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2016

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Expediente:

Organização: MST Revisão: Frente Palavras Rebeldes Capa: Gustavo Garcia Palermo Fotos: Ladan e Elitiel Guedes (disponibilizadas na internet) Diagramação: Fábio Carvalho 2

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Que seria das revoluções sem seus hinos? Que seria da luta sem os poetas? Que seria do Movimento Sem Terra sem sua mística, sua poesia cotidiana? Este livro, versos de rebeldia, construído a tantas mãos e poesia em si mesmo, é dedicado àqueles e àquelas que poetizam nossa luta. Aos militantes-artistas, artistas- militantes, que transformam em beleza nossas dores, conquistas, convicções, amores, indignação; que plantam flores em nossos caminhos e nos fazem caminhar mais livres. Aos poetas e poetizas, versando a rebeldia. Versando Rebeldia

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Sumário Prefácio, por Lirinha ...............................................................................11 Apresentação, por Frente Palavras Rebeldes ................................ 13 1. Cirandas de enxadas Poema esdrúxulo (Aldenor da Silva Pimentel ) ............................................ 19 Marcha da insensatez e luta do campo (Antônio Galvão) .......................... 20 Do que é direito (Chico Nogueira) .............................................................. 24 Ao Sinhô Doutor (Daniel Castro) ................................................................. 25 Sangue (Luann Ribeiro Santos Silva) ........................................................... 26 Semeadura (Vanessa Juliana da Silva) .......................................................... 27 O sangue jorra! (Antony Josué Corrêa) ....................................................... 28 Intervenção (Filipe Augusto Pinto Maia Peres) .......................................... 31 Transformação (Marilia Carla de Mello Gaia) ............................................. 34 A ti, Burguês (Natalia Siufi) ............................................................................ 36 Quando abril chegar (André Carlos de Oliveira Rocha) ............................ 38 Tekoha (Eliel Freitas JR) ................................................................................. 39 À esquerda (José Jusceli dos Santos) ............................................................. 40 Oração à Terra Santa (Gustavo Garcia Palermo) ........................................ 42 Aos que permitem a injustiça (Gustavo Garcia Palermo) ......................... 43 Uma bandeira vermelha cravada no latifúndio (Jane Andréia Cabral e Silva) ....... 45 Vida Sem Terra (Lorena Aparecida dos Santos) .......................................... 46 Duelo e Herança (Jose Ferraz de Campos) .................................................. 47

2. Lugar de mulher é no tanque... De guerra! Discurso de um morto-vivo de 500 anos atrás (Idylla Silva Silmarovi Ferreira) ........ 51 Guerrilha: Substantivo feminino (Idylla Silva Silmarovi Ferreira) ............ 53 Se um dia as mulheres enfurecessem (Adriana Novais) ............................. 55 “Catarina da Mina” (Beatriz Maria de Figueiredo Ribeiro) ....................... 56

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Nenhuma mulher mais ficará calada (Nívea Sabino) ....................................... 57 Marcada pra viver (Rodrigo Moschkovich Athayde) ...................................... 60 Me sufoca (Vitoria Maria Beserra Demarchi) .................................................. 61 Sobreviva (Gustavo Garcia Palermo) ................................................................ 63

3. “Se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir” Vidas Bordadas (Beatriz Maria de Figueiredo Ribeiro)................................. 67 É sempre tempo de amor (Bruna Matos de Carvalho)................................. 69 Verdura (Diego Ruas Silva) .................................................................................... 71 Sonhos e Paixões (Messias Vítor de Oliveira) ...................................................... 72 Descansa, é tempo de jogar xadrez-poema hip-hop (Natalia Siufi) ................ 74 Queloide (Tatiana Nascimento) ........................................................................... 76 Sonho Eterno (Maria Elizabete Pereira Guedes) ................................................ 78 Da noite ao dia (André Carlos de Oliveira Rocha) ......................................... 80 Nós (André Carlos de Oliveira Rocha) ........................................................... 81 Arte maior (Maria Divina Lopes) ....................................................................... 82 De/composição (Maria Divina Lopes) ............................................................... 83 Placidez (Maria Divina Lopes) ............................................................................ 84 Chão Nosso (Gustavo Garcia Palermo) .............................................................. 85 “Mítico” (Joatan Oliveira Xavier) ........................................................................ 87 Sei quem sou (Ricardo Jose Caxias Luz) ............................................................ 89

4. Nosso pé de poesia Veneno e contra-veneno (Severiano Hermes Telles) ......................................... 93 Viúvas de Felisburgo (Ana Maria de Lima) ........................................................ 94 Movimento Sem Terra (André Carlos de Oliveira Rocha)............................... 98 Apocalipse Ambiental (Araci Maria dos Santos)............................................... 99 La VIA (Araci Maria dos Santos) ........................................................................ 100 Sonho de justiça (Edivaldo Souza Prates) .................................................... 101 Cultura (Fernando Miguel) ............................................................................ 103

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Rasgando o papel (Fernando Miguel) ......................................................... 105 Cultura violada (José Jusceli dos Santos) ..................................................... 106 Luta de classes (José Jusceli dos Santos) ........................................................ 109 Formação do Brasil (Hildebrando Silva de Andrade) .............................. 111 Amigo comunista (Janderson Silva Santos) ................................................. 113 Massacres: Carajás e Felisburgo (José Lindomar da Silva) .............................. 115 Desabafo (Maria Emilia de Souza) ................................................................. 118 Nosso sorriso (Vanessa Dias Diniz) .............................................................. 120 Poema sobre o fragmento de uma tese (Wellington Emiliano de Morais) .......... 122

Sobre os autores .......................................................................................... 125 Da luta brotam vozes de liberdade .................................................. 127

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Não há vagas O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabem no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras - porque o poema, senhores está fechado: “não há vagas” Só cabem no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço O poema senhores, não fede nem cheira

Ferreira Gullar Versando Rebeldia

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Prefácio Não há palavra que deixe de ser A poesia tem o poder de nos atingir como um sonho. Quando escrevemos, vira luz misteriosa de antigas orações. Quando falamos, torna-se filha do vento. É o lugar onde a voz, ilusão invisível e impalpável, desloca-se, balançando as folhas da árvore do tempo e, se for mais forte, vira até um ser. A poesia é uma antimercadoria e, por isso, infalível e iluminada. Com a sua presença é possível a transmutação do pessimismo e da solidão, pois sua dor é, também, a dor do mundo. A poesia nos oferece um coração sem medo e não permite que bebamos a água do esquecimento. Por isso, lembro-me de Maria Tebana, Chica Barrosa, Naninha dos Brejos, Maria Rochinha, Mocinha da Passira, Maria da Soledade, Severina Branca, que foram orientadas a cultivar o silêncio, mas viveram poetas. Lembro, também, das incríveis histórias do poeta Fabião das Queimadas, que nasceu no século XIX, sob a lei do ventre livre. E comprou a alforria da mãe com o pagamento das suas cantorias. “Quando eu forrei minha mãe A lua nascia cedo Pra alumiar o caminho De quem deixava o degredo” Quem não conhece o passado, não sabe andar no futuro. Versando Rebeldia

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E como esquecer de Lula Calixto? Que me levou pra conhecer a escola onde dava aula de samba de coco. Fomos bem cedinho, contornando a pedra vermelha, molhando os pés no orvalho da ramagem rasteira. Era um assentamento do MST. Guardo forte lembrança. Preservar a memória é se libertar. E agora aqui, convidado pela Frente de Palavras Rebeldes, faço uma pequena apresentação do livro que reúne 60 poesias selecionadas na Semana de Arte e Cultura da Reforma Agrária, realizada em Belo Horizonte, em julho de 2016. Estive presente nesse inesquecível festival ou nessa grande festa da colheita, onde música, poesia, teatro, dança, artes visuais e uma feira, com as produções do movimento, deram seu testemunho, depoimento, prazer e denúncia. Os 60 poemas apresentados na mostra “Versando Rebeldia” versam sobre luta e ternura, falam da roça, da rua, das estradas, dos acampamentos. Mensagens codificadas do recomeço, do desejo, da injustiça, da esperança, da transformação. Vamos à leitura! Quando a poesia toma o poder, um novo mundo se faz. Que esse livro viva, feito o fogo, com sua capacidade de modificar as coisas. José Paes de LIRA Lirinha

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Apresentação Versando Rebeldia

“Sabemos de cor nossas cantigas”, nossas poesias, nossas canções fazem parte da semeadura antiga que herdamos dos povos da terra. Estiveram em longas noites e céus de estrelas. Nos afugentam o medo. Neste livro, a nossa poesia de espantar o medo e atirar pedras conta a história de processos de luta cheios de uma proporcional carga de brutalidade e beleza; de violência e de resistência. Feito de um povo que canta, dança e escreve poemas, o MST se personifica no Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária quando reúne num mesmo espaço a expressividade histórica de seu projeto. Quando afirma cultura Versando Rebeldia

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como produção de alimentos saudáveis como cultivo intrínseco de relações humanizadoras. A humanidade desse projeto esteve no colorido da Feira da Reforma Agrária, no sabor das nossas cozinhas regionais, no calor no peito e lágrimas nos olhos quando cantadas as nossas canções, quando reunidos os nossos poetas e as nossas histórias. A humanidade desse projeto está nas construções coletivas da nossa arte, dos nossos espaços poéticos e políticos. E assim, coletivamente, declamadores, poetas e poetizas militantes Sem- Terra construíram ao longo de quatro dias de festival a I Mostra Nacional de Poesia da Reforma Agrária “Luís Beltrame”. Construiu-se então, em cada dia, um tema articulado aos anseios e realidades dos sujeitos que compõem o movimento: Caldeirão das Bruxas, Iris Poética, Literarte e Viola Enluarada, reunindo gênero, memória, os amores da vida e a luta pela terra. A experiência da Mostra de Poesia é um fruto colhido de processos em que o MST utiliza a fusão de linguagem como ferramenta no seu projeto de construção de uma cultura política e sensibilizadora que, ao criticar o modelo hegemônico de enquadramento da arte e o modelo vigente de produção e reprodução da vida, permite que 14

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sujeitos expropriados de sua condição criativa reencontrem a possibilidade de criação e atuação artística e intervenção política. Façamos, pois, deste livro, das sessenta poesias declamadas na Mostra de Poesia Luís Beltrame, uma vez mais um ato de memória e transmissão de uma experiência viva da grande e necessária capacidade criadora e coletiva de um povo. De um projeto popular. Frente Palavras Rebeldes

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1 CIRANDA DE ENXADAS

Declaro guerra Nas velhas convenções da poesia que matam a poesia do poema, há de se construir o novo, como o sol a despontar para todos em cada verso, ou como a manhã desprovida de sol que entretanto brilha nos olhos. Se as mortes, a mais-valia, o desemprego, os bancos, os trustes, o capital vêm nos alijar a poesia, cada poema será um canto de guerra: Cada silêncio, uma derrota. Cada poema, uma trincheira. Felipe Braga

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Poema esdrúxulo Aldenor da Silva Pimentel

saiu do facebook e foi à via pública trajava calça jeans e blusa preta básica seu rosto era pintado em estilo gótico mas preferiu guardá-lo atrás de uma máscara cantou e caminhou com a multidão de anônimos gritou palavras de ordem no seu tom colérico empunha uma bandeira megalomaníaca e também um cartaz com uma frase irônica a marcha foi contida a menos de um quilômetro da entrada principal do Palácio Monárquico deparou-se com a tropa e seu aparato bélico com balas de borracha e spray de ardente líquido escudos, cassetetes e bombas legítimas que provocavam dor e instalavam o pânico voltou-se contra aquele governo despótico quebrou os vidros com um paralelepípedo foi presa e enquadrada como sendo vândala e apareceu de noite em programa fantástico reparou que vivia situação esdrúxula condenada à torturante pena máxima de ver a reeleição de um desgoverno histórico aliado a um congresso de antibióticos preferia acabar como presa política a apoiar ditadores fugidos do cárcere

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Marcha da insensatez e luta do campo Antônio Galvão

Sinto cheiro de enxofre O ar nefasto e sombrio das Passeatas e manifestações Os artistas... Poetas e músicos São antenas da sociedade Eles escutam a Alma do povo E o sentido da História São tocados pelo invisível E sensibilidade Escutam os ventos, as marés, Furacão, vendaval e o Inconsciente coletivo Percebem a manipulação Midiática nas redes sociais A manipulação do jornalismo A chantagem dos derrotados Revolta justa dos indignados Pela absurda roubalheira E corrupção Agora todos ferrados Em processo de depuração 20

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Existe uma classe política míope Não protege os empregos As famílias Não faz as reformas Política, Urbana, Tributária, Eleitoral e Penal O ambiente é tenso “O ovo da serpente” Aquecido com a histeria Dos insensatos e E a adaga dos oportunistas No ninho da intriga Fecunda ódio, Intolerância, Busca do bode expiatório O poder e o povo A omissão e revolta A vacilação e dívidas sociais O cenário vem translúcido O beijo de Judas Na face da Democracia O impulso consciente É inconsequente Para caos e o Nada Arma-se o Golpe institucional Midiático Versando Rebeldia

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Tudo advindo Da moléstia Cancerosa da política Ganância empresarial E agente público desonesto Se o rumo não mudar Para saciar o desejo De sangue e morte Das multidões Teremos em andamento Um solavanco institucional Vamos todos morrer No abraço Afogados na Ágora da Democracia Oxalá seja a penas Uma crise E meu “pessimismo” Sintoma da meia idade Deus queira que não Exista está infâmia E que a premonição Seja absolutamente Um equívoco Mas cuidados Povo Democrata e Republicando 22

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A Marcha da Insensatez Estรก em movimento A Marcha dos trabalhadores Rurais em campo Pela defesa da terra Dignidade E Democracia Viva o Povo da Terra! Dos campos agrรกrios.

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Do que é direito Chico Nogueira

Quem dirá o que é direito? A quem caberá o direito? E de quem foi feito esquerdo? (que nem de esgueio, liso e lerdo?) e das ilustres palavras afeito? à ferro de forja, o que será feito? E de fazer, quem terá o direito? Quem será o grande herói, a bater no peito? (e a bater na gente chucra, que não entende direito?) Quem dirá o que é direito?

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Ao Sinhô Doutor Daniel Castro

Do Estado, a lei. Do povo, a luta. O direito que tá no gabinete com ar-condicionado, não é o nosso direito, suado ensanguentado com a enxada sempre do lado. A caneta do Sinhô Doutor não tem a força de mil punhos erguidos. O martelo do Sinhô Juiz não tem o poder de mil foices que trabalham a terra. A voz do Doutor Adêvogado não tem o valor do nosso grito de liberdade. Só se tiver do nosso lado. Lado-a-lado. Na rua e no Estado. Aí Sinhô Doutor, de que lado o sinhô está? Do lado de lá ou do de cá? Do lado de lá: a lei e a escravidão; a lei e a ditadura; a lei e a criminalização; a lei e o golpe. Do lado de cá: a luta do escravo; a luta do torturado; a luta do criminalizado; a luta que nunca temeu e que nunca vai Temer. Da lei ou da luta, Sinhô Doutor, de que lado o sinhô está? Versando Rebeldia

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Sangue

Luann Ribeiro Santos Silva

Quantas léguas valem o sangue do camponês? quantas vidas perdemos esse mês? esses anos? Colonizador! assassino! Libertem Babau! Não, não nos calaremos! Queremos a vida que brota da terra, Agroecologicamente combatemos com flores sua violência Nosso desejo é direito e legítimo por natureza com a força dos encantados derrubaremos sua estrutura burguesa a poesia é marreta os companheiros tombados serão plantados com zelo esse sangue na terra, no olho da juventude é vermelho, é negro, é índio, é nosso em luto e na luta.”

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Semeadura

Vanessa Juliana da Silva

Enquanto houver uma semente De injustiça De desigualdade De misoginia De homofobia De racismo De hipocrisia De violência De antidemocracia Nosso grito Terá valido Nosso grito Terá valor Sigamos em luta Não desanimemos Mulheres, homens Trabalhadora e trabalhador Há um mundo a ser reerguido Pautado na vida Nosso bem maior Se aqueles semeiam ódio Nós semeamos amor.

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O sangue jorra! Antony Josué Corrêa

Verte, como verte a água cristalina da fonte. Mas não é água, é sangue. Não é vida...é morte... Vejo o asfalto, seco!!! Áspero!!! Vejo vultos inertes no sangue!! Sangue jorrando no asfalto!! O SANGUE JORRA!! Não estou lá!! Ninguém está! Estamos sempre tão imersos nesse frenético ir e vir, Que é difícil estar em algum lugar de fato. O sangue jorra!! Ouço o choro, Sou inundadx pela tristeza, Estou muito longe. Longe estão as mães e pais, As famílias que não podem socorrer e recolher seus mortos. O sangue jorra!! Sonhadores assassinados, pois só morre quem vive, e só viveu quem sonhou um dia, São sonhadores combatentes, Tombados, Emboscados por humanos, Por objetos manipulados pelo sistema... O sangue jorra!! 28

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Não é o sangue que suja o chão, Tão pouco a terra é sujeira, A sujeira está no sistema, O que contamina não é o sonho, É a ganância que corrompe o ser humano. A ideologia é que dissuade e brinca com a sua mente... O sangue jorra! Assim como os troncos das castanheiras, Postos de pé para que sustentem a lembrança E persistam dia a dia, como se insistindo para que não esqueçamos, Eu vos peço: Não esqueçam! Estamos de pé, pelos que tombaram, Assassinados friamente em El Dourado dos Carajás a 20 anos, Levantamos!!!! Levantamos, porque escolhemos não nos calar, Podem tentar nos derrubar, Podem até nos atacar e ferir, Alvejar, e dilacerar com tiros nosso peito, Não importa, pois o que levantamos nos transcende, É a vida que alimenta a luta, E a luta alimenta a vida! E antes dela ser ceifada pelos servidores do capital, Eu já doei meu espírito a luta, Matam meu corpo!! Mas não meus sonhos e ideais!! Eles vivem em quem acredita na causa. Não deixem morrer! Não me deixem morrer depois que tombar!!! Não me esqueçam! Versando Rebeldia

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Sabe por quem mais nos levantamos?? Pelos companheiros caídos no dia 07 de abril, Em quedas do Iguaçú, no Paraná, No acampamento São Tomás Balduíno, Eu não estava lá para defendê-los, Mas a mim coube lembrá-los, para que haja sentido... Falar de reforma agrária, É cômodo, Discurso e debate, mesmo que acalorados, São essenciais, mas cômodos, Mas não esqueçam, daquelxs que acreditam no que vocês proferem, A ponto de darem suas vidas pela causa! Então, o sentido não pode ser meramente uma delimitação acadêmica, E isso precisa ser sentido!! Estão ouvindo isso? Calem-se por um instante, e ouçam... É a vida que está pulsando e mantém a luta. É o sentido... E vocês sabem de onde ela vem? Do que sangue que jorra no asfalto, Do sangue que cai sobre a terra, E verte pelo peito aberto por um projétil ardil. Que sentido isso tem para vocês? Eis a mística, Não esquecer...o sentido, Pois é ao esquecer este sentido do pelo que vale morrer, Que o sistema nos torna alienados, Não animais, mas meros objetos. Resistamos!!! Lembremo-nos!!” 30

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Intervenção

Filipe Augusto Pinto Maia Peres

1 É gradativo de acordo com o crime: traidor assassino socialista trabalhista campesino comunista. Cadê o exército, rapaz? 2 Às vezes olhos de mordaça às vezes olhos e mordaça: Cadê o exército, rapaz? Tá na terra, contra a terra. Vigiando. Cadê o exército, rapaz? Está com seus terceirizados: Polícias Militares Grupos paramilitares. Está com a ABIN monitorando. Versando Rebeldia

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Cadê o exército, rapaz? Tá em Canudos Massacrando. Não tá não. Esteve. Cadê o exército, rapaz? Tá com as 650 mortes no Pará. Não tá não. Terceirizou. Fingiu que não viu. Teve. Cadê o exército, rapaz? Tá vendo os mil assassinatos agrários Todos impunes. Cadê o exército, rapaz? Tá com a Irmã Adelaide Carajás, Pará. Não tá não. Teve. Cadê o exército, rapaz? Tá de novo em Eldorado dos Carajás Pará. Não tá não. Teve. Continua tendo. Cadê o exército, rapaz? Tá em Quedas do Iguaçu não vendo a PM. Paraná. Teve. 32

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3 Cadê o exército, rapaz? gritam fazendeiros gritam latifundiários gritam grileiros e seus jagunços agem milícias particulares as forças policiais gritam setores do judiciário gritam rentistas e viva o deísmo de mercado e viva o deísmo demarcado. “”Na fronteira a chapa é quente”” celebra com orgulho o nobre o democrata o parlamentar.”

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Transformação

Marilia Carla de Mello Gaia

Meu filho, você não nasceu sob a lona preta, não sentiu o frio da madrugada ou esperou a separação da cesta básica pro povão. Quando você veio... terra repartida, casa de alvenaria, arroz brotando do chão. Ainda assim nasceu Sem Terra! Aprendeu o sentido dos punhos erguidos, da luta e da ação. Quando você veio já havíamos chorado por Corumbiara e Carajás. Você só conhece essa história da mística que te embalou. Nós te levamos para ver o local dos nossos mortos em Felisburgo... mais de 10 anos depois. Para você era um campo florido, pra mãe e pro pai, tristeza e solidão. Fico pensando quando vou te explicar sobre Reforma Agrária Popular, Agroecologia e Cooperação. Ah, e também sobre Che Guevara, Paulo Freire, Elisabete Teixeira e o sonho de uma outra nação. Te espero, velhinha, e você me contando que tudo isso se concretizou: 34

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terra sem sangue; comida sem veneno; escola em movimento; soja sem transgênico; vida em revolução. Um dia nós fizemos esta opção, e esperamos que você possa seguir este ciclo de transformação.

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A ti, Burguês Natalia Siufi

Arregaçado teu arame farpado e tua terra bem dividida Quero tua empresa falida Câncer no teu consumo necrosia na tua estupidez Gangrenada tua posição quero tua classe desclassificada tua propriedade arruinada e todos os monumentos Apodrecidos teus heróis, bustos forrados de excrementos Nem teus palácios nem mansões Asfixia nos pulmões de tua vaidade Quero pra todos tua comodidade Esfaqueada tua homofobia Teu machismo e tua misoginia Soco no estômago de tua ambição Úlcera aberta no teu brasão Cirrose hepática no teu único deus Cuspida a herança de todos os teus e caco de vidro, teus anéis e princesas Quero pra todos as tuas riquezas Atrofiadas tuas cercas elétricas Anemia profunda em teus carros blindados Vandalismo nos teus bancos Estragada tua comida veneno Tua transgenia e teu latifúndio E fraturado teu egoísmo Quero pra todos comida no prato 36

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Pro inferno teu talento nato Abulia a teu fundamentalismo Hematoma no teu amor pequeno Quero pra todos teu trabalho ameno e teu tempo de sobra pra pensar Arrancadas as unhas do teu poder Teu assistencialismo estuporado Quero pra todos o que tem guardado em teus cofres de ouro no exterior E às tuas guerras, pavor Corte fundo no teu ódio Adoentado cada pódio Agonizada tua mídia escrota rasgada a boca de teu cinismo E arrebentada tua instituição Teu imperialismo em comichão E tua globalização insana Quero pra todos a tua cama e travesseiro macio E que a igualdade entre no cio multiplicando o produzido E sobrará em teu ser humano depois de tudo engolido Gente ainda aí dentro E já não será inimigo.

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Quando abril chegar André Carlos de Oliveira Rocha

Pode pairar a injustiça, pode reinar a intolerância, mas tudo será diferente quando abril chegar. Se a esperança ainda insiste, se a rebeldia aqui resiste, a intransigência que dite quando abril chegar. Quando abril chegar os latifúndios serão ocupados e nossos mortos serão vingados. Quando abril chegar a agitação será permanente e a propaganda, cotidiana. As canções serão de luta e o amor será camarada, quando abril chegar.

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Tekoha

Eliel Freitas JR

Luz da alma Que acessa, ascende A luta A vida A lágrima Que na dor E da dor Irriga a esperança E faz nascer Gerações após gerações Corações e corpos Espíritos e mentes De guerreiras De guerreiros Que na luta Na vida Na morte Na dor Têm na terra Da terra E com a terra Seu espaço de vida Mãe generosa Território de luta Lugar onde se é!

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À esquerda

José Jusceli dos Santos (Garganta de Ouro)

“A esquerda está perdida foi em vão nossa caminhada. Nossas forças foram suprimidas e a esperança foi sufocada. Não há sonho a ser sonhado. Não há horizonte a ser seguido. Tudo que foi semeado, colher, não será permitido. As ruas ficarão vazias. Só há o silêncio aos oprimidos.” A esquerda não está perdida nem foi em vão nossa caminhada. Nossas forças não foram suprimidas e a esperança não está sufocada. Há sim sonho a ser sonhado há horizonte a ser seguido. Tudo que foi semeado, nem que haja sangue derramado, tudo, tudo, tudo, será colhido! A sede, a fome a fúria por liberdade, não ouvirão a ordem burguesa. E está decidido: As ruas serão tomadas. Os direitos serão mantidos. A democracia ovacionada. E a consciência de classe dará ritmo ao levante. 40

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Aos opressores diremos: Não mais as sobras! Aos opressores diremos: Não formamos covardes! Aos opressores diremos: Dividiremos tudo o que tens! Nem favelas, nem mansões. Nem senzalas, nem barões. Haverá lutas, haverá conquistas! O povo dará voz ao povo. O povo dará olhos a justiça.

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Oração à Terra Santa

Gustavo Garcia Palermo

Ó, Terra Santa! Mostrai-me a verdade das fajutas caras desses homens que te pisam Mostrai-me a realidade escondida pelos grandes que te cobiçam Ó, Terra Santa! Dai-me um pouco do nada que nos é distribuído Dai-me aquilo que é meu que não foi bem dividido Mantei-me íntegro no trabalho que tenho exercido Mantei-me o bucho com o mínimo de alimento preenchido Ó, Terra Santa! Sua Vida é minha vida Sua morte é minha morte Quem dera eu tivesse a sorte de sequer nem ter nascido Ou será que sou abençoado por ter sobrevivido? Devo me sentir honrado por um dia ter te conhecido

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Aos que permitem a injustiça

Gustavo Garcia Palermo

Não quero de forma alguma cravar em seu peito as verdades sobre os crimes de João, o latifundiário Muito menos lambuzar seus olhos com sangue indígena das mãos de Almir, seu vizinho mercenário Só quero que saiba que Joana, esposa de Tomé não deveria morrer em vão, de câncer, de João muito menos de hematoma, de Tomé Nem que Leona, a vadia trans da favela se torne alvo de fluorescentes lâmpadas, nem de facas, balas, homens, palavras Nem de olhares afiados, pontiagudos, fatais Que as palavras destinadas à Maria e Leona não causem ruptura de seus corações nem a ruptura da dignidade Queria que soubesse, que Tito, o vendedor de doces roubou os doces para vender que o dinheiro da venda, foram pra comprar mais doces e cola O sonho de Manú, mãe de Tito é ter um ar condicionado para refrescar as dores refrescar a miséria e os hematomas de Tomé Queria que soubesse que a vizinha de Manú, a Leona vadia trans da favela come a carne do gado de Almir, o mercenário Leona não come apenas proteína animal, Versando Rebeldia

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ela bebe e se farta do sangue e da carne de Iberê criança de etnia Caingangue Iberê foi adubo nas terras de Almir Saiba que pouco mais ao norte, e mais ao sul Lucas bebe leite de sua mãe no Rio Verde Que Lucas bebe de sua mãe diclorodifeniltricloroetano Que isto bebe Lucas, e Lucas chora em silêncio Chamo-te a atenção para Maria, para Ana e Mariana Suas lamas camas deságuam no mar, já suas vidas silenciadas pela vida choram sufocadas no Doce do Rio que esse Doce, não é o mesmo que o de Tito Amarga na boca, suja a boca de lama agora sem cama, nem lama Mariana nem chora mais, nem mostram mais nem indignação causa mais Aos que permitem a injustiça Peço apenas que engulam o leite, a carne, o doce, a lama o sangue, o ar condicionado, o câncer e me responda como não engasgar com tanto?

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Uma bandeira vermelha cravada no latifúndio Jane Andréia Cabral e Silva

Lá aonde já não se via mais esperança o verde significava morte e a carne do boi era a fome dos pobres. Lá onde a terra e o silêncio nos fazia lembrar de pessoas sem terra e escravidão em tempos de “Paz”. Lá, foi cravada a bandeira vermelha. A morte agora é do latifúndio A paz agora é a Paz de crianças, homens e mulheres felizes construindo a sua dignidade.”

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Vida Sem Terra

Lorena Aparecida dos Santos

Lutar Construir Reformar... Pessoas que sofrem Olhos que choram O frio que bate A fome que rói O preconceito que destrói Um punho que se ergue Um olhar que brilha Um coração que dispara Não mais se vê um Mais uma multidão O povo que faz revolução... Na beira da estrada Há uma família acampada Uma lona estendida Faz sua morada Ninguém vê, quem vê ignora E pela estrada vão s’embora Um punho que se ergue A multidão que se levanta Indignada... Somos gente Somos filhos da terra Somos quem luta Livres e fortes Somos Sem Terra. 46

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Duelo e Herança Jose Ferraz de Campos

Silêncio!... Pende à balança ou à espada no duelo por terra? De lá: a farpa, a tirania, a escravidão... Daqui; a Arpa, a liberdade o pão... E a terra? A terra segue num cenário de guerra e de paz... Psiu! Há mortos... Os projéteis romperam grades, caminhos, árvores, casas e templos. E ceifaram vidas... Corumbiara, Carajás, Felisburgo... Lhes restam memórias, somente, eternas e ardentes. E a impunidade? Ah! a impunidade inundou palácios a encharcar carpetes e mentes E a Justiça? A Justiça herdou a ciência, mas se fizera cega diante da vida. Cega? Quem sabe; até que a espada da sorte possa extirpar-lhe às vendas sem ferir-lhe as pestanas. Paciência!?... Versando Rebeldia

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2 LUGAR DE MULHER É NO TANQUE... DE GUERRA! Somos homens. E eu vou usar linguagem “de homem”, pra tentar ficar mais claro. Ninguém nos apalpa no caminho do banheiro, na balada, puxa nosso cabelo ou nosso braço, ou sussurra “vagabundo” no pé do nosso ouvido apenas porque queremos mijar. Ninguém nos encoxa no metrô ou no ônibus, goza na nossa calça ou no nosso ombro, filma escondido a gola da camisa e publica em site pornô. Ninguém fotografa nossa bunda e envia por Whatsapp. Ninguém coloca câmera escondida pra filmar por baixo de nossas bermudas na rua. Ninguém pega foto do nosso pau ou vídeo gravado transando pra tirar onda com as amiguinhas de como nós somos gostosos e que vagabundos nós somos. Ninguém se vinga de fim de relacionamento expondo nossa intimidade na Internet, pra familiares, amigos, chefes. Nenhum taxista, por mais bêbado que estivesse, me levou pra um matagal em vez do destino que pedi. Nunca fui seguido na rua, voltando do trabalho, e temi coisa alguma senão perder o celular ou a carteira. Versando Rebeldia

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Nenhuma mulher nojenta ficou se lambendo ou esfregando a mão enquanto eu atravesso a rua. Nenhum assaltante jamais enfiou a mão na minha calça ou tentou me beijar à força. Ninguém nunca me ameaçou a vida depois de uma bota. Ninguém nunca ameaçou meu emprego a troco de sexo. Nunca tive medo de circular de noite ou de dia e ser vítima de um estupro. Meu salário é oferecido de acordo à minha qualificação e estado do mercado. Só. Minha liberdade sexual é garantida pelos bagos que carrego, e, inclusive, quanto mais mulheres eu colecionar, mais foda eu sou. Ninguém espera que eu largue o trabalho e dedique minha vida aos filhos, quando eles nascerem. Ninguém vai me chamar de puto se desejar tomar uma cerveja no fim do expediente. Ninguém vai criar qualquer conceito sobre mim senão baseado nas minhas reais atitudes. Então, fera, veja em quantos pontos supracitados você se enquadra e me conta como é bacana a vida sem essa violência indireta ou direta, como é simples viver assim. Lembra desse papo quando nomear “vitimismo”, “mimimi”, “falta de rola”, “louça pra lavar”, enfim, os clichês que a gente conhece bem. Não precisa pensar na desconhecida não: pensa na sua mãe, sua irmã, sua companheira, sua filha… Faz o mais forte exercício de empatia do mundo, que é se colocar no lugar delas, volta aqui e me chama de “feministo”. Aguardo ansiosamente. Mário Feitosa

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Discurso de um morto-vivo de 500 anos atrás.

Idylla Silva Silmarovi Ferreira

Tirada da costela para ser companheira, para servir, para ser a mãe enquanto o homem, o varão o cabron vai e domina, puxada pelos cabelos para a caverna da relação matrimonial arranjada forjada onde você deveria ao menos agradar seu marido sendo mulher, amante, mãe, calada sem reclamar no muidinho do seu hímen que vale ao seu pai o dote o trote de quatro da mula manca rasgada e arrombada que recebe muda moeda de troca de sua menarca presa no sempre livre perfumado que depois de tirado já não serve como tu então vá mulher, vá tomar um banho que hoje eu vou lhe usar. Que quando boa serve aos preceitos de um deus de um sexo pecador reprodutivo sem prazer sentindo a ausência de um falo que nunca teve nem nunca terá, você a responsável da má sorte de Adão, você que nos tirou do paraíso do Éden , você Helena que leva homens a morrerem em Troia, você Pandora que traz a escuridão ao mundo, você Medusa que transforma homens em pedra, você Suzana Vieira com seus 10 milhões de brasileiros que amam o seu tico tico cá seu tico tico lá, você cigana Meneghel que leva os baixinhos a perdição, você a nova loira do tchan que desce na boquinha da garrafa, sereia que afunda navios você mulher infiel sétima trombeta das portas do apocalipse, você bruxa compactuada com o demônio deverás sofrer por ti e por suas antecessoras e sucessoras mau sucedidas que exigem em vão a igualdade salarial entre tantas outras exigências vis e inúteis. Terás tu que sofrer o mau que causas no ônibus e no metro quando levantas seus sovacos cabeludos ou quando caminhas a noite Versando Rebeldia

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pelas ruas achando que podes caminhar sem a presença de um homem para chamar de seu mesmo que seja eu. Você merece... merece a fúria dos homens em você, encima de você, embaixo de você, dentro de você, nos seus orifícios, mereces o ácido que corrói a sua face e te marca como suja.Joga Pedra na Geni! Joga bosta na Geni! Irás pagar a sua vinda a terra, Madalena. O que dirá o santo padre que vive em Roma ao ver que gritas, que abortas, que cantas, que danças, que curas e que oras nas florestas escuras com suas companheiras, o que dirá eu? Salvador do mundo, Füher que limpa e extingue a sua raça, inquisidor, juiz e dono do seu destino enviado por Deus? Pera amoré, Hás de arder no fogo hás de queimar viva em praça hás de sentir as dores de seres o que és. (Batendo panelas) Queime a Bruxa and Military intervention now!!!

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GUERRILHA: Substantivo feminino

Idylla Silva Silmarovi Ferreira

Guerrilha (guer-ri-lha) Substantivo feminino se caracteriza por ações descontínuas de inquietação, emboscadas, o principal estratagema é a ocultação e extrema mobilidade das combatentes, chamadas de guerrilheiras. 1 Bando armado de voluntárias treinadas militarmente de formas clandestinas, que em geral atacam o inimigo pela sua retaguarda, com o objetivo de importuná-lo. Guerrilheira Substantivo feminino, Aquela que participa de luta armada por causa ideológica, geralmente em oposição ao regime estabelecido. Aquela que está vestida com as roupas e as armas de Anita Garibaldi, com os caminhos abertos pelas matas, campos, rios, aquela que sobrevive e reexiste todos os dias, aquela que acorda pela manhã e cuida dos filhos e da casa, aquela que acorda meio dia e não cuida de ninguém, aquela que teme andar na rua a noite mas ainda assim anda, aquela que é mestre em química, matemática, física, que joga futebol, aquela que não deseja nenhum homem, aquela que deseja mulheres, aquela que deseja homens e mulheres, aquela que não se importa, aquela que não abaixa a cabeça que levanta a voz, aquela mãe solteira que cria os filhos sozinha, aquela que prefere ir mil vezes a guerra que parir uma só vez, aquela que vive nas comunidades, nas aldeias, aquelas do MST, aquelas que sobreviveram a lama das grandes mineradoras, aquelas que queimaram nas fogueiras da inquisição, na fogueira da mídia, da opinião pública, aquelas que estão na universidade, aquelas que lutam pela saúde das mulheres acompanhando abortos seguros, no ensino básico, aquelas que batem laje e capinam a roça, aquela que ainda tem 10 anos e começa a ter seus Versando Rebeldia

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primeiros pelos, aquela que se depila que não se depila, aquela que é depiladora, manicure, cabeleireira, aquela filha da puta que não quis parir e abortou, aquela que sai de saia curta, aquela que sai de burca, aquela jovem que fuma maconha também, aquela que escreve poesias, que canta, que dança, aquela das giras de candomblé, aquela umbandista, crista, budista, aquela que não vai pagar a conta, aquela violada, violentada, aquela assassinada, aquela na prisão, aquela que é silenciada e a que vai gritar, aquela que corta picas e se reclamar também vai cortar as bolas. Comandanta Ramona, Maria Bonita, Violeta Parra, Pagu, Domitila Barrios, Olga Benário, Maria Victoria de Santa Cruz, Frida Kahlo, Dandára, e tantas outras companheiras de guerrilhas: PRESENTE ! Guerrilheiras da América, uni-vos!

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Se um dia as mulheres enfurecessem Adriana Novais

Em fúria não permitiriam que a televisão pautasse sua beleza. Em fúria faliriam todas as clínicas de estéticas. Jamais transariam sem vontade. Se um dia as mulheres se enfurecessem não aceitariam que o Estado regesse seu corpo. Em fúria decidiriam se queriam ou não, ter filhos. Em fúria não usariam roupas desconfortáveis em nome da aparência. Em fúria usariam apenas a que lhes dessem vontade. Em fúria não permitiriam que a outra apanhasse. Em fúria revidariam os tapas na cara, os chutes e os ponta pés. Em fúria não seria escrava em sua própria casa. Se um dia as mulheres se enfurecessem, calariam a boca dos padres e dos pastores que pregam os dever da sua submissão. Em fúria denunciariam todos os abusos cometidos nas igrejas, no trabalho, nas delegacias, nos hospitais e aqueles cometidos dentro das suas casas. Em fúria, ensinariam as filhas a se defenderem e os filhos a não estuprarem. Ah! Se um dia as mulheres sem enfurecessem, escrachariam todos os companheiros de luta, dos partidos e movimentos, colocariam a nu seu machismo disfarçado no discurso revolucionário. Em fúria, ocupariam os jornais, as redes de televisão contra a misoginia e o racismo. Um dia, irmanadas numa grande fúria, todas elas, de todos os lugares, de todas as etnias, esmagariam todas as correntes da sua opressão. Esmagariam o Estado, a Igreja e a Propriedade. Versando Rebeldia

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“Catarina da Mina”

Beatriz Maria de Figueiredo Ribeiro (Homenagem a Catarina da Mina, escrava que comprando sua alforria se tornou dama da corte em São Luis do Maranhão).

Puxa a bala, nêga quero comê alfinim de rapadura de coco da praia ou de jerimum da terra dura Torra a massa, nêga quero comê farinha puba pro beju guarda um pouco e outro tanto pra jacuba Ordenha a vaca, nêga, quero comê coalhada crua adoçada com gramixó comprado na venda lá da rua Repara, nêga a esperteza, a minha gula e só tu quem trabalha e eu de banda pra lua “A sinhá é que se engana, deste meu trabalho de mula O sopro do vento inda muda neste dia teu deus que te acuda sou Catarina da Mina, menina da mina pura”. 56

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Nenhuma mulher mais ficará calada

Nívea Sabino

Digo que a revolução será debochada Segue comigo vai ser rimada poetizada Te apresento em versos - a maior luta armada Negra dominando a fala e a palavra por essa eu sei Que cê não esperava (fez de mim escrava) Filha da... empregada! que procurava vaga na escola “”fraca”” que não era paga Vim dizer que você fraquejou no plano de oprimir a negrada Lá na minha quebrada a gente rima “favelada” com “empoderada” Versando Rebeldia

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Sapatão é as minas que irão te mostrar que seu “liliu” na mão diante do meu “não” é uma piada Ei, macho alfa! - sofre não! Sofre não...! Nenhuma mulher mais independente da cor ficará calada enquanto houver outras violentadas Violeta é a cor que marca a luta de resistência ao roxo que ocê deixou Preta nagô, nagôôô... Vamos dizer do tanto que Dandára lutou Cê acha mesmo que só barbado resistiu ao escracho!? Eu sangro! - Faça-me o favor! Não passará, enquanto eu não passar! Passar gritando, denunciando o mundo tosco que nós criamos 58

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A cada uma hora e meia uma mulher é morta Minha poesia não mede a fala que põe na cara: O Brasil é o país que mais mata: mulher preta transexual e viada.

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Marcada pra viver Rodrigo Moschkovich Athayde

O cabra marcado pra morrer marchou sua luta por justiça e liberdade nas várzeas da Paraíba fundou a sua Liga junto à companheirada, organiza, planta, desafia os coronéis que escravizam, agora se calam trabalhador organizado não gera mais-valia mas dá um trabalho! o patrão que tem medo, age como cobra acuada se finge de morta e dá o bote na hora exata a burguesia não olha no olho, não debate, não faz nada sem mostrar a cara, ordena a covardia, e por ela paga com o conhecimento nos braços, de tiro covarde, João Pedro tombou na estrada a mulher marcada para viver ao ver o cabra morrer, tomou atitude inesperada aceitou sua herança e, marchando, abraçou sua intifada à guerra justa sacrificou tudo seus filhos, seu corpo, sua identidade mas jamais faltou à palavra dada das Ligas Camponesas ao MST Elisabeth ainda marcha

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Me sufoca

Vitoria Maria Beserra Demarchi

Me sufoca o racismo A homofobia O genocídio O ódio gratuito O preconceito O pré conceito Me sufoca o machismo O patriarcado O assédio O estupro As cantadas Me sufoca a religião A ideologia A imposição A dominação A condenação Me sufoca a falta de tempo A pressa A poluição As pessoas invisíveis Me sufoca a política O estado O descaso A corrupção A crise Versando Rebeldia

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O golpe A ditadura A polícia Me sufoca o capitalismo O latifúndio O agrotóxico O transgênico A monocultura Me sufoca a mídia A alienação Os padrões de beleza Me sufoca a exploração A escravidão A submissão A imposição Me sufoca os padrões Os rótulos A perfeição A superficialidade A pressão A avaliação Me sufoca dar explicações Satisfações Justificativas E você? O que te sufoca?

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Sobreviva

Gustavo Garcia Palermo

Saída do ventre de minha mãe, ensanguentada me mantive respirando, me mantive viva, me mantive sobreviva Amamentada pelo leite dela e da vaca, me mantive alimentada, me mantive nutrida, saudável Em seus braços esqueléticos me mantive aquecida, confortada, protegida Em casa todos brincavam com o órgão sexual do meu irmão recém nascido mantive minha vagina escondida, retraída, protegida Ainda criança não pude correr, brigar na rua, falar palavrões então me mantive frágil, indefesa, comportada A professora e todo mundo me disseram que eu não podia ficar com as pernas abertas me mantive delicada, pernas cruzadas, me mantive educada Quando crescida fui proibida de expor os seios, então me mantive bem vestida, tetas escondidas, protegidas Na adolescência me condenaram por ter pelos nas axilas e no púbis, me mantive rapada, depilada, me mantive delicada E ainda todos os pelos do meu corpo e em torno da sobrancelha foram criminalizados, me mantive descolorida, depilada, delicada Desde sempre fui negada à masturbação, me mantive inocente, contida, me mantive envergonhada Aos 17 anos engravidei, me mantive puta, exposta, me mantive sozinha Algum tempo depois me casei com o homem dos sonhos, me mantive mãe, cuidadosa, me mantive proibida Fui impedida de trabalhar fora além de estudar me mantive dependente, dona de casa, escondida E por fim, com esse meu marido, com essa vida, me mantenho como quando nasci, ensanguentada mas respirando me mantenho viva me mantenho sobreviva Versando Rebeldia

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3 “SE NÃO NOS DEIXAM SONHAR, NÃO OS DEIXAREMOS DORMIR” Instruções para esquivar o mau tempo Em primeiro lugar, não se desespere e em caso de agitação não siga as regras que o furacão quererá lhe impor. Refugie-se em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo. Compartilhe o mate e a conversa com os companheiros, os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura. Não deixe que a estupidez se imponha. Defenda-se. Contra a estética, ética. Esteja sempre atento. Não lhes bastará empobrecê-lo, e quererão subjugá-lo com sua própria tristeza. Ria ostensivamente. Será imprescindível jantar juntos a cada dia até que a tormenta passe. Versando Rebeldia

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São coisas simples, mas nem por isso menos eficazes. Diga para o lado bom dia, por favor e obrigado. Dê tudo o que tiver, mas nunca sozinho. Eles sabem como emboscá-lo na solidão desprevenida de uma tarde. Lembre que os artistas serão sempre nossos. E o esquecimento será feroz com o bando de impostores que os acompanha. Tudo vai ficar bem se você me ouvir. Sobreviveremos novamente, estamos maduros. Cuidemos dos garotos, que eles quererão podar. Só é preciso se munir bem e não amesquinhar amabilidades. Devemos ter à mão os poemas indispensáveis, o vinho tinto e o violão. Sorrir aos nossos pais como vacina contra a angústia diária. Ser piedosos com os amigos. Não confundir os ingênuos com os traidores. E, mesmo com estes, ter o perdão fácil quando voltarem com as ilusões acabadas. Aqui ninguém sobra. E, isto sim, ser perseverantes e tenazes, escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites. Ainda sustentados em teimosias se a fé desmoronar. Nisso, não haverá trégua para ninguém. A poesia dói nesses covardes.

Paco Urondo (1930 – 1976) foi escritor, jornalista, poeta, militante político e guerrilheiro argentino.

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Vidas Bordadas

Beatriz Maria de Figueiredo Ribeiro (construído a partir de falas recolhidas de camponeses e camponesas dos assentamentos da região sudeste do Pará, vinculados ao programa de alfabetização de jovens e adultos).

Cada página em branco é pra mim que nem se fosse um sonho. Penso numa vida mais fácil pra sobreviver Só falta um nome pra eu chamar tal tal dos cacete dos anzol. O problema é que só sei assinar meu nome malmente. Nunca morei perto de escola, eu nasci os dente foi dentro da roça e a escola que meu pai me botava era a escola do pé do toco. Só sei que tem ponto parágrafo tem sílaba e interrompimento. Em termo de filmagem e repostagem eu aprendi um pouco rodando o mundo. Achei que ele era bom hoje eu tô arrependido não sei se fico aqui ou pra onde vou sei que o mundo é largo e comprido. Versando Rebeldia

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O meu nome mesmo com as vista fraca eu aprendi assinar pelo um desenho Mas o nome que eu desejo agora não é Gregório nem Gerosina nem Risonho nem Pirruncha. A danura dele vou dizer qual é: tá em não poder dizer nem escrever. É tal e qual água no chapadão, só se vê de longe e quando deus quer.

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É sempre tempo de amor Bruna Matos de Carvalho

É sempre tempo de amor, mesmo com toda a dor, indiferença e egoísmo. Mesmo com todo o ódio inflamado. Mesmo que clamem por sangue e que a violência seja a palavra de ordem de alguns É sempre tempo de amor, ainda que os medos sejam constantes ainda que a utopia pareça distante ainda que venham as contradições e mesmo nas nossas fileiras convivamos com a dor É sempre tempo de amor, apesar das feridas e todo esse sangue apesar das nossas veias abertas apesar dos nossos continuarem tombando e a vida pareça tão frágil É sempre tempo de amor, mesmo quando tudo parece cansaço mesmo quando as derrotas batem à porta mesmo quando a desesperança assombra e quer fazer ninho no coração É sempre tempo de amor, porque se nossos pés estão cansados muito mais firme é a nossa convicção, nossa lealdade e esse amor que nos faz continuar a caminho. Versando Rebeldia

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Pois se entre lágrimas enterramos nossos mortos a história não nos deixa esquecer e não se deixará repetir, e assim eles se fazem sementes que brotam no caminho as flores de uma nova estação. Se fazem presentes em sorrisos e luta É sempre tempo de amor, porque o afeto, o carinho, a ternura não nos faltam e o caminho é também cheio de flores e amores, porque a certeza da vitória não nos falta e a esperança nunca se apaga em nosso peito. Porque não nos falta a coragem de seguir construindo um mundo novo, com mulheres e homens novos É sempre tempo de amor, porque a ousadia e a coragem não se enterram. Podem invadir ou depredar lugares, Podem nos bater, nos perseguir, nos ameaçar. Não podem nos impedir de sonhar e lutar! Não podem nos impedir de amar! A despeito de todo ódio seguimos firmes! A despeito de todo ódio o amor resiste! É sempre tempo de amor porque nada pode deter a primavera e o povo! Porque nada pode deter a primavera do povo! Venceremos!

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Verdura

Diego Ruas Silva

Para quem tem fome a esperança Ê verde e dura.

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Sonhos e Paixões Messias Vítor de Oliveira

Já roubaram nossas noites, roubaram também nosso entardecer, mas não roubarão nossas manhãs... Ainda que não queiram, a natureza insiste e, na angústia da noite, o sol, teimosamente, ensaia a su’aurora Já roubaram nossos corpos, roubaram também nosso descanso, mas não nos impedirão de dormir... Ainda que não queiram, teremos nossas paixões, nossos desejos e ternuras! Já roubaram nossos filhos, roubaram também nossos sorrisos, mas não roubarão as nossas vidas... Ainda que não queiram lutaremos gritaremos n’alegria, sabemos de cor nossas cantigas ! Já roubaram nossos brinquedos, roubaram também nossos amores, mas não roubarão nossas utopias... Ainda que não queiram, sonharemos – esquecem que, enquanto sonhamos, alimentamos em nós o desejo de vida! 72

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Já roubaram nossas noites, nossos corpos, filhos e brinquedos, roubaram nosso entardecer, descanso, sorrisos amores, mas não roubarão nossas manhãs e utopias... Ainda que não queiram, lutaremos, sonharemos, nos apaixonaremos à luz da aurora, e estaremos ressuscitados, mesmo que não queiram

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Descansa, é tempo de jogar xadrez (poema hip-hop) Natalia Siufi

Não existem só três cores nesse arco-íris, não se resume a verde-amarelo ou vermelho meu coração, não se faz política sem discussão, não se sai pra rua sem organização, reunião, debate, de quarteirão em quarteirão, representante de bairro… sabe? Acho que nossos avós sabiam, nossos pais talvez se lembrem… ditadura dureza que massacrou nossa classe, destruiu nossas cozinhas, que eram o público da casa, os espaços de conversas, agora com TVS ligadas, Iphones, tomadas-faces-twitadas, ninguém proseia mais nada e a mídia nadando de braçada, determinando caminhos, abrindo estradas, como quem não quer nada, presidindo o país sem presidente, o país estado ausente, que é pau mandado do exterior. E a Vale do Rio Doce, e a Samarco, e a lama? E a MonSanto com sua microcefalia programada? E a zika social instaurada? Isso não vale panelada? Se a estrela vermelha fosse a sombra era mais fácil. Difícil é expulsar multinacionais, capitais internacionais, impostos, dívidas ilegais, rediscutir a bancada, explodir a esplanada, tocar fogo nessa engrenagem emperrada, onde trabalho é vendido à baciada, e preta e pobre é estuprada e favela é turismo de bacana. Difícil é ter tempo pra conversar, construir, organizar outro mundo possível que tenha de fato cores, que tenha de fato amores, que expulse esses tumores, que pare de tremer nesses rumores, que fortaleça o que é ser público abandonando o indivíduo-ego-bandido – esse sim roubando nosso espaço, rompendo laço, impedindo abraço. E mais amor com menos polícia é uma vida sem medo, sem tanto brinquedo acessório, onde o ser humano aprende a lavar sua roupa, bancar sua vida e cozinhar seu alimento e pra isso tem que ter tempo. O que nos cabe talvez seja roubar de volta o nosso tempo, pra ter tempo de jogar conversa 74

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fora, desligar os televisores, falar de nossas dores, de tantos dinheiros tarjas pretas, indústria farmacêutica, hospitais da morte programada, é começar a construir outras estradas, sem tantas bandeiras levantadas... E deixa eles pra lá. Deixa a Dilma lá… isso é golpe de gente sacana, é machista é imperialista, coisa de bacana que quer que o Brasil perca tempo pra continuar cobaia, pra continuar mão de obra barata, pra continuar matéria prima de graça, pra continuar exportando soja cana gado, pra continuar comendo enlatado. Isso não se faz! Da minha boca em movimento tem mais cores e menos lamento! Sigo, vivendo!

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Queloide

Tatiana Nascimento

aguardando... aguardando aguardente no balcão rangente, rangendo os dente atento em tudo que se movimente um soluço menor que fosse o impulso jamais pego no susto, sagaz que nem capataz mas incapaz de cagüete. “tu é macho ou enfeite? diz!” “tu é macho ou enfeite rapaz!” tu é macho ou enfeite. disconfiado de herança no sangue matreiro de avô pai filho espírito mineiro, mas capitão de mato não, nem invente, tome tento – ou aguardente. entorna um tanto pro santo, cadê esse mé, são Tomé, ou José?, como que vó benzedeira dizia?, rezava, desfazia mau-olhado relento banzo espinhela-caída tristeza cancro encosto maleita dor de cotovelo quebranto, já falei… coração partido? já falei… banzo? era Antônio, era, o santo? curandeiro que nem ela, há de ser lázaro, lazarento, de chagas y miséras, era? era nada, atotô mesmo, y no fim credoemcruz só pá dá o migué nus cristaneiro, padrinho da sé, frouxo no léro mas de ferro na fé diz que é tomé mesmo, memória é tudo inventança, axé num testa mais, quem tem fé taca é pedra nas criança das iabás, 76

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y tomé nem páreo tem, gêmeo forçado bastardo excomungado sincretizado demonizado nada é puro mesmo halo todo pra ele amém. cadêssaguardente, moço?, um bucado de tempo esperando, moço, coração ralentando, o olho pesando, um troço aqui dentro mole que nem caldo de cana por isso metia logo era bala, comia era xana, na gana de assim mascarar a sofrência, a dormência, a verguenza-macheza toda armada, armadurada faixada, fingido mais duro que o pau, que a pura rapa do tacho desgraço colonial açucado & doído… que nem engenho fodido em sua memória latifundial: canavial margurado, caroçado, esgarçado dói que nem dor de dente, quelóide latente na pele preta da alma da gente y… opa, finalmente!, a dose vem certa, vira de um gole, eh quente, rasga a guela inclemente, ardendo rente aperta, desce outra pa gente?, moditalagá esse dissabor, será se conserta?, se cura?. tsc. desce é reta. só num dói mais que disamor a história turva da garapa aguardida, amarga é a lida desse lado da cerca-fronteira de quem se rasta resta se reta na vida sem beira nem eira nem beira nem eira nem porra nenhuma nem canto de seu nem terra alguma ê vida fulera.

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Sonho Eterno

Maria Elizabete Pereira Guedes

A bela menina sonhava em fugir nas asas do vento ir longe, muito longe onde ia o pensamento E pediu para o passarinho - Me ensine a voar? Me leva daqui para o alto. pra lua eu alcançar? O passarinho bem sério respondeu sem hesitar. - És pequena, não tens asas vais no chão te esborrachar. Fica quieta no seu canto é bonito o seu lugar. Mas a menina sonhava ir fundo, além do mar onde ninguém pudesse chegar E pediu para os peixinhos na beirada de um rio - Me leva nesta água me ensine a nadar? Os peixinhos bem contentes e ela alegre a cantar felizes foram para sempre viver noutro lugar 78

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Se quiser ver a menina quando a saudade chegar olhe por cima das รกguas nas noites de lua clara bailando com os peixes do mar.

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Da noite ao dia

André Carlos de Oliveira Rocha

Cai a noite na Curva do “S” e nossos mortos ainda não foram dormir. As estrelas vêm me falar de ti, contam de coisas que já sei. De repente... se escondem, como que omitindo as palavras que me interessam. Nossos mortos não dormem como não dormem meus sentimentos, pensamentos, futuros e passados. Então, o sol vem beijar a lua e as músicas falam de ti. Por que calas? Por que não falas por ti mesma? Talvez assim, a vida se organize e lutar será novamente um ato de paixão. 80

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Nós

André Carlos de Oliveira Rocha

Quando você chegou meu espírito lutador sorriu. Agora estamos completos, não temos mais medo e a rua será nossa. Nossos bonés, imponentes, bandeira como armas, marchamos, movendo-se como o rio-mar, vento geral no Guajará. Na praça, viramos à esquerda. Na dúvida, sempre virar à esquerda. O temor, agora, está do outro lado. Que não durmam, porque nós estamos sonhando novamente. Juntos, não temeremos mais a morte.

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Arte maior

Maria Divina Lopes

É arriscado desejar o improvável. Mesmo que seja flor, mesmo que seja bela, mesmo que seja tangível, mesmo que seja possível. Degustamos a presença, como se fosse fruta, como se fosse vinho, como se fosse canto, como se fosse carne, como se fosse festa, como quem compõe a vida preparando a arte maior.

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De/composição Maria Divina Lopes

Um sistema orquestrado aprisiona o movimento da existência. Desnudo minhas fraquezas diante do que vejo, ao revelar meu rio de preocupações. Meu refúgio de indignação, meus pedaços de afetividade, minha fração inteira de inspiração confrontam-se cotidianamente com a de/composição da sociabilidade humana. É áspero o arranjo que compõe os dias atuais, consente um sustento racionado para uma sinfonia de famintos automatizados, produz uma diversão que artificializa a alegria, e uma arte que não sensibiliza. Tudo é vendido, comprado, mercantilizado. Até mesmo a lágrima vira mercadoria e embrutece o amor. Amor, esse alento que materializa toda a consistência dos meus ideais.

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Placidez

Maria Divina Lopes

A chama ainda quente interrompe essa intolerável placidez; com fúria, desabafos e gemidos. Antecipo o infinito para mostrar-te o caos do agora e as cores ainda vivas da revolução.

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Chão Nosso

Gustavo Garcia Palermo

Das três coisas que me mantém vivo água, comida e chão faço dela vinho dela pão e dele revolução da água embebedo da comida enfarto do chão revolto o pedaço que é meu que é nosso é nosso exijo, reclamo é nosso o grão do pão que não tem dono reconheço, estabeleço não tem dono é nosso o sangue derramado suor enlameado adubo transformado repito, reivindico é nosso o feijão brotado da lama adubada de suor e sangue adubada de luta Versando Rebeldia

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exijo, repito, determino o chão a revolta a água a liberdade o grão é nosso inteiramente nosso”

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“Mítico”

Joatan Oliveira Xavier

Com a Noite naufragada Veio o seu despertar Nos olhos espelhados Um Prisma transpassado em luz Algas marinhas Luminescentes As pétalas do bem-me-quer A quimera de toda aurora A esperança remanescente de Tempos de outrora Não Tocou seu sorriso Este tempo em descompasso. Cenário das desventuras A lágrima que lhe aflorou Esta pétala desprezada E uma flor agora Estéril Porem Bem sei que te alegra O pão que não se regra quem na terra a semente rega O aço que se molda, o destino que se muda Seu místico mundo mítico Versando Rebeldia

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Sobre ela deslizo meu olhar enquanto me ensinas uma magnífica forma de ver Fecham-se os olhos, Cessa-se a luz, acende-se a alma. É como o sol crepuscular, que quando leva consigo a luz É hora de sonhar.

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Sei quem sou

Ricardo Jose Caxias Luz

Sou gente/correndo/buscando identidade/me vejo índio/ amazônica/urbano/ribeirinho/preto/caboclo/cabano/sou um/ me falta chão/na imensidão/fincar o pé/escrever a própria história/ recontar os fatos/vivenciar/construir com novos atos/valores/ replantar/conquistar a identidade/na Amazônia paraoara/ no campensinato latino/me vejo livre/forte/colhendo vida melhor/ sou parte/parte de um todo/membro do povo/eis quem sou/ sou gente/sem-terra/latino/camponês/com pressa/quebrando arames/ cercas/construindo barracos/roçando/plantando/cheirando o fruto/ partilhando/sou gente/gente do povo.

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4 NOSSO PÉ DE POESIA

Se os mais humildes não nos compreendem será melhor jogar fora os poemas e ficarmos calados. O poeta diz: se meus versos são bons para meus amigos e enfurecem os meus inimigos então é que sou mesmo poeta e devo continuar cantando. Mahmoud Darwish, poeta palestino

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Veneno e contra-veneno Severiano Hermes Telles

Toneladas de veneno no nosso Brasil é jogado Boa parte deste produto chega aqui contrabandeado Pessoas morrem de câncer em um hospital lotado Até o leite materno vai pro filho envenenado O agrotóxico é coisa séria e ele nunca vem sozinho O avião de um fazendeiro, quando ele voa baixinho 30 por cento cai na lavoura, o resto vai pros vizinho Chega nas crianças da escola, mata abelha e passarinho Mas a pequena propriedade muita coisa nos ensina Cuida da mata nativa, corre a água cristalina A alimentação é saudável e cheia de vitamina O MST nos dá um exemplo que a esperança não termina É o maior produtor de arroz orgânico da América Latina Quem produz e quem consome, vamos aumentar a parceria Aprovar leis mais severas, que nos dê mais garantias As pessoas e a natureza convivendo em harmonia E teremos comida saudável em nossa mesa todo dia Quem produz com agrotóxico nunca come o que planta Queremos produtos orgânicos no café, no almoço e na janta.”

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Viúvas de Felisburgo Ana Maria de Lima

I Senhores Doutô da lei, Hoje eu vim desabafa Coisas que eu sei E num posso me cala. Sou viúva de Felisburgo Viúva do Iraguiar, do Miguel, do Francisco, Do Juvenal e do Joaquim, Tenho que conta Dessa dor que dói em mim. Doutô, aquele sábado Num sai da minha memória Meus companheiro tombado Que ficaram na história. A gente oiava a terra Toda manchada Era sangue e mais sangue E nóis num querditava.

II Meus minino, veno o pai Ali na terra tombado, Eles gritava: acorda pai Com os zoio tudo nublado. Me deu uma angústia Vê meus mininu iludido 94

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Pensano que o pai tava vivo Mesmo com o corpo tudo ferido. Num deram um tiro só não Doutô Foram três, cinco, oito, treze Num queria só matá Queriam acaba. Eu abraçada com meus fio Parecia o fim do mundo Fio seu pai foi carpir outras terras Bem longe de Felisburgo. Fiquei tão perdida Que eu nem parecia eu Num sabia como dizer: Fio seu pai morreu.

III E era tanto sangue Doutô Que moio todo o chão No mais a dor Profunda no coração. E o sô Adriano Chafik Com ar de vitória Num disfarço a alegria Antes de ir embora. Isso foi o que mais doeu Meus minino quereno vingança Eu com fé gritava: A justiça é nossa esperança! Tem muita lei Versando Rebeldia

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Que deve ser cumprida Ainda mais quando vem, E tira na bala a vida. Só Deus dá a vida Só ele pode tirá Nóis vamo agora Mandá denunciá.

IV Mas gente, Doutô Nóis rezo, Nóis de luto, lutô E nóis choro. Um choro que não acaba Uma dor que a gente padece Um vazio que nada preenche E a justiça que num acontece. Quando pensei: nada mais tenho Para sofrer nessa vida Nos chega uma Reintegração de Posse Para ser cumprida. Pode Senhores da Lei? É muito sofrimento É muita injustiça Isso não tem cabimento! O que nóis vem pedi Não é nenhum absurdo Cumpra a Lei: Faça JUSTIÇA PARA FELISBURGO! 96

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V O resto nóis vai tocando A dor, os fio sem pai... Pouco é nossa esperança Mas planta é nossa única vingança.

VI Cadeia é pra bandido Seja ele major ou capitão O sô Adriano Chafik Tem que ir pra prisão. SOMOS TODOS FELISBURGO Das Viúvas somos solidárias Pedimos aos Doutô Que a justiça não faia.

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Movimento Sem Terra André Carlos de Oliveira Rocha

Por onde andei, plantei esperança e vida transformada; finquei a bandeira encarnada, anunciando a Reforma desejada. Por onde andei, ocupei o latifúndio atrasado; cortei arame farpado, reivindicando a Reforma do arado. Por onde andei, resisti à força da bala arbitrária; enfrentei jagunços e a Justiça reacionária, esperando a Reforma necessária. Por onde andei, produzi alimento coletivo e são; colhi lavoura, fruto e pão, construindo a Reforma do chão. Por onde andei, espalhei a rebeldia necessária; organizei as classes camponesa e proletária, pra conquistar a Reforma Agrária.

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Apocalipse Ambiental Araci Maria dos Santos

Sobrevoei vastos cemitérios de arvores tombadas, onde aves choram seus ninhos esmagados, onde bichos desolados nas tocas agonizam. Vida interrompida abre alas, a clorofila envenenada quer passar. Mirei escombros fúnebres riachos do vale do aço. Voçorocas do tijuco, tumbas de nascentes, gangrenada terra devastada, crateras engolindo mata e grão, aquíferos extintos no útero indefeso desse chão. Naveguei águas paradas na parede de concreto armado, onde exausta a picareta esbarra, onde a historia do antigo vira lama, no espúrio lucro da barragem que tudo afoga em nome do progresso sem ordem da nação tudo afoga. Mirei escombros fúnebres riachos, naveguei águas paradas na parede de concreto armado, sobrevoei cemitérios vastos de arvores tombadas, onde aves choram seus ninhos esmagados.

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La VIA

Araci Maria dos Santos

Eu vi as cores e as formas variadas dos diversificados países no seu símbolo maior. Eu vi as cores das bandeiras do povo enfeitar as praças campos e rodovias. Eu vi o menino gritando, ouvi um coro ecoando na busca da dignidade. Bandeira vermelha cobrando terra, agricultor cobrando casa, homem querendo justiça e pão. Bandeira branca juventude rural e gente inundada que perdeu seu chão. Bandeira azul de estudante de luta que saiu do campus pro mutirão. Bandeira lilás, mulheres que deixaram o escritório, o fogão e o roçado e marcham buscando transformação. Todos atrelaram as bandeiras e amarraram a uma bandeira verde que não era do Brasil. A bandeira do Brasil é linda e nos representa em qualquer país, mas a nova bandeira representa o mundo. Arrebanham organizações comprometidas com causas determinantes para mudanças benéficas na sociedade. Bandeiras em lutas juntadas na causa comum de um outro mundo possível. Onde o som do maracá e a força do bater do pé tenha respeito do branco quando o índio dança o toré, onde a palavra companheiro não seja chavão nem só referencia a Che, onde o resultado da ação mostra a força do querer. Onde mulheres, homens e crianças fazem atos que determinam a garra do povo que carrega a bandeira que nos ensina, que um outro mundo é possível com LA VIA CAMPESINA. 100

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Sonho de justiça Edivaldo Souza Prates

Ao meu povo brasileir A verdade eu vou contar Do que aconteceu na cidade Lá no sul do Pará Essa cidade é conhecida E todos já ouviram falar Pois ela é chamada Eldorados Carajás Na BR 150 Bem pertinho de lá Aconteceu um fato triste Mas precisamos lembrar O sol estava quente Posso garantir a voceis Era dezessete de abril E o ano noventa e seis Naquele dia a policia Chegou sem compaixão Os tiros foi se ouvindo E os corpos caindo ao chão Havia marca de pólvora Veja só que coisa louca Isso indica que os tiros Tinha sido a queima roupa Versando Rebeldia

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21 pessoas mortas Não se sabe a razão Usaram armas potentes Além de foice e facão 69 feridos Nessa grande tirania Por isso até hoje Vivem em grande agonia Almir Gabriel e Paulo Cãmara Era os fulanos de tal Foi eles que autorizaram o uso Da força policial Essa tragédia pra justiça Está caindo em esquecimento Quase todos os culpados Não foi levado a julgamento 20 anos se passaram E os movimentos só se une Eles estão pensando que este fato Vai ficar assim impune Tanto sangue derramado Pra conquistar nossos direitos Iremos dizer para justiça Que lutar não é defeito Vamos todos juntos pra luta E esquecer isso jamais Viva o MST E Eldorados Carajás 102

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Cultura

Fernando Miguel

Na cultura popular tem o forró e o reisado xote baião e xaxado que é bom para se dançar é a cultura do lugar a gente dança a noite inteira ao arredor de uma fugueira é uma obra de arte tudo isso já faz parte da cultura Brasileira. tem o aboio do vaqueiro uma sanfona tocando e o povo todo dançando ao som do sanfoneiro uma dupla de violeiro faz repente de primeira sai um verso na carreira da garganta do artista tudo isso é uma pista da cultura Brasileira. vê uma cobra cantando nas água do pantanal no meio do matagal um jacaré recreando vê os pássaros cantando em um coral de beleza eita que quantas riquezas nessas regionais nativa é uma fotocopia viva da cultura Brasileira. uma cuia de chimarrão uma viola caipira um poeta que inspira as estrofes de uma canção com uma viola na mão na sombra de uma aroeira ou debaixo de uma figueira com quatrocentos de idade tudo isso já faz parte da cultura Brasileira. uma guampa de tereré o reisado e o carimbó o samba levanta pó e o gingando no pé são coisas que ate hoje é lembrada a vida inteira a roda de capoeira inspiração pra liberdade tudo isso já faz parte da cultura Brasileira. Versando Rebeldia

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quando se vê de repente lá na curva da estrada uma fileira organizada aquela ruma de gente é os sem terra certamente faz a história verdadeira e o vermelho da bandeira tremula de estrada fora já faz parte da história da cultura Brasileira. e o velho patativa com sua literatura deu um exemplo de cultura e foi uma lenda viva salve salve Patativa o poeta camponês que da sua vida fez uma obra de primeira que passou a vida inteira defendendo a natureza tem seu lugar com certeza na cultura Brasileira. são tantas coisas mais que não da tempo contar agora vamos cuidar dos recursos naturais das belezas regionais da mata e da flor cuide zele com amor salve a nossa bandeira nossa pátria verdadeira em cultura tem riqueza salve a mãe Natureza e a cultura Brasileira.

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Rasgando o papel Fernando Miguel

Sou filho dessa terra e da luta sou herdeiro descendente de canudos de Antônio Conselheiro quilombo dos palmares que a burguesia matou mais vai chegar a hora de fazer a nossa história e vingar a nossa dor. Na luta pela terra vi sangue derramado agora nosso povo cansou de ser massacrado está chegando a hora burguesia te apronta não quero vê lamento é chegado o momento de acertar a nossa conta Pois saiba que a terra é pra quem quer trabalhar porque a terra é livre não precisa se comprar e essa lei da terra só nus trouxe opressão se preciso se faz guerra mais dessa terra ninguém vai abrir mão. Quem fez a lei dá terra tem que ser amaldiçoado porque por conta disso nosso povo é massacrado mais vai chegar o dia de erguermos o troféu quando esse dia chegar nós vamos poder rasgar a porra desse papel.

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Cultura violada

José Jusceli dos Santos (Garganta de Ouro)

É difícil ficar calado Quando se tem tanta coisa pra dizer Muitos seguem o velho ditado Se fazem de cego pra não ver Violaram nossa cultura Impuseram outros costumes Falar desta amargura Em tristeza se resume O índio vestia pena E não tinha timidez Outros, hoje mendigos morrem de frio por sua nudez O negro foi libertado Por um golpe de serpente Mais tarde o resultado Negro e branco na corrente A exploração da mulher Cada vez mais se inflama A beleza nada mais é Que objeto de propaganda É preciso estar na moda Na troca, troca de produto O que acontece não importa O importante é o lucro 106

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A desvalorização feminina É tanta que nos enoja Cada vez mais discriminada Já a tratam de cachorra Duvidamos da inteligência Pouco damos atenção Não se esqueça foi a mulher Que descobriu a produção Trabalho não remunerado Mais aonde esta o problema Até quando vai ser negado O fruto deste sistema Com poder gerar a vida A mulher é mais amorosa Mais forte mais destemida Da primavera é semente, é rosa Nove meses em sua barriga É uma riqueza sem tamanho Mais que companheira mais que amiga Como a terra ela é a nossa mãe Estão famintas nossas crianças E o pior é uma fome imposta No país que falta janta Já tem gente que não almoça Cada vez mais empobrecido Vemos isso a toda hora Nossos jovens aborrecidos Roubam fumam e cheiram droga Versando Rebeldia

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O futuro está ameaçado É o peso e a balança Maltrapilho abandonado Não é sonho pra criança Precisamos aprender a soma Porque o sistema só divide Todos juntos vamos a luta Voltar a nossa origem Queremos a igualdade Uma Pátria independente Que não mude nossos costumes Porque somos diferentes Como trem fora do trilho Como a cor que não combina A melodia perdeu o brilho A letra perdeu a rima Enquanto o povo chora E clama por liberdade E elite só explora E não respeita nossas vontades Quinhentos anos de degradação Quinhentos anos de escravatura Somente uma revolução Pra salvar nossa cultura Negar sua origem É negar o direito de viver Viva a nossa cultura Viva o MST. 108

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Luta de classes

José Jusceli dos Santos (Garganta de Ouro)

Jogadoras e jogadores É hora de decisão A bola já está rolando A mais de quinhentos anos Ainda sem decisão Estamos no intervalo Do primeiro para o segundo O time dos excluídos Já estão decididos: Vencer o agronegócio e o latifúndio A diferença é muito grande Não dá nem pra comparar Precisamos ser sinceros Estão nos vencendo de um a zero Mas temos time pra virar Irão sempre levar vantagem Não podemos nos enganar O juiz não torce pra gente E como o jogo está quente Só os gols nossos irão anular Até os bandeirinhas deles Vocês não viriam no primeiro tempo? Toda hora atrapalhava Não podia entrar na área Que era marcado impedimento. Sairemos campeões Se tomarmos muito cuidado O time deles é forte E usarão até da morte Para não saírem derrotados Versando Rebeldia

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Temos que tocar de primeira E caprichar no arremate Sem chuteira descamisado Porem um time bem treinado Chega ao gol no contra ataque Tem um torcedor por nome: imprensa Que vive infernizando Neste ninguém confia Só joga na covardia E torce pra quem está ganhando O nosso time não tem estrela O que temos é bom jogador Temos que ter jinga de brasileiro Pra não tomar cartão vermelho Jogador expulso não marca gol Se jogarmos com responsabilidade Conquistaremos a torcida Já tem torcedor indignado Que era do outro lado Vestindo nossa camisa Vamos atacar com responsabilidade Falar somente o necessário Com ética e inteligência Jogando com consciência No erro do adversário Mas é uma partida acirrada Onde não se tem descanso Pois é um jogo tão desleal Que antes do apito final A torcida precisará ocupar o campo!

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Formação do Brasil Hildebrando Silva de Andrade

A história sendo vivida Pela arte da educação Deixa a aula divertida Na bendita ocasião. Conhecer esta nação Como a gente nunca viu Faz ressaltar a atenção De qual será o meu Brasil. Um Brasil de caboclos De misturas da raiz Um Brasil de pouco a pouco Um Brasil de mil brasis. Terra de muitas crenças Que é imposta as religiões De um povo de sabença Um povo de revoluções. As casas grandes senzalas Das teorias freirianas A uma gente que não cala Contra uma força que é tirana. Um Brasil independente Para que, não sei de quem Um Brasil tão envolvente Uma terra de ninguém.

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Um país sem escravidão? Olhe lá não sei dizer Um país de tradição De domínio do poder. Vemos isto na história Também na realidade No estudo na trajetória Na formação da sociedade. Educar com o coração É uma arte, uma vivencia Construir educação É conhecer mais que a ciência.

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Amigo comunista Janderson Silva Santos

Parece que foi ontem Que desceste a serra Com nossos queridos irmãos E mostrastes aos seres O quanto somos humanos. Comandante Che, Hoje celebramos teu nascimento, Como sempre, ainda continua a nascer, Teimosamente todos os dias. Hoje em especial, tu se mostra mais humano, E como uma criança, inventa, sonha e luta pelo comunismo. Querido camarada, em vão tentaram rebaixá-lo, fizeram de tua imagem Mercadoria, E o Capital ainda avança... docilmente envenenando, Mas, camarada Che, Jamais conseguiram manchar tua honra, Teu pensamento renasce, como a primavera, Em cada humano que se revolta.

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Mas, hoje querido amigo, Celebramos a tua vida! Celebramos a luta! Celebramos a busca da vitรณria! Amigo comunista! Cuba ainda resiste! E nossos filhos, Seguem preparando A grande rebeldia organizada...

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Massacres: Carajás e Felisburgo José Lindomar da Silva

Nessa minha poesia Conto um caso verdadeiro Que chocou todo o Brasil Até mesmo o mundo inteiro Se trata de uma maldade Uma grande crueldade Terror para os brasileiros Em 17 de Abril Ano do noventa e seis dezenove trabalhadores Então até mais talvez Foram vítimas de um massacre Posso dizer um ataque A esse povo camponês O loca era conhecido Como a curva do ‘’s’’ Onde esse ato horrível Terrivelmente acontece E agora digo os nomes De todos aqueles homens Sangue que ninguém esquece Altamiro e Antônio Raimundo e Leonardo Graciano e Ribamar Perfurados, fuzilados Oziel Alves, Manoel Em Lourival foi bem cruel Tiro no peito aprofundado Versando Rebeldia

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Antônio e Abílio Alves João Carneiro e Antônio””irmão”” José Alves e Robson E outro chamado João Amâncio e Valdemir E também o Joaquim Foram vítimas dessa ação Todos eles foram mortos Naquele mesmo local Cruelmente assassinados Pela força policial Eles iam caminhando Para Belém marchando Quando acontece esse mal Coronel Mário Pantoja Chefe da operação Com o Major Oliveira Realizam essa ação Juntos com policiais E até hoje não se faz Justiça pra eles não Tem que ser inaceitável Que essa impunidade Continue sendo a regra Pra crimes e crueldade Cometida à agricultores E contra os trabalhadores Que do campo fazem parte Temos que investigar E a justiça levar A mandantes e executores E assim garantirmos já O nosso direito a terra Com segurança e sem guerra Pra no campo nós ficar 116

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A impunidade e lentidão Da desapropriação E também no cumprimento Da terra demarcação De constituições federais De direitos fundamentais Favorece a violação Hoje já faz 20 anos Do massacre dos Carajás 20 também de impunidade Pois justiça não se faz É uma vergonha pro Brasil Coisa que nunca se viu E o que é que falta mais Agora pra completar Ocorre em Minas Gerais Cidade de Felisburgo morreram cinco ou mais Foi massacre novamente Isso não chamo de gente São um bando de animais Iraguiar,Miguel,Francisco Jorge Silva e Juvenal Foram essas as vítimas Desse ataque brutal Mandados por Adriano Pistoleiros atirando Barraco queimou total Mais eu paro por aqui Mas antes de ir dizer Que os dois estão impunes Justiça nada a fazer Espero que seja feita Que é pra eles ‘’aprender’’ Que nós não brinca com nada Não nos chamamos Piada E sim MST. Versando Rebeldia

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Desabafo

Maria Emilia de Souza

Encontrei uma pessoa, que veio me perguntar, você faz parte do movimento? não da para acreditar. Antes de eu responder , continuou a falar, são um bando de vagabundos, que não querem trabalhar. Só querem fazer badernas, em tudo quanto é lugar. Dizem que estão lutando, para a terra conquistar, porque vou querer terra? se na cidade vou sempre morar. Interrompi sua fala, para também poder falar. Responder sua pergunta, fiz em primeiro lugar. Sim, faço parte do movimento e me orgulho em está lá, estamos organizados, em tudo quanto é lugar defendendo os direitos, daqueles que querem trabalhar. Dizem que somos vagabundos,~ mas vagabundos não somos não, somos um movimento, que luta por libertação. Para defender nosso povo, de toda exploração 118

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e alimentos saudáveis, para toda a nação. defendendo o direito do pobre, do oprimido também do povo do campo e da cidade em fim, de toda a nossa gente. Mal acabei de falar, a cabeça ela abaixou, se colocou a pensar e de novo perguntou. Você fala campo e cidade com tanta convicção qual problema há na cidade, onde a terra é a solução? Olhei bem em seus olhos, e comecei a falar. Você ainda não sabe? Estão envenenando a cidade. Agrotóxicos e transgênicos, estão matando de verdade, contaminam o alimento, a água, também o ar até mesmo a sementes que usam para plantar, por isso o Movimento, mudou a forma de pensar, não mais lutamos só por terra e espaço para plantar. Lutamos por alimentos saudáveis para o povo se alimentar, unindo o campo e cidade, a luta vai continuar e junto construiremos Reforma Agrária Popular.” Versando Rebeldia

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Nosso sorriso Vanessa Dias Diniz

Eu nasci no acampamento não foi numa manjedoura mas tive por todo lado pensamentos...este vai ser poeta, trabalhador, estudante, educador, militante... Me ensinaram a andar onde aprendi, cada passo em meio a escuridão...Não! Não tive medo... Era o beco. Há , tinha a cachorra, cantava todo dia, ai todo mundo corria era bonito de ver todo mundo se reunia, Mas veio um dia, que passou rápido, aquele dia não entendi, expulsaram eu e nossas famílias desse lugar ali... Hoje eu conto historias da vida que vivi, percas e conquistas desse lugar, lugar onde aprendi, 120

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lutar e lutar feliz, Jamais tiram de mim o jeito simples de acampado de lutar e ser feliz. (Dedico as crianças do acampamento Hugo Chaves, que um dia vão lembrar, contar historias, vão continuar sorrindo... Isso nunca ninguém conseguira tirar.)

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Poema sobre o fragmento de uma tese

Wellington Emiliano de Morais

Alguém já imaginou como se provem o caso de um sertanejo? Não! Vejamos; primeiro se faz necessária a participação de vários homens adultos. Depois limpam um espaço onde deverá surgir uma moradia, buscam-se e abatem-se as árvores apropriadas para formar o arcabouço, cavam-se os alicerces, ergue-se a estrutura e preparam-se as grades de madeira para sustentar os muros de terra (pau-a-pique); o teto é constituído de folhas de palmeira que descem lateralmente para cobrir os muros. A construção da casa é trabalho masculino, mas as mulheres ajudam. Fazem o serviço mais “”maneiro”” de “”amarrar””, carregam água, amassam barro. A casa compõe-se de um único ambiente, em geral retangular, dividido longitudinalmente por um tabique que separa o quarto mais amplo, em que se desenrola a maior parte das atividades e que serve também de quarto de dormir, de outros dois cômodos, menores, um dos quais é usado como cozinha. Feito a casa pensemos nos assessórios que se faz necessário a todo ambiente habitável. A mobília consiste em poucos assentos, bancos e caixotes vazios, e às vezes, uma ou duas camas feitas de grades de bambu apoiadas nos muros e sustentadas por dois pedaços de pau. Sem falar no fogão, que por muitos é chamado de caminhão, grande amontoado de terra e tijolo e alguns mais ornamentados são feitos nos cupinzeiros. “”A casa caipira não se limita, contudo, a este centro. Parte apreciável das atividades domésticas e do próprio conforto pessoal se processam no seu exterior, de modo que cada casa é na verdade núcleo de um pequeno sistema de moradia”. O milho é armazenado em paiol externo, e só o arroz e o feijão são guardados na residência. A este mínimo se anexa quase 122

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sempre o forno de barro com a sua coberta de sapé; e ao conjunto é que se pode realmente chamar de habitação rústica. Vários produtos, como o feijão e o arroz, são postos a secar no terreiro antes de peneirar e guardar. Criam-se galinhas e porcos e, havendo recursos, algumas cabeças de gado que o mais das vezes são “”dados a meia”” a pessoas que possuem terras de pasto ou criam animais para depois dividir com o proprietário as crias que houver; não faltam os cães de guarda e de caça, e os que podem têm um cavalo também, uma mula ou burro como animal de carga ou para cavalgar. Perto da casa está a horta onde se plantam couves, cebola e alho; em geral o cuidado da horta cabe às mulheres e aos velhos. Cultiva-se, além disso, a cana de açúcar para o consumo imediato: os que têm uma prensa ou engenho fazem garapa, que bebem pura ou usam com café em vez do açúcar. Os campos estão a certa distância da casa e neles cultivam-se o milho, o feijão, o arroz e o amendoim; parte dos produtos são consumidos, parte são vendidos no mercado. O mercado é um mito, uma fantasia que o cabloco cultiva, seu produto na verdade é cedido como pagamento à meia ao fazendeiro, esse por vez apropria da fantasia do primeiro vendendo-o a mera ilusão de ser eles donos do que produzem.

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Sobre os autores As poesias que compõem este livro foram escritas pelas mãos calejadas de dezenas de Sem Terras, sob a lona preta ou sobre o território conquistado. E pelas mãos companheiras de amigos e amigas que se inspiram no povo, que dele são filhos e ao seu lado, resistem, lutam. Como produto da I Mostra Nacional de Poesia da Reforma Agrária “Luis Beltrame”, realizada no Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária em 2016, o livro Versando Rebeldia é preenchido por 60 poesias vindas das cinco grandes regiões do país. Poetas e poetisas que fizeram desse livro um encontro das regionalidades, das histórias e anseios, da luta e da arte dessas mulheres e homens, artistas-militantes e militantes-artistas, que ousaram poetizar a vida: a dureza e a beleza que há em seus dias e em nossas trincheiras. Como a poesia é também canção, encerramos este livro com o poema sobre as músicas que compõe o CD “Da luta brota vozes de liberdade” produto do II Festival Nacional de Música da Reforma Agrária, escrito por um dos companheiros que construiu, junto a outras tantas mãos, esse grande Festival de Arte e Cultura.

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Da luta brotam vozes de liberdade Sem terra, violeiro viajante veja bem, eis a questão que a prenhez da terra pariu: Há um aboio por justiça e paz em cada canto de minas e do Brasil. Uma longa jornada nossa sagrada pretensão. Se me dão apenas sete palmos, reajo na medida: eu não! Eu quero é mil vezes mais que onde simplesmente caiba o meu caixão! Quero é o que em vida me cabe do latifúndio, o que me toca em troca desta fecunda-ação. Salve, salve, tambores de marcha, a ferro e fogo, migrantes na vida, cobrando a lei dos mudos adultos urbanos pelos direitos das crianças do campo. É assim no meu sertão! Parece terra de ninguém, mas é nossa e nenhuma triste lembrança nos desanimará, pois a missão é dar quantos gritos forem necessários pela terra da nação. Nossa água mole um dia a pedra fura e por isso bate e torce, espreme o caldo pra virar um dia aquela doce rapadura. Rumo a nossa utopia, eis o lema! Terra-mãe, Pai-chão e aos filhos toda fartura. É o que a juventude quer por sagrado direito, nunca por obra de qualquer hipócrita caridade. O que se quer é o que nosso já era pela luta, pois da luta brotam vozes de direito e liberdade! Gonzaga Medeiros (Texto criado a partir dos títulos das 20 canções selecionadas no II Festival de Música da Reforma Agrária) Versando Rebeldia

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