Daojia nº 20
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Jan/Fev/Mar 2022
Mestre Chan por uma Testemunha Ocular Por: Gilberto António Silva
E
xistem pessoas que passam por nossa vida e que deixam uma marca indelével em nossa alma. O Mestre Chan Kowk Wai é uma dessas pessoas. Gostaria de deixar aqui esse relato pessoal e profissional para que as futuras gerações possam saber que uma pessoa desse nível viveu aqui, em nosso país, entre nós. Não cheguei a ser seu aluno, de modo que faço essas confidências na condição de testemunha ocular, sem laços oficiais. Conheci Mestre Chan em 1992 quando era Assessor Técnico da prestigiada Revista Kiai, de artes marciais. Naquele momento percebi imediatamente que não estava diante de um professor de Kung Fu comum, como tantos e tantos que conheci. Havia um diferencial no seu olhar, na maneira de falar, em sua extrema simplicidade. Na redação da revista às vezes brincavam comigo dizendo para entrevistá-lo logo porque parecia muito velhinho e poderia não ter outra chance. Eu ria por fora, a título de empatia, mas por dentro sabia que era um engano, e que havia uma fortaleza oculta dentro daquela pessoa. Nessa época eu já acumulava 15 anos de estudos e investigações em filosofia e cultura oriental e artes marciais, conseguindo enxergar muitos detalhes que passavam despercebidos pelos demais. Para mim era muito claro que ele não era convencional. Nessa publicação eu não conseguia desenvolver os artigos que gostaria com ele, pois tínhamos muitas obrigações comerciais e abrangíamos uma quantidade enorme de artes marciais diferentes. Não havia espaço nem tempo para me dedicar mais a ele (fora que, se ele aparecesse sempre na revista, outros professores ficariam enciumados...). Depois que deixei a revista Kiai, visitei-o algumas vezes em sua academia na Rua José Mauro, em São Paulo, para manter o contato. Em 1996 lancei minha própria publicação de artes marciais, a Revista Oriente. Dedicada exclusivamente às artes marciais tradicionais, seu foco era bem mais direcionado e pude realizar um plano antigo: dispor de um artigo de Mestre Chan em todas as edições, cada uma delas. Durante os 10 exemplares da revista isso foi feito, iniciando a publicação com ele na capa da número 1. Fiz questão de que a nova revista começasse com uma homenagem a ele. Que desastre! A gráfica encarregada de trabalhar a foto e publicar a revista fez um péssimo trabalho e ele saiu pequeno, meio fora de foco e mal recortado. Meio sem jeito levei a revista até ele e, quando viu a foto na capa, exclamou: “meu cabelo, fiquei sem cabelo!”. Ele não reclamou do tamanho da foto, da falta de melhor resolução, da homenagem não ter
sido bem feita. Sua preocupação foi apenas a falta do cabelo. Felizmente isso não atrapalhou em nada nosso relacionamento. Entrevistar Mestre Chan não era coisa fácil. Seu português era bem complicado e os termos chineses que usava eram falados em cantonês, não em mandarim, o que tornava a transliteração fonética um pesadelo. Mesmo assim, como eu já conhecia bastante sobre história, técnicas e filosofia do Kung Fu, conseguia tirar muitas informações importantes. E principalmente fazer as perguntas certas e insistir até conseguir as informações. Nunca