Revista Daojia #20

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Daojia nº 20

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Jan/Fev/Mar 2022

Eu não sei! A Sutil Arte da Ignorância Por: Gilberto António Silva

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á algumas semanas fiz um comentário em uma postagem no Facebook sobre Medicina Chinesa, perguntando sobre um problema interessante que eu não tinha conseguido uma explicação e que ia de encontro ao que a postagem dizia. Quem postou respondeu meu comentário, repetindo tudo o que já estava na postagem, mas que não correspondia ao que eu perguntava. Coloquei mais argumentos, incluindo imagens, e ele apenas riu. Esse tipo de “conversa” não é incomum, especialmente nos dias atuais. As pessoas têm grande dificuldade em dizer que não sabem algo. Qual o problema disso? Ninguém sabe tudo. Eu mesmo tenho várias décadas de estudos em filosofia e cultura oriental e me considero um poço de ignorância. Isso não é falsa modéstia, mas uma compreensão sincera. Aprendo algo novo todo dia e a maioria das pessoas por aí sabe mais do que eu em muitos e muitos campos do saber. Não há problema algum nisso. Em meus cursos sempre digo para os alunos fazerem qualquer pergunta, a qualquer momento, e que eu sempre responderei prontamente. Se eu souber. Deixo isso bem claro no início de cada curso, que não escondo nem me esquivo de qualquer pergunta, inclusive quando eu não souber a resposta. Já vi muitos que ficam enrolando, dizendo que o aluno “não está pronto para saber isso”, que ele verá isso “em outro nível” ou em um “curso avançado”, ou simplesmente inventam qualquer coisa. É sério, já tive professores assim. Não vejo problema em dizer que não sei ou não conheço algo. Não tenho a pretensão de saber tudo ou me passar por algum tipo superior de “mestre”. E essa questão não se restringe a cursos, ocorre a todo momento em qualquer lugar com todo mundo. As pessoas têm vergonha de dizer “eu não sei”. Certa vez entrei em uma discussão com dois colegas da universidade em uma rede social. O assunto é irrelevante para essa reflexão, mas ambos defendiam uma ideia absurda sobre um tema que eu conhecia muito bem por ter estudado por vários anos. E eles, dizendo bobagem atrás de bobagem, tentavam mostrar que eu estava errado. Como isso é possível, se eles nunca haviam estudado o assunto? Mesmo assim, argumentavam como se fossem especialistas, certos de ter razão. Isso nos leva a um ponto central nessa questão. Não estou

escrevendo esse artigo para criticar colegas ou outras pessoas nas redes sociais, mas para que você faça sua própria reflexão. A pior coisa não é esconder nossa ignorância dos outros, mas de nós mesmos. Muitas vezes defendemos uma questão ou respondemos a uma pergunta com firmeza, mesmo sabendo interiormente que não sabemos a resposta. Mentimos para os outros e para nós mesmos. O único caminho para a sabedoria é passar pela ignorância. Ninguém aprende algo que já sabe, apenas o que ainda não sabe. Para isso é necessário que aceite o fato de não saber, o que nem sempre acontece. Precisamos ser sinceros para conosco de modo a podermos progredir. O Ego é sempre um obstáculo a ser superado, não importa se no Budismo, Hinduismo ou Taoismo. As filosofias do oriente são unânimes quanto a isso. E a mentira do saber, inclusive para nós mesmos, é fruto da persistência do Ego em tentar se manter em destaque. A humildade e a sinceridade têm que caminhar lado a lado.


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