Autoconstrução da Habitação Urbana: um estudo de caso em Paraisópolis (TFG)

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AUTOCONSTRUÇÃO DA HABITAÇÃO URBANA um estudo de caso em Paraisópolis

Gabriel Enrique Higo Mafra Cabral TFG FAUUSP 2017

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AUTOCONSTRUÇÃO DA HABITAÇÃO URBANA um estudo de caso em Paraisópolis

Orientação: Prof.º Dr.º Caio Santo Amore de Carvalho Banca examinadora: Prof.º Dr.º Caio Santo Amore de Carvalho Prof.ª Dr.ª Karina Oliveira Leitão Prof.ª Dr.ª Maria de Lourdes Zuquim Prof.ª Dr.ª Yvonne Miriam Martha Mautner

Gabriel Enrique Higo Mafra Cabral TFG FAUUSP | Agosto 2017



Agradecimentos A minha familia; meus pais, Juarez e Ione, e meu irmão, Rodrigo, por todo o suporte, pela formação e pela convivência cotidiana, essenciais para mim em incontáveis níveis. A Débora, meu amor, por todo o carinho e pela maravilhosa companhia na vida, em todos os momentos. A todos os amigos próximos, com quem sei que posso contar a qualquer hora. Aos pesquisadores que ajudaram na realização deste trabalho através de inúmeras conversas: meu orientador Caio Santo Amore, Karina Leitão, Maria de Lourdes Zuquim, Angela Luppi Barbon, Camila D’Ottaviano, e todos os outros que, de alguma forma, ajudaram a construir esta pesquisa. Ao grupo orientado por Caio acerca do tema da autoconstrução, formado por William Valério e Daniel Sombra, pela construção conjunta das questões e da discussão. Aos moradores e autoconstrutores de Paraisópolis que conheci ao longo do ano.



Introdução

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Primeiras Considerações

LOCAL

CIDADE

Ponto de partida: os registros de ontem e as impressões de hoje

Localizando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

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Paraisópolis: uma breve contextualização

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Rede local da autoconstrução

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Da loja metropolitana à loja local Síntese da estrutura comercial regional

UNIDADE

Outros Serviços

As conversas, as casas, os casos

85

O conjunto de casas do Antonico

92

A casa de Maria, Francisco e Felipe A casa de Valdir, Luciana e Caíque

Autoconstrução, venda e aluguel: as casas de Cláudio

126

Outros casos

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Considerações finais: juntando as escalas

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Bibliografia

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Introdução Primeiras considerações

A história deste Trabalho Final de Graduação remonta principalmente a alguns momentos de minha formação durante o curso de Arquitetura e Urbanismo: um deles ocorreu no 4º ano do curso, quando começava a realizar algumas leituras que abordavam as questões do mutirão autogerido, do trabalho de assessoria técnica em arquitetura e das possibilidades de formas diversas de atuação na questão habitacional. O tema da autoconstrução da habitação de uma forma geral (não restrita aos processos autogeridos construídos via mutirão) surgiu para mim de forma mais contundente quando, ao conversar com um companheiro de curso, pude ter contato com a transcrição da palestra e do debate “O Vício da Virtude” (ocorrido na FAUUSP em 2004 com o sociólogo Francisco de Oliveira como convidado e publicado na revista Novos Estudos) com as réplicas escritas por Sergio Ferro e Joao Marcos Lopes: “Notas Sobre o Vício da Virtude” e “O Anão Caolho”, respectivamente, também publicados em número posterior da mesma revista. Outro momento importante foi o primeiro semestre de 2016, quando, a poucos meses de começar o processo de pesquisa que resultou no presente trabalho, cursei a disciplina “AUP0575 - Instrumentos de Intervenção em Assentamentos Precários”, ministrada pela professora Maria de Lourdes Zuquim, e participei das Oficinas de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS) realizadas em São Paulo pela ONG de assessoria técnica Peabiru TCA. Estas experiências me aproximaram do estudo de processos de constituição de nossos assentamentos precários, cenários da autoconstrução da habitação, bem como do entendimento de algumas de suas decorrências, por exemplo no que diz respeito à precariedade habitacional encontrada

Primeiras considerações

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nestes locais e em suas moradias. A partir do segundo semestre de 2016, comecei a ser orientado pelo professor Caio Santo Amore, que durante conversas bastante interessantes me apresentou uma vasta bibliografia relacionada ao tema da autoconstrução e também da formação das periferias de São Paulo, contando com pesquisadores como Francisco de Oliveira, Sergio Ferro, Raquel Rolnik, Nabil Bonduki, Erminia Maricato, Yvonne Mautner, Maria Ruth Sampaio e Carlos Lemos. Um primeiro momento da pesquisa consistiu na leitura de algumas obras notáveis escritas por estes autores, de forma a deixar bastante clara para mim a noção de que esta forma de autoprovisão da habitação não constitui um fenômeno “de exceção” ou uma anomalia desordenada no tecido urbano, mas sim parte estrutural deste; neste sentido, acredito que a compreensão de nosso espaço urbano e da questão habitacional passa, necessariamente, pela compreensão do papel que esta forma de provisão habitacional assumiu (e assume) ao longo dos anos. Durante os primeiros atendimentos, levantou-se o fato de haver, atualmente, pouca produção acadêmica à respeito deste tema, mesmo tendo em vista que o fenômeno da autoconstrução da habitação perdura em gigantesca escala - apresentando algumas similaridades com o estudado na bibliografia dos anos 70 e 80 mas, em geral, possuindo aspectos bastante distintos também. Esta necessidade de atualização do debate foi mais um fator de motivação para a definição do trabalho. Durante uma visita exploratória realizada em Paraisópolis com Caio e um outro pesquisador, Rovy Pessoa, colaborador do grupo de pesquisa “Mercado imobiliário residencial em Paraisópolis: O que mudou nos últimos dez anos?”, nos deparamos com uma questão bastante pertinente ao estudo da autoconstrução nos dias de hoje: as construções realizadas com o objetivo de complemento de renda familiar via locação ou venda. Este fator, somado ao interesse do estudo da autoconstrução também pela ótica da rede produtiva que se constitui na escala local de um assentamento como Paraisópolis, levou à definição do campo a ser estudado.

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Ainda, durante o primeiro semestre de 2017, pude participar de um grupo de estudos formado pelo professor Caio Santo Amore e outros dois orientandos seus de TFG: Daniel Sombra e William Valério. Nós nos reuniámos para compartilhar as experiências, impressões e reflexões sobre o assunto. Foram conversas de grande importância para o desenvolvimento do trabalho. O presente trabalho procura, neste sentido contribuir para a atualização do debate da autoconstrução para os anos 2000, e é estruturado da seguinte forma: primeiro, um breve trecho busca estabelecer os pontos de partida conceituais; em seguida, apresentam-se três seções, cada qual com seu prisma de abordagem do fenômeno da autoconstrução. A primeira seção, da “Escala da Cidade”, aborda a autoconstrução quantitativamente, procurando demonstrar que este modo de autoprovisão é, ainda nos anos 2000, uma das principais formas de provisão habitacional disponível aos moradores da cidade de São Paulo, principalmente aqueles de renda mais baixa e residentes em assentamentos precários. A segunda seção aborda a autoconstrução enquanto forma de produção de um determinado bem - a habitação - e foca-se nas relações estabelecidas a nível local, tendo sido inspirada pelas considerações de autores como Erminia Maricato e Yvonne Mautner acerca do papel das lojas de construção nos processos de constituição da periferia. A terceira seção procura, por meio do contato direto com o espaço autoconstruído e seus construtores, expor alguns aspectos mais “microscópicos” deste fenômeno, entendidos aqui pelo ângulo dos aspectos concretos da moradia autoconstruída, bem como da finalidade da construção (“uso próprio” ou “mercadoria”), do tipo de mão-de-obra empregada e das experiências pessoais dos moradores com o seu espaço de moradia.

Primeiras considerações

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Ponto de partida: os registros de ontem e as impressões de hoje

Tratar da autoconstrução da habitação urbana dos dias de hoje demanda inevitavelmente a inserção na discussão acerca da modalidades de provisão habitacional encontradas em nossas cidades ao longo do século XX. Desta forma, um breve panorama é esboçado nesta seção para que sejam expostos de forma mais clara e precisa os conceitos (e seus contextos de origem) com os quais procuro dialogar ao longo dos capítulos. Balthazar (2013) apresenta de forma bastante sintética as modalidades pelas quais a habitação pode ser produzida e provida à população urbana, basicamente em dois tipos: a provisão formal e a provisão informal. O primeiro tipo pode ser de origem pública (ofertada diretamente pelo Estado ou construída através de financiamento público), privada (ofertada pelo mercado ou construída em lote próprio e regular e financiada pelo próprio morador), ou através da associação cooperativa e do mutirão autogerido. Já a provisão informal se dá basicamente por agentes privados e é definida pela não observância às normas edilícias e de uso e ocupação do solo, podendo surgir na forma do cortiço e da casa autoconstruída em assentamento precário (loteamentos irregulares, clandestinos ou favelas), por exemplo. É certo que essa síntese, se organiza de maneira preliminar o universo da provisão de habitações, deve ser relativizada, já que o Estado é frequentemente um produtor de informalidades, não apenas quando se omite em seu papel

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[1] Para maiores considerações acerca desta questão, ver ROY, 2005

de garantir o direito à moradia, mas quando desloca famílias e as assenta em alojamentos provisórios, muitos dos quais deram origens a favelas, ou em loteamentos populares, ou ainda quando promove empreendimentos que não são regulares, nem física, nem juridicamente. Vale lembrar ainda que a leitura da cidade pela relação dual entre formal e informal frequentemente supõe que famílias de baixa renda são as ocupantes dos territórios “informais”, o que também não se confirma: basta pensar nos “loteamentos fechados” (ideológica e erroneamente conhecidos como condomínios fechados) que graçam por cidades médias1.

Ontem

[2] MAUTNER, 1991

[3] Decreto-Lei nº 4598, de 20 de Agosto de 1942. Disponível em: < http://www2.camara.leg. br/legin/fed/declei/1940-1949/ decreto-lei-4598-20-agosto-1942414411-publicacaooriginal-1-pe. html

[4] Para exposição mais detalhada dos mecanismos e da lógica empregada nestes empreendimentos, ver BONDUKI & ROLNIK, 1979

Em meados da década de 1920, as habitações disponíveis e acessíveis às classes trabalhadoras de São Paulo eram as casas de aluguel e cortiços (edificações compostas por cômodos de aluguel com serviço e banheiros compartilhados), localizadas principalmente nas áreas centrais da cidade. Outra tipologia de cortiço apareceu como consequência de um certo abandono das áreas centrais pelas classes de renda mais alta2, cujos casarões iam sendo progressivamente parcelados em cômodos menores, também destinados a aluguel. Ao longo dos anos 1930 e 1940, no entanto, em meio a uma alta no preço dos alugueis em relação aos baixos salários dos trabalhadores, o governo Vargas, pressionado, passa a regular o setor rentista cada vez mais, culminando na Lei do Inquilinato de 19423, que teve como decorrência direta o favorecimento dos empreendedores imobiliários em detrimento dos agentes proprietários-rentistas. Este ponto de inflexão, somado a outros fatores como a consolidação da rede de transporte público viário e o crescimento da indústria da construção civil nacional, contribuiu para que loteamentos periféricos voltados às classes de baixa renda se tornassem cada vez mais numerosos. Para que fossem rentáveis, no entanto, muitos destes empreendimentos operavam às margens do quadro normativo e legal vigente à época, denominados loteamentos irregulares ou clandestinos4. A partir da década de 1940, também começam a se disseminar as ocupações decorrentes de invasões de terra (favelas), que ganham força e maior

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visibilidade na década de 1970, década em que também passaram a ocorrer de forma mais organizada. O poder público, por sua vez, se mostrou desinteressado e/ou incapaz de atender as classes de menos de 5 salários mínimos no que diz respeito à provisão habitacional, ao longo do século: até a década de 1930 não havia o entendimento de que esta fosse uma função que competia ao Estado, e, a partir de então, as experiências dos IAPs, da Fundação Casa Popular na década de 1940 e do BNH, fundado na década de 1960, acabaram por favorecer principalmente as classes médias nascentes, ao invés de priorizar o atendimento às famílias de renda mais baixa5. É neste contexto que os estratos de renda mais baixos, não priorizados pelas políticas públicas e com poder aquisitivo insuficiente para participar da provisão formal de habitação (via mercado formal ou empreendimento individual regular), passaram a se amparar essencialmente em uma modalidade informal de provisão habitacional: a autoconstrução da moradia em lotes irregulares, clandestinos ou em favelas, utilizando-se de mão-de-obra própria, de amigos ou parentes que ajudam na construção em processos de “mutirão” e/ou de pedreiros e pequenos construtores autônomos. As motivações dos trabalhadores para a adoção deste modelo, para além das limitações financeiras a eles impostas, relacionavam-se principalmente à obtenção da casa própria - tanto pelo seu valor de uso “moradia” quanto pelo valor de troca em potencial que a casa representa enquanto patrimônio. Grande parte das casas de loteamentos eram construídas aos fundos dos lotes - fato explicado pela expectativa da construção da casa definitiva na parte principal do terreno6. Os materiais utilizados foram se modificando ao longo dos anos: tijolos maciços e telhas cerâmicas foram sendo paulatinamentoe substituídos por lajes pré-moldadas de concreto armado, blocos de concreto ou cerâmico, entremeados a vigas e pilares de concreto armado, que já nos anos 1990 eram bastante populares. Segundo as entrevistas realizadas por Carlos Lemos e Maria Ruth Sampaio em pesquisa que iniciaram ainda nos anos de 1960, em um número significativo de casas autoconstruídas na segunda metade do século XX7, 45% delas utilizaram mão-de-obra

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[5] MAUTNER, 1999; MARICATO, 1982

[6] FERRO, 1979

[7] SAMPAIO & LEMOS, 1993


contratada e 43,8% foram executadas pelos membros da família, ocorrendo mutirão por pessoas estranhas à família em 11% dos casos. O aluguel de cômodos e a presença de mais de um domicílio em um mesmo lote foi percebido em alguns casos, embora a ocorrência mais comum fosse a de cessão de moradias a parentes.

[8] Rompendo com as interpretações cepalinas e furtadianas (as quais toma como ponto de partida, no entanto), a interpretação do processo de industrialização brasileiro realizada por Francisco de Oliveira entende que a passagem do modelo agrário-exportador para o industrial-urbano nas cidades brasileiras se deu de forma a aliar os ditos setores “arcaico” e “moderno”, defendendo que a coexistência destes polos aparentemente excludentes permitiu a formação de uma base para o desenvolvimento e a consequente acumulação de capital realizada pela atividade no Secundário.

Este modo de autoprovisão habitacional presente desde meados do século XX deve ser compreendido também como uma forma de custeio de serviços essenciais à reprodução da força de trabalho (no caso, a habitação) pela própria classe trabalhadora, configurando uma espécie de economia de subsistência urbana, que, aliada ao barateamento do custo de alimentação devido à dinâmica produtiva exploratória no campo e ao crescente exército industrial de reserva assentado nas cidades, contribuiu para que se mantivessem rebaixados os salários urbanos, de modo a fortalecer o processo de industrialização movido pelas necessidades da acumulação de capital, conforme tese fundamental de Francisco de Oliveira8: “ Uma não-insignificante porcentagem das residências das classes trabalhadoras foi construída pelos próprios proprietários, utilizando dias de folga, fins de semana e formas de cooperação como o ‘mutirão’. Ora, a habitação, bem resultante dessa operação, se produz por trabalho não pago, isto é, supertrabalho. Embora aparentemente esse bem não seja desapropriado pelo setor privado da produção, ele contribui para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, pois o seu resultado - a casa - reflete-se numa baixa aparente do custo de reprodução da força de trabalho - de que os gastos com habitação são um componente importante - e para deprimir os salários reais pagos pelas empresas. Assim, uma operação que é, na aparência, uma sobrevivência de práticas de ‘economia natural’ dentro das cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão capitalista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da força de trabalho”

(OLIVEIRA, 2013, p. 59) Neste sentido, a fixação de um salário mínimo que não levava em conta os custos reais com a habitação formal contribuiu para que se relegasse grande parte da população à autoconstrução. Desta maneira, apesar de a autoconstrução ter sido uma alternativa

Ponto de partida: os registros de ontem e as impressões de hoje

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“informal” aos olhos do Estado, foi uma forma de provisão habitacional com a qual este compactuou historicamente, uma vez que se constituía enquanto uma das forças motrizes da acumulação industrial e, portanto, do processo de industrialização nacional. Hoje Uma série de questões relacionadas aos processos atuais de construção ajudaram a pautar o enfoque deste estudo. A utilização de materiais industrializados de maior complexidade (esquadrias, por exemplo)9, presença massiva de elementos pré-montados (como armaduras de “colunas” e sapatas), a crescente construção de moradias idealizadas desde o princípio para a locação e venda e a presença de um forte mercado imobiliário informal em algumas favelas10 (como é o caso de Paraisópolis, que inclusive apresenta em seu território diversas agências imobiliárias, para além dos pequenos empreendimentos realizados em moldes mais próximos da autoconstrução propriamente) são condições contemporâneas desse universo da autoconstrução da habitação urbana, que demandam estudos atualizados. A necessidade de atualização, no entanto, não significa que muitas questões encontradas no fenômeno da autoconstrução outrora não sejam válidas atualmente: as barreiras socioeconômicas ao acesso das classes baixas à habitação formal, o sobretrabalho e a oneração excessiva de parcela significativa da população com o custeio de sua moradia - direito constitucional ainda são questões bastante verdadeiras. Também é notável a participação crescente de grandes agentes privados da construção civil na cadeia produtiva da autoconstrução, pertencentes tanto ao setor da indústria de materiais e componentes de construção, como ao setor de comércio varejista e serviços. Por exemplo: o cimento sempre teve no Brasil um forte nicho de comercialização no varejo, vendidos em sacos. Não é à toa que a gigante Votorantim Cimentos tem um segmento de produtos específicos para a autoconstrução. A Gerdau, a principal indústria de fabricação de aço para a construção civil, também mantém uma “linha pop”, que fabrica armaduras de colunas e sapatas, telas e treliças eletrosoldadas. É sintomático, enfim, que a ANAMACO

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[9] Outro exemplo é o do bloco cerâmico de vedação, mais conhecido como“tijolo baiano”, muito frequentemente utilizado nas casas autoconstruídas atuais. Este material passa por um processo de extrusão em sua produção bastante difícil de ser reproduzido sem o devido maquinário, dificultando produções de “fundo de quintal”. [10] Ver ABRAMO, 2009

“Malha Pop” e “Coluna Pop”, retirados do site da Gerdau. Disponível em: <https://www. comercialgerdau.com.br/pt>


[11] O seguinte artigo demonstra de forma muito clara o posicionamento de diversos agentes da construção civil com relação à autoconstrução, como o SINDUSCON-SP e a ANAMACO: <http:// construcaomercado.pini.com. b r / n e g o c io s -i n co r p o r a ca o construcao/55/artigo283270-1. aspx>

[12] BONDUKI apud BALTHAZAR, 2013

(Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção) apoie a autoconstrução, declarando que a mesma, declarando se tratar de uma forma legítima encontrada pela população para produzir moradias que deve ser amparada pelo Estado11. Esclarece-se aqui que o conceito de autoconstrução da habitação empregado ao longo do presente trabalho diz respeito a todos aqueles processos em que um determinado sujeito gerencia a construção de sua moradia, podendo utilizar mão-de-obra remunerada (contratação de pedreiros ou pequenos empreiteiros de obra), gratuita (amigos e parentes trabalhando em regime de mutirão) ou mista para a sua execução, prescindindo da presença de técnicos como arquitetos ou engenheiros12. Em geral, estes processos apresentam uma indistinção entre as fases de projeto e execução, e apresentam baixos níveis de planejamento orçamentário e de obra, pois são executados com poucos recursos e em etapas que mantêm a casa em estado de canteiro de obra por muitos anos.



A ESCALA DA CIDADE



Localizando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

Partindo do entendimento de que a autoconstrução da habitação se constituiu historicamente enquanto solução habitacional para as classes trabalhadoras que não possuíam renda suficiente para acessar a mercadoria habitação via setor privado, e também não eram priorizadas nas políticas públicas (MARICATO, 1982), tornase indispensável, para uma compreensão desta forma de produção, trabalhar também com os dados de produção habitacional privada e pública. Os estudiosos do tema têm muita dificuldade para quantificar essa produção. Ainda assim, esse trabalho encarou o desafio de procurar meios de quantificação e mapeamento da autoconstrução na escala do município de São Paulo. Este estudo quantitativo baseou-se em aproximações, tendo como norte a seguinte ideia-base: medir o incremento domiciliar total na década de 2000 (entre 2000 e 2010) e subtrair dessa quantidade a produção habitacional realizada tanto pelo mercado imobiliário quanto pelo setor público. Esses dados foram mapeados e organizados para serem lidos pela subdivisão do município de São Paulo em subprefeituras e em distritos. Regiões onde se nota aumento na formação de novos domicílios, com pouca produção indicam, portanto, uma produção “autônoma”, que é tomada aqui como uma aproximação da autoconstrução, desprezando-se tanto a formação de domicílios por meio de mercado de imóveis usados (que podem se relacionar a um mercado de reforma que se aproxima da autoconstrução), quanto a produção de

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unidades habitacionais por encomenda (que tem pouca importância em termos quantitativos). Por outro lado, regiões que apresentaram baixo incremento domiciliar ou mesmo diminuição na quantidade de domicílios, ao se subtraírem as unidades habitacionais produzidas pelo mercado ou pelo Estado no período, aparecem no mapa com crescimento negativo. Os mapas base, observados separadamente, bem como as tabelas que possibilitaram a sua construção para leitura por subprefeituras e por distritos, ajudam a perceber a desconexão que existe entre mercado imobiliário e adensamento domiciliar das regiões, como veremos abaixo. Mais que isso, os distritos e subprefeituras que mais se destacam nesse proxy de autoconstrução são de fato setores da cidade onde predomina a “paisagem periférica”. Na outra ponta, as regiões com números “mais negativos” são justamente aquelas do famoso “quadrante sudoeste”, denominado por Flávio Villaça como AGCCAR13 (Áreas de Grande Concentração das Camadas de Alta Renda), numa leitura que, com todas as ressalvas metodológicas aqui mencionadas, contribui para se aceitar o método como uma aproximação quantitativa e territorial da autoconstrução

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis

[13] VILLAÇA, 1996


Fontes e considerações metodológicas Procurou-se abordar o período mais próximo possível dos dias de hoje, de acordo com a disponibilidade das bases de dados. Sendo assim, o último censo, realizado pelo IBGE em 2010, marcou o término do período a ser analisado, voltando nosso foco ao estudo desta década compreendida entre os anos 2000 e 2010. As unidades territoriais de análise utilizadas foram as divisões das subprefeituras e distritos de São Paulo, complementares entre si por representarem os fenômenos descritos em diferentes graus de visualização. Incremento domiciliar [13] Banco de dados SIDRA: Série

temporal

1310.

Disponível em <https://sidra. ibge.gov.br/pesquisa/censodemografico/series-temporais/

Os dados de incremento domiciliar foram obtidos através do censo demográfico realizado pelo IBGE em 2000 e 201013. Os dados levantados se referem aos domicílios recenseados totais encontrados nas áreas de estudo, abrangendo tanto domicílios particulares quanto coletivos.

sintese-de-indicadores>

Produção habitacional de mercado

[14] D’Ottaviano, C. Condomínios Fechados na Região Metropolitana de São Paulo: fim do modelo rico versus periferia pobre?. Tese de Doutorado. São Paulo: FAUUSP, 2008.

Para aferir a dimensão da produção imobiliária voltada para o uso residencial foram analisados dados registrados pela Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (EMBRAESP), usados na tese de doutorado de Camila D’Ottaviano (2008)14. Fez-se uso, mais precisamente, do registro de lançamentos de empreendimentos residenciais (horizontais e verticais) em cada ano, no período compreendido entre 1998 e 2008. Como o dado mais apropriado ao estudo não estava disponível - não foi possível obter acesso ao número de unidades entregues no período de 2000 a 2010 pelos empreendimentos privados - foi preciso trabalhar com a informação de lançamentos residenciais, manipulando-a de forma que a leitura pudesse ocorrer com a menor quantidade de distorções possível. Alguns esclarecimentos devem ser feitos acerca destes dois termos: o lançamento residencial é considerado a partir do momento em que é feito o registro de incorporação do imóvel e que, portanto, o mesmo é colocado à venda.

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É possível que ocorram empreendimentos imobiliários residenciais lançados que não tenham sido comercializados, apesar de que o período estudado foi bastante profícuo para o mercado imobiliário. Considerou-se um prazo médio de dois anos para que a unidade lançada tenha sido comercializada (na planta) e suas obras tenham sido concluídas. São dois anos, portanto, para que essa unidade estivesse apta a ser ocupada e se converter em um domicílio. Ou seja, foram contabilizados os lançamentos residenciais compreendidos entre os anos de 1998 e 2008, para que ficasse compatível com o período de análise do incremento domiciliar (2000 – 2010). Produção habitacional pública Os números da produção pública mobilizam as unidades novas produzidas pelos órgãos públicos das três esferas federativas: promovidas pelas Companhias de Habitação (Cohab e CDHU) ou financiados pela Caixa Econômica Federal para atendimento de “demandas fechadas”, por exemplo pelo Programa de Arrendamento Residencial. Este dado é importante para que seja possível aferir qual a parcela do incremento domiciliar total que decorre da provisão pública de habitação no período em questão. Houve dificuldades para a obtenção precisa deste dado, uma vez que os diversos órgãos públicos envolvidos na produção de habitação possuem metodologias diferentes para a contabilização de sua produção, com informações confusas e ausência de uma base de dados compilada. Para exemplificar: alguns contabilizam como unidades habitacionais entregues aquelas residências afetadas por projetos de urbanização15, outros não interpretam estes casos desta mesma forma. Além disso, sobretudo depois da existência do Programa Minha Casa Minha Vida que acontece apenas no final do período estudado, prefeitura e governo estadual atuaram complementando os recursos federais para viabilização de empreendimentos em São Paulo e Região Metropolitana. Foi muito importante o contato com a pesquisadora Angela Luppi Barbon, que havia montado para sua pesquisa de doutorado uma relação dos empreendimentos públicos entregues nas gestões municipais de 2001 a 2012, com base em consultas realizadas à base de dados

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[15] A CDHU disponibiliza em seu site os números relativos aos empreendimentos que tiveram sua participação de alguma forma, contabilizando, no entanto, tanto os empreendimentos de novas unidades, quanto as intervenções indiretas nas ubidades, por exemplo quando há um projeto de urbanização em uma favela. Os dados estão disponíveis em <http://www.cdhu.sp.gov.br/ producao-new/producao-habitacional.asp>

[16] Plataforma disponível em: <http://www.habitasampa.inf. br/>


do HabitaSampa16 (antigo HABISP) entre 2012 e 2015. Embora o período não coincida exatamente com o dos outros dados, acreditase que são suficientemente próximos para melhorar o nosso exercício de aproximação quantitativa. Além dos empreendimentos municipais, encontram-se contabilizados todos os empreendimentos públicos executados através de convênios com as esferas estadual e federal, representando assim aproximadamente toda a produção de novas unidades no período - embora também sejam contabilizadas algumas ações de intervenções em cortiço. Uma leitura de caráter qualitativo da produção com recursos estaduais, também suportadas no diálogo com a doutoranda supracitada, leva a entender que pouca ou nenhuma produção pública com recursos estaduais tenha sido realizada para as classes de baixa renda além das realizadas em convênio com o município, verificando-se a existência apenas de alguns empreendimentos exclusivos para funcionários públicos.

LocalIzando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

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Análises: autoconstrução e a dinâmica da produção habitacional Após a coleta dos dados, os mesmos foram tabulados e mapeados segundo as delimitações colocadas pelas 32 subprefeituras e 96 distritos de São Paulo, de forma a possibilitar a observação da dinâmica da produção habitacional/domiciliar neste período recente, especialmente no que diz respeito à desproporcionalidade entre a oferta formal de habitações e o acréscimo real de domicílios na cidade. Quando se subtraíram o incremento domiciliar e os dados de produção habitacional de mercado e pública, pôde-se notar a presença de muitos valores negativos. Essa constatação acabou por exigir formas diferentes de interpretação para com o dado obtido. Os valores negativos encontrados são decorrentes do tipo de dado utilizado para a quantificação da produção privada: não se está em posse de um dado referente à parcela de domicílios que foram efetivamente criados por meio da produção do mercado imobiliário neste período, mas sim de um dado que abrange todos os lançamentos residenciais realizados. Se afirmássemos que os lançamentos realizados entre 1998 e 2008 seriam equivalentes aos dados de domicílios providos pelo mercado entre 2000-2010, estaríamos automaticamente assumindo que 100% destas unidades lançadas pelo mercado acabaram por se converter em domicílios após dois anos, o que evidentemente não é verdade. Há uma série de fatores que devem ser considerados e que, por sua vez, impossibilitam este tipo de leitura: a eventual incapacidade de alguns empreendimentos imobiliários conseguirem vender todas suas unidades habitacionais ou mesmo lançamentos que não prosperaram completamente; um tempo maior do que 2 anos entre o lançamento e a ocupação de um imóvel pelo seu proprietário; um certo número de imóveis lançados e vendidos que ainda se encontravam em vacância, aguardando um momento de maior rentabilidade para serem revendidos e ocupados; bem como operações especulativas com unidades prontas. Por conta destes fatores, o dado obtido não pode ser lido como um proxy fiel da autoconstrução na cidade, mas ainda assim possui considerável poder indicativo sobre onde e em que escala estão ocorrendo alguns

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Subprefeituras

Total de domicílios em 2010

Incremento domiciliar entre 2000 e 2010

Unidades lançadas pelo mercado entre 1998 e 2008

Unidades entregues pelo poder público entre 2001 e 2012

Incremento domiciliar menos produção habitacional pública e de mercado

1

M’Boi Mirim

178357

27211

1562

1407

24242

2

São Mateus

131952

17427

886

1835

14706

3

Pirituba

147467

22568

7768

1374

13426

4

Campo Limpo

198655

35241

19868

3305

12068

5

Capela do Socorro

184168

14772

2263

510

11999

6

Itaquera

170456

22251

8822

2307

11122

7

Perus

45061

11548

415

600

10533

8

Jaçanã/Tremembé

92077

12118

724

938

10456

9

Parelheiros

45094

10408

0

0

10408

10

Cidade Ademar

129966

11535

1178

407

9950

11

Itaim Paulista

112654

7253

1080

494

5679

12

Cidade Tiradentes

63332

8315

0

3872

4443

13

Guaianases

81680

7885

2248

1375

4262

14

Freguesia/Brasilândia

130835

6010

2672

323

3015

15

Sapopemba

89498

2234

25

860

1349

16

Ermelino Matarazzo

67081

3092

2559

0

533

17

Butantã

154499

20104

19205

823

76

18

São Miguel

113835

1598

1228

304

66

19

Penha

164528

7693

7736

163

-206

20

Jabaquara

80449

6159

6308

462

-611

21

Ipiranga

169498

19324

19985

2504

-3165

22

210680

17256

20239

1297

-4280

23

Aricanduva/Formosa/Carrão

95837

5345

9378

299

-4332

24

Vila Prudente

89115

4244

9517

0

-5273

25

Casa Verde/Cachoeirinha

104960

857

6470

480

-6093

26

Santana/Tucuruvi

122049

3975

10653

0

-6678

27

Santo Amaro

97299

14044

21769

198

-7923

28

Lapa

125649

20894

27880

942

-7928

29

Vila Maria/Vila Guilherme

100437

-2667

5541

0

-8208

30

Vila Mariana

157413

18355

27319

0

-8964

31

Mooca

138089

15862

27449

641

-12228

32

Pinheiros

142975

7824

23448

92

-15716

Tabela 1 - Produção habitacional nas subprefeituras do município de São Paulo.

LocalIzando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

27


dos maiores movimentos de autoprovisão habitacional. Analisando as tabelas 1, 2a e 2b, ordenadas de forma decrescente com relação ao resultado dessa subtração, pode-se perceber que a maior parte das áreas que ocupam os primeiros lugares possui um perfil médio caracterizado por um grande incremento domiciliar, acompanhado de uma quantidade bastante reduzida de produção habitacional pública e de mercado. Algumas subprefeituras primeiro colocadas e bastante representativas desta condição são as subprefeituras de M’boi Mirim, São Mateus e Capela do Socorro; esta condição também é encontrada em seus respectivos distritos de Jardim Ângela, Iguatemi e Grajaú. A subprefeitura de Pirituba, apesar de apresentar uma quantidade de lançamentos imobiliários Distritos

Total de domicílios em 2010

Incremento domiciliar entre 2000 e 2010

Unidades lançadas pelo mercado entre 1998 e 2008

Unidades entregues pelo poder público entre 2001 e 2012

Incremento domiciliar menos produção habitacional pública e de mercado

1

Jardim Ângela

92465

17879

288

277

17314

2

Grajaú

109986

12670

0

14

12656

3

Jaraguá

59809

14548

2238

1021

11289

4

Parelheiros

41835

10511

0

0

10511

5

Iguatemi

38433

9441

0

106

9335

6

Tremembé

62725

10384

377

802

9205

7

Anhanguera

20622

8629

310

0

8319

8

Capão Redondo

84927

10663

1239

1578

7846

9

Jardim São Luís

85892

9332

1274

1130

6928

10

José Bonifácio

40475

8329

125

1907

6297

11

Pedreira

44000

5754

106

407

5241

12

Cidade Ademar

85966

5781

1072

0

4709

13

Itaim Paulista

67207

5245

412

286

4547

14

São Rafael

43136

5726

160

1077

4489

15

Cidade Tiradentes

63332

8315

0

3872

4443

16

Brasilândia

80514

4574

6

323

4245

17

Vila Andrade

45636

16924

13105

839

2980

18

Raposo Tavares

33120

3850

637

280

2933

19

Parque do Carmo

23102

3607

730

120

2757

20

Perus

24439

2919

105

600

2214

Tabela 2a - Produção habitacional nos distritos do município de São Paulo (20 primeiros)

28

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


moderada devido principalmente ao seu distrito homônimo, possui alto incremento domiciliar, de modo que o distrito do Jaraguá (localizado nesta subprefeitura) alia alta taxa de incremento domiciliar com relativamente baixa quantidade de lançamentos de mercado. A subprefeitura do Campo Limpo se mostra como uma exceção, uma vez que nela se encontra o distrito de Vila Andrade, que, muito embora seja um distrito com altíssimo incremento domiciliar, também é o distrito com a maior quantidade de lançamentos imobiliários residenciais em todo o município: 13105 unidades. Já os casos do fim da tabelas apresentam incremento menor ou até decréscimo do número de domicílios (caso da subprefeitura de Vila Maria/Vila Guilherme); também apresentam produção imobiliária Distritos

Total de domicílios em 2010

Incremento domiciliar entre 2000 e 2010

Unidades lançadas pelo mercado entre 1998 e 2008

Unidades entregues pelo poder público entre 2001 e 2012

Incremento domiciliar menos produção habitacional pública e de mercado

77

Campo Grande

38561

6350

8482

0

-2132

78

Lapa

27568

3303

5465

0

-2162

79

Mooca

31052

5721

7744

145

-2168

80

Cangaíba

44062

261

2454

0

-2193

81

São Lucas

50238

1978

4176

0

-2198

82

Pinheiros

31448

1636

3896

0

-2260

83

Limão

28246

-84

2003

200

-2287

84

Vila Maria

38431

-177

2223

0

-2400

85

Cachoeirinha

45903

-345

1884

280

-2509

86

Ipiranga

41803

4686

6884

734

-2932

87

Vila Prudente

38877

2266

5341

0

-3075

88

Moema

41453

5731

8814

0

-3083

89

Vila Medeiros

41944

-3808

347

0

-4155

90

Campo Belo

27933

1821

6066

38

-4283

91

Vila Mariana

60068

5560

9976

0

-4416

92

Jardim Paulista

48316

993

5598

0

-4605

93

Água Rasa

32896

1247

6012

0

-4765

94

Tatuapé

37923

5112

9985

0

-4873

95

Santana

46764

138

5307

0

-5169

96

Itaim Bibi

46003

4043

12247

92

-8296

Tabela 2b - Produção habitacional nos distritos do município de São Paulo (20 últimos)

LocalIzando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

29


Incremento domiciliar Contagem por subprefeituras de São Paulo entre 2000 e 2010

Acréscimos e decréscimos no número total de domicílios:

Mapa 1 - Incremento domiciliar nas subprefeituras de São Paulo entre 2000 e 2010. Elaboração própria. 30

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Incremento domiciliar Contagem por distritos de São Paulo entre 2000 e 2010

Acréscimos e decréscimos no número total de domicílios:

Mapa 2 - Incremento domiciliar nos distritos de São Paulo entre 2000 e 2010. Elaboração própria. LocalIzando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

31


Produção habitacional de mercado Contagem por subprefeituras de São Paulo entre 1998 e 2008

Número total de unidades habitacionais lançadas em empreendimentos imobiliários horizontais e verticais:

Mapa 3 - Lançamentos residenciais nas subprefeituras de São Paulo entre 1998 e 2008. Elaboração própria. 32

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Produção habitacional de mercado Contagem por distritos de São Paulo entre 1998 e 2008

Número total de unidades habitacionais lançadas em empreendimentos imobiliários horizontais e verticais:

Mapa 4 - Lançamentos residenciais nos distritos de São Paulo entre 1998 e 2008. Elaboração própria. LocalIzando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

33


Produção habitacional pública Contagem por subprefeituras de São Paulo entre 2001 e 2012

Número total de unidades habitacionais fornecidas pelo poder público municipal e pelas parcerias deste com as esferas estadual e federal:

Mapa 5 - UHs entregues pelo poder público nas subprefeituras de São Paulo entre 2001 e 2012. Elaboração própria. 34

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Produção habitacional pública Contagem por distritos de São Paulo entre 2001 e 2012

Número total de unidades habitacionais fornecidas pelo poder público municipal e pelas parcerias deste com as esferas estadual e federal:

Mapa 6 - UHs entregues pelo poder público nas subprefeituras de São Paulo entre 2001 e 2012. Elaboração própria. LocalIzando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

35


Incremento domiciliar menos produção habitacional pública e de mercado Contagem por subprefeituras de São Paulo entre 2000 e 2010

Subtração entre o incremento domiciliar e a produção habitacional total em número de unidades habitacionais:

Mapa 7 - Subtração obtida pelo cruzamento do mapa 1 com os mapas 3 e 5. Elaboração própria. 36

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Incremento domiciliar menos produção habitacional pública e de mercado Contagem por distritos de São Paulo entre 2000 e 2010

Subtração entre o incremento domiciliar e a produção habitacional total em número de unidades habitacionais:

Mapa 8 - Subtração obtida pelo cruzamento do mapa 2 com os mapas 4 e 6. Elaboração própria. LocalIzando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

37


bastante significativa, como é o caso das subprefeituras de Pinheiros, Mooca e Vila Mariana. Nos primeiros 20 distritos que apresentam maior discrepância entre os dados de incremento total e produção habitacional pública e de mercado, pode-se perceber que a Zona Sul é a que aparece com maior frequência: são 8 distritos da Zona Sul, 6 da Zona Leste, 5 da Zona Norte e apenas 1 da Zona Oeste. São distritos e subprefeituras dos extremos do município, de forma que não se fala aqui apenas em Zona Sul, Zona Leste e Zona Norte, mas sim em “extremo Sul”, “extremo Leste” e “extremo Norte”. A distância com relação ao centro expandido da cidade (ou à chamada AGGCAR), principal região de atuação do mercado imobiliário, é carregada de significações. O caso da Subprefeitura de Parelheiros, localizada no extremo Sul, é marcante por apresentar grande incremento domiciliar acompanhado de valores nulos de produção habitacional pública e de mercado. Aqui, é provável que cerca de 10500 domicílios tenham sido produzidos por encomenda ou por autoconstrução. Tratamos de uma subprefeitura onde 79,30% dos domicílios em 2010 apresentavam rendimento de até 5 salários mínimos17, o que nos leva a acreditar que a produção habitacional por encomenda é quantitativamente desprezível. Em Parelheiros teríamos tido, portanto, uma produção de mais de 10 mil unidades por autoconstrução, ou seja, com execução gerida e até mesmo realizada pelo proprietário em questão - ainda que tenha passado hipoteticamente pela aprovação dos órgãos competentes. O enquadramento dessa produção como “informal” ou “ilegal”, pelo fato de não respeitarem as leis e parâmetros de uso e ocupação do solo – que, em Parelheiros, seriam dados tanto pelo Plano Diretor, pelo Zoneamento, quanto pelas leis específicas das Áreas de Proteção das Regiões de Mananciais da Billings e da Guarapiranga – bem como as regras edilícias – Código de Obras e Edificações do município – deve ser absolutamente colocado em xeque. Não apenas porque provavelmente 100% dos domicílios dessa região tenham sido produzidos dessa maneira, mas porque o fenômeno lido como algo que está às margens do que se entende por “formal”

38

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis

[17] Dados extraídos da tabela “Domicílios por faixa de rendimento, em salários mínimos, disponível em < http://infocidade. p r e f e i t u r a . s p. g ov. b r / i n d e x . php?cat=13&titulo=Economia>


em nossa sociedade possui estreita relação com a existência e com a dinâmica de um “mercado imobiliário informal”, sustentado por redes “formais” de produção e comércio de materiais e componentes da construção civil, o que será abordado mais à frente no trabalho.

[18] Idem

Uma outra região da cidade digna de destaque, onde o dado obtido pode ser tomado como uma aproximação muito grande da quantidade de domicílios autoconstruídos, é o caso da subprefeitura de M’Boi Mirim, que conta com um incremento domiciliar total de 27211, mas apenas 1562 lançamentos imobiliários e 1407 unidades habitacionais provenientes de produção pública. Nesta subprefeitura encontra-se o distrito mais bem colocado da tabela 2, que é o Jardim Ângela - apresentando 17879 domicílios formados entre 2000 e 2010, 288 lançamentos residenciais de mercado e 277 unidades construídas pelo poder público. Neste distrito, também caracterizado por apresentar um rendimento familiar médio bastante reduzido, onde 79,38% dos domicílios possuíam, em 2010, renda familiar de até 5 SM18, é possível estimar que um número próximo de 17 mil domicílios foram produzidos através de processos de autoconstrução. Também é digno de nota o fato de que este distrito também é o que apresenta maior incremento domiciliar dentre todos os distritos de São Paulo, de forma que a autoconstrução adquire peso não só em termos percentuais com relação à própria área, mas também em termos absolutos em relação ao município como um todo. Em termos de distritos com aspectos semelhantes neste quesito - baixa produção com relativamente alto incremento domiciliar - pode-se mencionar também os casos de Grajaú (Zona Sul); Tremembé, Anhanguera e Brasilândia (Zona Norte); e Itaim Paulista (Zona Leste). Vale ainda apontar para o fato de a Zona Sul prevalecer em relação às Zonas Norte e Leste nas tabelas, entendendo que isso se deve principalmente aos seus acréscimos domiciliares bastante expressivos, que são, de longe, os maiores valores do município. A alta produção pública habitacional em muitos distritos da Zona Leste, em comparação com outros distritos da cidade, dos quais se aponta principalmente os distritos de Cidade Tiradentes, José Bonifácio, Lajeado e São Rafael, também contribui para que a Zona Leste apresente valores um pouco mais baixos nesse indicador.

LocalIzando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

39


Do lado oposto das tabelas, encontram-se áreas localizadas principalmente nos aneis centrais da cidade, como é o caso da subprefeitura de Pinheiros, que conta com um incremento de 7824 domicílios, mas apresenta um número de lançamentos residenciais muito superior, igual a 23448 lançamentos. Apenas 92 unidades habitacionais de produção pública foram entregues na área. Caso semelhante é o da subprefeitura de Vila Mariana, onde a informação de que 18355 domicílios foram acrescidos vem acompanhada do fato de que 27319 unidades residenciais foram lançadas pelo mercado imobiliário com produção pública nula no período estudado. Trata-se aqui de áreas “nobres” da cidade, ocupadas por faixas de renda mais elevadas: as duas subprefeituras apresentaram respectivamente 75,73% e 74,79% de domicílios com renda familiar acima de 5 salários mínimos em 201019, quase um oposto das regiões periféricas analisadas acima. Nestes casos também se encontram valores negativos para esse dado indicativo da autoconstrução devido à forte atuação de um mercado imobiliário por meio de lançamentos de empreendimentos majoritariamente verticais mesmo que esses empreendimentos não tenham representado um acréscimo de domicílios (gente morando) nessas regiões repletas de infraestrutura, equipamentos e serviços. Os valores negativos, no entanto, não nos permitem inferir a ausência total de processos de autoconstrução nos distritos ou subprefeituras, outros fatores devem ser levados em conta. Na subprefeitura de Vila Maria/Vila Guilherme, o resultado de -8208 decorre de uma perda de 2667 domicílios combinada com uma atuação considerável do mercado imobiliário, com 5541 unidades lançadas. Poder-se-ia concluir, à primeira vista. que não houve processos de autoconstrução de moradias nesta subprefeitura no período. No entanto, ao verificar o mapeamento das favelas - território da autoconstrução por excelência - do município de São Paulo em 2008, é possível perceber que havia um número considerável de assentamentos nesta área, número que aumenta no mapeamento de 2009 e novamente no de 201120. Ou seja, não se pode concluir que não houve autoconstrução nos distritos apenas por apresentarem valores negativos na subtração executada. O método de aproximação aqui descrito possui uma série de limitações de escala, bem como dificuldades de apreensão da autoconstrução em áreas visadas pelo mercado imobiliário.

40

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis

[19] Idem

[20] Mapas disponíveis em <http://infocidade.prefeitura.sp.g ov.br/index.php?sub=mapas&cat=9&mpgraf=1>


Distribuição Distribuiçãodas das favelas Favelas Município de São Paulo Município de São Paulo em 2008 2008 Recanto do Paraíso

Pantanal 2

Nova Jaguaré

Paraisópolis Heliópolis

São Francisco

Distrito Distrito Subprefeitura

Subprefeitura Favela

Favelas 0

6

12 Quilômetros

18

Fonte: Secretaria Municipal de Habitação

Fonte: Secretaria Municipal de Habitação Elaboração: Secretaria Municipal dePlanejamento Elaboração: Secretaria Municipal de Planejamento – Sempla/- Sempla/ Depto. Estatística e Produção de Informação Depto. dede Estatística e Produção de Informação – Dipro. - Dipro.

Mapa 9 - Distribuição das favelas em São Paulo, 2008 Fonte: Infocidade

LocalIzando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

41


Ainda no âmbito dos dois pólos gerados a partir desta classificação, é possível extrair algumas informações a respeito da dinâmica estabelecida entre mercado imobiliário e produção habitacional pública. É perceptível que nos distritos da “Tabela 2a” há uma presença maior de unidades providas pelo Estado do que na “Tabela 2b”. Nesses últimos, onde o mercado é mais atuante, o solo é mais valorizado e a população pertence às classes de mais alta renda, há, naturalmente, pouca presença do poder público na provisão habitacional voltada para a população de baixa renda. Se nos 20 distritos da “Tabela 2a” há uma razão entre provisão pública e lançamentos imobiliários de 14639 para 22184, ou seja, para cada 100 unidades habitacionais entregues pelo poder público há 151 lançamentos habitacionais de mercado; nos 20 distritos da “Tabela 2b” esta razão é de 1489 para 114904, o que significa que para cada 100 unidades entregues pela esfera pública nestes distritos, 7716 unidades residenciais são lançadas pelos empreendedores imobiliários. Isto denota um afastamento entre as áreas de provisão habitacional pública e as áreas mais procuradas pela atividade imobiliária: as altas taxas de exploração e valorização do solo urbano acabam por dificultar a implantação de empreendimentos de habitação social, devido ao encarecimento da terra que integra a lógica do investimento imobiliário. Ademais, é possível perceber uma grande concordância entre o mapa criado a partir da subtração entre incremento domiciliar e produção habitacional pública e de mercado e o mapa de distribuição de domicílios por faixa de renda21 para o ano de 2010. As áreas onde houve forte atuação do mercado e, consequentemente, a subtração resultou em um valor negativo, também demonstraram uma concentração maior de domicílios com renda acima de 20 salários mínimos, notável no centro expandido e principalmente no quadrante sudoeste da cidade. Da mesma forma, os extremos das Zonas Sul, Leste e Norte, onde foram obtidos os maiores valores da subtração - fortes indicativos de processos de autoconstrução - apresentaram, não coincidentemente, as maiores taxas de concentração de domicílios com renda de até 3 salários mínimos, com muitos distritos apontando mais de 45% dos domicílios situados nesta faixa de renda.

42

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis

[21] Mapa disponível em <http:// infocidade.prefeitura.sp.gov. br/index.php?sub=mapas&cat=13&mpgraf=1>


Domicílios com renda familiar acima de 20 salários mínimos Município de São Paulo em 2010

Distritos

Em % da Área de Ponderação - AEDS Até 10,00 De 10,01 a 20,00 De 20,01 a 30,00 De 30,01 a 45,00 De 45,01 a mais

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010. Projeção Estatística da Amostra. Elaboração: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano – SMDU / Departamento de Produção e Análise de Informação – DEINFO.

Mapa 10a - Distribuição dos domicílios por faixa de renda em São Paulo, 2010 Domicílios com renda domiciliar de mais de 20 salários mínimos Fonte: Infocidade LocalIzando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

43


Domicílios com renda familiar abaixo de 3 salários mínimos Município de São Paulo em 2010

Distritos

Em % da Área de Ponderação - AEDS Até 10,00 De 10,01 a 20,00 De 20,01 a 30,00 De 30,01 a 45,00 De 45,01 a mais

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010. Projeção Estatística da Amostra. Elaboração: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano – SMDU / Departamento de Produção e Análise de Informação – DEINFO.

Mapa 10b - Distribuição dos domicílios por faixa de renda em São Paulo, 2010 Domicílios com renda domiciliar de até 3 salários mínimos Fonte: Infocidade 44

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Incremento domiciliar entre 2000 e 2010

Unidades lançadas pelo mercado entre 1998 e 2008

Unidades entregues pelo poder público entre 2001 e 2012

Centro

17256

20239

1297

Leste

103199

70928

12150

Norte

54409

34243

3715

Oeste

48822

70533

1857

Sul

157049

100252

8793

Total SP

380735

296195

27812

Tabela 3 - Incremento domiciliar e produção habitacional no município de São Paulo

Ao se agruparem os dados obtidos por zonas, e em seguida, para a cidade de São Paulo como um todo (tabela 3), percebe-se que a Zona Oeste e o Centro se destacam das outras regiões de São Paulo por apresentarem uma produção imobiliária acima do incremento domiciliar de fato. Isso nos leva a questionar acerca dos processos de produção imobiliária, mas também acerca de variantes de migração intraurbana e taxas de vacância, questões que o presente trabalho não abrangeu, mas que se mostram como importantes para uma futura complementação desta avaliação da dinâmica habitacional na cidade. Ainda de acordo com a “Tabela 3”, construída para o município de São Paulo como um todo, é possível perceber que, mesmo ao se somar o número de unidades entregues pelo poder público entre 2001 e 2012 e as unidades lançadas pelo mercado entre 1998 e 2008 (considerando que todas haveriam se convertido em domicílios no período estudado), estar-se-ia diante de um total de 56728 domicílios que teriam sido produzidos de outras formas. Não é descabido inferir que a autoconstrução representa enorme parte desse universo, ressalvados os domicílios formados no mercado de imóveis usados ou a produção por encomenda. Então, se a produção de mercado e pública tem distorções que tendem a majorá-la, já que lançamentos estão sendo tomados como domicílios efetivamente criados e que os dados da produção pública são imprecisos, considerar a operação aritmética de subtração implica em estimativa até conservadora com relação ao grau da autoconstrução da habitação urbana no período.

LocalIzando as quantidades da autoconstrução da habitação: um olhar para a década de 2000 em São Paulo

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A partir dessa leitura, a percepção de que a produção habitacional pública se dá em uma escala muito reduzida em relação à produção de mercado e à demanda por novos domicílios, por assim dizer, aparece de forma bastante evidente. Apesar deste descompasso ter feito parte de uma hipótese no início da investigação, o grau em que ocorre deve ser destacado, pois oferece insumos que corroboram a noção de que, ainda nos dias de hoje, a autoconstrução não é apenas uma excentricidade dentro da dinâmica da produção habitacional de uma cidade como São Paulo, mas cerne.

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis



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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


A ESCALA DO LOCAL



Paraisópolis: uma breve contextualização

A fim de contribuir para a atualização da temática da autoconstrução, foi escolhido um local bastante icônico quando se fala em segregação socioespacial e assentamentos precários de São Paulo: a favela de Paraisópolis. A escolha do local se deu devido a uma série de fatores, dentre os quais pode ser destacado o fato de ser uma favela bastante consolidada, encravada em um dos também icônicos bairros residenciais de alta renda, o Morumbi. Paraisópolis tem origem nos anos de 1960, passou por diversos processos de urbanização e de implantação de equipamentos públicos que vêm “integrando” o assentamento à “cidade”. Pesquisas recentes demonstram que a área apresenta atualmente intensa atividade de compra, venda e aluguel de casas, o que propiciou para este trabalho o encontro com distintos de processos de construção de casas voltados para a locação - suscitando, assim, questões que permitem explorar a zona cinzenta que se dá entre as noções de “autoconstrução” e “autoempreendimento”. Também favoreceu a escolha da região o fato de ter sido um local com o qual obtive fácil contato, através de outros pesquisadores da FAU-USP e organizações instaladas na região, como a CUFA (Central Única de Favelas). A favela de Paraisópolis é a principal integrante do chamado “Complexo Paraisópolis”, constituído também pelos assentamentos de Jardim Colombo e Porto Seguro. Seu contexto é bastante peculiar: se localiza no valorizado distrito de Vila Andrade, que apresentou a maior quantidade de lançamentos residenciais pelo mercado imobiliário no período entre os anos de 1998-2008. De acordo com os dados da EMBRAESP utilizados na seção anterior deste trabalho, foram lançadas ao todo 13105 unidades habitacionais neste período, no distrito. Paraisópolis: uma breve contextualização

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Histórico da ocupação A formação do território hoje conhecido como Paraisópolis se deu em uma área originalmente formada pelo parcelamento de parte da antiga “Fazenda do Morumbi” em 1921. O loteamento, destinado a famílias de alta renda, era constituído por uma malha viária ortogonal que delimitava quadras de aproximadamente 100 x 200m22. Grande parte dos lotes comprados, no entanto, permaneceram desocupados devido à parca infraestrutura e à topografia altamente acidentada do loteamento, tornando-se uma área suscetível a invasões e grilagens. Na década de 1950 algumas ocupações caracterizadas pela atividade agrícola ou pela posse tomada com a intenção de venda começaram a surgir na região.

[22] CASTILHO, 2013

Ao final desta mesma década, bem como nas duas décadas seguintes, uma série de obras de grande porte ocorreram nos bairros da região: a abertura da avenida Giovanni Gronchi, a construção do Estádio do Morumbi e a implantação do cemitério Gethsêmani. Estas obras, bem como o crescimento dos bairros do Morumbi e Jardim Vitória Régia, estimularam o assentamento de mais pessoas na região devido à demanda gerada na área da construção civil e de serviços, uma vez que se tornavam cada vez mais necessários trabalhadores da

Sobrevôo da região em 1940. Fonte: Geosampa 52

Loteamento original da área onde hoje se encontra a favela de Paraisópolis. Fonte: Castilho, 2013

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Sobrevôo da região em 1954. Fonte: Geosampa

[23] SILVA, 2016; SILVA, MAZIVIERO e FEDELI, 2013

[24] KATZ, 2013

[25] BALTRUSIS, 2000

construção civil e prestadores de serviços que trabalhassem nas casas de alta renda situadas no entorno como porteiros e domésticos, por exemplo. Há relatos inclusive que indicam Paraisópolis como um dos locais de assentamento de significativa parcela dos trabalhadores da construção civil responsáveis pela obra do Estádio23. É neste contexto, na década de 1970, que pode-se falar no primeiro grande afluxo populacional ocorrido em Paraisópolis, que começa a apresentar significativa quantidade de moradias construídas: de acordo com o IBGE, no início da década já haviam 1634 domicílios e 7071 moradores; em 1984, os respectivos valores eram de cerca de 3000 e 1500024. O cenário jurídico encontrado era de imbróglio e disputa pela propriedade das terras, uma vez que os proprietários formais progressivamente iam se dando conta de que seus lotes haviam sido vendidos ou ocupados25. Paraisópolis: uma breve contextualização

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A década de 1980 foi marcada pela criação de uma entidade representativa dos ocupantes de Paraisópolis: a União dos Moradores de Paraisópolis, que, através da pressão e visibilidade adquirida, contribuiu para que houvesse atendimento de algumas áreas por serviços públicos de infraestrutura urbana, como eletricidade e saneamento básico. É também nesta época que começa a ocorrer uma significativa substituição dos materiais utilizados nas construções das casas: muitos barracos de madeira passaram a utilizar a alvenaria como seu material principal. Em meados da década de 1990 ocorreu um segundo grande movimento migratório em Paraisópolis, fato relacionado às desapropriações ocorridas por ocasião da abertura da avenida Água Espraiada, atual Roberto Marinho, durante a gestão do prefeito Paulo Maluf. Este novo afluxo ocupou principalmente as regiões localizadas mais ao sul do assentamento, com topografia bastante acidentada, adensando as áreas hoje conhecidas como “Grotinho” e “Grotão”. Os anos 2000 Quando da aprovação do Plano Diretor Estratégico de São Paulo em 2002, Paraisópolis foi demarcada como ZEIS-1 e um plano integrado de intervenções foi traçado para o complexo constituído pelas comunidades de Paraisópolis, Porto Seguro e Jardim Colombo. Setorizada em cinco microrregiões (Centro, Brejo, Antonico, Grotão e Grotinho), a favela tornou-se cenário de uma série de obras de infraestrutura urbana e provisão pública de habitação de interesse social que perduram até os dias de hoje. Neste período uma parcela maior das ruas e vielas de Paraisópolis passou a ser asfaltada e servida pelas redes de drenagem e esgotamento sanitário, ocorrendo também a abertura de novas vias, como a avenida Hebe Camargo (antiga Perimetral), uma das grandes obras realizadas na região, que gerou uma série de remoções na microrregião do Brejo. De acordo com os levantamentos de Castilho (2013), a primeira etapa de obras abrangeu o período de 2006 a 2008 e contou com recursos de SEHAB, CDHU, SABESP e do Orçamento Geral da União/ Caixa Econômica Federal. A segunda etapa de obras data de 2008 a

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Setor

Obras realizadas (1ª etapa)

Antonico

Escadaria na rua Manoel Antônio Pinto; Construção de 48 unidades de alojamento; Viário da rua Pasquale Gallupi

Grotão

Drenagem e urbanização do campo do Palmeirinha, com execução de serviços de drenagem, execução de arquibancada, playground, fechamento do campo em alambrado, construção de novo vestiário e pintura das fachadas das casas ao redor do campo

Centro/Brejo

Pavimentação das ruas Iratinga, Rudolf Lotze, Jeremy Bentham, Manoel Antônio Pinto e João Pereira; Drenagem e pavimentação da rua Viriato Correa; Viário e muro de contenção da Avenida Perimetral (atual Hebe Camargo); Primeira etapa de canalização do Córrego do Brejo

Grotinho

Rede de drenagem pluvial, retaludamento nas encostas e viário, colocação de guias e sarjetas; Execução de concreto grampeado sobre o talude e paisagismo

Tabela 4 - Primeira etapa de obras em Paraisópolis. Fonte: Castilho, 2013.

Frentes de obra

Obras realizadas (2ª etapa)

Drenagem e pavimentação

Ruas Afonso dos Santos, Pasquale Gallupi, Herbert Spencer, Melchior Giola, Major José Marioto Ferreira, Ricardo Avenarius, Antônio Ferreira de Carvalho Filho, João Avelino Pinho Melão, Dr. Jerônimo Campos Freire, Via GR-01, Via Projetada GO-01 e Via Projetada GO-02

Rede de esgoto

Ruas Rudolf Lotze, Santo Américo, Sebastião Francisco, Antônio Júlio dos Santos (e suas vielas), Dr. Jerônimo de Campos Freire, trecho da rua Itapaiúna, Viela Antônio Júlio dos Santos e Via Projetada GO-02.

Rede de água

Rua das Goiabeiras, Major José Marioto Ferreira, São Francisco, Antônio Júlio dos Santos (e suas vielas), Clementine Brenne, Dr. Jerônimo de Campos Freire e Via Projetada GO-02; Interligação da rede de água sob a Avenida Giovanni Gronchi

Rede adutora de 500m de diâmetro

Ruas Itajubaquara, das Jangadas, Laerte Setúbal, Manoel Antônio Pinto (entre cruzamentos com Pasquale Gallupi e Ernest Renan) e Pasquale Gallupi (entre cruzamentos com Manoel Antônio Pinto e Major José Marioto Ferreira).

Sistema viário

Escadaria das Jangadas: serviços de estrutura, paisagismo, muros divisórios, guarda-corpos e iluminação pública; Viela da Bica: recuperação da área de risco e construção da área de lazer; Via Secundária (entre condomínios A, B, C, D): Concluídas as redes de abastecimento de água e esgoto; Avenida Hebe Camargo (antiga Perimetral): Estacas 27 a 48 - executados terraplenagem, drenagem, guias e sarjetas e pavimentação, pendente capa asfáltica. Estacas 13 a 27: executados terraplenagem, drenagem, guias e sarjetas, pendente toda a pavimentação. Remoção e transplante de árvores conforme aprovação ambiental.

Urbanização

Quadras 1, 2, 3, 13, 14, 20, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 30, 32, 34, 54, 57, 66 (parcial) e 69.

Lazer

Praça Grotinho 1

Institucional/ comércio

CEI (Centro de Educação Infantil); Iniciados serviços na AMA, UBS, CAPS e, no Grotinho 2, 4 UH, 5 comércios e 1 unidade do CRAS

Habitação

Paraisópolis A, B, C, D e F entregues entre Setembro de 2009 e Março de 2011, somando 783 unidades habitacionais de 50m² (dois dormitórios, cozinha, sala, banheiro e área de serviço)

Tabela 5 - Segunda etapa de obras em Paraisópolis. Fonte: Castilho, 2013.

Paraisópolis: uma breve contextualização

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Vista aérea de Paraisópolis em 2008 (acima) e 2015 (abaixo). São bastante perceptíveis as intervenções realizadas na segunda e na terceira etapa de obras, das quais se destaca as alterações na estrutura viária e a implantação de equipamentos e dos condomínios. Também é possível notar adensamento do assentamento em algumas áreas, como na rua Major José Marioto Ferreira, próximò à avenida Giovanni Gronchi. Imagens retiradas do Google Earth.

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


2010, e utilizou-se de recursos de SEHAB, CDHU, SABESP e PAC/ CEF, bem como de recursos da Prefeitura e do Governo do Estado, destinados à construção do CEU e da ETEC de Paraisópolis. Uma terceira etapa iniciou-se em 2010 e foi responsável pela conclusão de uma série de obras que hoje fazem parte do contexto de Paraisópolis, das quais se destaca a conclusão do CEU Paraisópolis - importante equipamento local - uma AMA, uma UBS, um CAPS, bem como a conclusão da avenida Hebe Camargo, que hoje se encontra completamente asfaltada e é uma área bastante valorizada dentro da região, caracterizada pela atividade comercial e imobiliária.

[26] SILVA, 2016

De acordo com os levantamentos do HABISP de 2012, a favela de Paraisópolis (excetuadas as comunidades de Porto Seguro e Jardim Colombo) totaliza 17159 domicílios e, em relação ao acesso oficial à infraestrutura urbana, conta com 64% de abastecimento de água, 22% de esgotamento sanitário, 50% de coleta de lixo e 40% de fornecimento de eletricidade26.

Paraisópolis: uma breve contextualização

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Rede local da autoconstrução

A autoconstrução da habitação pode ser entendida como forma de produção que materializa um produto – a moradia – realizada diretamente pelo morador e por sua família, com emprego de mãode-obra própria, de amigos e familiares em tempos de folga ou descanso do trabalho (formal ou não). O momento da construção da casa, contudo, representa uma etapa de um processo produtivo que envolve uma grande cadeia, que remonta à indústria de materiais e componentes da construção civil, ao comércio desses produtos, à manufatura e pré-montagem de elementos a serem usados na obra, dentre outras atividades. Sendo assim, a compreensão deste processo passa necessariamente pela compreensão da rede produtiva a qual a autoconstrução se integra. Uma parte importante desse estudo se dedicou a entender o papel ocupado pelos comércios e serviços da construção civil de Paraisópolis, representados principalmente pelas lojas de materiais de construção, mas também por outros tipos de ocupações, muitas vezes realizadas por trabalhadores autônomos, prestadores de serviços terceirizados da construção civil. Neste capítulo, portanto, são apresentados os resultados de uma investigação de caráter qualitativo, que procurou mapear e classificar as lojas de materiais de construção localizadas em Paraisópolis. Além disso, é exposta de modo exploratório uma compreensão de outros serviços que de alguma forma se relacionam com a concretização da autoconstrução das habitações na região. O método adotado para a compreensão desta rede produtiva consistiu no contato direto com funcionários e trabalhadores locais por meio de conversas e entrevistas que procuraram abordar questões de diversas ordens: aspectos relacionados à estrutura organizativa destes serviços, questões referentes a produtos e materiais comercializados, às técnicas empregadas, sem esquecer de como se dá a relação dos profissionais com os moradores/clientes de Paraisópolis. Rede local da autoconstrução

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GR ON CH I

AV. HEB

E CAMARGO

AV. GIO VAN NI

Loja Metropolitana Grande Loja Local Grande

0

100m

200m

400m

Loja Local Pequena Serralheria

Rede de suporte à autoconstrução em Paraisópolis


Comércio de materiais de construção: da loja metropolitana à loja local

[27] Foram entrevistados de forma mais detalhada 6 estabelecimentos, responsáveis por 8 pontos comerciais dentro de Paraisópolis (pouco mais da metade)

Nas visitas a campo, foram mapeados quinze pontos comerciais de materiais de construção em toda Paraisópolis. Após um determinado número de entrevistas27 e conversas com os comerciantes da região, foi possível classificar estas lojas em três grandes grupos, definidos de acordo principalmente com a escala de abrangência dos estabelecimentos. Estes três grandes grupos foram denominados como “LMG” (Loja Metropolitana Grande), “LLG” (Loja Local Grande) e “LLP” (Loja Local Pequena). Dentre os 15 terminais de varejo, 1 foi enquadrado como LMG, 4 como LLG (sendo que 3 pertencem à mesma rede), e o restante como LLP. Para além dos tipos de materiais vendidos e do porte das lojas, foram analisados aspectos concernentes à estrutura organizativa interna, à comercialização das mercadorias e aos tipos de vínculos estabelecidos entre as empresas, seus funcionários e seus principais clientes: os construtores e autoconstrutores de Paraisópolis. A fim de esclarecer quais são os aspectos e nuances destes diferentes tipos de comércio encontrados, serão apresentadas inicialmente breves descrições de um exemplo de cada um dos grupos, começando pela única loja pertencente a uma rede metropolitana, passando em seguida para o caso de um estabelecimento local tradicional e de grande porte, para, enfim, chegar no exemplo de uma pequena loja local, que ainda procura se consolidar. Em seguida, será feita uma síntese sobre o que foi observado nesta vasta gama de estabelecimentos, de forma a caracterizar, dentro destas heterogeneidades, a estrutura comercial regional que se estabelece no ramo da venda de materiais de construção em Paraisópolis.

Mapa 11 Rede da autoconstrução em Paraisópolis no ano de 2017

Rede local da autoconstrução

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Loja A: Loja Metropolitana Grande (LMG) Com sua origem remontando ao distrito de Capão Redondo há cerca de 20 anos, a “Loja A” instalou-se em Paraisópolis em meados de 2013 e é, em termos de área, o maior terminal de varejo de materiais de construção existente na região. Conta com 10 unidades espalhadas na Zona Sul de SP e nos municípios imediatamente vizinhos, como Embu das Artes e Taboão da Serra. O pátio de estocagem e distribuição desta firma se localiza no município de Embu das Artes, onde encontra-se também a estrutura administrativa que gerencia o transporte dos materiais até os terminais de varejo, de acordo com as demandas de cada um. Além de ter um pátio central, esta unidade conta com um grande terreno de estocagem de materiais ao lado do terminal de varejo de Paraisópolis, que se localiza em uma das principais esquinas comerciais da região, das ruas Ernest Renan com a Helbert Spencer. Este terreno, antes de ser comprado pela Loja A, era pertencente à uma das lojas mais tradicionais de material de construção da região. Integrante de uma rede metropolitana, a loja surpreende por ser, no entanto, muito popular entre os moradores de Paraisópolis. De acordo com um funcionário da loja, os contratados nesta unidade são em sua maioria residentes da região, e são visivelmente muito mais numerosos do que os de outras lojas, mesmo aquelas bem estabelecidas e de maior tradição na região. Este aspecto se reverte em uma determinada estrutura de atendimento à clientes que se aproxima bastante daquela encontrada nas grandes redes de varejo de materiais externas à Paraisópolis: diversos compradores são atendidos em simultâneo, cada um por um vendedor que presta auxílio e assistência na escolha e quantificação dos materiais. A gama de materiais disponíveis na loja é muito diversa: além de materiais básicos de construção como blocos, elementos estruturais pré-moldades e pré-montados, cimento e pisos cerâmicos (elemento visto apenas nas grandes lojas, talvez devido ao espaço que ocupa e à variedade demandada para tornar-se rentável), também são vendidos produtos como gabinetes e pias para banheiro e cozinha, peças sanitárias e acessórios domésticos variados. Este

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


estabelecimento, apesar de realizar a venda de armaduras prédobradas e pré-montadas, não realiza estas tarefas, que são feitas por fornecedores terceirizados. As colunas são encomendadas para os fornecedores deste material de acordo com os comprimentos definidos pela necessidade de seus clientes, ou seja, sob medida. São comercializados diversos outros importantes elementos estruturais que têm por consequência significativa redução de tempo de trabalho e espaço de estocagem nos canteiros de obras, como sapatas já armadas e lajes pré-moldadas com EPS: elementos que requerem apenas sua montagem e concretagem in loco. Devido à sua estruturação metropolitana, a empresa tem à sua disposição uma frota de dezenas de caminhões - terceirizados, segundo um funcionário - o que é esperado, uma vez que o abastecimento de 10 terminais de varejo demanda este grau de funcionamento. Pelo menos dois caminhões ficam incumbidos da tarefa de realizar os transportes cotidianos necessários para o funcionamento do terminal de Paraisópolis. Os descontos oferecidos pela loja levam em conta fatores como a quantidade comprada e o pagamento à vista. Além disso, aceitam Construcard.

Loja A

Mostruário de pisos e bancadas vendidas pelo estabelecimento Rede local da autoconstrução

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Loja B: Loja Local Grande (LLG) Fundado há 14 anos por irmãos, o estabelecimento de gestão familiar cresceu e hoje conta com três terminais espalhados por toda Paraisópolis. Nesta loja, pude conversar tanto com um funcionário como com um dos donos. Ao lado do terminal visitado, a matriz, localiza-se o pátio de estocagem e distribuição da firma em um espaço que, somado ao da loja propriamente dita, totaliza cerca de 1500 m² de área. Localizado na rua Manoel Antônio Pinto, o pátio é facilmente notado pelo movimento dos caminhões de carga e pela presença de pilhas e pilhas de materiais básicos, como blocos cerâmicos e sacos de cimento. Pedro, um dos fundadores da loja, nasceu no Nordeste do país em uma pequena cidade, tendo vindo morar em Paraisópolis há muitos anos. Denotando em suas falas um tom empreendedor, contoume que começaram a loja como um pequeno estabelecimento, que tinha uma diversidade de materiais e estrutura organizativa ainda pouco complexas, e que foram crescendo e ganhando espaço no cenário do comércio local. Comentou positivamente sobre as obras que vêm sendo realizadas na região desde meados da década de 2000, dando destaque para as obras de infraestrutura urbana que “desafogaram” Paraisópolis e melhoraram a qualidade de vida dos moradores. Antes destas intervenções, o contexto era de muitas ruas não-pavimentadas e baixo atendimento por serviços urbanos públicos. A pavimentação das ruas facilitou o transporte de materiais de construção para o abastecimento das lojas. A gama de materiais vendidos também é vasta: materiais básicos e brutos, estruturas pré-montadas, acessórios e ferramentas diversas para o canteiro. Ao contrário do ocorrido na “Loja A”, a montagem de colunas e a pré-fabricação de escadas helicoidais em chapa metálica ocorre ali mesmo em seu pátio de estocagem, realizada pelos funcionários da firma. O pátio, neste sentido, funciona como área de estocagem, como ponto de distribuição para os outros dois terminais de varejo e também como local de montagem e fabricação de produtos. Conversando sobre os seus materiais, contaram-me que já chegaram a vender pilares de mais de 10m de comprimento,

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


já armados, para obras de dentro de Paraisópolis. Denilson, funcionário da loja, contou-me que para além dos donos, os funcionários de uma forma geral também são moradores de Paraisópolis, e são bastante numerosos. Apesar de a loja ser de gestão familiar e muitos funcionários também serem da família, também há trabalhadores contratados que não possuem vínculo de parentesco.

Loja B - Vista interna

A estrutura de transporte da firma também é bem estabelecida: possuem três caminhões com carrocerias tipo caçamba, que são responsáveis pela distribuição do material para seus terminais de varejo e também para seus clientes. De uma forma geral, não cobram de seus clientes frete para a entrega de materiais básicos como blocos e colunas, mas foi possível perceber que alguns produtos são mais baratos se retirados diretamente da loja, como por exemplo os sacos de cimento. Quanto à forma de pagamento: parcelam em até 10 vezes as compras de maior porte (acima de 3 mil reais), e aceitam o Construcard. Ainda, durante uma das visitas à loja, Pedro teceu um comentário interessante: após o saque de contas inativas do FGTS, autorizado pelo governo federal e concretizado no início de 2017, um aumento significativo nas vendas foi percebido na loja. Mais; acredita que parte importante do dinheiro que está circulando nestes últimos meses nas casas de construção de Paraisópolis são oriundos do resgate desse fundo.

Pátio de estocagem de materiais e montagem das colunas, visto pela rua Manoel Antônio Pinto Rede local da autoconstrução

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Loja C: Loja Local Pequena (LLP) Também de gestão familiar mas com número bastante reduzido de funcionários (que também são os membros da família), esta loja composta por apenas um terminal de varejo foi fundada há um ano e é tocada por um jovem casal. A estocagem é realizada em um depósito alugado junto com um amigo do rapaz, amigo este que também possui um comércio, mas fora de Paraisópolis. Pode-se observar que este é um aspecto vantajoso para uma loja de pequeno porte e destoa de outros pequenos comércios da região, que, por não contarem com um local de estocagem, recebem as compras diretamente no terminal de varejo, cujo espaço reduzido acaba limitando também a capacidade de venda da loja. Os tipos de materiais disponíveis na loja são semelhantes aos encontrados nas lojas mais consolidadas: lajes pré-moldadas, colunas armadas, blocos cerâmicos, cimento, areia, cal, ferramentas e acessórios; no entanto, aparecem em quantidades e variedades bastante reduzidas em relação aos comércios grandes. Também não são vendidos pisos e revestimentos cerâmicos, o que é uma característica em comum às lojas de menor porte. Este fato pode ser explicado pela grande quantidade de espaço necessário para estocagem deste tipo de material nas lojas - como o espaço é pouco, os lojistas optam por ocupá-lo com materiais mais fundamentais e com maior saída, como blocos. As amaduras de colunas são montadas em processos bastante variáveis: pelos próprios donos, que realizam a montagem quando têm disponibilidade de tempo, ou então através da contratação de um terceiro para realizar o serviço. A limitação de comprimento é, assim como nas outras lojas, estabelecida pelo tamanho do vergalhão, que é de 12 metros. Os comprimentos usuais vendidos, no entanto, variam de 2 a 5 metros. Quando questionados se vendiam materiais para outras lojas, mesmo lojas pequenas de ferramentas, afirmaram que não, mas que desejam um dia conseguir ter capacidade de venda para isto. Além de atender

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


a clientela de Paraisópolis, o casal comentou que já chegou a vender alguns materiais para obras das redondezas, já que se encontram na borda próxima à Giovanni Gronchi. Ainda, com relação às questões de pagamento, o lojista comentou que acha injusto cobrar frete, já que a maioria dos seus clientes sofrem seriamente com questões financeiras, e tenta achar maneiras de entregar o material sem prejudicar o cliente. Seu limite de parcelamento é menor do que o oferecido por lojas mais estruturadas: 3x sem juros. Não são credenciados na Caixa para o uso de Construcard.

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Comércio de materiais de construção: síntese da estrutura comercial regional Estrutura organizativa Quanto ao abastecimento das lojas, cujos produtos são provindos de fábricas ou então de distribuidores intermediários, pôde-se observar algumas questões interessantes. De forma geral, as lojas de material de construção mais consolidadas são abastecidas por fornecedores localizados em outras cidades, principalmente fora do estado de São Paulo, enquanto as lojas menos consolidadas contam com fornecedores mais próximos, no próprio município ou na região metropolitana. Quando comprados de seus fornecedores em grandes quantidades, os materiais de construção saem relativamente mais baratos para os lojistas por conta de uma diluição do preço do frete e até mesmo por condicionantes de produção em grande escala; no entanto, torna-se necessária a posse de um pátio de estocagem, presente apenas no caso das lojas grandes, de tipo LMG ou LLG. De forma geral, as lojas pequenas têm seu terminal de varejo como destino de entrega das compras, sendo o caso da “Loja C” uma exceção. A localização do pátio está intimamente vinculada às questões logísticas de abastecimento dos eventuais terminais de varejo de cada loja. Nota-se que as firmas locais costumam ter seus pátios contíguos à sua loja ou então nos arredores de Paraisópolis, enquanto que a “Loja A”, única pertencente a uma rede metropolitana, tem seu pátio em outra cidade da RMSP. Como dito anteriormente, lojas de menor porte geralmente não apresentam pátio de estocagem, e esta ausência é simultaneamente expressão de sua condição e fator causador da mesma, funcionando como um círculo vicioso: por serem recentes e menos estruturados, os pequenos comércios contam com pouco espaço físico, e, ao mesmo tempo, o parco espaço disponível restringe a capacidade de venda em grandes quantidades para atender às necessidades dos moradores de Paraisópolis28. Estes últimos, ao construírem e ampliarem suas moradias, recorrem preferivelmente a lojas com estoque de produtos básicos (blocos, cimento, areia) disponível para pronta entrega.

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis

[28] Durante uma das conversas conduzidas em um pequeno estabelecimento, a lojista lamentou o fato de sua loja perder muitos clientes devido à ausência de espaço em seu estabelecimento. Segundo ela, os clientes que estão tocando obras de maior porte acabam por optar por lojas maiores, com maior variedade de materiais e disponibilidade em grandes quantidades de imediato


Quanto à presença de famílias na gerência dos comércios, é possível notar que, quanto mais locais são as lojas, maior é a ocorrência de vínculos familiares entre os funcionários. Desta forma, boa parte das “Lojas Locais Pequenas” com as quais tive contato em Paraisópolis estão fundadas sobre laços de parentesco: são negócios estabelecidos por cônjuges, irmãos, ou então pais e filhos, que para além de trabalharem apenas administrativamente, também realizam o atendimento aos clientes e tarefas diversas necessárias para o funcionamento dos comércios. Dentre as duas redes locais grandes (LLG), uma delas apresenta este tipo de laço: a “Loja B”. Já a “Loja A”, único caso de rede metropolitana, não apresenta vínculos de parentesco em nenhum nível de sua organização. De um modo geral, pode-se dizer que a maioria dos funcionários das lojas são moradores de Paraisópolis, aspecto que se mostrou transversal a todas as escalas deste tipo comércio. Dentre os casos entrevistados, observou-se que apenas em um deles os funcionários eram majoritariamente residentes de outras regiões.

[29] Um dos lojistas da “Loja C” durante a entrevista comentou sobre seu desejo de um dia ser capaz de fornecer material para outros comércios locais, que seria uma oportunidade boa de crescimento de seu negócio. Segundo ele, no entanto, deve ser cauteloso e “dar um passo de cada vez”

A questão da atividade de revenda de material para outras lojas é bastante variável. Como esperado, as pequenas lojas não revendem produtos para outros estabelecimentos por terem capacidade comercial exígua, embora grande parte de seus vendedores demonstrem desejo por esta atividade, já que a consideram como muito rentável29. As lojas locais mais estabelecidas eventualmente revendem para lojas menores, não sendo esta, no entanto, uma atividade mais importante do que sua venda por varejo para os autoconstrutores locais. O estabelecimento A, apesar de seu caráter intermunicipal e de sua grande capacidade de estocagem, possui uma decisão de negócio de não revender material para outras lojas, nem em Paraisópolis, nem em outras localidades.

Materiais Os produtos vendidos pelos comércios mapeados são extremamente diversificados, fator que alimenta a ideia de que esta estrutura comercial regional possui capacidade para prover materiais para

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enorme parcela da atividade de autoconstrução em Paraisópolis. Neste sentido, fala-se aqui de produtos que variam desde os acessórios mais simples – ferramentas, instrumentos de trabalho, aditivos de argamassa, chuveiros – até os chamados materiais básicos: blocos, brita, cimento, areia e outros materiais utilizados com função estrutural. Ao visitar os estabelecimentos, foi possível reconhecer todos os principais elementos que compõem a paisagem de Paraisópolis: mostruários de revestimentos cerâmicos (utilizados tanto em pisos quanto em paredes internas), tubos e forros de PVC, grandes pilhas de telhas de fibrocimento onduladas e alvenarias. Dentre estas últimas, apesar de estarem presentes também os blocos de concreto, predominam os blocos cerâmicos de vedação, popularmente conhecidos como “tijolo baiano”, principalmente em suas versões de 6 furos e 8 furos. Com relação aos materiais correspondentes ao sistema estrutural predominante em Paraisópolis – pórticos viga e pilar em concreto e laje pré-moldada, também de concreto - um padrão pode ser notado: em todas as lojas em que há oferta de materiais estruturais, são ofertadas as chamadas “colunas prontas”, ou seja, pré-dobradas e pré-montadas com vergalhões principais e estribos em um padrão que acabam respondendo às principais demandas estruturais de vãos e cargas das edificações de Paraisópolis - bem como do universo da produção habitacional autoconstruida. Ainda, todos estes estabelecimentos afirmaram que a procura pelos elementos montados é absolutamente predominante, ou seja, são raros os

Telhas de fibrocimento à venda em uma das lojas da região

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Coluna pré-montada

[30] NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto - Procedimento. Disponível em: https://docente. ifrn.edu.br/valtencirgomes/disciplinas/construcao-de-edificios/ abnt-6118-projeto-de-estr uturas-de-concreto-procedimento

casos em que o cliente procura barras para posterior corte, dobra e montagem da armadura. Estas colunas são vendidas de forma indistinta quanto a seu uso, vindo a ser utilizadas nas obras tanto como pilares quanto como vigas. São montadas geralmente com quatro barras de aço de 10mm (3/8”) e 8mm (5/16”) de diâmetro distribuídas nos cantos dos estribos, distribuição esta que permite a venda indistinta, uma vez que seus fabricantes acreditam representar uma solução “média”. Evidentemente este tipo de comercialização é bastante inadequado, uma vez que prescinde de qualquer avaliação projetual e estrutural, podendo acarretar má qualidade construtiva nas obras em que as peças são empregadas, já que a armadura pode estar localizada e dimensionada em inadequação relativa aos esforços que solicitam a peça em uma edificação. Após compradas, as colunas são levadas pelas próprias lojas aos canteiros de obras. Ressalta-se que as colunas montadas com vergalhões de 8mm estão abaixo do mínimo estipulado pela NBR 611830 para armaduras longitudinais de pilares. Os estribos variam entre os de 9 x 15 cm, 9 x 20 cm e 20 x 20 cm , e determinam a seção das peças estruturais das casas: 15 x 20cm, 15 x 25cm e 25 x 25 cm. Os vergalhões são encomendados em barras de 12 metros de comprimento, tornando possível a venda de colunas com esta dimensão máxima; se bem que, em média, os comprimentos mais procurados não passem muito do limite de 6m. Quanto ao papel do estabelecimento em relação à montagem destes elementos, observa-se que a loja metropolitana (“Loja A”) e uma das lojas locais grandes não realiza a montagem, comprando as colunas já armadas de fornecedores. Já nas demais lojas, o que inclui todos os comércios de pequeno porte onde há oferta de material estrutural, a montagem é realizada diretamente por funcionários da loja, ocasionalmente ocorrendo o acionamento de empregados terceirizados, contratados por serviço de acordo com a demanda à época. Também existe em algumas lojas a venda de escadas helicoidais metálicas, chamadas também de “escadas caracol”, muito utilizadas em Paraisópolis: uma breve caminhada pelas suas ruas e vielas é suficiente para que se observe dezenas destas resolvendo o acesso vertical às moradias, muitas vezes instaladas nas calçadas ou ligando

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pavimentos por meio de sacadas e varandas de acesso a unidades independentes localizadas em diferentes pavimentos. De forma geral, o comportamento é semelhante ao da montagem de colunas: a escada pode ser montada e vendida pela loja, ou então comprada já pronta de fornecedores, que necessitam de poucas informações para a produção, como por exemplo a dimensão de piso-a-piso. Nenhuma das lojas, no entanto, realiza a instalação das escadas nas casas. O fenômeno de venda de estruturas montadas, somado à ainda não citada, mas igualmente importante presença em larga escala de lajes com vigotas pré-moldadas, vendidas para vencer vãos de até 6m de acordo com os lojistas, denota um certo nível de sofisticação na rede de autoconstrução local, no que diz respeito à economia de tempo e trabalho necessários no canteiro de obras. Ainda que se trate de um processo manufaturado que não é realizado em observância de critérios técnicos padronizados ou normatizados, fala-se aqui de uma determinada conformação desta estrutura comercial regional que tem como consequência a retirada de algumas etapas do canteiro de obras da casa autoconstruída, gerando algumas consequências nesta forma de construção. Dentre as consequências, podemos destacar uma dependência maior do autoconstrutor em relação aos estabelecimentos comerciais de materiais de construção, que realizam papel técnico, não só ao trazerem para si a responsabilidade de montagem de elementos estruturais, mas também pelo fato de os vendedores assumirem um papel de aconselhamento técnico em alguns casos, orientando em algum nível a escolha dos tipos de materiais que devem ser usados nas obras de reforma e construção de suas casas. Pode-se apontar também, de forma geral, uma economia de tempo e uma simplificação do processo para construtores menos exprientes, que podem prescindir de determinados saberes construtivos - a exemplo, o de amarração de vergalhões, já que esta etapa de montagem de armaduras se encontra externa ao canteiro, precedendo-o.

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Comercialização “ Os materiais de construção utilizados na

autoconstrução são os de menor custo e sua escolha restrita depende da oferta da loja de materiais mais próxima, que facilita o pagamento e faz a entrega. […] Além do orçamento restrito, o custo do transporte também pesa na determinação da ‘escolha’ do material” (MARICATO, 1982, p. 88)

A redução ou não existência da cobrança de frete, a conveniência e a flexibilização nas formas de pagamento e de entrega de materiais são questões bastante importantes de serem analisadas para a compreensão desta “estrutura comercial da autoconstrução” estabelecida em Paraisópolis, assim como o são em outras localidades de São Paulo. Acredita-se que a questão dos preços dos produtos, se analisada sem levar-se em conta as demais questões supracitadas, é insuficiente para explicar o alto nível de procura por parte dos moradores de Paraisópolis pelas lojas da região. Os lojistas locais, em sua maioria também moradores de Paraisópolis, entendem que seu público-alvo é composto em grande parte por autoconstrutores de baixa renda e procuram, portanto, adequar suas formas de comercialização à capacidade de pagamento destes.Todas as lojas visitadas apresentam possibilidade de parcelamento sem juros no cartão de crédito, para além do pagamento em dinheiro. Descontos também são frequentemente oferecidos de acordo com a quantidade comprada (compras de médio a grande porte) e com a forma de pagamento (pagamentos à vista e/ou em dinheiro). O frete é gratuito em quase todos os casos, e todas as lojas minimamente estabelecidas transportam as compras pesadas até a casa dos compradores. Apenas em alguns casos, como é o dos sacos de cimento, o produto é ligeiramente mais caro quando entregue direto na casa do morador, havendo um pequeno aumento no preço (cerca de cinco reais) devido à entrega do material. No caso das alvenarias e colunas, a entrega a domicílio é de praxe e geralmente não é cobrada nenhuma taxa de frete para as entregas nas região, de forma que o preço do material é o mesmo quando entregue em qualquer ponto de Paraisópolis. Existem alguns casos de lojas muito pequenas que,

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por ainda serem muito pouco estabelecidas, não realizam entregas31. Foi enunciado por um morador o comentário de os preços de certos materiais nas lojas localizadas dentro de Paraisopolis serem mais altos do que os possíveis de se encontrar em grandes casas de construção externas, alegando que, caso o morador tenha um carro, valeria a pena comprar fora. Após este comentário, decidi por fazer um breve levantamento de preço de alguns materiais. Foram pesquisados os preços de dois materiais bastante comuns nas obras de Paraisópolis: o bloco cerâmico de vedação de seis furos (mais conhecido como “tijolo baiano” de seis furos), com dimensões de 11,5 x 14 x 24cm, e o cimento. O preço foi averiguado em duas lojas de Paraisópolis, a “Loja A” e a “Loja B”, e em três grandes redes do varejo de materiais de construção: Leroy Merlin, C&C e Telhanorte. O tijolo baiano, que em quantidade de 1000 unidades custa 790 reais na “Loja A” e 580 reais na “Loja B”, pode ser encontrado nos grandes varejos em valores variando de 470 reais (em caso de promoções) até 680 reais, dependendo da marca. Já o cimento “Votoran Todas as Obras” (CPII-32), cujo saco de 50kg custa 22,50 reais na “Loja A” (diminuindo para 17 reais em promoção) e 20 reais na “Loja B”, apresenta um valor médio de 18 reais nos grandes varejistas. Quanto ao frete nos casos de entrega em domicílio: as duas lojas de Paraisópolis não cobram frete para os tijolos, e o preço do saco de cimento, quando entregue em casa, aumenta em cerca de 5 a 10 reais. Já os grandes varejistas cobram um valor de frete que oscila entre 30 e 50 reais, utilizando o CEP da avenida Hebe Camargo como destino de entrega, apenas a título de aproximação. Estes dados possuem muitas variações e nuances que demandariam um estudo mais detalhado, mas que, não obstante, permitem esboçar algumas considerações. Os sacos de cimento não possuem uma variação de preço muito significativa entre as lojas de Paraisópolis e os grandes varejos; já os blocos cerâmicos, no entanto, podem de fato ser comprados mais baratos fora de Paraisópolis, mesmo com o valor de frete incluso, quando há promoções nos grandes varejos. É aqui que os fatores de acesso e localização urbana se mostram como importantes variáveis, trazendo à tona uma questão: o conhecimento da região de Paraisópolis pelos funcionários das

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[31] Em uma entrevista conduzida a uma loja muito pequena, o lojista disse não fazer entregas dado o fato de seu estabelecimento contar com poucos meses de funcionamento e ainda não possuir capacidade para estocar e vender os materiais básicos mais pesados, como blocos e lajes; possuindo em oferta apenas materiais como tintas, cimento, argamassas, ferramentas e acessórios diversos. O comerciante, no entanto, esperava conseguir fazer seu pequeno estabelecimento crescer em breve, comentando sobre o diferencial de sua loja de oferecer o serviço gratuito de instalação de algumas peças, como chuveiros e conexões em tubulações hidráulicas


lojas locais e sua relação orgânica com os moradores possibilita que as entregas possam ser feitas nas portas das casas com muita facilidade - mesmo no caso de construções situadas em vielas em que caminhões não podem entrar, já que os funcionários das lojas locais, devido à sua grande familiaridade com a localização das vielas e das casas, chamam o morador em sua porta e ajudam a descarregar todo o material do caminhão para a moradia. Os grandes varejistas como Leroy, Telhanorte ou C&C, dificilmente conseguiriam entregar materiais com esta mesma facilidade às casas que não estão localizadas nas ruas mais largas da favela. Outra manifestação desta espécie de organicidade, de dinamismo na relação das lojas mais tradicionais com os moradores pode ser vista na possibilidade de entrega parcelada de materiais; uma questão muito importante, dado que dificilmente as casas possuem espaço amplo o suficiente para a estocagem do material de obra em sua totalidade. Exemplificando: o cliente autoconstrutor pode comprar 1000 blocos e retirar eles em parcelas de 250 em 250 unidades, conforme a necessidade ditada pelo andamento da obra e pela negociação com a loja. Se esta compra fosse realizada nos grandes varejos, o morador haveria de realizar 4 compras de 250 blocos, pagando, consequentemente, 4 fretes. Neste sentido, é reforçada a ideia de que a localização próxima, a organicidade da relação com os moradores e a região e as várias flexibilizações na comercialização permitidas pelos estabelecimentos locais são bastante definidoras da escolha da loja regional pelo autoconstrutor, de forma que eventuais preços mais altos não constituem necessariamente um fator absoluto de repulsão - até mesmo porque, para os numerosos casos em que os autoconstrutores residem em vielas e becos e não possuem carro, a compra em grandes varejos externos à Paraisópolis se mostra praticamente inviável, de forma que o comércio local representa a única alternativa possível para o fornecimento de materiais. Um depoimento unânime enunciado pelos lojistas afirma que os moradores não costumam realizar as compras de uma só vez, o que se dá por alguns motivos: escassez de local para estoque no canteiro

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e a característica de etapas sucessivas das obras de construção civil que podem se somar à falta de planejamento orçamentário e de cronograma; cautela diante do risco da compra de materiais em excesso; incapacidade financeira; e, enfim, uma característica bastante comum às casas autoconstruídas: tratam-se de um eterno canteiro de obras, que vai adequando a edificação às necessidades das famílias no tempo. Estes fatores têm como decorrência o hábito de compras de materiais de modo fragmentário (“de picado”), que são realizadas pelos autoconstrutores de acordo com a disponibilidade de sua renda, inclusive fazendo com que grande parte acabe por parcelar o pagamento das compras - cenário em que, novamente, a flexibilidade das lojas locais se mostra importante. Compras fragmentárias também funcionam de forma a privilegiar a escolha pelas lojas locais: se o morador sabe que vai ter que voltar muitas vezes, acaba escolhendo fazer isso nas lojas mais próximas possíveis, por motivos de conveniência. É possível notar que os lojistas, por vezes, conversam muito com seus clientes de forma a assessorar e orientar a escolha dos tipos e marcas de materiais a serem utilizados nas obras, nos casos em que um autoconstrutor com pouca experiência visita a loja. Quando a autoconstrução conta com a mão-de-obra contratada de pedreiros, no entanto, são eles quem tem o papel prepoderante de definição dos materiais a serem comprados. Por fim, foi possível observar que algumas das lojas aceitam o Construcard: todas as lojas de grande abrangência (LMG e LLG) são credenciadas pela Caixa. Isso não quer dizer que o Construcard seja amplamente usado pela população local, dado o fato de haver, para o acesso à linha de crédito, uma análise de inadimplência e de capacidade de pagamento do empréstimo, fator que dificulta bastante o ingresso de famílias com baixa renda no programa de financiamento.

Banner exposto na “Loja A”, uma das maiores lojas da região 76

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Outros serviços Há uma gama de outros serviços e terminais de varejo que suportam e alimentam os processos de autoconstrução em Paraisópolis. Uma série de estabelecimentos que realizavam o serviço de serralheria foram mapeados de forma parcial (Ver mapa 11) conforme iam sendo avistados durante as visitas de campo, e algumas conversas foram conduzidas para compreender seu papel na região.Seus serviços consistem majoritariamente na execução de escadas, portões e gradis para as moradias dos habitantes de Paraisópolis. Embora também sejam procurados eventualmente para a realização de trabalhos em outros bairros, a demanda representada pelas reformas e construções dos moradores locais é bastante grande. Um dos serralheiros com quem conversei afirmou ter recusado serviço recentemente em virtude de uma grande procura e pelo fato de trabalhar apenas com mais um colega, tendo dificuldades para atender um número grande de clientes em simultâneo. As já mencionadas escadas helicoidais metálicas, além de ofertadas em algumas lojas, são fabricadas pelos serralheiros locais, que utilizamse de perfis metálicos e chapas xadrez (textura antiderrapante) de aço para executar a estrutura e os degraus, que, segundo o mesmo serralheiro, são manufaturados por ele com 45 centímetros de largura (correspondendo ao raio da escada) e 20 a 22 centímetros de espelho. Diversos outros modelos de escadas podem ser executados por estes trabalhadores, modelos estes muito perceptíveis em uma favela com um grau de verticalização bastante considerável como

Catálogo técnico utilizado como referência por um serralheiro local Rede local da autoconstrução

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Degraus em chapa xadrez, ainda antes da montagem das escadas

é Paraisópolis. Com muitas habitações localizadas nos pavimentos superiores, sobrepostas a comércios localizados nos térreos ou mesmo a outras unidades habitacionais autônomas, a escada externa se torna uma solução arquitetônica que responde à exiguidade de espaços internos às moradias, apesar de se tratar de uma relação piso-espelho desconfortável e da largura ser bastante inadequada. Há soluções bastante diversas observadas na paisagem, algumas soluções menos apropriadas, e outras que acabam conseguindo resolver esse problema fundamental de circulação vertical com criatividade. As escadas prontas vendidas nas lojas de construção também devem passar pelo trabalho de um serralheiro no momento da instalação nas casas, uma vez que os comércios não realizam esta tarefa. A figura do pedreiro local também surgiu recorrentemente ao longo das conversas no trabalho de campo. Muitos dos processos de autoconstrução que ocorrem em Paraisópolis, bem como em outros assentamentos precários urbanos, se dão com a contratação de trabalhadores da construção civil, que podem inclusive trabalhar sozinhos em alguns casos, ficando responsáveis pela execução de todos os serviços necessários para a construção, como execução de fundações, alvenarias, estruturas, coberturas, instalações e acabamentos.

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis

Escada de acesso à uma residência executada em chapas xadrez e perfis metálicos. A solução ao espaço reduzido foi encontrada na utilização de espelhos inclinados


Escada helicoidal externa realizando o acesso ao primeiro e segundo pavimento de uma edificação na rua Iratinga. Notar a existência de um patamar de chegada de dimensões extremamente reduzidas no primeiro pavimento

É bastante comum encontrar obras em que o morador autoconstrutor contrata um pedreiro e trabalha como seu ajudante, realizando tarefas mais auxiliares como preparação de massas e carregamento de materiais e entulho, eventualmente executando alguns revestimentos e instalações elétricas ou hidráulicas. Nestes casos, o pedreiro fica responsável pela execução das tarefas mais

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fundamentais, como montagem das armaduras, concretagem de pilares, vigas e lajes, execução de alvenarias, além de orientar o morador em suas tarefas sempre que for necessário. Também existem outros tipos de serviços e comércios assentados na região que complementam a produção e reformas de moradias através da autoconstrução, como é o caso de alguns marceneiros autônomos que trabalham executando móveis sob medida e outros utensílios. Trata-se de um serviço útil, em se tratando de domicílios com espaços escassos, onde um móvel padronizado poderia não caber. Não obstante, também é notável a presença de uma grande rede de varejo de móveis como as Casas Bahia no centro de Paraisópolis, na esquina das ruas Ernest Renan e Manoel Antônio Pinto32. [32] “ [...] a empresa gastou [...] 2 milhões de reais para pôr em funcionamento a nova unidade. A expectativa da rede é faturar 1,5 milhão de reais por mês com as vendas em Paraisópolis – número semelhante ao das filiais de Pinheiros e Santo Amaro.” Texto retirado de <http://vejasp. abril.com.br/cidades/casas-bahiainaugurada-em-paraisopolis/>

Casas Bahia inaugurada em 2016, localizada na esquina das ruas Manoel Antônio Pinto e Ernest Renan. Foto retirada do Google Street View.

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A ESCALA DA UNIDADE



As conversas, as casas, os casos

O desejo inicial para este trabalho, quando idealizado, era o de realizar uma compreensão da autoconstrução que permeasse as diferentes escalas em que esta se manifesta. Este desejo acabou por determinar a estruturação dos capítulos, que em sua primeira seção procurou apresentar uma leitura na chave “macroscópica”, conceituando e entendendo a autoconstrução como uma forma de produção da habitação que, longe de ser marginal, é fenômeno de grande ocorrência e, portanto, essencial para a compreensão da produção do espaço urbano ainda nos dias de hoje. A seguir, recortando e ampliando para o cenário atual da favela de Paraisópolis, buscou-se expor quem são os agentes locais que, organizando-se em forma de uma verdadeira rede produtiva e de abastecimento, alimentam os processos de autoconstrução da região. Nesta última seção, são abordadas algumas das tramas mais “microscópicas”, de forma que o foco se encontra nos sujeitos autoconstrutores, em suas moradias e em suas relações. Esta etapa do estudo, ressalta-se, não é de cunho quantitativo, mas sim qualitativo: não se pretende apresentar aqui uma amostra de casos que possam ser generalizados para toda a autoconstrução urbana, tampouco para um território complexo como a favela de Paraisópolis. Pretende-se apresentar os resultados de uma tentativa de aproximação da problemática da autoconstrução em sua concretude mais palpável, atentando para as experiências pessoais vividas no processo de autoconstrução por cada um

As conversas, as casas, os casos

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dos entrevistados. Além disso, o contato “cara-a-cara” com esses moradores permitiu detectar diferentes manifestações e nuances nos processo. Optou-se por conduzir entrevistas menos formais e menos distantes, realizando conversas informais que seguiram de forma flexível um roteiro montado de forma a abranger as questões mais importantes de serem abordadas, que contavam com grande número de perguntas abertas. Esta postura também ocorreu por acreditar que neste formato a conversa seria mais confortável e menos invasiva aos entrevistados, que, de modo geral, foram muito receptivos e abertos, respondendo com enorme clareza às questões colocadas e trazendo informações importantes que, por vezes, não se encontravam abarcadas pelo roteiro inicial. A precariedade habitacional como objeto de análise As visitas às moradias autoconstruídas de Paraisópolis também tiveram seu olhar pautado pelo conceito de precariedade habitacional, de acordo com o método de levantamento de habitações construído ao longo de anos de experiência prática e crítica e exposto no artigo33 apresentado ao seminário URBFAVELAS de 2014 pela ONG Peabiru Trabalhos Comunitários e Ambientais – associação interdisciplinar sem fins lucrativos, com forte atuação na questão habitacional da Grande São Paulo. A visão proposta para a compreensão da precariedade habitacional tem sua essência marcada na caracterização precisa dos fatores que têm impacto nas condições de habitabilidade de um determinado domicílio, trazendo à tona, desta forma, três grandes dimensões de precariedade: a dimensão do acesso à infraestrutura, a dimensão das condições físicas da moradia e a dimensão das condições ocupacionais. Os fatores pertencentes à primeira dimensão têm maior relação com a inserção urbana da moradia, e dizem respeito à chegada de serviços urbanos tais como saneamento básico, eletricidade, coleta de lixo e acesso viário. A segunda dimensão engloba as características materiais da habitação, referentes por exemplo à situação das instalações elétricas e hidráulicas, acabamentos internos e externos, elementos de vedação, cobertura, bem como à presença ou não de patologias na edificação (trincas, infiltração, mofo) e às

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[33] Artigo disponível em: <http://www.peabirutca.org.br/ wp-content/uploads/GT1-46106-20140630235449.pdf>


condições de salubridade e conforto ambiental nos cômodos. A última dimensão trata da relação entre o número de moradores por cômodos, bem como da presença de pessoas com necessidades especiais, da presença de coabitação familiar e de outras questões afins. Este refinamento na compreensão da precariedade habitacional constitui importante acúmulo para um entendimento mais apurado da ideia de déficit habitacional e das condições de habitabilidade das moradias existentes, já que foge da até então frequente – e por vezes conveniente – tendência de se entender a inadequação domiciliar de forma genérica. Tal esforço realizado em torno da construção de um método preciso de levantamento e avaliação das moradias existentes contribui para a estruturação de um saber bastante pertinente à disciplina arquitetônica, e, infelizmente, ainda bastante negligenciado. Por fim, enquanto método de levantamento, invariavelmente contribui para o aprimoramento do processo de tomada de decisões de projeto em intervenções em assentamentos precários, trazendo a necessidade de ponderação acerca da problemática encontrada internamente às unidades domiciliares, para além dos fatores “extraunidade”. Especificamente no caso do estudo aqui apresentado, este acúmulo contribuiu tanto para a formulação das questões a serem abordadas durante as entrevistas aos autoconstrutores de Paraisópolis, quanto para a constituição de um olhar mais atento às características da casa que podem ser fonte de precariedade e decréscimo das condições de habitabilidade. É importante salientar aqui que o registro destas precariedades não tem como objetivo, de forma alguma, uma “condenação” da autoconstrução e dos autoconstrutores, mas sim a apresentação de uma tentativa de identificação de alguns tipos de precariedades e de algumas causas, entendendo que as condições às quais está submetida a autoconstrução são de fato muito adversas.

As conversas, as casas, os casos

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Roteiro de conversa As questões abordadas nas conversas procuraram coletar informações concernentes a três escopos: (1) a caracterização dos moradores; (2) a descrição da moradia edificada; e, por fim, (3) os detalhes do processo de autoconstrução (por vezes mais de um) através do qual os moradores trabalharam na construção e melhoria de sua própria moradia, procurando entender também as impressões que os mesmos tiveram do processo. Tomando como referência o questionário desenvolvido por Renata Balthazar (2012), quando da realização de um estudo acerca das moradias autoconstruídas em loteamentos irregulares no município de Vargem Grande Paulista, o conjunto de perguntas foi reformulado de forma a se adequar para os casos em questão. Neste sentido, parte dos itens referentes ao “lote” e “legislação”, na pesquisa citada, foram aqui suprimidos ou alterados. Também foram incluídas as seções de “projeto” e “obra” como pertencentes ao mesmo grande grupo de informações, referente ao processo de autoconstrução, uma vez que nos casos estudados a etapa de projeto se encontrava muitas vezes interseccionada e imiscuída com a etapa de obra, não havendo uma distinção tão clara entre os dois momentos. É importante ressaltar que os estudos de caso não seguem exatamente o mesmo modelo de apresentação: dado o fato de os casos escolhidos terem apresentado especifidades e condições de entrevista bastante heterogêneas - por vezes o entrevistado não se sentia confortável com a medição e registro fotográfico de sua casa - optou-se por expor os casos segundo focos específicos de análise. Não obstante, procurou-se obter um mínimo de informações padronizadas em todas as entrevistas, tais como as concernentes à mão-de-obra empregada, finalidade da construção (moradia própria ou aluguel/venda) e materiais utilizados na casa. Os estudos de caso Foram realizadas, no total, quatro entrevistas com autoconstrutores residentes em Paraisópolis. Os casos foram selecionados de forma a garantir um recorte plural, ilustrativo das diferentes facetas que

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a autoconstrução da habitação pode assumir em uma favela como Paraisópolis, principalmente no que diz respeito às variações no tipo de mão-de-obra empregada na construção (familiar, não remunerada, remunerada) e às diferentes possibilidades de relação estabelecida entre o autoconstrutor e a moradia produzida: à primeira vista, poderia-se ressaltar o valor de uso da casa enquanto habitação própria como a única relação possível, no entanto, há uma gradação repleta de nuances, ao longo da qual o peso do valor de uso moradia vai se imiscuindo com o valor de troca em potencial que a casa representa, chegando nas situações em que a relação entre construtor e moradia autoconstruída se dá essencialmente pelo entendimento desta enquanto mercadoria e meio de obtenção de complementos de renda através da locação e da venda. Os primeiros dois casos são dois domicílios habitados por uma família cada, que, no entanto, possuem laço de parentesco entre si e com os demais moradores do entorno, em uma espécie de vila familiar, às margens do córrego do Antonico. A primeira casa, construída em meados dos anos 1990, se encontrava no fim de um processo de reforma e expansão no momento da realização das primeiras visitas de campo. As obras recentes foram realizadas pelo morador Francisco – trabalhador da construção civil – e Felipe, seu enteado, que auxiliou em alguns momentos da obra, havendo também mutirão com amigos, parentes e vizinhos na hora da concretagem das lajes. Nas decisões propriamente de projeto, ou seja, a definição dos cômodos e localização das circulações, participaram todos os moradores: Francisco, Maria e Felipe. A segunda residência se trata da moradia de Valdir e Luciana, autoconstruída às pressas há cerca de 6 anos, e que atualmente passa por reforma, também contando com a participação de Francisco. Quando da construção da casa houve contratação informal de mão de obra: o tio de seu cunhado, pedreiro que na época estava em vias de se aposentar, aceitou tocar a obra por um preço reduzido. A mão-de-obra, no entanto, foi mista, pois contou com grande participação do trabalho realizado pelo próprio Valdir. O terceiro caso estudado possui um aspecto muito distinto dos anteriores e é exposto neste trabalho de forma a levantar um debate

As conversas, as casas, os casos

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permeando a temática da autoconstrução e do autoempreendimento. É o caso dos moradores Jorge e Edna e seus dois filhos, que moram no térreo de um edifício construído com trabalho não-remunerado do próprio morador Jorge somado àquele realizado por mão-deobra contratada. Apesar de a unidade localizada no térreo ter sido construída para a moradia da família, as outras quatro moradias, construídas em três pavimentos sobrespostos ao térreo, tiveram a comercialização como finalidade: três unidades destinadas a locação, uma a venda. Outros dois casos encontrados em Paraisópolis são expostos ao fim: o caso de seu João, senhor de 75 anos que atualmente mora em sua casa apenas com a esposa, Ruth. A casa foi construída há 25 anos, no começo da década de 1990, e a principal diferença está no fato de a mão-de-obra utilizada na construção ter sido quase integralmente remunerada: houve a contratação de um pedreiro e um ajudante de obra, ficando a participação de João limitada às decisões de projeto dos cômodos e ajudas muito pontuais na obra em si. Mencionase ao fim o caso de Márcio, que se enquadra mais na chave do autoempreendimento do que da autoconstrução.

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O conjunto de casas do Antonico

Acessado pela rua Santa Francisca, o conjunto de moradias ao qual pertencem os dois primeiros casos estudados se encontra bem próximo ao córrego do Antonico, subafluente do ribeirão Pirajussara. Atualmente ocupado por seis casas, o terreno foi comprado informalmente na virada das décadas de 1980 e 1990 por José, pai de Maria e Valdir, que decidiu mudar-se da Bahia para São Paulo. As primeiras construções foram feitas pelo pai com um de seus filhos, sem que houvesse trabalho pago envolvido no processo. Ao longo dos anos, o terreno foi sendo cedido e vendido para os integrantes da família, que, por sua vez, iam construindo suas próprias moradias à medida em que se estabeleciam em Paraisópolis. Foi firmado entre os moradores um acordo de que nenhum deles poderia vender ou alugar seu pedaço do terreno e/ou suas casas para pessoas de fora da família, perpetuando assim uma lógica de propriedade coletiva e familiar no conjunto. Apesar de ser denso e quase integralmente coberto por lajes, com apenas um pequeno respiro, o térreo do complexo de casas possui um pátio de uso coletivo dos moradores, que não raro se encontram reunidos ali, onde também guardam seus carros e motos, alguns objetos e materiais de construção e varais. O terreno tem acesso restrito aos familiares: a interface com a rua é um portão metálico que está sempre fechado. As portas das casas, por outro lado, ficam frequentemente abertas, por um motivo que é rapidamente observado: os moradores têm um hábito de convivência que extrapola o pequeno espaço de suas próprias moradias, sendo comum vê-los entrando ou saindo das casas de seus parentes.

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CÓRREGO DO ANTONICO

R. SANTA FRANCISCA

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Este intrincado espaço construído se mostra de difícil compreensão à primeira vista, uma vez que as casas se sobrepõem parcialmente umas às outras, partilhando alguns elementos: todas as casas do segundo pavimento se apoiam em lajes de cobertura de casas preexistentes no térreo, criando novos panos de laje à medida em que estes se mostram necessários. Além disso, é possível perceber que as vigas de concreto se conectam de forma a solidarizar a estrutura de todas as casas entre si. Este tipo de ocorrência torna praticamente inviável uma análise estrutural independente para cada domicílio. Apesar de o espaço ser compartimentado de modo a configurar seis casas distintas, o que se destaca neste caso é uma dimensão coletiva da autoconstrução e de suas implicações. Também são coletivas algumas soluções adotadas pelos moradores: no segundo pavimento, entre as quatro casas localizadas ao fundo, os familiares preservaram um fosso de iluminação e ventilação para onde se voltam todos os banheiros de suas casas; também se preservou o pequeno respiro previamente mencionado, onde se localizam duas das três escadas externas. A primeira casa construída, que também é a única que está implantada integralmente no térreo, foi construída em blocos de concreto; já as casas restantes substituíram o uso do bloco de concreto pelos populares blocos cerâmicos de vedação. Basicamente, todas as casas do conjunto são construídas com paredes de alvenaria e pórticos

Pátio interno do conjunto de casas, visto da entrada 96

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Caso 2 Valdir e Luciana

Caso1 Maria, Francisco e Felipe


viga e pilar de concreto, que possuem vãos muito variáveis, mas que geralmente não extrapolam muito mais do que 3 ou 4 metros. Este sistema construtivo geralmente é executado através do seguinte encadeamento de ações: primeiramente, são alocadas as armaduras dos pilares, presas às vigas baldrame ou blocos de fundação, ou, no caso de edificações em pavimentos superiores, pressas aos arranques de pilares dos pavimentos inferiores. Em seguida, são erguidas as paredes de alvenaria da casa, ficando apenas armados os espaços onde posteriormente os pilares serão concretados. A parede então funciona como fôrma lateral para a concretagem das colunas e fundo vigas que formarão o pórtico, principal elemento estrutural. Cabe ressaltar no entanto que esta técnica construtiva, por se basear na construção das paredes antes da concretagem do pórtico, transforma as mesmas em escoras para as vigas ainda em processo de cura, de modo que as paredes - geralmente construídas com blocos de vedação - acabam por se tornar também um elemento participante da estrutura, sendo solicitadas não só por seu próprio peso mas também por uma parcela de carga que, em um sistema de estrutura independente, deveria ser recebida apenas pelos pilares. Para que isso não ocorresse, a estrutura de concreto deveria ser executada e curada anteriormente à execução da parede e seu encunhamento, ou seja, a ligação entre a sua última fiada de alvenaria e a viga.

Vista das casas do entorno pela laje de cobertura: ainda não rebocadas, transparecem claramente o sistema construtivo de paredes e pórticos. Também é possível notar outros aspectos que se repetem por toda Paraisópolis: pilares que por vezes não se encontram no mesmo alinhamento, de forma que um pilar descarrega exatamente no meio da viga; último andar construído sem vigamento e, por vezes, sem pilares, havendo apenas paredes de alvenaria assentada onde se apoiam as telhas 98

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As construções mais antigas do conjunto utilizam lajes com lajotas cerâmicas, enquanto as expansões mais recentes já demonstram por vezes uso de lajes de EPS. A maior parte dos pilares e vigas são de formato retangular e suas dimensões variam entre cerca de 10 e 20 cm. Há também uma solução improvisada utilizada em dois pilares que utilizam tubos de PVC de 15cm de diâmetro como fôrma. Foi possível notar no conjunto a recorrência de algumas soluções também observadas nos percursos feitos em Paraisópolis, como o por exemplo os portões metálicos montados por serralheiros locais, o intenso uso do bloco cerâmico de seis furos e de telhas de fibrocimento, sendo estas últimas responsáveis pela cobertura de metade das casas do conjunto; a outra metade sendo coberta por lajes pré-moldadas. Uma das escadas externas chamou a atenção por ser estruturada a partir de vigotas de laje pré-moldada, fazendo uso de lajotas cerâmicas como molde de fundo para a concretagem34. O conjunto de casas, assim como todas as residências localizadas na rua Santa Francisca, devido à sua proximidade com o Córrego do Antonico, está demarcado integralmente para remoção pelo Projeto Urbano Córrego do Antonico, desenvolvido pelo escritório paulistano de arquitetura MMBB35, mas cuja obra ainda não tem previsão de início

Coluna de concreto em tubo de PVC 100

[34] Uma rápida pesquisa no site Youtube traz diversos resultados de pessoas construindo suas escadas através desta técnica, indicando a popularidade e a disseminação desta solução nos canteiros de obras da autoconstrução

[35] Projeto disponível no site do escritório. Ver: http://www. mmbb.com.br/projects/view/68

Detalhe de tubo de PVC utilizado como molde

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Escada construída em elementos de laje pré-moldada

Tijolos empregados nas obras recentes pelos moradores

Espaço de chegada no primeiro pavimento: à direita, a casa de Valdir

Depósito anexo à casa de Maria: acima, a laje do quarto de seu filho Felipe

Vista à partir da escada de laje pré-moldada

Cobertura das casas O conjunto de casas do Antonico

101


Entrada do conjunto

Detalhe de junção entre viga e pilar de concreto 102

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Fosso de ventilação


Vista do córrego do Antonico à partir da laje de cobertura da casa de Maria

Vista à partir da laje da casa de Maria: estrutura atravessando o córrego, com edificações avançando sobre esta. Foto de Augusto Branco. O conjunto de casas do Antonico

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Caso 1: Maria, Francisco e Felipe

Os moradores Maria, 46 anos, é nascida na Bahia e é uma das filhas de José, comprador do terreno. Possui ensino superior completo e atualmente faz pós graduação, ao mesmo tempo que trabalha como assistente social, sendo a única moradora da casa a apresentar um emprego assalariado fixo. Francisco, nascido em Piauí, é trabalhador da construção civil. Atualmente não possui emprego fixo, realizando serviços esporádicos (“bicos”) de construção e reforma. Tem 29 anos e é padrasto de Felipe, 19 anos, que é estudante universitário de engenharia. Felipe, o primeiro familiar que conheci, era geralmente a pessoa que me recebia quando ia ao conjunto de casas, e foi através dele que pude obter contato com outros parentes, como seu tio Valdir e a esposa Luciana. A família possui uma renda familiar fixa de 2500 reais, o equivalente ao salário de Maria; o valor no entanto pode variar para cima dependendo do mês e da quantidade de serviços que Francisco consegue realizar, sendo que a maior parte destes se dá nas vizinhanças de Paraisópolis. Para além dos serviços contratados, Francisco também auxilia na reforma das casas de seus parentes. O dia-a-dia dos moradores se dá tanto dentro de Paraisópolis como fora: apesar de terem muitos parentes morando nos arredores, de realizarem suas compras cotidianas nos mercados locais e de Francisco realizar a maior parte de seus serviços na região, Maria trabalha bastante longe de sua casa, demorando horas no transporte. Felipe também exerce um grande deslocamento em sua rotina, uma vez que as unidades de sua faculdade se localizam em municípios do ABC. 104

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A casa Área

55m² (sem laje da cobertura) / 75m² (com laje)

Número de dormitórios

2

Número de banheiros

2

Estrutura e vedação

Vigas e pilares em concreto; lajés pré-moldadas (lajota e EPS); bloco cerâmico de vedação de seis furos (11,5x14,24cm)

Coberturas

Laje pré-moldada (lajota e EPS). Telha apenas na escada superior

Esquadrias

Portas e batentes de madeira, caixilhos de alumínio e de aço

Acabamentos internos

Pisos cerâmicos e vinílicos; paredes rebocadas e pintadas. Ambos os banheiros possuem revestimento cerâmico na parede e forro de PVC, este último também presente no quarto de Felipe

Acabamentos externos

Reboco e pintura incompletos

Conforto térmico e iluminação segundo os moradores

Casa escura em geral, exceto no quarto de Felipe, que recebe insolação direta de manhã. Forro de PVC ameniza a temperatura interna

Patologias/umidade

Infiltração no quarto dos pais proveniente da queda de águas pluviais da casa vizinha

Água

Rede pública

Luz

Rede pública

Esgoto

Lançado no córrego

Coleta de lixo

Rede pública

Dentre as seis casas do conjunto previamente descrito, esta é a casa localizada mais próximo ao córrego do Antonico, e consiste em dois andares mais uma laje de cobertura. A entrada dá acesso a uma sala integrada com cozinha, cujos espaços são delimitados por um peitoril de tijolo baiano, recém-construído. À direita, encontra-se o quarto de Maria e Francisco, que dá acesso a um banheiro: ambos os cômodos se abrem para uma pequena área de respiro. À esquerda da sala, encontra-se a escada que leva ao segundo pavimento, rotacionado em relação à projeção do pavimento térreo. A escada é bastante íngreme, apresentando espelhos de mais de 30cm e pisos em torno de 20cm. Na chegada do primeiro pavimento é possível observar um fragmento da laje de cobertura do térreo, que serve como um pequeno depósito, e o quarto de Felipe, que também conta com um banheiro próprio. Ao subir para a laje de cobertura, percebe-se que o

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Sala e cozinha - 1 Quarto casal - 2 Banheiro - 3 Pequeno depósito - 4 Quarto Felipe - 5 Banheiro - 6


3

1

2

0

1

2m

PAV. TÉRREO

4 5 6

0

1 107

2m

PAV. SUPERIOR


arremate da cobertura é bastante variável: em alguns trechos da laje há platibanda de uma fiada de alvenaria, em outros não há arremate algum, e apenas em um pequeno trecho há um peitoril, também de alvenaria. É possível observar também que alguns pilares foram deixados com os vergalhões de arranque para ampliações futuras. Além dos espaços internos há no lado de fora da casa um pequeno espaço anexo envolto por um muro, onde se encontram alguns materiais de construção estocados e eventualmente roupas secando. Antigamente a casa consistia apenas no pavimento térreo e parte da atual sala era o quarto onde Felipe dormia, com dimensões bastante reduzidas. Durante a reforma da casa demoliu-se a parede divisória de forma a ampliar o cômodo de entrada - é possível notar uma viga passando no alinhamento da antiga parede que delimitava o quarto já não mais existente. Existe uma relação bastante razoável de moradores por cômodo, de forma que a habitação em questão não apresenta grandes precariedades neste sentido. Em termos de materialidade da casa, há algumas características que aumentam a sua qualidade habitacional: revestimento interno completo; cobertura de laje de concreto com forro de PVC em alguns cômodos, o que auxilia um pouco no desempenho térmico da casa; duas caixas d’água com tampa. Podem ser encontrados também, no entanto, aspectos que comprometem a habitabilidade: presença de mofo no quarto do casal; revestimentos externos incompletos; iluminação e ventilação comprometidas. No quesito do acesso à infraestrutura e localização urbana se encontram algumas questões que valem ser ressaltadas: apesar de o domicílio estar conectado à rede elétrica e de água, não existe conexão com o sistema de esgoto, de forma que seus banheiros e áreas molhadas despejam diretamente no córrego do Antonico trazendo uma constatação quase irônica de um serviço público de abastecimento de água que se concretiza, mas não se integra com o serviço de recolhimento dos esgotos. Para além disso, a estreita distância entre a casa e o córrego do Antonico demandam algumas ponderações. A primeira diz respeito ao risco de entrada de água na casa em períodos de chuva mais intensa que fazem o córrego transbordar: pôde se observar que o banheiro do quarto de Maria

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Entrada da casa: Francisco realizava obras no momento da visita

Cozinha separada por um peitoril de alvenaria

Quarto de Maria e Francisco

CĂľmodo de entrada: sala-cozinha

Cozinha: ao fundo, o pĂĄtio de entrada do conjunto

Banheiro de Maria e Francisco Caso 1: Maria, Francisco e Felipe

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e Francisco tem seu piso rebaixado, o que pode ser uma tentativa de minimização dos danos na possibilidade de concretização deste cenário. Outra questão diz respeito ao impacto que a localização da casa pode significar à estrutura, o que traz a importância da avaliação de possíveis patologias decorrentes de recalques estruturais. Para além disso, paira sobre a casa um cenário incerto quanto à ameaça de remoção, que, embora já tenha surgido em forma de boato para os moradores do conjunto de casas mais de uma vez, nunca se concretizou. Os moradores demonstraram desconhecimento sobre a proposta do Projeto Urbano Córrego do Antonico, segundo o qual sua casas se encontraria indicada para remoção. Há também um aspecto relacionado à segurança proporcionada pelo espaço físico aos moradores, que vêm à tona em vista da relação inadequada entre dimensões de piso e espelho dos degraus da escada, que, embora tenha conseguido resolver o acesso ao segundo andar sem muito prejuízo de espaço na sala, apresenta um sério risco de queda quando se soma a largura estreita ao espelho alto e à ausência de corrimão ou qualquer outro anteparo. A segunda escada tem esta questão atenuada dado o fato de ter paredes em seus dois lados, mas a laje de cobertura retoma a situação de risco - assim como a esmagadora maioria das lajes encontradas em assentamentos precários de uma forma geral.

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Escada concretada in loco. Notar a relação piso X espelho e o gabarito desenhado na parede

Quarto de Felipe: recebe insolação direta de manhã

Pilar em espera na laje de cobertura

Pequeno depósito improvisado em laje de cobertura do térreo

Banheiro de Felipe

A residência possui duas caixas d’água tampadas Caso 1: Maria, Francisco e Felipe

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A experiência de autoconstrução O primeiro processo de autoconstrução data da execução da casa no começo da década de 1990, erguida com trabalho próprio e não remunerado de José (pai de Maria) e um de seus filhos após a compra do terreno, tendo sido a segunda casa do conjunto a ser finalizada. Assim como todas as outras edificações do conjunto, foi executada com a finalidade de servir de moradia para os familiares. Com apenas 1 pavimento (térreo), a casa originalmente possuía dois dormitórios, um banheiro e uma cozinha. Outro processo de construção iniciou-se em 2016 e está em andamento até os dias de hoje. A obra visava expandir a casa e começou pela execução da estrutura e das lajes do segundo andar, criando novos cômodos para a casa que antes se encontrava em condições de ocupação muito mais complicadas: até então consistia apenas no pavimento térreo e o quarto de Felipe possuía dimensões muito exíguas, bem como uma condição de iluminação e ventilação bem piores. A área onde hoje se encontra a escada que leva ao segundo pavimento era o antigo dormitório.

3

4

1

Sala e cozinha - 1 Quarto casal - 2 Banheiro - 3 Quarto Felipe - 4

2

0

1

2m

PAV. TÉRREO

Planta da casa de Maria, Francisco e Felipe antes das reformas de 2016 e 2017

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Durante o período das entrevistas a reforma da casa ainda se encontrava em andamento, de forma que novos revestimentos iam sendo percebidos a cada visita que realizava. A experiência de Francisco na área da construção civil foi decisiva para que optassem por realizar eles próprios a concepção e a execução das obras, de forma que não houve contratação de mãode-obra para a realização de nenhuma tarefa. Além disso, Felipe acredita que o repertório adquirido por Francisco através de seu trabalho contribuiu para as ideias para a reforma. Os três moradores participaram no momento de decidir quais reformas seriam feitas e onde. Decidir onde ficariam as escadas foi a parte mais difícil. Apesar de ter havido uma discussão entre eles à respeito dos novos espaços, não houve o uso do desenho em papel como ferramenta em nenhum momento do processo. A fase de execução foi feita apenas por Francisco com a ajuda de Felipe, tendo a etapa concretagem das lajes contado com a ajuda de mais parentes e amigos. Segundo os moradores, não houve grandes

Esquema da ampliação: a existência da casa de um de seus parentes sobre a sua laje de cobertura norteou o sentido da expansão

Caso 1: Maria, Francisco e Felipe

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imprevistos e a construção ocorreu de forma tranquila. O método utilizado para a construção da escada foi muito interessante: os moradores desenharam o perfil dos pisos e espelhos na parede onde ela estaria encostada, como gabarito para a concretagem da mesma. Na foto (pag.109), é possível notar que foram feitos mais de um esboço de desenho além do que foi de fato utilizado. Havia o desenho de uma escada com pisos maiores, mas que não foi executada, provavelmente por motivo que foi sensível aos moradores - para que não se ocupasse muito espaço dos cômodos do térreo (que já apresentavam área exígua), ou então para que as pessoas não atingissem a laje ao subir e descer. O material de construção foi todo comprado em uma grande loja local descrita na seção anterior deste trabalho, a “Loja B”, e as compras foram feitas de maneira fragmentada, tendo os moradores voltado à loja várias vezes. A primeira compra foi feita à vista; todas as demais foram parceladas no cartão. Felipe acredita ainda que foi comprado mais material do que o necessário, fato que acarretou tanto uma grande quantidade de entulho quanto uma grande quantidade de desperdício. Após a execução das obras mais pesadas e de boa parte dos revestimentos, os moradores procuraram o escritório Inova Urbis para pedir algumas soluções de projeto, como a possibilidade de colocação de box no banheiro recém-construído e a construção de uma área com churrasqueira na laje. No retorno que fiz à casa, foi possível perceber que algumas mudanças haviam sido realizadas, como a mudança de lugar da porta de entrada, o que denota a alta velocidade com que são feitas as decisões e execuções das obras pela família, uma vez que na primeira visita, esta obra em particular não era considerada.

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Material de construção e entulho de obra, depositados em área contígua à casa

Pilar e viga de concreto: a recente demolição da parede que dividia a sala do quarto antigo de Felipe deixou algumas ferragens expostas

Porta de entrada em novo local, em frente à escada. A obra foi realizada após a primeira visita realizada à casa Caso 1: Maria, Francisco e Felipe

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Caso 2: Valdir, Luciana e Caíque

Os moradores Valdir, irmão de Maria e filho de José, tem 32 anos e é trabalhador autônomo, com atualmente duas ocupações: é dono de uma lojinha de chocolate em Paraisópolis e trabalha como fotógrafo freelancer. É casado com Luciana, de 31 anos, que é agente de saúde em uma UBS não muito longe de sua casa. Ambos possuem ensino médio completo e curso técnico, sendo Luciana formada também em Artes Cênicas. O casal possui um filho, Caíque, de 5 anos, e em breve a família irá crescer: Luciana estava grávida de 3 meses quando conheci o casal. A renda mensal da família, ao se somar o salário fixo de Luciana com os freelances e o faturamento da loja de Valdir, gira em torno de 2500 reais e, da mesma forma que o caso anterior, varia bastante de acordo com a flutuação dos serviços autônomos realizados. Quando se conheceram, Valdir já morava em Paraisópolis, mas não no conjunto às margens do Antonico; Luciana morava na Zona Leste da cidade e trabalhava a uma distância de 3 horas. Passaram então a morar juntos pagando aluguel na rua Manoel Antônio Pinto, próxima à rua Santa Francisca, onde residiram por 1 ano. Quando Luciana ficou grávida de Caíque, entre 2011 e 2012, foram chamados por uma irmã de Wagner para construírem uma casa em cima da laje de cobertura da casa de blocos de concreto, onde poderiam morar sem pagar aluguel. O casal, procurando sair do aluguel, começou a construção apressadamente, com o objetivo de se mudar para uma casa própria antes do nascimento de seu filho. Apesar de ambos trabalharem na região de Paraisópois, costumam fazer as compras cotidianas fora, uma vez que, segundo eles, sai mais barato fazer uma grande compra mensal num grande varejista do que nas lojas locais.

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A casa Área

41,5m²

Número de dormitórios

2

Número de banheiros

1

Estrutura e vedação

Laje de piso apoiada nos pilares da casa de baixo. Paredes de bloco cerâmico de vedação de seis furos (11,5x14,24cm) sem pilares; cinta de amarração construída pouco antes das entrevistas.

Coberturas

Telha de fibrocimento; laje de concreto recém-construída no banheiro

Esquadrias

Porta de alumínio, caixilhos de alumínio e aço

Acabamentos internos

Banheiro com piso e paredes de revestimento cerâmico. A cozinha apresenta piso cerâmico e revestimento cerâmico na parede onde se localiza a bancada. O resto da casa possui piso vinílico e paredes rebocadas e pintadas. Forro de PVC em todos os cômodos.

Acabamentos externos

Reboco recém executado apenas na entrada

Conforto térmico e iluminação segundo os moradores

A casa apresentava um pé-direito extremamente baixo, o que a tornava muito quente. Uma das obras recentes foi a de aumento do pé-direito, para sanar este problema, além da colocação de forro.

Patologias/umidade

Muitas trincas observadas nas paredes, principalmente nas esquadrias. São decorrentes da ausência de pilares e vigas de concreto na construção. Uma cinta de amarração foi executada como tentativa de resolução

Água

Rede pública

Luz

Sim, porém “puxada” da casa de Maria

Esgoto

Lançado no córrego

Coleta de lixo

Rede pública

Ao subir a escada localizada no pátio, executada com vigotas pré-moldadas para laje, chega-se a um espaço que dá acesso a duas casas, sendo à da direita a casa de Valdir, Luciana e Caíque. Quando as visitas foram realizadas, a casa passava por uma série de reformas, de modo que os cômodos não estavam mobiliados, havendo apenas as peças sanitárias e a bancada da pia. Entra-se pela cozinha, que dá acesso aos dois dormitórios da casa. À frente, encontra-se o novo quarto de Caíque, e à esquerda, o de Valdir e Luciana, onde também planejam colocar o berço do bebê que irá nascer.

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Lavanderia - 1 Cozinha - 2 Quarto Caíque/antiga lavanderia- 3 Quarto casal - 4 Banheiro - 5


5

4

3

2

1

0

119 1

2m


A casa é constituída apenas por blocos cerâmicos de vedação de 6 furos assentados, sem o enrijecimento de pórticos de concreto descritos anteriormente, e apresentava grandes fissuras (agora revestidas), provavelmente decorrentes da ausência de pilares e cintas de amarração, principalmente nas partes onde estão as esquadrias. Além de não terem sido prolongadas as esperas dos pilares do térreo, as paredes não estão no alinhamento das vigas, mas sim ligeiramente deslocadas deste, como se pode observar principalmente na fachada que é sustentada pelos pilares concretadas em tubos de PVC. Podese perceber, neste sentido, que a condição construtiva do imóvel é um de seus maiores fatores de precariedade. Nenhum dos quartos apresenta janela para uma área descoberta, e a única fachada externa revestida é a de entrada, localizada embaixo de uma cobertura. Certamente a localização da casa dificulta a aplicação de reboco nas demais fachadas, já que além da de entrada, duas outras fachadas praticamente encostam nas casas vizinhas e a outra, a mais externa, se apresenta de difícil acesso para aplicação de revestimentos. Apesar de a moradia não apresentar uma grande densidade de moradores por cômodo - após o nascimento do bebê, serão 4 pessoas/banheiro e 2/dormitório - chama-se a atenção ao fato de um dos dormitórios possuir área bastante reduzida, apresentando dimensões de 2,30m X 1,65m. Quanto ao acesso aos serviços públicos, a situação é bastante parecida com a casa de Maria, com a exceção da conexão com a eletricidade, que é “puxada” desta.

A experiência da autoconstrução A construção da casa, inicialmente, se deu às pressas há cerca de 6 anos devido à gravidez de Luciana e à vontade do casal de fugir do aluguel, dificuldades que acarretaram uma construção com uma série de questões em aberto: as paredes não foram erguidas no alinhamento das vigas, não foram executados pilares e nem cinta de amarração. O pé direito da casa também era bastante baixo (pouco

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Casa de Valdir (à direita) e material utilizado nas obras

Paredes fora do alinhamento das vigas

Acima desta laje (vista do térreo), encontra-se o quarto de Caíque, antiga lavanderia. É possível notar sinais de infiltração

Quarto de Caíque

Cozinha: a parede, na primeira visita, apresentava uma série de fissuras

Banheiro

Quarto de Valdir e Luciana Caso 2: Valdir, Luciana e Caíque

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mais de 2m), o que a tornava bastante quente. Este processo inicial de autoconstrução foi realizado por Valdir, seu cunhado e o tio deste cunhado, que era pedreiro quase aposentado e, dado o vínculo familiar, cobrou um preço mais baixo pelo serviço. Nas palavras de Valdir, “ele foi o pedreiro, e eu fui o ajudante”; ou seja, o pedreiro responsável executava o assentamento da alvenaria, enquanto ele realizava trabalhos de ajudante geral, como o assentamento dos pisos, execução da parte elétrica e das tubulações. Um eletricista foi contratado para verificar se estava tudo feito corretamente e para fazer a ligação com rede elétrica, pois Valdir considerou esta tarefa perigosa demais. O planejamento dos cômodos foi pensado tanto por Valdir quanto por Luciana, havendo inclusive o uso de desenhos feitos por Valdir durante o processo. Os desenhos não foram guardados, no entanto. Na parte da execução, participaram Valdir, seu cunhado e o pedreiro contratado. Os materiais para a construção da casa foram comprados majoritariamente nas diversas lojas de Paraisópolis (como por exemplo a loja “A”), com exceção do piso e do vaso sanitário, que foram comprados em lojas de fora da região. Houve um empréstimo da mãe de Valdir para as primeiras compras, tendo as compras restantes sido feitas parceladas no cartão pelo casal. Não houve um orçamento planejado em etapas específicas para as compras, mas Valdir e o pedreiro dimensionavam aproximadamente as compras conforme iam executando a obra. Houve algumas sobras de piso, mas que não foram consideradas por Valdir e Luciana como desperdício, uma vez que conseguiram aproveitar todo o material, que foi usado na casa da mãe de Valdir e para fazer o piso da loja de chocolates. Hoje, Luciana está grávida e o casal procura melhorar as condições de habitabilidade da casa antes de seu filho nascer, com as seguintes obras: transformação da antiga lavanderia no quarto de Caíque (que antes dormia no mesmo quarto); aumento do pé-direito e correção das águas do telhado, que antes provocava infiltração; execução de

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Cozinha durante fase de obras na primeira visita. É possível notar a execução de mais fiadas e de cinta de amarração, que aumentaram o pé-direito da casa

Trinca na abertura da cozinha

Trinca vista de fora Caso 2: Valdir, Luciana e Caíque

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uma cinta de amarração e fechamento das fissuras; execução de uma laje no banheiro, para a colocação de caixa d’água. Quando do momento da visita, o casal ainda tinha dúvidas sobre executarem ou não uma parede de dry-wall em seu quarto, uma vez que o bebê, quando nascer, dormirá no mesmo dormitório. Este processo atual de reformas está sendo executado por Francisco (cônjuge de Maria) e Valdir, sem haver portanto contratação de mão-de-obra remunerada - diferentemente da construção inicial da casa. Quando cheguei à casa, já estavam executadas as novas fiadas e a cinta de amarração, a laje do banheiro e o novo telhado. Nas vezes seguintes em que conversei com o casal, os revestimentos estavam sendo executados. A conversa tomou rumos bastante interessantes na primeira visita: quando questionados se achariam útil a presença de um arquiteto assessorando as obras, o casal divergiu. Luciana disse que na época não achava, mas hoje, tendo em vista as condições da casa, acha que teria sido bom. Valdir, por sua vez, acredita que a presença do arquiteto em Paraisópolis é muito complicada, uma vez que as preexistências e as situações das casas acabam por “podar” a atuação deste profissional. Seu sonho, segundo ele, é ter um terreno fora de Paraisópolis onde, aí sim, poderia contar com a ajuda de um arquiteto, um profissional que entendesse sobre implantação, sobre orientação dos cômodos e das aberturas, para dar as ideias de projeto. Valdir, em suas palavras, afirma que mesmo neste caso gostaria de participar da concepção - ao mesmo tempo que respeitando o saber do arquiteto - e da execução da obra, uma vez que gosta muito de “colocar a mão na massa e aprender fazendo”. Esta dimensão de suas impressões do processo autoconstrutivo ficou bastante clara pelo entusiasmo que demonstrava enquanto me contava sobre a obra, contando por exemplo sobre o fato de ter procurado por leituras e passos-a-passo disponíveis no site da Eletropaulo para executar a parte elétrica, por exemplo.

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Fachada da casa durante a aplicação de reboco por Francisco

Trinca percebida na entrada do banheiro, antes das reformas

O banheiro, além de receber novas fiadas e amarração, foi coberto com laje pré-moldada de concreto Caso 2: Valdir, Luciana e Caíque

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Autoconstrução, venda e aluguel: as casas de Jorge

Após o estudo do conjunto de casas do Antonico, familiar e construído pelos moradores (com ou sem mão-de-obra contratada) para os próprios moradores (não-comercialização das moradias), passamos para o caso de um conjunto de casas localizado na Viela do Sossego, uma viela que parte da Rua Rudolf Lotze, próxima ao centro comercial de Paraisópolis. As sucessivas construções foram realizadas por Jorge, morador da primeira casa lá construída, e, ao longo do tempo, diferentes formas e regimes de construção foram empregados, de modo que este caso se torna importante por trazer nuances que demonstram uma zona cinzenta entre a noção de “autoconstrução” e a de “autoempreendimento” de moradias. Jorge e sua família Jorge tem 45 anos e nasceu em Minas Gerais, tendo vindo para São Paulo, onde conheceu sua esposa Edna (nascida no Ceará), e teve dois filhos, morando todo este período na Viela do Sossego, em Paraisópolis. Quando veio para São Paulo, Jorge tinha 14 anos e, quando do falecimento de seu cunhado, veio morar com sua irmã, que já residia em um barraco de madeira em Paraisópolis. Parou de estudar e começou a trabalhar, passando por em diversos empregos - dentre eles o de trabalhador da construção civil - até voltar a estudar anos depois, tendo se graduado em Geografia. Hoje, Jorge possui dois empregos: como diretor de uma escola e professor de Geografia em outra. Edna atualmente não trabalha e está fazendo faculdade de Pedagogia; seus dois filhos também são estudantes. A renda da família é de 9000 reais mensais, somando-se os dois salários de Jorge mais os dois alugueis recebidos.

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


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A edificação Número de moradias

5

Número de pavimentos

Térreo + 3

Estrutura e vedação

Pilares, vigas e lajes de concreto e blocos cerâmicos de vedação, geralmente de 6 furos mas também de 9 furos. As fundações utilizadas para sustentar os pavimentos superiores foram sapatas de concreto de 40x40cm e de 60x60cm

Coberturas

Telhas de fibrocimento, lajes de concreto

Esquadrias

Portas de alumínio e madeira, caixilhos de alumínio e aço (os mais antigos)

Acabamentos internos

Pisos cerâmicos, paredes rebocadas e pintadas

Acabamentos externos

Reboco quase na totalidade do edifício, pintura parcial

Patologias/umidade

Problemas com mofo e umidade na casa de Jorge, localizada no térreo

Água

Rede pública (embora hajam apenas dois relógios para todas as unidades)

Luz

Rede pública

Esgoto

Rede pública

Coleta de lixo

Rede pública

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


129


Ao se entrar em uma estreita ramificação que parte da Viela do Sossego com pouco mais de 1 metro de largura, chega-se ao conjunto das casas construídas por Jorge: são quatro pavimentos e cinco residências. A casa de Jorge encontra-se no pavimento térreo; no primeiro pavimento localizam-se duas casas alugadas: uma delas coberta com telhas de fibrocimento, e a outra coberta com laje. Sobre esta casa coberta com laje, sobrepõem-se os segundo e terceiro pavimentos, com uma unidade em construção para locação e outra casa vendida. Utilizando-se do sistema construtivo baseado em paredes de tijolos baianos e pórticos viga e pilar em concreto, lajes de concreto e escadas concretadas in loco com vigotas de lajes pré-moldadas entremeadas com placas de EPS, o edifício, que é mais vertical do que horizontal, apresenta uma organização espacial com determinados padrões espaciais que a diferem do conjunto de casas apresentadas anteriormente, com alguns “espaços-tipo” que se repetem a cada andar, guardando uma lógica de edifício residencial vertical: as escadas praticamente se sobrepõem umas às outras em uma projeção que delimita a circulação vertical dos moradores. Na chegada das escadas em cada andar, há uma circulação comum para onde se abrem os acessos e grande parte das janelas das casas: o recuo entre estas fachadas com aberturas e as edificações do entorno foi intencionalmente preservado, de forma que nenhuma janela fosse tapada pela construção vizinha. As casas, no entanto, variam bastante em sua planta interna. O terceiro pavimento, situado a 9m do térreo, foi construído com a intenção de ser o último andar, fato que se comprova pela utilização de telhas de fibrocimento em sua cobertura. Além da casa construída neste andar, há uma área de laje coberta com praticamente as mesmas dimensões da unidade, atualmente utilizada no cotidiano como uma espécie de depósito e área de serviço pelo morador do andar, onde encontram-se, além de objetos pessoais, um tanque e um varal instalado.

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Acesso para a casa de Jorge. Ao fundo, a Viela do Sossego

Entrada do conjunto de casas

Circulação vertical do conjunto - térreo

Escada em vigotas e EPS

Primeiro pavimento: à esquerda, uma das casas alugadas

Circulação vertical - segundo pavimento

Terceiro pavimento: laje vendida

Propriedade do morador do último andar, a laje é utilizada como depósito e área de serviço

Casa de Jorge e Edna

Autoconstrução, venda e aluguel: as casas de Jorge

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Os processos de construção e comercialização das casas Quando Jorge foi morar com sua irmã em Paraisópolis, no ano de 1986, a moradia ainda consistia em um barraco de madeira ocupado por seus parentes. Foi só após 8 anos - em meio aos quais obteve experiência ao trabalhar executando obras de construção civil - que Jorge realizou a construção de sua casa em alvenaria e concreto. Este primeiro processo de autoconstrução apresentou características e condições bastante “clássicas” encontradas na bibliografia sobre o tema: autoconstrução com trabalho próprio, não remunerado, com mutirão nas etapas de concretagem das estruturas, destinado ao uso próprio enquanto moradia. Jorge comentou que à época, a dinâmica de compra, venda e aluguelde residências em Paraisópolis existia, mas com menor intensidade do que veio a ocorrer após os anos 2000, momento em que também decidiu realizar construções destinadas à locação como forma de garantir rendimento. Investiu na compra de pilares prontos com nove metros de comprimento36 e começou a construção das duas unidades localizadas no primeiro pavimento, imediatamente em cima de sua casa. Em 2008 e 2010 finalizou as obras destas duas residências, que contam com um dormitório, uma cozinha, uma sala e um banheiro, alugando-as por 600 reais. Em 2013 iniciou a construção da unidade localizada no segundo pavimento, cujas obras pude visitar. Esta casa tem um banheiro, sala, cozinha e dois dormitórios: um menor do que o outro, pensado para o caso de uma família com criança. A decisão de construir a última casa, localizada no terceiro pavimento, foi feita só depois, de forma que foi necessária a emenda com a armadura dos pilares instalados para as outras casas - esta unidade, constituída por cozinha, banheiro e dormitório, foi finalizada e vendida em 2016 por R$60.000, incluída na venda a laje externa à casa. Houve um certo planejamento nas obras realizadas para comercialização. Jorge desenhou plantas para decidir como iria lidar com a disposição dos cômodos, utilizando os desenhos também como ferramenta de quantificação do material necessário para a

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis

[36] Os pilares foram comprados fora de Paraisópolis, no entanto, uma vez que Adimar procurava pilares com seis vergalhões. As lojas locais, em geral, só vendem pilares com quatro vergalhões.


Casa D (2016) Vendida: R$ 60.000

Casa C (iniciada em 2013) em construção para locação

Casa A (2010) alugada: R$ 600,00/mês

Casa B (2008) Alugada: R$ 600,00/mês

Casa de Adimar (1994)

CORTE ESQUEMÁTICO

0

2

4

8m


construção. Além disso, alguns amigos ajudaram dando uma espécie de assessoramento técnico em algumas partes da construção: durante a etapa de execução das estruturas, Jorge contou com o auxílio de um amigo engenheiro, que também leciona em sua escola, sobre o tipo e a dimensão das peças a serem utilizadas. A orientação foi levada em conta e respeitada na obra. O material utilizado para a construção das casas foi comprado em diversas lojas: Jorge já comprou nos três grandes estabelecimentos de Paraisópolis (“Loja A”, “Loja B” e a outra “LLG” encontrada), mas prefere comprar fora, nos grandes varejos, onde consegue encontrar frequentemente algumas promoções que barateiam o seu investimento com material. Jorge possui carro, o que facilita o seu deslocamento e acesso à estas lojas. Todas as compras foram feitas parceladas no cartão, e o material foi estocado na área externa de sua residência, localizada aos fundos do pavimento térreo. Não houve perda de material devido à má estocagem, embora Jorge acredite que tenha gastado muito concreto na execução das sapatas, que acabaram construídas com um recobrimento de armadura muito maior do que deveria haver. Quando questionado sobre quais foram as maiores dificuldade encontradas nos processos de construção, Jorge fez algumas considerações. Primeiramente, identificou as etapas de concretagem da estrutura como as mais complexas. O fato de ter começado a trabalhar em dois empregos também foi um dificultador que diminuiu bastante o ritmo de suas obras, uma vez que estas passaram a ocorrer apenas nos seus breves momentos de folga (como os finais de semana). Um outro comentário foi feito à respeito de seu caso, mas é passível de generalização para grande parte dos casos de autoconstrução em favelas com altas taxas de verticalização: cada pavimento construído adiciona um grau de dificuldade maior, uma vez que o transporte de todos os materiais de construção deve se dar manualmente pela escada, demandando grande esforço e inclusive complicações para execução de certas tarefas, como etapas de concretagem e aplicação de revestimentos externos. Ressalta-se também que questões relacionadas ao riscos de queda no canteiro também aumentam de acordo com o número de pavimentos

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Escada em leque - segundo e terceiro pavimentos

Coluna pré-montada de seis vergalhões utilizada na construção

Cozinha da unidade em construção, que será posta à locação

Detalhe da escada

A fundação (sapata de concreto) de um dos pilares executados é perceptível no interior da casa de Jorge e Edna

Um dos quartos da unidade em construção Autoconstrução, venda e aluguel: as casas de Jorge

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construídos. As obras construídas após os anos 2000 diferem em aspectos bastante significativos com relação àquela ocorrida em 1994, uma vez que houve, nas obras recentes, o emprego de mão-de-obra contratada (pedreiro) somado ao trabalho próprio não-remunerado: Jorge trabalhou fazendo de tudo, embora o pedreiro contratado tenha realizado a maior parte das paredes e da estrutura. Para além disso, nas obras feitas nos anos 2000 visava-se, desde o princípio, a produção de moradias para comercialização, de forma que pudessem servir como complemento de renda para Jorge, seja através da locação, seja através da venda. Também houve mudança na tecnologia utilizada: nestas obras os pilares, vigas e lajes foram concretados com concreto usinado, bombeado por caminhão. Ao comentar sobre o uso do concreto usinado, Jorge fez uma observação interessante: a empresa responsável pela concretagem também possui, em seu corpo técnico, um fiscal responsável pela avaliação das condições da estrutura que será concretada. Caso perceba que há muitas inadequações, a concretagem não é feita. Quanto aos termos de aluguel e venda: os locatários não possuem o direito de expandir a construção ou alterar a planta interna, podendo apenas realizar pequenas reformas de manutenção, como de tubulações ou instalações elétricas. No caso da “Casa D”, localizada no terceiro e último pavimento, o acordo firmado é diferente: podem haver quaisquer tipos de construção por parte do morador em sua laje, desde que ele respeite a condição de não executar outra laje para construção de outro pavimento, uma vez que isso mudaria muito as condições da estrutura. Algumas perguntas foram feitas sobre o custo das obras realizadas por Jorge: de cabeça, pôde me dizer que a “Casa D”, vendida por 60 mil reais, custou cerca de 15 mil reais para ser construída. Já a “Casa C”, que ainda está em construção, já somou 40 mil reais, se contabilizada a sua laje de cobertura (que é a laje de piso da “Casa D”), e o aluguel que será cobrado será de R$ 800,00/mês - um pouco mais alto do que o das outras casas, pelo fato de esta unidade possuir dois dormitórios.

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis

Área total = 34m² Sala - 1 Cozinha - 2 Quarto - 3 Banheiro - 4 Quarto - 5


5 3

4

1

2

0

1

2

4m

SEGUNDO PAVIMENTO - CASA C


Outros casos

Foram conduzidas conversas com outros autoconstrutores de Paraisópolis sobre suas experiências de construção, que, apesar de não terem sido abordadas no mesmo nível de detalhes das já relatadas nesta seção devido à dificuldades eventuais encontradas no trabalho de campo, contribuíram também para uma melhor compreensão das formas de manifestação desta modalidade de autoprovisão habitacional encontrada em Paraisópolis. João e Ruth Um destes casos é o de seu João, senhor de 75 anos que atualmente mora com sua esposa Ruth, de 70 anos, em uma casa localizada na rua Melchior Giola, em cima do comério gerido por João. Ele possui ensino fundamental incompleto e trabalhava como faxineiro antes de abrir seu comércio, há cerca de 28 anos. Atualmente o casal possui um cotidiano bastante interno à Paraisópolis: seu João trabalha na loja embaixo de sua casa e utiliza serviços da região, saindo de Paraisópolis para fazer as compras, no entanto, em supermercados. Nascidos em Pernambuco, ele e sua esposa vieram para Paraisópolis em 1975, uma época na qual a região, segundo João, “era só barraco de madeira”. Tendo sido o primeiro dentre muito integrantes da família a se mudar para Paraisópolis (onde até hoje a maioria reside), João também passou a morar em um barraco de madeira, onde habitou pelos primeiros anos em São Paulo. Apenas após algum tempo João, Ruth e seus 8 filhos trocaram seu barraco pelo terreno 138

Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


Início da rua Melchior Giola: aos fundos, já é possível notar a casa de João e Márcia. Foto retirada do Google Street View

Casa de João e Márcia: No primeiro pavimento se encontra o comércio atualmente dirigido por João. Foto retirada do Google Street View Outros casos

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onde iriam construir a edificação que comporta seu atual comércio e sua moradia, construída com fundações, pilares, vigas e laje de concreto e com bloco cerâmico de vedação. Esta moradia, finalizada há 25 anos, tornou-se a casa da família até os dias de hoje. A família, no entanto, diminuiu: os oito filhos cresceram e hoje moram apenas João e Ruth na casa que originalmente foi construída para comportar os dez moradores. Neste sentido, a casa possui uma densidade de moradores/cômodo bastante baixa, apresentando 3 dormitórios, sala conjugada com cozinha e um banheiro. O casal está bastante satisfeito com a moradia e não se queixa de nada: todos os cômodos têm aberturas, não consideram a casa escura e as condições térmicas são do agrado dos moradores, fato que se relaciona à materialidade da cobertura, executada em laje de concreto coberta por telhas. Ainda segundo João, nunca ocorreram problemas estruturais ou de infiltração na casa. As suas esquadrias são de alumínio, o piso é cerâmico e todas as paredes internas são rebocadas e pintadas. Quanto aos revestimentos externos: há reboco em todas as paredes, mas só a da fachada é pintada. A construção contou com mão-de-obra contratada: um pedreiro e um ajudante. Seu João decidiu como queria a casa e pagou os trabalhadores pela empreita, participando da execução muito pontualmente apenas na resolução de tarefas mais simples. Apesar de a decisão da disposição dos cômodos da casa ter sido de João, as escolhas dos materiais a serem utilizados eram orientadas pelo pedreiro. A obra durou 2 anos para ficar pronta. Os materiais de construção foram comprados na “loja do japonês” - antiga loja local bastante conhecida pelos moradores mais velhos, que se localizava na rua Ernest Renan, onde hoje está estabelecida uma das “LLG” mapeadas na segunda seção deste trabalho. Os materiais eram comprados “de picado”. De forma geral, seu João acredita que o processo de construção foi muito tranquilo e o resultado foi agradável, de forma que não

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


considera que a atuação de um arquiteto assessorando pudesse ter sido útil. Os moradores não se sentiram confortáveis com o registro fotográfico nem com o levantamento da casa, de forma que a apreensão deste caso se deu apenas por meio da conversa estabelecida. Márcio: casas para aluguel Outro caso com o qual tive contato foi o de Márcio, um trabalhador de um ferro-velho local. Foi o primeiro caso em que pude observar aspectos de processos autoconstrutivos empregados na execução de moradias destinadas desde o princípio à locação. O morador local foi contatado ainda na fase de visitas exploratórias à Paraisópolis. Márcio, apesar de hoje possuir sua ocupação no ferro-velho, já trabalhou na área da construção civil ativamente, realizando algumas construções junto de um pedreiro local contratado por ele, que por sua vez é bastante procurado na região de Paraisópolis para as construções das moradias locais. Infelizmente não foi possível visitar nenhuma das casas e nem conduzir entrevista mais aprofundada com o construtor local, uma vez que este se encontrava muito inacessível devido à pesada rotina de seu trabalho, tendo havido diversas tentativas de conversas que acabaram por não acontecer. Foi possível, no entanto, perceber que o seu caso difere em alguns aspectos do caso de Jorge, dado que as suas construções não eram apenas expansões verticais de sua moradia, mas sim construções separadas, próximas à sua casa. Algumas das construções abrigavam parentes também. Márcio, também comentou comprar os materiais que utiliza em grandes varejistas localizados fora de Paraisópolis, pois desta forma conseguia melhores preços e maior rentabilidade nas suas obras. Isso denota, possivelmente, uma maior aproximação da noção do empreedimento, muito embora ainda se percebam imiscuídos alguns aspectos que remetem ao processo de autoconstrução: a ausência de engenheiros e arquitetos, a sua participação ativa nas obras e a pouca distinção entre as fases de projeto e a de execução. Essa discussão será, no entanto, abordada mais detalhadamente no capítulo final.

Outros casos

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Conclusão: juntando as escalas

Muito embora o contato com alguns casos de autoconstrução em Paraisópolis tenha sido numericamente reduzido, algumas observações puderam ser feitas com relação aos aspectos de cada um dos casos no que diz respeito às relações sociais estabelecidas, ao espaço construído e às característica dos construtores. Deste modo, os estudos dos casos se integram com e são complementares aos estudos realizados em escalas mais amplas, no que diz respeito à compreensão das dinâmicas da autoconstrução da habitação a nível local e urbano. Mão-de-obra O trabalho empregado na construção da moradia pode ser nãoremunerado ou remunerado. No primeiro caso, é realizado pelo próprio morador ou então por terceiros que, geralmente, são acionados por laços de parentesco ou amizade. No caso do trabalho remunerado, há uma gama diversa de profissionais que podem vir a participar da obra: pedreiros, eletricistas, serralheiros; ainda, a remuneração em si pode variar dependendo dos laços estabelecidos entre profissional e contratante, podendo se dar de forma “mais informal” ou “mais profissional”. Dificilmente se encontrou nas visitas uma produção integralmente não-remunerada, talvez mais dificilmente hoje do que se encontraria há algumas décadas, quando os relatos e trabalhos produzidos acerca da autoconstrução eram mais permeados pela noção do mutirão e da ajuda mútua.

Conclusão: juntando as escalas

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Pôde se perceber a presença de pessoas com experiência profissional na construção civil em todos os casos, se bem que de maneiras distintas. No primeiro caso, este profissional era o próprio morador Francisco, que inclusive atuava como profissional contratado por outros autoconstrutores de Paraisópolis no momento das visitas. Não houve remuneração neste caso, tendo sido todo o trabalho realizado pelos próprios familiares com mutirão na etapa de concretagem das estruturas, em ambas as fases de construção e expansão da casa. No segundo caso, houve trabalho misto (remunerado somado ao não-remunerado) na fase de construção da casa, tendo havido a contratação remunerada de um pedreiro conhecido da família cujo trabalho foi somado ao realizado pelo morador Valdir. Em um segundo momento, o trabalho não-remunerado de Francisco, acionado pela relação de parentesco direta, somou-se ao trabalho não-remunerado do morador Valdir. O caso de Jorge, que, para além de autoconstruir sua casa, executou mais um número de unidades destinadas à locação e à venda, também apresenta dois momentos distintos: em um primeiro momento, no qual reformou seu barraco utilizando-se de alvenaria e concreto, utilizou apenas o seu trabalho não-remunerado, tendo ele mesmo tido alguma experiência com a construção civil ao longo de sua juventude. Já no segundo momento, quando da realização das obras das moradias a serem comercializadas, o caráter da mão-deobra foi misto: contratação remunerada de pedreiro associada com o emprego de trabalho próprio não-remunerado. Já o caso de João, relatado de forma mais breve, contou basicamente com o trabalho contratado remunerado, havendo uma participação quase nula do morador na fase de execução das obras – o que não quer dizer que não tenha havido uma participação sua em atividades de agenciamento e planejamento dos espaços e apoio ao canteiro, como por exemplo na realização das compras de materiais. Ouviu-se falar muito, durante as conversas com os lojistas e também com alguns dos moradores, sobre o papel dos pedreiros contratados no que diz respeito à escolha dos materiais constituintes da moradia

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


e das técnicas empregadas. Neste sentido, ressalta-se o fato de estes terem assumido, nos casos em que houve a sua participação, um grande papel de orientação técnica da autoconstrução. Esta forma de respeito ao conhecimento técnico dos profissionais da construção civil pelos moradores pôde ser vista no caso de Valdir, leigo na construção civil no que diz respeito à atuação profissional, que se dispôs a trabalhar como ajudante dos profissionais, ao seu ver, mais capacitados - seguindo suas orientações na execução das tarefas da obra. É possível apontar esta confiança na experiência profissional também no caso de Jorge, que, apesar de já ter trabalhado na construção civil quando jovem, preferiu confiar as etapas de execução das estruturas e alvenarias ao pedreiro contratado, uma vez que considerou-as mais complexas. Em ambos os casos também houve a contratação de um eletricista para a checagem e execução (parcial ou total) das instalações. Materiais

[37] Mautner (1991) aponta que nos anos 1970 a paisagem da periferia se tornava cinza, ao mesmo tempo em que as fabriquetas de blocos de concreto surgiam em grande quantidade. Devido às condições espaciais dos assentamentos (distantes, com ruas não pavimentadas e pouco espaço para armazenamento), a distribuição de blocos de concreto produzidos em grandes fábricas foi bastante dificultada, de modo que os blocos utilizados nestes assentamentos eram fabricados lá mesmo, geralmente incorporados nos fundos das lojas de material de construção locais

Foi possível perceber uma presença industrial bastante significativa nos processos de autoconstrução estudados, tanto a nível da unidade quanto ao nível da rede de comércios e serviços locais. Os materiais mais comumente comercializados e utilizados nas obras remontam à processos de fabricação que dificilmente poderiam prescindir de um nível considerável de industrialização: nenhum material é de fato fabricado nas lojas (ocorrendo apenas a montagem da armadura das colunas, também com elementos produzidos industrialmente fora de Paraisópolis), de forma que estas cumprem apenas o papel de compra e revenda de materiais. Isto aponta um cenário diferente do de algumas décadas atrás, quando havia a ocorrência de lojas de material de construção fabricando blocos de concreto em seus terrenos37. Nas visitas realizadas em Paraisópolis, predominaram nas lojas e em todas as moradias estudadas os tijolos baianos, que são produzidos através de um processo de extrusão que necessita de maquinário específico, o que dificulta, portanto, sua produção em fabriquetas de quintal. Ou seja, estes blocos cerâmicos são comprados de fornecedores externos pelas lojas, que, posteriormente, os revendem para os autoconstrutores locais.

Conclusão: juntando as escalas

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Outros fatores podem ser apontados: lajes pré-moldadas de concreto, cujo momento de disseminação já foi apontado por Sampaio e Lemos há algumas décadas38, ganham cada vez mais espaço, agora também sendo encontradas com enchimento em EPS, sendo bastante utilizadas pelos autoconstrutores locais por serem mais leves. Portas e janelas de alumínio em modelos facilmente encontrados em diversos estabelecimentos, marcas de cimento voltadas explicitamente à obras de autoconstrução, elementos estruturais pré-montados que retiram do canteiro de obras algumas etapas da construção. Estes são alguns dos exemplos que, quando considerados paralelamente ao fato de as técnicas construtivas utilizadas serem bastante similares (pórticos viga e pilar em concreto com alvenarias cerâmicas), apontam para o grande nível de estruturação e consolidação da autoconstrução nos dias de hoje. A compra dos materiais por todos os autoconstrutores entrevistados foi fragmentária, devido à condicionantes financeiras, de espaço de armazenamento, bem como de pouco planejamento de obra. Muitos dos casos estudados fizeram uso das lojas de construção locais, devido à conveniência e aos mecanismos de flexibilidade detalhados na segunda seção deste trabalho. Não coincidentemente, nos dois casos onde houve principalmente compra em lojas externas (o de Jorge e o de Márcio), também havia a intenção de produção para aluguel e venda. Isso se deve ao fato de ambos possuírem carro e almejarem maior rentabilidade nas suas construções, de forma que conseguem encontrar nestas lojas promoções e preços melhores e não pagar pelo frete. Finalidade da construção e relação com a casa Os casos estudados podem ser divididos em dois grandes grupos, de acordo com o aspecto da finalidade da construção: aqueles que autoconstruíram propriamente, visando a moradia própria, e aqueles que construíram visando a obtenção de renda via aluguel ou venda, trazendo à tona uma zona cinzenta entre a autoconstrução e uma espécie de “autoempreendimento”. É importante ressaltar que a casa própria (entendida aqui

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis

[38] SAMPAIO & LEMOS, 1993, p. 76


enquanto aquela casa pela qual não se paga aluguel para morar), principalmente em uma favela valorizada como Paraisópolis, sempre representa um valor de troca em potencial, mesmo quando construída essencialmente pela finalidade de moradia própria pelo autoconstrutor. Não obstante, estas casas, construídas tendo como intenção o seu valor de uso, se diferenciam daquelas construídas desde o princípio motivadas pela obtenção de renda. A produção das casas estudadas às margens do Córrego do Antonico apresenta um caráter bastante familiar e caseiro, até mesmo pelo acordo estabelecido entre os moradores de não vender as moradias. Já o caso de Jorge, dentre os estudados, é interessante pelo fato de o morador apresentar uma dupla condição: a de autoconstrutor, que geriu e executou as obras de sua própria casa, e a de construtor locador, quando a partir de determinado momento passou a expandir a edificação de sua casa para alugar e vender. O tipo de empreendimento que Jorge realizou, no entanto, possui aspectos que fazem com que seu empreendimento seja “mais caseiro”, uma vez que participou ele mesmo do planejamento e também da execução das obras. Diferencia-se, portanto, de um empreendedor imobiliário propriamente, que estaria a cargo de funções estritamente administrativas de gerenciamento distanciado da mão-de-obra contratada. Esta dupla ocorrência da autoconstrução propriamente dita e de um empreendimento caseiro em um mesmo estudo de caso é interessante por indicar a existência de vínculos entre os dois tipos de produção, que no caso foram realizadas pela mesma pessoa. Há um outro tipo de agente envolvido no estudo de caso das casas de Jorge, embora de forma indireta, que são os moradores locatários. Estes não constroem, e isto se dá por algumas razões: primeiramente, não lhes é interessante, pois construir significaria um dispêndio monetário que, apesar de poder se reverter em melhoria das condições de habitabilidade, não se concretizaria enquanto patrimônio; em suma, a moradia alugada não representa, para os locatários, um valor de troca em potencial, uma vez que não se constitui enquanto um bem que, quando necessário, poderia

Conclusão: juntando as escalas

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ser colocado à venda no mercado imobiliário informal. O segundo motivo é a continuação lógica da primeira colocação: se a casa alugada não se constitui enquanto patrimônio para o locatário, é, entretanto, patrimônio para seu proprietário – o locador. Neste sentido, aponta-se aqui para o acordo firmado entre Jorge (o locador) e os moradores locatários, que proíbe as atividades de construção por parte dos últimos, uma vez que é interessante para Jorge a preservação da moradia, que deve estar sempre pronta para ser alugada para o próximo inquilino. Características socioeconômicas dos entrevistados Todos os entrevistados com atividade remunerada possuíam, sem exceção, ocupações no setor Terciário: autônomo freelancer, comerciantes, trabalhador autônomo da construção civil, professor, assistente social e agente de saúde foram algumas profissões encontradas nos casos estudados. Quanto à renda dos entrevistados, pôde se perceber uma diferenciação entre a dos moradores envolvidos na autoconstrução propriamente e a dos moradores com atividades de locação e venda de casas. Enquanto as famílias das casas entrevistadas às margens do Antonico possuíam uma renda mensal dentro da classe D de acordo com as faixas estipuladas pelo IBGE (2 a 4 SM), Jorge e sua família apresentaram um rendimento girando em torno de 9 e 10 salários mínimos, próximo ao limite superior da classe C (4 a 10 SM). Isto pode indicar um seguinte aspecto: para conseguir construir moradias para aluguel, é necessária uma quantidade de dinheiro suficiente para que sejam realizados os investimentos em material de construção e eventualmente em mão-de-obra remunerada, de forma que esta atividade apresenta maiores dificuldades para ser realizada por famílias de faixas de renda mais baixa. Precariedade habitacional Foi possível perceber uma certa heterogeneidade no que diz respeito às questões de acesso a serviços públicos, uma vez que Paraisópolis é uma favela constituída em regiões de diferentes

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


condições, algumas mais precárias, outras menos. Neste sentido, a localização das moradias está diretamente relacionada à provisão de determinados serviços para seus moradores. Isto é visível no caso de Jorge e de João que, moradores da microrregião central de Paraisópolis, são atendidos pelos serviços oficiais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, eletricidade e coleta de lixo. Já as casas entrevistadas na microrregião do Antonico possuíam situações menos favoráveis: não havia atendimento pelo serviço de esgotamento sanitário (sendo este despejado diretamente no córrego), haviam algumas conexões elétricas improvisadas e um aspecto bastante importante de incerteza quanto à permanência das casas no local: demarcadas para remoção no Projeto Urbano Córrego do Antonico, as casas visitadas continuam, no entanto, passando por processos intensos de reforma e expansão. Quanto à precariedade apresentadas nos espaços e na materialidade das habitações, pôde-se perceber que problemas de dimensionamento das escadas são bastante comuns, uma vez que os moradores procuram consumir menos espaço com estas, para além do eventual desconhecimento de proporções “piso X espelho” mais ideais ao conforto ergonômico; para além disso, a maioria não apresentava corrimão. A presença de pilares em espera na cobertura, como foi possível notar na casa de Maria, Francisco e Felipe, também deixa em aberto possíveis expansões futuras, que se relaciona, por sua vez, à ausência de peitoris e guarda-corpos nas lajes superiores. Estes fatores são bastante significativos, uma vez que aumentam o risco de acidentes por queda. Como apontado no Trabalho Final de Graduação de Daniel Sombra (2017), que realizou uma série de estudos em casas autoconstruídas no loteamento Santa Cecília e propostas de melhoria habitacional, 50% da população com mais de 65 anos cai anualmente e 70% destas quedas ocorrem na própria residência - 31,8% dos óbitos de todas as faixas etárias por causas externas no Estado de São Paulo são decorrentes de quedas. Outro tipo de problema bastante recorrente foi a presença de infiltração e mofo, percebidos transversalmente em casas de menor renda (como nas casas do Antonico) e de maior renda (como é o caso de Jorge). São também fatores de precariedade habitacional,

Conclusão: juntando as escalas

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uma vez que representam um risco de salubridade, aumentando as chances de ocorrência de doenças respiratórias nos moradores, o que é mais grave no caso de moradores idosos ou crianças. O caso de Valdir foi o que apresentou um estado físico mais preocupante, decorrente da baixa qualidade construtiva de sua casa: construída às pressas, sem pilares ou vigas de amarração e com paredes erguidas fora do alinhamento das vigas, a casa apresentava muitas trincas. As obras de reforma que ocorriam à época das entrevistas objetivavam, dentre outros, a resolução destes problemas, representando grande dispêndio monetário destinado à sanar questões decorrentes da qualidade de execução da casa. A presença de revestimentos internos na totalidade dos cômodos geralmente foi maior do que a de revestimentos externos na totalidade, o que decorre em uma maior suscetibilidade das edificações às intempéries. Considerações finais Este trabalho procurou salientar o fato de a provisão pública habitacional apenas esbarrar a demanda habitacional que se apresenta na cidade de São Paulo. Tampouco a produção habitacional privada dá conta de atender as faixas de renda mais baixas, fato percebido tanto pela quantidade de unidades lançadas quanto pela localização destas, que dificilmente atravessam os limites dos aneis mais centrais da cidade. A autoprovisão habitacional constitui-se, ainda nos anos 2000, enquanto única solução habitacional tangível por grande parte da população, dando-se em acentuada escala nos distritos mais periféricos. Este modelo de provisão habitacional movimenta uma série de atividades que se desenvolvem a nível local, como percebido no caso do assentamento de Paraisópolis: uma série de comércios e serviços dão conta de alimentar e prestar suporte aos autoconstrutores na construção de suas moradias. Para além desta rede local, agentes metropolitanos e até mesmo nacionais participam e se beneficiam deste rede, dentre os quais se destaca os grandes varejistas de

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis


[39] Disponível em: <http:// construcaomercado.pini.com.br/ negocios-incorporacao-construcao/55/artigo283270-1.aspx>

material de construção e empresas responsáveis pela produção e distribuição de materiais de construção. O artigo citado na introdução deste trabalho39 fornece uma pista bastante interessante sobre o posicionamento dos diversos agentes perante o tema: os fabricantes e comerciantes de material de construção enxergam na autoconstrução um grande nicho de mercado, de modo que linhas de produtos voltados para este modelo de provisão são criadas crescentemente. Não é o caso do SindusCon-SP, que, representando o posicionamento das construtoras de São Paulo, enxerga na autoconstrução um rival, um modelo de provisão que, ao prescindir do trabalho das construtoras privadas, deve ser erradicado. São aspectos bastante interessantes que evidenciam que a autoconstrução, antes de mais nada, possui um papel bastante complexo dentro de nosso contexto politicoeconomico atual.

[40] SOMBRA, 2017

O trabalho de Daniel Sombra acerca da autoconstrução no loteamento Santa Cacília40 demonstra que este modelo ocorre também em outros tipos de assentamentos precários, onde a noção do lote se faz presente (diferentemente do que ocorre em Paraisópolis). É bastante interessante notar uma similaridade entre o presente estudo de caso e o realizado no loteamento Santa Cecília: a presença de construções realizadas em marcos muito similares ao da autoconstrução propriamente dita, objetivando a obtenção de complemento de renda através da locação. Os autoconstrutores entrevistados de um modo geral sequer cogitaram a possibilidade de participação de profissionais da arquitetura para o auxílio na execução das obras, de modo que esta forma de provisão habitacional, atualmente, prescinde completamente desta disciplina, que permanece bastante restrita às camadas de renda mais alta. Muitas precariedades surgem em decorrência de obras tocadas sem planejamento orçamentário ou projeto dos espaços, bem como devido à problemas de execução. Não se deve de forma alguma, no entanto, desconsiderar o saber popular constituído pelos autoconstrutores, que conseguem, em meio à escassez financeira e difícílimas condições espaciais, solucionar sua necessidade por moradia de formas concretas e por vezes bastante criativas. Também, por vezes, é possível notar que existem situações

Conclusão: juntando as escalas

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em que os autoconstrutores demonstram uma certa satisfação para com a tarefa que lhes cabe de construção da casa, como foi possível notar no caso do morador Valdir. Márcio, que construía casas para locação, também respondeu afirmativamente e com certo orgulho quando perguntado se era ele quem decidia a disposição espacial dos cômodos das casas e as soluções empregadas. A tensão colocada entre o saber popular e as precariedades eventualmente geradas por este se fez presente para mim durante o ano inteiro de pesquisa. É importante que haja uma aproximação virtuosa entre profissionais técnicos e autoconstrutores, aliando ambos os saberes de modo a viabilizar a produção de moradias através de processos mais participativos, com potencial pedagógico e com bons níveis de habitabilidade e materialidade. Algumas tentativas interessantes de aproximação dos arquitetos e engenheiros com o campo das moradias autoconstruídas vêm ocorrendo nos últimos anos, atuando na precariedade através de melhorias habitacionais, de forma complementar aos processos de urbanização de assentamentos precários. Há, no entanto, um caminho de disputas a ser trilhado. A Lei Federal 11.888/08, conhecida como “Lei da Assistência Técnica”, apesar de assegurar o serviço público e gratuito de assistência técnica na construção da moradia de famílias com renda de até 3 salários mínimos, depende da regulamentação e efetivação prática das municipalidades. Recentemente, foi anunciado pelo Governo Federal o programa “Cartão-Reforma”, semelhante ao Construcard mas subsidiado de modo a atender especificamente as faixas de renda familiar de até 3 SM. Este programa, no entanto, possui um perigoso potencial de amplificação das precariedades habitacionais decorrentes da autoconstrução caso a garantia à mão-de-obra qualificada e à assistência técnica sejam pouco regulamentadas, uma vez que esta se encontra sob a responsabilidade dos gestores públicos a nível local, de modo a tornar a efetivação do programa variável com o nível de debate encontrado em cada estado e município.

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Autoconstrução da habitação urbana: um estudo de caso em Paraisópolis




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