O Poeta e Nuvem Menina

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O Poeta e Nuvem Menina isabel sprenger ribas

Curitiba 2015


© 2015 Edições Guairacá - Divisão de Publicações da Guairacá Cultural Gehad Ismail Hajar - Produção Editorial e Preparação de Originais Adriane Baldini - Editoração, Projeto Gráfico, Diagramação e Arte-Final Juliano De Paula Santos - Acompanhamento Editorial Capa: Flagrante curitibano nos anos 40 onde a Alameda Dr. Muricy encontra a Rua XV de Novembro. Acervo DP-PMC. www.guairacacultural.com Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida por nenhuma forma ou por qualquer meio sem a expressa permissão escrita dos editores. Impresso no Brasil.

Ribas, Isabel Sprenger, 1957O poeta e nuvem menina / Isabel Sprenger Ribas. – Curitiba: Edições Guairacá, 2015. 24 p.; 17 cm ISBN 978-85-67060-06-4 1.

Literatura infantojuvenil brasileira. I. Título. CDD (22° ed.) 808.899282


Palavras Iniciais

‘O Poeta e Nuvem Menina’ surgiu de um desejo meu de ser criança outra vez por alguns instantes. E por algo mais que irei dizendo na sequência e ao final... Ao escrever para cabecinhas milênios luz distantes da minha eu retorno, faceira, também, às tranças que tive, aos sapatos de verniz e de lacinho, as roupas de veludo com gola de renda e às estripulias infantis que, para desespero de minha amada mãe, a cada um dos nossos passeios, alteravam totalmente o estado original de todo este aparato de vestuário, por ela tão cultivado. Sim! Por ser bastante estabanada, um pouco mais cheia de vida do que à normalidade costuma ocorrer. Diziam isto. Eu absolutamente não concordava... E, principalmente, volto às minhas brincadeiras com meus amigos meninos da antiga Rua da Rio, hoje Mariano Torres, ainda não canalizada, lá pelos meus sete, oito anos. Eram três, um descendente de poloneses, outro italianinho e o terceiro bem brasileirinho como eu. Descíamos (escondidos, obviamente, das nossas responsáveis) pelas suas águas, então límpidas, mas pouco caudalosas desde a Rua Benjamim Constant até a Nilo Cairo. Mãe nenhuma daquelas redondezas, com relativo bom senso, permitia às suas crianças compartilhando das idealizações, lideranças e folguedos daquela garota alta para a idade que fui eu, com tendências, certamente, por ser tão agitada, alvoroçada e afoita, idênticas as de um


molecote. Justificativa suficiente para ter eu, naquele tempo, maior número de amigos meninos. Retorno, ainda, às fases dos meus filhos, a todas elas e as dos meus netos, nos seus primeiros anos... Aqueles em que as histórias que eu escrevia e contava eram devoradas por olhinhos ávidos de curiosidade sobre o fim inusitado e sempre diferenciado, com a doçura da plena aceitação pelos meus atos. E volto também às crianças que ensinei... E aos filhos de amigas... E aos menininhos de rua... E aos pequeninos vizinhos, nascendo à proporção que passa o tempo. Em Curitiba, em Ponta Grossa, em Brasília, na praia... Volto, neste momento de vida e também ao afeto sentido pela minha amada e pequenina vizinha de apartamento, um aninho, dona de olhos curiosos, amáveis e apaixonantes... Simplesmente, volto! Sem nostalgias desnecessárias, sem saudade que não se possa curar, sem esperar que me julguem grande escritora. Volto porque o pedaço lá de trás é minha parte integrante. Faz parte da minha UNIDADE... E dizendo agora o que diria no final, eu também volto por desejar reverenciar o Espírito Subjetivo do Natal, que nos induz a querer presentear, agradar, ser gentil...


Sintetizando: Que nos leva a SER plenamente. Como é a alma pura de uma criança... Escrevo isto exatamente nestes tempos em que ESTAR um ser adulto é extremamente difícil. Ainda assim cada vocábulo foi impulsionado pela afetividade e pelo desejo de agradar. Nestes tempos em que os elevados valores do desejo do Bem ao Alheio, da Fraternidade, da Elegância, a dos gestos e do Amor generalizado andam caindo em desuso! Meu coração deseja pedir a você, adulto, para quem também escrevo, que possível e eventualmente lerá ‘O Poeta e Nuvem Menina’ para suas crianças, que não deixe isto acontecer... Lembre! Cada vocábulo foi impulsionado pela afetividade e pelo desejo de agradar. Eis o porquê maior deste pequenino livro... A autora.



prefácio

Temos por axioma o suspiro de Ferreira Gullar: A cidade está no homem, quase como a árvore voa, no pássaro que a deixa. Como desvendar as memórias da cidade que estão em nós, e quantas de nossas memórias hão de vagar pelas almas de nossos velhos caminhos, hoje agitadas ruas e avenidas? Na certeza que quem memora acaba agindo por resistência, a menina Isabel moradora da velha Rua do Rio, hoje avenida Mariano Torres, novamente hasteia barra do vestidinho de cambraia, para se aventurar em jornadas com a piazada no caudal do rio Belém, hoje canalizado sob a via. Muito querida – chamada de ‘ovo de duas gemas’ por sua mãe – foi educada em sua casa pela saudosa professora Miraci Cardoso de Brito, coetânea de Helena Kolody no Instituto de Educação, que desde então aprendeu a valorar a memória e seu registro. Kolody, a grande mestra quem a jovem Isabel pediu para que escrevesse uma poesia para o namorado, aconselhou que ela própria transcrevesse o pulsar de seu coração em palavras. O namorado tornou-se marido. E o conselho persiste até hoje em suas inúmeras obras literárias. O Poeta que conversa com a Nuvem Menina, envolta pela água que faz desta urbe alma de úmida prosperidade, é um suspiro de todas as meninas e meninos que, dentro de nós, são a Cidade de Curitiba. Gehad Ismail Hajar Editor



Poeta, meu poeta. Poetinha do Saber, Vem outra vez, vem de novo para cá. Outra conversinha vamos ter Para novas coisas eu aprender!

Tão amigo, sempre. E cheio de simpatia. Atencioso e terno no modo de falar, o Poeta lhe dizia coisas muito lindas...E ensinava tantos novos conhecimentos à Nuvem Menina, ainda tão pequenina. Parecia realmente um professor... O Poeta era o seu grande amigo, certamente. Claro, pensava ela enquanto lembrava dele, havia todas as outras nuvenzinhas, novinhas, com tempo de vida parecido com o seu, com as quais ela poderia conversar. E também as velhas nuvens, meio mal-humoradas, escondidas lá no fim do Infinito, onde Nuvem Menina quase não alcançava... elas sim, sabiam tudo sobre o tempo, o sol, a lua. Como eram inteligentes aquelas Velhas Nuvens!

Dizia com desdém a Velha Nuvem, Nada sabe você do meu saber. Saberá um dia adiante, muito além Mas somente quando crescer!

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uvem Menina estava muito triste. Hoje o Poeta não havia aparecido... Para cá e para lá, naquela imensidão bonita que é o céu, vagando naquele espaço imenso, a pequenina e branca nuvem sentia demais a sua falta. Afinal, o que teria acontecido com ele, pensava ela?

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As outras, as nuvens meninas com a sua idade, sabiam pouco ou quase nada. Tanto quanto ela... Sabiam, sim, apenas o básico que ensinavam na Escola Para Nuvens Meninas... Sabiam que haveriam de crescer, escurecer e pesar o suficiente para cair, quando estariam transformadas em outra categoria conhecida como chuva... Cai chuva. Cai devagar Cai mansinha feito garoa Não venha a todos assustar Para que nos pareça coisa boa! A tal chuva, aquela que possui pingos d’água, grandes ou pequenos. Que existe até em forma de pedra! Sim, vocês acreditam? Em forma de pedra... umas pessoas chamam a isto de granizo, pensa Nuvem Menina. Como será isto? Ela não sabe. Quem sabe o Poeta saiba, pensa. Sabia, sim, ela, a nuvem da chuva, que molha as plantações, os cafezais enormes, mas era só. Quem lhe contou isto foi uma das Nuvens Antigas em um dia em que estava de muito bom humor, durante um enorme temporal, quando seu vapor transformado em água jorrava sem parar sobre um lugar imenso. Afinal estava atingindo a sua Finalidade. Todas as nuvens falavam muito sobre a Finalidade de suas vidas... Mas quem lhe falou sobre a chuva criada para molhar a natureza, livrando-a do exagerado calor do sol; sobre a chuva fininha, meio empurrada pelo ventinho maneiro, a chuvinha que tem cheiro, um cheiro tão bom, mistura de terra molhada com verde crescendo... Opa, pensa Nuvem Menina... quem me ensinou isto tudo foi o Poeta. Lembro bem... Ele ainda me disse:

Cai a chuva tão bonita Enfeitando a natureza É por certo bela e bendita Cheia de doce e divina beleza!


Sopra, sopra, Ventinho Maneiro Sobra levinho, doce, devagarinho Não ande nunca tão ligeiro Para meu rosto sentir o seu carinho...

Ela respondeu que já ouvira alguém falar, mas agora estava esquecida. Sabe, ele continua: Tem também a garoa. Ah! Lembrei agora, disse naquele dia o Poeta: Existe um Estado brasileiro onde chove muito e onde existem muitos pinheiros. Lindas árvores que lembram a forma de uma taça. Nesta terra tem muita garoa, muita chuva, muito frio. Lá existe uma música que fala sobre um tipo de passarinho, chamado Gralha Azul, que enterra o pinhão para poder alimentar-se mais tarde. Veja que lindo, Nuvem Menina! E depois dali nasce um pinheiro enorme, alto, maravilhoso. E o Poeta cantarolou, com uma voz molhada de saudade a letra do imortal e também poeta Inami Custódio Pinto:

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O cheiro de verde crescendo existe, sim. Mas só na cabeça da gente que gosta de viver... E também existe o ventinho maneiro...as pessoas sempre falam em vento, o vento grande, o vento pai, o vento avô. E até o vento furacão, enfezado, muito agitado e brabo... Mas há, sim, o ventinho maneiro, um ventinho novinho, miúdo, este que venta devagarinho e não faz estrago nenhum na natureza. Naquele dia, Nuvem Menina lembra muito bem. Havia perguntado ao Poeta o porquê de a natureza possuir ventos fortes que derrubam casas e morros e ventinhos leves, que nenhum mal fazem às pessoas... O Poeta, pensativo, olhando para muito longe como se nada visse respondeu, então: Eu não sei! Acho que só Deus sabe o porquê... Mas eu sei fazer versos sobre isto, gosto de falar nos ventos de qualquer natureza, nas chuvas, grossas, de pedras, fininhas...gosto muito das garoas...você sabe o que é um ventinho maneiro, Nuvem Menina?

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Vem Ver, vem conhecer, minha Cidade sorriso: Terra do Pinheirais. Vem ver, nossas riquezas as mil e uma belezas, um paraíso no sul. Onde nasceu a Gralha azul, Onde nasceu a Gralha azul, O pinheiro dá a pinha, A pinha da o pinhão. Gralha Azul leva no bico, vai Fazer a Plantação. (2x) Voa Voa, Gralha Azul, Gralha Azul, Voa Voa, Gralha Azul, Gralha Azul, Gralha Azul tu és pequenina, mais é grande o teu valor. És Paranaense bichino, és bom trabalhador. (2x) Voa, Voa, Gralha Azul, Gralha Azul, Voa, Voa, Gralha Azul, Gralha Azul. Poeta então, naquele momento, outra vez ficou muito quieto, com um olhar parado e perdido dentro dele, como se lembrar fosse a coisa mais gostosa que existe na Vida! Ou, quem sabe, a mais difícil... O Paraná, um dos estados brasileiros era terra do Poeta! Neste instante ele sentia muita falta da sua terra natal. Nuvem Menina lembrando destas conversas que tiveram, volta a pensar porque o Poeta não apareceu mais. Ela gosta tanto quando ele lhe ensina coisas que ela nem imagina existirem... Teve também, lembra agora, aquele instante em que ele chegou quando o dia estava acabando. Lá no Céu tudo já estava meio escuro, quase nem se via as nuvens, velhas ou meninas. Poeta era mesmo imprevisível, pensa ela... Mas Nuvem Menina amava muito o Poeta e reconhecia os seus passos leves quando ele chegava. Ela queria tanto ser poetisa como ele. Queria poder fazer versos. Possuir aquele olhar que mirava para tão longe... Ou, então, para tão dentro da gente...


Poeta que olha o mundo E vê nele o que há de Belo. Tem olhar pleno e profundo E um coração amoroso e singelo!

Mas era só uma Nuvem Menina, aprendendo tudo sobre o tempo, as chuvas, as tempestades, os raios... E ainda teria que aprender tanto, tanto... E de repente ali estava ele, com seu modo leve de pisar, com aquela sua maneira doce de ser, com seus olhos cor de mel das abelhas, que nunca viam o mal. O Poeta chegava feliz, naquele fim de dia. Foi quando lhe ensinou sobre a noite, do modo como sabia.

E quando o tempo anoitece Meu corpo cansado só quer repousar Deita, feliz, relaxado, em um sonho que teve E dorme profundo, até acordar*

À noite, disse ele, tem que existir, ela é a mulher do dia. É calma, gosta de ver o dia bem adormecer, deve descansa-lo das peripécias vividas e de tudo o que viveu durante o tempo em que está claro. A noite gosta de ver o dia clarear, quando então vai se retirando, bem devagarinho, quietinha, assim, assim.... A noite sabe e deve acalmar. O dia agita. Nele a gente trabalha para arranjar dinheiro para comprar a comida que comemos, a roupa que vestimos e a casa em que moramos. E mais algumas outras coisas que sejam importantes...ir ao cinema, comer pipoca, andar na Roda Gigante e rir do Palhaço... Mas a noite... Ah, a noite! Menina Nuvem... Quando é noite, lá na minha cidade, na Região Sul do Brasil, podemos ver o Palácio Avenida e os Meninos Cantores, lá na Boca Maldita. Enxergamos a Universidade Federal do Paraná, iluminada e linda, na Praça Santos Andrade e tantas outras coisas bonitas. A noite é bela, calma, cheia de cheiros vívidos nas lembranças e nas esperanças de cada um de nós. * Parte de letra e melodia da mesma autora deste livro.

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E o Poeta ficou pensando e lembrando e de novo pensando... Por todas estas coisas aprendidas Nuvem Menina sentia tanta falta do Poeta. Triste, muito solitária, se escondeu em um canto, achando que ele jamais voltaria para conversarem. Onde está, meu grande amigo? Não lhe vejo neste céu. Me faz falta, eu lhe digo Apareça! Não em deixe ao léu...

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Passou um certo tempo lá naquela região do céu e das nuvens. Nuvem Menina já era agora uma Nuvem Mocinha. Uma linda nuvenzinha clara, mas ainda longe de ser chuva. Mas se preparava para esta sua realidade. Ia à Escola de Nuvens diariamente, recebendo ensinamentos como deveria ser a sua vida em futuro próximo ou mais tarde. Ela nada sabia sobre isto. Porém sabia que um dia cairia em grossos pingos sobre aquelas plantações que o Poeta lhe falava quando era só uma menininha. Que saudade do Poeta, pensou ela. E dos poemas que ele lhe dizia com tanta facilidade...Como se falasse, ele recitava... Recitava! Sim, esta era a palavra que o Poeta lhe ensinou. Recitar era um modo bonito de falar o que o seu coração sentia e escrevia. E ia dizendo versinhos que aprendeu, um seguido do outro, ora parando e suspirando, ora fazendo gestos com as mãos, leves gestos como devem ser os de um Poeta e de qualquer pessoa educada. Saudade, sim, do seu grande amigo. Era o que Nuvem Mocinha sentia. De repente, sem que ela esperasse, pulando de uma nuvem para outra, lá vinha ele. De longe. E foi chegando, chegando, chegando.

Como em certo dia foi, agora vai chegando Pulando daqui para ali e dali para cá Meu coração depressa vai se alegrando Fazendo outra vez a minha alma cantar.


Quem já viu em pedra grande A chuva ser transformada? Granizo, nome que se dá a isto... Deixa muita gente apavorada!

Ela estava muito assustada. Aprendera, em toda a sua vida, na Escola de Nuvens, com as velhas nuvens e com suas companheiras, as nuvens meninas, agora mocinhas e com o Poeta que a chuva era algo que a natureza precisava, útil aos plantios, às pessoas e a sua sobrevivência. A chuva era benéfica, esperada, desejada. Mas o granizo? Pedras enormes de gelo? Porque? Porque, Poeta? Ele respondeu: Novamente não sei, minha querida. Mas estou certo *Frase de uma das poesias anteriores da autora

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Já bem pertinho, fazendo mesuras com o corpo, como era seu hábito e gestos com as mãos ele falou: Saudade só tem quem tem do quê*. Disse Nuvem Mocinha: Poeta, Poeta, meu querido Poeta, tão bom vê-lo outra vez! Achei que não mais voltaria. Ora, disse o Poeta, já falei quando cheguei: Saudade só tem quem tem do que... E você é uma das saudades que tenho. Por isto voltei. Lembra que eu não havia dito a você o que era granizo? Na verdade, nem eu sabia bem. E andei pesquisando em lugares onde ele cai. Verdade, disse Nuvem Mocinha. Você lembra de tudo, meu Poeta. Que coisa boa! Porém, ele falou um pouco entristecido, não sei se você irá gostar de ouvir o que tenho para lhe dizer... Nuvem Mocinha acomodada nas pontas cruzadas de sua fofura muito branca esperava um pouco aflita: Diga, então, poeta, o que tem para me ensinar. Granizos, falou ele, são pedras de gelo. E podem ser muito violentos. Quando grandes chegam a ter mais de cinco centímetros. Caem sobre os telhados, furam telhas, arrebentam plantações e destroem tudo que encontram quando são enormes. E o mais triste, Nuvem Mocinha, eles vêm de cima. Cá das nuvens...

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que Deus para tudo há de ter uma resposta... Embora para nós, criados por ELE, a incompreensão seja absoluta. E também porque nem sempre escutamos o que ELE diz, o que recomenda... Nuvem Mocinha pensava. Dúvidas e mais dúvidas. Ela precisava saber. A angústia sobre esta questão era muito grande. Ela não queria, jamais, tornar-se um granizo e prejudicar tudo e todos que haviam lá em baixo de onde vivera até agora. Disse então ao Poeta: O que faço para não virar um granizo meu amigo querido? Isto está me deixando muito agoniada... Ah! Disse o Poeta: Isto é muito difícil Nuvem Mocinha. Não é você a responsável por esta decisão. Muitos fatores contribuem para isto. E principalmente a Decisão Divina, sem a qual nada, absolutamente nada acontece na natureza... Nuvem Mocinha permaneceu quieta. Parecia que iria chorar. Então Poeta disse a ela: Mas não deve ficar assim tão aborrecida, amada Numo (este era o apelido de Nuvem Mocinha). Quando não podemos resolver alguma coisa que foge do nosso domínio, devemos nos conformar. Vá deixando para depois O que não pode resolver Mas faça força para encontrar Nesta dificuldade um bem viver! Não sofra antes da hora, espere com paciência o que está reservado para você. Ela pareceu entender o significado das sábias palavras de Poeta, Conversaram mais com algum tempo sobre outras coisas. A beleza do sol; a luminosidade da lua; o azul celeste... E o Poeta, de novo, se foi. Passou muito tempo, Muitos sóis aconteceram e muitas luas despontaram no céu.

A Vida da gente vai caminhando Casada com o Tempo, marido constante


Pelo caminho vai encontrando Coisa má, sim. Mas coisa boa, o bastante...

Nuvem Mocinha tinha outro nome. Agora era chamada de Nuvem Mulher. Bela, cheia de lindas curvas, toda arredondada no seu educado modo de ser, ia pulando de canto em canto, naquela imensa quantidade de nuvens brancas e voadoras. Não parava nunca. Quem já olhou como caminham as nuvens, aquele andar tão lindo, majestoso, vagaroso em certos momentos, em outros muito ligeiro? É bonito de ver. Para lá. Para cá. Ora ali. Ora aqui. Vão se transformando na forma, parecem gatinhos, cachorros, carneirinhos. Parecem árvores, às vezes.

Eu queria ser uma nuvem Para embalar bem alto o seu sonho Fazer figuras, formas, desenhos, Mandar embora seu olhar tristonho!

Nuvem Mulher já pouco lembrava de sua finalidade, que seria um dia tornar-se chuva para aguar sobre a natureza. Mas lembrava muito bem do Poeta. Este jamais seria esquecido, com sua doçura infinita e seus ensinamentos tão cheios de sabedoria. Nesta hora havia saudade no olhar de Nuvem Mulher... Algo aconteceu, então!

De longe aflitos passarinhos voltavam Escondendo bem seus ninhos Protegiam os filhotes que piavam E tinham medo de estar sozinhos!

De repente, sem que ninguém soubesse como, para ela, tudo escureceu. Havia muito barulho ao seu redor. Trovões faziam arruaça, outras nuvens se acotovelavam lá no alto, umas sobre as outras. Quanto ruído, quanto confusão... Nuvem Mulher sentia um peso infinito. Alguma coisa como se fosse

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uma gigantesca força impulsionando todo o seu tamanho imenso. O que acontecia, pensava ela? Nunca havia ocorrido isto em sua vida. Era terrível ou era bom? O que estava havendo? Estava muito assustada, atordoada, sem saber que atitude tomar... E no segundo seguinte despencou um mundo líquido sobre tudo lá em baixo. Era muita água que caia. Eram toneladas de pingos se esparramando sobre a terra, agora encharcada e escorregadia... sem parar. O chão tornou-se muito molhado e muito lamacento. Nuvem Mulher demorou a compreender. Era com ela este fenômeno. Era com ela, sim! O peso era seu.

O vapor subiu da terra... ...condensou. Virou outra vida. A bela nuvem branca e cheia, Que circulou no alto, cheia de lida. Que teve infância, que foi jovem, E tornou-se adulta, Que fez amigos e se fez mulher... Linda nuvem, que de leu em leu Aprendeu coisas, andou no céu, Em certo instante tanto pesou, pesou tanto, Que copiosa se arremessou. E cá em baixo caiu Inundando de alegria A natureza que tanto a esperou.

Mas de novo o sol aconteceu. Como sempre acontece! Belo. Imponente e muito quente, era lindo de se ver A fantástica, diferenciada, a única luz radiosa... De novo ele aparecia. Esplendoroso, o sol surgia Tornando sem dúvida, qualquer Vida mais formosa!


Em um cantinho daquela praia deserta, o Poeta passeava curtindo as ondas e as algas marinhas que por ali se mexiam, catava conchinhas e fazia desenhos no chão com a ponta da fina varinha que carregava.

Levo junto em minha bagagem A ternura que sinto sempre E ao ar que me toca, doce aragem Digo obrigado, eternamente!

E seguiu assim, fazendo versos, pensando nas coisas boas, olhando o céu, a cor do mar e falando com as estrelas do mar, com os siris, com os pequeninos peixinhos que nadavam na parte menos rasa daquela praia. De repente, o Poeta viu uma quantidade de água, retida entre algumas pedras que ali estavam. Estas seguravam a areia formando uma poça d’água cristalina onde se viam refletidas as cores do Arco-íris, nesta hora exuberante de beleza, mandando sua luz lá de longe, daquela circunferência do Infinito. Muito lá, onde mar e céu se confundiam quase em uma mesma cor. Assim: Era verde azulado ou azul esverdeado, muito difícil dizer... Poeta, sem sapatos, sentia nos pés as ondas brincalhonas criando espuma e fazendo alvoroço. E ali, bem pertinho da poça, parado, o Poeta observava as cores maravilhosas do Arco -Iris que tomavam um colorido cintilante sobre aquela pequenina quantidade de água. Alguém já viu o reflexo das cores do Arco–Íris sobre alguma superfície? É belo. Era muito lindo de se ver o que via o Poeta, naquele instante.

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E então, bem de repente, alguém chamou: Poeta, Poeta... Poetinha... Conhecia aquela voz. E ela vinha dali, bem próxima. Vinha de baixo. Procurou com os olhos. Só viu refletidas as tantas cores do Arco-Íris sobre a pequena quantidade de água, ainda mais belas que sobre a areia. Sou eu, ela falou. Ou melhor, sou aquilo em que me transformei. Sou Nuvem Mulher! Lembra? Lembra de mim? Que saudade de você, Poeta. E assim dizendo espirrou suas águas para todo canto. Poeta ficou atônito. Se emocionou. Chorou muito pois a verdade é que nunca havia esquecido daquela nuvenzinha tão amiga que conheceu menina e que se transformou em uma nuvem adulta de tão bela forma. E agora ali estava ela, pequenina quantidade líquida, segura entre pedras que a retinham. Certamente, não por muito tempo. Logo se infiltraria na areia daquela praia... Refeito da enorme surpresa por encontrar Nuvem Mulher sob outra forma de ser disse, então: Sim, minha querida linda, você é agora uma bela poça de água para alegrar os meus olhos. Sentiu que deveria agradá-la, ela logo não estaria mais ali... Lembro sempre de você, falou ainda! Nunca eu a esqueci e muitas vezes penso em tudo o que lhe ensinei, um dia, lá no passado, quando era ainda uma nuvem criança. Sentia-me feliz pelos ensinamentos que lhe dei.

Quem se esforça e ensina tudo o que sabe, Nunca será um ser bem pobre, Pois em um “obrigado” volta a Vida Pela palavra de alguém, num gesto nobre!

Jamais deixei de pensar, neste tempo todo que passou, onde estaria você, o que faria, com vivia... Sim, disse ela. Isto fez com que eu me sentisse bem com toda esta grande transformação em minha vida. Compreendi por que fui pequenina nuvem, cresci, me tornei adulta e me transformei em chuva. Hoje estou aqui, refletindo as cores mais bonitas do Universo todo. E silenciou. A sua quantidade estava diminuindo rapidamente, infiltrando-


Estava ali, naquele instante, cumprida a sua missão. Outras haveriam de existir. E foi seguindo em pulinhos, para cá e para lá, deixando a sua alma brincar com as palavras e fazendo versinhos! Vou em frente alegremente. E a mim eu nunca minto Sou sorriso. Sonho em tudo, eternamente. Mas feliz, não, nem sempre sou Curto a dor, obrigatoriamente presente Na vida minha e de toda esta gente. E não lastimo minha sensação... Vou poetando, sem querer parar Buscando na rima, a realização. E na prática do “Eu Contente” Me igualo a você e a tanta gente. Faço da lágrima o meu sorriso. E do sorriso meu passaporte Para outras longínquas bandas, Quem sabe, o Paraíso! ...por que dos poetas é o paraíso!

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se na areia, Poeta, neste momento, sentiu uma grande emoção. Sim, ele pensou, fui um bom professor. O que ensinei serviu para que ela, a minha Nuvem Menina, depois Nuvem Mulher, aprendesse. Modificações tem que existir para que a VIDA continue. Agora, ali no chão, nada mais havia senão as pedras molhadas. Pareciam chorar... Quem sabe Nuvem Mulher, ao cair naquela praia deserta, esperasse para uma vez mais encontrar o seu Poeta, aquele ser a quem tanta coisa devia em sua vida. Devagar, Poeta foi se afastando. Sabia que Nuvem Mulher havia realizado aquilo para o que fora feita. Transformar-se em chuva.

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SOBRE A AUTORA

Isabel Sprenger Ribas, de Paranaguá, Paraná. Filha de Adhemar Lisboa Sprenger e Dinoráh de Lima Sprenger, Licenciada em Filosofia, pela PUC. Casada, possui três filhos, duas noras e quatro netos. Residiu em Brasília por vinte anos. É concursada (1976) e aposentada pelo IPEA/ Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, no cargo de Técnica em Planejamento e Pesquisa. Possui várias Publicações Técnicas. Publicações Literárias: Quase entre aspas, cheio de reticências; Um livro, seis mãos, três idades, 2002; Mulheres de Coragem, 2006; Instituição Lanche das Gatas, 2012; Aconteceu em Curitiba, Romance Colaborativo, 2015; No prelo, a distribuir no Natal, O Poeta e Nuvem Menina, 2015. Participou das Antologias: Poesia do Brasil. Proyeto Cultural Sur – Brasil. Volume 11, 2010; Volume 13, 2011, Volume 15, 2012, Volume 17, 2013; Volume 19, 2014 e Volume 21, 2015. Antologia do Jubileu de Diamante do CPFC em 2010 e vários Opúsculos. Em fase final de revisão: Efervescência em Ebulição e o Homem que Ensinou a Amar. Membro da Academia Feminina de Letras do Paraná, Academia de Cultura de Curitiba, do Centro Paranaense Feminino de Cultura, do Centro de Letras do Paraná e da UBT/CURITIBA. Encontra na Escrita a calma interior que a faz infinitamente feliz e realizada. Ama à Vida, sua família, seus semelhantes, a natureza e toda a obra divina. Nome literário: isabel (letra minúscula) Sprenger Ribas. Endereço eletrônico: sprengerribas@uol.com.br.


Impresso pela Edições Guairacá, composto pelas fontes Theano Didot 12 pt (título) e Garamond 9 pt (corpo de texto) sobre miolo em papel pólen 90g/m² e capa em papel supremo laminado brilho 250g/m², com a tiragem de 1.000 exemplares, no Natal de 2015.



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