Contos Paranaenses: Fatos de Vida

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© 2018 Edições Guairacá Divisão de Publicações da Guairacá Cultural Produção Editorial Gehad Ismail Hajar Design de Capa, Projeto Gráfico e Arte-Final Adriane Baldini Revisão Vitoria Denck Ilustrações Inami Custódio Pinto Todos os direitos reservados. Autorizada a cópia de parte ou totalidade da obra desde que citada a fonte. Impresso no Brasil.

P659i Pinto, Inami Custódio Contos Paranaenses: Fatos de Vida / Inami Custódio Pinto. 1.ed – Curitiba: Edições Guairacá, 2018. 60p. il. 20X20 cm ISBN: 978-85-67060-12-5 1. Contos Brasileiros. 2. Histórias Populares. 3. Folclore Brasileiro. 4. Literatura Paranaense. 5. Literatura Brasileira I. Contos Paranaenses. II. Pinto, Inami Custódio. III. Título. CDD: 781.5 CDU: 785.7 (816.2)

índice para catálogo sistemático: 1. Literatura brasileira: B869 2. Ficção e contos brasileiros: B869.3 3. Usos e costumes, etiqueta e folclore: 390

PROJETO REALIZADO COM O APOIO DO PROGRAMA DE APOIO E INCENTIVO À CULTURA FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA E DA PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA


CONVERSA AO PÉ DO FOGO As histórias aqui narradas, algumas verdadeiras, são lembranças daquelas noites frias de Piraquara quando a familia se reunia ao redor de um grande fogão a lenha onde se assavam espigas de milho nas brasas e nas chapa, pinhões. Vó Maria torrava grãos de café e moía em um pilão com açúcar preto e era só jogar água quente e colocar uma brasa para o pó ficar no fundo. Que saudade! Todas as narrativas traziam exemplos e conselhos que até os dias de hoje servem como uma bússula a nortear minha vida. Por meio dessas narrativas aprendi a amar e a respeitar o homem do povo, suas crenças e superstições, tudo o que ele faz às vezes de barro, fibras, madeira ou outro material mais fácil de trabalhar, exaltar as suas danças, música e poesia, cultuar seus usos e costumes: pois é aos nossos antepassados que devemos tudo o que temos e somos. Que é a única maneira de comprovarmos nosso amor e gratidão a aqueles que com suor, lágrimas e sangue construíram este país, o melhor do mundo para se viver. O autor.


Inami Custรณdio Pinto


PREFÁCIO Os contos fazem parte da literatura e do imaginário popular, é passado de geração em geração e oralmente. Enquadra-se na classificação de fato folclórico, por que é dinâmico, se torna universal e é de aceitação coletiva. A literatura oral e escrita faz parte do folclore, é uma fonte inesgotável do conhecimento do homem do povo. Fatos da vida é um conjunto de contos que relatam episódios do cotidiano do povo do Paraná. É um complexo que vai se formando com uma frase tirada dali, outra estrofe daqui, a história de lá e acolá, e assim por diante, se tece uma teia que vem trazer a memória da coletividade, a formação do povo paranaense, seus usos e costumes, suas tradições, sua música e dança, sua culinária, seu artesanato, enfim, seu modo de pensar, agir e sentir. A frase do autor Inami Custódio Pinto, ilustra muito bem o sentimento paranista: (...) só se ama aquilo que se conhece. O livro de contos é uma obra para o público infanto- juvenil e adulto, professores, pesquisadores da literatura oral e escrita do folclore, enfim, a comunidade paranaense, e que fará conhecer, o folclore do Paraná em suas manifestações diversas. Também, o objetivo da edição deste livro é privilegiar a Pessoa com Necessidade Especial, e neste caso, os cegos. Este volume será editado em Português e terá um audiobook com os contos sendo narrados. O acesso á cultura, é um Princípio Constitucional, é um Direito Fundamental.


Segundo o IBGE , é certo que 24% da população brasileira tem algum tipo de necessidade especial, e a exemplo da Prefeitura de São Paulo e sua Secretaria da Pessoa com Deficiência, que tornou possível o acesso de seus documentos em Braille, também, a Biblioteca Pública de Curitiba, com o projeto de acesso á leitura, e neste sentido, disponibiliza alguns de seus exemplares em Braille e promove cursos que atendem essa demanda ,o Instituto de Cegos de Curitiba e seus projetos de acessibilidade e inclusão, é que se faz a realização deste projeto. Um dos motivos relevantes para iniciar a realização deste projeto, é que este seja revertido em um produto cultural para a manutenção da cultura popular local. Para que as manifestações artísticas populares, que são parte fundamental da memória coletiva de um povo, sobrevivam, para que possam ser estudadas, para que possam ser preservadas como parte integrante da unidade e identidade cultural de um povo, é necessário que sejam registradas e documentadas e, assim divulgadas amplamente. Os registros dos contos têm por finalidade contribuir no salto de qualidade que se quer para a educação e cultura do país, para que se possa fornecer instrumental que contribua para um efetivo ensino do folclore nas escolas, a sua propagação nas comunidades e centros culturais e no segmento que se refere às Artes Populares e suas manifestações. Preservar os referenciais culturais de uma sociedade e o acesso á cultura, é um dos nossos objetivos. Este projeto visa divulgar a Cultura Paranaense, destacando, por meio da edição de um livro de contos, que é produto final deste trabalho,a divulgação de nossa terra e nossa gente. È também uma homenagem ao homem do povo do Paraná. Os contos, contam as nossas feiras, nossas artes e nossos artesanatos, nossas comidas e bebidas típicas, nossos folguedos e danças, nossa mitologia, enfim, tudo aquilo que possa levar ao paranaense identificar sua a alma.


Inami, o autor deste livro traduz seu amor por Curitiba, seu centro eterno de pesquisa e ao estado do Paraná. Este trabalho é um covite á conhecer (...) nossas belezas, nossa riquezas,este paraíso no Sul. Era um desejo do autor o acesso á cultura em todas as suas formas de expressão. Inami Custódio Pinto, o autor do Livro de contos foi mestre e pesquisador do Folclore Paranaense, reconhecido no cenário nacional e internacional. Referência em Folclore no Paraná e no Brasil. Pesquisador do chão paranaense deve todo seu conhecimento ao homem do povo do Paraná. Com ele fandangueiros fazedores do barreado, caboclos artesãos, contadores e cantadores de causos, mantém a tradição. Inspiração para grupos paranaenses: Fato, Meu Paraná, Viola Quebrada, Grupo Tradicionalista Galha Azul. Cursos de Língua Tupi, Etnografia do Brasil, Pesquisas Folclóricas, Motivação Indígena, Mitologia Brasileira e Curso de Arqueologia: Fundamentos da Pré-História Sul Brasileira, pela Secretaria de Educação e Cultura do Paraná e Folclore pelo MEC/Funarte – Comissão Paranaense de Folclore. Foi professor da disciplina de Folclore na Faculdade de Educação Musical do Paraná, assim como de Dança Folclórica Paranaense, no Instituto de Pesquisas do Paraná. Publicou, entre outros, FolkPar – Curso de Folclore, Folclore, Curso de Introdução aos Estudos de Folclore e Fandango do Paraná, pela Secretaria da Cultura do Paraná. Folclore no Paraná, Folclore e seus Aspectos Gerais. É coautor dos livros Tocadores e Fandango de Mutirão, A [dês] construção da Música; Citado nas seguintes publicações: História do Paraná – pela


editora Grafipar – sob o título O Folclore e Seu Estudo e História do Brasil – pela Editora do Brasil S/A. Foi responsável pela divisão de Folclore e Pesquisas Históricas do Museu da Imagem e do Som do Paraná, em Curitiba/PR. Representou o Secretário de Estado da Cultura e do Esporte, no 1º Festival Internacional de Folclore em Porto Alegre/RS. Homenageado como personalidade de destaque no estudo do folclore do Paraná pela Rede Globo de Televisão/ TV Paranaense na série Bicho do Paraná. Outras homenagens: Placa de Prata – Secretaria do Estado de Cultura: por Serviços Relevantes e Placa de Prata – Departamento de Letras da PUC/PR. Membro efetivo do Conselho de Cultura do Paraná, medalha Romário Martins do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, Prêmio Apollo Taborda França e prêmio Literatura Rotary Club de Curitiba de livro do ano- 2008 Folclore no Paraná. Também, membro da Academia de Letras José de Alencar, da Comissão Paranaense de Folclore e do Centro de Letras do Paraná. Com certeza, Inami Custódio Pinto foi e sempre será o mais importante pesquisador do Folclore e da Cultura Popular Paranaense e deixando neste projeto, parte de seu acervo, disponível a comunidade paranaense á conhecer sobre o Folclore do Paraná em uma de suas mais genuínas manifestações: A Literatura Oral e Escrita. Profa. Andrea Stockler Pinto, filha do autor


Tarde cinzenta em Curitiba, num comecinho de outono fecho os olhos para lembrar e parece que ouço sua voz... simplesmente a contar! Se contas da vida, se contas histórias, se contas da escola e dos livros de saber, és um contador!!! Meu pai Inami, o mestre ou o contador, Contava da vida e da história com tanto amor e propriedade que todo conto se fez verdade indissolúvel. Nesse livro que acabamos de ler apenas um pequeno registro para saborear dos contos populares e deixar vontade para contar! Tarde cinzenta de Curitiba, num comecinho de outono parece que ouço sua voz a contar! Conta Inami, que enquanto eu leio outro conto deste breve livro imortalizo tua voz dizendo “Ame a cultura é livre serás”! Inara Stockler Pinto Telles, filha do Autor


INTRODUÇÃO Inami Custódio Pinto em: Curso de Introdução aos Estudos do Folclore nos relata que [...] “as manifestações folclóricas se mantêm tradicionalmente em vários pontos do mundo e entre as mais diversas culturas” (PINTO, 1983. p. 3). A Transmissão Oral é uma característica do fato folclórico, pois, é transmitido de boca em boca, por imitação, ou por ouvir dizer. (PINTO, 1983. p. 4). Contar é uma das mais antigas formas de se expressar, ou seja, de transmitir o fato folclórico. A literatura oral, que aparece escrita ou impressa nos livros, bares, botequins, vendinhas, nos panos de parede, nas frases dos para-choques de caminhões, nos epitáfios de túmulo, da poesia e do cordel, das músicas que passam a ser escritas e impressas, de tudo aquilo que é recitado em rádios e TVS, mas que revela o requinte literário e artístico do povo por mais humilde e inculto que seja. ( PINTO, 1963.p. 17 18,19, 20,21) Inami Custódio Pinto diz que: “ [...] entendo por literatura oral aquilo que é obra de todos ...” Enquanto eu conversava com pessoas anotava também seus dizeres .”(PINTO, 2010. p. 497)


Os contos fazem parte do conteúdo do folclore - (Folcklore Society - 1856 - Londres) dentro da classificação narrativas tradicionais. Então, contos populares são dos heróis, baladas e canções , em que sua principal característica é a imaginação ,é o fictício, é o fabuloso e os que contam os fatos da vida. Fazem parte da Literatura Oral: provérbios ,refrãos e ditados ao qual o conjunto se denomina paremiologia e que constitui a síntese da sabedoria de muitos à disposição de quem quiser utilizar. (PINTO, 2010. p. 497) Incluem os provérbios e frases feitas, advinhas e enigmas, fórmulas sociais, juras, trava línguas, contos acumulativos, prece, estórias, causos, narrativas, parlendas, fórmulas jogos, réplicas, eufemismo, disfemismos, gesto, mímica, xingamentos, apelidos e alcunhas. (PINTO, 2010. p. 497, 488, 489, 490)


SUMáRIO 1 o medalhão 15 2 sacrifício de amor 18 3 o tesouro entroncado 22 4 urutau 25 5 o valentão 28 6 quem diria 30 7 quando tem que ser 31 8 gata cinzenta 33 9 ele é um santo 35 10 aconteceu 37


11 ACUDAM! FOGO! 39 12 AMOR E TRADIÇãO 41 13 AUTO SUGESTãO 43 14 QUE FIM LEVOU A MINHA TURMA? 46 15 DESTINO? 48 16 OS ANOS NãO TRAzEM MAIS 49 17 VELÓRIO ASSUSTADOR 51 18 O.V.N.I. DA ESPERANÇA 54 19 TUDO TEM FIM 56


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1 O MEDALHÃO A Via férrea Paranaguá-Curitiba teve início em 1880, com a pedra fundamental colocada por Dom Pedro II, concluída cinco anos depois, inaugurada pela Princesa Isabel. Não havia até então, além de uma picada, um caminho com trechos formados de pedras, construídos pelos padres Jesuítas, que ligava a cidade porto à capital. Os engenheiros baianos, irmãos André e Antônio Rebouças, haviam feito um projeto para ligar Antonina à Curitiba, que acabou por questões políticas, iniciando em Paranaguá. Esse admirável projeto resultou numa rodovia denominada Graciosa, ousada transposição da Serra do Mar, mas elaborada com muito cuidado e oferecendo segurança. Ao contrário de outras estradas ela não margeia, mas penetra mata adentro, cujo espetacular panorama é quase impossível descrever. Acima de nossas cabeças e atapetando nosso chão, flores de todas as cores: orquídeas, bromélias e uma exuberante vegetação. A estrada de ferro foi considerada impossível de se realizar tantos os obstáculos apontados como intransponíveis em certos trechos da Serra do Mar. Graças a competência do engenheiro fluminense Dr. Rudolf Teixeira Soares, foi possível varar as montanha de granito com a construção de treze túneis, pontes e viadutos, que são consideradas obra prima da engenharia férrea mundial.

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Ao chegar os trilhos na localidade chamada Roça Nova, município de Piraquara (PR), surgiu um grande entrave: não havia outra solução senão cavar um túnel na montanha de granito — o mais extenso que até então a ferrovia havia transpassado, com 450 metros de extensão. Para tão difícil tarefa contrataram um técnico e industrial de explosivos de São Paulo. Como a obra foi calculada em torno de seis meses e a viagem de São Paulo a Roça Nova além de levar muitos dias oferecia perigos, Eduardo e a sua esposa ficariam sem contato pelo tempo necessário. Ela então entregou-lhe um medalhão de ouro, em forma de coração e em cada metade uma foto de cada um dizendo: para toda vez que a saudade apertar.

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Chegando a Banhados-PR hospedou-se na casa do chefe dos operários da ferrovia e em pouco tempo estava apaixonado pela sua linda filha. Embora não tinha escondido que era casado e pai de três filhos a moça engravidou e nada disse a ninguém. Concluído o túnel de Roça Nova, Eduardo na hora da despedida, entregou o medalhão a sua amada tendo substituído o retrato de sua esposa pelo retrato deles. Na época moça solteira ficar grávida era coisa imperdoável pela sociedade e maior desonra para a família, o pai expulsou-a de casa, mesmo estando ela na época do parto. Colocou-a numa aranha puxada por cavalo com alguns pertences e alimentos e lhe indicou como chegar até Morretes onde lhe estariam esperando seus tios, que dela cuidariam. Com o cansaço da viagem e o calor seu parto foi antecipado e por ali passava um casal que prometeu cuidar de seu filho, e ela antes de morrer ali mesmo, entregou o medalhão ao casal dizendo que quando chegasse a melhor ocasião lhe contasse o ocorrido.


Vinte e dois anos depois, ao receber o diploma de bacharel em direito do Largo da São Francisco, apresentou sua noiva a seus pais. Após as formalidades do casamento, seus pais acharam que esta seria a melhor ocasião de cumprirem a promessa que fizeram contando-lhe o ocorrido passando o medalhão de mão em mão. Quando chegou às mãos da mãe da noiva, olhou para o medalhão e deu um olhar recriminatório para seu marido, que deixava escapar pela sua face lágrimas e suor pela testa e mãos. Quando o medalhão chegou as suas mãos ele soltou gemidos angustiantes e torcicolando-se em sua cadeira, estatelou-se no chão.

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SACRIFÍCIO DE AMOR Aos domingos papai reunia a família e iniciava nosso encontro lendo trechos das sagradas escrituras e conceitos de filósofos pensadores e escritores voltando nossa atenção para à reflexão e exemplo para nossas vidas. Em geral escolhia como tema o amor, que para ele é a razão da nossa própria existência, a força que move o mundo: ‘Deus é amor”. Como esses versículos de São Paulo:

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O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria não se orgulha. Não maltrada, não produra seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. (1 Corintios 13:4-7) Examinava nossos boletins e perguntava a cada um de nós o que gostaríamos de fazer e obter, e dentro do possível satisfazia todos os nossos desejos. Insistia muito para que não escondêssemos nada que nos levasse a preocupações, ao medo, ou ressentimentos, afirmando-nos que os únicos e verdadeiros amigos são os pais. Que não há erro, que não tenha perdão e nada que nos cause medo, impasse algum que não tenha solução. Era delicioso ouvir as histórias narradas pelo papai e pela mamãe, sempre nos trazendo exemplos e ensinamentos que contribuíam para nossa formação


integral, tornado-nos cidadãos úteis a comunidade. Muitas dessas fantasias eram envoltas por um halo de fantasia, que não concebia pudesse acontecer na realidade, e comigo aconteceu: pela primeira vez que sai de casa, aos vinte e dois anos, ao assumir um cargo público em uma cidade muito distante, eu chorava de saudade. Nunca pude imaginar sentir tanta falta dos entes queridos, da segurança e aconchego do lar. Como minha profissão corria risco de vida, jamais me ocorreu constituir uma família. A exemplo de outros colega, na necessidade de uma companheira, procurei uma daquelas que já não tem nada a perder. Pela educação recebida, em troca de carinhos eu dava a minha companheira proteção, respeito e sinceridade e fui para ela aquele amigo que nunca tivera. Sem que eu perguntasse ela me contou que sua mãe morreu por causa dos maus-tratos de um pai alcoólatra que a culpava de ter gerado um filho aleijado. O pai foi confinado em um manicômio e cansada de tanto trabalhar e nem sequer ganhar para comprar os remédios do seu irmão doente, sem estudo e sem outra habilitação, senão para trabalho domésticos, prostituiu-se. Eu lhe disse, se foi esse o motivo porque não voltar ao modesto mas honrado trabalho? Acredito que é mil vezes melhor trabalhar em uma casa de família do que levar aquela vida. Ela me perguntou se eu nunca havia escutado o ditado que diz: “perdeu a virgindade perdeu a vergonha?” Eu já não tinha mais nada a perder e me sentia alguém preferida por muitos. Tinha na bebida e nas drogas a sensação de euforia, era o único alívio do ódio que corroia sua alma de se revoltar contra Deus e o mundo.

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Aos pouquinhos fui lhe mostrando o outro lado da vida. Levei-a para morar comigo e com tratamento médico ela deixou o vicio, e foram os anos mais felizes que passei em minha vida, apesar da sociedade discriminar nossa situação conjugal. Em resposta a minha carta, papai respondeu: “não importa o que a mulher foi ou o erro que cometeu, o que importa é o que ela é para você. Eu tenho amigos e conhecidos casados com mulheres ditas “de vida fácil” que são os casais mais felizes que conheço”. Quando lhe afirmei que minha felicidade só seria completa quando casasse e tivesse filhos ela caiu em desespero e confessou ter medo de gerar um filho como seu irmão, como um castigo de Deus. 20

Disse-lhe para não culpar a Deus e sim a ignorância de seus pais que não fizeram exames prénupciais. Ela começou a freqüentar minha igreja e não duvidar mais do amor de Deus pelas criaturas. Feito os exames clínicos ela saiu para buscar os resultados e desapareceu. Procurei-a desesperadamente e por todos os meios. Divulguei seu retrato e dados pessoais até que, quinze dias depois, recebi da funcionária do laboratório de análises clinicas uma carta. Ao ler que seus exames todos atestava boa saúde e apta para ter filhos, livre daquele medo que motivou sua separação de seu único amor, voltou para este e pediu que eu não a procurasse, que para ela eu era como um amigo, um pai, um protetor, não como seu primeiro amor. Pela primeira vez senti ódio, e de vingança e desengano. A dor de uma traição que me castrou a confiança no ser humano e que somente me permitiu tempos depois a refletir o que papai me falou quando pela primeira e única vez que me viu revoltado contra tudo e todos: “o dia que você perder a confiança no ser humano perderá sua razão de viver”.


Isso me fez esquecer aquela sensação horrível, me levou a reflexão e a chegar a conclusão de que a vingança que eu nutria era mais nada que saudade e muito amor. E graças a Deus perdoei-a e roguei para que ela fosse feliz ao lado de quem amava e de seus filhos. Passados três anos uma freira que prestava serviços a Deus num sanatório contou-me que há um ano, pessoas conduziram-na em um estado gravíssimo de saúde àquele hospital, dizendo que a encontraram num casebre, abandonada a sua própria sorte. Pouco tempo antes de falecer ela me contou sua história, e que a verdadeira razão dela ter me abandonado foi que do resultado de seus exames descobriu que tinha tuberculose e jamais teria filhos. 21


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O TESOURO ENTRONCADO É lenda corrente no Paraná a existência de um fabuloso tesouro enterrado pelo pirata Zulmiro em algum lugar entre Paranaguá e Antonina.

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Um escritor parananguára, ao citar os milagre da padroeira de Paranaguá, relata que um corsário estava próximo a ilha da Cotinga esperando a maré subir para atracar e saquear a então vila de Paranoá. Ao relatar o fato relata que era um dia quente, ensolarado e de total calmaria. Colocando a imagem num andor fizeram a procissão da igreja matriz ao porto de onde se avistava o navio pirata, pedindo a santa um milagre. Quando a maré começou a subir e as velas se inflaram, o céu escureceu e um vento fortíssimo agitou o mar e enfurecidos e grandes vagalhões arremessaram a embarcação contra o rochedos que emparedavam a ilha, despedaçando-o e não se tem notícia que algum tripulante sobrevivesse. Testemunhas, porém, afirmam que logo começou a se formar a tempestade uma baleeira com doze piratas desembarcaram na ilha, descarregando arcas e baús, e ninguém mais ficou sabendo de seus destinos, até este relato criar a lenda do pirata Zulmiro. Até os dias de hoje, inúmeras pessoas procuram o tesouro. Eu tenho um primo que gastou toda a sua fortuna, escavando aqui e ali; onde videntes diziam que poderia ser o esconderijo, estava ele escavando.


Como toda lenda tem uma correspondência histórica, nessas escavações foram encontradas ossadas de dez corpos masculinos, e pelas roupas ainda se pode afirmar que eram iguais as usadas pelos piratas da época. Nesses lugares abriram-se verdadeiras crateras pois acreditavam que após esconder as arcas e baús, Zulmiro matou seus comandados. Em Quatro Barras, município próximo a Piraquara, onde meus avós moravam e tinham um armazém, vivia sua comadre, dona Virgínia Andrade, que perdeu seu marido e seu único filho morto por um raio, quando plantavam o milharal que sustentava a família. Ela socava num pilão o milho e vendia para vovô farinha de milho para fazer broa e polenta, como também, caramelos, doce e balas de leite e queijo. Dona Benedita, que foi escrava da sua família, para lhe fazer companhia, confiou sua netinha Laurinda de onze ano para criá-la como filha. Houve uma seca na região que durou quase três anos. Dona Virgínia perdeu quase tudo. Vovô ajudou-a fornecendo tudo o que ela e Laurinda precisassem. O que sobrou do milharal foi uma grande quantidade de palha, com a qual passou a embrulhar fumo picado. Quando eu ia buscar a encomenda do vovô, eu ficava observando a agilidade de suas mãos. Embora os dedos já estarem deformados pelo reumatismo, alisando as palhas com uma faca e cortando-as com uma tesoura sem olhar, conversando comigo. As palhinhas tinham a mesma espessura e comprimento, como se fossem feitas a máquina. Também com uma só pitada, colocava na palha o fumo de corda picado, enrolando e dobrando as pontinhas do cigarro.

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Ficava com muita pena de ver a Laurinda ir a um riacho a trezentos metros da casa carregar vários baldes de água por dia para uso pessoal e para alguns animais que ainda permaneceram vivos. A água do riacho baixo mais de um metro ficou barrenta e deixava aparecer várias raízes e uma fenda acima delas. Notou Laurinda um reflexo que o sol ao iluminar o buraco fazia. Olhou, viu uma caixa de metal e chamou dona Virgínia, que ao destampar o baú encontrou grande quantidade de moedas, jóias, rubis, diamantes e pérolas.

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Inteligentemente separou moedinhas de cobre, correntinhas, anéis e medalhinhas de prata, e outras coisinhas de pouco valor, colocou-as num cofrinho e disse para Laurinda que não contasse o fato para ninguém nem mostrasse o que tinha na caixa que ela encontrou. E enviou-a para a casa de uma prima em Poços de Caldas para passar algum tempo. Ela confiava na honestidade de seu cunhado, Tuffy Zaiter, conhecido por turco, que consertava relógio, e ele em viagens a seu país natal, vendeu o tesouro encontrado na caixa. Espalhou-se a noticia que o turco ganhou uma grande herança de um tio da Turquia e montou em Curitiba uma belíssima joalheria e uma rede de hotéis. Transformou o sítio de dona Virgínia na fazenda de seus sonhos, com uma confortável casa, um moinho de farinha de milho, fábrica de balas, torrefação de café e criação de gados, suínos e granjas, dando emprego para centenas dos moradores da região. Vovô que sabia de tudo, pois ao saldar sua conta no armazém dona Virgínia lhe contou o fato, me disse: - Neto você tinha razão, toda lenda tem um fundo de verdade.


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URUTAU Minha mãe nos transmitia, para mim e aos meus irmãos, lições de amor ao próximo, a natureza, de moral e cidadania, por meio de contos, fábulas e histórias, que acredito criava do seu próprio senso pois ao recontá-las ninguém havia ouvido histórias sequer parecidas. Passei a pesquisar e nem em uma biblioteca, catálogos e livrarias encontrei uma fonte onde mamãe tenha bebido sua água. Passados mais de setenta anos a pedagogia moderna achou por bem ensinar recreando. E foi assim que mamãe me fez conhecer o mundo que me cerca e ser útil a comunidade e a utilidade que a natureza oferece ao bem viver do homem. Entre outros, tais ensinamentos me levaram a ser considerado um entusiasta em etnografia brasileira e a descobrir o significado dos milhares de termos da língua Tupi aclimatado na vernácula portuguesa. Tudo começou quando mamãe nos contou: Yacy-Porã (lua bonita) nasceu numa tribo tupi, em uma noite de lua cheia, razão pela qual seus pais lhe deram esse nome. Seus pais notaram que a Cunhantaí (menina) tinha poderes mágicos e entre inúmeros acontecimentos inexplicáveis seu pai contou para o Tuxaua (cacique) e o pajé da sua tribo que, ao abater uma ave atingida a uma altura de quinze

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metros com um dardo envenenado com curare, foi levada ao colo de yacy que depois de lhe retirar do peito o dardo alisando suas penas e assoprando na sua cabeça, devolveu vida ao bichinho que alçou vôo. Seu pai era hábil artesão d’arte plumária e que fornecia para o de sua tribo os cocares, bracelete, adornos auriculares e todos os enfeites que costumavam usar em cada festividade. Ao contar ao seu chefe o fato, disse-lhe que daquele dia em diante não matariam pássaro algum. Ninguém procurava o pajé, pois yacy conhecedora de raízes e a e flores, curava todas as doenças. Isso causou inveja e o pajé colocou as escondidas, na rede onde lua bonita dormia, uma venenosa cascavel. 26

Seus pais, últimos a deixar o local de sua sepultura, quando a lua cheia surgiu, viram sair da sepultura uma ave que vou em direção a lua até desaparecer de suas vistas.


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O VALENTÃO Era um homenzarrão, que sem outro motivo, senão de brigar, vivia se gabando de sua coragem.

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O pessoal já não aguentava tanta bravança e lançaram-lhe um desafio dizendo: se nós andássemos com um revólver no cinturão como você, nós também não teríamos medo de nada. Queremos ver se você tem coragem de ir na sexta-feira da paixão, à meia noite, na cruz das almas onde elas castigam os profanadores. Aí é que ele cantou sua bravata: Eu não tenho medo de macho, vou ter de quem está morto? Apostaram, na sexta-feira santa, foram beber umas e outras, e como sempre fazia tirou uma arma da cinta e colocou-a sobre a mesa, sempre dizendo com essa máquina de fazer defunto eu enfrento qualquer parada. Os desafiantes haviam preparado a coisa de tal maneira, que apostaram entre si, qual seria a atitude do corajoso diante do desafio. Quando o cara foi ao banheiro, substituíram as balas verdadeiras por balas de festim. Aproximando-se da hora, o pessoal o acompanhou até o portão do cemitério, dizendo-lhe que tinham medo de entrar.


Atrás de um túmulo perto da cruz das almas, dois rapazes cobrindo-se com um lençol branco e com uma máscara de caveira, viram chegar e sentar aos pés da cruz, o valentão. Quando o relógio da igreja começou a bater as doze badaladas da meia noite, foram se aproximando e falando com voz cavernosa: irmão você está profanando este lugar santo e desrespeitando o sossego das almas, vamos te levar para o vale das sombras Ele engatilhou o revólver e disse: seja lá o que for, se der mais um passo eu atiro. Eles foram se aproximando de braços abertos, e a queima roupa disparou seis tiros e como as assombrações não sentiram nada, o valentão caiu duro, estatelado no chão. Em três dias recuperou a fala e fugiu do hospital, e ninguém ficou sabendo para onde foi o valentão.

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6 QUEM DIRIA Vivia em uma cidadezinha da grande Curitiba, uma mulher a quem chamavam de Nhá Neusa, sempre vestida com roupas feitas de saco de trigo, costurados a mão por ela própria.

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Descalça, pisando sobre a geada, todos os dias saia de sua casinha de pau a pique, cozinha e quarto, e chão de terra batida. Passando os moradores do lugar, gritava para ela, que lhes dava uma banana e ficava parte do seu dia rezando aos pés da cruz das almas, no cemitério. Pessoas bondosas deixavam alimentos já preparados na sua casinha. Aos sábados o dono do armazém lhe dava três garrafas de cachaça, velas, fósforos, e cigarros. Era mal cheirosa e mesmo assim teve quem a engravidasse. Logo que nasceu seu filho, ela passou a lavar e passar roupa para fora. Passou a vestir-se e a arrumar-se com asseio, ficou irreconhecível. Esse menino foi uma dádiva do céu. Todos a tratavam com respeito e admiração. Pode criar seu filho que formou-se na faculdade. E nesse momento pude pedir perdão para aquela de quem debochava quando criança, a ilma senhora Neusaline Pimenta.


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QUANDO TEM QUE SER Tive um amigo, que como eu, sonhava em ficar rico, viajar, comprar um carrão, uma lancha, mas não nos esforçamos em nada para isso, nem em estudar e ter uma profissão. Órfão, ele foi criado por uma tia, e lhe deram o apelido de titia, quando em sala de aula ele chamou-a de titia e não de professora. Quando sua tia faleceu deixou-lhe uma única herança, um terreno muito grande mas lamacento, que quando tinha maré alta, ficava alagado em toda sua extensão. Cansamos de oferecer, mas ninguém queria comprar um terreno naquelas condições, por dinheiro nenhum. Jogávamos em loterias, tudo o que ganhávamos, ele como pianista e eu como telegrafista, destinávamos ao jogo, que para nós seria a única maneira de ficarmos ricos. Nunca tinha saído até então, um grande prêmio para a cidade onde morávamos. O cambista dos bilhetes de loterias sempre guardava para nós um bilhete inteiro como número do túmulo de sua tia.

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De tanto ficar devendo, e na certeza que não tinha sorte, desisti do jogo, e pela primeira vez na vida, gastei meu ordenado com coisas pra minha própria necessidade. Eu vivia atazanando meu amigo para parar de jogar. E ele então me atendeu. Qual foi a surpresa do vendedor da lotérica que sempre guardava aquele bilhete para nós. Jogou o bilhete no chão e esbravejando foi embora. Aquele foi o bilhete premiado. Meu amigo foi generoso com todos, e foi assim que viajei o mundo todo e realizei aquilo que só em sonhos poderia realizar. Em cada pais que íamos, enquanto eu ia a museus, meu amigo ia delapidando sua fortuna em cassinos. Quando eu o avisei do que ele estava fazendo ele terminou com nossa amizade. 32

Passados alguns anos fiquei sabendo que ele havia perdido tudo. Foi trabalhar naquela lotérica por troca de bilhetes. Continuava a viver para o jogo, permanecendo no mesmo erro. Até que descobriu que aquele terreno, herança de sua tia, pela profundeza das águas era bom para o que desejava fazer uma empresa petrolífera pretendia. E comprou-o por uma fortuna. O que fez regenerar meu amigo que teve mais uma chance da vida.


8 GATA CINZENTA Meus avós maternos moravam em Campina Grande do Sul e mudaram-se para Paranaguá, uma cidade distante quinze quilômetros da outra. Fizeram a mudança com um carroção puxado por cavalos. Não esqueceram de levar os cachorros, passarinhos, papagaio e o casal de garnizés. Passados quinze dias vovó ouviu miados no porão da nova casa. Foi ver e lá estavam quatro gatinhos ainda de olhos fechados. Avisou vovô, minha mãe e meu tio que ficaram de desvendar o mistério. Passaram-se dezoito horas e minha mãe chamou vovô e titio que viram chegando uma gata, com um gatinho na boca, a cinzenta que esqueceram de levar na mudança. Na casa de Campina a família cuidava da gata amarela e dois filhotes que sobraram da ninhada. A terceira gatinha que deram o nome de cinzenta ficou arredia, só se aproximava da casa para comer e por isso não a levaram com os outros gatos.

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Ninguém até hoje conseguiu explicar tal fato. Dizem que os gatos gostam da casa e não dos donos. Em outros casos a família vai embora e os gatos ficam na casa. Outros afirmam que os gatos não podem seguir pelo faro. Eu só sei que recolhemos e cuidamos dos gatinhos e com isso a cinzenta se acostumou com nosso viver e permaneceu com a família até a sua morte.

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9 ELE É UM SANTO Meu avô materno era um conselheiro, um amigo e mestre. Com ele aprendi a respeitar, admirar e amar o homem simples do povo e, de certa forma a seu exemplo, que a felicidade é repartir, ajudar e dar de coração. Sob sua orientação guardava em um maço de papel fatos históricos narrados por aqueles que participaram de episódios como a guerra do Paraguai, o cerco da Lapa e outros. Ao conhecer a história da civilização do meu país e do meu estado natal, o Paraná, aprendi o que é civismo a orgulhar-me e a prestar honra, louvor e glórias aos nossos antepassados, aos quais devemos tudo o que somos e temos. Tanto é que dediquei uma vida inteira a coligir e a divulgar por todos os meios tais fatos e usos, única comprovação do amor que todos nós deveríamos ter por nossos ancestrais. Somente no funeral do vovô é que pude aquilatar o quanto era querido, e muitos que eu via pela primeira vez, outros vindos de outras cidades e Estados, me contando a gratidão que nutriam por vovô, e só então fiquei sabendo que indistintivamente foi útil, deixando-nos exemplos de amor e respeito pelos nossos semelhantes.

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Oito anos depois de sua morte, a família contratou os serviços de uma funerária para trasladar os restos mortais de vovô de Piraquara para Curitiba. Peguei carona no carro da funerária e entre outras despesas comprei uma urna funerária de pequena proporção onde seriam depositadas as ossadas. Quando retiramos para fora da capela e abrimos o caixão, fomos todos os que ali estavam acometidos por uma inesperada comoção: vestido com um terno cinza ,camisa creme e gravata azul, os olhos verdes claros abertos ...o cadáver continuava intacto.

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A notícia extrapolou-se e grande multidão foi rezar e acender velas e alguns gritavam: é um santo, é um santo, e não faltavam pedidos de milagres. Os funcionários da funerária diziam nunca terem visto coisa igual. Compareceu ao local um médico legista e depois de um minucioso exame explicou tecnicamente a situação. Mas todos concordaram que os santos não conheceram a corrupção.


10 ACONTECEU Desde menino aprendi com meu pai a ser cuidadoso mas não me acovardar diante de qualquer situação. Pois ele dizia que tudo nesta vida tem uma explicação lógica e que só não tem remédio para a morte. E papai dizia: meu filho, não adianta correr do leão um dia ele vai te pegar; é melhor enfrentá-lo já. Nunca provoque e nem agrida ninguém, mas não leve desaforo pra casa, reaja sempre que for agredido. Matriculei-me numa academia de arte marciais, que tem por filosofia a disciplina e o auto controle, e o lema de nunca atacar e sim se defender. Desde o ginásio, em que as brigas depois das aula eram diária, me propus a separá-las como em outras circunstâncias, sempre defendia os mais fracos e por inúmeras vezes imobilizei assaltantes e bandidos e os levei as autoridades policias. Achava engraçado quando as pessoas contavam causos de aparições e almas de outro mundo, de lobisomem, outros seres sobrenaturais. Causos contatos por gente de credibilidade que não queria se expor ao ridículo, mas juravam ter visto assombrações. Lembro-me de um caso ocorrido em Piraquara, onde passei parte da minha infância na casa de meu avô materno, seu Custódio. Ele contava que seu compadre Martinho de tal, gostava de caçar e acampava por vários dias nas

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matas da Serra do Mar. Como sua esposa estava grávida, para já ganhar seu bebê, Martinho avisou aos parentes que se houvesse qualquer novidade que mandassem chamá-lo, e desenhou um mapa do lugar onde acamparia. A noite, sob a luz de um lampião, Martinho e seus quatro companheiros jogavam conversa fora até altas horas. Seu Albino era muito medroso e supersticioso e contavam causos de aparições antes das caçadas, fazia uma oração, pedia licença para a mãe do mato e para se protegerem fazia benzeduras. Martinho que era valentão ria dessas crendices, passava a mão sobre os dois coldres e dizia: com isso aqui não tenho medo nem do diabo, o que passar na minha frente eu passo fogo.

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Seu Albino então disse: se você é corajoso mesmo, meia noite grite três vezes o nome do saci pererê, e ele aparece e vai te castigar. Não deu outra, a meia noite seu Martinho baixou a lona da barraca e gritou: Saci pererê! Oi, oi! - foi a resposta e assim uma segunda e terceira vez. De mansinho fechou-se na barraca e num rompante adentrou um vulto que seu Martinho não chegou a distinguir pois desmaiou e levou vários dias para recuperar a fala. Aconteceu que sua esposa estava dando a luz e mandou um de seus empregados buscá-lo e era ele quem tinha respondido os dois. Não havia razão para seu Martinho ter quase morrido de susto.


11 ACUDAM! FOGO! Meus avós maternos, Seu Custódio e Dona Maria, moravam em Campina Grande do Sul, no Paraná. Vovô trabalhava na serraria e no engenho de erva mate do seu irmão Antônio Meirelles sobrinho. Quando meus pais foram morar em Florianópolis (1939-1950) Emília minha mãe, recordava sua infância e descrevia os lugares onde morou: Araçatuba, Madassaia, Quatro Barras, Campina Grande do Sul e Piraquara, todas cidades do Paraná. Contava-nos que as serrarias eram movidas a vapor e o maquinários eram colocados sobre os trilhos, e a medida que iam desmatando os pinheiros, as imbuias, perobas, canelas, cedro rosa e outras madeiras de lei, a serraria ia avançando mata adentro até completa derrubada. Onde a serraria e o engenho de erva mate se instalavam, construíam-se vilas que se tornavam cidades, pois eram muitos operários: machadeiros, serralheiros, carpinteiros, marceneiros, carroceiros, barriqueiros, ensacadores e ervateiros, com seus familiares. Como em uma tela de cinema, por exemplo, mamãe falava dos conjuntos musicais e bailes, das bandas e das companhias de teatro, revistas, operetas e danças vindas da Itália e da França, pelo porto de Paranaguá, que se

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apresentavam em Campina Grande do Sul. Dizia que vinha gente de Curitiba para assistir os tais espetáculos, para os animadíssimos bailes. Nesta época não existia nem a estrada da Graciosa, nem a estrada de Ferro que ligasse Paranaguá a Curitiba, assim sendo, impossível a subida da serra do mar. Com transporte dos equipamentos dessas companhias com piano, cenários, vestuários, quando o único meio de transporte era feito por trilhas no lombo de burrico. Outrossim, quando acabava a extração da madeira esses núcleos viravam cidades fantasmas. Quando voltamos de Florianópolis, a primeira coisa que fiz foi visitar os lugares descritos por mamãe e qual foi minha decepção encontrar as cidade fantasmas, com exceção de Piraquara que foi a primeira cidade traçada no Paraná e onde a família Meirelles radicou-se para sempre. 40

A roda do engenho que movia a serraria dos Meirelles fornecia luz a Piraquara e lá pelas dezenove horas, quando acendiam as lâmpadas o loro zeca ficava desesperado gritando: - Acudam, fogo! Tragam água, o engenho está pegando fogo! Um grande incêndio destruiu a serraria e o engenho de erva mate.


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AMOR E TRADIÇÃO Um circo internacional que passou por Curitiba (PR) tinha como principal atração o palhaço e trapezista. Um brasileiro, o único no mundo a dar um salto triplo com os olhos vendados. Um dos números do palhaço era fazer aos espectadores charadas e adivinhas, oferecendo um grande prêmio para cada enigma acertado. Durante os três meses que o circo permaneceu na cidade, ninguém a não ser um renomado médico, acertou mais que quatro respostas. Até que uma moça acertou nove dos dez enigmas. O palhaço chamou-a para o picadeiro, pagou-lhe o grande prêmio, solicitando uma salva de palmas do público. Diante da beleza da moça e da admiração que ela sentia pelo grande artista não perdendo sequer uma apresentação em todo tempo que o circo permaneceu na cidade. Na véspera do circo partir, desta feita, cumprir longos contratos por muitos países da Europa, ele formalizou o pedido de casamento e explicou que só ultimaria o casamento quando pudesse deixar a vida nômade e fixar residência. Ela prometeu esperar todo o tempo necessário porque seu amor seria eterno.

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Passaram-se trinta anos quando ele regressou, montou seu próprio circo e teve muitos filhos que seguiram a carreira circense. E já se passaram três gerações desde o casamento e todos os seus descendentes são artistas circenses e são inúmeros os artista que passaram pela escola de formação que leva o nome do grande palhaço. E até hoje, após seu passamento, é considerado um patrimônio cultural do Paraná. Seus filhos e netos foram os pioneiros a manter vivas as tradições quase desaparecidas do maior espetáculo na Terra, antes dos meios de comunicação de massa.

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13 AUTO SUGESTÃO Quando recebi o certificado de conclusão do curso de escrivão de polícia da Escola da Policia do Paraná, comprei um cinturão de couro com fivela de prata, com coldre e nele um Schmitwerton, calibre trinta e oito e disse comigo mesmo: - Nada agora me causará medo. Nos fins de semana e feriados eu efetuava pesquisas folclóricas, etnográficas e sociais nos municípios que mantinham suas tradições e principalmente na orla litorânea do Paraná. Reservei um desses feriados prolongados para ir a ilha das Peças para observar o fandango (dança típica do folclore paranaense), arte, gastronomia e, principalmente, crendices e superstições. Acima dos rochedos que o mar castigava, havia cravada uma cruz de ferro que embora ninguém a conservasse nunca enferrujou, pois era crença de que, quem a tocasse seria fulminado por um corisco. Do local onde as ondas batiam até a cruz haviam marcas de pés nas rochas que afirmavam ter sido de um padre que colocou a cruz naquele lugar e que gente de credulidade jurava ter visto o fantasma do padre rezando aos pés da cruz. Além dessa narrativa ninguém até hoje deu outra explicação como também ninguém sabe porque a madeira não danifica quando técnicos afirmam ter a idade dos primeiros a chegarem em Paranaguá.

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A tarde declinava quando armou-se uma tempestade e uma forte ventania baixou uma escuridão. E a cada instante uma faísca iluminava aquela cruz e cegava meus olhos. Eram dezessete horas e o Sanford dono do carro a motor que havia combinado de me pegar naquela parte da ilha, onde normalmente o mar era mais calmo. No dia seguinte lá pela nove horas, conseguiu atracar naquele local. Talvez não notasse meu semblante insone e ainda assustado como também não perguntou porque não fui me abrigar na vila dos pescadores perto dali até passar a tormenta, pois foi o primeiro lugar onde me procurou. É claro que foi a primeira coisa que me ocorreu mas, não se enxergava nada naquela escuridão. Me haviam prevenido dos perigos das cobras e outros animais noturnos que atacavam as pessoas, achei melhor ficar no alto daquela pedra e tirando o Schimit do coldre, disse para mim mesmo: - Com isso aqui não tenho medo de nada. 44

Lá pelas tantas a tempestade amainou e pude ouvir pios de corujas, uivos de mangueiras, gritos de cotias e de outros animais que me davam arrepios. Fiquei olhando para a trilha que nos conduzia mato adentro até a aldeia na esperança que viesse alguém me procurar ou se algum bicho aparecesse estaria na mira da minha arma. Até aí, além da apreensão estava seguro e sem medo. Dali a pouco o mato começou ase mexer e era estridente o grunir de um bando de catetos que graças a Deus não me avistaram, mas mexeu com meu instinto de conservação e automaticamente a auto defesa: o medo. Que noite. Frio, fome e medo. Eram três horas e até clarear o dia, as cinco e trinta, como custou a passar. A certa altura o farfalhar das ramas das árvores se movendo para lá e para cá, num espanto. Cada vez que parecia vir em minha direção eu atirava na certeza que daquela distancia não erraria.


Quando não escutei grito algum, na certeza que tinha atingido o alvo, me passou pela idéia aquela célebre frase: não acredito em fantasmas, mas que eles existem, existem. Cruzei os braços, repousei minha cabeça, virando de costas para a visagem, coisa curiosa como eu recordei todas as orações e súplicas que há muitos anos havia esquecido. Adormeci e acordei com a claridade do dia. A primeira coisa que fiz foi ir ao local da aparição e quase morri de rir ao ver ainda balançando uma folha de bananeira com furos de balas cravada num tronco.

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FIM LEVOU 14 QUE MINHA TURMA? Um médico famoso, quando ia completar o jubileu de ouro da primeira turma de Medicina formada na Universidade mais antiga do Brasil, a Universidade Federal do Paraná, pesquisou e dos trinta e dois colegas, dezenove ainda estavam vivos e o restante mortos ou não localizados. Marcaram a data do jantar do encontro e foi ampla a divulgação do evento onde compareceram vinte médicos, quase todos ainda exercendo a profissão ou lecionando em faculdades de medicina. 46

Diante da ampla enquete o organizador deste fraterno e memorável encontro recebeu notícias dos familiares que nove haviam falecido e um por motivo de doença não poderia comparecer. Ninguém conseguiu localizar um único colega, que por ser de uma família muito rica ajudou a muitos, provendo-os de todas as necessidades, alguns na eminência de desistir do curso. Após o grande banquete, troca de presentes e a presença da nata da sociedade curitibana, sendo transmitido pelas televisões locais, apareceu um cidadão e cochichou no ouvido do anfitrião, que chamou seus colegas e se dirigiram para uma ruela escura, naquela fria madrugada, e ali maltrapilho estava, deitado sob uma marquise, o colega que faltou na festa.


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15 DESTINO? Um piloto, instrutor do aero clube de uma cidade do Paraná, apaixonou-se pela única filha de um rico industrial. Quando ele foi pedir a mão de sua filha em casamento, o pai da moça lhe impôs uma condição: “eu não criei filha para ficar viúva de quem arrisca sua vida a cada momento. Ou você deixa a aviação, e eu arrumo sua vida, ou desista de casar com minha filha”. 48

Que dilema. A Aviação foi seu sonho de criança. Nada nesta vida tinha outro motivo, senão sentir aquela sensação de liberdade que sentia como voava como os pássaros. A força do amor tudo supera. Casaram-se e como presente, seu sogro lhe deu o cargo de vice presidente de sua indústria e construiu a casa dos sonhos de sua filha. Passado pouco tempo do casamento, apesar da felicidade de amar e ser amado, do conforto e segurança, faltava-lhe alguma coisa. Ficava olhando para o céu, pois sua casa era perto da base aérea ,olhando manobras aéreas dos aviões, com vontade de largar tudo e voltar a voar. Como sempre fazia, estava sentado num banco no jardim de sua casa, olhando os aviões aterrissando e decolando, quando desgovernado, um dos aviões de caça não conseguiu sair do mergulho e espatifou-se sobre aquele banco.


ANOS NÃO 16 OS TRAZEM MAIS Mecanicamente, antes de deitar, abro a janela de meu quarto e já não vejo as estrelas, nem a lua, nem o mar; só muros, paredes e arranha céus. Minha família se mudou para Florianópolis. Papai foi trabalhar numa companhia alma de aviação que oferecia conforto, assistência médica, escola e crédito em todos os estabelecimentos comerciais da cidade. Tanto é que a nossa casa, onde foi instalada a estação radiográfica da qual papai era encarregado, era uma das casas mais bonitas da ilha, e em nosso quintal tínhamos uma horta, criação de aves, um pomar, um jardim, um campinho de pelada, uma quadra de vôlei e basquete e uma cancha de bocha. Minha infância foi assim: ir a escola, praia e sol, futebol, vôlei e basquete. Todas as noites, da janela do meu quarto, eu ficava fascinado com aquela paisagem que só um quadro de pintura pode reproduzir: via o mar brilhar nas noites claras de luar, no horizonte a Ilha dos Ratones e a Ilha dos Guarás em frente, em toda a extensão daquela baía norte, os montes azuis e os verdes das matas em sua volta. Aos domingos organizávamos torneios de futebol, bocha, basquete e vôlei.

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Minha mãe sempre estava pronta para amenizar o sofrimento daquela gente pobre do morro do céu, vizinho da nossa mansão, e uma vez por semana, daqueles domingos festivos, distribuía arroz, feijão, farinha de trigo e de mandioca e óleo de cozinha entre os mais pobres, acolhendo as receitas e comprando remédios, e aquela gente a chamava de santinha. Dona Zuleica, uma senhora de cor e que era capenga da perna direita, além de lavar nossas roupas, cozinhar e cuidar dos cachorros, tinha a maior alegria aos domingos, de preparar para cinquenta pessoas o seu famoso cozido. Tão gostoso, com tantos ingredientes, que até hoje, passados sessenta anos, jamais comi outro igual. A molecada cantava uma música onde dava a receita e continha certa picardia, e a letra era assim: 50

O Cozido de Zuleica Nunca vi cozido igual Como o cozido da Zuleica O cozido da Zuleica é bom demais Nunca mais comi outro cozido Igual ao que a Zuleica faz Palheta, carne de peito Costeleta, bisteca de porco Lingüiça músculo e charque Repolho, aipim e cenoura Couve, abóbora e cebola Do caldo disso tudo um irmão A mandioca vira pirão. Bons tempos. Eu era feliz e só hoje sei o quanto.


17 VELÓRIO ASSUSTADOR Seu Tonico residia em um lugarejo próximo a Curitiba, numa casinha a beira de um barranco de três metros da altura da estrada, por onde chegava e subia por uma estreita escadinha de madeira. O quintal de nossa casa era grande e seu Tonico tomava conta da granja, da horta e do pomar. De segunda a sexta feira ele dormia lá em casa. Mamãe preparava com todo carinho sua cama que amanhecia como ela arrumava. Intrigados com isso fomos sondar e qual não foi nossa surpresa vê-lo dormindo no assoalho. Perguntamos porque ele e nos disse que desde criança acostumara a dormir no chão batido. Chegou uma segunda feira e seu Tonico não apareceu. Ficamos apreensivos. Fui a sua morada e lá chegando me deparei com uma cena triste; nosso querido “Nico” morto sobre uma mesa improvisada com uma porta sobre duas cadeiras. Providenciei a funerária, o cemitério e o enterro que seria na manhã seguinte, ficando no velório até as vinte horas. No dia seguinte quando lá cheguei com o carro funerário me deparei com uma cena assustadora: a escada estava quebrada e foi difícil subir o barranco. Mas apesar das cadeiras, mesa e castiçais de velas, garrafas de cachaça e um garrafão de graspa esparramados pelo chão, lá estava seu Tonico na mesa. Achei estranho suas mãos estarem desentrelaçadas e seus braços abertos, como na noite anterior estavam.

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Não foi difícil localizar vizinhos que nos pudesse explicar o que aconteceu naquele velório a luz de velas. Seu Erasmo, com uma perna e um braço engessados, nos contou que lá pelas tantas o seu Tonico abriu os braços, derrubando os castiçais e velas e promovendo uma debandada geral. Do compartimento onde estava seu Tonico, uma sala que servia de cozinha, copa e dispensa saía um corredor que levava aquela estreita escada. Seu Erasmo e todos os “veloriantes” na escuridão foram se jogando pelos degraus, uns caindo por cima dos outros, e quando a escada ruiu todos se jogaram lá de cima do barranco. 52

Pediu-me para ajudar seu cunhados, que estavam hospitalizados, contando que ele saiu correndo e gritando “me larga cumpadre, nós sempre fomos amigos”. Quando fui visitá-lo no hospital, um médico mostrou-me o laudo da necropsia onde atestava como causa mortis alto teor alcoólico no organismo e morte por asfixia. A explicação que me deram para o fato foi que o cadáver que ingere muito álcool demora a enrijecer, o que aconteceu por altas horas da noite e não tinham lhe amarrado braços e pernas como é de praxe.


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O.V.N.I. DA ESPERANÇA Minha amizade com um sertanista e morador no parque Xingu foi tão singela e sublime em relação ao amor e admiração pelos nossos irmãos que muitos chamam-nos índios e selvagens e outros termos, quase sempre pejorativos. Quanto ao primeiro, cansamos de chamar a atenção das nossas autoridades educacionais para restringir essa palavra, somente para os que nascem na Índia.

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Quando nasceu em plena selva seu primeiro filho nos preocupávamos pelo futuro de nossas crianças, principalmente a cada vez que construíam uma usina atômica, fabricavam armas (ditas para paz) de grande destruição e armazenavam os inventos que poderiam beneficiar a humanidade para caso de guerra ou simplesmente para amedrontar possíveis agressores. Chegamos a conclusão que desde a invenção da roda até hoje, tudo que o homem criou foi usado, e que ele intelectualmente foi feito a semelhança de Deus. Mas apesar de estar viajando pelo espaço sideral e na eminência, a exemplo de sua chegada a lua e aterrizar em outros planetas, é falível e impotente diante dos fenômenos naturais (do fogo, terremoto, vendavais e maremotos). Ele me tranqüilizou chamando Sauna-una, afirmando que o selvícola não mente. Se mentir sua alma não transmigra para animal, aves, peixes e flores; se transformam em filhos do diabo.


Sauna-una contou-nos que dirigia seu Jipe quando o motor parou, as luzes apagaram e não dava mais partida. Não havia motivo para isso, pois o tanque estava cheio, a bateria era nova e ele mesmo que era mecânico, cuidava do motor até então funcionando impecavelmente. A pé ia caminhando pela floresta e do alto, luzes fortes de várias cores ofuscavam sua visão. Porém a certa altura do chão ficou planando uma máquina redonda, com uns dois metros de altura por três de diâmetro e viu descer de uma escadinha dois vultos cujas silhuetas tinham a forma de dois homens de um metro e meio ou pouco mais e um deles falou em língua Tupi: Não tenha medo não estamos aqui para fazer mal algum. Nossa missão é evitar, e temos meios para isso, que haja a desintegração da Terra caso o grande armamento nuclear venha a detonar, pois se isso acontecer nosso planeta também será afetado. Disse mais: o terráqueo é imprevidente, tudo o que ele cria é destinado a destruição. Sauna-una levou meu amigo aquele local e lá estava uma roda de capim queimado e a areia do solo vitrificada. O técnicos que examinaram o local encontraram detrito de matéria não existente nesse mundo. Deste momento em diante passei a criar meus filhos sem aquela preocupação e do pessimismo de um futuro incerto mas com meus melhores e felizes esforços. Obrigado meu amigo. Obrigado Sauna-una.

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19 tudo tem fim Conheci pessoas que usufruiram de tudo o que era bom que se criou até os dias de hoje. Pessoas sábias, respeitáveis que gozam de admiração, e até causam inveja, aos que gostariam de ser e ter o que eles são e tem.

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Pessoas que lutam muito para juntar dinheiro e quando isso acontece, querem prestígio e a relização de tudo aquilo que só em sonho pode realizar. A vaidade do homem não tem limites. Conheci uma dessas pessoas que ficaram ricas a custo de muito trabalho e por vaidade, foram vítimas de bajuladores e aproveitadores, responsáveis por este caso que eu vou lhes contar. Nosso personagem se deixou levar pelo fascínio da política, a maneira pela qual lhe traria admiração e prestígio. Candidatou-se a vereador, gastando muito dinheiro e recebendo poucos votos. Era uma questão de amor próprio: entregou uma pequena fortuna para uma firma especializada e foi eleito vereador após duas eleições. Só então é que se deu conta que não tinha preparo para a elaboração dos anteprojetos de lei, discursos e como dar atendimento ao público, como se comportar nas entrevistas e no próprio Plenário da Câmera.


Então, contratou a peso de ouro, profissionais e empresas de propaganda; e tal era a sede de glória e vaidade de ser admirado que perdeu a noção do racional, trocando aplausos e a badalação por muito dinheiro. Deu procurações para outros gerenciarem seus negócios, de tão fascinado que esava pela política. Este nobre vereador tinha indústrias alimentícias, de rações para animais, concessões de três linhas de ônibus municipais e estaduais, armazém e moinho de trigo. Possuía uma fazenda de café e era pecuarista. Financiava projetos sociais, educativos e esportivos, tudo em troca de promessas de votos. E assim foi eleito deputado estadual, federal e o que queria ainda mais: senador da República. Somente então se deu conta que seus negócios tinham ido para a falênca, e quando a “teta secou”, ficou no abandono. Não foi eleito e aquela pseudo sensação de glória, jogou-se no fundo do poço. Hoje vive às custas da sua única filha que ficara com a concessão de uma linha de ônibus municipal que seu pai lhe dera antes da barrocata como presente de casamento.

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Impresso pela Edições Guairacá, composto pela fonte Minion Pro 12pt sobre miolo color em papel couché 115g/m2 e capa color em papel cartão 250g/m2. Primavera de 2018.




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