ACÚMULO
POST-IT eu esqueço tu esqueces ele esquece nós esquecemos vós esqueceis eles esquecem que eu esqueço que tu esqueces que ele esquece que nós esquecemos que vós esqueceis e que eles esquecem pois eu esqueço e tu esqueces ele esquece nós esquecemos vós esqueceis e eles, bom, esquecem e eu, eu esqueço tu esqueces ele esquece nós esquecemos e vós todos esqueceis e eles esquecem quando eu esqueço e o que faz tu se esqueces e ele esquece. Nós esquecemos vós esqueceis eles esquecem que nós esquecemos e tu, tu esqueces e eu: esqueço eu esqueço que ele esquece que nós esquecemos e que eles esquecem. Vós esqueceis eles esquecem enquanto tu esqueces eu esqueço e ele, contudo esquece que eu esqueço quando tu esqueces. Nós esquecemos, nós esquecemos que eles esquecem: eu esqueço, tu esqueces, eles esquecem o que vós esqueceis e nós, bom, nós esquecemos. Ele esquece que tu esqueces que ele esquece então nós esquecemos quando eles esquecem e se eles esquecem que tu esqueces quando eu esqueço, a vós: esqueceis. Nós esquecemos, eu esqueço sempre e ele esquece e nós esquecemos e eles esquecem. Eu esqueço: tu esqueces. Ele esquece: nós esquecemos. Vós esqueceis: eles esquecem. Eles esquecem: eu esqueço, e tu esqueces e ele esquece e nós esquecemos e vós esqueceis e eles esquecem, eles esquecem que vós esqueceis e nós esquecemos com ele que esquece e tu se esqueces de, e eu. Esqueço. Eu esqueço ele esquece vós esqueceis tu esqueces nós esquecemos eles esquecem. E quando nós esquecemos, eu esqueço, junto com tu: que esqueces. Ele tão logo esquece que eles esquecem junto e vós esqueceis e eu esqueço com nós: esquecemos. Nós esquecemos. Nós esquecemos, nós esquecemos e eles esquecem EU ESQUEÇO tu esqueces ele esquece nós esquecemos vós esqueceis eles esquecem, eles
esquecem que vรณs esqueceis que nรณs esquecemos que ele esquece e que tu esqueces que eu esqueรงo quando ele esquece, ele esquece e eles esquecem e TU ESQUECES quando Nร S esquecemos e EU ESQUEร O que TU ESQUECES, TU ESQUECES, TU ESQUECES e eu esqueรงo: nรณs esquecemos vรณs esqueceis e eles esquecem, todos nรณs esquecemos que tu esqueces e ele esquece se vรณs esqueceis que eu esqueรงo eles esquecem de que ele esquece junto comigo: eu esqueรงo, tu esqueces, ele esquece, nรณs esquecemos, vรณs esqueceis e eles esquecem, eles esquecem e eles esquecem que todos nรณs esquecemos que eles esquecem, que ele esquece, que vรณs esqueceis entรฃo? Entรฃo eu esqueรงo. Eu esqueรงo. E tu? Tu esqueces, ele? Esquece e nรณs esquecemos e vรณs esqueceis e eles esquecem. Eles esquecem? Eles esquecem. Nรฃo sรณ eles esquecem como eu esqueรงo tu esqueces e ele esquece e nรณs esquecemos e vรณs esqueceis e eles esquecem que eu esqueรงo que tu esqueces que ele esquece que nรณs esquecemos que vรณs esqueceis que eles esquecem. Eles esquecem que eu esqueรงo e que tu esqueces e que ele esquece e que nรณs esquecemos e que vรณs esqueceis e que eles esquecem, vรณs esqueceis que nรณs esquecemos, e nรณs esquecemos que eu esqueรงo e tu esqueces. E eles? Ah, eles esquecem, eles esquecem e ele esquece, junto com vรณs que esqueceis e comigo: eu esqueรงo. Tu esqueces. Ele esquece, nรณs esquecemos. Vรณs esqueceis. Eles esquecem/ele esquece/nรณs esquecemos, sim sim, inclusive eu esqueรงo, e tu? Tu esqueces! Tu esqueces! Ele? Ele esquece! Ele esquece? ELES ESQUECEM? Vรณs esqueceis, ah sim, vรณs esqueceis junto com nรณs, que esquecemos, eu esqueรงo e tambรฉm tu esqueces. Nรฃo sรณ eu esqueรงo como ele esquece, como nรณs esquecemos como vรณs esqueceis e como eles esquecem, como eles esquecem eu esqueรงo. Adiante, tu esqueces e ele esquece e nรณs esquecemos e vรณs esqueceis e eles esquecem. Eles esquecem que eu esqueรงo, Eles esquecem que tu esqueces e ele esquece, eles esquecem. Mas nรณs esquecemos, nรณs esquecemos, Vร S ESQUECEIS, eles esquecem. Eles esquecem que eu esqueรงo, que tu esqueces e ele esquece, nรณs esquecemos, vรณs esqueceis e eles esquecem. Eles esquecem que quando eu esqueรงo, todos eles esquecem tambรฉm; nรณs esquecemos que, nรณs: esquecemos. Assim, nรณs esquecemos como eu esqueรงo, como tu esqueces e como ele esquece. Ele esquece que quando vรณs esqueceis, nรณs todos esquecemos de que tu esqueces. Eu esqueรงo. Eu esqueรงo, tu esqueces, ele esquece, nรณs esquecemos, vรณs esqueceis e eles esquecem, e tambรฉm o contrรกrio: que eles esquecem que vรณs esqueceis que nรณs esquecemos, eu tu ele esquece, e nesse nรณs esquecemos eles esquecem. Tu esqueces? Eu? Eu esqueรงo? Ele esquece. Ah, ele esquece, eles, ELES esquecem. Eles esquecem que nรณs esquecemos. Nรณs esquecemos, portanto. Nรณs esquecemos, vรณs esqueceis, eles esquecem. Todo dia, eu esqueรงo que eu esqueรงo. Tu esqueces que eu esqueรงo? E que por isso, nรณs esquecemos que nรณs esquecemos? Nรณs esquecemos! Esquecemos, nรณs esquecemos, eles esquecem, ontem: hoje: amanhรฃ. Nรณs esquecemos, vรณs esqueceis e eles esquecem. O tempo, ele esquece. Nรฃo sรณ: eu esqueรงo, e tu esqueces alรฉm dele. Vรณs esqueceis e eles esquecem. Eu esqueรงo tu esqueces ele esquece nรณs esquecemos vรณs esqueceis e eles esquecem: eu esqueรงo tu esqueces ele esquece nรณs esquecemos, vรณs esqueceis e eles esquecem eu esqueรงo tu esqueces ele esquece nรณs esquecemos vรณs esqueceis e eles esquecem e de novo: euesqueรงo. Tuesqueces. Eleesquece. Nรณsesquecemos. Vรณsesqueceis.
E lesesquecem. Aflição: eu esqueço. Pois, tu esqueces e ele esquece, então todos nós esquecemos. Se eles esquecem, bom se eles esquecem vós esqueceis também. E o que? Eu esqueço! Eu esqueço, ai paizinho, eu esqueço, tu esqueces, ele esquece nós esquecemos vós esqueceis e eles? Eles não. Eles não esquecem? Como eles não esquecem se nós esquecemos? ELES ESQUECEM! ELES ESQUECEM, esquecem sim, eles. Esquecem sim, tá? Eles esquecem...eles esquecem, nós esquecemos. EU ESQUEÇO. Tu esqueces, ele esquece. NÓS ESQUECEMOS já que eu esqueço. Vós esqueceis e eles esquecem. Os motivos? Eu esqueço. Não só eu, como tu esqueces, como ele esquece (((aflição))), como nós esquecemos, e vós e eles: esquecem; esqueço esqueces esquece esquecemos esqueceis esquecem. Eu tu ele nós vós eles. Eu esquecemos, tu esquecem, vós esqueço, ele esqueceis, eles esqueces. Eu tu esqueçoesqueces ele nós esqueceesquecemos vós eles esqueceisesquecem. Eu esqueço pois tu esqueces quando ele esquece apesar que nós esquecemos se vós esqueceis que eles esquecem. Eu esqueço e esqueço que tu esqueces. Ele esquece entretanto que nós esquecemos. Vós esqueceis doravante que eles esquecem. Eu esqueço se vós esqueceis de novo quando tu esqueces e ele esquece que nós esquecemos junto com eles que esquecem e se esquecem, eles se esquecem que eu me esqueço, eu me esqueço de tu: que se esqueces. Eu me esqueço (((((((((((((ai paizinho ))))))))))))) eu me esqueço. Nós nos esquecemos. NÓS NOS ESQUECEMOS NÓS NOS ESQUECEMOS e eles se esqueceram. Nós esquecemos, tu esquece: eu esqueço. Tu esqueces. Ele? Esquece. Nós esquecemos. Vós esqueceis. Eles, eles esquecem. Eu esqueçotu esquecesele esquecenós esquecemosvós esqueceiseles esquecem Euesqueçotu esqueceseleesquece nósesquecemosvós esqueceiseles esquecemeuesqueçotu esqueceseleesquecenósesquecemosvós esqueceiselesesquecemeuesqueçotuesqueces ele esquecenósesquecemosvóse squeceiseles esquecemquenósesquecemos vós esqueceis, ele esquecemeues queçotuesqueceseleesquecenósesquecemosvósesqueceiseelesesquecem.eues queçotuesqueceseleesquecenósesquecemosvósesqueceiseelesesquecem;queeu esqueçoquetuesquecesqueleesquecequenósesquecemosquevósesqueceisqueele sesquecemeu,euesqueçotuesqueceseeleesquecequenósesquecemosquevósesquec eisquelesesquecemeuesqueçotuesqueceseleesquecenósesquecemosvósesquece isqueelesesquecemeuesqueçotuesqueceseleesquecenósesquecemosvósesquecei squeelesesquecemEUESQUEÇOTUESQUECESeleesquecenósesquecemosVÓSesqueceis eelesquecemeuesqueçotuesquecesELEESQUECENÓSesqucemosvósesqueceisELESES QUECEMEUesqueçotuesqueceseleesquecenósesquemosvósesqueceiselesesquece meuesqueçotuesqueceseleesquecenósesquecemosvósesqueceiselesesquecem(qu eeuesqueço)quetuesquecesque(e)(ele)esquecenósESQUECEMOSVÓSESQUECEISELE Sesquecemeuesqueçoeuesqueçoeuesqueçotuesquecesesquecesesquecesesqueces eleesquecenósesquecemosvósesqueceiselesesquecemeuesqueçotuesqueceselee squecenósesquecemosvósesqueceiselesesquecemelesesquecemqueeuesqueçoqu eeleesquecequetuesqeucesquenósesquecemosquevósesqueceisaipaizinhoadian taeuesquecerseelenãoesquece?Comoesquecerseeunãoesqueçosetunãoesquecesm aseleesqueceenósesquecemosquevósesqueceiseelesesquecem.EUESQUEÇOTUESQU ECESELEESQUECENÓSESQUECEMOSVÓSESQUECEISEELESES QUECEMnósevósquaseomesm oesquecemoseesquecemoselesquecemeuesqueçotuesqueceselesquecenósesquece
mosvósesqueceiselesesquecemeuesqueçotuesquecesele esquecenósesquecemoseelesesquecem.Queeuesqueço!eue squeço!esqueço!esqueces!esquece!esquecequeeuesqueç o:esquecequeeuesqueçoqeutuesquecesqueelesquece. Eu esqueçotu esqueces ele esquecenós esquecemos vós esqueceis eles esquecem. TU esqueces, eu esqueço, ele esquece, nós esquecemos vós esqueceis e eles esquecem: eu e tu e ele e nós e vós e eles: todos nós esquecemos. Como não esqueces que eu esqueço, como? Como não esqueço que tu esqueces o que ele não esquece? EU NÃO ESQUEÇO! Nunca não esqueço tu nunca esqueces de que ele esquece. Sempre não esqueço que nós esquecemos quando ele esquece. E me esqueço, me esqueço porque tu se esqueces e ele me esquece e nós me esquecemos e vós me esqueceis e eu esqueço tu, eu esqueço ele que esquece, eu esqueço de nós. Eu esqueço de nós, vós se esqueceis e eles esquecem que nós esquecemos que o que tu não esquece: ele. Mas ele esquece, Ah! Ele esquece! Ele esquece! ELES ESQUECEM! E eu não esqueço que tu esqueces: Não esqueço! (((ai paizinho, não esqueço)))Esquecemos, esquecemos E S Q U E C E M O S e s q u e c e m o s e u e s q e ç o q u e e s q u e c e m o s. Como esqueço? Se nós esquecemos e eles esquecem... a eles? Esquecem, por fim. Por sim, esquecem, por não esqueço. Enfim: eu esqueço, tu esqueces, ele esquece, nós esquecemos, vós esqueceis, eles esquecem. De novo: Eu, esqueço; tu esqueces; ele esquece nós esquecemos; vós esqueceis; eles esquecem: sempre: — Mas, como esquecer o que eu não esqueço? Como esquecer se:
MORTE no banheiro dos fundos na minha casa no quarto no banheiro dos fundos no banheiro na garagem do Leo na rua no quarto no bar no carro na biblioteca Mário de Andrade na casa dos meus pais no trabalho no meu quarto no carro na frente do meu porta-malas no carro no sofá em casa na minha cama no quarto no avião na cama no quarto na cachoeira no avião no quarto no taxi no carro ao telefone no cinema na ponte no banheiro do trabalho no carro na cama do sítio no matagal no trabalho na terapia na rua na sala na cama no carro
na cama no carro na casa dos meus pais na sala no trabalho no teatro no metrô na cama na janela na casa da vovó na rua no carro na cama no veterinário em casa no parque no supermercado no parquinho no ônibus no trabalho no restaurante na frente do computador no carro no trabalho na piscina no carro do meu pai na varanda na cama na rua no restaurante no carro na cama na praça Roosevelt no ônibus na casa da Fernanda no trabalho na Estação Pinacoteca em casa no cinema no carro no aeroporto no carro.
VIDA na cama no carro no 么nibus a caminho do metr么 na cama na cama no carro no parquinho na cama.
Eles estavam todos em silêncio, esperando que alguém dissesse alguma coisa, mas no fundo sabiam que não tinham nada a dizer, que nunca há nada importante a ser dito e o que fazemos na verdade é um esforço imenso para não ficarmos em silêncio o tempo inteiro, é por isso que a gente lê, ouve música, viaja, anda de ônibus, toma banho, cozinha, faz supermercado, pinta o cabelo, é pra não ficar em silêncio. Naturalmente ficariam assim calados. Estavam cansados e bêbados ou já de ressaca, mas em círculo se olhavam e algo precisava ser dito, por quê senão pra quê teriam passado aquela noite acordados, juntos, dançando ou fazendo piadas e achando muita graça de qualquer coisa, de quase tudo, quase tudo que na verdade não tinha a menor graça, como derrubar um pote de manteiga ou morder a língua sem querer. Nada disso é engraçado, mas à noite ficava. Naquela noite tinha que ficar. É só isso que resta para vocês. É só isso que nos resta. Alguém devia saber que não havia nada no dia seguinte, que esse era o auge e que tudo bem, pra quê querer mais do que uma noite virada com amigos e quase nada pra dizer, mas nenhum silêncio? Alguém na cozinha fazia uma vitamina ou qualquer coisa que fazia um barulho de obra. Era cedo pra aquilo. Tá cedo ainda para. Teria tido graça há algumas horas mas agora nem isso. O som de bateria continuava, uma vitamina saiu da cozinha, com que frutas nunca saberiam dizer, onde estava a comida daquela casa que funcionava quase como um ponto de parada e as camas eram também sofás e a televisão era só pra decorar porque estava furada na parte de trás, mas vista de frente dava um ar de apartamento antigo, quase aconchegante e isso era bom, chegar em casa e se sentir acolhido, isso era quase utópico agora morando uns sobre os outros naquela cidade em que ninguém parecia ter uma vida com começo, meio e fim, só meio, só entre, entre empregos, entre casas, entre amores, entre um dia e o outro, na madrugada que é quase sempre entre dias que vão ser vazios, quentes demais, um gole de vitamina ajuda, alguém disse, pra quem? toma só um gole, tinha alguém passando mal? O sol lá fora já estava alto, devia ser mais do que
nove da manhã, fecha a cortina, qual? novos risos, a vitamina deve ter ajudado, ficou engraçado de novo estar ali em círculo, alguns já dormindo, talvez há horas, dias, talvez nunca tenham acordado desde que chegaram, quase nenhum nome se sabia, só apelidos de até quatro letras no máximo, é todo mundo curto aqui, por quê será? Curto? Ju, Pê, Clau, Til, Bil, Lin, Cris , todo mundo tem pouca letra pra si. Risadas altas. Não tá mais tão cedo, pode rir agora. Deve ter sido nessa hora que as coisas começaram a mudar. Não pra todo mundo. Mas um dos conjuntos de poucas letras percebeu. Que queria ficar em silêncio. Que falava e ria por medo de ser engolido por esse dia que fica entre as madrugadas, por ser engolido por cada ano que passava, cada vez mais rápido e que em breve fazer isso, viver assim, amontoado, não seria mais suficiente, mas que também viver sozinho não seria uma opção, numa casa grande, cheia de cômodos vazios e com televisões que funcionassem e uma geladeira com comida reposta semanalmente, isso também não. Ficou em silêncio. A conversa voltou a ser como antes, como sempre ia ser, como nunca poderia ser, desse jeito que ele não sabia ainda como deveria ou queria, só tinha certeza que não era daquele jeito, entre silêncios, entre surtos de graça, se fosse silêncio, que fosse calado e ponto, não esperando uma oportunidade pra falar, essa expectativa de dizer algo que interessasse era o grande problema. Cala a boca. Ele disse. Eles olharam e ficaram calados e depois é claro que um deles riu e disse toma isso aqui e ele não tomou e não riu e levantou e foi embora e desceu a escada correndo e quando viu já tinha atravessado o bairro inteiro e estava ensopado de suor e talvez fosse só efeito da bebida, talvez agora ele pudesse voltar e todo mundo estaria lá e nem achariam estranho esse surto porque as vezes a Lin e o Cris tinham isso, vazavam, desapareciam por dias e voltavam com uma expressão mais saudável, acho que os pais deles tinha dinheiro e comer pouco as vezes fica difícil, nem sempre dá pra aguentar, mas ele continuou correndo e quando já estava sóbrio pôde caminhar, mas não voltou.
Fricção
DENTRO FORA CIMA TROCA BAIXO DENTRO BEIJO BEIJO FORA DENTRO DENTRO FORA COLOCA ABRAÇO PELO TE DENTRO COLOCO TE OUÇO OUÇO OUÇO OUÇO AH AH AH AH AH DENTRO DE VOCÊ EU DENTRO FORA DE MIM MIM AQUI DENTRO VOCÊ FORA FORA AH AH AH AH VIRA TE OLHO NOS SEUS OLHOS E AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH NÃO PARA VOCÊ VOCÊ AQUI E EU COM VOCÊ DENTRO AQUI DE VOCÊ DENTRO DE MIM E SINTO BEIJO BEIJO A SUA MÃO A PERNA AH AH AH AH AH AH AH VAMOS FAZER ASSIM DE OUTRO VOCÊ EM CIMA DE AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AS COISA QUE EU ESTOU PENSANDO AGORA SE AH AH AH NO VOLUME DO SEU CORPO O QUE EU FARIA EU AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH FAÇO DENTRO DE UM JEITO QUE VOCÊ AH AH AH AH AH AH AH AH SE VOCÊ SOUBESEE QUE VOCÊ É AH AH AH AH AH AH AH AH A PRIMEIRA VEZ QUE ASSIM E DESSE JEITO FAÇO O QUE EU FARIA SE EU PUDESSE SE VOCÊ ME DEIXASSE MUDA AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH OLHA PRA MIM E ME DIZ MEU NOME ME DIZ MEU NOME ME DIZ E EU DIGO O SEU E EU DIGO E EU CASO COM VOCÊ E EU FAÇO DE VOCÊ A PESSOA MAIS FELIZ DO MUNDO MAS NÃO NÃO NÃO AH AH AH AH AH AH
AH FICA COMIGO AQUI DENTRO DEIXA EU FICAR AQUI DENTRO DEIXA FICA DENTRO DE MIM E VAMOS FICAR ASSIM PRA SEMPRE E SEMPRE E AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH EU TO COM SEU GOSTO NA MINHA BOCA É COMO E SEU SENTISSE O GOSTO DA SUA BOCA NO MEU CORPO E E E E E E E AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH O SEU GOSTO INTEIRO DENTRO DO MEU CORPO SEU GOSTO INTEIRO NA MINHAS AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH CONTINUA CONTINUA E A GENTE FICARIA ASSIM PARA SEMPRE SEM PARAR SEM PARAR E A GENTE PODERIA FICAR E CONTINUA CONTINUA SEM AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH MESMO QUE EU NÃO QUEIRA FALAR A MINHA CABEÇA A MINHA CABEÇA A MINHA CABEÇA FICA ME AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AGORA É SUA VEZ DE FICAR AQUI PRA SEMPRE AGORA VOCÊ ESCOLHE E A GENTE MUDA MUDA FAZ O QUE VOCÊ QUISER FAZ O QUE VOCÊ QUISER QUISER QUISER AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH ESTOU AGORA EM PLENA NÃO CONFUSÃO DOS VONTADE DE DE E ENTÃO AH AH CONTINUAR DE SER AQUI PRA SEMPRE DE SER ASSIM AH AH AH AH COM VOCÊ DE UM LADO TÃO MEU SABENDO SOBRE O LADO DE AH AH AH E ASSIM SE ISSO AQUI PUDESSE SER TUDO E SER TUDO AQUI SIGNIFICA AH AH AH AH AH AH AH NADA NADA NADA AQUI AGORA E EU TE OLHO E TOCO AH AH AH E CONTINUO TOCANDO POR DENTRO E DENTRO DE VOCÊ AH AH AH AH AH ME TOCA O QUANTO QUERO QUE ISSO E VOCÊ E EU DE UM LADO QUE VOCÊ AINDA NÃO AH AH AH AH AH VÊ MAIS QUE AINDA PODE AH AH AH AH AH VAMOS TROCAR BEIJO BEIJO FECHA SEUS OLHOS E VÊ O MEU LADO AH AH AH AH AH DENTRO DOS SEUS OLHOS A MINHA MÃO NAS SUAS AH AH AH AH AH MOLHA AS SUAS COSTAS O MEU DENTE NO SEU OMBRO AH AH AH AH AH AH AH AH AH MINHA SALIVA E SEU PESCOÇO E AH AH AH AH AH AH DENTRO DE VOCÊ QUERIA SER EU INTEIRO DENTRO DE VOCÊ AH AH AH AH AH E QUENTE AQUI MOLHANDO TUDO O QUE RESTA DE MUNDO QUE AH AH AH AH É NOSSO MEU CORPO É SEU E O SEU É MEU ATÉ O DIA AH AH AH AH AH AH AH AH SILÊNCIO SILÊNCIO A MINHA CABEÇA NÃO PÁRA E NA VELOCIDADE DO SEU CORPO EU CRIO AS PALAVRAS QUE NÃO AH AH AH AH AH EXISTEM LUGARES FORA DAQUI AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH EU QUERO EU AH AH AH AH AH VOCÊ QUER VOCÊ MUDA AH AH EU NUNCA SENTI NADA POR NINGUÉM DA FORMA QUE SINTO POR VOCÊ EU QUERO TREPAR COM VOCÊ ATÉ NOS UNIRMOS NUMA QUIMERA UMA BESTA MÍTICA COM SEXOS
ETERNAMENTE FUNDIDOS DOIS PARES DE OLHOS QUE OLHAM APENAS UM PARA O OUTRO E LÁBIOS SEMPRE SE TOCANDO E APENAS UMA VOZ QUE SUSSURRA PARA SI MESMA AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH E DAS PALAVRAS QUE ESTOU DIZENDO O O O O AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH MEU CORPO ASSIM DIZENDO O QUE NUNCA PODERIA JAMAIS APRENDER A FALAR AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH PORQUE CONTINAR AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH FICAR AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH VOCÊ E EU NUM MAR DE SUOR E LENÇOL AH AH AH AH AH AH AH AH MAR EM QUALQUER LUGAR DO SEU CORPO ONDE ONDE DENTRO DENTRO FORA FORA EM BAIXO EM CIMA E AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH BEIJO BEIJO AH AH AH AH AH AH AH AH OS CAMINHOS DO SEU CORPO NUM ESPAÇO VAZIO DO MEU QUE SE PREENCHE COM O ESPAÇO VAZIO DO SEU POR QUE POR QUE POR QUE AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH A CAMINHO DO FIM COMO SE TUDO QUE SE ESTOURA FOSSE O CAMINHO DA MINHA LÍNGUA DENTRO DA SUA BOCA QUANDO ELA NÃO DIZ AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH APENAS BEIJO EM LINGUAGEM SURDA E QUENTE ENTRANDO EM AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH E VOCÊ EM MIM COM O GOSTO DAQUILO QUE SE AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH A SUA VOZ FAZENDO O MESMO SOM QUE A MINHA AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH E A GENTE NÃO PARA DE ACHAR QUE PARA PRA ACHAR QUE SE ACHA DENTRO DO CORPO DA LÍNGUA DO CORPO DO OUTRO A AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH FICARIA COM VOCÊ PRA SEMPRE SE A ESCOLHA PUDESSE SER NÃO EXISTIR AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH E DESISTIRIA DE NÃO EXISTIR COM VOCÊ AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH PORQUE A DOR QUE ME TOMA HOJE SERÁ SEMPRE A DOR DE ESPERAR QUE NÃO SE AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH SE ENCONTRA NADA SE NÃO PROCURARMOS NO LUGAR MAIS FUNDO NUM ESPAÇO ONDE AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH MEU CORPO E MINHA AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH VOZ PUDESSEM SER PALAVRAS FEITAS DE AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH CARNE EM TUDO AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH MEU DENTE NAS SUA NUCA EU DENTRO DE VOCÊ SUA LÍNGUA DENTRO DE MIM SEU PESO AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH ME AFUNDANDO AOS POUCOS NO MAR DE LENÇOL E SUOR E SUAS E SUAS MINHAS PERNAS AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH QUE SE PERDEM QUE ESTÃO PERDIDAS QUE ESTÃO AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH NAS MINHAS PERNAS PERDIDAM QUE NÃO MAIS QUEREM ANDAR QUE SEGUEM RUMO AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH DO SEU CORPO E ESTAR SEM METÁFORA AH AH METENDO AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AQUELE PEDAÇO TEU QUE NUNCA SERÁ MEU MAS QUERO AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH PARA MIM E TENTADO CAVAR NO ESPAÇO TEU O VAZIO QUE JAMAIS SERÁ MEU QUE JAMAIS AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH PODEREI TER AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH NÃO SEREMOS NUNCA UM DO OUTRO MESMO QUE AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH SE CONGELE O MEU COPRO NO SEU AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH A VONTADE DE SÓ SER UM EU MEU CORPO SÓ SEU AH AH AH AH AH AH AH AH NUNCA NUNCA NUCA MINHA BOCA AH AH AH AH AH AH AH AH PESO NAS SUA MINHAS COSTAS ABERTAS PARA AH AH AH AH AH AH
ESQUECER ESQUECER QUE UM DIA AH AH AH AH AH AH AH AH AH ESQUECER QUE APRENDI A FALAR E AH AH AH AH AH AH AH AH AH DESISTIR DE TUDO ISSO QUE TENHO AH AH AH E DEIXAR DEIXAR DE NÃO DIZER QUE PARAR DE CONTINUAR A TENTAR COMUNICAR PEDAÇOS SEM SENTIDO DE DE DE AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AH AHA AH AH AH AH AH CALAR
ADAPTAÇÃO A Caverna, Guilherme Giufrida (2005) Crepúsculo dos ídolos, Gustavo Colombini (2014) Juventude, Vinícius Garcia Pires (2012) O amor é um cão dos diabos, Paloma Durante (s/d.)
Mesmo o mais corajoso de nós poucas vezes tem coragem para o que propriamente sabe. Porque para viver sozinho, é preciso ser um animal ou um deus. Algumas vezes você comete um erro, pegando O poema errado O mais comum para mim é cometer o erro de Escrevê-lo Não se preocupe com rejeições, parceiro. Essa é nossa natureza selvagem. A vontade do sistema é uma falta de retidão. O verme se enconcha quando é chutado. Essa é a sua astúcia. Ele diminui com isso a probabilidade de ser novamente chutado. Como já se terá reparado, tanto um como outro levam colados ao nome próprio uns apelidos insólitos cuja origem, significado e motivo desconhecem. saberíamos muito mais das complexidades da vida se nos aplicássemos a estudar com afinco as suas contradições em vez de perdermos tanto tempo com as identidades e as coerências, que essas têm obrigação de explicar-se por si mesmas a diferença está em que o barro é como as pessoas, precisa de que o trate bem E, no meu caso, havia a minha juventude para me tornar paciente Para um estranho seria um punhado de gente sem valor nenhum. A vida é assim, está cheia de palavras que não valem a pena, ou que valeram e já não valem, cada uma que ainda formos dizendo tirará o lugar a outra mais merecedora – umas vezes olhando em frente com a fixidez de um cego que sabe que não passará a ver se virar a cabeça os mortos, alguém o disse já, são como pratados rachados em que não vale a pena enganchar aqueles
também desusados grampos de ferro que uniam o que se tinha rompido e separado Os dias são todos iguais, as horas é que não Entre todas as maravilhas, é o mar, acredito, o mar em si mesmo – ou é a juventude em si? Vocês não acham que o melhor dos tempos foi aquele em que éramos jovens no mar, jovens que nada tinham, no mar que não nos dá coisa alguma a não ser pancadas e por vezes uma oportunidade de sentirmos nossa própria força? é o trânsito do ser no tempo e a sua passagem pelos espaços Diz-se que a paisagem é um estado da alma, que a paisagem de fora a vemos com os olhos de dentro, o tempo é um mestre-de-cerimônias que sempre acaba por nos pôr no lugar que nos compete conheço uma mulher vive perto do mar põe açúcar para as formigas lá fora e acredita definitivamente num mundo melhor e então sentiu-se muito cansado, não por ter esforçado de mais a mente, mas por ver que o mundo é assim mesmo, que as mentiras são muitas e as verdades nenhumas, não só não nos dá tempo para pensarmos nela enquanto verdade possível, como ainda teremos primeiro de averiguar se não se tratará de uma mentira provável minhas mãos mortas meu coração morto silêncio adágio das pedras o mundo em chamas isto é o melhor para mim Lembro os rostos cansados, , lembro da minha juventude e de um sentimento que nunca mais haverá de voltar Na vida, tudo são fardas, o corpo só é civil verdadeiramente quando está despido, , mas já não se percebia amargura na sua voz. O velho navio está cansado. A juventude dele estava onde está a minha – onde está a de vocês que escutam essas peripécias.
afinal nada teria mudado na sua vida, de que o dia de hoje iria ser igual ao de ontem a revelação de alguma coisa secreta, essa coisa oculta, esse dom do mal ou do bem que faz a diferença das raças e modela o destino das nações. — o sentimento de que eu podia durar para sempre, mais do que o mar, do que a terra, do que todos os homens reclamando enquanto o oceano faz espuma Autoritárias, paralisadoras, circulares, às vezes elípticas, as frases de efeito, também jocosamente denominadas pedacinhos de ouro, são uma praga maligna, das piores que têm assolado o mundo. , como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais dificultosa operação das aritméticas humanas Não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar à outra margem, a outra margem é o que importa, A não ser, A não ser quê, A não ser que tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê seja, ela, a sua própria margem e que seja sua, e apenas sua, a margem a que terá de chegar
POPOL VUH / TERCEIRA PARTE
Em seguida fecundaram os animais das montanhas, guardiões de todas as selvas, os seres das montanhas: veados, pássaros, pumas, jaguares, serpentes, víboras, gantis [serpentes], guardiões dos bejucos [planta trepadeira de origem caribenha]. Então os Procriadores, os Engendradores, disseram: “Não há mais que silêncio, imobilidade, ao pé das árvores, dos bejucos? Bom, assim pois, que haja guardiões”; assim disseram, fecundando, falando. Em um instante nasceram os veados, os pássaros. Então deram habitat aos veados, aos pássaros. “Tu, veado, sobre o caminho dos riachos, nos barrancos dormirás; aqui viverás, nas ervas, nas moitas; nas selvas fecundarás; sobre quatro patas irás, viverás”. Foi feito como foi dito. Então foi também encaminhado o habitat dos passarinhos, dos grandes pássaros. “Pássaros, voareis sobre as árvores, sobre os bejucos morareis; engendrareis, multiplicareis sobre as ramas das árvores, sobre as ramas dos bejucos”. Assim foi dito aos veados, aos pássaros, para que fizessem o que deviam fazer; todos habitaram suas casas, seus habitats. Assim os Procriadores, os Engendradores, deram as casas aos animais da terra. Estando pois todos terminados, veados, pássaros, foi dito aos veados, aos pássaros, pelos Construtores, os Formadores, os Procriadores, os Engendradores: “Falais, gritais; podeis gorjear, gritar. Que cada um faça ouvir sua linguagem segundo seu grupo, segundo a sua maneira”. Assim foi dito aos veados, pássaros, pumas, jaguares, serpentes. “De agora em diante digais nossos nomes, louvai-nos, a nós vossas mães, a nós vossos pais. De agora em diante chamais o Maestro Gigante, Chamado do Relâmpago, Esplendor do relâmpago, Espíritos do Céu, Espíritos da Terra, Construtores. Formadores, Procriadores. Engendradores. Falai-nos, invocai-nos, adorai-nos”, lhes foi dito. Mas não puderam falar como os homens: somente cacarejaram, somente mugiram, somente grasnaram; não se manifestou nenhuma forma de linguagem, falando cada um diferentemente do outro. Quando os Construtores, os Formadores, ouviram suas palavras impotentes, disseram uns aos outros: “Não puderam dizer nossos nomes, de nós os Construtores, os Formadores”. “Não é bom”, responderam uns
aos outros os Procriadores, os Engendradores, e disseram: “Eis aqui o que sereis modificado porque vós não puderam falar. Mudaremos nossa Palavra. Vosso sustento, vossa alimentação, vossas moradias, vossos habitats, os tereis: serão os barrancos, as selvas. Nossa adoração é imperfeita, se vós não nos invocas. Haverá, poderá haver adoração, obediência, nos que fizemos? Vós recebereis vosso fardo: vossa carne será moída entre os dentes, que assim seja, que assim seja vosso fardo”. Assim foi dito a eles, ordenado, aos animaizinhos, aos grandes animais da superfície da terra; mas estes quiseram provar a sua sorte, quiseram tentar a proeza, quiseram provar a adoração, mas não entendendo de nenhum modo a linguagem um dos outros, não compreenderam, não puderam fazer nada. Tal foi, pois, o fardo da sua carne; assim o fardo de serem comidos, de serem matados, foi imposto aqui sobre todos os animais da superfície da terra.*
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Narração da desnarração do transluciferador > a desnarração, feita desta pequena passagem do grande livro do povo Quiché (povo de origem Maya, pré-colombianos do altiplano guatemalteco), não é senão a prática de uma alteridade. Um exercício metalinguístico sugerido pelo conteúdo deste pequeno textículo engendrado pela tradução da tradução dele (traduzido de sua língua original para o espanhol e do espanhol para o português aqui), não é de todo algo fácil de alcance. Mas o próprio ato de intentar a desnarração é justamente a negativa de qualquer possível compreensão. A tradução é sempre o erro, a transcriação uma possível saída, mas a transluciferação haroldiana é o ato mais pontual do que podemos mesmo considerar de um autor, artista. Matar a origem desfazendo seu contexto no presente donde chega o texto é uma atitude maligna com a história, uma cirurgia destrutiva. O seu caráter é destrutivo, como o próprio W. Benjamin nos possibilitou entender: inimigo do homemestojo, que apenas não se mata porque o ato não compensaria a potência de continuar destruindo. A alteridade de não conhecer uma língua e nela viver no sentimento mais criativo de descoberta poética, desconsiderando a realidade dos significados das palavras, das frases, das sentenças todas, desconsiderando os contextos dados pelo pensamento na linguagem é, ou pode ser um dia, a crueldade da desnarração. É encantamento apaixonado do outro, mesmo sabendo que sua existência é magia, criação, energia, ficção. Desnarração da transluciferação: felicidade eterna do autrodutor no instante da linguagem deserta, desconhecida; escuridão possível; grito; perda total da comunicação. Por isso que perder a linguagem é justamente a criação de outra ainda mais incompreensível. A que se torna desejada, investigada apenas através da especulação. E, quando não conhecida totalmente, se torna alvo da morte, mas não morre nunca. O outro mata.
Eles estavam todos em silêncio, esperando que alguém dissesse alguma coisa, mas no fundo sabiam que não tinham nada a dizer, que nunca há nada importante a ser dito e o que fazemos na verdade é um esforço imenso para não ficarmos em silêncio o tempo inteiro, é por isso que a gente lê, ouve música, viaja, anda de ônibus, toma banho, cozinha, faz supermercado, pinta o cabelo, é pra não ficar em silêncio. Naturalmente ficariam assim calados. Estavam cansados e bêbados ou já de ressaca, mas em círculo se olhavam e algo precisava ser dito, por quê senão pra quê teriam passado aquela noite acordados, juntos, dançando ou fazendo piadas e achando muita graça de qualquer coisa, de quase tudo, quase tudo que na verdade não tinha a menor graça, como derrubar um pote de manteiga ou morder a língua sem querer. Nada disso é engraçado, mas à noite ficava. Naquela noite tinha que ficar. É só isso que resta para vocês. É só isso que nos resta. Alguém devia saber que não havia nada no dia seguinte, que esse era o auge e que tudo bem, pra quê querer mais do que uma noite virada com amigos e quase nada pra dizer, mas nenhum silêncio? Alguém na cozinha fazia uma vitamina ou qualquer coisa que fazia um barulho de obra. Era cedo pra aquilo. Tá cedo ainda para. Teria tido graça há algumas horas mas agora nem isso. O som de bateria continuava, uma vitamina saiu da cozinha, com que frutas nunca saberiam dizer, onde estava a comida daquela casa que funcionava quase como um ponto de parada e as camas eram também sofás e a televisão era só pra decorar porque estava furada na parte de trás, mas vista de frente dava um ar de apartamento antigo, quase aconchegante e isso era bom, chegar em casa e se sentir acolhido, isso era quase utópico agora morando uns sobre os outros naquela cidade em que ninguém parecia ter uma vida com começo, meio e fim, só meio, só entre, entre empregos, entre casas, entre amores, entre um dia e o outro, na madrugada que é quase sempre entre dias que vão ser vazios, quentes demais, um gole de vitamina ajuda, alguém disse, pra quem? toma só um gole, tinha alguém passando mal? O sol lá fora já estava alto, devia ser mais do que
nove da manhã, fecha a cortina, qual? novos risos, a vitamina deve ter ajudado, ficou engraçado de novo estar ali em círculo, alguns já dormindo, talvez há horas, dias, talvez nunca tenham acordado desde que chegaram, quase nenhum nome se sabia, só apelidos de até quatro letras no máximo, é todo mundo curto aqui, por quê será? Curto? Ju, Pê, Clau, Til, Bil, Lin, Cris, todo mundo tem pouca letra pra si. Risadas altas. Não tá mais tão cedo, pode rir agora. Deve ter sido nessa hora que as coisas começaram a mudar. Não pra todo mundo. Mas um dos conjuntos de poucas letras percebeu. Que queria ficar em silêncio. Que falava e ria por medo de ser engolido por esse dia que fica entre as madrugadas, por ser engolido por cada ano que passava, cada vez mais rápido e que em breve fazer isso, viver assim, amontoado, não seria mais suficiente, mas que também viver sozinho não seria uma opção, numa casa grande, cheia de cômodos vazios e com televisões que funcionassem e uma geladeira com comida reposta semanalmente, isso também não. Ficou em silêncio. A conversa voltou a ser como antes, como sempre ia ser, como nunca poderia ser, desse jeito que ele não sabia ainda como deveria ou queria, só tinha certeza que não era daquele jeito, entre silêncios, entre surtos de graça, se fosse silêncio, que fosse calado e ponto, não esperando uma oportunidade pra falar, essa expectativa de dizer algo que interessasse era o grande problema. Cala a boca. Ele disse. Eles olharam e ficaram calados e depois é claro que um deles riu e disse toma isso aqui e ele não tomou e não riu e levantou e foi embora e desceu a escada correndo e quando viu já tinha atravessado o bairro inteiro e estava ensopado de suor e talvez fosse só efeito da bebida, talvez agora ele pudesse voltar e todo mundo estaria lá e nem achariam estranho esse surto porque as vezes a Lin e o Cris tinham isso, vazavam, desapareciam por dias e voltavam com uma expressão mais saudável, acho que os pais deles tinha dinheiro e comer pouco as vezes fica difícil, nem sempre dá pra aguentar, mas ele continuou correndo e quando já estava sóbrio pôde caminhar, mas não voltou.
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O ALPINISTA
Todo alpinista pensa na morte. Não há irregularidade nisso. O trabalho de todo alpinista é escalar pensando na morte. Se no meio de uma escalada o alpinista quebrar uma de suas pernas, ele deve continuar a escalar, mesmo sabendo que, naquele momento, ele acabou de morrer. Ao quebrar uma das pernas, qualquer alpinista deve ser abandonado. Não há irregularidade nisso. Se alguma música vier à cabeça do alpinista abandonado, então essa música deverá ser a última música que ele deve cantar enquanto morre. Se no momento da morte, o alpinista não pensar em nada, então ele elegerá o silêncio como trilha sonora da sua despedida. Se no momento da morte, o alpinista só puder pensar em sua própria morte, então ele nunca mais poderá descansar da realidade. O fracasso pessoal de não conseguir separar sua morte do pensamento de sua morte, faz do alpinista um problema de semântica ficcional. Para um alpinista, a ficção começa não quando ele quebra a perna, mas no momento em que ele associa sua perna quebrada à morte certa. E mesmo que todo alpinista pense na morte, a ficção do abandono é maior do que qualquer pensamento que ele possa ter enquanto morre. No detalhe da ficção, a morte de um alpinista é equivalente à sua escalada. No detalhe da realidade, uma escalada é equivalente a um abandono. Ao quebrar uma de suas pernas, o alpinista condensa ficção e realidade em um único detalhe narrativo de sua história: sua morte. A morte de um alpinista, nesse caso, tem o mesmo valor do verbo que ele mesmo executa. Mesmo assim, a morte de um alpinista pode e deve ser acompanhada de certa irrelevância. Não porque nós, alpinistas, já estaríamos preparados pra ela. Mas porque um alpinista que morre, sempre morre duas vezes.
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SOBRE A SENSAÇÃO OCÊANICA
Ao descrever a “sensação oceânica” de escalar uma montanha, o alpinista se mantem inseguro à adjetivação marítima. Nesse caso, o mar jaz como um céu tombado em nossas visões e o olhar do alpinista são os olhos do futuro. A literatura detalhada espera, com isso, chegar ao nível da segurança escalonada: começamos protegidos e aos poucos perdemos defesa. A certeza irrelevante de um alpinista à beira da morte, nesse caso, é mais importante do que a própria imagem de sua escalada. Isso quer dizer que, ao descrever a “sensação oceânica” de escalar uma montanha, o alpinista se mantem inseguro à adjetivação marítima, assim como o leitor deixa escapar um a um os seus respaldos de compreensão. Nesse caso, o alpinista prova na prática o fracasso singelo de uma classe gramatical. Se o seu trabalho está garantido pela ação objetiva de verbos transitivos (escalar, correr, quebrar, subir), não há nada que ele saiba menos do que detalhar sua sensação perante a montanha. O alpinista está preso à gramática normativa, assim como a sensação dentro de sua cabeça ignora a coerência textual de qualquer pensamento. Nesse caso, a “sensação oceânica” deflagra sua incipiência literária e inutiliza sua figura de esportista. Ora, se estivéssemos diante de um marinheiro descrevendo sua navegação com certa “percepção montanhosa”, todo relativismo do mar, embora mais abrangente e subjetivo, transformaria a imagem do marinheiro em uma recorrência adjetiva descuidada e desastrosa. Há uma catastrófica inversão de detalhes. Nesse caso, as montanhas se erguem como um mar de pedras e o olhar do marinheiro são os olhos do passado.
DIÁLOGOS Acordei às nove horas. Andei depressa até o banheiro, depois voltei para a cama a fim de escrever a carta da noite passada para P. De banho tomado, estava cedo para variar, e não estava tão quente. Nós estamos nos recuperando após uma semana com o pássaro. Ontem à noite o matamos. Por que você está olhando para mim? Eu não vim para ficar... Não é que eu me esqueci, é que não consigo me forçar a lembrar. Outras coisas eram mais importantes. Quando mais nova, eu era uma pequena e ardorosa deísta. Minha vontade está mais frouxa do que nunca. Que isso seja o mergulho antes da ascensão. Saia dessa, garota. Você está criando obstáculos monumentais de algo que deveria ser concedido – vivendo de uma reputação passada. Leia uma história: Pense. Você consegue. Mas você não deve fugir enquanto estiver dormindo – esquecer detalhes – ignorar problemas – levantar paredes entre você e o mundo e todas as espertas garotas alegres – por favor, pense – saia dessa. Acredite em alguma força beneficente além do seu próprio eu limitado. Deus, deus, deus: Onde você está? Eu quero você, preciso de você: da crença em você e na humanidade. Você não deve tentar escapar deste jeito. Você precisa pensar. O escapamento da fala. Minha mente está escorrendo através da minha boca. Um dia, quando eu estiver cambaleando escada acima para fritar ovos e dar leite para o bebê e preparar o jantar para os amigos de meu marido, vou pegar um Bergson, ou Kafka,
ou Joyce, e languir por todas as mentes que estão pulando e saltitando para além da minha. Em que eu acredito? Duas pessoas algemadas uma à outra perto de um monte de esterco não deviam discutir. Só serve para aumentar o monte de esterco alguns centímetros + eles têm de viver com aquilo fedendo embaixo do seu nariz. Como expressar raiva criativamente? Em que eu acredito? O que fazer para ter dinheiro e onde morar: prático. O que fazer com o medo de escrever: por que medo? Medo de não ser um sucesso? Medo do mundo casualmente te falar que está errada por meio de rejeições? Por que eu congelo de medo na minha mente & escrita: sim, olhe: sem cabeça, o que você espera de uma menina sem cabeça? Por que eu sinto que eu deveria ter um Ph.D., que sem um eu sou sem rumo, sem cérebro, quando eu sei que o que está por dentro é a única credencial necessária para a minha identidade? Meus defeitos: Nunca chegar na hora. Você sempre teve medo que as escolhas prematuras tolhessem as outras escolhas. [Omissão]. O que eu aprecio? É só isso. Veja, eu quero ser obstinada em insistir que não temos como saber – para além daquela lealdade fundamental ao código social – o que é “certo” e o que é “errado”, o que é “bom” e o que é “mal”.
INUMERÁVEL
Os professores nos tratavam pelo número da chamada e por isso só conhecíamos os nomes dos colegas mais próximos dos que davam sempre desculpas para não saber o nome do meu personagem que me lembra perfeitamente o 34 naquele tempo em que eu era o 45 andando e dando graças à inicial de meu sobrenome desfrutar de uma identidade mais sólida que os demais e que ainda hoje sinto familiaridade com esse número tal qual era bom ser o último dos 45 que eram muito melhores dos exemplos da classe que matinha o 15 ou as 27 primeiras coisas que me lembro sobre o 34 é que ele às vezes comia cenouras na hora do recreio porque sua mãe as descascava e as acomodava com capricho num pequeno tupperware que ele abria destapando com muito cuidado os cantos superiores para continuar calculando a dose exata de força numa prática de luta com uma arte dificílima e muito mais importante que seu gosto por cenouras foi sua condição de repetente único dessa turma mesma que não entendia o repetir de ano seguinte com um feito vergonhoso em nossas curtas vidas já mortas por o saber que nunca chegaríamos perto desse tipo de fracasso dos 11 ou 12 anos em que acabávamos de entrar no Instituto Nacional do colégio mais prestigioso do Chile e das vezes que dizíamos que nossos históricos escolares eram portadores impecáveis dos dizeres que definiam o 34 como presença demonstrativa do quão importante seria possível fracassar pela inclusão tolerável de ter ele exibindo seu estigma com naturalidade representação em repassar as mesmas matérias o tempo todo através do seu rosto mais familiar das famílias que lhe diziam as vezes pra algum professor debochado que o 34 respondia muito bem e gentilmente que o sim do senhor é repetir como ele mesmo continuar sendo o único da turma que matem a certeza de que este ano vai ser melhor para mim nos primeiros meses do Instituto Nacional em que fomos infernais aos professores que se encarregavam de nos dizer repetidas vezes o quão difícil era o colégio em
continuar tentando fazer com que nos arrependêssemos e voltássemos ao liceu da esquina para continuarem dizendo depreciativamente e com tom de escárnio para fazer a gente rir com a cara de amedrontados com a necessidade de esclarecer-nos que esses professores eram uns verdadeiros filhos da puta e que por isso não tinham quase nomes e sobrenomes de professores de matemática sem exemplo completo de ser mais que um filho da puta como o professor de artes manuais ou escrotado pelo próprio filho da mãe como palavrão do tempo em distância absoluta de conseguirem mesmo atenuar meu rancor por eles serem sempre cruéis e medíocres com a gente que se frustrava e assim nos vendíamos para os pinochetistas que julgava-nos como babacas de merda piores que o próprio número 34 desses imbecis que tínhamos como professores de comportamento o contraditório atravessado da conduta natural dos repetentes que suporiam serem toscos ao demorarem efetivamente a se integrarem ao contexto da nova turma que fazia de má vontade o que o 34 fazia porque se mostrava sempre disposto a interagir e agir dentro da nossa contradição em receber igualmente as condições padecidas desse forte apego ao passado que faz dos repetentes os sujeitos mais infelizes ou melancólicos por estarem sempre atrás dos colegas do ano anterior à guerra incessante contra os supostos culpados por esta situação singular e curiosa a respeito do 34 não ser rancoroso com as vezes que ouvíamos ele falando com professores que não conhecíamos e pelas conversas serem animadas por movimentos de mãos e tapinhas nas costas que ele gostava de receber e de manter assim as relações cordiais com aqueles que o haviam reprovado por ele sempre tremer na base a cada vez que dava longas amostras de sua inegável inteligência nas nossas melancólicas aulas alardeadas por suas intervenções contrárias às nossas propostas tradicionais e seus novos pontos de vista ao assinalar sua opinião sobre temas complexos que diziam respeito à coisas que não estavam nos livros e que nós o admirávamos por admirá-lo em cavar a nossa própria cova pra gente mesmo sem alguém ter pedido nada é que ele apresentava sua mais alta perspicácia conquistada pelo fracasso e por isso diziam que nós teríamos que especular mais que o
normal pelas costas dele sobre os verdadeiros motivos de sua repetência em repetir diferentemente conflitos familiares obscuros com doenças longas e penosas demais para sabermos que o problema do 34 era estritamente acadêmico e saber que seu fracasso seria amanhã o nosso em abordá-lo de maneira repentinamente parecida e ao mesmo tempo apreensivamente feliz por demorar a falar como se tivesse pensado muito no que iria nos dizer quando usou o meu boné dizendo que eu não precisava me preocupar em passar de ano na próxima observação que ele vinha me trazendo durante o ano letivo em que reconfortava o que passávamos distantes mas felizes em escutar isso que diz respeito a eu ficar muito contente de um jeito quase irracional porque o 34 era o dito da voz da experiência no fato de ele pensar isso de mim já era um alívio curto por saber que a cena se repetia com outros colegas e que então correu rapidamente a notícia de que o 34 estava tirando sarro de todos nós mesmos que saberíamos depois que este só poderia ser seu jeito singular de nos infundir a confiança individual que precisávamos passar para os professores que nos atormentavam diariamente por causa dos boletins de todos serem desastrosos e não haverem exceções possíveis nas caminhadas diretas para o matadouro da questão do 34 transmitir essa mensagem a todo mundo ou apenas a supostos eleitos pelos quais ainda não haviam sido notificados a entrarem em pânico como o 38 ou o 37 que não se lembravam direito de seus números mais próximos e que por isso eram os mais preocupados em aguentar a incerteza do desespero de um dia desafiar a lógica das notificações e perguntar diretamente para o 34 se passariam de ano como ele que nunca aparentava incomodado com tal pergunta porque analisava a proposta em não conseguir observar todos ao mesmo tempo e nós sermos muitos pedindo perdão por não terem levado nenhuma observação a ele e não prestarem muita atenção em você e que ninguém pense que o 34 se achava como um cara que diz não ao mesmo tempo que sempre há em seu jeito de falar permanentemente com ar de honestidade negativa e facilmente duvidável do que ele mesmo dizia pro seu próprio semblante franco e que também ajudava mas preocupava-se em olhar as pessoas nos olhos e espaçava
as frases com quase imperceptíveis doses de suspense em suas palavras pulsadas com um tempo lento e maduro dizendo que ainda não conseguia observar todos nós mas que que acabávamos de dizer sem querer ao 38 que ninguém duvidava de que ele falava sério pro 34 que falava esquisito quando ia de vez embora e que talvez na época achássemos que para falar sério era preciso falar esquisitamente preciso no dia seguinte do 38 pedir seu veredicto e pedir sua existência de volta ao 34 que lhe respondeu com evasivas querências e pensatividades ocultadas numa verdade dolorosa em dar-me mais um tempo possível para pedir o que ainda não tenho certeza de dizer para todos que achavam que o 38 estava perdido ao cabo de uma semana depois de completar o período de observação do profeta que se aproximava dele e dizia com surpresa geral o quem tem de sim para você que vai passar de ano com toda a certeza de ficarmos todos muito contentementes claros e também assim podermos celebrar o dia seguinte em que ele salvou os outros seis que ainda faltavam sobre o que restava de algo importante a ser resolvido por agora mesmo que todos os alunos haviam sido abençoados pelo 34 que não era mais normal que a turma toda e que assim fosse aprovada a investigação parecida com o nunca dos quase duzentos anos de história do colégio ocorrida com os 45 alunos do 7º fundamental passando de ano durante os meses seguintes dos decisivos em que o 34 notava que desconfiávamos de seus desígnios demonstrativos e continuados fielmente nas suas cenouras e intervinha regularmente nas aulas com suas opiniões corajosas e interessantes como o talvez que sua vida social tivesse perdido um pouco de intensidade em saber que o observávamos e que estava na berlinda mas nos cumprimentava com a ternura de sempre chegarmos nas provas de fim de ano e confirmarmos que o 34 acertara seus vaticínios em quatro colegas que haviam abandonado o barco antes do fim que incluía o 38 nos 41 restantes dos únicos quarenta que passaram de ano por causa do único repetente que foi justamente e novamente dado como 34 no último dia de aula em que fomos falar com ele inconsolavelmente triste mas não tanto porque parecia transtornado comigo dizendo que já esperava o ocorrido
para mim mesmo que é muito difícil estudar me saindo melhor em outro colégio dizendo que às vezes precisamos dar um passo atrás do outro achando que chegamos no momento de dar um passo atrás do da frente em todos sentimos de perda do 34 no desfecho abrupto de uma injustiça que dizia assim que nunca mais voltaríamos vê-lo no ano seguinte fazendo fila junto aos do 7º ano no primeiro dia de aula do colégio que não permitia que um aluno repetisse duas vezes a mesma série em que o 34 havia conseguido não sabendo como alcançar uma exceção em não faltar nada pra quem dissesse que isso era injusto com o 34 que tinha as costas mais quentes do a maioria havia pensado que era bom pra ele ficar em todo os casos que nos surpreendia saber que queria viver a experiência mais uma vez de falar com ele naquele mesmo dia em que tratei de ser amistoso e ele também foi cordial porque estava mais magro e sua diferença de idade em relação a seus novos colegas era gritante em comparação mais ao 34 me dizendo finalmente que eu já conhecia um tom solene de agradecimento por se importar comigo mesmo sabendo que o 34 não existe mais e agora sou mesmo o 29 e tenho que me acostumar a minha nova realidade e prefiro assim me integrar com a minha turma e fazer novos amigos do manter uma saudável viver no passado suponho sempre que tinha uma razão em de vez em quando ver ele ao longe interagindo com seus novos colegas ou conversando com os professores que o haviam reprovado no ano anterior e achavam que dessa vez ele conseguiu enfim passar de ano mas continuou no colégio por muito tempo já que de pouco em pouco o perdemos de vista pra sempre.
EU NÃO CONSIGO PEGAR O RITMO project for a new century anyway accept no imitations
eu não consigo pegar o ritmo. eu estou em uma bela casa no centro da cidade, mas eu não consigo pegar o ritmo. todo mundo diz que vai ficar tudo bem. que eu só não posso me desesperar. mas eu não consigo pegar o ritmo. sentar nos degraus com o excesso de cafeína e uma mandíbula bloqueada eu não consigo pegar a porra do ritmo. eu to bem como você ta eu to bem também e você ah eu também to bem que bom eu espero que você também esteja bem eu to bem e você eu também to bem que bom uma voz diferente corta a vida e a morte como margarina os aplicativos apitaram mais de uma vez destruíram a minha cozinha abandon hope all ye who enter here eu to sentado aqui sentindo meu pulso querendo saber o que eu sentiria se ele parasse eu escrevo uma lista de coisas que eu preciso gelo no surprises minha pessoa pasta de dente calma i am disturbed by my past lives sometimes i imagine i see them watching me. many voices and faces, like we have all met at a particular point in a journey. num dia chuvoso desses, eu saí pra fazer compras e de repente tinha uma multidão crescendo em volta de mim eles tinha a impressão de que eu poderia voar parece que acabou acontecendo um terrível engano: o jornal local havia impresso um artigo sobre um homem que realmente tinha esse talento, mas eles colocaram uma foto minha em cima desse artigo eu não tenho certeza de como o jornal encontrou uma foto minha, mas essa era a menor das minhas preocupações naquele momento, sendo
encarado por uma multidão estranha eu tentei explicar, mas a multidão não vai me ouvir até que eu realmente mostre pra eles os meus poderes ok, então eu mostro pra vocês, eu desisto então eu me ponho de pé e a multidão prende a respiração eu levanto as minhas mãos e começo a bater os meus braços e pular o mais alto que eu consigo no ar isso se prolonga por um tempo e eu fico completamente assustado pensando que a multidão decepcionada pode me atacar a qualquer momento, eles vão pensar que eu sou um babaca se autopromovendo mas no final eles simplesmente foram embora, resmungando aliviado, eu fui pra casa, chateado demais pra continuar as minhas compras naquela noite, sozinho, eu tentei voar mais uma vez isso acabou se provando como um exercício bastante inútil, mas viciante agora todas as noites eu subo no telhado da minha casa e fico batendo os meus braços e dando pequenos saltos em cima das telhas por mais que eu tente, eu nunca consegui uma decolagem e você não vai acreditar nisso SUPORTe 1030832488 echo ÁÉÍÓÚ | tr ‘[:upper:]’ ‘[:lower:]’ tar tf /inexistente eunãoconsigopegaroritmo.jpeg ls -l / date cal 1 1999
The Colors of Love [legendagens para corpos encontrados no lixo]
Em 28 de março de 1941, Virginia Woolf esvaziou os seus bolsos cheios de pedras e não entrou no rio Ouse. O seu marido, Leonard Woolf, que era obsessivamente descuidado, manteve na vida adulta um diário no qual registrava todos os dias as suas próprias refeições e as quilometragens diárias do carro. Aparentemente, tudo mudou no dia em que sua mulher se matou. Naquele dia, ele pulou uma página do diário e a manteve em branco para sempre. Diz sua biógrafa, que essa página do diário é a única terrivelmente limpa, no meio de tantas outras marcadas e borradas. É a única página sem nenhuma mancha de todo o seu diário
Eles estavam todos em silêncio, esperando que alguém dissesse alguma coisa, mas no fundo sabiam que não tinham nada a dizer, que nunca há nada importante a ser dito e o que fazemos na verdade é um esforço imenso para não ficarmos em silêncio o tempo inteiro, é por isso que a gente lê, ouve música, viaja, anda de ônibus, toma banho, cozinha, faz supermercado, pinta o cabelo, é pra não ficar em silêncio. Naturalmente ficariam assim calados. Estavam cansados e bêbados ou já de ressaca, mas em círculo se olhavam e algo precisava ser dito, por quê senão pra quê teriam passado aquela noite acordados, juntos, dançando ou fazendo piadas e achando muita graça de qualquer coisa, de quase tudo, quase tudo que na verdade não tinha a menor graça, como derrubar um pote de manteiga ou morder a língua sem querer. Nada disso é engraçado, mas à noite ficava. Naquela noite tinha que ficar. É só isso que resta para vocês. É só isso que nos resta. Alguém devia saber que não havia nada no dia seguinte, que esse era o auge e que tudo bem, pra quê querer mais do que uma noite virada com amigos e quase nada pra dizer, mas nenhum silêncio? Alguém na cozinha fazia uma vitamina ou qualquer coisa que fazia um barulho de obra. Era cedo pra aquilo. Tá cedo ainda para. Teria tido graça há algumas horas mas agora nem isso. O som de bateria continuava, uma vitamina saiu da cozinha, com que frutas nunca saberiam dizer, onde estava a comida daquela casa que funcionava quase como um ponto de parada e as camas eram também sofás e a televisão era só pra decorar porque estava furada na parte de trás, mas vista de frente dava um ar de apartamento antigo, quase aconchegante e isso era bom, chegar em casa e se sentir acolhido, isso era quase utópico agora morando uns sobre os outros naquela cidade em que ninguém parecia ter uma vida com começo, meio e fim, só meio, só entre, entre empregos, entre casas, entre amores, entre um dia e o outro, na madrugada que é quase sempre entre dias que vão ser vazios, quentes demais, um gole de vitamina ajuda, alguém disse, pra quem? toma só um gole, tinha alguém passando mal? O sol lá fora já estava alto, devia ser mais do que
nove da manhã, fecha a cortina, qual? novos risos, a vitamina deve ter ajudado, ficou engraçado de novo estar ali em círculo, alguns já dormindo, talvez há horas, dias, talvez nunca tenham acordado desde que chegaram, quase nenhum nome se sabia, só apelidos de até quatro letras no máximo, é todo mundo curto aqui, por quê será? Curto? Ju, Pê, Clau, Til, Bil, Lin, Cris, todo mundo tem pouca letra pra si. Risadas altas. Não tá mais tão cedo, pode rir agora. Deve ter sido nessa hora que as coisas começaram a mudar. Não pra todo mundo. Mas um dos conjuntos de poucas letras percebeu. Que queria ficar em silêncio. Que falava e ria por medo de ser engolido por esse dia que fica entre as madrugadas, por ser engolido por cada ano que passava, cada vez mais rápido e que em breve fazer isso, viver assim, amontoado, não seria mais suficiente, mas que também viver sozinho não seria uma opção, numa casa grande, cheia de cômodos vazios e com televisões que funcionassem e uma geladeira com comida reposta semanalmente, isso também não. Ficou em silêncio. A conversa voltou a ser como antes, como sempre ia ser, como nunca poderia ser, desse jeito que ele não sabia ainda como deveria ou queria, só tinha certeza que não era daquele jeito, entre silêncios, entre surtos de graça, se fosse silêncio, que fosse calado e ponto, não esperando uma oportunidade pra falar, essa expectativa de dizer algo que interessasse era o grande problema. Cala a boca. Ele disse. Eles olharam e ficaram calados e depois é claro que um deles riu e disse toma isso aqui e ele não tomou e não riu e levantou e foi embora e desceu a escada correndo e quando viu já tinha atravessado o bairro inteiro e estava ensopado de suor e talvez fosse só efeito da bebida, talvez agora ele pudesse voltar e todo mundo estaria lá e nem achariam estranho esse surto porque as vezes a Lin e o Cris tinham isso, vazavam, desapareciam por dias e voltavam com uma expressão mais saudável, acho que os pais deles tinha dinheiro e comer pouco as vezes fica difícil, nem sempre dá pra aguentar, mas ele continuou correndo e quando já estava sóbrio pôde caminhar, mas não voltou.
ANO PASSADO EU MORRI, MAS SE ESSE ANO EU NÃO MORRO
O Cristo, se o governo, se as bocetas nesse mundo, se aquela cena da cobra engolindo o sapo, se os leões devorando as criancinhas que esguicham sangue, se o sol secando o sangue das criancinhas, se o sangue das criancinhas se decompondo, se liberando carbonos, se formando petróleo: o combustível do piloto de carros em chamas. O piloto se queimando se derretendo, se liberando carbonos se toda essa angústia o tempo todo. Aquelas palavras se aqueles livros todos explicando as palavras se as palavras dos livros, se a história do Cristo, lá, todo ensanguentado na cruz, se o sol secando o sangue do Cristo, se os vermes devorando o corpo do Cristo se o combustível do piloto de carros em chamas, se as crianças esguichando sangue se aquele programa divertido da televisão com o cara explicando todas aquelas palavras: a dor. A dor, se aquele livro cheio de palavras se o Presidente da República falando aquelas coisas todas para o povo, se o povo ouvindo o Presidente da República se a dor do povo, se o sangue do povo esguichando se o sol secando o sangue do povo, se o povo em chamas nas revoluções se o povo ouvindo a história do Cristo, se o povo bebendo o sangue do Cristo se o fedor do povo, se o Presidente da República se essa angústia toda entre os homens, se as mulheres fazendo sexo se todas essas doenças no sangue do povo fazendo sexo, se produzindo criancinhas se liberando carbonos o tempo todo, se os organismos fedendo se a gordura nos organismos: aquelas mulheres. Aquelas bocetas se aquelas palavras todas se
o sangue, se o povo comendo o cadáver do Cristo se o povo comendo cadáveres diversos, se o sol, lá em cima, secando o fedor do povo se as palavras todas: os problemas do povo. Todas as palavras sas paixões so povo sos deputados, lá, criando leis para o povo, so Cristo, lá, criando leis para o povo so povo criando leis so cara, lá na televisão, explicando tudo, no caixão, liberando carbonos, sos gases do estômago so piloto de carros nas chamas produzidas pelo sangue das criancinhas so Cristo criando criancinhas devoradas, so Presidente dos Estados Unidos, lá na Casa Branca, sa mulher do Presidente dos Estados Unidos. A boceta da mulher do Presidente dos Estados Unidos-se sos nos caras fazendo sexo com as mulheres bonitas do cinema-se so no cara fazendo sexo com a Marylin Monroe-se sa na boceta da Grace Kelly-se so no príncipe olhando para a boceta da Grace Kelly-se sa na Grace Kelly olhando para o pau do príncipe-se sa na Grace Kelly sentada no bidê-se sas nas fezes dos seres humanosses sas nas fezes de todosse so no sol secando a merda-se liberando carbonosse produzindo petróleose nos árabes, todos lá no Oriente Médio, produzindo sangue-se nos árabes produzindo petróleo-se sas nas criancinhas esguichando sangue-se naquelas espadas cortando cabeças-se nos chinesesses nos japonesesses nos indianosses nos caras do oriente, lá no oriente, meditando-se no integrando ao todose sessa nessa angústia toda naquelas bocetas esguichando sangue-se sos nos jogadores de futebol, lá na Itália, sos dólares dos jogadores de futebolse sas nas bocetas das mulheres dos jogadores de futebol-se nos negros da África-se so no negro Presidente da África do Sul-se sos nos cantores ingleses arrecadando dólares para as criancinhas negras da África-se sos negros produzindo música-se sos ingleses tocando a música dos engrosse naquelas
guitarras coloridasses sos jovens levantando as mĂŁosse no fazendo sinais para os ingleses nessa angĂşstia toda-se na Inglaterra toda angustiada-se na boceta da Rainha da Inglaterra-se sos peitos murchos da Rainha da Inglaterra-se nos filhos da Rainha da Inglaterra com aquelas lourasse sas luzes se acendendo atravĂŠs dos fios de eletricidade-se nessa energia toda iluminando o sangue das criancinhas: as florestas. ... se ... ... ... ... ... ... ..-se. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... se ... ... ... ... ... ... ..-se. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... se ... ... ... ... ... ... ..-se. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... se ... ... ... ... ... ... ..-se. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... se ... ... ... ... ... ... ..-se. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... se ... ... ... ... ... ... ..-se. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... se ... ... ... ... ... ... ..-se. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... se ... ... ... ... ... ... ..-se. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... se ... ... ... ... ... ... ..-se. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
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PALOMAR Palomas ao mar. Palavra de origem hispânica para denominar pomba. Palomar: Pombas ao mar. Seres que não são aptos ao nado: anatomia discutível: penas quilhas cloacas duas pataspés com garras para se apoiar. Observatório. Antes em galhos, agora na rede de fios elétricos. Palomas não são seres aquáticos. Palomas não são seres do mar. Palomas não são seres de grandes vôos. Palomas não são muitas vezes mais que incômodo: mas são revoadas. Palomar: verbo intransitivo, 1ª pessoa do indivativo, conjugação regular: a cada 25 dias certeiros pela manhã. Passível de conjugação em todos os pronomes: singulares e plurais. Ato de mergulhar sem ser apta ao mergulho; ato de atirar-se a água sem saber nadar; ato de se fazer rasante na quebra da onda; afundar-se superficialmente e ser levada para borda; mergulhos rasos; ato de Palomar. Flexiona-se muitas vezes como substantivo: comum. Paloma observava as palomas palomando nos palomares.
Em 28 de março de 1941, Virginia Woolf encheu os seus bolsos de pedras e entrou no rio Ouse. O seu marido, Leonard Woolf, que era obsessivamente meticuloso, manteve na vida adulta um diário no qual registrava todos os dias as suas próprias refeições e as quilometragens do carro. Aparentemente, nada mudou no dia em que sua mulher se matou. Na página daquele dia, encontraram em seu diário a frase “Não há mais elegância nas águas”. Diz sua biógrafa, que essa frase é a única de todo o diário que poderia referir-se à morte de sua esposa. É a única página sem qualquer indicação gastronômica ou números de quilometragem.
DESCRIÇÃO [44] A literatura é exatamente como a vida porque a vida e a literatura são cheia de detalhes, de maneira amorfa. [45] A literatura e a vida estão completamente fundidas; a vida às vezes invade a literatura, que, por sua vez, invade a vida.
A primeira coisa a ser feita é trancar a porta, uma tábua de madeira pintada de branco já gasta pelos anos e pela falta de cuidado e arranhões feitos pelo cachorro, um golden retriever que cresceu mais do que devia, herdado junto com a casa, localizada numa rua distante num canto fantasma dessa cidade que cresceu demais, e ele busca no bolso direito da sua calça jeans, que ficou jogada dentro do armário por mais tempo que esperava e que agora exala aquele cheiro de poeira-de-fundo-de-armário-da-casa-dos-avós dando a impressão dele ser um prisioneiro do tempo que pela primeira vez saí a rua desde que era um menino, procura o molho de chaves, que nem merece este nome porque não passa de um conjunto de apenas três – a da porta, a do portão e a do seu quarto, a única chave que ele faz questão de levar consigo todas as vezes em que sai, a única chave nova que mandou fazer desde o dia em que recebeu a casa e decidiu que seria o primeiro dia do resto de sua vida, ele correu até o chaveiro, um senhor tão fantasma quanto aquele canto esquecido da cidade sempre um chapéu que parece ter se fundido com sua cabeça pela sua borda desfiada que se confunde com seus cabelos emaranhados numa confusão de tecido, caspa e fios brancos, pediu para que fosse com ele até sua nova casa e pediu para que trocasse a fechadura, daquelas antigas de ferro e com espaço o bastante para permitir a qualquer curioso enfiar seus olhos e invadir o canto mais sagrado de sua intimidade sagrada, pede para que coloque uma daquelas em que até mesmo
um fio de cabelo, ou o grafite de uma lapiseira, tenha dificuldade de chegar até o outro lado dessa folha que se aproxima do final, umas três ou quatro linhas brancas-infinitas que se pretendem forçosamente se completar nos próximos intermináveis quinze minutos exaustivos em que os dedos, magros e meio ossudos como uma caveira que insiste em vestir uma pele que já não mais lhe cabe carregar para cima e para baixo de uma folha de papel branca-profunda e pautada que se estende para sempre, se cansam e tencionam como se apertassem o pescoço de alguém que se deseja ver morto e enterrado no vão das próximas três linhas brancas-eternas e meia, decidindo o rumo que se deve tomar depois que se tranca uma porta, pintada de branco-sólido, e atravessa a rua, esvaziada pelo tempo e pela desvalorização, que comeu seus muros dando espaço para que a vida selvagem pudesse fazer frente a esse pedaço de terra conquistado por homens esquecidos pelo tempo, chegando então à um carro que um dia já foi vermelho, mas que hoje é uma lataria cansadamente descolorida pela inúmeras tentativas de destruição promovida por este homem que numa espantosa velocidade se arremessa sobre o banco de tecido escuro e esburacado levantando uma poeira branca como um vapor do tempo que nunca foi gasto com as futilidades de um aspirador de pó. Ele então liga o carro, que rompe o silêncio de uma madrugada melancólica, comum daquele canto fantasma de uma cidade que cresceu demais, e arranca com o barulho surdo de pneus mais vazios do que o recomendável, gira lentamente a manivela, abrindo a brecha para que um sopro leve se despeça de seu rosto, e arremessa o molho de chaves, que nem merece este nome porque não passa de um conjunto de apenas poucos espaços brancos-pífios de uma linha que vai chegando ao fim e que não mais permite o esclarecimento de nenhum segredo que ficou trancado numa casa antiga.
ÂNSIA CIRCULAR (Ler de cima para baixo)
Você morreu pra mim. Engole saliva Meu testamento diz, Foda com tudo isso e eu vou te perseguir pro resto da porra da tua vida. Caminha para a janela Ele tá me seguindo. Respira devagar O que você quer? Se vira Morrer. Fecha o punho Em algum lugar fora da cidade, eu falei pra minha mãe, Você morreu pra mim. Se vira para o outro Não, não é isso. Limpa os olhos Se eu pudesse me livrar de você sem te perder. Dá uma risada Às vezes isso não é possível. Pigarreia Eu vivo dizendo pras pessoas que estou grávida. Eles perguntam Como isso aconteceu, o que você tá tomando? Eu digo que bebi uma garrafa de vinho do porto, fumei uns cigarros e trepei com um estranho. Sorri Tudo mentira.
Limpa o rosto Ele precisa ter um segredo mas acaba logo contando tudo. Ele acha que nós não sabemos. Acredite, nós sabemos. Vira e fixa seus olhos num espelho Uma voz no deserto. Levanta num impulso Aquele que chega mais tarde. Chora compulsivamente Há uma coisa no caminho. Ri compulsivamente Ainda aqui. Sorri para si Há três verões eu estava de luto. Ninguém morreu mas eu perdi minha mãe. Passa os dedos pelo tecido da poltrona Ela teve ele de volta. Volta o olhar para a parede Eu acredito em aniversários. Que um estado de espírito pode ser repetido mesmo se o evento que o tenha causado seja insignificante ou tenha sido esquecido. Nesse caso não é um nem outro. Sorri de modo constrangido Eu envelhecerei e eu vou, ele vai, alguma coisa Olha para trás Eu fumo até ficar enjoado. Suspira
Preto sobre branco e azul. Fica em silêncio Quando eu acordei eu pensei minha menstruação deve ter descido ou melhor não deve ter parado já que só terminou três dias atrás. Se senta O calor salta de mim. Caminha para outro cômodo O coração salta de mim. Dá as costas Não sinto nada, nada. Não sinto nada. Se afasta É possível? Respira fundo Como? Fecha o punho Não sou estuprador. Fixa os olhos nos olhos do outro David? Se levanta (tempo) Respira fundo Sim. Fixa os olhos num ponto distante Sou pedófilo. Soca o chão Lembra de mim? Chora (tempo) Cai de joelhos Sim. Sequência de socos Parece alemão, Dá outro soco Fala como espanhol,
Soca contra o estômago Fuma como sérvio. Fecha o punho Você esqueceu. Cospe Todas as coisas para todos os homens. Olha profundamente Não acho Se aproxima lentamente É. Respira fundo Não consegui esquecer. Arruma os cabelos Procurei você. Por toda a cidade. Cobre o rosto com as mãos Não acho mesmo Empurra pra longe É. É. Se atira no chão Acha sim. Soluça Sim. Chora alto Por favor, pare com isso. Chora E agora te achei. Olha profundamente Alguém que morreu não está morto. (Ler de baixo pra cima)
TRABALHOS
Leonardo Araujo • Ano passado eu morri, mas se esse ano eu não morro [Apropriação dos primeiros parágrafos do texto AMOR de André Sant’Anna] • Inumerável [Apropriação do texto 34 de Alejandro Zambra] • Popol Vuh / Terceira parte [Tradução do livro do Conselho dos Índios Quichés] Vinicius Garcia Pires • Ânsia circular • Descrição • Epilogo, Herta Müller • Fricção • The colors of love [legendagens para corpos encontrados no lixo] Legendagem para o vídeo de Peggy Ahwesh Gustavo Colombini • Diário • Eu não consigo pegar o ritmo • No estivesse • O alipinista e a sensação oceânica • Vai caber no tempo que eu tenho • Virgínia Woolf Paloma Durante • Post-it • Palomar • (Sem título) para desesquecer • Toranja [Traduções do livro performático Grapefruit, escrito por Yoko Ono. Peças selecionadas.] • Bonne nuit Barbara Wagner Mastrobuono • Descontextualização por meio de formas na natureza
• Diálogos [Textos retirados dos livros: Diários, de Susan Sontag; I Know Why The Caged Bird Sings, de Maya Angelou; Slouching Towards Bethlehem, de Joan Didion; e The Journals of Sylvia Plath, de Sylvia Plath] • Ânsia por ver • Contagem dos locais onde morro e vivo João Dias Turchi • Procedimento de segurança com palavras desconhecidas • Adaptação livre [Texto montado a partir de grifos dos livros: A Caverna, de José Saramago; Crepúsculo dos Ídolos, de Friedrich Nietzsche; Juventude, de Joseph Conrad; e O Amor é um cão dos diabos, de Charles Bukowski • Eu, Marthia Pasquali (Organização de textos espalhados pelo bairro de Santa Cecília/Higienópolis por senhora desconhecida, que se identifica como Marthia Pasquali] • Bonne nuit parasitado PROJETO GRÁFICO
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ESQUECIMENTO
(SEM TÍTULO) PARA DESESQUECER
ÂNSIA POR VER Você sempre parecerá mais velha que eu nas fotos, apesar de que daqui a dois anos eu serei dez anos mais velha que você. Às vezes eu acho que finalmente começo a enxergar seu rosto nas fotos como o rosto de uma criança, com suas curvas que me parece até ridículo descrever como delicadamente redondas, mas que eram, realmente eram, delicadamente redondas. Você está dormindo umas cinco quadras de onde eu durmo, e me pergunto em qual estado suas bochechas redondas estão agora. Eu não entendo absolutamente nada de decomposição, só sei que as unhas e os cabelos continuam a crescer. Será que os seus olhos ainda estão intactos? E os dentes? Os seus dentes que tinham a mesma lacuna que os de minha irmã e os meus, a lacuna que ficava em todos os pacientes do Dr. Emil depois de usarem o aparelho móvel. Lembro de nós três sentadas nas almofadas que ficavam em cima das bancadas de concreto da sala de espera, no canto que tinha os gibis, antes de instalarem a televisão, esperando nossa vez de sentar naquela cadeira e ter lágrimas de dor escorrendo por nossa face enquanto ele nos cutu-
cava com aqueles ganchos dizendo que o que os olhos não veem o coração não sente. Os seus dentes ainda estarão intactos? Os seus dentes perfeitos perfeitos tão mais perfeitos que os meus, que você sorriu para mim aquele dia que fui na sua casa e você estava sentada no sofá que ainda tinha o estofo amarelo, assistindo televisão com todas as luzes da casa apagadas, daquele jeito que você fazia que eu sempre considerei estranho já que eu tinha medo do escuro e não sabia como qualquer pessoa conseguia ficar sentada no escuro quando estava sozinha em casa. Aquele dia foi naquela semana onde eu voltei da praia e não consegui parar de chorar do momento em que coloquei o pé no carro até o momento de colocar meu pé no avião dois dias depois porque por um momento no meio da areia havia esquecido o quanto eu era triste mas assim que precisei sair lembrei, e então abri a porta da sua casa e você estava sentada sozinha e você foi a única pessoa que conseguiu me fazer parar de chorar. Sinto saudade de você. Você me levou para ver piratas e me fez parar de chorar. Sinto saudade de entrar na sua casa e encontrar você sentada no meio da sua cama com a
colcha laranja lendo seus fichários de cursinho e sentar no sofá azul em baixo dos quadros do Renoir, aqueles com as meninas tocando piano, e ouvir você contar de como a sua irmã estava roubando coisas das amigas ou de como sua mãe estava louca outra vez. E eu contava de como meu pai estava louco e nós dávamos risada mas sei que no fundo a gente morria mas morria mas morria de medo de que um dia a gente seria louco também, gritando com nossos filhos sobre moedas na sala ou peças de chuveiro que estavam soltas. Eu ainda morro de medo, mas você só morreu então é isso. Eu estou com frio hoje na minha cama no meu apartamento que você nunca viu apesar dos seus irmãos já terem visto, estou com frio mas imagino que você esteja aquecida porque na sua cova tem uma parede de cimento que não deixa o vento entrar, apesar de que agora pode ser que você já nem tenha mais pele já que a única coisa que continua crescendo é o cabelo e as unhas acho que a pele não cresce mais. Talvez agora em dez anos o seu cabelo já tenha crescido tanto que possa te envolver em uma espécie de cama castanho-dourada, te deixar contida de um jeito bom para
que você se sinta abraçada e não fique muito sozinha na sua gaveta. Quando fecharam a sua gaveta entrei em pânico, cada tijolo que cimentavam queria gritar para parar porque dali a algumas horas você ia acordar e tudo ia se revelar um engano terrível mas você nunca iria conseguir sair se estiver tudo cimentado. Sinto tanta saudade de você que escrever sobre você me dá sono, vejo minha mente tentando se desligar enquanto eu tento expelir essas palavras porque ela sabe que se ela ligar e eu lembrar de tudo (o cheiro do seu perfume, as estrelas de gelatina coladas no espelho dentro do seu armário, ver você fazer os seus irmãos chorarem, a noite que cheguei da praia depois de dar o meu segundo beijo e você e a Vitoria estavam balançando na rede me esperando, acordar de manhã no seu quarto na casa de Itu e ouvir o som da televisão da sala e saber que você já estava acordada, ficar com raiva porque você sempre precisava ser a melhor personagem em todas as nossas brincadeiras, mostrar meus desenhos para você, esperar você na porta da escola para a gente voltar para casa, me sentir segura no seu quarto porque você era e ainda
é a única adolescente que eu nunca vi julgar ou ridicularizar ou excluir outra pessoa para se sentir mais existente não sei como você conseguiu porque eu não sou mais adolescente e ainda hoje me vejo tentando e falhando em ser tão compreensiva e gentil quanto você era aos dezoito anos) meu coração vai começar a transbordar e acordar até meu corpo inteiro estar piscando com todas as vezes que você encostou em mim e todos os seus cheiros que já roçaram em minha pele e todas as vezes que eu encostei minha cabeça contra o seu ombro, respirando a lã daqueles ponchos que até hoje me fazem rir quando eu lembro, seu cabelo grosso que é igual ao do meu pai só que mais claro se enroscando na frente dos meus olhos. Meus olhos já doem porque eu sei que tudo que eu vou lembrar tem um limite de tamanho se eu já nem lembro o que tomei de café da manhã como vou lembrar de todas as palavras que você já me disse e agora minha menina você vive dentro de mim esse ano não foi ninguém além da gente na missa então você vive dentro da gente e eu não posso mais esquecer as coisas. Mas eu não quero pensar nisso estou com saudade e estou com
sono e eu não consigo mais escrever. Vou pensar em você naquele sofá amarelo, e eu vou sentar do seu lado no sofá. Vamos sentar no escuro e eu não vou ter medo porque você está do meu lado. A casa está silenciosa, ela está vazia. O seu quarto ainda está com todos os móveis. Vou me sentar do seu lado e vamos apenas ficar assim, uma do lado da outra, sem pensar no fato de que dali a dez anos eu vou estar deitada na cama pensando em você e você vai estar dormindo em uma gaveta longe dos meus olhos, uma gaveta que fica dentro de um túmulo que eu não me canso de encarar tentando penetrar as frestas para finalmente te ver de novo, porque Ceci, nosso dentista estava tão mas tão mas tão completamente errado, o que os olhos não veem o coração sente sim.
Eles estavam todos em silêncio, esperando que alguém dissesse alguma coisa, mas no fundo sabiam que não tinham nada a dizer, que nunca há nada importante a ser dito e o que fazemos na verdade é um esforço imenso para não ficarmos em silêncio o tempo inteiro, é por isso que a gente lê, ouve música, viaja, anda de ônibus, toma banho, cozinha, faz supermercado, pinta o cabelo, é pra não ficar em silêncio. Naturalmente ficariam assim calados. Estavam cansados e bêbados ou já de ressaca, mas em círculo se olhavam e algo precisava ser dito, por quê senão pra quê teriam passado aquela noite acordados, juntos, dançando ou fazendo piadas e achando muita graça de qualquer coisa, de quase tudo, quase tudo que na verdade não tinha a menor graça, como derrubar um pote de manteiga ou morder a língua sem querer. Nada disso é engraçado, mas à noite ficava. Naquela noite tinha que ficar. É só isso que resta para vocês. É só isso que nos resta. Alguém devia saber que não havia nada no dia seguinte, que esse era o auge e que tudo bem, pra quê querer mais do que uma noite virada com amigos e quase nada pra dizer, mas nenhum silêncio? Alguém na cozinha fazia uma vitamina ou qualquer coisa que fazia um barulho de obra. Era cedo pra aquilo. Tá cedo ainda para. Teria tido graça há algumas horas mas agora nem isso. O som de bateria continuava, uma vitamina saiu da cozinha, com que frutas nunca saberiam dizer, onde estava a comida daquela casa que funcionava quase como um ponto de parada e as camas eram também sofás e a televisão era só pra decorar porque estava furada na parte de trás, mas vista de frente dava um ar de apartamento antigo, quase aconchegante e isso era bom, chegar em casa e se sentir acolhido, isso era quase utópico agora morando uns sobre os outros naquela cidade em que ninguém parecia ter uma vida com começo, meio e fim, só meio, só entre, entre empregos, entre casas, entre amores, entre um dia e o outro, na madrugada que é quase sempre entre dias que vão ser vazios, quentes demais, um gole de vitamina ajuda, alguém disse, pra quem? toma só um gole, tinha alguém passando mal? O sol lá fora já estava alto, devia ser mais do que nove da
manhã, fecha a cortina, qual? novos risos, a vitamina deve ter ajudado, ficou engraçado de novo estar ali em círculo, alguns já dormindo, talvez há horas, dias, talvez nunca tenham acordado desde que chegaram, quase nenhum nome se sabia, só apelidos de até quatro letras no máximo, é todo mundo curto aqui, por quê será? Curto? Ju, Pê, Clau, Til, Bil, Lin, Cris , todo mundo tem pouca letra pra si. Risadas altas. Não tá mais tão cedo, pode rir agora. Deve ter sido nessa hora que as coisas começaram a mudar. Não pra todo mundo. Mas um dos conjuntos de poucas letras percebeu. Que queria ficar em silêncio. Que falava e ria por medo de ser engolido por esse dia que fica entre as madrugadas, por ser engolido por cada ano que passava, cada vez mais rápido e que em breve fazer isso, viver assim, amontoado, não seria mais suficiente, mas que também viver sozinho não seria uma opção, numa casa grande, cheia de cômodos vazios e com televisões que funcionassem e uma geladeira com comida reposta semanalmente, isso também não. Ficou em silêncio. A conversa voltou a ser como antes, como sempre ia ser, como nunca poderia ser, desse jeito que ele não sabia ainda como deveria ou queria, só tinha certeza que não era daquele jeito, entre silêncios, entre surtos de graça, se fosse silêncio, que fosse calado e ponto, não esperando uma oportunidade pra falar, essa expectativa de dizer algo que interessasse era o grande problema. Cala a boca. Ele disse. Eles olharam e ficaram calados e depois é claro que um deles riu e disse toma isso aqui e ele não tomou e não riu e levantou e foi embora e desceu a escada correndo e quando viu já tinha atravessado o bairro inteiro e estava ensopado de suor e talvez fosse só efeito da bebida, talvez agora ele pudesse voltar e todo mundo estaria lá e nem achariam estranho esse surto porque as vezes a Lin e o Cris tinham isso, vazavam, desapareciam por dias e voltavam com uma expressão mais saudável, acho que os pais deles tinha dinheiro e comer pouco as vezes fica difícil, nem sempre dá pra aguentar, mas ele continuou correndo e quando já estava sóbrio pôde caminhar, mas não voltou.
Em 28 de março de 1941, Virginia Woolf se abraçou ao antigo diário do marido e entrou no rio Ouse. Seus bolsos, cheios de pedra, fizeram com que Virginia afundasse diretivamente, sem qualquer chance de sobrevivência. O seu marido, Leonard Woolf, que era meticulosamente obsessivo, manteve aquele diário na vida adulta, no qual registrava todos os dias suas próprias refeições e as quilometragens diárias do carro. Certamente, tudo mudou no dia em que sua mulher se matou. Dizem que antes de Virginia se afogar com o diário, ela arrancou suas páginas, mastigou-as e as engoliu. Diz sua biógrafa, que esse ato de deglutição literária fez de Virginia a primeira escritora a realizar uma performance depois de morta: já sem sinais vitais, a digestão do papel continuou por mais oito horas.
EPÍLOGO, HERTA MULLER
Não adianta falar SOBRE OS TESOUROS agora, de uma forma ou de outra EU AINDA SOU O PIANO esquecido na casa onde deixei os CADERNOS PAUTADOS e A BENGALA, trancados a sete chaves. Percebo que QUANDO VOCÊ TEM UMA FILHA EM VIENA alguns assuntos podem se tornar bastante dolorosos. A memória só vira peso. O PARALISADO das horas, PROFUNDAS COMO O SILÊNCIO, trazendo à tona as coisas que só posso sonhar assim desperto, a certeza de que UM DIA CAMINHAREI POR LUGARES ELEGANTES, diferentes desses lugares feitos apenas de memória, porque VIVESE. VIVE-SE SOMENTE UMA VEZ e já basta, não é preciso reviver dentro da nossa cabeça SOBRE A SORTE DO CAMPO DE TRABALHO, onde a única coisa a ser aprendida é deixar-se levar e ser LEVIANO COMO O FENO e servir de alimento e passar. Não é preciso UM MOMENTO DE LUCIDEZ quando se vive coisas como essas. NOSTALGIA. COMO SE EU PRECISASSE DELA para dar valor a qualquer coisa que continua existindo. A LEBRE BRANCA continua correndo por campos que não percebem O DESENROLAR DAS COISAS, e seguem sendo apenas campos hoje, amanhã e sempre, talvez onde O BEIJO DE LATÃO possa ecoar por outras paragens tão sem valor quanto o metal de que é formado. TENHO UM PLANO, como UM DIA MEU ANJO DA FOME FOI ADVOGADO, talvez seja mais fácil deixar em suas mãos, afinal UMA COLHERADA A MAIS, UMA A MENOS não têm com garantir a desnutrição ou a força de nenhum de nós, nem a dos CÃES NEGROS que tanto pisotearam meu corpo na noite escura em que A CORDA DE MINKOWSKI me mantinha atado a companheiros que hoje perderam o rosto e as vidas NO ESPAÇO BRANCO SOB A LINHA. O passado é hoje um IRMÃO SUBSTITUTO de um futuro que já desistiu de vir. Ele senta ao meu lado e conta SOBRE OS VÁRIOS TIPOS DE TÉDIO que só aquele que viu tudo pode conhecer, pessoas como eu, únicos e últimos sobre o que resta deste mundo onde agora enxergo o CÉU EMBAIXO, TERRA EM CIMA. Resto de um HOMEM-BATATA que preferiu crescer longe da luz, deformando seu corpo de maneiras surpreendentes, como QUEM TROCOU O PAÍS pelo anonimato de um tubérculo que pode ter nascido em qualquer parte. Um tubérculo que nunca fala SOBRE AS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS ou a fisiologia da sua constituição, que não se importa com O CACHECOL DE SEDA VERMELHO-VINHO que está trancado a sete chaves ao lado do piano, que ainda sou eu, homem-piano-batata.
Um lapso, me pego pensando SOBRE A ESCÓRIA e sobre o que se sente QUANDO UM CISNE CANTA. A falta de relação das duas condições: uma natureza que se mostra alheia a qualquer criação que tenha partido dela, e o desejo de ser somente fruto dessa terra. Jovens que naquele tempo só podiam acreditar que dia a dia, cada turno do sol era uma obra de arte, e acreditando mesmo hoje que CADA TURNO É UMA OBRA DE ARTE. Uma obra que conta SOBRE O ENVENANEMENTO POR LUZ DIURNA que só aqueles que foram contaminados com qualquer ideia de esperança podem sofrer. Como se nos restasse alguma escolha entre O FRASCO CRÉDULO E O FRASCO CÉTICO para lidar com todo o peso causado pelos BLOCOS DE ESCÓRIA, OS SEGREDOS LATINOS carregados por todos por tanto tempo. SOBRE O ANJO DA FOME resta pouco a dizer, pois sua existência ainda espreita e ridiculariza qualquer DEZ RUBLOS que possam surgir como expectativa jamais satisfeita de vontades impossíveis. SOBRE OS ABETOS, só posso dizer que contemplá-los era a única coisa que me devolvia sensação de poder voltar pra casa. Mas OS RUSSOS TAMBÉM TÊM SEUS TRUQUES, e quando percebiam qualquer movimento da esperança que nos consumia por dentro, nos jogavam SOBRE A AREIA AMARELA, e em silêncio apontavam armas que diziam mais do que qualquer palavra com que pudessem nos ofender. Silêncio e uma arma apontada para seu rosto. Até hoje acredito que é desta forma COMO OS SEGREDOS SE ESTENDEM. Nas noites em que era preciso dormir SOBRE O CARVÃO, pois os trens não paravam e não havia espaço para corpos humanos, tateávamos DO PRÓPRIO PÃO AO PÃO DA FACE para ver se de alguma forma nos alimentávamos e nos reconhecíamos ainda. Horas perdidas contando a história da MADONA DO QUARTO CRESCENTE, porém jamais pode nos resgatar do que ficou conhecido como: O CASO DO CRIME DO PÃO. KATI-PLANTÃO desapareceu numa noite e nada ouvimos falar até dois dias depois, quando seu corpo estendido sobre os pães nos revelasse a verdade: era essa a única forma de se sair dali. Nunca soubemos se o crime do pão tinha sido o nome dado a uma fome que tenta encontrar saída, ou se foi o nome do assassinato anônimo. SOBRE O MEMBRO FANTASMA DO RELÓGIO CUCO, poderia ser qualquer um de nós. Éramos partes faltantes de um relógio que jamais deveria deixar de funcionar, peças substituíveis de um ZEPELIM que jamais levantaria voo. A AGUARDENTE DE ALCATRÃO foi a única coisa que podíamos atirar SOBRE O ANJO DA FOME na tentativa de aplacá-lo com a amnésia física causada por cada gole. Nos atirávamos SOBRE A PÁ DE CORAÇÃO como se restasse nela a nossa redenção, o fim dos pecados que não sabía-
mos qual eram. Estávamos entre LENÇO E RATOS, entre ÁLAMOS NEGROS, e para alguns era o bastante – UMAGOTAEMDEMASIA PARA IRMA PFEIFER. Eu falaria dela se eu soubesse falar SOBRE PESSOAS SEVERAS, sobre o que elas representam e a retidão em todas as suas decisões. Talvez as únicas a cultivar alguma dignidade quando todo o resto era retirado. SOBRE AS VIAGENS e os TEMPOS EMOCIONANTES que parecem estar por vir nos campos de MADEIRA E ALGODÃO, os mesmos campos onde a lebre branca da memória agora se perde. E com ela se perdem A SOCIEDADE ENTRELOPO que, de algum modo, me ajudou a atravessar aqueles dias e AS MULHERES DE CAL que pareciam se desfazer a cada toque em suas peles brancas e quebradiças. A memória se desvanece e é para isso que ela deve existir. Para desvanecer e mudar, para assumir todas as cores que a ERVA-ARMOLES assume durante as quatro estações, e possuir o mesmo gosto insosso, que pode não causar prazer, mas nos mantém vivos. E agora, tudo o que quero falar daqui pra frente é apenas SOBRE FAZER AS MALAS. E esquecer.
TORANJA *
* Fragmentos de um livro de instruções, alguns chamariam de livro performático. A tentativa de realização das propostas é de total autonomia e vontade do leitor. A tradução em português é produto do texto original feito em inglês, por autora japonesa que não era escritora e muito menos linguista.
MAP PIECE Draw a map to get lost. 1964 spring Peça do mapa Mapa da peça Mapa Mapa da peça peça, mapa da peça ou pedaço de mapa mapa pedaço Mapear o pedaço Mapear a peça pedaço. Desenhe a peça do mapa Desenhe o mapa da peça Desenhe o mapapeça Desenhe a peçamapa ou o pedaço de mapapeça para perder para ficar perdido para perder-se para se perder Desenhe um mapa para se perder Desenhe o mapa para ficar perdido Desenhe um mapa para perder-se Desenhe o mapapeça para se perder. 1964 primavera/primavera
FLY PIECE Skin two Thousand balloons Fly them in the air 1964 spring Peça de vôo Peça voar Voar peça Pedaço de vôo Vôo: pedaço Voar pedaço Peça vôo Esfole dois mil balões Pele dois mil balões Faça pele dois mil balões Encha dois mil balões Esfole duas mil bexigas com gás hélio (para ser uma peça vôo [ou um pedaço de vôo ou mesmo ou peça voadora – acrescentar no título]) Encha duas mil bexigas com gás hélio Faça da pele bexiga: com gás hélio Se faça dois mil balões Esfole-se e vista dois mil balões Solte-os no ar Solte-se no ar Solte no ar Faça-os voar no ar Faça-se-os voar no ar Esfole dois mil balões e solte-os no ar Pele dois mil balões e faça-se-os voar no ar Faça da pele bexiga: com gás hélio e solte-se no ar Encha dois mil balões e solte-se no ar Se faça dos mil balões e solte-os no ar Esfole-se e vista dois mil balões e solte no ar. 1964 primavera/mola
SMELL PIECE Send smells signals by Wind 1963 summer Peça do cheiro Peça cheiro Peça odor Peça do odor Porção cheiro Porção odor Pedaço do cheiro/odor Peça do odor/cheiro Envie Envie Envie Envie Envie Envie Envie Envie Envie Envie Envie Envie Envie Envie
cheiros sinais pelo vento sinais de cheiros pelo vento sinais cheirosos pelo vento cheirosos sinais pelo vento odores como sinais pelo vento sinais de odores pelo vento sinais de olores pelo vento olores feito sinais pelo vento olores como sinais pelo vento sinais de olores pelo vento sinais de essências pelo vento essências como sinais pelo vento essências sinais pelo vento sinais essências pelo vento.
1963 verão/a viga mestra
EARTH PIECE Listen to the sound of the Earth turning 1963 spring Peça Terra Pedaço de terra Terra a peça Terra peça Porção de terra Terra, pedaço Peçaterra Terrapedaço Terraço Escute o som da terra dando a volta Ouça o som da terra virando Ouça/escute o som da terra girando Escute/ouça o som da terra fazendo a curva Perceba o som da terra dando a volta Ouça/perceba o som da terra fazendo a volta Escute o som da terra no desvio Perceba/escute o som da terra voltando 1963 primavera/fonte
CLOCK PIECE Listen to the clock strokes. Make exact repetitions in your head after they stop 1963 autummn
Peça relógio Relógio peça Pedaço relógio Pedaço de relógio Peçarrelógio talvez Pedaço do relógio Do relógio porção Pedalógio Peçalógio Repeça Relógio Peça Escute as batidas do relógio Ouça os golpes do relógio perceba os ataques súbitos de doenças do relógio Ouçate as jogadas do relógio perceba: os acessos do relógio Escute as badaladas* do relógio Faça as exatas repetições em sua cabeça Reproduza as exatas repetições na sua cabeça Componha as exatas repetições em sua cabeça Simule as exatas repetições em sua cabeça Depois Depois quando depois
que ele parar que eles pararem cessem que cessem
* Tictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictactictac e assim ad eternum. Pode ser que em alguns momentos da vida alguns tic ou alguns tac se repitam mais que outros, ou com a mudança das tecnologias o tictac seja substituído por um discreto bip e venha a fazer som nenhum além do trrrrrrrriiiiiiiim do despertador que pode também vir a ser substituído por algumas canções da preferência do ser que o relógio obtém como we are the champions ou Like a prayer. A gama de escolhas é ampla.
depois que finalizarem, eles quando eles finalizarem Ouça os golpes do relógio reproduza as exatas repetições em sua cabeça quando eles finalizarem perceba os ataques súbitos de doenças do relógio simule as exatas repetições em sua cabeça depois que eles cessem e perceba: os acessos do relógio componha as exatas repetições em sua cabeça depois que finalizarem, eles Escute as badaladas do relógio faça as exatas repetições em sua cabeça depois que eles pararem Ouçate as jogadas do relógio perceba os acessos do relógio escute os ataques súbitos de doenças do relógio simule as exatas repetições em sua cabeça depois que ele parar 1963 outono
TOUCH POEM VI Ask people to come. Invite only dead people. 1964 spring Poema toque VI Toque poema VI Poema tocar VI Poematoque6 Peça às pessoas que venham Chame as pessoas para que venham Exija as pessoas que venham Pergunte para as pessoas que venham Convide apenas gente morta Convide apenas pessoas mortas Chame apenas pessoas sem vida Chame apenas pessoas que já se foram Convide apenas pessoas incapazes de cumprir funções metabólicas Chame as pessoas para que venham convide apenas gente morta; Exija as pessoas que venham Chame apenas pessoas sem vida Pergunte para as pessoas que venham Chame apenas pessoas que já se foram Peças as pessoas que venham e Convide apenas pessoas incapazes de cumprir funções metabólicas 1964 primavera/nascente
CLOSET PIECE I Think of a piece you lost. Look for it in your closet. 1964 spring Peça Closet I Closet em porção I Closet em pedaço I Porção closet 1 Closet: Peça 1 Armário-sala: peça 1 Porção de quarto de vestir 1 Pequeno gabinete para acomodar as roupas peça I Pense em um pedaço que você perdeu Reflita sobre uma peça que você perdeu Imagine uma porção que você perdeu Pense em um pedaporpeça que você extraviou Imagine um pedaço porção que você desperdiçou Procure por ele em seu closet Procure por ele em seu pequeno gabinete para acomodar roupas Procure por ele em seu quarto de vestir procure por ele em seu armário Pense em um pedaço que você perdeu Procure por ele em seu quarto de vestir. Imagine um pedaço porção que você desperdiçou Procure por ele em seu armário. Pense em um pedaporpeça que você extraviou Procure por ele em seu pequeno gabinete para acomodar roupas. 1964 primavera/ manancial
THROWING PIECE Throw a stone in to the sky high enough so it will not come back. 1964 spring Peça do arremessamento Pedaço de lance Arremessando porção Lançando peça Pedaço deslocando Pedaço de faixa de luz Atirando peça Atire uma pedra para o céu alto o suficiente Lance a pedra no céu suficientemente alta Pedra faixa de luz no céu alta o suficiente Arremesse uma/a lápide funerária alta o suficiente Então ela não irá voltar De tal modo que ela não irá voltar Portanto ela não irá voltar de maneira que não voltará tão que não voltará por isto que voltar não vai Pedra faixa de luz no céu alta o suficiente tão que não voltará. Atire uma pedra para o céu alto o suficiente de tal modo que ela não voltará Lance a pedra no céu suficientemente alta então ela não irá voltar Arremesse uma/a lápide funerária alta o suficiente por isto que voltar não vai. 1964 primavera/ passar dum salto
Eles estavam todos em silêncio, esperando que alguém dissesse alguma coisa, mas no fundo sabiam que não tinham nada a dizer, que nunca há nada importante a ser dito e o que fazemos na verdade é um esforço imenso para não ficarmos em silêncio o tempo inteiro, é por isso que a gente lê, ouve música, viaja, anda de ônibus, toma banho, cozinha, faz supermercado, pinta o cabelo, é pra não ficar em silêncio. Naturalmente ficariam assim calados. Estavam cansados e bêbados ou já de ressaca, mas em círculo se olhavam e algo precisava ser dito, por quê senão pra quê teriam passado aquela noite acordados, juntos, dançando ou fazendo piadas e achando muita graça de qualquer coisa, de quase tudo, quase tudo que na verdade não tinha a menor graça, como derrubar um pote de manteiga ou morder a língua sem querer. Nada disso é engraçado, mas à noite ficava. Naquela noite tinha que ficar. É só isso que resta para vocês. É só isso que nos resta. Alguém devia saber que não havia nada no dia seguinte, que esse era o auge e que tudo bem, pra quê querer mais do que uma noite virada com amigos e quase nada pra dizer, mas nenhum silêncio? Alguém na cozinha fazia uma vitamina ou qualquer coisa que fazia um barulho de obra. Era cedo pra aquilo. Tá cedo ainda para. Teria tido graça há algumas horas mas agora nem isso. O som de bateria continuava, uma vitamina saiu da cozinha, com que frutas nunca saberiam dizer, onde estava a comida daquela casa que funcionava quase como um ponto de parada e as camas eram também sofás e a televisão era só pra decorar porque estava furada na parte de trás, mas vista de frente dava um ar de apartamento antigo, quase aconchegante e isso era bom, chegar em casa e se sentir acolhido, isso era quase utópico agora morando uns sobre os outros naquela cidade em que ninguém parecia ter uma vida com começo, meio e fim, só meio, só entre, entre empregos, entre casas, entre amores, entre um dia e o outro, na madrugada que é quase sempre entre dias que vão ser vazios, quentes demais, um gole de vitamina ajuda, alguém disse, pra quem? toma só um gole, tinha alguém passando mal? O sol lá fora já estava alto, devia ser mais do que
nove da manhã, fecha a cortina, qual? novos risos, a vitamina deve ter ajudado, ficou engraçado de novo estar ali em círculo, alguns já dormindo, talvez há horas, dias, talvez nunca tenham acordado desde que chegaram, quase nenhum nome se sabia, só apelidos de até quatro letras no máximo, é todo mundo curto aqui, por quê será? Curto? Ju, Pê, Clau, Til, Bil, Lin, Cris, todo mundo tem pouca letra pra si. Risadas altas. Não tá mais tão cedo, pode rir agora. Deve ter sido nessa hora que as coisas começaram a mudar. Não pra todo mundo. Mas um dos conjuntos de poucas letras percebeu. Que queria ficar em silêncio. Que falava e ria por medo de ser engolido por esse dia que fica entre as madrugadas, por ser engolido por cada ano que passava, cada vez mais rápido e que em breve fazer isso, viver assim, amontoado, não seria mais suficiente, mas que também viver sozinho não seria uma opção, numa casa grande, cheia de cômodos vazios e com televisões que funcionassem e uma geladeira com comida reposta semanalmente, isso também não. Ficou em silêncio. A conversa voltou a ser como antes, como sempre ia ser, como nunca poderia ser, desse jeito que ele não sabia ainda como deveria ou queria, só tinha certeza que não era daquele jeito, entre silêncios, entre surtos de graça, se fosse silêncio, que fosse calado e ponto, não esperando uma oportunidade pra falar, essa expectativa de dizer algo que interessasse era o grande problema. Cala a boca. Ele disse. Eles olharam e ficaram calados e depois é claro que um deles riu e disse toma isso aqui e ele não tomou e não riu e levantou e foi embora e desceu a escada correndo e quando viu já tinha atravessado o bairro inteiro e estava ensopado de suor e talvez fosse só efeito da bebida, talvez agora ele pudesse voltar e todo mundo estaria lá e nem achariam estranho esse surto porque as vezes a Lin e o Cris tinham isso, vazavam, desapareciam por dias e voltavam com uma expressão mais saudável, acho que os pais deles tinha dinheiro e comer pouco as vezes fica difícil, nem sempre dá pra aguentar, mas ele continuou correndo e quando já estava sóbrio pôde caminhar, mas não voltou.
VAI CABER NO TEMPO QUE EU TENHO
a casa ta vazia e você por favor, não esquece o dia de hoje o teu filho vai nascer daqui há dois anos eu queria ver você chorando agora a casa ta vazia e você faz questão de ficar gravado num risco idiota na parede eu amo você, eu odeio saber que você sabe disso a gente arrastou o sofá pra ver se a sala ficava maior desse jeito você sabe disso, não sabe? é como a blindagem, você sabe que funciona quando já não serve mais e a cidade vista daqui de cima você tem certeza que existe quando alguém finge que não te vê a planta do seu apartamento desenhada na minha mão ele deita na cama arrumada de saudade nós estudamos o espaço do seu quarto nós não vamos caber aqui dentro as rotas de emergência obstruídas por outras rotas de emergência vai caber no tempo que nós temos, você disse vai caber metade de mim se eu deitar na sua cama e o travesseiro emoldurado embaixo da cabeça que descansa no cansaço de tanto pensamento corrido vai caber metade de mim no segundo do seu espirro ta na segunda gaveta, procura direito as escadas despencaram de baixo, a minha mão não cabe na sua ela nunca coube, a gente fingia que se enganava, eu fingia que continuava vivendo as suas pálpebras são maiores que os seus olhos você dormiu por mim, eu nunca conseguiria dormir nesse estado a cidade vista de cima parece o meu braço cansado e o som entra pela fresta da porta e o mundo é a fresta da minha porta agora escuta, tem sempre alguém pedindo ajuda e tem sempre alguém falando qualquer merda que você não quer ouvir como você ta? tem um barulho horrível dentro de mim diz pra ele que pelo menos eu existi eu não sei mais se é o encanamento da cozinha ou se é o meu estômago escuta, eu preciso voltar pra dentro de mim, eu preciso de um tempo, eu preciso de uma semana, eu preciso de um ano eu preciso de uma vida inteira eu to bem e você? eu to esperando que o tempo volte enquanto o seu cheiro desliza ensaboado no banho ele existiu eu não tenho certeza por favor, não esquece o dia de hoje ele deita e
se arruma no abarrotado vaivém que faz um corpo encontrando espaço pra ser um corpo sozinho depois de dois e o estômago que eram dois ele é lindo, ele tem a sua cara agora eu faço comida demais, eu esqueci o quanto eu como pra ficar satisfeito acredita em mim, falta pouco pra você ser feliz mas não é esse o tipo de coisa que você guarda da vida eu queria te esquecer opção inválida só se eu pudesse, sem saber, um dia, qualquer, te lembrar opção inválida meu amor, você vai comigo adiante o seu nariz não para de crescer mesmo com a sua distância, mesmo as desculpas, mesmo o seu amor tímido ninguém vai te ensinar a amar de verdade você vai comigo, cedo ou tarde, você vai eu quero imaginar você chorando isso me acalma eu tenho tantas coisas escritas pra você eu vou morrer de tédio ao redor dos seus braços eu vou estar com você a casa ta vazia e você eu também to eu to indo dormir, você não vem? o teu filme me apaga da memória o teu filho não vai saber o meu nome, o teu filho não vai ter o meu nome você não sabe chegar em casa sem se perder onde você ta? só mais um pouco espero sinceramente que tenha sido a última pronto o que eu mais quero hoje é que você me espere sabendo que eu não vou voltar visualizado às 22:43
BONNE NUIT
Bonne nuit, ma belle. Surtout n’oubliez pas moi, carj’oublie jamais toi! Oui, J’ai envie de toi dans monli tavec moi. Groses Bisous.* Ele disse. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite, minha bela. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite, minha bela, e que não surtasse. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite, minha bela, e que não surtasse no esquecimento de mim. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite, minha bela, e que não surtasse no esquecimento de mim, coisa que ele jamais esquece: de mim. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite, minha bela, e que não surtasse no esquecimento de mim, coisa que ele jamais esquece: de mim . E como se já não bastasse, me diz que nunca se esquece de mim e que vai me enviar todas as danças para deitar com ele. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite, minha bela, e que não surtasse no esquecimento de mim, coisa que ele jamais esquece: de mim. E como se já não bastasse, me diz que nunca se esquece de mim e que vai me enviar todas as danças para deitar com ele em seu leito, com ele. Em seu leito com ele. E me deseja grossos bijus. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite, minha bela, e que não surtasse no esquecimento de mim, coisa que ele jamais esquece: de mim. E como se
*
Ele disse pra ela que ela tivesse uma boa noite. Ele já me disse isso também. Meu homem. Minha bela. Ele me disse que eu tivesse uma boa noite e que ele nunca ia me esquecer, mas quando ele me disse que ia enviar todas as danças para deitar com ele em seu leito, eu percebi que essa frase não podia ser só pra mim, que ele já tinha falado isso com aquele sotaque arrastado, quase forçado, num francês de filme em preto-e-branco, na verdade num português de camões, de outros tempos, como se ele estivesse na época errada e a cama dele, que naquela hora era a minha, estivesse dentro de um filme em preto-e-branco. Ele nunca ia esquecer de mim. Eu percebi que ele tinha dito isso pra ela também, aquela que tinha ficado esperando não cair no esquecimento dele, que ele falou pra quase todo mundo em quem ele já deu grandes beijos, como os nossos, que eu achei que eram só nossos. Eu falava francês, eu conseguia traduzir, mas as vezes na nossa própria língua a gente entende algumas frases de um outro jeito, com algumas vírgulas e hesitações que mudam tudo e que só existem na nossa respiração, não na dele. Ele disse para ela que ela tivesse uma boa noite e que entenderia tudo quando falasse francês. Eu falo francês e continuo sem entender como não surtar no esquecimento de mim numa língua estrangeira.
já não bastasse, me diz que nunca se esquece de mim e que vai me enviar todas as danças para deitar com ele em seu leito, com ele. Em seu leito com ele. E me deseja grossos bijus, mas o que eu faria com bijus? Quando respondo ele ri. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite, minha bela, e que não surtasse no esquecimento de mim, coisa que ele jamais esquece: de mim. E como se já não bastasse, me diz que nunca se esquece de mim e que vai me enviar todas as danças para deitar com ele em seu leito, com ele. Em seu leito com ele. E me deseja grossos bijus, mas o que eu faria com bijus? Quando respondo ele ri e eu digo que não sei falar francês, e ele diz: é para quando souber. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite, minha bela, e que não surtasse no esquecimento de mim, coisa que ele jamais esquece: de mim. E como se já não bastasse, me diz que nunca se esquece de mim e que vai me enviar todas as danças para deitar com ele em seu leito, com ele. Em seu leito com ele. E me deseja grossos bijus, mas o que eu faria com bijus? Quando respondo ele ri e eu digo que não sei falar francês, e ele diz: é para quando souber. Mas quando eu souber falar francês já não haverá tempo de entender o que tiver que ser entendido apesar de já entender grande parte e não saber o que fazer com o que entendo. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite, minha bela, e que não surtasse no esquecimento de mim, coisa que ele jamais esquece: de mim. E como se já não bastasse, me diz que nunca se esquece de mim e que vai me enviar todas as danças para deitar com ele em seu leito, com ele. Em seu leito com ele. E me deseja grossos bijus, mas o que eu faria com bijus? Quando respondo ele ri e eu digo que não sei falar francês, e ele diz: é para quando souber. Mas quando eu souber falar francês já não haverá tempo de entender o que tiver que ser entendido apesar de já entender grande parte e não saber o que fazer com o que entendo. E eu disse ‘me traduza’e ele me diz não e me diz Bonne nuit. Ele disse para que eu tivesse uma boa noite, minha bela, e que não surtasse no esquecimento de mim, coisa que ele jamais esquece: de mim. E como se já não bastasse, me diz que nunca se esquece de mim e que vai me enviar todas as danças para deitar com ele em seu leito, com ele. Em seu leito com ele. E me deseja grossos bijus, mas o que eu faria com bijus? Quando respondo ele ri e eu digo que não sei falar francês, e ele diz: é para quando souber. Mas quando eu souber falar francês já não haverá tempo de entender o que tiver que ser entendido apesar de já entender grande parte e não saber o que fazer com o que entendo. E eu disse ‘me traduza’e ele me diz não e me diz Bonne nuit. E ai então depois de tudo isso ele me disse para que tivesse boa noite.
Em 28 de março de 1941, Virginia Woolf encheu os seus bolsos com pedras e entrou no rio Ouse. O seu marido, Leonard Woolf, que era obsessivamente atento aos passos da mulher, registrou a última conversa que os dois tiveram antes do acontecimento. Aparentemente, tudo mudou no dia em que toda sua casa pegou fogo enquanto ele lia o livro “As Ondas”, de sua mulher. O corpo de Leonard foi encontrado carbonizado ao lado do livro, que não sofreu queimadura nenhuma. Diz sua biógrafa que, na página aberta sobre as cinzas, via-se uma frase anotada ao lado da margem da folha, cuja caligrafia poderia ser tanto de Leonard quanto de Virginia. A misteriosa frase era “Não há mais elegância nas águas”.
NO ESTIVESSE
Eles então pararam em frente ao rio no estivesse. Fosse tratando o caminho passado como retina frágil, ele agora vai construir uma casa com janelas na cozinha. Voltavam pra casa desde enquanto, saudando o quando como se fosse o indo de todo tempo, o quando é só mais um gerúndio. Fizeram casa no se fizessem, apreciaram com medo o todo surgido assim, tijolo por tijolo, em dito, não existe outra maneira de se ver, em redito, tudo o que se olha só se olha uma vez. Eu construí essa margem pra podermos saber onde parar, nenhum verbo sobrevive embaixo dágua. É tanto tempo de espera pra pouco parecesse. Empilharam as paredes com a mão do enconstruído, almejaram encorrenteza de vento, fazendo o corrido passar ao se batendo de ar – esse é um jeito pra nos desconversarmos, ouviu dizer o vento. Esse é um jeito pra nos desconversarmos, retirou o vento pelo que disse e reiterou – eu retiro o que disse desdizendo de novo – o repetido é a forma mais singela de esquecimento. Bateram de martelo o teto e costuraram o pedaço fim jogado fora naquela terra dágua. No feito, caçaram de recebido algum medo do se formar e se ressignificaram. Por quanto tempo você sabe segurar a sua respiração? Eles então pararam em frente ao rio e vão pular quando o passado parecer se estivesse a grande fuga. Eu construí a superfície pra parecer fina, frágil o suficiente em fibra de desaparecesse, fica emproibido o caminho andado. Não se anda mais quando se afunda e agora, ele disse, e agora só se nada. E nada. Eu vou pedir explicação ao
parecesse em três dois um, ele redisse, com os pés já em impulso, três um dois pontos, inspiração é uma ideia, mas também é modalidade de respiro fundo. Nós vamos usar fechaduras que não se destrancam com chave alguma e as paredes só de correnteza serão rejanelas na cozinha sem vista. Pro desenquanto se equilibrar, nós estaremos planejando. Transcorrentando os pés pras mãos poderem, ao encanto, se soltar. Nós vamos pular no aconteceram se pudermos mudar de pessoa no mesmo tempo verbal. Nenhum verbo sobrevive embaixo dágua – o pouco de ar que eles carregam é pros substantivos sobreviverem por mais tempo. É a queda livre de matéria como ar em queda alta. Os seus braços vão no envolto se fizessem parte em volta do meu pescoço, pra você usar o meu corpo como peso. Nós, em descosturado, revezamos a respiração pro nosso fim não ser de desespero. Por quanto tempo você segura ao recebido o ar que você já tem guardado? A porta fica aberta no estivesse até o passado imperfeito fazer vontade de explicação. Eu chego no fundo primeiro e conto em números até você no desficado chegar bem perto. Nós vamos nos descomunicar, nós vamos nos conversar por ondas. Ao ressentido do grande estado ponto ressabido de fuga. O retilente restaurado em água. Eu faço o movimento e você faz a frase final. E na frase final, dessentida, o nós se torna a gente quando se afunda. Lá embaixo, depois do agitaram, a entrada de água sem margem, como se quando se atravessa a pé tranquilo uma avenida sem faixa. Faz-se sinal no vão, nenhum som sobrevive em queda livre. A calma é mais abaixo e, em se tratando de abaixo, o esse marca o ponto de encontro. E se declara assim. Declarado de si mesmo o que se deixa declarado em tom de si, nós assinamos na água o
contrato de renovo, ele disse, pra quem fica podendo encher de novo o peito de ar novo. Eu construí no fundo da água a nossa casa de contagem. Por quanto tempo você sabe segurar a minha respiração? Você se costuma entragando a comunicação do que bate mais forte, um bê afogado de retina frágil. Som nenhum se propaga no tempo porque o tempo se desenquando não é em ressentimento qualquer matéria. Na água não há sujeira de corpo nem sede. E sede como bom estado faz se afogar parecer boa ideia. A casa imagem intolerável em pleno acordo com o enquanto, balbucia o repleno como primeira vez. O grande planejamento da margem, redizendo, é pra não nos perdermos no mesmo entorno, eu construí essa margem pra podermos saber onde parar. No quintal passeiam o podido feito como se estivesse escutando. O estivesse sem ouvidos, meu tanto faz assim feito. O inteiriço como palavra que parece caber coisa dentro – um plano, repleno, um peixe que passa. Eles já pularam pra ver a linguagem não passar do raso, como se assim eu ficasse pra poder fazer isso de novo. Fica mais perto pra eu te ver, na água toda distância tem cara de sumiço. Um trabalho de ressingeleza, a minha reode ao esquecimento. O estivesse parado em frente à casa não tem voz pra chamar por alguém nem tem mão pra bater na porta. O estivesse parado em frente à casa vai ficar esperando. E então o então vai acenar de longe com gratidão. E então o quando vai acenar de longe com a mesma sensação que o fez sumir. E o estivesse ali parado vai sentir o mesmo desenquanto que sentiu quando morreu. Como ele vai se explicar? Existe margem também no fundo, vai se parecer redizendo e imóvel, mas nenhum verbo sobrevive embaixo dágua.
Eles estavam todos em silêncio, esperando que alguém dissesse alguma coisa, mas no fundo sabiam que não tinham nada a dizer, que nunca há nada importante a ser dito e o que fazemos na verdade é um esforço imenso para não ficarmos em silêncio o tempo inteiro, é por isso que a gente lê, ouve música, viaja, anda de ônibus, toma banho, cozinha, faz supermercado, pinta o cabelo, é pra não ficar em silêncio. Naturalmente ficariam assim calados. Estavam cansados e bêbados ou já de ressaca, mas em círculo se olhavam e algo precisava ser dito, por quê senão pra quê teriam passado aquela noite acordados, juntos, dançando ou fazendo piadas e achando muita graça de qualquer coisa, de quase tudo, quase tudo que na verdade não tinha a menor graça, como derrubar um pote de manteiga ou morder a língua sem querer. Nada disso é engraçado, mas à noite ficava. Naquela noite tinha que ficar. É só isso que resta para vocês. É só isso que nos resta. Alguém devia saber que não havia nada no dia seguinte, que esse era o auge e que tudo bem, pra quê querer mais do que uma noite virada com amigos e quase nada pra dizer, mas nenhum silêncio? Alguém na cozinha fazia uma vitamina ou qualquer coisa que fazia um barulho de obra. Era cedo pra aquilo. Tá cedo ainda para. Teria tido graça há algumas horas mas agora nem isso. O som de bateria continuava, uma vitamina saiu da cozinha, com que frutas nunca saberiam dizer, onde estava a comida daquela casa que funcionava quase como um ponto de parada e as camas eram também sofás e a televisão era só pra decorar porque estava furada na parte de trás, mas vista de frente dava um ar de apartamento antigo, quase aconchegante e isso era bom, chegar em casa e se sentir acolhido, isso era quase utópico agora morando uns sobre os outros naquela cidade em que ninguém parecia ter uma vida com começo, meio e fim, só meio, só entre, entre empregos, entre casas, entre amores, entre um dia e o outro, na madrugada que é quase sempre entre dias que vão ser vazios, quentes demais, um gole de vitamina ajuda, alguém disse, pra quem? toma só um gole, tinha alguém passando mal? O sol lá fora já estava alto, devia ser mais do que
nove da manhã, fecha a cortina, qual? novos risos, a vitamina deve ter ajudado, ficou engraçado de novo estar ali em círculo, alguns já dormindo, talvez há horas, dias, talvez nunca tenham acordado desde que chegaram, quase nenhum nome se sabia, só apelidos de até quatro letras no máximo, é todo mundo curto aqui, por quê será? Curto? Ju, Pê, Clau, Til, Bil, Lin, Cris, todo mundo tem pouca letra pra si. Risadas altas. Não tá mais tão cedo, pode rir agora. Deve ter sido nessa hora que as coisas começaram a mudar. Não pra todo mundo. Mas um dos conjuntos de poucas letras percebeu. Que queria ficar em silêncio. Que falava e ria por medo de ser engolido por esse dia que fica entre as madrugadas, por ser engolido por cada ano que passava, cada vez mais rápido e que em breve fazer isso, viver assim, amontoado, não seria mais suficiente, mas que também viver sozinho não seria uma opção, numa casa grande, cheia de cômodos vazios e com televisões que funcionassem e uma geladeira com comida reposta semanalmente, isso também não. Ficou em silêncio. A conversa voltou a ser como antes, como sempre ia ser, como nunca poderia ser, desse jeito que ele não sabia ainda como deveria ou queria, só tinha certeza que não era daquele jeito, entre silêncios, entre surtos de graça, se fosse silêncio, que fosse calado e ponto, não esperando uma oportunidade pra falar, essa expectativa de dizer algo que interessasse era o grande problema. Cala a boca. Ele disse. Eles olharam e ficaram calados e depois é claro que um deles riu e disse toma isso aqui e ele não tomou e não riu e levantou e foi embora e desceu a escada correndo e quando viu já tinha atravessado o bairro inteiro e estava ensopado de suor e talvez fosse só efeito da bebida, talvez agora ele pudesse voltar e todo mundo estaria lá e nem achariam estranho esse surto porque as vezes a Lin e o Cris tinham isso, vazavam, desapareciam por dias e voltavam com uma expressão mais saudável, acho que os pais deles tinha dinheiro e comer pouco as vezes fica difícil, nem sempre dá pra aguentar, mas ele continuou correndo e quando já estava sóbrio pôde caminhar, mas não voltou.
DESNARRAÇÃO Grupo de Estudos Práticos em Linguagem Experimental O grupo nasce do encontro entre escritores, dramaturgos, críticos de arte, artistas e poetas interessados na escrita e na escritura como matéria e material de experimentação. O grupo iniciou seus estudos em setembro de 2014, tendo como foco principal a desnarração. O Grupo iniciou seus estudos em setembro de 2014, tendo como foco principal a Desnarração. Para além das fronteiras entre escritura e suas formas experimentais de produção, tanto de escrita quando de leitura, a Desnarração, em nossa perspectiva, forma utópica e abstrata, permanece um enigma, que apenas foi estabelecida através do que elegemos para ela. Desse modo, a Desnarração, para nós, não é: desconstrução do que se entende usualmente por narrativa; não se encontra necessariamente na perda ou falta de linearidade ou cronologia; não favorece a criação de um novo método. Mas ela pode ser: uma experiência na linguagem, mas não da linguagem; um processo, mas não um procedimento. O Grupo perdurou nos estudos com a Desnarração por um ano, até setembro de 2015, e deles foram colhidas experimentações de linguagem, todas imersas em constância processual. Esta publicação , do livro físico que editamos e lançamos na Feira Tijuana de 2015, reúne os trabalhos que foram criados durante o último percurso do grupo.
[2014-2015]