A Câmera e o Bisturi

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De forma a entender essencialmente o que foram as vanguardas artísticas, por que e como elas se deram e até que ponto elas puderam atuar conforme suas limitações, este estudo tem por finalidade tratar, a partir das análises de Simmel, Benjamin e Tafuri, de algumas questões cruciais sobre elas e outras temáticas que se desenrolam a partir delas - que, neste caso, são o cinema e a arquitetura. Esse caminho pressuposto tem como objetivo chegar à temática da cidade como síntese de todo esse pensamento crítico.


/ INTRODUÇÃO

O corte edição manipulação montagem Escolha de cena, tempo inventado, costurado, nada bruto, completamente lapidado Essencial para a metrópole efusiva A ressignificação do corte para a sociedade mais contemporânea possível. A demagogia do cinema e a ansiedade os indivíduos em seguir o tempo de montagem, através dos não olhos. A ânsia pelo parcialmente incompreensível. Das parcialidades tantas, quantos vazios deixados a se acumular.


/ INFORMAÇÕES

Imagem da capa László Moholy-Nagy, Fotograma, data não identificada Trabalho desenvolvido para a disciplina História da Arte II ministrada pelo professor Agnaldo Farias Aluna Georgia Riquelme Barriga Sharp São Paulo, 2019


/ O BISTURI E A CÂMERA Uma das grandes questões deste estudo é a escolha, por dentre tantas temáticas, do título O Bisturi e a Câmera. Esses dois elementos são trazidos à tona por Benjamin em sua análise sobre o cinema em A obra de arte na era da reprodutibilidade

técnica. O entendimento final sobre essa analogia feita é recente e se deu numa conversa corriqueira. A noção trazida pela associação dos elementos bisturi e câmera traz a tônica da manipulação de cenas, dos cortes, da dilatação e compressão do tempo corrido. A câmera é o instrumento que permite essa edição do tempo. Cria-se uma trama temporal num tempo que não existe, que foi criado, em que cada movimento do ator é manipulado e, por fim, todas as partes sintetizam uma linearidade concebida. O instrumento utilizado para este fim é como o bisturi, que corta, e não somente isso, mas o sentido do objeto embute todo o imaginário que sucede sua ação.

/ DA MÃO PARA O OLHO O olho apreende mais rápido do que a mão desenha, o que possibilitou que a velocidade da representação figurativa se equiparasse à velocidade da fala. Algum elemento, algum detalhe sempre se perde na reprodução. Neste caso, perde-se o tempo, o aqui e o agora.


A autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo o que nela é originalmente transmissível, desde sua duração material até seu testemunho histórico. -Walter Benjamin

A aura se atrofia na era da reprodutibilidade técnica. O que acontece é que a reprodutibilidade afasta o objeto de sua tradição e o encadena numa lógica massiva junto à sociedade; é o cinema o grande expoente positivo de tudo isso. O cinema traz o catártico, o destrutivo, a liquidação. O que é a aura no entanto? Benjamin a explicita como

uma trama peculiar de espaço e tempo: a aparição única de uma única distância, por mais próxima que esteja. Observar calmamente, em uma tarde de verão, uma paisagem montanhosa no horizonte, ou um ramo que joga sua sombra sobre o observador - é isso que significa respirar a aura dessas montanhas, desse ramo. É como se fosse a essência contemplativa das coisas que existem no mundo. Em outras, palavras, é uma singularidade, nesse sentido de autenticidade atrelada a um objeto, a alguma coisa. O contemplativo está muito associado a uma noção de ritual, de algo bruto, limitado, que remete a poucos e não a uma massa. A guinada da arte subverte essa essência contemplativa existente. Com a reprodutibilidade da sociedade industrial - vide sociedade de massas - perde-se o caráter ritualístico da arte, ela se liberta e sua função social se converte, tendo, a partir de então, um viés político, de práxis. Tratando-se da arte cinematográfica, a reprodutibilidade é intrínseca a ela. Não


se trata de um fator externo que vislumbra o objetivo da multiplicação massiva; à medida que o filme se faz, a reprodução é dada. É concomitante.

/ A APREENSÃO IMAGÉTICA DOS DETALHES A PARTIR DA FOTOGRAFIA Chegamos ao descortinar do inconsciente óptico cunhado por Benjamin. O que acontece é que a imagem posta pela câmera, não só em suas vicissitudes claras, mas em qualquer tipo de representação imagética que ela proporciona - tal qual os fotogramas - tem capacidades além do olho humano. Isso faz com que detalhes, antes não perceptíveis, venham à tona. Compreende-se o enigmático, o sinistro, aquilo que foge do cotidiano, o invisível. O filme é a obra de arte mais passível de melhoria. E essa sua capacidade de ser melhorado está intimamente ligada a sua recusa do valor da eternidade. -Walter Benjamin

Para se fazer um filme, executam-se cortes, determinam-se cenas, faz-se toda uma montagem, uma edição, que é revista a todo momento até que se chegue a uma


suposta perfeição final. Isso vai no caminho oposto em relação à escultura, que passa, cada vez mais, a ser desvalorizada devido ao seu caráter de eternidade, cuja essência era renegar a edição. Uma escultura só se faz uma única vez e de um único jeito. O que é reproduzido para se fazer o filme não é uma obra de arte. O ator está incumbido de realizar sua performance na frente de pessoas que irão interferir em suas ações, modificando-as, selecionando-as, induzindo-as. É como se fosse um teste. O filme torna o procedimento de teste passível da exposição, na medida em que torna a própria exponibilidade desse procedimento em um teste. -Walter Benjamin

A grande questão que surge de tudo isso é que o ator - submetido a essa condição performática limitante, ao realizar seu papel tal como lhe é colocado - afirma sua humanidade. Isso frente a uma aparelhagem. Seu teste é completamente televisionado e ele não perde essa essência, ao contrário do que acontece com as massas na sociedade industrial. O indivíduo das massas perde sua humanidade ao se sujeitar à instrumentalização, mas ele a retoma no cinema, quando assiste sua revanche através do ator. Disso, traz-se à tona o fato de o cinema funcionar como um meio especular, que reflete as massas. Seu caráter social está embutido, em essência, nisso. O ator é manipulado, de certa forma, na sua performance, para isso, para se transpor sob o público. A câmera é o meio que permite o especular. Essa manipulação se dá porque o ator no cinema é obrigado a realizar uma série de performances individuais para construir um todo performático. Decompõe-se o ator numa série de partes montáveis, tal como um maquinário. Isso não acontece no teatro. Na verdade, nada mais contrário à reprodutibilidade do que as artes cênicas.


/ ATOR, OBJETO DE CENA O ator atua com um objeto em cena e essa interação cria algo que se atém sobre o ator. Essa matéria em cena contracenante é uma excelente instrumentalização para a apresentação materialista. Perde-se a aura, o espaço tempo real, mas se ganha no campo de ação. O FI L M E E SUA N ATUREZA ILUSÓR IA CONCE BID A PE LO CORTE

Operador de câmera, pintor e cirurgião. O cirurgião penetra seu paciente, ele não só o toca, mas vai além, o corta e manipula seus órgãos. Operador de câmera: cirurgião Pintor: mago O operador, assim como o cirurgião, penetra; sua ação é cortante e retaliatória, gerando partes que se unem depois. A câmera é uma aparelhagem que remete às massas, que dialoga muito bem com elas. A arquitetura, assim como o cinema, é capaz de oferecer objetos para uma recepção coletiva, diferentemente da pintura, que sempre foi de acesso limitado, pautado por uma hierarquia social. Com a era da reprodutibilidade, a pintura como arte entra em crise, porque, segundo Benjamin, ela não é uma arte que gera objetos que possam ser recebidos por uma massa.


Dentre as funções sociais do filme, a mais importante é gerar o equilíbrio entre o ser humano e a aparelhagem. -Walter Benjamin

Essa aparelhagem é usada pelo indivíduo para que ele mostre a si mesmo o mundo. Parece uma espécie de intermédio para a recepção da realidade externa ao indivíduo e que ele precisa absorver. O maquinário possibilita esse diálogo justamente porque sua linguagem é a mesma da realidade da intensificação da vida nervosa. Nossos botequins e avenidas, nossos escritórios e quartos mobiliados, nossas estações de trem e fábricas pareciam fechar-se em torno de nós de maneira desesperadora. Então, veio o filme e mandou esse calabouço pelos ares com a dinamite do décimo de segundo, de modo que agora nos aventuramos em viagens por entre seus escombros amplamente espalhados. Sob o close-up dilata-se o espaço, sob a câmera lenta, o movimento. -Walter Benjamin

É claro, então, que a realidade da câmera cinematográfica, o aparato mecânico, é diferente da realidade do olho. Ela entra no inconsciente.

Descer e subir, interromper e isolar, dilatação e compressão.


/ IMERSÃO X DISTRAÇÃO Os dadaístas permitiram a criação de um viés tátil da obra de arte. Isso incita uma demanda pelo filme que, assim como a obra de arte dadaísta, é tátil, com sua contracenação de cenários e planos, estes que também penetram o observador. A diferença entre a tela de cinema e a tela de pintura. A segunda possibilita a contemplação, porque ela é fixa, não se modifica. Isso muda abruptamente quando se observa uma tela de cinema. O que acontece nela muda a todo momento, não se tem tempo para a contemplação, para uma observação fixa. É essa a tônica do efeito do choque - Simmel. O filme é a forma de arte correspondente ao perigo de vida acentuado do homem contemporâneo. -Walter Benjamin

Segundo Benjamin, o filme, a arte do universo cinematográfico, é a que condiz com a realidade do homem contemporâneo da sociedade de massas, o indivíduo blasé, que a todo momento é colocado à prova de inúmeros estímulos, informações, que o forçam a criar um filtro artificial capaz de permitir um entendimento de mundo utilizando-se aqui termos da sociologia simmeliana. O filme libertou de sua embalagem o efeito de choque físico que o dadaísmo ainda mantinha envolto no choque moral. -Walter Benjamin


A dispersão caracteriza as massas, que buscam pelo entretenimento. … a massa dispersa imerge por sua vez a obra de arte em si, resolve-a com sua ondulação, envolvendo-a em sua torrente. Isso ocorre de modo mais manifesto nas construções. A arquitetura ofereceu desde sempre o protótipo de uma obra de arte cuja recepção ocorre na dispersão e por meio do coletivo. As leis da sua recepção são as mais instrutivas. -Walter Benjamin

O filme supera a vanguarda. Tratar da cidade, dos problemas da cidade contemporânea, supera as vanguardas. De todo modo, as vanguardas são superadas por algum outro tipo de mecanismo artístico, arquitetônico, porque, analisando Benjamin e Tafuri, elas têm suas limitações muito claras para além da sua função primordial educativa quanto ao choque na sociedade de massas cuja essência é a reprodutibilidade mecânica, instrumentalizada. É como se elas fossem um intermédio, uma primeira apresentação do mundo, a introdução eloquente e isso fica mais claro ao se analisar Tafuri.


/ INDIVÍDUO MASSA A multidão das massas envolve o indivíduo, o flaneur, colocado como Baudelaire, o prostituído que sabe andar pelo ambiente labiríntico que é a cidade e ela dita o indivíduo, que usa a cidade sendo inconscientemente usado por ela. A imagem de Baudelaire ilustra muito bem o indivíduo moderno da sociedade de massas, o intelectual bombardeado pelas inúmeras informações que o atingem. Por isso, acaba sendo usado como uma personificação do tipo moderno e realmente ele o retrata muito bem. E muito proveito pode-se tirar da relação do poeta com a cidade, justamente porque o efeito que o espaço tem nele e vice-versa está exposto, ele fala sobre isso, ele retrata essa sociedade da qual ele também faz parte, na qual ele também está inserido como parte. Nesse sentido, observa-se que a massa é intrínseca ao indivíduo, não é algo estranho, externo, à parte. Isso é uma noção filosófica bastante complexa e também bastante explicativa de uma realidade social de transformações radicais e efervescentes. A massa atua como uma projeção do próprio indivíduo dentro de uma homogeneização, dentro de uma coletividade que surge. É um fenômeno social resultante de muitas variáveis históricas, mas, no sentido social, ela nunca foi algo à parte, algo gerado para estar num plano externo. Justamente o contrário, ela floresce na própria concepção individual da modernidade. E é nesse sentido que existe a importância primordial de entender a massa, o indivíduo e a associação de ambos como algo que não é uma e outra coisa. Com a homogeneização preponderante nesse processo, surge uma busca individual pela autenticidade, que contrasta justamente com uma realidade de mecanização.


Temos esse embate claro, tanto em Simmel, quanto em Tafuri, tratando da excentricidade do indivíduo das massas como resposta a essa padronização. Esse indivíduo que vai contra a padronização também tem que lidar com os estímulos excessivos, com o choque. Para isso, ele responde a isso como uma máquina, como um autômato. É homem da multidão de Poe. A multidão caracteriza essencialmente as metrópoles, mas como se dá essa relação socio-espacial, de que maneira a disposição do espaço interfere na percepção do indivíduo em relação ao mundo - o espaço físico é o mundo, a realidade - e como nisso estão embutidas as vanguardas artísticas? Em outras palavras também, como as vanguardas lidam com a realidade da metrópole? A partir do estudos de Tafuri, observa-se a limitação das vanguardas quando se trata da temática cidade. Elas não estão aptas a dar algum tipo de formalismo concreto para a conjuntura urbana. O que as vanguardas conseguem fazer muito bem é permitir ao indivíduo a interiorização do choque, porque a tela é uma moldura na qual se expõe o choque causado pelos objetos reais. Mas essa eficiência da linguagem dos símbolos puros encontra sua limitação quando se chega à questão da planificação na cidade. Deste modo, o que toma lugar como protagonista é a arquitetura. Ela supera as limitações formais das vanguardas, estabelecendo um ideal de planificação que dita o espaço através das construções arquitetônicas. E por que as vanguardas não conseguem resolver a problemática da metrópole? Em tese, como alguns artistas sugerem, isso levaria a arte ao seu fim. Qualquer direcionamento da arte para as questões urbanas é sinônimo de suicídio. Mas por que isso acontece? Levanta-se aqui a tônica exposta pelos dadaístas, porque são eles que concebem a arte como elemento tátil - o termo aqui como cunhado por Benjamin. Ser tátil significa dar um outro viés para o objeto artístico, neste sentido, o usual, o que se


aproxima muito da arquitetura. É claro que esse impulso avança, porém carregado de limitações que serão expostas através da comparação com o cinema e com a arquitetura. De toda forma, as vanguardas foram imprescindíveis como intermédio para a compreensão do mundo por parte dos indivíduos, mergulhados numa realidade social do mecanismo, do aparato, da indústria. Sua lógica de ação se estruturou em fenômenos como subtrair a experiência do choque a qualquer automatismo, criar com base na experiência códigos visuais e de acção mutuados pelas características já consolidadas pela metrópole capitalista - velocidade dos tempos de transformação, organização e simultaneidade de comunicações, tempos acelerados de uso, ecletismo - reduzir a objecto puro (metáfora evidente do objecto-mercadoria) a estrutura da experiência artística, envolver o público, unificado numa manifesta ideologia interclassista e por isso antiburguesa: são estas as tarefas que, no seu conjunto, as vanguardas do século XX assumem por conta própria. - Manfredo Tafuri


Tafuri expõe que o direcionamento das vanguardas é a contínua revolução técnica. Ou seja, para o processo artístico das vanguardas, é indispensável a revolução técnica constante. Segue-se na arte a lógica industrial da montagem, da reprodução. O quadro é um elemento de fundo, delimitativo, no qual é representada a experiência do choque dada por objetos reais. Basicamente, a tônica das vanguardas acompanha em compasso a lógica da estruturação social, porque sua linguagem é similar à estruturação social vigente, que se afirma num mecanismo de maquinário. Percebe-se que as temáticas abordadas por Simmel estão a todo momento permeando como questões cruciais para as vanguardas europeias. ...como absorver o choque provocado pela Grosstadt [metrópole] transformando-o em novo princípio de desenvolvimento dinâmico, como utilizar, no limite, a angústia que a indiferença ao valor provoca e alimenta continuamente na experiência metropolitana. - Manfredo Tafuri

A anulação total trazida pela intensificação da vida nervosa leva a uma linguagem de símbolos puros, que é justamente a que se adequa a uma sociedade sob a qual prepondera o universo quantitativo da economia monetária. Estabele-se, assim, um imaginário imediatista das informações. É a redução formal em seu sentido mais radical. Há a necessidade por um novo padrão linguístico e ele surge com essa decomposição, com essa lapidação ao extremo que chega a um purismo formal. Parece que tudo ocorre de modo concomitante, não necessariamente associado a uma questão de causa e efeito imediata, mas sim colocado como coisas que surgem ao mesmo tempo. À medida que surge a necessidade, dá-se a linguagem e vice-


versa. É um ritmo similar ao da revolução técnica, que se reinventa a cada instante que inicia uma reinvenção. Tratando da questão da cidade a partir das temáticas simmelianas e referências benjaminianas, Tafuri expõe que o público deve ser provocado: só assim pode ser inserido activamente no universo da precisão dominado pelas leis de produção. A passividade do flaneur cantado por Baudelaire deve ser vencida: a atitude blasé deve ser traduzida em comparticipação activa no cenário urbano. A cidade é o objecto de que nem as telas cubistas, nem as bofetadas futuristas, nem o niilismo falam, mas que - precisamente por estar continuamente em pressuposto - é o valor de referência para que tendem as vanguardas. - Manfredo Tafuri

/ A FORMA Em relação à cidade, estabelecida pelo caos e pela ordem, não pode ser dada pelas vanguardas européias. As vanguardas conseguem isolar essa necessidade por um mecanismo de ordem, mas não conseguem realizá-lo. É a arquitetura que assumirá esse papel, atendendo às necessidades postas pelas vanguardas, de dar forma ao que se trata do improvável que é a cidade.


O Plano, individualizado pelos movimentos arquitetônicos de ponta - o termo vanguarda deixa de ser adequado - a partir da formulação do Plan Voisin de Le Corbusier (1925) e da transformação do Bauhaus (1923), contém a seguinte contradição: partindo do setor da construção de edifícios, a cultura arquitectónica descobre que os objetivos previamente fixados só poderão ser satisfeitos ligando aquele sector à reorganização da cidade. - Manfredo Tafuri

A manipulação do espaço é determinada pela arquitetura através da formulação de um plano, da disposição de edifícios, e esse conjunto de formas, em sua totalidade, compõe o sentido de espaço como cidade. Traz-se aqui a questão da indissociabilidade entre arquitetura e cidade. Essa reestruturação colocada pela arquitetura nada mais é do que uma forma de organização da cidade cuja finalidade é a de impor a ordem produtiva - produção e consumo - no espaço. Voltamos aqui à forma que a cidade se põe como um elemento estruturador da nova padronização de vida do indivíduo da sociedade de massas, pautada pela produção e pelo consumo. Em outras palavras, a cidade é o lugar onde se dão essas relações sociais, portanto, nada mais condizente do que ela atuar como um guia para essa nova forma de organização. Essa é a dialética existente entre as relações sociais e o espaço construído, concreto, como um dita e interfere no outro. O que Tafuri expõe ao abordar essa temática é que a arquitetura, superando as limitações das vanguardas artísticas, é capaz de dar forma ao espaço urbano.


Isso ela o faz através da construção de um ideal de planificação, isto é, de um modelo de diretrizes que pauta a organização do espaço. Dessa maneira, os elementos arquitetônicos - os edifícios - se dispõe de alguma tal forma na cidade, configurando-a assim consequentemente. E essa configuração direciona um modelo de cidade capaz de combinar com a lógica de produção e consumo exigida pela conjuntura social estabelecida da sociedade de massas. Cada pedaço é completamente resolvido em si e tende a desaparecer, ou melhor, a diluirse formalmente na montagem. - Manfredo Tafuri

Por fim, o que passa a ser apreciado não é mais o objeto em si, mas sim o processo. E isso é claro ao se tratar da arquitetura.

/ CONCLUSÃO Toda essa discussão aborda conceitos de Simmel, de Benjamin e de Tafuri. Simmel é o teórico social, que traz à tona as grandes problemáticas que se colocam a partir de um período de transição que culmina na sociedade de massas do início do século XX. Associa o comportamento do indivíduo ao processo econômico de monetarização, de esvaziamento da essência qualitativa das coisas em prol das quantitativas. Tudo flutua num fluído homogêneo ditado pelo valor monetário. Essa padronização se torna cada vez mais intensa e ela pauta a vida do indivíduo metropolitano. Os padrões sociais de comportamento das massas tendem para essa homogeneização. A rapidez dos processos produtivos invade com toda violência a noção de tempo


de uma sociedade. Traz-se com isso mais informação num curto período de tempo e o homem é obrigado a filtrar todos os estímulos que o atingem, criando um mecanismo, um tipo de comportamento pautado pelo blasé. Vigoram as parcialidades. Essa mudança paradigmática dos padrões de comportamento de toda uma sociedade não acontece de maneira totalmente espontânea. É preciso intermédios para isso, ensinar o indivíduo a absorver os choques que o atingem a todo momento. As vanguardas artísticas, em especial, assumem esse papel que, de certa forma, tem um caráter educativo. Elas ensinam a interiorizar o choque para não mais sofrer por conta dele. É claro que essa mudança social exigida causa, num primeiro momento, uma grande angústia no homem da metrópole. Tratar essa angústia é o que as vanguardas ensinam. Elas fazem isso através da lógica de que a tela é um meio através do qual se traduz a experiência do choque dada por objetos reais. Tal mecanismo se dá de maneira muito parecida no cinema, uma tela através da qual se expõe um conjunto de imagens, de informações. Mas, ao contrário da tela da obra de arte, a tela do cinema expõe uma sucessão ininterrupta de informações e a velocidade através da qual elas acontecem não permite ao indivíduo certo nível de contemplação, porque não há tempo suficiente para uma absorção. É por isso justamente que o cinema é uma das formas artísticas que dialoga muito bem com as massas, porque sua essência é a reprodução, é a rapidez, a mecanização, ele segue a lógica do processo produtivo vigente. O cinema, assim como a arquitetura, dialoga muito bem com a sociedade de massas. Ambos apresentam um caráter óptico proeminente.


/ BIBLIOGRAFIA BENJAMIN, Walter. A obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica. L&PM Editores, Porto Alegre. 2015 SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio G. O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. SIMMEL, Georg. O dinheiro na cultura moderna. In: SOUZA, Jessé, OELZE, Berthold (Orgs.). Simmel e a modernidade. Brasília: Editora da UNB, 2005. TAFURI, Manfredo. Dialética da Vanguarda in Projecto e Utopia - Arquitectura e desenvolvimento do capitalismo. Editorial Presença LDA. Lisboa. Consórcio del Circulo de Bellas Artes. László Moholy-Nagy - El Arte de la Luz. Catálogo. La Fabrica Editorial. 2010


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