nas celas, trabalho diário, reforma moral pela religião, condições de higiene e de alimentação. Essas ideias de Howard foram incorporadas no Penitenciary Act de 1799, que abriu caminho para as prisões modernas.
JOHN HOWARD: O ESTADO DAS PRISÕES 1777 77
ARQUITETURAS CIRCULARES 1786 Na segunda metade do século XVIII, as arquiteturas circulares foram muito prestigiadas, pois exprimiam uma certa utopia política: a que resultava em um aparelho disciplinar, a partir de um ponto central, que capacitaria um único olhar para tudo ver, a que nada escape. Essa lógica de organização espacial seria “ideal” para programas como hospitais, escolas, fábricas e prisões, por exemplo, já que o espaço central proporcionado pela arquitetura em círculo poderia acumular todas as funções administrativas, policiais de vigilancia, áreas de controle e de verificação, requerimentos de ordens e registros de atividades; tudo isso possibilitado apenas pela geometria espacial, sem quase nenhum suporte de caráter institucional (FOUCAULT, 1975).
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Figura 35. Projeto de hospital. Fonte: B. Poyet/Livro Vigiar e Punir (1975).
Toda uma problemática se desenvolve então: a de uma arquitetura que não é mais feita simplesmente para ser vista (fausto dos palácios), ou para vigiar o espaço exterior (geometria das fortalezas), mas para permitir um controle interno, articulado e detalhado – para tornar visíveis os que nela se encontram; mais geralmente, a de uma arquitetura que seria um operador para sobre seu comportamento, reconduzir até eles os efeitos de poder, oferecê-los a um conhecimento, modificá-los. [...] O velho esquema simples do encarceramento e do fechamento – do muro espesso, da porta sólida que impedem de entrar ou de sair – começa a ser substituído pelo cálculo das aberturas, dos cheios e vazios, das passagens e das transparências. (FOUCAULT, 1975, p. 168).
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O PANÓPTICO DE BENTHAM 1787-1791 Entre 1787-1791, o filósofo Jeremy Bentham publicou suas cartas sobre um modelo de prisão que ele chamou de Panóptico. Bentham afirmava que os criminosos só poderiam internalizar hábitos de trabalho produtivos se estivessem sob constante supervisão. De acordo com seu estudo, os prisioneiros deveriam ficar em celas individuais em andares circulares na periferia voltadas todas para o centro, onde se alocaria uma torre de guarda de vários níveis. Por meio de persianas e de um complicado jogo de luz e sombra, os prisioneiros não conseguiriam enxergar o carcereiro, nem ver uns aos outros. Por outro lado, o carcereiro seria capaz de ver todos as pessoas presas a partir de seu lugar privilegiado. Contudo, como os prisioneiros nunca seriam capazes de determinar para onde o carcereiro estava olhando, todos se sentiriam compelidos a agir, ou seja, a trabalhar como se estivessem sendo vigiados o tempo todo (DAVIS, 2018).
Figura 36. Penitenciária da Ilha dos Pinheiros, em Cuba, construída em 1928. Fonte: Tiago Braz (2017).
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Figura 37. Desenhos (corte e planta baixa) do Panóptico de Bentham de 1791. Fonte: J. Bentham/Livro Vigiar e Punir (1975).
A primeira tentativa completa de criar uma prisão panóptica foi nos Estados Unidos e, mais tarde, foi inaugurada em 1826 a penitenciária Western State (em Pitsburgo, na Pensilvânia) que adotou um modelo arquitetônico revisado do Panóptico.
Figura 38. Fotografias de prisões no padrão do Panóptico de Benhtam. À esquerda, Prisão de Richmond, de 1800, EUA. À direita, Western Penitentiary de Pittsburgh, de 1826, EUA. Fonte: United States Bureau of Prison (1949) e La Comunidad, El País.
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SISTEMA DA FILADÉLFIA: WALNUT STREET PRISON 1790 Na Filadélfia, cidade estadunidense localizada no estado da Pensilvânia, destacou-se inicialmente a técnica penitenciária pensilvânica (também conhecida como sistema da Filadélfia), que tinha como propósito a construção de uma “verdadeira penitenciária”, um exemplo para todo o mundo civilizado, destinada à reforma e arrependimento do/a delinquente (ESTECA, 2010). Desse esforço governamental, resultou a prisão de Walnut Street em 1790, a primeira no sistema prisional da Reforma Jurídico Penal nos Estados Unidos, “se não a primeira no mundo” (UNITED STATES BUREAU OF PRISONS, 1949, p. 23 apud ESTECA, 2010, p. 20).
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Figura 39. Desenho (planta baixa) e gravura da Walnut Street Prison, de 1790, Filadélfia, EUA. . Fonte: United States Bureau Of Prisons (1949).
A penitenciária tinha como características o isolamento completo em celas individuais onde as pessoas prisioneiras viviam, comiam, liam a bíblia e supostamente refletiam e se arrependiam. Além disso, segundo Cordeiro (2004), os internos não trabalhavam, e nem recebiam visitas, dedicando seu tempo apenas às leituras religiosas. Naquela época, acreditava-se que o isolamento tinha um efeito emancipador. E, o fato de a maioria das reformas possuírem cunho religioso, explica essa visão de arquitetura penitenciária como algo que emulava a arquitetura e o regime da vida monástica (DAVIS, 2018).
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PADRÃO AUBURNIANO 1825 Outro marco do sistema penal norte-americano foi a Penitenciária de Auburn, concluída em 1825, no Estado de Nova York. O estilo caracterizava-se por pavilhões retangulares de vários andares dispostos lateralmente ao edifício administrativo, nos quais as celas compunham duas linhas centrais, sendo abertas de cada lado para um espaço comum que providenciava as circulações e, de forma indireta, a iluminação e ventilação para o interior do edifício. O padrão Auburniano se tornou o principal modelo prisional dos Estados Unidos no início do século XX (ESTECA, 2010).
Cordeiro (2004) relata que, oposto ao sistema da Filadélfia, em que se era imposto o isolamento absoluto, o sistema de Auburn permitia que os momentos de trabalho e das refeições fossem realizados coletivamente. Depois de alguns anos, os sistemas filadélfico e auburniano começaram a declinar, o que abriu espaço para novas propostas que buscariam diminuir suas falhas e limitações.
Figura 40. Desenho (planta térrea) da Penitenciária de Auburn de 1825, em Nova York, EUA. Fonte: United States Bureau of Prison (1949).
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PADRÃO RADIAL 1829 O padrão radial surgiu vinculado ao sistema da Filadélfia da Penitenciária Estadual do Oriente da Filadélfia de 1829, em Cherry Hill, projetada por John Haviland (primo de John Howard). O padrão caracterizou-se pelo emprego das celas interiores e pelo arranjo dos pavilhões em torno de um pátio central. De acordo com García Basalo (1959, p. 71 apud ESTECA, 2010, p. 55), o radial renuncia ao modelo do Panóptico, que possibilita ver o interior das celas, substituindo-o pela aspiração de “ver desde um ponto central o interior dos pavilhões”. Variedades desse padrão foram desenvolvidas, entre elas: plantas com organização em “Y”, em “T”, em cruz, em estrela ou em forma de abanico. Dos padrões de inspeção central, o radial foi a referência arquitetônica para as unidades penais na Europa e na América Latina no século XIX, substituindo o modelo Panopticó (ESTECA, 2010).
Figura 41. Perspectiva da Penitenciária Estadual do Oriente da Filadélfia, dde 1829, em Cherry Hill, EUA. Fonte: United States Bureau of Prison (1949).
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Figura 42. Planta baixa da Penitenciária Estadual do Oriente da Filadélfia, dde 1829, em Cherry Hill, EUA. Fonte: United States Bureau of Prison (1949).
Em 1829 conclui-se a construção da Penitenciária de Eastern State, que seguia o padrão radial. Para Davis (2018), esse modelo penitenciário enfatizava o isolamento completo, o silêncio e a solidão. O romancista Charles Dicksens, ao visitar esta penitenciária, em 1842, descreve: “o sistema aqui é o rígido, severo e desesperador confinamento solitário. Considero isso, por seus efeitos, cruel e errado” (apud DAVIS, 2018, p. 51).
PENITENCIÁRIA DE EASTERN STATE, CHERRY HILL 1829 86
PANÓPTICO COMO PADRÃO 1830-1840 Entre 1830 e 1849, o Panóptico tornou-se o programa arquitetural da maior parte dos projetos de prisão, mesmo que com algumas variações: em sua forma estrita, em semicírculo, em forma de cruz ou com disposição em estrela (FOUCAULT, 1975).
Figura 43. Um detento, em sua cela, reza diante da torre central de vigilância, 1840. Fonte: N. Harou-Romain/Livro Vigiar e Punir (1975).
Posteriormente, a partir dos anos de 1835-1840, tornou-se claro que não se procurava reeducar os delinquentes, torná-los virtuosos, mas sim agrupálos num meio bem definido, rotulado, que pudesse ser uma arma com fins econômicos ou políticos. O problema então não era ensinar-lhes alguma coisa, mas ao contrário, não lhes ensinar nada para se estar bem seguro de que nada podrão fazer saindo da prisão. O caráter de inutilidade do trabalho penal que está no começo ligado a um projeto preciso, serve agora a uma outra estratégia. (FOUCAULT, 1979, p. 76)
Figura 44. Planta da prisão de Mazas. Fonte: Reprodução Michel Foucault (1975).
Figura 45. Projeto de penitenciária, 1840. Fonte: N. Harou-Romain/Livro Vigiar e Punir (1975).
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Figura 46. Projeto de prisão celular para quinhentos e oitenta e cinco condenados, 1843. Fonte: A. Blouet/Livro Vigiar e Punir (1975)
Figura 47. Prisão de Petite Roquete. Fonte: Reprodução Michel Foucault (1975).
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CASAS DE CORREÇÃO 1833 No Brasil, em 1833, iniciou-se uma nova discussão sobre o trabalho como recuperação da pessoa presa. Nesse ano, o governo do Rio de Janeiro instaurou um projeto para uma casa de correção. Baseado nos ideais iluministas, vários outros estabelecimentos como o do Rio de Janeiro, inaugurado somente em 1850, também começaram a ser construídos na Bahia (1850), em São Paulo (1852), na Paraíba (18521857) e em Pernambuco (1855). Essas instalações eram voltadas para cidadãos e cidadãs marginalizadas na época, como arruaceiras, doentes, pobres, loucas e crianças orfãs (JORGE, 2000).
Figura 48. Planta da Casa de Correção do Rio de Janeiro, 1833. Fonte: Sousa e Oliveira, / Uma aproximação necessária: Arquitetura penitenciária e a questão de gênero, Alfredo, (2018).
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Figura 49. Planta da Casa de Correção de São Paulo, 1838. Fonte: Programa Lugares da Memória/Uma aproximação necessária: Arquitetura penitenciária e a questão de gênero, Alfredo (2018).
O projeto da Casa de Correção de São Paulo (futuro Presídio Tiradentes) iniciou-se em 1838, mas só foi inaugurado em 1852. A construção foi realizada com taipa de pilão, e alocada distante do então centro da cidade, onde hoje se encontra a Avenida Tiradentes. Inspirada no modelo penitenciário radial, o partido apresentava uma torre central de controle, de onde partiam quatro raios com oficinas de trabalho e celas. Assim como em Auburn, nesse estabelecimento faziam parte do funcionamento local o trabalho em conjunto silencioso, o isolamento noturno nas celas e atividades religiosas (JORGE, 2000).
CASAS DE CORREÇÃO DE SP - PRESÍDIO TIRADENTES 1852 90
NOVAS MODALIDADES DE PRISÃO 1890 Segundo Cordeiro (2004), as linhas gerais do sistema brasileiro são as do sistema irlandês (também conhecido como sistema progressivo), surgido posteriormente aos sistemas filadélfico e auburniano, nos quais consideram-se três estágios: o inicial (isolamento), o de trabalho em conjunto e, por fim, o de livramento condicional.
Considerada moderna, a prisão celular foi a grande novidade no Código de 1890 e, portanto, base para a arquitetura penitenciária. Contudo, o aumento da população carcerária confrontou-se com a limitação espacial das prisões, inviabilizando a cela individual. Iniciase, assim, a construção de pavilhões isolados e com limite máximo de pessoas por unidade carcerária. Além disso, começa-se a admitir o alambrado em vez de muros ou muralhas, para estabelecimento de segurança média ou mínima, o que revela um elemento arquitetônico importante, já que a pessoa presa tem a partir daí um maior contato visual com o exterior, na tentativa de ampliar seu próprio horizonte (CORDEIRO, 2004).
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PADRÃO PARALELO OU ESPINHA DE PEIXE 1898 O padrão paralelo foi idealizado na prisão de Fresnes em 1898. Inspirada nos princípios do Positivismo7, seguindo um modelo penal focado na ressocialização do indivíduo, essa prisão foi projetada pelo arquiteto Francisco Enrique Poussin e é descrita por um corredor central no qual se conectam os pavilhões de diversas funções dispostos em paralelo, e delimitado nas extremidades pela administração e pela capela. Esses pavilhões são organizados com diversos andares de celas externas, ao longo do corredor central (ESTECA, 2010).
7. O positivismo foi uma corrente filosófica criada na França no século XIX. O pensamento positivista tinha seus pilares baseados no progresso constante da humanidade e em sua modernidade (PORFÍRIO, 2020).
Figura 50. Gravura da Prisão de Fresnes, de 1898, França. Fonte: United States Bureau of Prisons (1949).
PRISÃO DE FRESNES, FRANÇA 1898 92
A Ciência Penitenciária, na transição entre os séculos XIX e XX, fundamentada no pensamento positivista, intencionava uma mudança no foco da Arquitetura Penitenciária. Alexander Paterson, interino da presidência da Comissão Internacional Penal e Penitenciária resumiu este pensamento em relação à arquitetura: O arquiteto colaborará não contentando-se em calcular o espaço cúbico mínimo da cela que resulte indispensável para a saúde do recluso, e sim traçando os desenhos da prisão da melhor maneira possível, buscando que as exigências da segurança se conciliem com as da utilidade e estética (GARCÍA BASALO, 1959, p. 86 apud ESTECA, 2010, p. 23)
Na América Latina, no início do século XX, ocorreu um “vigoroso movimento renovador da arquitetura penitenciária herdada do século anterior” (ibid). A partir de então, a arquitetura penal dos países latinos passou a basear-se, quase sem exceções, na prisão de Fresnes de 1898.
Desde que o Código Penal de 1890 entrara em vigor, percebia-se a necessidade de um estabelecimento mais adequado para o cumprimento das penas no Brasil. Mas é somente em 1905 que é aprova-se a lei para a substituição da antiga penitenciária e consequente construção de uma nova (ENGBRUCH; DI SANTIS, 2012). Segundo Esteca (2010), a nova penitenciária também foi influenciada pelos princípios do positivismo e pelos debates sobre a ciência penitenciária moderna, seguindo os ideais da prisão de Fresnes.
PENITENCIÁRIA DO ESTADO 1920 93
Figura 51. Interior de um dos pavilhões da Penitenciária do Estado. Fonte: Reprodução Douglas Nascimento (2014).
Samuel das Neves foi o vencedor do concurso para o projeto da nova penitenciária e utilizou como partido arquitetônico os pavilhões de padrão paralelo, baseando-se na prisão de Fresnes. A execução da obra ficou sob a responsabilidade do arquiteto Ramos de Azevedo e o projeto foi entregue em 19208. Um corredor central conectava a administração aos pavilhões, os quais abrigavam funções ligadas às praticas religiosas, trabalho, lazer, 1200 celas e um hospital no último pavilhão (SALLA, 1997).
8. Foi apenas no ano de 2005 que a Penitenciária do Estado foi transformada em uma penitenciária feminina, sendo inaugurada como Penitenciária Feminina de Sant’Anna.
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Figura 52. Planta do projeto da Penitenciária do Estado, datada de 1911. Fonte: Reprodução Abrahão de Oliveira (2013).
Figura 53. Mapeamento Sara 1930 do atual Parque da Juventude. Fonte: Geosampa (1930).
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SISTEMA DE MONTESINOS 1934 Neste ano, na Espanha, foi criado o sistema penitenciário denominado sistema de Montesinos. Esse sistema teve como característica a forma de trabalho remunerado, considerando na pena um sentido regenerador. Outro tipo de prisão parecida com esse sistema foi originada na Suíça. Com o regime semiaberto, os condenados eram remunerados, trabalhavam ao ar livre, em zona rural, numa grande fazenda e com vigilância reduzida (CORDEIRO, 2004).
Angela Teixeira Artur (2017, p. 23) afirma que “foi apenas a partir de 1940, com o, então novo, Código Penal, que se decretou a separação física entre homens e mulheres no interior do sistema prisional brasileiro”. Nesse cenário, surgiram os primeiros estabelecimentos carcerários brasileiros para o recolhimento exclusivo de mulheres, sendo que alguns deles foram estabelecidos em construções adaptadas para elas, e outros que foram projetados estritamente para tal fim. A administração desses locais foi realizada pelas freiras da Irmandade do Bom Pastor D’Angers, congregação já citada anteriormente, por quase duas décadas (ANGOTTI, 2011)9.
9. Texto retirado da página 24 deste trabalho.
BOM PASTOR D’ANGERS 1940 96
Figura 54. Edifício da penitenciária do estado sendo reformado para receber a Casa de Correção Feminina administrada pela congregação Bom Pastor d’Angers. Fonte: Angela Artur (2017).
Entre essas penitenciárias criadas a partir do Código, está o Presídio de Mulheres do Estado de São Paulo, a primeira penitenciária do estado paulista, inaugurada em 1941 e que “nasceu de maneira improvisada, pois foi instalado na antiga residência dos diretores no terreno da Penitenciária do Estado, no bairro do Carandiru (ANGOTTI, 2011, p. 194). Outra penitenciária que teve condições parecidas como a da administrada pelas freiras do Bom Pastor desde sua criação em 1963 até o advento da gestão laica, em 1980, foi a Penitenciária Feminina de Tremembé (ARTUR, 2017, p. 24)10.
10. Texto retirado da página 25 deste trabalho.
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PADRÃO MODULAR OU PAVILHONAR 1940 No início do século XX, conforme Miotto (1992, p. 36 apud ESTECA, 2010, p. 24), “não se procedeu na prisão a mudança pretendida pelo Positivismo”. Em seu lugar, à medida que a Ciência Penitenciária avançava, a arquitetura das prisões pouco a pouco estendeu a preocupação com a fuga das pessoas condenadas. Enquanto no modelo filadélfico e auburniano, por exemplo, o posto de controle ficava fora da área de convívio das presas e presos (vigilância indireta), o que facilitava a tomada de controle sobre seus próprios espaços de vivência, o padrão modular adotou um controle mais rígido e direto da instituição prisional, em que os agentes permaneciam dentro de postos de controle centralizados nas áres comuns - e fechados com vidros blindados -, o que possibilitava a vigilância de todo o espaço coletivo (vigilância direta) sem contato físico algum com as pessoas presas. Além disso, as internas e internos poderiam ser classificadas e separadas dentro do próprio estabelecimento, divididas em mais perigosas e menos perigosas (ESTECA, 2010).
O padrão modular ou pavilhonar, surgido nos Estados Unidos, foi descrito por blocos separados fisicamente entre si, nos quais são abrigadas as diferentes atividades da penitenciária – administração, serviços, assistência à saúde, realização de visitas, trabalho, educação e carceragem. De acordo com Esteca (2010), trata-se de uma ampliação da especialização dos espaços, já praticada nos padrões anteriores, porém enfatizada fisicamente na arquitetura da prisão. Por outro lado, as antigas “longas linhas” de celas e níveis foram substituídas por pequenas unidades de vivência.
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A partir da década de 1940, essa configuração passou a ser adotada como o desenho principal das penitenciárias, variando entre dois modelos: o primeiro, continha em cada edificio os próprios pátios, e no segundo, vários edifícios eram dispostos de modo a formar um grande pátio central (LATHAM, 2009 apud ALFREDO, 2018).
Figura 55. Fotografia da penitenciária SuperMax de Thomson. Fonte: Reprodução Augusto Esteca (2010).
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PENITENCIÁRIA FEMININA DA CAPITAL 1942 Em julho de 1942 foi inaugurada, em prédio anexo à Penitenciária do Estado (1920), a primeira penitenciária específica para mulheres no estado de São Paulo. Durante a ditadura civil-militar, o local recebeu algumas presas políticas, principalmente após a desativação do Presídio Tiradentes em 1972. Essa penitenciária, que chegou a integrar o Complexo do Carandiru, continua em funcionamento com o nome de Penitenciária Feminina da Capital, denominação assumida em 1973 (SECRETARIA DA CULTURA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2015).
Figura 56. M a p e a m e n t o GEGRAN 1974. A Penitenciária Feminina da Capital está localizada na parte direita da imagem, abaixo da Penitenciária Feminina de Sant’Anna. Fonte: GEGRAN (1974).
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CASA DE DETENÇÃO DO COMPLEXO DO CARANDIRU 1956 Em 1940 a Penitenciária do Estado atingiu sua lotação máxima e começou a passar por sucessivas crises. Na tentativa de resolver o problema, sob o governo de Jânio Quadros, foi construída a Casa de Deteção, em 1956, como um anexo à Penitenciária já existente, que elevou a capacidade de 1200 detentos para 3250. Ainda que esse anexo não se adequasse totalmente ao projeto original, o mesmo seguia os padrões da época, o modelo pavilhonar. Desde então, conforme a necessidade aumentava, novos pavilhões eram construídos, até o Complexo do Carandiru se tornar o maior complexo penitenciário do continente (ESPAÇO MEMÓRIA CARANDIRU, 2015).
Figura 57. Foto aérea Google Earth no ano 2000. Fonte: Geosampa (2000).
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Figura 58. Diagrama dos pavilhões do Carandiru, 1956. Fonte: Estadão (1956). Nos últimos anos, a concentração de criminosos tornou a administração insustentável. Os carcereiros costumavam dizer que o Carandiru funcionava “no piloto automático”, graças a acordos informais feitos com os próprios detentos. A grande quantidade de detentos no Carandiru sempre foi motivo de críticas de entidades internacionais e de defensores dos direitos humanos. A avaliação é que este modelo de prisão encontrava-se ultrapassado (ESPAÇO MEMÓRIA CARANDIRU, 2015).
A Casa de Correção de São Paulo recebeu muitas prisões políticas na época da ditadura Civil-Militar no Brasil, com distinção de salas para pessoas dos gêneros masculino e feminino. A ala feminina tinha cinco celas e era conhecida como Torre das Donzelas. Isoladas no que seria a torre de vigilância central, muitas permaneceram ali por anos, entre elas a ex-presidente Dilma Rousseff (TORRE... 2018).
Figura 59. Região externa das celas do Presídio Tiradentes, e ao fundo o que seria posteriormente chamada de “torre das donzelas”. Diagrama dos pavilhões do Carandiru, 1956. Fonte: Reprodução Heloisa de Santis Alfredo (2018).
TORRE DAS DONZELAS - DITADURA MILITAR 1964-1985 102
REFORMA PENITENCIÁRIA 1970 Visando à melhoria da condição prisional e a sua reinserção social, a reforma da década de 1970 apontou para a construção de unidades de porte menor e de regime penitenciário mais aberto. Segundo Esteca (2010, p. 101), “até então, os Códigos Penais brasileiros de 1890 e 1940 adotavam um modelo de centralização do sistema em grandes estabelecimentos ou conjuntos penitenciários”. Como afirma García Basalo (1959 apud ESTECA, 2010), esse era um modelo prisional singular em todo o continente latinoamericano. Essa reforma trouxe consigo a ideia da “descentralização penitenciária”, que implicava na reconfiguração dos princípios da arquitetura penitenciária, tanto os de ordem geral como o porte e tipo das unidades, quanto os específicos, como a organização do espaço e controle. As políticas, desde então, mesmo que pontualmente, buscam a descentralização (ESTECA, 2010).
A APAC é uma entidade civil de direito privado sem fins lucrativos, criada por um grupo de voluntários da Pastoral Carcerária voltada para a reabilitação de pessoas presas. A entidade opera com uma metodologia própria, baseada principalmente no respeito, na ordem, no trabalho, na família e no envolvimento com a comunidade. Apesar da metodologia existir há mais de duas décadas, apenas atualmente o sistema vem sendo reconhecido por sua eficiência (FARIA, 2011).
APAC - ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS 1972 103
Figura 60. APAC SANTA LUZIA, Minas Gerais. Primeira unidade APAC construída baseada em todos os princípios da entidade. Fonte: Reprodução HeloIsa de Santis Alfredo (2018).
Sob a filosodia de “matar o criminoso e salvar o homem”, a maior preocupação das APAC’s é a reabilitação dos recuperandos. Considerados presídios autogestionados, os recuperandos tem total responsabilidade sobre o local, possuem as chaves, circulam livremente pelos espaços, trabalham e realizam todas as atividades cotidianas necessárias para o funcionamento do local, pois a metodologia defende que tais atividades fazem parte do processo de reintegração na sociedade. As APAC’s operam como uma entidade auxiliar do Poder Judiciário e Executivo (FARIA, 2011).
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Figura 61. Dados sobre as APAC’s.Fonte: imagens elaboradas por Gabriela Papi a partir de dados de Ana Paula Faria (2011).
PADRÃO CAMPUS FINAL DO SÉC. XX Marco do início de uma mudança na visão da ciência penitenciária, o padrão campus foi desenvolvido no final do século XX e é o modelo mais utilizado atualmente. No entanto, a disposição dos edifícios agora é outra, sendo eles espalhados, distantes uns dos outros e próximos de áreas bem arborizadas com o objetivo de desfazer a brutalidade e rigidez geradas pelos espaços penais até então. Além disso, os muros não existem mais como símbolos de vigilância e de opressão, mas sim como delimitadores do espaço (CORDEIRO, 2009 apud ALFREDO, 2018).
Figura 62. Federal Correctional Institute Otisville, NY, USA, construído em 1981 no padrão campus, com todos os pavilhões distribuídos ao redor de uma grande área central. Fonte: Reprodução Heloisa de Santis Alfredo (2018).
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Figura 63. Dormitória da Prisão de Aranjuez. Fonte: BOL (2018).
A Prisão de Aranjuez, em cidade localizada na província de Madrid ES, é conhecida como a melhor prisão para as famílias, projetada para acomodar internas para que possam conviver com suas filhas menores de três anos de idade. As crianças nascidas na prisão podem ficar com suas responsáveis encarceradas em uma cela mais confortável, de até 150 metros quadrados, com cama de casal, berço e banheiro privativo. O espaço conta com uma creche e um playgroung, com o objetivo de evitar que as crianças percebam a situação real dos pais (BOL, 2018. Conforme publicado no jornal Taipei Times (2007), as crianças podem ficar com suas responsáveis na prisão até os três anos de idade, quando são enviadas para alguém da família e os seus progenitores são transferidos para celas comuns.
ARANJUEZ 1998 106
Figura 64. Fotografias de Centro de Ressocialização - CR do Estado de São Paulo. Fonte: Augusto Cristiano Prata Esteca (2010).
Baseando-se nas premissas da Reforma Penitenciária de 1970, o Estado de São Paulo desenvolveu, no ano 2000, o Centro de Ressocialização (CR): pequenas unidades penitenciárias em regime semiaberto espalhadas pelo interior da unidade federativa. O CR paulista é um bom exemplo da descentralização penitenciária sugerida por essa reforma, já que apresenta localização próxima ou dentro do perímetro urbano; barreiras perimetrais mais permeáveis; uso das áreas externas para trabalhos (horta); pátios com equipamentos como palco para apresentações; corredores amplos e sem postos de controle; maior contato entre a equipe dirigente e as pessoas presas; uso de esquadrias com estética mais leve, cores nas pinturas das paredes e uma geometria variada com retas e curvas (ESTECA, 2010).
CENTRO DE RESSOCIALIZAÇAO 2000 107
PRISÕES HUMANIZADAS SÉC. XXI No início do século XXI, uma nova visão sobre o encarceramento e suas relações espaciais surgiu na Europa, sendo aplicada nas chamadas “prisões humanizadas”. Baseada na teoria da reabilitação, reforma e correção, esta nova visão sobre os presídios busca tratar a causa do crime e oferecer uma arquitetura adequada para esse trabalho. Nesse sistema, os espaços passam a ser pensados para contribuir no desenvolvimento das habilidades pessoais de forma a dar assistência às internas , além de criar um ambiente agradável tanto para as funcionárias quanto para as detentas (MACHADO, 2015 apud ALFREDO, 2018).
O Justice Center Leoben é um tribunal e complexo prisional em Leoben, em Styria - Áustria, que foi projetado pelo arquiteto Josef Hohensinn, e iniciou um novo debate sobre a arquitetura penitenciária tornando-se uma referência para o tema. O partido do projeto foi baseado na ideia de fazer com que a vida no interior do presídio se aproximasse o máximo possível da vida cotidiana fora dele, já que dessa forma a ressocialização aconteceria de forma mais facilitada (WORLDS ARCHITECTS).
LEOBEN CENTRE OF JUSTICE 2004 108
Figura 65. Fachada principal da Leoben Prison. Fonte: Paul Ott (2020).
Figura 66. Cela da Leoben Prison. Fonte: Paul Ott (2020).
-Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. -Todas as pessoas privadas de liberdade devem ser tratadas com humanidade e com respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. Frases marcadas no perímetro do Leoben Centre of justice (LEWIS, 2009).
Além disso, o projeto evidencia sua nova visão da arquitetura penitenciária no momento em que, com uma harmoniosa fachada voltada para a cidade, o prédio do tribunal inserido no presídio surge como um edifício aberto e transparente representando a nova proposta de imagem da justiça . Não há um “palácio judicial”, mas sim um “serviço” aberto para os cidadãos (WORLD ARCHITECTS).
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HALDEN PRISON 2010 A prisão de Halden, em uma comuna na Noruega, foi projetada pelo escritório HLM arkitektur em colaboração com Erik Møller Arkitekter, e quando teve sua construção finalizada foi considerada a prisão mais humana do mundo. O partido desse estabelecimento diz respeito à questão de qual é realmente o objetivo do encarceramento: punição ou reabilitação? A unidade está localizada em uma área arborizada com vários edifícios, cada um com seu próprio visual e material. Dependendo do nível de segurança, as fachadas se alternam de madeira a tijolos escuros, considerando as cores e materiais pré-existentes nas rochas e vegetação da área (VINNITSKAYA, 2011).
Figura 67. Croqui da implantação da Halden Prison. Fonte: Erik Møller Arkitekter (2011).
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Figura 68. Grafite nas paredes da Halden Prison. Fonte: Erik Møller Arkitekter (2011).
Nossa missão não é puní-lo na prisão. Estar na prisão já é o castigo. Entendeu? Se ficar aqui dez anos e o punirmos por dez anos, quem você será quando for libertado? Frase retirada do episódio “Norway - The Perfect Prison?” da série Inside the World’s Toughest Prisons (2016).
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PRISÃO STORSTRØM 2017
Figura 69. Implantação da Prisão Storstrøm. Fonte: Torben Eskerod (2018).
A Prisão Storstrøm, projeto do escritório C.F. Møller, foi pensada desde seu partido como uma arquitetura auxiliar na situação mental e psicológica, bem como garantir a segurança e um espaço de trabalho ameno para as funcionárias. A equipe de arquitetura afirmou que um dos maiores desafiios do projeto foi acomodar cerca de 250 detentos no regime de segurança máxima sem que vivenciassem uma atmosfera institucional e anônima no ambiente. As unidades que abrigam as celas contam com acesso a uma cozinha compartilhada e à sala de estar, onde as pessoas presas preparam sua própria comida. Além disso, essas áreas sociais são pintadas com cores que se afastam da linguagem institucional, a qual pode soar austera. Outros pontos fundamentais do partido arquitetônico foram a presença de iluminação natural nas celas e a previsão de espaços externos e internos para a realização de exercícios físicos (ARCHDAILY, 2018).
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Figura 70. Sala de Yoga da Prisão Storstrøm. Fonte: Torben Eskerod (2018).
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A INEFICÁCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO 2.2
Atualmente, as prisões brasileiras são marcadas por diversas carências de natureza estrutural e processual que afetam de forma direta os resultados produzidos em relação à pretendida ressocialização e à saúde das pessoas presas. Estudos mostram que aspectos como superlotação, ócio, pouca quantidade de profissionais dedicados à saúde, ao serviço social e à educação, além de arquitetura precária e ambiente insalubre, alimentam o estigma e atuam como potencializadores de diferentes enfermidades e questões psicológicas, afastando cada vez mais a eficácia da ressocialização (CONSTANTINO; ASSIS; PINTO, 2016). Foucault (1975), por sua vez, sustenta que a prisão, de modo geral, pelo tipo de existência que faz as pessoas detentas levarem, não pode deixar de fabricar reincidentes. Ao forçar que fiquem isolados nas celas, instituir trabalhos inúteis para o qual não encontrarão utilidade no futuro, e ao imporem a eles limitações violentas, percebe-se que seu funcionamento se desenrola no sentido do abuso de poder, dificultando o aprendizado desejado aos internos: a valorização do cumprimento da lei. O filósofo comenta que a lógica da punição prisional acaba por afetar o caráter da pessoa presa de maneira incontornável. Tal situação persiste mesmo fora da prisão, em liberdade condicional, devido a constante vigilância da polícia, fator que as condena fatalmente à reincidência. Como sugere Cordeiro (2004, p. 79), em liberdade, “numa tentativa de protesto, veste-se uma roupagem de marginalidade que absorve desde a forma de expressão corporal e a linguagem, até a negação de valores morais pregados pela sociedade anterior [prisão]”. No que diz respeito à construção desses espaços, a lógica da falta de aparatos que
auxiliem a ressocialização dos detentos segue da mesma forma. A busca pela segurança, enfática em seus aspectos físicos brutais, em favor do controle das pessoas, agrava a tendência de desumanização do espaço penitenciário em relação a todas as pessoas envolvidas no sistema prisional, em especial as que estão presas. A qualidade dos espaços carcerários, como os pátios, os corredores e as celas, tem sido comprometida pelas problemáticas do sistema jurídico-penal (ESTECA, 2010). O impulso constante da segurança física nos pátios e, consequentemente, dos custos, está diretamente relacionado à redução das suas dimensões e equipamentos, como a área coberta, os sanitários e os mobiliários. “O pátio é pequenininho. É pequeno demais” (depoimento de preso, SÁ, 1990 p. 255 apud ESTECA, 2010, p. 144). A arquitetura acaba agindo como fator determinante para a depreciação da qualidade espacial e desconforto nesses lugares, que evidenciam a assistência mínima do Estado aos presos. Como declara Sá (ibid.), “a arquitetura não precisa atender a mordomias, mas precisa às necessidades vitais”. A penalogia tem procurado resolver, ou ao menos amenizar, os problemas decorrentes da aplicação das penas privativas da liberdade, tendo como objetivo a reintegração na sociedade. Porém, além dos fatores acima citados, o período em que uma pessoa é sujeita a privação de sua liberdade pode ser lido como uma morte social, já que ela é isolada de seu convívio, de suas dinâmicas cotidianas e de sua identidade. Concomitantemente, o mesmo indivíduo é inserido no que pode-se entender como a “coletividade da não-coletividade”, em que deverá reaprender normas de convívio que geralmente são avessas ao comum em sociedade. Em suma, o indivíduo morre e renasce diversas vezes, já que sua vivência na esfera pública foi interrompida por um lapso de tempo e espaço, afetando seu auto reconhecimento, assim como o reconhecimento pelos demais como ser social (CORDEIRO, 2004).
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Esta retrospectiva linear das tipologias penais no Brasil e no mundo se faz imprescindível para a compreensão da pena privativa de liberdade tal como se apresenta atualmente. Através da trajetória aqui descrita, entendese que a função da pena e das penitenciárias sofreu mudanças ao longo do tempo. A proposta de “Penitência” e o conceito de punição precisam, urgentemente, ter seus significados revistos e reconsiderados. Por isso, A arquitetura dos estabelecimentos penais, para o futuro, terá que produzir projetos, nos quais se observe, que o fim de todos esses arranjos arquitetônicos é o homem, não um homem comum, mas um especial, pois o homem preso tem e terá maiores atenções do Estado, da sociedade e do próprio arquiteto, vinculando a construção da prisão moderna à recuperação do delinquente, dando maior valor no projeto de um estabelecimento penal, para a escola, a biblioteca, o gabinete de observação psicológica, as oficinas, a granja, a clinica psiquiátrica, etc (GOMES, 1994, s/p. apud CORDEIRO, 2004, p. 81).
De acordo com as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros aprovadas pelo Conselho Econômico e Social da ONU, a função da prisão é proteger a sociedade contra o crime, cabendo ao sistema prisional assegurar que quando afastada da prisão, essa pessoa seja capaz de respeitar a lei e reinserir-se socialmente. Para que isso seja possível, é necessário que se reduzam as diferenças entre a vida intramuros e a vida extramuros, no sentido de garantir-lhe o acesso aos direitos civis que lhe cabem, bem como o exercício de sua cidadania (BRASIL, 2004). Conclui-se que é necessário priorizar, dentro do espaço carcerário, os direitos sociais de todos os indivíduos, sendo eles direitos reeducativos e humanitários, tais como educação, trabalho e convívio familiar. Esses fatores colaboram na formação da personalidade da reclusa, ao trazerem o hábito de autodomínio e disciplina social, e dão ao mesmo uma profissão a ser posta a serviço da comunidade fora das grades (CORDEIRO, 2004).
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SAÚDE NO ESPAÇO CARCERÁRIO 2.3
A situação preocupante em que estão inseridas as pessoas privadas de liberdade, refletida, dentre outros fatores, na precariedade de espaço físico, nas práticas de violência e na carência do atendimento à saúde, é uma realidade incontestável. Por mais que existam diversos tratados internacionais que definam normas e orientações para uma melhor implementação das unidades prisionais de todo o mundo, fica explícito que estas não vêm sendo seguidas. Quando recolhidas aos estabelecimentos prisionais, as pessoas acabam trazendo problemas de saúde, vícios e transtornos mentais, que podem ser gradualmente agravados pela precariedade das condições de estada, alimentação e salubridade das unidades prisionais. As condições de confinamento nas quais se encontram as pessoas privadas de liberdade são determinantes para o seu bem-estar físico e psíquico (BRASIL, 2004). Segundo o ONUSIDA (programa conjunto das Nações Unidas para o HIV/SIDA) (2001), estima-se que a população prisional esteja mais vulnerável às diversas formas de adoecimento, devido a múltiplos fatores. Entre eles, a falta de ventilação e iluminação natural dentro dos edifícios penitenciários. Chama a atenção o descaso com a iluminação, a ventilação e a temperatura do ambiente. Sá anotou um quadro de angústia e constrição derivado das características do espaço arquitetônico repressivo, ameaçador, austero e depressivo: “aqui, hoje, é fechado direto. Aqui é sufocado” (depoimento de preso, ESTECA, 2010, p. 128)
A falta de ventilação cruzada nos ambientes carcerários faz com que eles tornem-se lugares muito suscetíveis a alta proliferação de doenças respiratórias; entre elas a tuberculose, que, segundo Walter Vitti Junior (2005), apresenta indicadores cerca de 20 vezes maiores para a população privada de liberdade, em relação à que se encontra fora do sistema prisional, e a COVID-19, doença infecciosa causada por um coronavírus recémdescoberto, cujo vírus é transmitido principalmente por meio de gotículas geradas quando uma pessoa infectada tosse, espirra ou exala (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020), tornando estes lugares sem ventilação adequada altamente perigosos para a proliferação descontrolada da doença. Além das doenças respiratórias, as prisões também configuram alto risco para outras infecções. Francisco Job Neto (2019), em seu estudo sobre a prevalência de doenças infecciosas no sistema prisional, relatou que entre o período de 2007 e 2014, as doenças mais notificadas pelo Sistema de informação em saúde de prisões brasileiras foram a já citada tuberculose (70,1% do número total de casos notificados neste período), aids (7,5%), sífilis (5,6%), dengue (4,5%), e hepatites virais (3,5%). O autor ainda discorre que a saúde pública deveria ser combinada com a justiça criminal, de forma a oferecer assistência médica às pessoas encarceradas, já que, normalmente, elas vêm de lugares na sociedade onde exitem níveis significativos de saúde deficiente e exclusão social. Muitas detentas e dententos tiveram pouco ou nenhum contato regular com os serviços de saúde no período anterior ao de condenação (ibid).
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Figura 71.
Esteca (2010) alega que, no contexto da desumanização da pena, a atuação da arquitetura penitenciária vem sendo responsabilizada, quase que exclusivamente, pelo bem-estar das pessoas na prisão, assim como pela economicidade, pela operacionalidade e pela segurança da unidade penitenciária. E como o homem se adapta ao seu espaço arquitetônico, é-nos cabível pensar que o preso, ao longo de sua relação simbiótica com este espaço restrito e desumano, irá restringindo sua própria dimensão de vida, seus movimentos vitais, seus movimentos respiratórios, simbolicamente falando (ESTECA, 2010, p. 128).
Para além da saúde física, a saúde mental também é bastante prejudicada no ambiente prisional: uma pesquisa realizada com a população prisional de Santa Catarina relaciona os sintomas de depressão dos internos não a transtornos mentais específicos, mas sim ao ambiente insalubre, às celas escuras (com ventilação insuficiente e odor malcheiroso), à superlotação que obriga as presas a dormirem juntas em uma mesma cama ou até no chão, à má alimentação, ao sedentarismo (devido a falta de espaços adequados para a realização de atividades físicas), à convivência com pessoas violentas e agressivas (principalmente agentes penitenciários), o confinamento em “solitárias” em que o espaço é extremamente restrito, e
[Figura 71] Penitenciária Doutor Francisco de Oliveira Conde, no Acre. Fonte: Luiz Silveira/Agência CNJ (2017).
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a restrição de luz solar (CONSTANTINO; ASSIS; PINTO, 2016). É imprescindível reforçar que a premissa de que as pessoas privadas de liberdade, independentemente da natureza de sua transgressão, mantém todos os direitos fundamentais de todas as pessoas, inclusive o direito de desfrutar de padrões suficientemente adequados de saúde física e mental. Esses indivíduos estão privados de liberdade, e não dos direitos humanos inerentes à cidadania. Sendo assim, incluir no sistema de saúde as brasileiras e brasileiros que cumprem pena é cumprir um direito garantido pela constituição (BRASIL, 2004).
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2020 - COVID-19 e o Sistema Prisional A situação em que estamos vivendo no Brasil e no mundo torna inevitável separar um espaço deste trabalho para sua discussão. Além de motivar uma reflexão coletiva na sociedade e revolucionar os costumes e hábitos das cidadãs e dos cidadãos, a pandemia e o isolamento social imposto por ela nos trouxeram mais do que o temor pelo adoecimento da população, mas uma bruta constatação da ineficiência política por parte do governo federal em lidar com a situação (na contramão, em diversos momentos, das normas estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde), do aumento e intensificação da desigualdade social, na transformação do direito ao isolamento social em privilégio e no sucateamento da saúde pública. A gestão das prisões brasileiras é, neste momento, a manifestação gritante de todas essas problemáticas. O sistema prisional foi, e continua sendo, um dos personagens mais afetados pela pandemia da COVID-19, principalmente pela negligência do Estado para com as pessoas presas. A primeira medida adotada pelo governador paulista João Doria (PSDB) para com as prisões do estado foi a restrição de visitas familiares e saídas de presos. Decreto esse que não cogitou um novo regime para agentes penitenciários (considerados os principais disseminadores do vírus), o que gerou intensa insatisfação dentro dos presídios, resultando em fugas e rebeliões dos internos (HENRY, 2020). No dia 17 de março, o Conselho Nacional de Justiça (2020) recomendou, no período de pandemia, que as mulheres presas que fossem mães de crianças de até doze anos ou de pessoas com deficiência, gestantes, lactantes, indígenas, ou que fossem de grupo de risco, tivessem a saída antecipada, ou que seu cumprimento de pena fosse substituído para medidas socioeducativos em meio aberto, ou mesmo em prisão domiciliar. Porém, de acordo com informações divulgadas pela ANADEP - Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (2020), cerca de 208 gestantes, 44 lactantes e 12.821 mulheres responsáveis por crianças de até 12 anos continuam detidas em penitenciárias brasileiras neste período de pandemia. Embora o Supremo Tribunal Federal - STF tenha determinado a prisão domiciliar de detentas grávidas e/ou na guarda de crianças de até 12 anos, o judiciário segue arriscando a vida dessas dessas mulheres por negar a elas o habeas corpus. De acordo com o Infovírus (2020), a grande maioria dos argumentos utilizados pelos juízes para negar a liberdade dessas mulheres baseia-se em ideias patriarcais, machistas, misóginas e moralistas (ou seja, discriminatórias, ultrapassadas e inadequadas).
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Na pandemia, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) negou proporcionalmente mais conversões em prisão domiciliar a gestantes, mães ou mulheres responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência do que em períodos anteriores. 43,85% dos pedidos de domiciliar no período anterior à pandemia foram negados. Depois do seu início, as denegações chegaram a 55,55%. Os fundamentos mais recorrentes para negar a prisão preventiva tanto nas decisões anteriores quanto durante a pandemia foram a ausência dos requisitos descritos na lei e a ocorrência de “situações excepcionalíssimas”, não previstas na lei, e principalmente voltadas a julgamentos morais envolvendo o tráfico e o consumo de drogas. A pesquisa conclui que as situações excepcionalíssimas têm sido adotadas como regra e não como exceção, fazendo com que o direito não seja garantido na abrangência que deveria por lei. (INFOVÍRUS, 2020).
Além disso, em São Paulo (estado com a maior população carcerária do país, com mais de 234.500 pessoas), quem tinha direito ao regime semiaberto, com a pandemia, acabou tendo que ficar dentro da prisão, com poucas garantias de acessar o regime domiciliar conforme recomendação do Conselho Nacional de Justiça (2020). Sem acesso a prisão domiciliar ou ao desencarceramento, as penitenciárias estão em condições de alto risco para a contaminação do coronavírus. A colunista da UOL Maria Carolina Trevisan (2020) teve acesso a dezenas de cartas enviadas de detentas e detentos para suas famílias neste período de pandemia, que demonstram a preocupação, a angústia, o descaso e a desesperança, vide anexos 10, 11, 12, 13, 14 e 15. As celas superlotadas não permitem o isolamento, evidenciando a falta de cuidado das gestões com a saúde dessas pessoas. Nem as que apresentam sintomas claros da doença estão tendo o atendimento necessário, e nas enfermarias não cabe mais ninguém. Para mais, com os pavilhões superlotados, os funcionários e as funcionárias das prisões também relatam insegurança e medo, por falta de equipamentos e de testes; nota-se a falta de material de limpeza para desinfetar as celas, e surpreendentemente algumas internas nem chegaram a receber máscaras de proteção (TREVISAN, 2020). A situação é ainda pior para as mulheres. Desde que as visitas foram suspensas, muitas delas não conseguem ter conhecimento da situação de seus filhos, filhas, maridos, esposas, namorados, namoradas, irmãos, irmãs e demais familiares. Além disso, muitas delas dependem do “jumbo” (suprimentos enviados pela família) para ter acesso aos itens de higiene pessoal (como absorventes, que muitas vezes não são distribuídos pelo sistema prisional), alimentos e medicamentos.
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Sabemos que o mundo está sofrendo com a pandemia. Mas o que está acontecendo aqui é um genocídio em massa. Se é difícil para os homens, imagina para nós mulheres, que somos ainda mais esquecidas pela sociedade. Isso não é um desabafo, só é um pedido de socorro (relato de uma detenta, INFOVÍRUS, 2020). Carta manuscrita de interna da Casa de Prisão Provisória (CPP) do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. Além dessa carta, outro manuscrito de outra interna dizia que foram aplicados 12 testes em detentas da CPP, dos quais 11 resultaram positivo para a COVID-19.
As violências produzidas pela intersecção entre raça, gênero e cárcere são muitas, desde a desconsideração das especificidades e demandas das mulheres até a ocorrência de abandono afetivo. Essas violências são agravadas no contexto da pandemia do COVID-19, o que mostra a urgência do cumprimento da Recomendação nº 62 do Conselho Nacional de Justiça, que orienta o desencarceramento para a contenção do vírus (INFOVÍRUS, 2020). Os dados mais atualizados em relação ao índice de contaminação e de mortes nas prisões, no momento que escrevo esta nota (Setembro de 2020), de acordo com o Boletim da Secretaria de Administração Penitenciária (SÃO PAULO, 2020), são de que, no estado de São Paulo, foram registrados 34 óbitos, 184 casos suspeitos e 10158 detecções de infecções do novo coronavírus em pessoas encarceradas nos sistemas prisionais até o dia 10 de novembro. Além das custodiadas, foram contabilizados 31 óbitos, 82 suspeitas e 1086 casos confirmados entre servidores dos presídios em São Paulo. Entre julho e novembro de 2020, a quantidade de casos confirmados de Covid-19 por meio do exame “RTPCR” dentre os servidores do sistema, bem como na população prisional, cresceu aproximadamente 500%. Esses números demonstram aumento da contaminação entre a população prisional, de pelo menos dez vezes em comparação com os dias anteriores. Não há informações oficiais sobre o porquê desse aumento nos índices: se houve aumento da aplicação dos testes ou se a disseminação do novo coronavírus de fato se intensificou nas unidades prisionais paulistas (INFOVÍRUS, 2020). De qualquer forma, como relata Trevisan (2020), “é o retrato da negligência do Estado com pessoas sob sua custódia. No limite, é a morte como pena” (s/p).
ARQUITETURA SEGREGATÓRIA Relações espaciais e a questão de gênero
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Para o Estado e a sociedade, parece que existem somente 440 mil homens e nenhuma mulher nas prisões do país. Só que, uma vez por mês, aproximadamente 28 mil desses presos menstruam. Heidi Ann Cerneka
O ESPAÇO CARCERÁRIO E A QUESTÃO DE GÊNERO 3.1
No decorrer do tempo, a ótica masculina vem sendo encarada como regra para as medidas tomadas em relação ao sistema prisional brasileiro, que ao mostrar prevalência de políticas penais e serviços direcionados para homens, relega as diversidades que compreendem a realidade carcerária feminina (BRASIL, 2016). A mulher encarcerada no Brasil é submetida a uma condição de invisibilidade, condição essa que, ao mesmo tempo em que é sintomática, “legitima” e intensifica as marcas da desigualdade de gênero à qual as mulheres em geral são submetidas na sociedade brasileira, sobretudo aquelas que, por seu perfil socioeconômico, se encontram na base da pirâmide social, como é o caso das encarceradas (BRASIL, 2007, p.6).
O descaso com as estruturas arquitetônicas e equipamentos internos das instituições fechadas destinadas à população feminina tornam evidente o fato de que a formulação das políticas penitenciárias contempla unicamente os homens (BRASIL, 2007). As mulheres privadas de liberdade têm demandas e necessidades muito específicas, e o principal marco normativo internacional que discorre sobre essa problemática são as Regras de Bangkok – regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e definições de medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, aprovadas em dezembro de 2010 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (AGNU) – um dos seis principais órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU). Essa norma propõe uma visão cuidadosa para as especificidades de gênero no encarceramento feminino. Ainda que o Governo brasileiro tenha participado das negociações para a sua elaboração, as Regras de Bangkok ainda não foram incorporadas de forma adequada
nas políticas públicas do país (BRASIL, 2016). Segundo Braga e Angotti (2015), ainda que as penitenciárias femininas brasileiras tenham diferenças significativas entre elas – sendo umas mais garantidoras de direitos e melhor estruturadas do que outras -, pode-se dizer que nenhuma delas opera de acordo com os parâmetros legais vigentes da norma internacional, sequer operam de acordo com a Lei n° 7.210/84 – Lei de Execução Penal. O sistema penitenciário brasileiro é um lugar de exclusão social, de seletividades em prática extramuros e se constitui como um espaço de perpetuação das vulnerabilidades, onde nem mesmo os direitos à educação e ao trabalho são garantidos a todos os detentos e a todas as detentas. Nas unidades femininas, especificamente, essas opressões somam-se à violação dos direitos sexuais e reprodutivos e à falta de acesso à saúde especializada, como ginecologistas (BRAGA; ANGOTTI, 2015). Como reitera Queiroz (2015), as mulheres são esquecidas pelo próprio sistema prisional. Para elas são oferecidos os mesmos auxílios dados aos internos do gênero masculino, ignorando as diferenças e suas necessidades específicas.
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Figura 72.
Abaixo, foram destacadas as violações espaciais e institucionais que descartam as especificidades de gênero no ambiente carcerário. As categorias são definidas com base nas condições definidas no Relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil (2007), sendo elas11: A) B) C) D)
Condições Espaciais Degradantes Violência, Maus Tratos e Agressões Violência Sexual Acesso a produtos de higiene
[Figura 72] Interna apoiada nas grades de sua cela. Fonte: Ueslei Marcelino/Livro Presos que Menstruam (2015). 11. Seção baseada fundamentalmente no documento Relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil (BRASIL, 2007), salvo quando indicado.
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A) Condições Espaciais Degradantes Na prática, são raras as construções de unidades prisionais específicas para mulheres, nas quais seria possível alcançar o respeito às especificidades femininas e aos direitos humanos. Nota-se que quase todas as penitenciárias femininas existentes estão instituídas em edifícios “reformados”12, sejam eles antigas penitenciárias destinadas a pessoas do gênero masculino, ou prédios públicos em condições de desativação. No Espírito Santo, a estrutura arquitetônica do presídio feminino de Tucum preserva as instalações do hospital psiquiátrico adaptado, no ano de 1996, para receber as mulheres encarceradas. Outro caso similar é uma penitenciária feminina no estado do Pará, que ainda mantém as estruturas e instalações do antigo Centro de Reeducação de Menores, uso para o qual o edifício foi construído. Para mais, a penitenciária feminina do Distrito Federal também ocupa um edifício que outrora funcionava como um Centro de Menores Infratores, que foi desativado. Mas, nesse caso, o prédio de fato passou por uma readequação, em 1997, para abrigar mulheres. Em São Paulo, a antiga Penitenciária do Estado, projetada inicialmente em 1920 para detentos homens, foi desativada e “reformada” em 2005, para tornar-se a Penitenciária Feminina de Sant’Anna. Todavia, a adequação não atendeu as especificidades femininas, tampouco a função social de reeducação e ressocialização conferida à pena de privação de liberdade. Mesmo após denúncias realizadas na época, por parte de entidades que atuavam na defesa das mulheres encarceradas, nada no espaço foi alterado (BRASIL, 2007). Um exemplo dessa falta de adequação é a configuração dos banheiros: No local do vaso sanitário e do “chuveiro” há uma parede que teria a função de propiciar certa privacidade no banho ou no uso do toalete, mas que tem altura suficiente apenas para cobrir a visão até a cintura. Essa mureta é cortada no meio por uma porta, cujo centro é vazado, e sua frente dá justamente para o vaso sanitário, inviabilizando por conseguinte qualquer privacidade quando necessária. A mesma parede, que pretende conferir certa privacidade, foi construída na época em que a Penitenciária abrigava apenas homens e não tem altura suficiente para esconder os seios, por exemplo, não restando dúvida de que o prédio foi reformado sem observar qualquer especificidade feminina (BRASIL, 2007, p. 22). 12. As reformas dos estabelecimentos prisionais masculinos em estebelecimentos prisionais femininos no geral são pouco satisfatórias, já que costumam se tratar, geralmente, apenas de edifícios reutilizados para outros usos, e não devidamente adaptados arquitetônicamente.
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Em relação à capacidade, inicialmente essa penitenciária era indicada para 1200 homens, já quando foi inaugurada como uma prisão feminina, foi “adequada” para a capacidade de 2.400 mulheres. Mas os pátios, por exemplo, únicos lugares que configuram lazer, não possuem nenhum atrativo além do sol forte e sequer dispõe de algum equipamento mobiliário e arquitetônico como bancos ou quadras (BRASIL, 2007). Nos presídios mistos, a mesma situação se replica. Falta de coerência em relação às condições femininas são comuns, novamente mostrando que a política penitenciária se baseia apenas nas necessidades masculinas. Se não tem onde colocar mulheres, as botam no castigo, ou seja, o pior lugar da cadeia. Até a estrutura dos prédios é feita para homens. Os banheiros, por exemplo, são os chamados “bois”, ou seja, buracos no chão. Imagine uma grávida se agachando num lugar destes? Num presídio com trezentos homens e dez mulheres, quem você acha que vai trabalhar e estudar? Quem vai ter horário de banho de sol? A minoria? Os espelhos são uma lâmina onde elas se veem completamente deformadas. Imagine passar cinco ou seis anos se vendo assim e sem nunca observar seu corpo inteiro? Como você vai se imaginar? (QUEIROZ, 2015, p. 133)
B) Violência, Maus Tratos e Agressões A violência institucional praticada por agentes do Estado é constantemente relatada por mulheres às organizações da sociedade civil as quais elas têm acesso. Diferentemente do que acontece com os homens, torturas individuais são mais frequentes para as mulheres do que espancamentos coletivos, por mais que as práticas de castigo e humilhação contra as mulheres encarceradas também sejam frequentes. A tortura física e psicológica contra as mulheres é largamente utilizada por meio da violência sexual, que será comentada no próximo tópico, especialmente nas unidades prisionais de caráter misto, onde os funcionários muitas vezes são homens. São muitas as violências contra a integridade física e emocional das detentas; há relatos de tortura nos estados do Espírito Santos, de Goiás, de Minas Gerais, do Mato Grosso do Sul, do Paraná e de São Paulo. Contudo, é possível constatar que existem unidades prisionais nas quais qualquer tipo de abuso é severamente condenado pela diretoria responsável (BRASIL, 2007). [...] Quando cheguei na delegacia, apanhei muuuuuuuuuuito. A gente ficou separado. O meu irmão mesmo ficou desmaiado que nem um bicho panda, foi pro hospital e tudo. A minha irmã levou choque no bico do peito – é que minha irmã era muito boca dura. Eles dava choque pra ver se ela contava alguma coisa e ela respondia pra se vingar. Eu, eles colocava com a cabeça
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na descarga, na privada cheia de xixi. Bateram muito de um lado, quebraram os dentes da frente e tudo, Ixi! Apanhei muito. Nós ficou dois dias no Deic [Departamento Estadual de Investigações Criminais] sem comer, sem beber água, só pau. Pau mesmo, do feio (VERA, 201_ apud QUEIROZ, 2015, p. 121-122).
C) Violência sexual Além da violência institucional de agressões às pessoas privadas de liberdade, as mulheres encarceradas também estão sujeitas à bruta violência sexual praticada tanto por funcionários das próprias penitenciárias, quanto por presos masculinos em cadeias mistas. Os presídios mistos ainda são uma realidade no Brasil, onde homens e mulheres podem compartilhar um mesmo espaço físico. Na maioria das vezes, esses espaços são separados por muros ou alocados em alas diferentes, mas a realidade mostra que nem sempre essas barreiras são efetivas, o que pode ocasionar diversos problemas, entre eles, a ocorrência de abusos sexuais e a falta de privacidade. Um exemplo é o que acontece na Conjunto Penal de Paulo Afonso, na Bahia, onde as detentas dividem a cela com adolescentes, inclusive os de gênero masculino, já que esses não podem ficar na cela com os homens adultos. Nessa instituição, duas presas ficaram grávidas e todas reclamam da falta de privacidade. Além disso, muitas mulheres encarceradas no Brasil encontram-se sob a guarda de funcionários do gênero masculino, que possuem acesso direto às celas; situação, essa, muito frequente nas cadeias públicas (BRASIL, 2007). -Heidi, a Lei de Execução Penal determina que a guarda dos presídios femininos seja toda feita por mulheres, mas isso quase nunca acontece. E eu fico pensando uma coisa: quando os carcereiros e guardas são homens, não são comuns casos de estupro? - Forçar o sexo com violência física mesmo, não, eles não precisam disso porque existe a troca de regalias. - Como assim? - A presa pode até ter relações sexuais com o policial, mas ela ganha com isso. Na cabeça dela, ela não está sendo forçada, ela está tirando benefício. Por exemplo: num presídio que a gente visitou não tinha guarda feminina, só homem. E quem ficava na sala deles fazendo trabalhos era uma presa. Ela tinha seus benefícios, como acesso à internet e até jogos de computador. Eu imagino que ela tinha relação com os carcereiros, mas, para ela, ela que optou por isso, não foi obrigada. Não sei o quão frequente isso é, porque elas não contam. Se contarem, criam problemas com as outras presas que têm ciúmes e medo de que ela caguete ou traia a população porque está andando com a polícia (QUEIROZ, 2015, p. 243).
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As detentas que são vítimas de estupro e/ou que são persuadidas a terem relações sexuais em troca de benefícios ou privilégios não denunciam seus agressores por medo, ou até por não compreenderem que o sexo manipulado como moeda de troca é uma violação grave cometida por um agente público, que usa de abuso de poder institucional para coagi-las a realizarem atos em seu favor. A Pastoral Carcerária (ação pastoral da Igreja Católica Romana vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB) afirma receber notícias de presas sobre colegas que engravidaram de funcionários. Em alguns casos, inclusive, os próprios funcionários denunciam casos de colegas que chegaram a compelir as condenadas a manterem relações sexuais com eles (BRASIL, 2007). D) Acesso a produtos de higiene A grande parte dos presídios brasileiros não oferece às mulheres encarceradas quantidade satisfatória de produtos essenciais de higiene, como papel higiênico, pasta de dente, shampoo, entre outros (BRASIL, 2007). De acordo com a reportagem realizada por Paolieri e Machado (2015) com a autora Nana Queiroz, algumas prisões disponibilizam um “kit” básico dito mensal, mas que nunca dura o mês inteiro. Uma senhora presa, por exemplo - que não recebia visita de seus filhos há três anos -, relata que costumava recolher restos de jornal para usar como papel higiênico. A reportagem ainda informa que, em outras prisões, os itens de higiene pessoal são de responsabilidade da própria detenta, ou seja, torna-a dependente do que a família trará nas visitas. Isso se houverem visitas, uma vez que, como explicitado anteriormente neste trabalho (p. 66), é comum que as mulheres presas sejam abandonadas pela família e parceiros quando entram no sistema prisional. Portanto, sem visitas, essas mulheres não detêm de suprimentos básicos. [...] Em geral, cada mulher recebe por mês dois papéis higiênicos (o que pode ser suficiente para um homem, mas jamais para uma mulher, que o usa para duas necessidades distintas) e um pacote com oito absorventes. Ou seja, uma mulher com um período menstrual de quatro dias tem que se virar com dois absorventes ao dia; uma mulher com um período de cinco, com menos que isso. - Todo mês eles dão um kit. No Butantã, dão dois papel higiênico, um sabonete, uma pasta de dente da pior qualidade e um (pacote de) absorvente. Falta, né? E ninguém dá nada de graça pra ninguém – conta Gardênia (QUEIROZ, 2015, p. 182).
A problemática dos itens relacionados ao ciclo menstrual é ainda maior. Como constata a jornalista Queiroz (2015), alguns presídios oferecem
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um pequeno pacote de absorventes para o período de menstruação das mulheres, mas, ao conversar com diversas detentas, a jornalista percebe que essa quantidade não é suficiente para as que tem fluxos mais intensos e/ou mais duradouros. Existem notícias de que as mulheres que não contam com família ou amigas que possam ceder o produto durante o período menstrual, “passam todo o mês acumulando miolo de pão para improvisar absorventes durante o período menstrual” (BRASIL, 2007, p. 26). Tal situação também foi relatada por Nana Queiroz (2015) em suas entrevistas com as mulheres encarceradas, o que evidencia que a falta de cuidado com a disponibilização de produtos menstruais nos presídios continua sendo uma grande problemática. Infelizmente, situações degradantes como essas são comuns nos presídios femininos. Além disso, como esses itens de higiene e cuidados pessoais são escassos no ambiente prisional, junto a outros produtos (como cigarros), eles acabam sendo usados como moeda de troca dentro do cárcere feminino. Shampoo, cigarros, sabonetes, tintas de cabelo e esmalte são valiosíssimos dentro dos presídios femininos, mais ainda do que nos masculinos, já que muitas detentas procuram recuperar sua dignidade através da vaidade (QUEIROZ, 2015).
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Figura 73.
[Figura 73] Muitas vezes as mulheres encarceradas não têm alternativas senão usar miolo de pão como substituto do absorvente interno. Fonte: Alex Silva (2015).
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Figura 74.
[Figura 74] Mulheres presas recebem o mesmo nĂşmero de itens de higiene que homens, apesar de usarem o dobro do papel higiĂŞnico, por exemplo, e acabam se virando jornal velho. Fonte: Alex Silva (2015).
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Figura 75.
[Figura 75] Na prisão, é preciso ter criatividade para não passar (muita) necessidade. Meia velha vira coador de café, pilhas viram fogão e fósforo usado vira sombra preta. Fonte: Alex Silva (2015).
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Uma das raras instalações originalmente construídas para serem unidades prisionais femininas localiza-se no estado do Rio Grande do Sul, denominada Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Nela, o encarceramento de sentenciadas e não sentenciadas é feito separadamente (BRASIL, 2007) e Queiroz (2015) afirma que essa unidade foi a primeira penitenciária feminina do Brasil, fundada apenas em 1937 por freiras da Igreja Católica, e não pelo Estado. Antes disso, todas as mulheres condenadas cumpriam sua pena em cadeias mistas, o que era bastante complexo devido aos estupros que frequentemente ocorriam nas celas compartilhadas entre homens e mulheres. O presídio foi inaugurado com o nome Instituto Feminino de Readaptação Social, e na época era destinado a “criminosas, prostitutas, moradoras de rua e mulheres “desajustadas”.[...] Eram mulheres que não cometiam crimes necessariamente, mas que deixavam maridos ou eram rejeitadas pela família” (QUEIROZ, 2015, p. 131-132). Nesse espaço as condenadas aprendiam a bordar e a cozinhar, tarefas consideradas essenciais para que, quando voltassem à liberdade, encontrassem um marido. Foi apenas em 1981 que a administração do presídio passou da ordem das irmãs para o Estado. Em 2011, identificou-se no Rio Grande do Sul um aumento de 600% do efetivo carcerário feminino considerando um intervalo de quinze anos. Diante desse cenário, o Estado decidiu montar a primeira coordenadoria penitenciária da mulher do país e, para isso, foram realizados diversos estudos analisando quem eram as mulheres detidas naquele estado. Os resultados mostraram que apenas a Penitenciária Madre Pelletier possuía uma Unidade Materno-Infantil (UMI), além de que não eram feitos exames médicos na maioria das penitenciárias e os “kits” de higiene não eram suficientes. Após esses resultados, o Rio Grande do Sul voltou a ter destaque em relação aos presídios femininos no Brasil. No Madre Pelletier, foi instalado um ambulatório adequado, com ginecologista, nutricionista, dentista, psicóloga, enfermeira e médicas de clínica geral. No ano de 2015, 90% das detentas trabalhavam ou estudavam e os pátios internos foram decorados com cores divertidas e brinquedos para que os filhos e as filhas se distraíssem nos dias de visita. Também foi construído um salão de beleza para que as internas pudessem fazer cursos e cuidar de sua aparência se fosse de sua vontade (QUEIROZ, 2015). Apesar de a penitenciária ainda possuir diversos problemas, como as já comentadas falta de ventilação nas celas e ocorrência de revistas vexatórias, “sente-se ali um clima de evolução que, infelizmente, separa o Madre Pelletier, neste momento, da história do resto do Brasil (QUEIROZ, 2015, p. 134).
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Figura 76.
Mais um ponto que precisa ser considerado é o constante anseio por parte das detentas em tentar disfarçar os ambientes carcerários – que possuem características espaciais brutas e opressoras - por meio de enfeites e pinturas, especialmente em dias de visita. Varella (2017) relata que nas semanas antecedentes ao Natal, as detentas da Penitenciária Feminina de Sant’Anna passam dias enfeitando as paredes com desenhos de Papai Noel, bolas coloridas e fitas com dizeres de boas-festas em letra refinada. “Para disfarçar o ambiente de prisão, encapam as grades da gaiola de entrada com papel crepom de cores verde e vermelha, fitas coloridas e enfeites que imitam folhas de pinheiro pendem dos parapeitos dos andares superiores” (VARELLA, 2017, p. 39-40). E Nana Queiroz (2015) reitera uma situação semelhante na Penitenciária de Tremembé:
[Figura 76] Penitenciária Feminina Madre Pelletier, PoA. Fonte: Creative Commons (2017)
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A Penitenciária do Tremembé foi planejada para homens. Seus banheiros são masculinos, suas instalações são masculinas, seus uniformes são masculinos. E, mesmo assim, observando só a estrutura, é impossível não notar que ela é habitada por mulheres. Cada cela de porta marrom e sóbria tem um desenho colorido, uma ilustração infantil ou uma frase em grafia caprichada. “Vamos cuidar das nossas almas, que da nossa vida muitos já estão cuidando”, lê-se em uma delas. Nos murais dos corredores do presídio, estão afixados mostruários com opções de cortes e tinturas para cabelo e novas cores de esmaltes da Impala – serviços oferecidos por detentas tão caprichosas que atraem até mesmo as carcereiras e, eventualmente, funcionárias da direção do presídio. Recortes de flores coloridas feitas de cartolina fazem um arco na entrada da escola frequentada por algumas das apenadas. As paredes são um mosaico de cor-de-rosa, amarelo, azul-bebê, verde e laranja. Até a pequena lixeira de madeira do corredor das salas de aula é pintada à mão (QUEIROZ, 2015, p. 195).
As figuras 73, 74 e 75 revelam dinâmicas de desigualdade nas relações de gênero na sociedade e como isso se reflete e se reproduz de forma ainda mais cruel na realidade das mulheres privadas de liberdade. É comprovado que as mulheres encarceradas apresentam necessidades e demandas diferenciadas e específicas em relação àquelas manifestadas pelo gênero masculino e, por conta disso, o reconhecimento da relevância da análise do aprisionamento feminino enquanto categoria única é uma etapa fundamental para a compreensão do desenvolvimento do sistema prisional. É fácil esquecer que mulheres são mulheres sob a desculpa de que todos os criminosos devem ser tratados de maneira idêntica. Mas a igualdade é desigual quando se esquecem as diferenças. É pelas gestantes, os bebês nascidos no chão das cadeias e as lésbicas que não podem receber visitas de suas esposas e filhos que temos que lembrar que alguns desses presos, sim, menstruam (QUEIROZ, 2015, p. 19).
Por outro lado, é importante destacar que o aumento no número de pesquisas, livros e relatórios específicos para análise dos dados femininos nas penitenciárias brasileiras em comparação com décadas passadas demonstra a maior visibilidade que essa população vem obtendo. Mas não devemos ignorar o fato de que neste trabalho foram utilizadas diversas citações e dados provenientes do Relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil, pesquisa datada de 2007. Apesar de a pesquisa ser de 13 anos atrás, podendo estar desatualizada, sua utilização tem um motivo: a falta de relatórios mais recentes até o ano de 2020 que sejam tão detalhados e aprofundados como esse.
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Figura 77.
O Infopen Mulheres (BRASIL, 2017), sistema de informações estatísticas relativas à população penitenciária feminina, por exemplo, teve sua primeira versão apenas no ano de 2014, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e segue existindo até os dias atuais, tendo uma edição por ano. Contudo, ainda que se tenha mostrado um esforço em colocar as mulheres encarceradas emposição de análise individual, nenhuma das edições do Infopen Mulheres apresentou dados e estudos tão detalhados em relação às condições que as internas são sujeitas ou às estruturas espaciais dos presídios brasileiros como fez o Relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil (BRASIL, 2007), realizado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (diferentemente do Infopen, que é realizado pelo Depen - Departamento Penitenciário Nacional). A diferença entre esses dois documentos é perceptível em diversos âmbitos, mas principalmente no momento em que o Relatório (BRASIL, 2007) divulga detalhes das estruturas de prisões distintas por todo o Brasil, além de trazer discussões críticas em relação à diversas violências sofridas pelas mulheres dentro dos presídios; ao passo que o Infopen Mulheres (BRASIL, 2017) apresenta análises e dados generalizados em relação aos
[Figura 77] Mulher confeccionando artigo de crochê como alternativa de recebimento de dinheiro dentro da penitenciária, 2017. Fonte: Rodrigo Marcondes Garapa/Livro Prisioneiras (2017).
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presídios por estado federativo, sem contar com discussões e informações características e individuais de presídios específicos, fator que é de muita importância quando tratamos de uma análise cautelosa do sistema prisional para com as mulheres condenadas. Ademais, nos últimos dois anos, 2018 e 2019, o Infopen Mulheres, que até o ano de 2017 foi disponibilizado em formato PDF no site do Depen, foi substituído por um painel interativo com informações muito mais simplificadas e gerais em relação as mulheres encarceradas e aos presos num geral. Até é possível encontrar relatórios analíticos em relação aos presídios nesse período, mas o acesso se mostra muito menos facilitado do que os PDF’s relativos ao Infopen Mulheres dos anos 2014, 2016 e 2017.Essa situação é bastante grave, pois dissimula informações e dados destas mulheres inseridas nas penitenciárias brasileiras, indicando que, na verdade, pode-se entender que o Estado está andando na contramão do importante dever que é a disponibilização destes dados à população. Em conclusão deste subcapítulo, entende-se que as mulheres presas deveriam apenas, conforme a lei, sofrer limitações ao seu direito de ir e vir, “mas o descaso, a negligência e omissão do Estado no cumprimento de seus deveres dissemina violações de todos os demais direitos das presas que não deveriam ser afetados (BRASIL, 2007, p. 6). As questões que envolvem a maternidade, mulheres gestantes e lactantes e seus filhos/ as dentro do sistema prisional também condizem com violências de gênero – assunto que será tratado no subcapítulo a seguir.
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MATERNIDADE ATRÁS DAS GRADES 3.2
Como relata Martino (2020), apesar do crescimento acelerado na taxa de encarceramento feminino nos últimos anos, o sistema prisional no Brasil não apresentou mudanças efetivas na política penitenciária a fim de atender às necessidades e condições específicas do gênero feminino. Para além das já comentadas violações das necessidades para cada gênero inseridas no sistema carcerário, há ainda a realidade desumana e dolorosa pelas quais as gestantes e lactantes aprisionadas estão sujeitas. Além de o cárcere na maioria das vezes ser um local insalubre e de violações sistêmicas de direitos, Os espaços específicos para exercício da maternidade são excepcionais e localizados somente em algumas capitais brasileiras, não atingindo a população prisional de forma geral. Ainda assim, mesmo os estabelecimentos considerados modelos têm falhas estruturais e conjunturais que nos permitem afirmar que o exercício da maternidade de mulheres presas nos diversos contextos brasileiros é precário (BRAGA; ANGOTTI, 2015).
Acrescenta-se ainda que, durante o período mínimo de seis meses permitido pela Lei de Execução Penal (Art. 89 da Lei 7210/84) para amamentação, as mães convivem com seus bebês enquanto os enxergam como também reclusos, o que causa nelas a sensação de culpa ainda maior (MARTINO, 2020). Agravando essas situações, complementam Paolieri e Machado (2015), as torturas físicas são comuns nos presídios. Existem relatos de mães que foram agredidas fisicamente na barriga durante o período de gestação, ou até de mulheres que foram torturadas com seu filho ou sua filha no colo.
-Bater em grávida é algo normal para a polícia – respondeu Aline. – Eu apanhei horrores e tava grávida de seis meses. Um polícia pegou uma ripa e ficou batendo na minha barriga. Nem sei qual foi a intenção desse doido, se era matar o bebê ou eu. A casa penal me mandou pro IML para fazer corpo delito, mas não deu nada (QUEIROZ, 2015, p. 118).
A violência escancarada com as mulheres gestantes e lactantes é observada até mesmo no momento do parto. Queiroz (2015) narra casos nos quais crianças chegam a nascer no próprio presídio porque a viatura não chegou a tempo de levar a mãe para o hospital. Como também conta Heidi (201_, apud QUEIROZ, 2015), ativista que trabalha há mais de uma década com a causa da mulher presa na Pastoral Carcerária, já aconteceu de as próprias detentas, ou a enfermeira do presídio, fazerem o parto. Para as que são levadas ao hospital, outra forma de agressão é observada como o uso de algemas durante o trabalho de parto (QUEIROZ, 2015). Diante dessa situação, Martino (2020, p. 95) questiona: “Quem, em sã consciência, acredita que uma gestante, nessas circunstâncias, represente perigo a quem quer que seja e/ou tenha forças para fugir?”. Outra questão relevante que envolve o curto período de convivência entre mães e filhos/as dentro das prisões são os chamados paradoxos da hiper e da hipomaternidade, conceitos sugeridos por Braga e Angotti (2015). A hipermaternidade acontece devido ao fato de que, nestes espaços, as mulheres passam 24 horas por dia com seus/suas filhos/ as recém-nascidos/as, impossibilitando-as de frequentarem atividades e trabalharem. Já a hipomaternidade é a ausência de transição do momento de hipermaternidade, quando a convivência da mãe com seu filho/a é brutalmente interrompida após o período permitido para amamentação, sendo retirada do convívio materno e entregue para a família ou encaminhada para um abrigo (BRAGA; ANGOTTI, 2015). O momento da separação entre as mães e seus filhos, “quando o Estado define que elas não são mais essenciais à sua prole e decide retirar seus bebês do convívio materno” (MARTINO, 2020, p. 93), é considerado por Varella (2017) um dos momentos mais brutais do período de encarceramento para as mulheres. Martino (2020) acrescenta que essa situação provoca efeitos na criança, que podem ter reflexo durante toda sua vida, porque na maioria das vezes as mães só terão contato com seus filhos novamente anos depois, não tendo a oportunidade de assistir o desenvolvimento de suas crianças.
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Figura 78.
Figura 79.
[Figura 78] Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, em Vespasiano –MG, único presídio exclusivo para grávidas e lactantes no país. Fonte: Leo Drummond/Livro Mães do Cárcere (2017). [Figura 79] Detenta com seu bebê no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade. Fonte: Leo Drummond/Livro Mães do Cárcere (2017).
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Isso posto, o rompimento de qualquer vínculo estabelecido é inevitável, vide anexo 3. Além de tudo, não há separação de unidades entre presas condenadas ou provisórias, e o tempo legal de garantia de permanência de mães com suas filhas e filhos em local algum é plenamente respeitado. A estrutura punitivista e falha da justiça no Brasil, juntamente com a desatenção em relação aos direitos humanos, especificamente os reprodutivos e maternos, de mulheres encarceradas, provoca consequências gravíssimas a elas, como a perda de suas filhas e filhos e o impedimento da manutenção de vínculos familiares (BRAGA; ANGOTTI, 2015).
Figura 80.
[Figura 80] Criança no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade. Fonte: Leo Drummond/ Livro Mães do Cárcere (2017).
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A separação dos filhos é um martírio à parte. Privado da liberdade, resta ao homem o consolo de que a mãe de seus filhos cuidará deles. Poderão lhes faltar recursos materiais, mas não serão abandonados. A mulher, ao contrário, sabe que é insubstituível e que a perda do convívio com as crianças, ainda que temporária, será irreparável, porque se ressentirão da ausência de cuidados maternos, serão maltratadas por familiares e estranhos, poderão enveredar pelo caminho das drogas e do crime, e ela não os verá crescer, a dor mais pungente. Mães de muitos filhos, como é o caso da maioria, são forçadas a aceitar a solução de vê-los espalhados por casas de parentes ou vizinhos e, na falta de ambos, em instituições públicas sob a responsabilidade do Conselho Tutelar, condições em que podem passar anos sem vê-los ou até perdê-los para sempre (VARELLA, 2017, p. 45).
Paolieri e Machado (2015) concordam que os bebês nascidos no ambiente prisional têm seu psicológico afetado por sua rotina atrás das grades e sem contato social o mundo externo as penitenciárias. Ao passarem seus primeiros seis meses de vida dentro dos presídios, o mundo com o qual têm contato é restrito somente ao que está dentro dos muros das prisões e às pessoas que circulam por ali, sendo normalmente expostos a brigas entre internas. Por conta disso tudo, essas crianças acabam desenvolvendo comportamentos “limitados”, sem expressar grandes emoções. Já por parte das mães, é notável a problemática que se desenrola devido à ausência das mesmas no cotidiano de seus filhos, a partir do momento em que são separados depois dos seis meses. Nesse sentido, Queiroz (2015) relatou detalhadamente esta realidade, transcrevendo a vivência de uma detenta durante sua saída temporária: [...] Depois de quase seis anos, era a primeira vez que Safira podia fazer o café da manhã dos dois filhos – um de seus desejos imediatos na sua primeira saída do presídio no regime semiaberto. Colocou os copos na mesa, sorridente. Um dos meninos olhou aquilo com estranheza. –Mas você não sabe, mãe, que a gente não toma café, só toma Toddy? A frase caiu sobre ela com o peso dos anos perdidos. Em sete anos de prisão, chegara a ficar três sem vê-los. Perdeu o primeiro dia de aula, a primeira vez que andaram de bicicleta. O mais velho, de 13 anos, já tinha até uma namorada. “Eu não conheço meus filhos. Eu sou assim: eles sabem que eu sou a mãe deles, mas praticamente sou uma desconhecida.” (QUEIROZ, 2015, p. 21).
A violência institucional que sofrem as pessoas recém-nascidas é, infelizmente, ainda mais ampla. Em muitas unidades prisionais, o Estado ignora suas particularidades, assim como faz com as mulheres. As fraldas, por exemplo, são apenas frutos de doação e, se algumas unidades
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materno-infantis oferecem um lugar apropriado para crianças passarem seus primeiros meses de vida com atendimento médico adequado e berçário, outros presídios - como as unidades mistas -, normalmente contam com locais frios e úmidos, sem espaços sociais e com condições de higiene precárias, fatores que atormentam as crianças de maneiras que vão além da falta de cuidado físico (PAOLIERI; MACHADO 2015). Nesse sentido, para garantir o direito pleno de exercício da maternidade, é fulcral analisar a capacidade da infraestrutura prisional de assegurar direitos básicos das internas e de seus bebês. Para isso, serão analisados os dados provenientes do Infopen Mulheres (BRASIL, 2017).
Figura 81.
[Figura 81] Ala para gestantes e lactantes na Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru, zona norte de São Paulo. Fonte: Rubens Cavallari/Folhapress (2017).
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Figura 82. Crianças no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade. Fonte: Leo Drummond/ Livro Mães do Cárcere (2017).
Figura 84. Mulheres gestantes e lactantes no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade. Fonte: Leo Drummond/Livro Mães do Cárcere (2017).
Figura 83. Sala de aula no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade. Fonte: Leo Drummond/ Livro Mães do Cárcere (2017).
Figura 85. A ex-recepcionista Sarah de Oliveira com a filha Sofia, de 2 meses, na Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru, na zona norte de São Paulo. Fonte: Rubens Cavallari/Folhapress (2017).
Figura 86. A ex-recepcionista Sarah de Oliveira com a filha Sofia, de 2 meses, na Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru, na zona norte de São Paulo. Fonte: Rubens Cavallari/Folhapress (2017).
Figura 87. Interna e sua criança no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade. Foto: Leo Drummond/Livro Mães do Cárcere (2017).
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Um levantamento realizado pelo Infopen Mulheres em 2017 revela que haviam 342 grávidas e 196 lactantes inseridas no sistema prisional, sendo que 204 gestantes estavam em unidades que possuíam celas adequadas para essa situação. Isso quer dizer que aproximadamente 40% das grávidas tiveram seus direitos violados nesse aspecto. Todavia, a pesquisa realizada não informou quais foram os critérios aplicados para definir o que torna um local adequado ou não para gestantes, e essa ausência de informação pode interferir significativamente nos resultados obtidos.
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Mulheres gestantes e lactantes privadas de liberdade, por Unidade da Federação.
Figura 88.
[Figura 88] Mulheres gestantes e lactantes privadas de liberdade, por Unidade da Federação. Fonte: infográfico elaborado por Gabriela Papi a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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Estabelecimentos penais que têm celas/dormitórios adequados para gestantes, por Unidade da Federação.
Figura 89.
[Figura 89] Estabelecimentos penais que têm celas/dormitórios adequados para gestantes, por Unidade da Federação. Fonte: infográfico elaborado por Gabriela Papi a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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Estabelecimentos penais que têm berçário e/ou centro de referência materno-infantil, por Unidade da Federação.
Figura 90.
[Figura 90] Estabelecimentos penais que têm berçário e/ou centro de referência materno-infantil, por Unidade da Federação. Fonte: infográfico elaborado por Gabriela Papi a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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Estabelecimentos penais que têm creche, por Unidade da Federação.
Figura 91.
[Figura 91]] Estabelecimentos penais que têm creche, por Unidade da Federação. Fonte: infográfico elaborado por Gabriela Papi a partir de dados do Infopen Mulheres (2017).
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A figura 89 apresenta informações sobre a existência de estabelecimentos penais que possuem celas/dormitórios adequados para gestantes, por Unidades da Federação. No Brasil, apenas cerca de 14,2% das unidades prisionais que recebem mulheres possuem um espaço reservado para gestantes e lactantes, o que novamente evidencia a gravidade da realidade dessas mulheres. No que se refere às penitenciárias exclusivamente femininas, ou às unidades mistas, com berçário e/ou centro de referência materno-infantil (isto é, locais apropriados para que a mãe custodiada permaneça em contato com a/o recém-nascida/o até seus dois anos de idade e possa ofertar os cuidados necessários durante o ciclo da amamentação), o Infopen Mulheres (BRASIL, 2017) atestou que apenas 3,20% das unidades prisionais existentes no país contam com essa seção. Unidades prisionais essas que são capazes de atender 541 crianças, estando 176 localizadas em São Paulo, o estado com a maior população prisional do Brasil. O documento também relata que os espaços destinados à convivência mãe-filho/a “diferem muito entre os estados da Federação, existindo tanto unidades prisionais exclusivamente destinadas a este fim quanto alas, galerias ou prédios separados em penitenciárias femininas” (BRASIL, 2017, p. 72). Em relação às creches, apenas 0,66% das penitenciárias do país afirmaram possuir esse local, sendo capaz de atender até 152 crianças acima de dois anos de idade. Como indica Martino (2020), ao considerar que 75% das detentas têm filhos/as e o percentual de vagas disponível é baixíssimo em creches nas unidades prisionais, fica evidente a violação dos direitos inerentes sofrida por essas mulheres e pelas crianças. […] Glicéria e Eru dormiram no chão frio, até que uma das detentas antigas se apiedou e cedeu a jega aos dois. Ali não tinha berçário – era um presídio misto de homens e mulheres e, onde há os dois sexos misturados, a preferência é sempre masculina. Para elas e seus bebês, sobrava o espaço improvisado. (QUEIROZ, 2015, p. 141)”
Por mais que a legislação estabeleça que as mães privadas de liberdade devam permanecer com seus bebês durante o período mínimo de seis meses para amamentação – segundo o Infopen Mulheres (BRASIL, 2017), esse tempo de permanência difere entre as unidades prisionais, havendo estados nos quais a criança pode permanecer com sua mãe depois de um ano de idade – e que as penitenciárias devam possuir creches para atender as crianças filhas das internas. Sabe-se que a cadeia não é um local conveniente para nenhuma pessoa, menos ainda para uma criança que se encontra na primeira infância, em desenvolvimento (MARTINO, 2020). Porém, como afirma Queiroz (2015):
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Viver os primeiros meses de vida numa prisão certamente não é o ideal, mas é menos maléfico do que ser separado da mãe ao nascer. O dilema foi considerado por muitos especialistas. Ao final, psicólogos, pediatras e assistentes sociais concluíram que era melhor nascer preso do que nascer sem mãe. A lei brasileira garantiu, então, que ao menos os seis primeiros meses do bebê fossem vividos juntos dela, durante os quais ele seria amamentado (p. 116).
Para Martino (2020), essas medidas são paliativas e não se aplicam na realidade do sistema prisional. O sistema normativo jurídico, ao prever a presença de crianças nos presídios, partiu do pressuposto de que as demais normas estabelecidas na legislação, por exemplo as de salubridade, são seguidas na prática, o que, como pode-se observar na realidade atual do sistema prisional brasileiro, não é efetiva. No entanto, mesmo que sabendo que a grande maioria das unidades prisionais brasileiras não é adequada para gestantes e lactantes, existem presídios que podem ser considerados minimamente apropriados para a permanência delas. É o caso da Unidade Materno-Infantil do Centro de Reeducação Feminino (CRF) de Ananindeua, cidade vizinha de Belém PA. Queiroz (2015) conta que essa UMI foi o único presídio digno que visitou em quatro anos de pesquisa: os dormitórios tinham paredes coloridas, berços e camas, brinquedos e bichos de pelúcia, além de apresentarem boa ventilação e iluminação natural, com um pátio, consultórios e cozinha bem-equipados. Lá, como afirma a jornalista, um pediatra consultava as crianças semanalmente, fraldas e leite estavam sempre disponíveis no estoque (por mais que dependentes de 50% de doações da Pastoral Carcerária) e “as cinco gestantes e seis mães que ali viviam gozavam de bochechas coradas e energia” (p. 82). Ainda assim, essa e outras prisões modelos ainda não são o padrão ideal para a garantia plena de direitos das mulheres e das crianças.
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LEI Na esfera internacional, em dezembro de 2010, a AGNU, órgão da ONU, aprovou as Regras de Bangkok. Já no plano nacional, houveram três relevantes modificações legislativas para garantir o exercício de maternidade pela mulher privada de liberdade: [...] a Lei nº 12.962/14, que regula sobre o convívio entre pais em situação de pri¬são e suas filhas e filhos, a Lei nº 11.942/09, que assegura às mães reclusas e aos recém-nascidos condições mínimas de assistência exercício da maternidade, e, por fim, a Lei nº 12.403/11, que estendeu às gestantes e mães o direito à prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva. Ainda, tivemos a importante Resolução nº 3 do Conselho de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) de 15 de julho de 2009, que disciplina a situação de filhas e filhos de mulheres encarceradas e institui o prazo mínimo de um ano e seis meses para que suas crianças permaneçam consigo (BRAGA;ANGOTTI, 2015, p. 30).
Abaixo, foram reproduzidas algumas tabelas apresentadas na pesquisa Dar à Luz na Sombra (2015), realizada por Ana Gagriela Braga e Bruna Angotti, que detalham algumas das recentes mudanças e propostas de alteração desse quadro político e sistematizam a legislação nacional e internacional a respeito do tema.
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Figura 92.
13. Regra adicionada a tabela prĂŠvia de Braga e Angotti (2015).
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Figura 93.
Figura 94.
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Figura 95.
Figura 96.
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Figura 97.
Figura 98.
[Figura 92-98] Recentes mudanças e propostas de alteração da legislação nacional e internacional a respeito do exercício da maternidade no cárcere, 2015. Fonte: tabelas reformuladas pela autora a partir de dados de Braga e Angotti (2015).
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Além das normas apresentadas acima, o Marco Legal da Primeira Infância, alterando o Código de Processo Penal e certificando sua preocupação com as crianças na primeira infância, acrescentou os casos de aplicação do sistema da prisão domiciliar, ao incluir toda a gravidez, assim como homem e mulher com filhos/as menores de doze anos. Vide o artigo 318 do código penal pertencente ao decreto de lei nº 3.689: Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). IV – gestante; V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos (BRASIL, 1941).
Dessa forma, nota-se que a própria legislação brasileira sugere que as mães de crianças que se encontram na primeira infância e as mulheres gestantes não devem permanecer no cárcere, tendo direito a cumprir sua pena em prisão domiciliar. Contudo, [...] infelizmente o novo diploma legal não abarcou expressamente a questão das mães em cumprimento de pena e a possibilidade de substituição do regime prisional. Apesar disso, diante da necessidade de que toda norma seja interpretada de acordo com a Constituição e com os Tratados Internacionais, o referido dispositivo, juntamente com todo o ideal posto pelo Marco Legal da Primeira Infância, deve ser visto como autorizador para aplicação do regime domiciliar, não apenas para o caso de prisão cautelar, mas também para as prisões definitivas, substituindo qualquer tipo de regime de pena (aberto, semiaberto ou fechado) [...] (SILVA, 2016, p. 282).
Em suma, considerando que Braga e Angotti (2015, p. 22) concluem que “toda gestação no espaço prisional é uma gravidez de alto risco”, e que Silva (2016) infere que o melhor interesse da criança seria o afastamento do cárcere, sem que isso signifique a falta de convivência com sua genitora, conclui-se que a prisão domiciliar é o tipo de pena menos prejudicial tanto para as mães e gestantes privadas de liberdade, quanto para suas filhas e filhos, constando em diversas normas apresentadas acima, inclusive na legislação nacional e internacional. Porém, ainda que presentes nessas normas, observa-se que este direito vem sendo negado a diversas internas do sistema prisional. Segundo reportagem de Boehm (2019), a pesquisadora Irene Maestro, do Instituto Terra, Trabalho
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e Cidadania (ITTC), afirmou que existe uma resistência do judiciário na aplicação da prisão domiciliar, muitas vezes por um forte cunho moral. Nas audiências de custódia das detentas do Centro de Detenção Provisória de Franco da Rocha, cerca de 83% das mulheres que eram possíveis beneficiárias tiveram o direito a prisão domiciliar negado. A gente percebe que o judiciário julga a mulher não apenas por ter infringido a lei, mas por estar infringindo um ideal de maternidade. Os argumentos utilizados pelos juízes mostram que ser mãe e cometer um crime faz com que a maternidade dessa mulher seja deslegitimada, seja menos merecedora de proteção, que ela não mereça a manutenção do vínculo com seus filhos”, disse Irene (BOEHM, 2019, s/p).
Sendo assim, lidando com a realidade atual das mulheres gestantes e lactantes privadas de liberdade e suas crianças, é fundamental que, com urgência, sejam elaboradas e, principalmente, de fato implementadas políticas que tratem da permanência do bebê com a mãe, que privilegiem o desencarceramento e, em casos de continuidade na prisão, que essa convivência aconteça em ambiente confortável e em condições de salubridade adequada para ambas as partes, com recursos e suporte que garantam os direitos destas mulheres e de suas filhas e filhos (BRAGA; ANGOTTI, 2015).
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Figura 99.
[Figura 99] Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade. Fonte: Leo Drummond/ Livro Mães do Cárcere (2017). [Figura 100] Desenho de uma detenta com seu bebê. Fonte: Amanda Marinho/Intercept Brasil (2020).
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VISITA Á PENTITENCIÁRIA FEMININA DE SANT’ANNA 3.3
No dia 18 de fevereiro de 2020, realizei uma visita técnica14 à Penitenciária Feminina de Sant’Anna, unidade exclusiva de regime fechado, localizada na Avenida Zaki Narchi. Por sorte, e talvez por certa ansiedade de começar o quanto antes o processo de meu TFG, com auxílio do Comitê de Ética da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), consegui agendar uma ida à essa simbólica penitenciária da cidade de São Paulo logo no início deste ano, antes de todo o contexto pandêmico da COVID-19 atingir o Brasil. A ideia inicial do processo metodológico deste trabalho era visitar mais alguns presídios femininos no Estado de São Paulo, mas, infelizmente, o cenário que vivenciamos nesses últimos meses, e que continuamos vivenciando atualmente, impossibilitou esse processo. De qualquer forma, fico satisfeita de ao menos ter conhecido a Penitenciária Feminina de Sant’Anna, unidade prisional considerada modelo no Brasil.
Neste dia, pedi ao meu namorado que me acompanhasse da estação Santana do metrô até o grande portão da penitenciária. Não por medo ou receio da visita técnica em si, mas sim pela aflição de, como mulher, caminhar sozinha nos arredores daqueles muros enormes e amedrontadores que circundavam uma calçada razoavelmente estreita, com quase nenhuma movimentação, uma vez que o entorno tem baixa densidade populacional e é ocupado, basicamente, por casas de baixo gabarito, mecânicas antigas, estacionamentos, alguns comércios e postos de gasolina. Esse é o reflexo do tamanho da influência que muros tão altos como de uma penitenciária, que está inserida na região quase central de uma metrópole, possui no entorno urbano, impactando a experiência de pedestres.
14. Como dentro das instalações penitenciárias não é permitido o uso de celulares ou câmeras fotográficas, só foi possível realizar os registros fotográficos da parte externa do edifício. Por isso, apresentarei neste subcapítulo algumas fotos desta penitenciária já publicadas no livro Prisioneiras, de Drauzio Varella (2017), ou no site da Secretaria de Administração Penitenciária (2020). Da minha experiência no interior do edifício restam as memórias que irei compartilhar por meio de narrativas textuais e desenhos.
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Figura 101.
Figura 102.
[Figura 101] Entorno da Penitenciária Feminina de Sant’Anna. Fonte: Giovanna Barbosa Bianchini (2020). [Figura 102] Entorno da Penitenciária Feminina de Sant’Anna. Fonte: Giovanna Barbosa Bianchini (2020).
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Figura 103.
[Figura 103] Entorno da Penitenciåria Feminina de Sant’Anna. Fonte: Giovanna Barbosa Bianchini (2020).
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Figura 104.
Chegando lá, informei a funcionária da guarita do portão principal sobre minha visita técnica; ela autorizou minha entrada e me indicou o caminho enquanto meu namorado me esperava ao lado de fora. Assim que entrei pelo grande portão da Avenida Zaki Narchi, fui conduzida por um corredor de asfalto cercado de árvores altas e volumosas. Ao chegar ao fim do corredor, marcado por um edifício com os dizeres na fachada “Instituto de Regeneração”, viro à direita conforme orientado pela guarda.
[Figura 104] Portão de entrada da Penitenciária Feminina de Sant’Anna. Fonte: Giovanna Barbosa Bianchini (2020).
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Figura 105. Planta da Penitenciária Feminina de Sant’Anna com esquema do caminho percorrido na visita realizada. Fonte: Abrahão de Oliveira (2013) editada por Giovanna Barbosa Bianchini (2020).
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Figura 106.
Figura 107.
[Figura 106] Entrada da Penitenciária Feminina de Sant’Anna. Fonte: Giovanna Barbosa Bianchini (2020). [Figura 107] Entrada da Penitenciária Feminina de Sant’Anna. Fonte: Giovanna Barbosa Bianchini (2020).
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Figura 108.
[Figura 108] Entrada principal da Penitenciåria Feminina de Sant’Anna. Fonte: Giovanna Barbosa Bianchini (2020).
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Abaixo de uma cobertura metálica, avisto algumas pessoas carregando diversas sacolas fazendo-me presumir que eram familiares das detentas. Foi quando me dei conta de que aquele era o local onde familiares entregavam o “jumbo”, apelido que as presas dão ao pacote de produtos e mantimentos. Em seguida entrei pela porta localizada após a bancada de entrega do jumbo e informei a funcionária da SAP sobre meu agendamento: - Mas só veio você? Eu respondi que sim e que uma amiga até vinha junto, mas infelizmente não conseguiu comparecer. Pela feição que a mulher apresentou, me pareceu que não era comum que pessoas visitassem à penitenciária sozinhas, e sim em grupos. Contudo, logo ela me informou que nesse caso um dos diretores do presídio me conduziria para a visita. Honestamente, fiquei um pouco nervosa, provavelmente por ter uma imagem distorcida ou exagerada de como seria a figura do diretor de uma penitenciária tão grande e importante como aquela. Passei pela esteira do detector de metais, guardei minha mala com meu celular e demais pertences nos armários e perguntei se eu poderia levar um caderno e lapiseira. - Lapiseira não, só caneta com plástico transparente.
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Figura 109.
Depois de alguns minutos, chegou na sala de revista um homem de aproximadamente 60 anos com camiseta preta e calça jeans - assim como todas as pessoas da equipe de funcionários que eu havia visto -, e se apresentou como João Almir de Souza15, o diretor de disciplina do Pavilhão 3. Muito simpático e disposto a me ajudar com minha pesquisa, João me direcionou ao corredor que dava, agora sim, para a entrada principal do edifício da penitenciária. Na parte mais alta da fachada do edifício, a frase “Aqui, o trabalho, a disciplina e a bondade resgatam a falta cometida e reconduzem o homem à comunhão social” me chamou a atenção. Queiroz (2015) parece ter tido a mesma sensação quando visitou esta penitenciária, passando por uma situação peculiar: Leio, em voz alta, a inscrição no alto da Penitenciária de Sant’Anna: - “Aqui o trabalho, a disciplina e a bondade resgatam a falta cometida e reconduzem o homem à comunhão social” No final da frase, uma funcionária cochicha ao meu ouvido: - Mentira... (QUEIROZ, 2015, p. 165).
[Figura 109] “Jumbo” da Penitenciária Feminina de Sant’Anna. Fonte: Giovanna Barbosa Bianchini (2020).
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Figura 110.
Ao entrar pela porta de cima, que leva ao setor administrativo, observei na parede uma placa que marca o nome do arquiteto Ramos de Azevedo, a data da construção da Penitenciária (13/05/1911) e a data de fundação dela, originalmente denominada Penitenciária do Estado (21/04/1920), que por coincidência completou 100 anos neste ano de 2020. No centro do corredor central, vejo também uma maquete detalhada de todo o complexo prisional. A arquitetura do presídio, de maneira geral, é formada por uma planta simétrica e possui três pavilhões (cada um com quatro andares). Cada pavilhão é cortado ao meio pela galeria central, dividindo-os em duas alas de celas. Quase todas as paredes internas são pintadas de branco e de azul claro.
[Figura 110] Entrada da Penitenciária Feminina da Capital. A porta de cima leva ao setor administrativo; o portão azul, abaixo da escadaria, dá acesso às galerias. Fonte: Secretaria de Administração Penitenciária (2020).
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Figura 111.
Em seguida, o diretor me perguntou o que eu precisava visitar especificamente, e eu disse que seria significativo conhecer tudo que me fosse permitido, considerando que, como estudante de arquitetura, me interessavam todas as questões espaciais, inclusive as da área de saúde. Infelizmente, não fui autorizada a visitar essa última, já que “arquitetura nada tem a ver com saúde”, segundo uma das funcionárias que cochichou para o diretor quando ele perguntou da possibilidade a ela. Por isso o acesso a essa ala só está permitido para visitação de estudantes de medicina. Não relutei, por mais que fosse importante analisar as condições desses espaços: se dispunham de iluminação e de ventilação natural, fatores essenciais para um ambiente adequado para consultas e procedimentos médicos. Antes de prosseguirmos com a visita, após algumas perguntas, fui informada que existe um diretor para cada pavilhão na Penitenciária Feminina de Sant’Anna (totalizando em três), mais um diretor geral, o Maurício Guarnieri. Soube também que, naquele momento, a prisão abrigava cerca de 2300 detentas, sendo que a capacidade total era de 2400. Entre elas, 18 eram gestantes e quatro delas haviam acabado de ser transferidas para a Penitenciária Feminina da Capital, presídio ao lado, também no Complexo do Carandiru, que conta com uma ala de maternidade. Por fim, quando perguntei sobre a quantidade de ginecologistas trabalhando no local, me responderam que apenas três médicas estavam de serviço no local. [Figura 111] Maquete do complexo prisional da Penitenciária Feminina de Sant’Anna. Fonte: Secretaria de Administração Penitenciária (2020).
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Figura 112.
Figura 113.
[Figura 112] Mulheres fazem laborterapia em oficinas de trabalho. Fonte: Secretaria de Administração Penitenciåria (2020). [Figura 113] Porta de uma das oficinas de trabalho. Fonte: Rodrigo Marcondes/ Livro Prisioneiras (2017).
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Primeiramente, João sugeriu que fossemos até às oficinas de trabalho, que no total são 24, nas quais cerca de 60 ou 70% das detentas prestavam serviços. No caminho para a primeira oficina, vi uma sinalização de que a Penitenciária Feminina de Sant’Anna foi inaugurada no dia 8 de dezembro de 2005, no governo de Geraldo Alckmin e José Serra (PSDB). Assim que descemos as escadas da entrada principal e nos direcionamos aos longos corredores a céu aberto na lateral do edifício, perguntei a ele por que a penitenciária havia mudado de masculina para feminina. Ele respondeu que, enquanto unidade masculina, a penitenciária abarcava muitas rebeliões, o que era um problema por estar inserida no meio da cidade de São Paulo (ao contrário de como sugere a lei, que estabelece a construção de presídios masculinos em locais afastados dos centros urbanos). Na opinião dele, a decisão de transformar a penitenciária para uma unidade feminina foi acertada porque “mulher já não faz tanta bagunça que nem homem”.
Figura 114.
[Figura 114] A caminho das oficinas, as funcionárias que gerenciam o trabalho das presas nos corredores laterais do edifício. Fonte: Rodrigo Marcondes/Prisioneiras (2017).
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Chegando às oficinas do 1° Pavilhão, fui apresentada às funcionárias que ficavam em uma mesinha central na porta de cada sala. Em cada uma delas, estava também a “mestrin”, detenta que tem como cargo direcionar as outras. Neste primeiro pavilhão ficavam as oficinas de fábrica de botões, algumas que envolviam manuseio gráfico e até a construção de medidores de gás e hidrômetros (para algumas atividades as internas precisam passar por uma prova para serem selecionadas). A rotina de trabalho dessas mulheres é das 7:00h às 19:00h, de modo que, nota-se, as trabalhadoras dentro das penitenciárias não contam com os mesmos direitos das trabalhadoras do lado de fora, conforme confirma Queiroz (2015): Para a maioria das detentas, trabalhar é um privilégio. Permite que ocupem a cabeça, mandem dinheiro para casa e, a cada três dias trabalhados, redimam um da pena. Elas não têm os mesmos direitos garantidos aos trabalhadores livres, como férias, licença-maternidade e décimo terceiro salário (QUEIROZ, 2015, p. 170).
Enquanto as funcionárias da administração das oficinas me diziam que, além do trabalho, a penitenciária contava com atividades como oficinas de costura e de pintura, cursos de cabelereiro e até yoga. Nesse momento, uma das internas reclamava com João e comigo, em tom de brincadeira, sobre alguma decisão recente que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) havia tomado em relação à pena, da qual não me recordo detalhadamente. Em seguida andamos novamente pelo corredor lateral da penitenciária e fomos em direção ao segundo pavilhão, onde existiam mais algumas oficinas no térreo (material cirúrgico, montagem de equipos de soro, tecidos costurados para hospitais, etc). Ao subir uma escada, fui apresentada às salas de aula, biblioteca e às oficinas de manuseio de itens para festas que ficam no primeiro pavimento. Todas as portas destes espaços estavam decoradas com papel EVA e letras cursivas detalhadas escritas pelas internas, informando o que faziam dentro de cada uma das salas.
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Figura 115.
A área destinada ao ensino possuía uma sala de aula para cada período escolar: Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio. Logo ao lado está a biblioteca, de onde uma detenta que estava encarregada me deu um sorriso simpático. Ainda no mesmo corredor estava uma oficina de produtos de festa, a respeito da qual o diretor contou orgulhoso sobre os itens que as detentas estavam preparando, e me informou onde eu poderia comprá-los se precisasse algum dia, na frente do quartel. Devido à existência desses espaços de ensino, trabalho e lazer que a penitenciária oferece, esta unidade é considerada um modelo nacional. No entanto, ainda que se mostre como uma unidade prisional quase adequada para a garantia de direitos, percebi em alguns locais que sua salubridade é problemática, assim como notou Nana Queiroz (2015): No topo da sala úmida, próximo ao teto, existem manchas de musgos esverdeados quase do tamanho de uma pessoa. E a situação não muda muito quando Érica desce as escadas e passa pelas oficinas de trabalho aonde algumas garotas têm ocupações não tão boas quanto a dela. Logo ao pé da escada, algumas detentas passam o dia contando talheres plásticos e embalando-os. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Nove. Dez. Fecha a embalagem. E de novo. Sem luvas higiênicas ou encosto nas cadeiras. A luz, parca. (p. 169).
[Figura 115] Na montagem de equipos de soro são observadas regras rigorosas para evitar contaminação. Fonte: Rodrigo Marcondes/ Livro Prisioneiras (2017).
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É importante citar também que, por mais que estas mulheres tenham a oportunidade de trabalhar e ganhar um salário (mesmo que mínimo), o trabalho que exercem é extremamente mecânico e repetitivo. Durante o percurso por essa área da penitenciária, diversas internas, ao avistarem o diretor, vinham com pressa e urgência de conversar com ele sobre algumas pendências em relação a família; se havia chegado alguma carta, ou se ele poderia conferir algum documento ou requerimento da justiça. A forma como falavam informalmente e amigavelmente com ele me aparentou que tinham uma boa relação. -Doutor, você sabe se o meu pedido teve algum retorno? – Foi uma frase que ouvi pelo menos três vezes na breve visita. Antes de sairmos desse pavilhão, o diretor me conduziu até a outra extremidade de onde ficavam as salas de aula, em direção à parte mais interna do edifício, e apontou para um pequeno buraco na grande parede de alvenaria, indicando que eu deveria olhar por ele. Lá, avistei os longos e escuros corredores das celas. A sensação que me veio após essa situação foi a que mais me marcou em toda a visita. O ato de ver parcialmente aqueles corredores simbolizou o meu olhar tão limitado sobre a realidade dessas mulheres, de forma que nunca estarei completamente ciente de suas vivências. O pequeno buraco na parede, a quase “omissão” dessas celas simbolizou a distância gigantesca entre nossas realidades e direitos, e acima de tudo, o lugar privilegiado gritante no qual me insiro na sociedade, sendo uma mulher branca e de classe média.
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[Figura 116] Representação da imagem que olho através do pequeno buraco em direção às celas da Penitenciária Feminina de Sant’Anna. Técnica mista de colagem e desenho, Fonte: Giovanna Barbosa Bianchini (2020)
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Figura 117.
Por fim, chegamos ao último pavilhão, onde visitei outra oficina de itens decorativos de festas, no térreo. O trabalho era, como sempre, muito mecânico, envolvendo dobraduras, colocação de etiquetas, contagem e montagem de embalagens. A “mestrin” dessa ala me explicou com muito conhecimento sobre o que se fazia naquela oficina. Depois disso, já voltando para a entrada e me despedindo, perguntei a João sobre a existência de um local específico para visitas íntimas. -Ué, nas celas mesmo. Infelizmente não tive permissão para visitar as celas das internas, Varella (2017) e Queiroz (2015) relatam com detalhes as características desses ambientes: As celas contém duas camas de concreto, uma porta de madeira maciça dotada de um pequeno guichê com uma cortininha de pano, para a passagem do café da manhã e do jantar e para possibilitar o acesso visual às funcionárias encarregadas das contagens diárias, realizadas religiosamente antes de o dia clarear e depois da tranca das cinco da tarde. Na parede oposta à porta, há uma janela gradeada com vista para um pátio entre os pavilhões, na qual as mulheres improvisam varais pendurados para o lado de fora, a fim de secar camisetas, calças, roupas íntimas e os tapetinhos
[Figura 117] Interior de um dos pavilhões. Fonte: Rodrigo Marcondes/Livro Prisioneiras (2017)
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que forram o chão do xadrez “para não apanhar friagem nos pés” (VARELLA, 2017, p. 23). Tanto no pavilhão onde ela mora quanto nos dois outros, as paredes são brancas, as portas das celas azuis e grande parte do ambiente é decorada com desenhos de corações e pessoas de roupas coloridas, que as próprias detentas fazem nas paredes (QUEIROZ, 2015, p. 171).
Em relação à salubridade das celas, Queiroz (2015) descreve que elas têm bolores tão grandes quanto os dos ambientes de trabalho, além de que “os corredores centenários são escuros, úmidos e frios.” (p. 173).
Figura 118.
[Figura 118] Interior das celas. Fonte: Secretaria de Administração Penitenciária (2020).
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É indispensável ressaltar que a penitenciária não conta com instalações acessíveis para pessoas com necessidades especiais (PNE), sendo que estas dependem dos cuidados das companheiras de cela, que, por sua vez, “são muito prestativas com aquelas que tem necessidades especiais.” (QUEIROZ, 2015, p.172). Esta visita foi essencial para a realização deste trabalho, não só por me aproximar da realidade de uma das mais conhecidas penitenciárias brasileiras, mas, principalmente, por me permitir perceber que, mesmo as unidades prisionais consideradas modelos nacionais, ainda possuem diversos problemas institucionais e de salubridade espacial, indicando a necessidade de se pensar cada vez mais criticamente a respeito desses locais.
15. Enquanto escrevia esta seção, busquei na internet pelo nome de João Almir de Souza, o policial penal e diretor que me acompanhou nesta visita, e, lamentavelmente, soube que ele havia falecido no dia 15 de maio deste ano, devido ao contágio pela COVID-19. Diante desta triste notícia, deixo em meu trabalho a nota de pesar redigida por Giovanni Giocondo (2020): É com profundo pesar que o SIFUSPESP lamenta o falecimento do policial penal João Almir de Souza, ocorrido nesta sexta-feira (15). O profundo conhecimento sobre o sistema prisional fez com que fosse batizado pelos colegas de “Professor”. Associado ao SIFUSPESP, ele fez muitos amigos ao longo de sua trajetória de mais de três décadas na SAP. O servidor tinha 57 anos e trabalhava na Penitenciária Feminina de Santana, em São Paulo, onde era Diretor de Disciplina do Pavilhão 3. Ele também havia atuado durante muito tempo no Complexo de Pinheiros, zona oeste da capital, entre outras unidades (GIOCONDO, 2020).
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Figura 119.
Figura 120.
[Figura 119] Puxados por “boieiras”, que distribuem o café da manhã de cela em cela, os carrinhos de alimentos rangem pela galeria. Fonte: Rodrigo Marcondes/Livro Prisioneiras (2017). [Figura 120] Ocupada por varais para secagem das peças maiores, a quadra de esportes é pouco utilizada. Expor o corpo ao sol e demonstrar afeto físico é proibido pelas presas. Fonte: Rodrigo Marcondes/ Livro prisioneiras (2017).
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Figura 121.
Figura 122.
[Figura 121] Nas oficinas de trabalho, as presidiárias executam as mais diversas atividades manuais e produzem desde produtos de beleza e chinelos até retrovisores, torneiras e conexões plásticas. Fonte: Rodrigo Marcondes/ Livro prisioneiras (2017). [Figura 122] Vista lateral de um dos pavilhões. Fonte: Rodrigo Marcondes/ Livro Prisioneiras (2017).
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PROJETO Unidade Materno-Infantil para gestantes e lactantes privadas de liberdade
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Porque la esencia de la arquitectura es siempre plantear el horizonte de futuro; para ello debe soĂąar y, al mismo tiempo, ser realista, es decir, debe conocer bien las preguntas a las que dar respuesta, debe ser consciente de los efectos que pueden ocasionarse en dicha realidad y, a su vez, de cĂłmo esta misma va a transformar el proyecto y, al mismo tiempo, debe imaginar. Zaida MuxĂ
O projeto para a Unidade Materno-Infantil para mulheres gestantes e lactantes privadas de liberdade partiu do desejo de dedicar meus estudos às problemáticas espaciais resultantes das desigualdades de gênero inseridas no sistema prisional brasileiro. A escolha por concentrar o processo projetual deste trabalho na maternidade no cárcere surgiu após a constatação de que o exercício da maternidade e o cuidado com as filhas e filhos é uma das maiores dificuldades que envolvem as especificidades do gênero feminino dentro dos espaços carcerários; não só pela precariedade, ou inexistência de locais destinados à maternidade, como berçário, creche, e módulos de saúde na grande maioria dos presídios femininos no Brasil, como também pelo fato de que a criança nascida no ambiente prisional não deve de forma alguma ser penalizada por um crime cometido pela mãe, tendo sua liberdade prejudicada. Além disso, o projeto foi pensado como um piloto, de forma que possa ser replicado e readequado sendo anexado ou até substituindo diversas unidades prisionais. Desse modo, o projeto atua também como uma política pública territorial. Antes de prosseguirmos com a apresentação do projeto, é importante salientar algumas considerações tomadas em relação às diretrizes assumidas para seu desenvolvimento. Em concordância com as pesquisas estudadas e apresentadas neste trabalho, conclui-se que uma melhor possibilidade de exercício de maternidade ocorrerá sempre fora da prisão e, se a legislação for cumprida, tanto em relação à excepcionalidade da prisão preventiva como no tangente à aplicação da prisão domiciliar, grande parte dos problemas que afetam a mulher no ambiente prisional estarão resolvidos (BRAGA; ANGOTTI, 2015, p. 79).
Contudo, como já relatado no capítulo anterior, existe uma forte resistência do judiciário na aplicação da prisão domiciliar (BOEHM, 2019), ainda que esse regime conste como diretriz das leis nacionais e internacionais para as mulheres gestantes e lactantes condenadas, e “sabemos que mudanças na cultura do encarceramento demandam tempo e vontade política” (BRAGA; ANGOTTI, 2015, p. 79). Nesse sentido, a posição projetual que tomo em relação à problemática da maternidade foi a de partir do princípio da realidade atual de que não são todas as mulheres gestantes e lactantes que alcançam seu direito de cumprir suas penas em prisão domiciliar. Portanto, nos limites do papel de uma arquiteta e urbanista, o objetivo é projetar uma unidade materno-infantil para estas mulheres privadas de liberdade a partir de estratégias que minimizem o impacto dos espaços carcerários na vida pessoal e familiar destas mulheres e crianças. Ainda que a proposta tenha o intuito de demonstrar
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que é possível pensar espaços dignos que abriguem pessoas privadas de liberdade sem formas brutas de mecanismos de controle (atitude abordada inclusive na nomenclatura do projeto, não tratando-o como uma penitenciária, mas sim uma unidade institucional para mulheres e crianças) e com os equipamentos necessários para que se garanta uma salubridade necessária, reforço que compreendo e acredito com veemência que o cenário ideal para as mulheres gestantes e lactantes privadas de liberdade é que tenham garantida a prisão domiciliar. Ou ainda, de forma mais utópica, construamos uma sociedade que não precise de prisões, como sugere Angela Davis: [...] a única alternativa completa é construir um tipo de sociedade que não precise de prisões: uma redistribuição digna de poder e renda, de modo a apagar a chama oculta da inveja que agora arde em crimes de propriedade – tanto os roubos cometidos por pobres quanto os desvios de fundos cometidos por pobres quanto os desvios de fundos cometidos por ricos. E um senso decente de comunidade que possa apoiar, reintegrar e reabilitar verdadeiramente aqueles que de repente são tomados pela fúria ou pelo desespero, e que os encare não como objetos – “criminosos” -, mas como pessoas que já cometeram atos ilegais, como quase todos nós já fizemos.” (DAVIS, 2018, p. 113)
Em suma, o projeto busca abranger métodos que aprimorem o exercício de maternidade e a garantia de convivência familiar de mulheres em situação de prisão, e tentar reduzir as violações e consequências do aprisionamento, lidando com a realidade política e social que vivemos atualmente, nos limites do que a arquitetura pode alcançar. Certamente, entende-se que para uma reforma efetiva do sistema prisional brasileiro, ou mesmo a abolição do mesmo, mudanças em outros diversos campos de atuação são essenciais.
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LOCAL 4.1
Este terreno foi escolhido para a realização do projeto pois, além de estar próximo à Penitenciária Feminina da Capital (unidade prisional com ala de maternidade específica), o que possibilitará uma substituição desse espaço, está localizado no Parque da Juventude, fator que trará ao projeto vistas interessantes e uma conexão com a cidade ao mesmo tempo com a natureza, evitando o caráter opressor e bruto que normalmente acomete as unidades prisionais. A escolha por manter a conexão com a Penitenciária Feminina da Capital partiu da ideia de que as mulheres encarceradas nesta penitenciária poderiam trabalhar na Unidade Materno-Infantil como auxiliares no tratamento das crianças, ocupação que também funcionaria como ferramenta de remissão de pena. O local possui alguns pontos interessantes: a proximidade com a já citada Penitenciária Feminina da Capital, assim como a Penitenciária Feminina de Sant’Anna, 9 quadras esportivas, e uma pista de skate. Além disso, existe uma praça linear próxima ao terreno (Praça Menotti Marini) e, para realizar uma conexão do Parque da Juventude e do projeto com a mesma, será proposta a demolição de quatro edifícios da esquina que são concessionárias abandonadas, além da realocação do Museu Penitenciário Paulista para a outra extremidade do Parque da Juventude, próximo à Biblioteca de São Paulo e à ETEC Parque da Juventude. Considera-se, também, o fato de o local contar com diversos acessos a transporte público, como a Estação Carandiru e Santana da linha azul do metrô e diversos pontos de ônibus, o que o torna uma área de fácil acesso, característica muito importante para a visitação de familiares.
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DIAGNÓSTICO DA ÁREA Histórico
Tombamento Conpresp – Resolução 38/2018 Recentemente, o Complexo do Carandiru passou por um processo de tombamento pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo (Conpresp), datado de 2018, sendo publicado no Diário Oficial do Município no dia 6 de março de 2020. O tombamento considera os seguintes itens:
Figura 123.
[Figura 123] Tombamento do Complexo Penitenciário do Carandiru. Fonte: São Paulo (2020).
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PRESERVAÇÃO INTEGRAL: 1- Muro da Penitenciária do Estado e Torres de Controle (década de 1920); 2- Portal da Penitenciária do Estado, sito à avenida Gal. Ataliba Leonel; 3- Edifício da Administração da Penitenciária do Estado; 4- Estruturas remanescentes do Complexo Penitenciário do Carandiru (remanescentes de muralha e estrutura em concreto, atual pergolado).
PRESERVAÇÃO PARCIAL: 5- Pavilhões da Penitenciária do Estado, Cozinha, Lavanderia, Oficinas, sistema de circulação (corredor), Cine-Teatro, e demais edifícios intramuros: 6- Residências extramuros; 7- Edifício da Escola de Agentes Penitenciários; 8- Pavilhões da Casa de Detenção, atuais Escolas Técnicas ETEC´s de Artes e Parque da Juventude ; 9- Antigo Edifício da Prisão Albergue;
PRESERVAÇÃO AMBIENTAL: 10- Alamedas onde se distribuem as residências extramuros e o edifício da Escola de Agentes Penitenciários; 11- Área de bosqueamento adensado; (CONPRESP, 2018).
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DIAGNÓSTICO DA ÁREA
Topografia, massa arbórea e relação de gabaritos
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DIAGNÓSTICO DA ÁREA
Densidade populacional (hab/ha), uso do solo e cheios e vazios
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PARTIDO 4.2
Parte importante do partido deste projeto foi baseado na pesquisa “Dar à Luz na Sombra” (BRAGA; ANGOTTI, 2015), a qual problematiza as principais questões que impossibilitam a materialização de direitos formalmente garantidos a mulheres privadas de liberdade. A pesquisa contou com cerca de 50 entrevistas com estudiosas do meio e conversas informais com mais de 80 detentas. Para tanto, as pesquisadoras percorreram seis estados brasileiros, onde visitaram dez estabelecimentos prisionais, duas Unidades Materno-Infantis, duas creches em prisões e duas mantidas pela sociedade civil, além de realizarem uma experiência internacional. A partir destes resultados, a pesquisa trouxe recomendações de alterações legislativas, procedimentais e propostas de políticas públicas para reduzir o cenário sistemático de violações ao qual estão expostas a maioria das mães encarceradas no Brasil. Estas propostas foram distribuídas em quatro esferas, sendo elas: implementação de lei e vigor (ILV), alteração de lei em vigor (ALV), projeto de lei em tramitação (PL), e política pública (PP). Entre todas as recomendações, foram selecionadas as diretrizes que envolviam características espaciais ou que poderiam interferir no desenvolvimento do projeto da Unidade Materno-Infantil, vide tabela formulada na figura 124.
1. pesquisa dar a luz na sombra
Figura 124. Recomendações da Pesquisa Dar à Luz na Sombra (2015) para reduzir o cenário sistemático de violações ao qual estão expostas a maioria das mães encarceradas no Brasil. Fonte: tabela formulada pela autora a partir de dados de Braga e Angotti (2015).
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Além das recomendações registradas na tabela acima, Ana Gabriela Mendes Braga e Bruna Angotti (2015) identificaram elementos comuns que de alguma forma surgiram nas falas de especialistas, presas, diretoras, funcionárias das penitenciárias e operadoras do direito, entre elas: a necessidade da presença de assistentes sociais no espaço carcerário e a constatação de que o modelo de creche externa à unidade prisional é a melhor solução para o cuidado com as crianças cujas mães estejam privadas de liberdade. “Todas elas foram unânimes em ressaltar que o cárcere não é lugar ideal para a permanência de crianças, sendo necessário outro espaço para garantir o contato entre mães e filhas.” (BRAGA; ANGOTTI, 2015, p.79). Em relação à permanência ou não da criança recém-nascida no espaço carcerário com a mãe, as pesquisadoras notaram que não há consenso entre as mulheres sobre o assunto, já que algumas priorizam a permanência com a recém-nascida, enquanto outras acreditam que a prisão não é lugar para bebês. Com isso, constatou-se a falta de concordância, até mesmo entre as detentas, que apontam alguns fatores que pesam nesta escolha, como: o tempo da pena, a existência de familiares confiáveis para assumir a guarda, o apoio que elas tem na rua, se é o primeiro filho, as condições do estabelecimento, etc. Portanto, Braga e Angotti (2015, p. 79) chegaram a uma decisão, tal qual também trago como diretriz para o projeto que apresento: “a resposta quanto ao destino da mãe e da criança tem de ser individualizada, e a autonomia decisória da mulher em relação ao destino das suas filhas e filhos deve ser respeitada.”. Dessa forma, o projeto tem como intuito abarcar as crianças recém-nascidas das mulheres lactantes apenas nos casos em que a prisão domiciliar não for garantida e, nessa circunstância, considerando a vontade pessoal da mãe quanto a ficar ou não com a criança no estabelecimento ou separar-se dela no nascimento, ao levar em conta todo seu contexto psicossocial e familiar. No caso da permanência da criança, a mesma poderá realizar seus estudos na creche de Rede Pública conectada à Unidade Materno-Infantil. No que diz respeito à visitas íntimas, segundo as encarceradas, dificilmente há um local adequado para a realização destas, sendo que portanto estas visitas são feitas nas próprias celas, sem qualquer forma de privacidade.
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Sendo assim, seguindo todas as recomendações destacadas, deve-se considerar que: A- A creche apresentada no projeto será destinada à rede pública, atendendo não só as filhas da Unidade MaternoInfantil, como as de fora desta. Sua capacidade foi pensada para abarcar crianças de 0-6 anos. B- Foram pensados espaços específicos para atendimento de psicólogas, advogadas e assistentes sociais na unidade. C- Foram pensados espaços específicos para a realização de atividades laborais e educacionais para as mulheres gestantes e lactantes; D- Foi pensada ala específica para a realização de visitas íntimas, sendo ao todo 7 suítes. E- A decisão quanto a permanência ou não da criança recémnascida nesta unidade após o período de amamentação cabe à vontade pessoal da mãe e depende, também, de seu contexto psicossocial e familiar. F- Serão instalados telefones públicos na unidade para facilitar o contato da mulher privada de liberdade com sua família. G- Foram pensados espaços destinados ao berçário e aos módulos de saúde para que seja possível o exercício digno da maternidade e do cuidado para com as recém-nascidas. H - Esta unidade foi projetada para as mães e crianças de até 1 ano e meio idealmente, podendo esse prazo ser estendido até os 6 anos caso a criança não tenha amparo familiar adequado longe da mãe.
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IMPLANTAÇÃO
2. conexões e fluxos entre o projeto e seu entorno Através das vistas do projeto, reforçar a interação com o Parque da Juventude, com a rua e com as residências de baixo gabarito no entorno no projeto em detrimento do uso de muros e de mecanismos de controle com características autoritárias. Dessa forma, intenta-se não memorar o caráter carcerário normalmente opressor das unidades prisionais.
3. iluminação natural Parte fundamental da idealização do projeto foi a criação de amplos pátios internos, terraços de sol e iluminação zenital, já que a luz auxilia a humanização dos espaços. Os pátios configuram-se como espaços extremamente importantes para o lazer e saúde das internas.
4. conexão com a natureza A conexão com a natureza foi estabelecida como princípio. Para isso, foi considerada a presença das árvores para orientar a abertura dos pátios internos, de modo a manter o maior número possível da vegetação préexistente na área. Além disso, com a retirada das edificações em desuso na esquina da Avenida Zaki Narchi e com a realocação do Museu Penitenciário para outra área do Parque da Juventude (junto a Biblioteca de São Paulo e a ETEC Parque da Juventude), criou-se uma relação maior entre esses, a Unidade Materno-Infantil proposta e a Praça Menotti Marini.
5. materialidade A escolha da materialidade sempre teve como foco a leveza e a privacidade necessárias ao projeto. Para o bloco principal dos dormitórios e uma das passarelas, foi utilizado fechamento de U-Glass nas fachadas, já que se trata de um vidro autoportante fosco, que ao mesmo tempo que traz leveza para a volumetria, devido a suas proporções alongadas e translúcidas, propõe a privacidade necessária para o conforto das pessoas que se encontram dentro do edifício. Além disso, foram usados brises móveis em quase todas as demais fachadas ventiladas, de forma com que tenham suas aberturas ajustadas de acordo com a necessidade. Esses elementos se diferenciam pela cor e materialidade, servindo também de identidade visual para a creche, volumetria que recebe brises de acrílico colorido, e para a unidade materno-infantil, protegida pelos brises de madeira. Desse modo, mantém-se a unidade de linguagem no projeto, mas também torna possível diferenciar imagéticamente o uso de cada volume.
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2
3
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PERSPECTIVA SAÍDA PARQUE DA JUVENTUDE
PERSPECTIVA PÁTIO INTERNO PRINCIPAL
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PERSPECTIVA DORMITÓRIO
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6. projeto piloto - arquitetura modular O projeto foi pensado como um piloto, ou seja, será uma arquitetura que poderá ser tida como modelo para ser replicada ou readequada em outros locais, seja como anexo à penitenciárias femininas existentes, como é o caso deste trabalho, seja como substituta de antigas unidades prisionais. Sendo assim, a estratégia do uso de estrutura metálica modular foi utilizada também como partido, já que esse método construtivo facilita a montagem e a logística para futuros projetos. Com uso de modulação 6x6 metros em toda a estrutura, foram criados módulos padrão de ambientes, com dimensões e áreas baseadas no documento Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal (BRASIL, 2011), que podem ser encaixados e articulados de acordo com a necessidade e com o espaço disponível em cada lote.
ESQUEMA ESTRUTURAL DO VOLUME Na tabela ao lado é possível observar as áreas de alguns dos principais módulos programáticos do projeto, a área total, o coeficiente de aproveitamento, a taxa de ocupação e a capacidade de detentas e crianças na unidade.
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MÓDULO DORMITÓRIO
MÓDULO FUNCIONÁRIAS
MÓDULO VISITA ÍNTIMA
MÓDULO ENSINO / OFICINA
MÓDULO ENFERMARIA
MÓDULO SANITÁRIO
EXEMPLO DE DISPOSIÇÃO MÓDULO SAÚDE
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PROGRAMA E SETORIZAÇÃO 4.3
O programa da Unidade Materno-Infantil foi dividido em três setores principais, que demarcam o caráter público ou privado de cada módulo, além de agirem como delimitadores dos fluxos de cada tipo de usuário do projeto. São eles: Setor Externo, Setor Intermediário e Setor Interno.
SETOR EXTERNO MÓDULO ADMINISTRATIVO MÓDULO AGENTES PENITENCIÁRIOS MÓDULO RECEPÇÃO MÓDULO CRECHE
SETOR INTERMEDIÁRIO MÓDULO TRIAGEM DETENTAS MÓDULO TRATAMENTO PENAL MÓDULO SAÚDE MÓDULO VISITA ÍNTIMA MÓDULO TÉCNICO
SETOR INTERNO MÓDULO VIVÊNCIA MÓDULO ENSINO MÓDULO TRABALHO MÓDULO BERÇÁRIO MÓDULO SERVIÇOS MÓDULO POLIVALENTE 223
PERSPECTIVA CONEXÃO CRECHE E UNIDADE MATERNO-INFANTIL
PLANTA TÉRREO
PLANTA TÉCNICA
PLANTA 1° PAVIMENTO
PLANTA MEZANINO
PLANTA 2° PAVIMENTO
PLANTA 3° PAVIMENTO
PLANTA COBERTURA
CORTE AA
CORTE BB
ELEVAÇÃO 1
ELEVAÇÃO 2
ELEVAÇÃO 3
ELEVAÇÃO 4
AMPLIAÇÃO PLANTA 1° PAVIMENTO
CORTE CC
ELEVAÇÃO 5
CORTE DD
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DET. 01 - CONEXÃO LAJE STEEL DECK
DET. 02 - ESPELHO D’ÁGUA
PERSPECTIVA ENTRADA PARQUE DA JUVENTUDE
considerações finais
O trabalho discutiu a respeito dos espaços carcerários e da negligência de suas características no que tange às especificidades de gênero. Buscou compreender como a arquitetura pode atuar como agente colaborativo na possibilidade de projetar formas de encarceramento mais humanitárias, enquanto a abolição penal infelizmente não for realidade, numa nação que ainda é dividida pelo racismo, machismo e desigualdade social. Com isso, a partir da análise dos dados expostos no primeiro capítulo, foi constatado que o perfil majoritário da mulher presa, inclusive das gestantes e lactantes, é jovem, de baixa renda, em geral mãe, e presa provisória suspeita de crime relacionado ao tráfico de drogas ou contra o patrimônio. É possível perceber que um índice alto da população feminina encarcerada nas penitenciárias brasileiras encontra-se em estado de vulnerabilidade social, seja por não se encontrarem em uma estrutura familiar segura, seja por experiências angustiantes de abusos sexuais e físicos de maneira geral, visto que ambos fatores podem ser associados à situação econômica-territorial em que essas mulheres se encontravam. Notou-se também que o padrão dos crimes das mulheres, que geralmente atuam como complementação de renda, impõe um menor risco à comunidade em relação aos cometidos pelos homens. O segundo capítulo demonstrou, através de uma linha do tempo das tipologias das arquiteturas penitenciárias e dos métodos de punição e disciplina no decorrer do tempo, que a grande maioria dos projetos de penitenciárias desde a Idade Média até meados do século XXI não foram pensados de forma a contribuir com a efetiva ressocialização da pessoa presa; ao contrário, muitas das tipologias estudadas
apresentavam estratégias espaciais que intentavam o isolamento completo da pessoa presa e a impossibilidade de privacidade, como é observado no Panóptico de Bentham (FOUCAULT, 1975). Além disso, observouse não só as questões arquitetônicas como também a falta de gestão adequada dos espaços nas prisões, o que causa problemas graves como a superlotação e falta de saneamento adequado, problemas recorrentes no Brasil. Apenas no século XXI é possível observar algumas penitenciárias com partidos mais humanitários em relação ao tratamento da pessoa presa. Porém, essa é uma característica de projeto ainda restrita a alguns países europeus, como a Áustria, Noruega e Dinamarca. Desse modo, entendese que o sistema prisional não deveria ser utilizado como uma ferramenta para excluir os indivíduos da sociedade, mas sim como possibilidade de preparação para reduzir os danos causados quando essas pessoas estavam em liberdade. Ao abordar as relações espaciais no cárcere e a questão de gênero, o terceiro capítulo conclui que os serviços e políticas penitenciárias são predominantemente direcionados e formulados sob a ótica masculina, desprezando as diversidades e especificidades que compreendem a realidade carcerária feminina. Isso é observado tanto no descaso com as estruturas arquitetônicas e equipamentos das instituições prisionais (por exemplo na falta de espaços destinados a berçários), como no não cumprimento de direitos básicos das mulheres presas, tal como a aplicação de prisão domiciliar para condenadas gestantes e lactantes, direito tal previsto por normas nacionais e internacionais (BRAGA; ANGOTTI, 2015). O quarto e último capítulo organizou as ferramentas e diretrizes de projeto a partir dos capítulos anteriores, ou seja, utilizou toda a base teórica para o desenvolvimento do objeto arquitetônico, que teve sua localidade e partidos projetuais fundamentados com auxílio dos mapas e levantamentos provenientes dos relatórios e das pesquisas estudadas. Ao final, foram apresentados os desenhos desenvolvidos e o programa proposto, que conta com diversos módulos organizados por três setores: externo, intermediário e interno. Tendo em vista o conteúdo abordado no presente texto, este trabalho buscou contribuir com a discussão que aborda o sistema prisional no Brasil levando em conta a perspectiva de gênero, em especial no que tange ao exercício da maternidade. Como a arquitetura penitenciária, ainda mais relacionada às especificidades de gênero, é um tema tão pouco abordado pela comunidade acadêmica, este trabalho se estabelece como um convite a estudantes de Arquitetura e Urbanismo para que se informem e possivelmente se interessem pelo tema, de modo a pesquisarem cada vez mais sobre este assunto tão urgente, proporcionando à comunidade
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científica mais infinitas possibilidades de análises e resultados. Destacase ainda a importância de relembrarmos que o curso de Arquitetura e Urbanismo está inserido na grande área das Ciências Sociais Aplicadas, evidenciando a função social do(a) arquiteto(a) frente às mais diversas realidades humanas.
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anexos
“(...) Porém o que mais me instigou foi um diálogo com uma criança de quatro anos, filho de um casal amigo, ele branco e ela parda. A criança tem a pele clara, cabelos lisos e traços fisionômicos indígena. Sempre que eu procurava abraçá-la ela dizia que não gostava de mim e me afastava. Um dia ela me disse muito zangada quando eu a abracei: – vou pintar você de preto. Respondi: – não precisa você não vê que eu sou preta? Ela retrucou: – você não é bem preta, você é preta clara. Eu disse: – e sua mãe? ela é preta? Ela deu um grito e disse: – minha mãe não é preta, é marrom e eu sou branco. A criança de pele clara quis me castigar me pintando de preto e distinguiu-se se valorizando por ser branca. Que fatores podem contribuir para uma criança de quatro anos já ter condições de hierarquizar as diferentes cores da pele, atribuindo um valor ao fato de ser branco? Por que é tão importante ser ou parecer branco? Qual o grau de prestígio econômico ou simbólico que esse grupo detém, para que muitos procurem assemelhar-se a ele? A escola, o currículo e especificamente os livros didáticos, contribuem para a construção desse sentimento de superioridade por ter a pele clara e cabelos lisos, ser denominado e denominar-se branco?”
1
(SILVA, 2007, p. 87-88)
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2
Relato de Vânia Alexandra de Souza, 33 anos. Natural de Curitiba e criada no Paraná e Santa Catarina. Interna do Presídio Feminino de Florianópolis. “Eu acho que eu sou amaldiçoada porque não era pra mim ter nascido, porque eu sou filha do 17° aborto que minha mãe fez; minha mãe fez 17 abortos e eu persisti pra nascer. Eu acho que não era pra mim ter nascido. Minha mãe era alcoólatra; eu sofri abusos sexuais quando eu ficava sozinha com os meus tios e primos; desde pequena eu sempre tive tendência à suicídio, sempre me cortava e... né? Comecei a fumar maconha com 11 anos. Certo dia minha mãe pediu pra que eu pegasse café na casa do vizinho e na verdade era uma casinha né? Ela havia me vendido pro vizinho e o vizinho acabou me agarrando, e aí eu cheguei em casa e contei pra ela o que tinha acontecido e ela disse “Ai, o que é só mais um pra quem já tá na fita faz tempo”; e eu era virgem. Quando eu sofri o meu segundo estupro aos treze anos eu matei o meu estuprador, José Maria Madalena; com treze anos eu tive o meu primeiro homicídio, indo parar em uma casa para menores infratores em Curitiba. Fiquei dois meses lá, aí a assistente social procura os pais, né. Aí quando procuraram minha mãe pra me tirar de lá, ao invés dela me tirar ela me emancipou. Eu fiquei morando na rua dos 13 aos 17 anos, um pouco na criminalidade, um pouco nas drogas (...)” (VANIA..., 2016)
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Solange. Interna na Penitenciária Feminina de Sant’Anna. “(...) Chegou à penitenciária com quatro meses de atraso menstrual. Pedi o teste. Estava grávida outra vez. Encaminhei-a para o acompanhamento pré-natal e perdemos o contato. Um ano mais tarde retornou, queria remédio para secar o leite. Havia amamentado durante seis meses, até entregar a menina ao Conselho Tutelar. Perguntei se tinha esperança de encontrá-la quando saísse. Depois de um longo silêncio, com a cabeça baixa, respondeu como se falasse consigo mesma: — Encontrar de que jeito?”
3
(VARELLA, 2017, p.48-49)
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Relato de Érika Rosa de Lima, 31 anos, criada em Cuiabá. Interna do Presídio Feminino de Florianópolis. “Hoje sou uma pessoa ajuizada, mas normal mesmo eu só fui até os 17 anos de idade. Comecei a ser rebelde a partir do momento que eu larguei do pai do meu filho; eu fui mãe muito jovem, com 15 anos eu tive um menino. Com 17 eu larguei do pai dele e deixei o meu filho com ele, e aí eu me tornei uma pessoa do mundo. Uma pessoa que não tava nem aí pra família; a minha família vem de uma estrutura de classe média. Conheci o mundo da prostituição; comecei a me prostituir com 17, 18 anos, sem precisão mas foi o caminho que eu escolhi. No mundo da prostituição eu comecei a sair com traficantes, comecei a usar drogas tipo crack, de vez em quando eu cheirava cocaína, fumava maconha. Com 6 anos de idade meus pais se separaram, e a minha infância foi uma infância onde eu brincava com minhas irmãs, com meus primos. Eu tive uma infância, fui bem educada. Mas eu acho que o que ocasionou, o que me levou a um caminho diferente, não foi bem a minha criação, mas sim o fato dos meus pais serem separados, já que eu morei até os 12 anos com meu pai e a partir disso eu pedi pra morar com minha mãe. Com meu pai eu tive uma educação totalmente diferente, por quê? Porque o meu pai era o esquema: escola – casa - educação física - igreja. Meu pai era uma pessoa severa. Eu não podia reprovar de ano, não podia ficar de recuperação, então eu sempre tirava as melhores notas. E com minha mãe, a partir do momento que eu escolhi morar com ela, ela era totalmente liberal. Eu namorei muito cedo, tive meu primeiro namorado com 12 anos de idade. Aquela liberdade foi me fascinando, foi me dominando. E provavelmente foi isso que me
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levou ao caminho que eu tomei. Que pra ela tava sendo um bem, mas eu não soube aproveitar. Como eu era garota de programa, os traficantes sempre procuravam as meninas da boate onde eu tava pra fazer as festinhas deles, e ali a gente via muita ostentação, muito dinheiro, muito ouro, muita farra, muito tudo. E aquilo ali parecia que era uma vida fácil, parecia que era uma coisa fora da rotina. E isso aí foi se tornando um hábito pra mim. Foi tudo assim tipo uma escada, onde eu fui subindo um degrau por mês. Primeiro eu só saía com os traficantes, só ganhava o dinheiro deles, depois eu comecei a ser a traficante, depois eu comecei a ganhar dinheiro e vim parar dentro da cadeia (...)” (ÉRIKA..., 2016)
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“As poucas detentas para quem Carol revela que sou jornalista se amontoam ao meu redor para contar histórias horríveis em cochicho. Falam das grávidas que viveram as angústias do parto em celas úmidas e depois viram seus bebês nascerem presos porque ninguém se importou de levá-las a um hospital para dar à luz. Na capital de nosso país. Falam da frieza dos carcereiros que permitem que muitas cheguem ao desespero do suicídio sem nunca encaminhá-las a um psiquiatra. Falam das jovens meninas que vão e voltam com frequência da cadeia, por não acharem outra vida possível quando saem livres. Falam dos horrores da comida que é entregue crua, fria e, às vezes, com cabelos e insetos. Quando olho a quentinha do dia, não tenho coragem de comer.” (QUEIROZ, 2015, p.89)
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“Eu não conheço meus filhos. Eu sou assim: eles sabem que eu sou mãe deles, mas praticamente sou uma desconhecida. Além de eu ter que me adaptar às coisas que eu perdi todo esse período que estive presa, eu tenho que aprender a conhecer os MEUS filhos.”
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(QUEIROZ, 2015, p. 21)
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Alice. Interna da Penitenciária Feminina de Sant’Anna. “No vestibular, entrou no curso de pedagogia da Universidade de São Paulo. Acordava às cinco da manhã para chegar às oito na faculdade. No segundo ano foi obrigada a interromper os estudos porque o pai perdera o emprego de porteiro, com o qual mantinha a esposa com diabetes e as quatro filhas. Alice, então, foi trabalhar no departamento de recursos humanos de uma multinacional. Ganhava o suficiente para sustentar os pais e as irmãs mais novas. Quando o pai arranjou outro emprego, ela não retomou os estudos: havia sido promovida. Com o salário mais alto pretendia se mudar do bairro. — Queria tirar a família daquela área perigosa da Vila Curuçá. Minhas irmãs já estavam na idade de namorar, tinha medo que se envolvessem com marginais. Uma delas, a Zilma, era “masculinizada”, iria sofrer muito naquele lugar. Um dia, às seis da tarde, no trabalho, Alice recebeu um telefonema da Santa Casa avisando que Zilma estava internada na UTI em estado de choque. Ao chegar a esse ponto da história, seus olhos se encheram de lágrimas, mas a voz não ficou embargada. Quando passava em frente a uma construção, Zilma tinha parado para dar uma informação solicitada por um pedreiro. Foi puxada para dentro da obra e estuprada, sob a ameaça de um facão no pescoço. — No fim, o pedreiro perguntou se ela tinha gostado, se ia continuar com aquele jeito de sapatão e lhe deu uma facada no sexo que
perfurou o útero e o intestino. — Pelo policial que lavrara a ocorrência no pronto-socorro, Alice soube que o estuprador desaparecera. Não havia testemunhas. (...) —Nada mais fazia sentido. (...) Ou dava cabo a vida dele ou da minha. (...) Por acaso, viu o homem que procurava encostado no balcão da padaria. Atravessou a rua, entrou e pediu uma média e um pão de queijo. Ele comia uma coxinha e bebia cachaça. Olhou para ela. Alice sorriu e puxou conversa. Combinaram um encontro para as cinco da tarde, quando ele saísse do trabalho. Ela andou pela vizinhança o dia inteiro. No fim da tarde, voltou à padaria vinte minutos antes do horário combinado; ele bebia cachaça num copo americano. Depois dessa, tomou outra. Alice o convidou para ouvir música no apartamento dela. Andaram por quarenta minutos que ele nem viu passar, entretido com as histórias que contava para impressioná-la. Por fim, pararam na entrada de um beco que terminava num terreno baldio. O homem estranhou, não via nenhum prédio por ali. Ela puxou o revólver, ordenou que ele se ajoelhasse e pegou o celular. — Conhece essa moça que está comigo na foto? — Quem é? — É uma que você estuprou. — Ah! Mas era um sapatão. — Pois é a minha irmã. Beija o chão e pede perdão pra ela. Ele obedeceu. Ela mandou repetir dez vezes, com mais convicção. O homem começou a chorar. Implorava que lhe poupasse a vida, quando o primeiro tiro acertou seu abdômen. Disparado contra o lado direito do tórax, o segundo jogou o corpo para trás. O terceiro e o quarto foram dados à queima-roupa contra os genitais. — Fiquei parada lá um tempão, admirando o sangue que escorria pelo meio das pernas dele e o sofrimento daquele desgraçado. Foi o primeiro dos cinco estupradores que matou nos dois anos antes de ser presa.” (VARELLA, 2017, p. 188-192)
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Lili. Interna da Penitenciária Feminina de Sant’Anna. “(...) Lili traficava e se prostituía no bairro da Liberdade. Morena de estatura baixa, cabelo curto e seios fartos, veio para a consulta com queixa de crises quase diárias de enxaqueca, que passaram a acometê-la desde o nascimento do filho, ocorrido quatro meses depois da prisão. Quando perguntei se o bebê vivia com o pai, seus olhos ficaram turvos: — Na vida do crack vai saber quem é o pai, doutor. Meu filho ficou com a tia da minha mãe. Não sabia se o menino estava bem, porque a tia só aceitara adotá-lo se lhe fosse concedida a guarda definitiva. Depois que a mãe de Lili morreu por complicações de um aborto, ela se mudou para a casa de uma senhora da igreja, enquanto os três irmãos menores foram para um abrigo, à espera de adoção. Dependente de cocaína injetável e considerado incapaz de cuidar dos filhos, o pai perdeu o pátrio poder e morreu de aids menos de um ano depois. (...) Não usava droga desde a chegada à penitenciária, havia onze meses, mas morria de medo de recair quando fosse libertada. — Se eu voltar para aquela vida, nunca mais recupero meu filho. — E quando sair, para onde você vai? — Não sei. Não tenho para onde ir nem conheço alguém que possa me dar uma chance. Ficamos olhando um para o outro até ela se levantar. — Posso dar um abraço no senhor? Deu a volta na mesa e me abraçou com timidez. Saiu cabisbaixa. Tive que dar um tempo
para chamar a paciente seguinte.� (VARELLA, 2017, p. 70-72)
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“A saída dos visitantes é liberada em dois turnos. Um ao meio-dia, outro às 15h. Eu precisava sair no primeiro sinal, já que trabalharia naquele dia. Quando a sineta tocou, Carol me abraçou forte, pediu que eu voltasse mais vezes, que não me esquecesse dela. Segui para o gradeado e esperei pacientemente em meio ao amontoado de gente. De repente, uma carcereira miúda e de rosto infantil disse que não liberaria mais ninguém. Expliquei, com educação, que precisava ir ao trabalho, mas de nada adiantou suplicar. A senhora a meu lado era faxineira e poderia ser demitida se atrasasse outra vez. Isso tampouco comoveu a mocinha, que cerrou a cara e o coração. Minha paciência acabou diante dessa frieza e afirmei que ela não tinha o direito de nos deter só porque tínhamos gente querida que estava presa, afinal, nós nunca havíamos cometido crimes. Que aquilo devia ser um tipo de cárcere privado feito pelo poder público — coisa que eu nem sabia se existia, mas achei que citar um ou dois termos da lei me daria mais credibilidade. Neste momento, chega um carcereiro grandalhão, diz que “desacato à autoridade” (!) não adiantará nada e fecha a cela em nossa cara, sem mais explicações. Meu estômago revirou. Eu estava privada de liberdade como as mulheres que entrevistava, nem que fosse só por algumas horas. Eu estava sem entender o porquê, como muitas delas, fui privada de um direito de ir e vir que me era garantido pela Constituição. Passei a caminhar de lado a lado do pátio, num pequeno surto de ansiedade. Pensei na minha equipe pequena do jornal, que ficaria sobrecarregada devido a meu atraso, lembrei dos maus-tratos que tinha recebido. Queria vomitar. Eu não podia sair. Havia uma claustrofobia meio irracional me dominando.
Eu sairia em três horas, pessoas sobreviviam à privação da liberdade por anos. Socorro entendeu meu estado sem me julgar. Colocou a mão no meu ombro e sussurrou: — Agora sabe o que nós somos. Nada. (QUEIROZ, 2015, p.90-91)
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Trecho de carta escrita e enviada, em meio a pandemia da COVID-19, por uma pessoa que cumpre pena em um estabelecimento penitenciário em São Paulo. “Estou apavorado com o que pode vir. Eu quero que você saiba que você foi a melhor mulher do mundo. Em tão pouco tempo me fez muito feliz e realizado, até aqui só me deu orgulho. Me sinto o homem mais feliz do mundo. Te amo e obrigado por tudo o que você fez por mim. Por ter me dado uma oportunidade de ter um filho com você. Você é uma mulher maravilhosa. Até as suas brigas estão fazendo falta. Te amo, te amo. Espero que você nunca se esqueça de mim. Porque aonde eu estiver nunca vou te esquecer.” (TREVISAN, 2020, s/p.)
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Trecho de carta escrita e enviada, em meio a pandemia da COVID-19, por uma pessoa que cumpre pena em um estabelecimento penitenciário em São Paulo. "Tem 30 presos isolados esperando as confirmações. Tem funcionário chorando, falando que tem família, que está com medo de pegar o vírus. E nós não temos ninguém. A única coisa que nos resta é rezar. E pedir a Deus que nos proteja. Proibiram até a visita do advogado. A única pessoa que poderia fazer algo por nós”.
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(TREVISAN, 2020, s/p.)
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Trecho de carta escrita e enviada, em meio a pandemia da COVID-19, por uma pessoa que cumpre pena em um estabelecimento penitenciário em São Paulo. “Minha vida, eu não sei mais o que fazer. Estou há 20 dias com febre. Ela vai e volta. De vez em quando, dor de cabeça e tosse seca. Não sinto gosto de nada. E nem cheiro de nada. Estou apavorado. Não sou só eu. Tem vários com esses sintomas, vida.” (TREVISAN, 2020, s/p.)
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Trecho de carta escrita e enviada, em meio a pandemia da COVID-19, por uma pessoa que cumpre pena em um estabelecimento penitenciário em São Paulo. “Oi minha rainha, espero que esteja tudo bem com você e as crianças. Eu vou indo. Isolado do mundo. Sem saber o que está acontecendo. Os dias que não passam são os piores dias da minha vida. Ninguém está preparado para passar essa que estamos passando. Nenhum ser humano se importa com nós”.
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(TREVISAN, 2020, s/p.)
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Trecho de carta escrita e enviada, em meio a pandemia da COVID-19, por uma pessoa que cumpre pena em um estabelecimento penitenciário em São Paulo. “Bom, meu amor, eu não queria entrar nesse assunto. Mas não consigo esconder nada para você e até mesmo para não te preocupar. Mas tenho compromisso com a verdade. Vida, em 2011 eu tive um problema de saúde, tive tuberculose e água no pulmão. Passei pelos tratamentos necessários e superei a tuberculose. Só que de uns dias para cá estou sentindo muita dor no pulmão. Essa noite mesmo quase não dormi com dor. Quando amanheceu, tomei um remédio e deu uma amenizada. Hoje tentei ir para a enfermaria só que não consegui, tinha muito atendimento. Não quero que fique preocupada, vou fazer de tudo aqui para ver isso e ver o porquê está vindo essa dor. Não fala nada pra minha mãe pra não preocupar ela, tá minha vida.” (TREVISAN, 2020, s/p.)
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Trecho de carta escrita e enviada, em meio a pandemia da COVID-19, por uma pessoa que cumpre pena em um estabelecimento penitenciário em São Paulo. "Oi meu grande e maravilhoso, mais precioso amor. Como está sua saúde? E seu psicológico, está melhor? Amor, é só Deus na nossa causa pois está um comentário que foram afastados 2 agentes por causa desse vírus e tem um monte de parceiros com sintomas. Porém, a enfermaria não suporta o tanto de pessoas que estão subindo com sintomas. Então, nem todos que estão com sintomas estão isolados. O barato tá louco, amor. Nós estamos sem saber o que fazer."
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(TREVISAN, 2020, s/p.)
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trabalho-presencial-no-estado-de-calamidade.shtml>. Acesso em: 25 out. 2020. Figura 86: Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ mercado/2020/08/camara-aprova-projeto-que-afasta-gravida-detrabalho-presencial-no-estado-de-calamidade.shtml>. Acesso em: 25 out. 2020. Figura 87: Disponível em: <https://revistatrip.uol.com.br/tpm/livro-maesdo-carcere-mostra-a-rotina-do-unico-presidio-exclusivo-para-gravidasdo-pais-e-reacende-a-discussao-sobre-maternidade-atras-das-grades>. Acesso em: 25 out. 2020. Figura 88: Elaboração gráfica por Gabriela Papi a partir de dados do Infopen Mulheres, p. 22 (2017). Figura 89: Elaboração gráfica por Gabriela Papi a partir de dados do Infopen Mulheres, p. 21 (2017). Figura 90: Elaboração gráfica por Gabriela Papi a partir de dados do Infopen Mulheres, p. 23 (2017). Figura 91: Elaboração gráfica por Gabriela Papi a partir de dados do Infopen Mulheres, p. 24 (2017). Figura 92: Elaboração gráfica por Giovanna Barbosa Bianchini a partir de dados de “Dar à Luz na Sombra”, Ana Gabriela M. Braga e Bruna Angotti, p. 32 (2015). Figura 93: Elaboração gráfica por Giovanna Barbosa Bianchini a partir de dados de “Dar à Luz na Sombra”, Ana Gabriela M. Braga e Bruna Angotti, p. 33 (2015). Figura 94: Elaboração gráfica por Giovanna Barbosa Bianchini a partir de dados de “Dar à Luz na Sombra”, Ana Gabriela M. Braga e Bruna Angotti, p. 34 (2015). Figura 95: Elaboração gráfica por Giovanna Barbosa Bianchini a partir de dados de “Dar à Luz na Sombra”, Ana Gabriela M. Braga e Bruna Angotti, p. 30 (2015). Figura 96: Elaboração gráfica por Giovanna Barbosa Bianchini a partir de dados de “Dar à Luz na Sombra”, Ana Gabriela M. Braga e Bruna Angotti, p. 31 (2015). Figura 97: Elaboração gráfica por Giovanna Barbosa Bianchini a partir de dados de “Dar à Luz na Sombra”, Ana Gabriela M. Braga e Bruna Angotti, p. 31 (2015). Figura 98: Elaboração gráfica por Giovanna Barbosa Bianchini a partir de dados de “Dar à Luz na Sombra”, Ana Gabriela M. Braga e Bruna Angotti (2015) e “Regras de Bangkok: Regras das nações unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras”, Brasil (2016).
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Figura 99: Disponível em: <https://revistatrip.uol.com.br/tpm/livro-maesdo-carcere-mostra-a-rotina-do-unico-presidio-exclusivo-para-gravidasdo-pais-e-reacende-a-discussao-sobre-maternidade-atras-das-grades>. Acesso em: 25 out. 2020. Figura 100: Ilustração por Amanda Miranda. Disponível em: <https:// theintercept.com/2020/05/09/juizes-ignoram-lei-maes-presaspandemia/>. Acesso em: 25 out. 2020. Figura 101: Acervo pessoal (2020). Figura 102: Acervo pessoal (2020). Figura 103: Acervo pessoal (2020). Figura 104: Acervo pessoal (2020). Figura 105: Disponível em: http://www.saopauloinfoco.com.br/historiacarandiru/. Acesso em: 8 out. 2020. Imagem editada por Giovanna Barbosa Bianchini. Figura 106: Acervo pessoal (2020). Figura 107: Acervo pessoal (2020). Figura 108: Acervo pessoal (2020). Figura 109: Acervo pessoal (2020). Figura 110: Disponível em: <https://photos.google.com/share/ AF1QipOPDgUX4LHuffUORwHXgWMqI1-D0tU7yablfCkMPs04eCfXde2 4eVB1jQtXEB5Dfw?key=WWY3bzlubTVaRjFuYjRIX3pXUnhBT2tMaXpEQj Jn>. Acesso em: 25 out. 2020. Figura 111: Disponível em: <https://photos.google.com/share/ AF1QipOPDgUX4LHuffUORwHXgWMqI1-D0tU7yablfCkMPs04eCfXde2 4eVB1jQtXEB5Dfw?key=WWY3bzlubTVaRjFuYjRIX3pXUnhBT2tMaXpEQj Jn>. Acesso em: 25 out. 2020. Figura 112: Disponível em: <https://photos.google.com/share/ AF1QipOPDgUX4LHuffUORwHXgWMqI1-D0tU7yablfCkMPs04eCfXde2 4eVB1jQtXEB5Dfw?key=WWY3bzlubTVaRjFuYjRIX3pXUnhBT2tMaXpEQj Jn>. Acesso em: 25 out. 2020. Figura 113: Prisioneiras, Drauzio Varella, s/p. (2017). Figura 114: Prisioneiras, Drauzio Varella, s/p. (2017). Figura 115: Prisioneiras, Drauzio Varella, s/p. (2017). Figura 116: Acervo pessoal (2020). Figura 117: Prisioneiras, Drauzio Varella, s/p. (2017). Figura 118: Disponível em: <https://photos.google.com/share/ AF1QipOPDgUX4LHuffUORwHXgWMqI1-D0tU7yablfCkMPs04eCfXde2 4eVB1jQtXEB5Dfw?key=WWY3bzlubTVaRjFuYjRIX3pXUnhBT2tMaXpEQj Jn>. Acesso em: 25 out. 2020. Figura 119: Prisioneiras, Drauzio Varella, s/p. (2017). Figura 120: Prisioneiras, Drauzio Varella, s/p. (2017).
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Figura 121: Prisioneiras, Drauzio Varella, s/p. (2017). Figura 122: Prisioneiras, Drauzio Varella, s/p. (2017). Figura 123: Disponível em: <http://www.docidadesp.imprensaoficial.com. br/>. Acesso em: 14 nov. 2020. Figura 124: Elaboração gráfica por Giovanna Barbosa Bianchini a partir de dados de “Dar à Luz na Sombra”, Ana Gabriela M. Braga e Bruna Angotti (2015). Demais ilustrações por Giovanna Barbosa Bianchini.
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Minha jangada vai sair pro mar Vou trabalhar meu bem querer Se Deus quiser quando eu voltar do mar Um peixe bom eu vou trazer Meus companheiros também vão voltar E a Deus do céu vamos agradecer Dorival Caymmi
A música de Doryval Caymmi “Canção da Partida” ficou conhecida entre as presas políticas que estavam detidas no Presídio Tiradentes, por ser a trilha musical da liberdade. Quando uma delas deixava o cárcere, as outras, de suas celas, entoavam a música, para acompanhar a saída da companheira (TORRE..., 2018). Ao fim deste trabalho, vem como uma mensagem de esperança.
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