Caixa Mágica

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À Joana, pelo apoio, pelo carinho, pelo amor, pela amizade, pela paciência e pelo trabalho que desenvolvemos em conjunto. Aos meus pais e irmão, pelo amor, pela amizade, pelo apoio e pela compreensão nestes anos difíceis; aos meus avós pela sua presença e pela educação que me deram, sem as quais não estaria onde estou hoje; ao arquitecto Manuel Mendes por se ter disponibilizado para acompanhar esta prova e pela motivação sem a qual a Caixa Mágica não seria possível, tanto no início da exploração deste tema no 3ºano como agora no acompanhamento a esta prova; a todos na Plaren pelas lições de prática da arquitectura durante o estágio académico e pelas facilidades que me deram para poder desenvolver esta prova; a todos os amigos que ao longo destes últimos 6 anos partilharam comigo não só o tempo de faculdade, entre entregas, stress e cansaço, mas também os tempos livres, com muita alegria e camaradagem, obrigado!

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ABSTRACT

A Caixa Mágica é, neste momento, uma metáfora pessoal sobre o habitar no presente. Como metáfora, permite-me pensar sobre um leque variado de temas que afectam e são afectados pelas soluções actuais de habitação. Na realidade, toda esta problemática sobre a (des)adequação da habitação às necessidades/sonhos/desejos do utilizador não é nova. Le Corbusier e muitos outros, antes e depois dele, já reflectiram e produziram diversos trabalhos/obras sobre o assunto. Mas nenhum se chama de Caixa Mágica... Tomei emprestada de Ábalos & Herreros a designação de Caixa Mágica e, influenciado pelas suas ideias/obras, posicionei-me numa visão pragmática da arquitectura em geral, e da habitação em particular. Assim, a Caixa Mágica assume-se para mim como a ferramenta para despertar a criatividade, para (re)pensar o presente e seus conteúdos, e através de ambos abrir caminho para novas e inesperadas soluções que possam conduzir-me a uma arquitectura mais verdadeira. Uma arquitectura que estaria em sintonia com os avanços técnicos e com as condições sócio-culturais do seu presente. A relação da Caixa Mágica com o presente faz do seu estudo um caminho de exploração. Este caminho tem portas que escolhemos abrir ou fechar e nos levam a outros caminhos (in)esperados. Deste modo, o trabalho aqui exposto corresponde a um excerto desse caminho, e como tal o tema continua em aberto. Comecei com muitas dúvidas, com uma imagem muito difusa do que poderia ser a Caixa Mágica. As dúvidas persistem e a imagem de Caixa Mágica tanto é clara como se torna difusa no dia seguinte. Cheguei a algum lado? Talvez não. Mas este percurso conduziu-me por muitos sítios/autores, onde tive surpresas e desilusões. Foi um percurso de descoberta pessoal pela descoberta destes sítios que iam surgindo ao longo do caminho. A exposição deste estudo corresponde a uma organização à posteriori destes sítios de forma a que o tema pudesse ser compreensível para um qualquer leitor. Apesar de ser um trabalho teórico, o seu carácter de manifesto pessoal faz dele uma base num percurso que se quer contínuo. Um ponto de situação, uma estação de reflexão, em que a visão pessoal se fundamenta no registo dos sítios/autores que encontrou. Acima de tudo a Caixa Mágica é uma visão pessoal e subjectiva da habitação, de acordo com o presente e com a percepção que tenho dele. Outros terão outra percepção, mas a Caixa Mágica serve para todos.

Abstract

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Caixa

Mรกgica habita

e t n e s e r no pr


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SUMÁRIO

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Abstract

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Notas de apresentação

023

Entrevista

025

1 _ “Caixa Mágica” – uma hipótese de trabalho

027

Entrevista

029

1A _ Ábalos & Herreros _ Casas AH

037

Entrevista

039

1B _ Ábalos & Herreros

065

Entrevista

067

1C _ Habitar hoje

085

Entrevista

087

1D _ Mobiliário

091

2 _ Para uma Operatividade de “Caixa Mágica”

093

Entrevista

095

2A _ Habitar aos olhos de Richard Hamilton

101

Entrevista

103

2B _ Tecnologia e Informação

111

Entrevista

113

2C _ Magia - Ilusão/Sedução

117

Observação 1 _ Cero9 _ Montanha Mágica

119

Entrevista

121

2D _ Arquitectura como estímulo

127

Observação 2 _ Cedric Price _ Re: CP

135

Entrevista

137

2E _ O Tempo da e na Arquitectura

145

Entrevista

147

2F _ Estrutura e Pele

155

Observação 3 _ Yona Friedman _ A Cidade Espacial

159

Entrevista

161

2G _ A Indústria e os Catálogos na Arquitectura

167

Entrevista

Sumário

11


169

2H _ Sistema e Componentes

179

Observação 4 _ Projecto Casa Barcelona

185

Observação 5 _ Jean Prouvé _ Maison Prouvé

189

3 _ Experimentação da “Caixa Mágica”

191

3A _ Notas introdutórias

193

3B _ Caso 1 _ Gil Silva _ Pandora’s Box

197

3C _ Caso 2 _ Gil Silva+Joana Magalhães _ Tn, casa de um casa de todos

201

Entrevista

203

3D _ Reflexão crítica

207

4 _ Considerações Finais

209

Entrevista

211

4A _ O Arquitecto e o Utilizador

215

Entrevista

217

4B _ Prática da Arquitectura

223

4C _ Caixa Mágica

225

Entrevista

227

Anexo - Biografia de Ábalos & Herreros

231

Bibliografia

235

Créditos Fotográficos

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Sumário


“I think that

at the present architecture doesn’t do enough,

it doesn’t enrich or enliven people’s livea as much as, say, the internet does, or a good

Architecture is a poor performer, it’s consistently bad - even the magnet schemes haven’t happened. As an architect, I’m trying to make architecture a better performer, trying to story, or music.

find ways that might suggest the gaps that can’t be filled by anyone else, but at the present are not recognised as opportunities

by architecture.”

to make human lot a bit better

[Cedric Price, 2003, 64]

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Notas de apresentação

Como surge o tema Em 2003, quando procurava nos livros da Biblioteca da Faculdade algo que me pudesse servir de tema de trabalho para a disciplina de Espaço Habitável e Formas da Residência, deparei-me pela primeira vez com a obra de Ábalos & Herreros. Agarrei-me particularmente ao seu livro “Áreas de Impunidad”. Os assuntos eram novos para mim e a novidade estimulava a minha curiosidade. Ábalos & Herreros fazem referência na memória descritiva do seu projecto “Casas AH” a um conceito – a “caja magica” – que fez disparar a minha imaginação para além deste projecto em particular. Curiosidade e imaginação. Foi com estas duas “ferramentas” que se foi moldando a minha perspectiva da “Caixa Mágica”, mantendo-se até hoje no centro dos meus interesses na arquitectura. Ninguém para além de Ábalos & Herreros se refere à “Caixa Mágica” como tema de arquitectura, o que dificultou desde o início o estudo deste tema. Por outro lado, esta situação serviu de estímulo para uma entrega pessoal e descomprometida de quem não tinha outro objectivo senão o de ver até onde o tema da “Caixa Mágica” o poderia levar. Paralelamente aos estudos obrigatórios da Faculdade, direccionei a minha atenção para temas e autores que me iam parecendo mais ou menos relacionados com o meu entendimento momentâneo da “Caixa Mágica”. Esta pesquisa pessoal era alternada com a experimentação em concursos para estudantes de arquitectura das ideias que iam surgindo. A “Caixa Mágica” era para mim um espécie de fenómeno desconhecido em constante mutação. Mudava conforme contaminava a minha visão da arquitectura e era simultaneamente contaminada por essa mesma visão e por fenómenos paralelos que eu lhe associava. Foi com esta mistura instável e imprevisível que esta Prova Final começou.

Object(iv)o(s) Objecto de estudo – a “Caixa Mágica” como forma de habitar/habitação para o presente. O grande foco no objecto de estudo é a palavra presente. Por presente entende-se toda a (re)acção que decorre num espaço temporal definido entre o que já passou e o que

Notas de Apresentação

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há-de vir. É uma realidade dinâmica e imprevisível sobre a qual temos apenas um domínio ténue pois o tempo não pára. Por este motivo, falar de habitar/habitação para o presente deve ser entendido como uma visão mais abrangente que o sentido real da palavra. Deste modo é possível prestar atenção a mais fenómenos, talvez mais prolongados e significativos que aqueles que correspondem àquele instante a que chamámos vulgarmente de presente. O campo de estudo configura-se então como uma série de assuntos relacionados com o habitar e/ou habitação e/ou a habitante e/ou arquitecto. O carácter pessoal e subjectivo da “Caixa Mágica” obriga a que a delimitação do campo de estudo seja feita igualmente de acordo com a minha perspectiva pessoal. A subjectividade serve de arranque para o aprofundamento de um estudo pessoal, mas o objectivo final é exactamente o oposto. A afirmação da “Caixa Mágica” como tema de arquitectura só é possível mediante a sua aceitação por outros, o que só poderá acontecer se antes estas ideias se tornarem transmissíveis. Ninguém lê os meus pensamentos, por isso a mensagem tem que ser escrita numa linguagem compreensível por todos para poder ser apreciada. O outro objectivo, mais importante e significativo para mim, é através deste estudo poder chegar a respostas para as minhas muitas dúvidas que me tem acompanhado com a “Caixa Mágica”. Conseguir definir o que é de facto a “Caixa Mágica”, ou perceber a sua viabilidade ou não, são algumas das questões com que me tenho debatido desde o primeiro estudo da “Caixa Mágica” sem nunca ter tido qualquer certeza numa resposta. É um egoísmo, não negado, que procura ajudar-me a situar na Arquitectura, algo que sinto necessidade de ter e que me possa servir de porto de partida e/ou abrigo num futuro profissional que quer acima de tudo responsável e útil.

Metodologia O método é a exploração. A exploração leva de uns pontos para outros, aprofundando os caminhos existentes e/ ou abrindo novos caminhos. O explorador sabe de onde parte mas não onde nem quando chega. Parte com algumas “ferramentas” e procura deixar testemunho das suas acções, seja para satisfação pessoal do objectivo alcançado ou para possibilitar que outros possam ir além no seu caminho ou explorar outros caminhos. Sendo esta Prova Final uma viagem pessoal pela arquitectura, organizou-se o produto das leituras e das minhas reflexões pessoais numa espécie de diário de viagem em que a história principal é acompanhada por notas.

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Notas de Apresentação


Esta notas facilitam a compreensão do(s) caminho(s), complementando a informação da história principal e/ou deixando o testemunho de caminhos por explorar. Leituras/Citações de autor O conhecimento é um campo sem fim no qual é fácil perder. O tempo para explorar é pouco e a citação surge como um marco no caminho. Direcciona, confirma o trilho, e assim se vai elaborando o mapa da viagem. Seguimos sem explorar completamente estes marcos. Inevitavelmente fica a imagem do mundo instruído dos seus autores, um mundo por explorar. Fica a possibilidade para quando houver tempo. Estes marcos são inevitáveis e caso não se usassem o caminho careceria de sentido. Ter um sentido dá-nos a possibilidade de sermos livre, isto é, de ter de facto a possibilidade de escolher algo concreto e assim chegar a algum lado. Se alguém já passou por um dado caminho e deixou lá o seu marco, o seu testemunho, seria certamente um acto inútil ignorá-lo e ter a presunção que facilmente se poderia ter feito o que já foi feito. Entrevista Manifesto A entrevista é um acto simultaneamente de introspecção e de afirmação pessoal. Entrevisto-me a mim próprio numa procura de encontrar respostas/pistas em mim, nos conhecimentos até agora adquiridos e acumulados ao longo de 6 anos de estudo da arquitectura, numa tentativa de me definir melhor. Ao assumir posições, e depois ao revê-las e consequentemente a assumir novas posições, estou a clarificar o meu raciocínio e as minhas ideias. É um estímulo para prosseguir o caminho. Observações No caminho encontramos alguns miradouros. São estações de observação sobre paisagens particulares. Consideram-se aqui como paisagens particulares obras pensadas e/ou construídas que possam complementar a perspectiva sobre um determinado tema. Servem também para ir percebendo como determinados temas funcionam ou não na prática, para tentar descobrir em última instância como poderia a “Caixa Mágica” funcionar ou não enquanto projecto de arquitectura. Diagramas Caixa Mágica Ao longo de grande parte da minha escolaridade sempre usei os esquemas e

Notas de Apresentação

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gráficos para clarificar e estabilizar ideias e conhecimentos. Os diagramas servem para ir estabilizando e clarificando ideias ao longo de toda a Prova de modo a facilitar no final a manipulação de toda a informação para se perceber por onde se passou e onde se chegou.

Apresentação Por apresentação entende-se 2 vertentes, o grafismo e a estrutura. O primeiro diz respeito à exposição visual, às leituras que permite. O segundo, consequente do anterior, diz respeito à organização do estudo de modo a que o leitor possa perceber o processo - o ponto de partida, o caminho percorrido e a chegada. Grafismo A apresentação divide-se em dois corpos, um exterior e outro interior. O que eu chamo de corpo exterior corresponde à exploração/análise/reflexão sobre referências de outros autores e/ou obras. Este corpo apresenta-se dividido em duas partes. À direita do leitor está o corpo de texto principal, com letra de tamanho maior (10) – é o texto principal. À esquerda do leitor está o corpo livre, com letra de tamanho menor (9) – acumula toda aquela informação complementar como as imagens, as notas e os diagramas paralelos ao assunto do texto principal. O que eu chamo de corpo interior corresponde a uma auto-entrevista introspectiva. em que eu procuro cruzar os conhecimentos adquiridos pelo corpo exterior a um nível extremamente pessoal e subjectivo. Deste modo conformo o que eu entendo como “Caixa Mágica”. Para não haver confusão na leitura, o corpo exterior é apresentado sobre folhas brancas, com os tamanhos de letra já referidos, enquanto que o corpo interior é apresentado sobre folhas cinza e com letra de tamanho maior (18). Este grafismo possibilita que o leitor possa ler a Prova em 2 registos distintos, um objectivo e neutro, e outro subjectivo e pessoal. Contudo, o principal objectivo deste grafismo não é agradar ao leitor mas sim ajudar-me a explorar melhor este tema da “Caixa Mágica”. Estrutura O estudo está encadeado como um processo cientifico – umas coisas levam a

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Notas de Apresentação


outras e assim se justificam mutuamente. Lançam-se hipóteses, procura-se informação que as torne verosímeis, testa-se as hipóteses e tiram-se conclusões. Esta organização simplifica o processo e faz desta viagem pessoal uma realidade acessível a outros para além de mim. A racionalidade e a lógica foram sempre mais fáceis de compreender que o seu oposto. 1_”Caixa Mágica” – uma hipótese de trabalho Começamos por lançar o tema como hipótese de trabalho. Para isso identifica-se a sua origem e a razão da sua existência. Fazem-se associações iniciais que contextualizam e justificam a premissa lançada. 2_Para uma Operatividade de “Caixa Mágica” Lançada a premissa, aprofundamos o conhecimento da caixa, descobrindo e conhecendo as suas faces de modo a torná-la operativa. A sua utilidade dependerá fundamentalmente do seu grau de operatividade. 3_Experimentação da “Caixa Mágica” Experiências académicas não são certamente aceites como provas sérias e efectivas de qualquer raciocínio. Seria um erro assumir que os conhecimentos limitados em experiências e tempo de maturação de um estudante poderiam servir de provas para uma qualquer teoria. De qualquer modo apresento dois projectos meus realizados em concursos exteriores à Faculdade. Estes dois projectos, anteriores a esta Prova Final, tem a “Caixa Mágica” como conceito basilar. O objectivo da sua inclusão prende-se com a possibilidade de os poder (re)ver com novos olhos. Ao analisar e criticar estou a (re)ver opções e opiniões do passado mas também outras actuais. Só testando a aplicação prática da “Caixa Mágica” é que posso perceber as suas falhas e as suas virtudes de modo a identificar onde e como estou. 4_Considerações finais O final da Prova não pode ser entendido como o fim do tema, como o chegar a uma espécie de verdade absoluta ou um desmentir completo da premissa inicial. O final é apenas mais um ponto de situação pessoal sobre a “Caixa Mágica”. Comprovando que a “Caixa Mágica” não termina aqui, lança-se um olhar sobre o futuro, sobre a prática da arquitectura, algo que escapa ao presente.

Notas de Apresentação

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Procura-se perceber como é que a “Caixa Mágica” encaixa na realidade comum das dinâmicas arquitecto/utilizador e da prática diária da arquitectura. Conclui-se com um resumo do que seria a Caixa Mágica. Com isto define-se a conclusão do percurso académico e o início do percurso profissional.

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Notas de Apresentação


Caixa Mágica?! O que é isso? A Caixa Mágica é a habitação ideal para o “presente”. Se atentarmos no facto em que nós enquanto seres humanos vivemos actualmente em 2 mundos - o real e o “virtual” - ambos deveriam funcionar em sintonia de modo a que o ser humano pudesse viver em satisfação total. O que é entendes por “mundo virtual”? É o “mundo” da informação, da internet e todas as suas derivantes. É um mundo em expansão com uma influência cada vez maior junto das sociedades com maior poder mundial. É um reflexo do mundo real. Contudo, também se deveria reflectir nele, e isso não acontece em pleno.

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Qual a relação dessa apropriação do mundo com o habitar e a habitação? O que é que a internet e o virtual dão às pessoas? Liberdade de acção! É isso que falta na nossa apropriação básica do mundo - o habitar. E as nossas habitações deveriam permitir isso. Estamos presos a planos que limitam as nossas acções e movimentos. No mundo virtual também existem limites - as estruturas de suporte e apoio - mas que passam despercebidas ao uso do utilizador comum, dandolhe pelo menos a ilusão da possibilidade infinita a todos os níveis. A Caixa Mágica é a transposição desta ilusão de possibilidades infinitas para o mundo real.

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1 “Caixa Mágica” uma hipótese de trabalho

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001

Este projecto foi concebido mediante a consulta de um grupo de empresários que pretendia criar uma linha de casas de produção industrial acessíveis a um mercado muito amplo. O grupo de empresários entendia como mercado muito amplo um cliente final indefinido e dificilmente caracterizável. As Casas AH deveriam satisfazer situações como por exemplo: habitação pública, habitações de férias, habitações para jovens, habitações para a protecção civil, entre outras.

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Diagrama 1 _ relação arquitecto/utilizador/casa

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1A _ Ábalos & Herreros _ Casas AH


De onde surgiu a Caixa Mágica? A Caixa Mágica não foi inventada por mim. Mas também não é uma cópia das ideias de ninguém. Como assim? A Caixa Mágica começou após o contacto com a referência estética“caixa mágica” do projecto casas AH de Ábalos & Herreros. Mas não são as duas Caixa Mágica? O sentido das palavras é claramente diferente! Enquanto para Ábalos & Herreros os termos “caixa mágica” significavam uma referência estética do seu projecto, isto é, uma justificação para a imagem exterior das casas AH, para mim Caixa Mágica é a metáfora da habitação para o presente.

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Mas nível do projecto são também diferentes? Ao nível do projecto a “caixa mágica” de Ábalos & Herreros tem influência sobre o desenho e a imagem da fachada e as consequentes relações que se establecem entre interior e exterior. Já para mim, a Caixa Mágica é toda uma forma de pensar a habitação diferente da habitação tradicional. É a procura das ferramentas e métodos para habitar no presente. Ábalos & Herreros pensam o mesmo... É verdade. A diferença está na abrangência dos termos. A minha Caixa Mágica não se limita à fachada. Para ser do presente inclui ideias de presente, sejam elas de Ábalos & Herreros ou de outros.

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1A _ Ábalos & Herreros _ Casas AH

“Las casas AH son, frente a la casa tradicional, lo que el Swatch frente al reloj de péndulo: no sólo, o no tanto, un cambio tecnológico, sino la constatación de un cambio de hábitos, de la forma de relacionarse con las cosas. Un producto de la cultura material contemporánea. Se basa en la modificación del concepto de durabilidad asociado al de economía en la producción industrial: la introducción de un producto investido de seriedad cultural en la lógica del consumo. Pero no se trata de enmascarar “mala tecnología” ni de aumentar la obsolescencia. En realidad, es tanto o más tecnológico que muchos productos sesudos y de imagen “científica”, y su durabilidad es al menos igual a la de los mejores edificios actuales, pues está construido con los mismos componentes y sistemas. Se trata de ofrecer un producto que en sus intereses, carácter y cualidades se adapte mejor; es decir, se identifique más con la menor estabilidad, con la mayor fugacidad de la vida del hombre y de las cosas que le rodean; con una nueva concepción del tiempo asociada al hogar y al sujeto contemporáneos.”[Ábalos & Herreros, 1997, 151] 001

As casas AH são protótipos industriais concebidos entre 1994-96 com o objectivo de serem habitações adequadas ao sujeito contemporâneo. Ábalos & Herreros anunciam que o sujeito contemporâneo caracteriza-se por uma cultura material e consumista, por novos hábitos e modos de relacionar com os objectos, e pela nova concepção de tempo - instabilidade e fugacidade. Este sujeito contemporâneo é em si mesmo um cliente final indefinido e dificilmente caracterizável. Colocar hipotéticamente as casas AH à venda seria sinónimo de um uso final múltiplo, variado e imprevisto. É difícil garantir à partida a satisfação de um cliente genérico. Ábalos & Herreros enfrentam com as casas AH os problemas típicos da lógica industrial e consumista. “El encargo plantea un doble problema, por un lado, cómo diferenciar estas viviendas de la oferta análoga, haciéndolas capaces de competir también con la vivienda convencional; y por otro, cómo pensar la casa en su máxima abstracción, sin contexto, sin otro parámetro que una eficiencia genérica y universal.”[Ábalos & Herreros, 1997, 136]

002

Não podendo adaptar cada casa ao seu dono, Ábalos & Herreros propõe as casas AH como uma solução simultaneamente apelativa e adaptável ao consumidor. “El criterio básico adoptado es la sistematización de la reducción: de variables, de complejidad construtiva, de superficie, de áreas acristaladas, de particularidades, de operaciones in situ (…)”[Ábalos & Herreros, 1997, 136] A primeira redução corresponde à organização das casas.

1A _ Ábalos & Herreros _ Casas AH

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003

Casas AH - axonometria construtiva

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Casas AH - planta construtiva

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Casas AH - perspectiva interior

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O que é que entendemos por “casa tradicional”? Falamos de “casa tradicional” quando nos referimos a formas de habitar anteriores ao nosso tempo e/ou ao nosso presente. Actualmente associamos-lhe a imagem das divisões grandes e espaçosas com pé-direito elevado, o telhado com 2 ou mais águas e uma marcação clara nas fachadas de portas e janelas. A madeira e a pedra são frequentemente tidos como “materiais tradicionais”. Deste modo, quando hoje alguém quer que a sua casa tenha algo de “tradicional”, opta por aplicar na sua casa uma, ou mais, das características referidas. A “casa tradicional” é difícil de caracterizar porque corresponde mais a uma ideia social subjectiva de habitação digna e com valores (associados ao passado), do que a um modelo específico de habitação. Por conseguinte, apresentar aqui qualquer tipo de imagem ilustrativa desta ideia seria sempre limitado e até enganoso.

007

dicionário artefacto - artificial; produto manufacturado; obra de trabalho mecânico. técnica - conjunto de métodos e processos de uma arte, de uma ciência ou de uma profissão; conjunto de processos bem definidos e transmissíveis que se destinam à produção de certos resultados que se consideram úteis. caixa - arca; móvel para transportar qualquer coisa. mágica - peça teatral de tema fantástico, representada com rápidas mutações cénicas e grande riqueza de efeitos especiais; encanto; fascínio; sedução.

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1A _ Ábalos & Herreros _ Casas AH


003

Existem apenas duas formas geométricas simples. Um paralelipipedo exterior que contém um outro paralelipipedo mais pequeno no seu interior. O mais pequeno dispõe-se baricêntricamente no interior do grande dividindo o espaço em 3 zonas - área diurna, área nocturna, área de serviços. A indeterminação decorrente desta organização facilita os critérios de orientação e posicionamento de cada casa. Para além disto, facilita a própria construção das casas ao reduzi-la a apenas 2 operações: a colocação do núcleo de serviços (o paralelipipedo menor) e a montagem da pele (o paralelipipedo maior). A segunda redução corresponde concepção das casas como objectos industriais. Nesta concepção as casas AH são compostas por sistemas e componentes industriais.

004

A modulação assume-se então como uma ferramenta que simplifica a produção dos componentes e a montagem dos vários sistemas que compõe o objecto final. Se por um lado a redução permite que o objecto se conforme como adaptável ao utilizador, por outro lado para que ele seja apelativo aos olhos consumistas desse mesmo utilizador Ábalos & Herreros propõe duas estratégias de qualificação do objecto - uma interior e outra exterior.

005

A estratégia de qualificação do interior assenta sobretudo no aumento do pé-direito dos convencionais 260cm para 360cm. Esta opção, sem aumentar a área construída, aumenta o volume interior e permite a utilização do topo do núcleo de serviços. Além de aumentar o espaço útil melhora ainda o comportamento térmico das casas em períodos com temperaturas exteriores mais elevadas. Segundo Ábalos & Herreros, confere ainda às casas AH uma certa qualidade espacial associada às ditas habitações tradicionais. “Se trata de producir con aire, con volumen (…) una empatía figurativa con la memoria de habitaciones amplias y agradables – un espacio “ya visto” nunca asociado a “barato” o “funcional”, sino a valores ambiguos pero de gran aceptación subjetiva en la vivienda.”[Ábalos & Herreros, 1997, 140]

006

Extrapolar esta imagem de “tradicional” para o exterior careceria de sentido pois nem a escala nem as formas nem os materiais tem qualquer tipo de associação com essa imagem.

007

A estratégia proposta consiste em desviar as associações através de duas referências estéticas - o artefacto técnico e a caixa mágica. “Un artefacto técnico - un tractor, una cosechadora, un camión cisterna - no entra en competencia con el paisaje, no acepta el juicio estético inherente a construcciones y figuras arquitectónicas convencionales. Evitando reproducir dichas figuras y reforzando su carácter de “artefacto técnico”, la casa esquiva asociaciones de las que no puede salir victoriosa.”[Ábalos & Herreros, 1997, 144]

Para que as casas AH pudessem ser reconhecidas como artefactos técnicos, algo distan-

1A _ Ábalos & Herreros _ Casas AH

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008

PVF2 Ou PVDF (Polyvinylidene Difluoride), é um fluoropolímero termoplástico puro e não reactivo. Este material apresenta óptima resistência a solventes, ácidos, calor, húmidade e fumo, conservando o seu aspecto original durante cerca de 15 anos (segundo os fabricantes). É aplicado sob a forma de películas ou tinta para acabamentos, permitindo sempre óptima aderência a acabamentos do tipo serigráfico ou similares.

009

Parque de auto-caravanas vs. Urbanização de casas AH.

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Casas AH - simulação de vivência exterior

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Casas AH - exemplos de revestimentos

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1A _ Ábalos & Herreros _ Casas AH


te da imagem “tradicional” de casa, Ábalos & Herreros escolheram revesti-las com painéis de 008

PVF2. Este material é susceptível de receber impressões do tipo serigráfico. Isto permite que o utilizador tenha liberdade de escolher a sua futura “imagem” aos olhos dos outros, mas também

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que as casas AH tenham acabamentos densos e coloridos que as diferenciem da oferta de casas pré-fabricadas de madeira e de auto-caravanas à disposição no mercado. “El principio de la “caja mágica” se basa en la atracción casi infantil que se proyecta sobre las cajas con interior, el cofre, el baúl o los calendarios navideños. Se trata de introducir mecanismos que permitan identificar la caja técnica con ese universo próximo a lo doméstico. Despertar la curiosidad mediante la ocultación, contrastar interior y exterior, ofrecer misterio: lo doméstico como juego.” [Ábalos & Herreros, 1997, 144] Ábalos & Herreros propõe que a “caixa mágica” substitua a escala doméstica. Para isso

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introduzem um sistema universal de janelas capazes de desaparecer através de portadas. Estas portadas são resolvidas como fragmentos da fachada dotados de mobilidade. O mágico da caixa está assim nas peças que pivotam e abrem o interior, conformando o referido jogo de exposição/ocultação do interior que desperta a curiosidade do observador criando com ele uma interacção diferente da que ele teria com as ditas “casas tradicionais”. “Ambas referencias – la caja mágica y el artefacto técnico – confluyen en aumentar al máximo la neutralidad del volumen reduciendo su codificación como arquitectura (...) Con ambas estrategias influyentes se resuelve no sólo un problema de imagen, sino también de protección, haciendo que todos los puntos de la casa mantengan un mismo nivel de seguridad.” [Ábalos & Herreros, 1997, 144]

Mas não serão as Casas AH uma visão redutora de “Caixa Mágica”? A “caixa mágica” apenas como referência estética permite a Ábalos & Herreros desviar possíveis associações entre as casas AH e as ditas casas tradicionais. É um jogo do utilizador consigo próprio mas também com observadores exteriores pela curiosidade e interesse, talvez inconsciente e irracional, que desperta neles. Exposto ou escondido. Casa ou objecto. É com este jogo de incógnitas que utilizador e observador brincam. Não poderá a “caixa mágica” ser a totalidade da habitação e não apenas os seus limites? Que possibilidades não permitiria tal solução? A casa do sujeito contemporâneo pede flexibilidade e imprevisibilidade implícita, reflexos da vida quotidiana. Não poderia a “caixa mágica” ser a metáfora de uma outra forma de habitar talvez mais em sintonia com o utilizador? Fica a dúvida. As casas AH levantam ainda uma outra questão. A casa catálogo. 011

Observando a imagens exteriores propostas para as casas AH, e confrontando com o material escolhido, percebe-se que a imagem final é livre, depende apenas da escolha do

1A _ Ábalos & Herreros _ Casas AH

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Casas AH - catálogo

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Casas AH - 2 módulos base

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Casas AH - hipóteses de implantação

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1A _ Ábalos & Herreros _ Casas AH


consumidor, o seu utilizador final. O consumidor - o sujeito contemporâneo - pode escolher porque lhe são dadas várias 012

opções para ele ter a sua própria casa AH. A escolha não se limita apenas à imagem exterior da sua casa, podendo o consumidor escolher também a configuração do interior. Para tal ele tem

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à disposição dois esquemas base - um com 2 quartos e outro com 3 - e ainda um conjunto de módulos satélite independentes das casas - garagem, oficina capaz de se converter em quarto de hóspedes, torre de sombras ou quarto exterior que opcionalmente pode ter mobilidade. A independência dos módulos satélite facilita a implantação dos conjuntos - casa + satélites - de

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acordo com as condições topográficas de cada localização. Mas não será o catálogo proposto reduzido e limitado(r)? À partida só podemos optar entre duas configurações espaciais e funcionais base. A própria estrutura pré-fabricada que a sustenta limita-a logo à partida a essas duas variantes. Os periféricos propostos são também em número e variedade reduzida. Em suma o catálogo proposto não potencia o crescimento ou outras alterações espaciais futuras nas casas AH. A proposta dos periféricos faz com que estas divisões sejam sempre isso, divisões. São anexos da casa. A casa não cresce de acordo com as necessidades, o utilizador pode apenas somar elementos exteriores, o que não qualifica necessariamente o seu espaço de vivência interior – a habitação, o habitante e o habitar. Passar de dois para três quartos dentro da casa implica pelo menos uma sala nova, e como sala e três quartos funcionam como módulos completos tem que ser adquiridos à posteriori. Neste caso não é possível extender a estrutura da sala e módulo de dois quartos para aumentar a habitação, tem que se mudar toda a estrutura da casa. Finalmente, as casas AH levantam uma última questão. Lugar e mobilidade. “(...)pensar la casa en su máxima abstracción, sin contexto, sin otro parámetro que una eficiencia genérica y universal.”[Ábalos & Herreros, 1997, 136] Casas industriais pensadas sem contexto. Uma casa para qualquer lugar. Mas se é para qualquer lugar, qual é a mobilidade da casa? É (des)montável e/ou transportável? Não é referido. Lugar e /ou mobilidade ficaram por pensar e/ou por referir nas publicações de Ábalos & Herreros. As casas AH nunca foram construídas.

1A _ Ábalos & Herreros _ Casas AH

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Na entrevista com José Adrião e Ricardo Carvalho para o Jornal Arquitectos 220/221, Ábalos & Herreros referem alguns dos temas que sempre lhes interessaram, e que ainda lhes interessam. “(...)nunca desperdiçamos energia a lutar contra nada. Isto é: elegemos o que nos interessava e construímos uma plataforma a partir da qual trabalhamos, com convicção. (...) Desde há muito que a nossa investigação ou o nosso interesse se centrou em trabalhar com opções tipológicas novas.(...) Sempre defendemos a invenção tipológica como um dos recursos do projecto com maior capacidade de transformar a arquitectura. (...) A visão híbrida é um material valioso, já que possibilita a invenção e permite algo que, para nós, é muito importante, que é o pôr juntas as coisas que não foram pensadas para estarem juntas.(...) a produção híbrida é algo que sempre defendemos e pela qual lutámos(...) Apenas exigimos dos materiais idoneidade conceptual com o nosso tempo. Não gostamos de materiais ou sistemas construtivos que exijam mão-de-obra e um esforço físico esclavagista. (...) não nos interessa o detalhe nem nos interessa a arquitectura que procura validar-se através do detalhe. (...) Estamos interessados na introdução de processos que possibilitem facilitar o projecto, a construção, a manutenção da obra e também a sua percepção, já que nos interessa que a obra se perceba. (...) Interessa-nos muito mais reordenar as coisas absolutamente banais e habituais que temos à nossa volta, e de uma maneira poética sermos capazes de produzir um acesso democrático à beleza. (...) De certo modo ainda não estamos preparados para que os elementos estruturais sejam menos permanentes e duradouros.(...) As soluções por preconizadas são sempre simples, de modo a permitir que o edifício possa reagir às transformações necessárias, quer tecnológicas, quer de uso. (...) Nunca insistimos na ideia de que a arquitectura vai mudar o mundo. Estivemos sempre conscientes de que a arquitectura tem que participar nas inquietações que atravessam o presente. Interessa-nos o fenómeno do turismo porque, seja qual for o caso, o turismo mobilizará todas as suas forças para colonizar, invadir ou transformar.Temos de estar presentes nesse fenómeno para tentar introduzir, neutralizar ou manipular esse esforço. Porque entendemos que o turismo tem uma grande capacidade de destruição, mas ao mesmo tempo tem a capacidade de revelação. (...) Pensámos que as investigações construtivas, espaciais e técnicas devem interagir entre as funções propostas, de forma a que o espaço doméstico possa ter o melhor das conquistas técnicas que foram conseguidas nos espaços de trabalho e vice-versa. (...) A utopia é um desperdício. (...) A História interessa-nos em momentos como aquele em que os arquitectos modernos olharam para Chicago, na altura uma cidade repugnante, e viram-na como o gérmen de uma cidade nova. Não nos interessa a História como fonte de citação, mas sim como suporte intelectual, como cultura. (...) O nosso trabalho procura não deixar rasto. Interessam-nos os arquitectos que operam na História com a liberdade de recompor o que já existia de uma forma diferente. Os arquitectos que operam na História com absoluta singularidade parecem-nos de difícil utilização. (...)Sentimos afinidades por espaços ou lugares cuja utilização aparentemente não pertença ao sítio. Dificilmente me interessaria por um lugar natural de grande beleza e dramatismo. (...) gostamos de arquitecturas que se definem num só espaço, e então elegeria espaços concretos - ‹‹monoespaços››. Seriam espaços ‹‹experiência›› com largura, comprimento e altura, luz e estrutura ou uma construção mental de algo feito com fragmentos.” [Ábalos & Herreros, JA 220/221, 2005]

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Iñaki Ábalos Vázquez, nascido em 1956 no País Basco, e Juan Herreros Guerra, nascido em 1958 em Madrid, formam-se pela ETSAM em Madrid em 1978 e 1985, respectivamente. Começam por leccionar em 1984 a disciplina de Construção na ETSAM, o que se prolongou até 1988. Em 1985 fundam o estúdio homónimo em Madrid e em 1986 surgem as primeiras obras: 3 estações depuradoras de águas residuais em Espanha.

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1B _ Ábalos & Herreros


Qual pode ser a pertinência de um projecto antigo não construído, como as casas AH, para um tema supostamente novo? As ideias. Mas as ideias são relativas a uma situação específica... E são também reflexo do pensamento dos seus autores! A busca da compreensão das casas AH conduz-nos imperterivelmente a Ábalos & Herreros. Contactar com as ideias de Ábalos & Herreros abre muito mais portas que a mera compreensão de uma das suas obras. Qual foi a porta principal que abriu para ti? Pragmatismo na arquitectura. Trabalhar no e para

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o presente ganhou para mim um novo significado. Através desta porta, a Caixa Mágica ganhou clareza e objectividade. Ábalos & Herreros são então as referências, os guias desta viagem? São mais que isso, são o caminho para chegar a outros caminhos. Perceber a importância das casas AH no seu percurso não só contextualiza a referência da “caixa mágica” mas também ajuda a perceber a importância da obra para Ábalos & Herreros. Com este processo as ideias complexas e interessantes destes arquitectos ficam mais acessíveis e sujeitas à apreensão e manipulação pessoal e subjectiva. A Caixa Mágica não é Ábalos & Herreros.

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Não havendo referências bibliográficas de “caixa mágica” não nos resta senão voltarmonos para Ábalos & Herreros, os autores da origem desta “caixa mágica”. Procuram-se esclarecimentos e novas dúvidas, assim como “pontes” para outras referências - autores e obras - que se possam de algum modo comple(men)tar esta “caixa mágica”.

1B _ Ábalos & Herreros Identificação 015

“Foi muito importante termos tido uma formação técnica e teótica sólida. Mas foi também importante não termos abandonado as coisas que nos interessaram sempre(...)”. [Ábalos & Herreros, JA 220/221, 60]

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Quem são os arquitectos Ábalos & Herreros? Iñaki Ábalos e Juan Herreros fazem parte de uma geração de arquitectos espanhóis que, entre finais dos anos 70 e inicíos dos anos 80, foram ensinados por arquitectos como Rafael Moneo e Alejandro de la Sota. Numa entrevista dada à revista ICON #27 (Setembro 2005), Ábalos & Herreros referem que a sua formação, para além de “sólida”, foi também um período em que começaram a posicionar-se na arquitectura. Nesta mesma entrevista eles dizem que no seu tempo de estudantes existiam pelo menos duas “linhas” ou “correntes” de pensamento, e consequentemente de ensino, em Espanha. Rafael Moneo e Alejandro de la Sota eram para Ábalos & Herreros as principais figuras de uma e outra “linha”. A sua “escolha” recaiu na “linha de Alejandro de la Sota”, uma “linha” que segundo Ábalos & Herreros, na mesma entrevista já referida, misturava interesses na técnica e história e no “contexto Anglo-Saxónico”. Por outro lado, “muchas de las cosas que hemos hecho proceden de nuestros años de estudiante, cuando Robert Venturi y Aldo Rossi eran líderes y casi sólo podías trabajar con sus ideas.” [Ábalos & Herreros, 2G n22, 129] Ainda em relação a Robert Venturi, na entrevista com José Adrião e Ricardo Carvalho para o Jornal Arquitectos 220/221, Ábalos & Herreros fazem referência à importânica do livro “Learning from Las Vegas” de Venturi. Identificam-se com a ideia de, segundo eles, Venturi não trabalhar contra, isto é, de não ter uma posição reaccionária contra o progresso. Noutras entrevistas e textos referem-se a outros autores, tais como Mies van der Rohe, Le Corbusier, Cedric Price, entre outros. As referências arquitectónicas de Ábalos & Herreros constituem por isso um forte indicador dos seus interesses e uma identificação mais precisa do seu posicionamento na arquitectura. Livros e obras construídas de outros autores apresentam-se como motivadores para o

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Este texto foi publicado em 1997 no seu livro “Áreas de Impunidad”. Por curiosidade, é interessante que estes conteúdos apareçam publicados no livro como uma introdução à exposição do projecto casas AH. É também curioso que esta publicação ocorra após o fim da experiência casas AH e da construção da casa Gordillo, ambos em 1996.

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Diagrama 2 _ como construir uma perspectiva pessoal

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É clara a importância do livro de Richard Rorty para Ábalos & Herreros. O livro “Contingency, irony and solidarity” foi publicado originalmente pela Cambridge University Press apenas em 1989, sendo ele uma compilação de vários conjuntos de aulas dadas até então em várias universidades. A versão em espanhol, editada pela Paidon, só saiu em 1991. Ora, conforme já foi referido, a prática profissional de Ábalos & Herreros começou em 1985, com as primeiras obras a datarem de 1986. Conclui-se assim que dificilmente este livro seria uma referência para Ábalos & Herreros desde o ínicio da prática profissional. Este facto deixa desde já em aberto duas questões. Em primeiro lugar está a possibilidade da existência de uma mudança de rumo no percurso profissional de Ábalos & Herreros, provavelmente a partir do início da década de 90. Em segundo lugar, esta mudança poderá ter tido em reflexo especial nas casas AH, fazendo desta obra um “ponto de viragem” no percurso de Ábalos & Herreros.

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1B _ Ábalos & Herreros


seu exercício pessoal da prática arquitectónica. Qual a importância de Ábalos & Herreros para a minha “caixa mágica”? “Durante muitos anos captámos referências e agora, naturalmente, talvez sejamos difusores de outras leituras que nos interessam, embora estejamos sempre a receber influências das gerações mais jovens.”[Ábalos & Herreros, JA 220/221, 62] Ábalos & Herreros são para mim três tipos de referências. Em primeiro são a origem da minha “caixa mágica”. Em segundo são uma perspectiva da arquitectura que considero diferente e mais apelativa do que outras que eu havia tomado contacto - por mais breve que fosse - no meu percurso escolar. Colocam questões, e tem algumas respostas, com as quais me identifico. Em terceiro são uma fonte de novos conhecimentos e perspectivas. Contudo, não é só o conteúdo dessas referências que me interessa. Interessa-me particularmente o modo como Ábalos & Herreros lidam com elas. Ábalos & Herreros são arquitectos que considero muito críticos. Críticos não no sentido prejorativo da palavra mas no sentido “construtivo”. Eles estudam, comparam, pensam e avaliam os conteúdos de uma referência e, após esse processo, tomam uma posição pessoal. 017

O texto “Si queremos cambiar nuestra forma de pensar e proyectar viviendas...” é o que eu considero um exemplo desta crítica construtiva de Ábalos & Herreros. Falam de modernismo e falam de pós-modernismo... Mas não se “filiam” em nenhum destes movimentos. Mas também não os negam. Aprendem com ambos, clarificam o que era positivo e o que era negativo. Retiram ensinamentos e não soluções para copiar e aplicar. A sua consciência da pluralidade do presente compele-os a aceitarem tudo mas simultaneamente a fazerem as suas escolhas no presente não esquecendo os ensinamentos do passado. Ora, quando se lança uma premissa como a “caixa mágica como hipótese de trabalho”,

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é necessário ter esta consciência que a novidade do tema exige uma perspectiva própria e não uma mera soma de perspectivas de outros. Contudo, não havendo tempo - Ábalos & Herreros tem mais de 20 anos de trabalho profissional conjunto - para atingir essa perspectiva própria, fica a referência.

Pragmatismo 019

“El encuentro con el pragmatismo –con el neo-pragmatismo filosófico por así decirlo–, es una aproximación que se ha ido produciendo lentamente en los últimos 10 ó 12 años. Lo que fuimos encontrando en un primer momento fueron las coincidencias entre las palabras y las ideas que sobre todo Richard Rorty explicaba en su libro Contingencia, Ironía y Solidaridad, y nuestros propios métodos. Especialmente al principio, se trataba de dos palabras que nos

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“Contingência, ironia e solidariedade” “A tentativa de fundir o público e o privado está por detrás quer da tentativa, por parte de Platão, de responder à pergunta ‹‹Porque é que ser justo é do interesse de cada um?›› quer da tese do cristianismo de que a realização pessoal perfeita pode ser alcançada através do serviço prestado a outrem. Tais tentativas metafísicas ou teológicas de conjugar uma luta pela perfeição com um sentido da comunidade exigem que reconheçamos a existência de uma natureza humana comum. (...) Desde Hegel, porém, os pensadores historicistas não deixaram nunca de tentar ultrapassar este conhecido impasse, tendo vindo a negar a existência de uma ‹‹natureza humana›› ou de um ‹‹nível mais profundo do eu››.(...) Esta viragem historicista contribuiu para nos libertar, de forma gradual mas constante, da teologia e da metafísica - da tentação de procurar uma fuga ao tempo e ao acaso. Ajudou-nos a substituir a Verdade pela Liberdade enquanto objectivo do pensamento e do progresso social. Mas mesmo depois dessa substituição mantém-se a antiga tensão entre o privado e o público. Os historicistas nos quais predomina o desejo de autocriação, de autonomia privada (por exemplo, Heidegger e Foucault) (...) Os historicistas nos quais predomina o desejo de uma comunidade humana mais justa e livre (por exemplo, Dewey e Habermas) (...) O presente livro tenta fazer justiça a estes dois grupos de autores historicistas. Defendo que não tentemos optar por um deles, mas sim que lhes atribuamos igual peso e que os usemos para diferentes fins.(...) Só consideraremos estes dois tipos de autores como opostos se pensarmos que poderia haver uma perspectiva filosófica de maior grau de compreensão que nos permitisse abarcar a autocriação e a justiça, a perfeição privada e a solidariedade humana numa única visão. Não é possível que alguma vez a filosofia ou qualquer outra disciplina teórica possam permitir-nos isso. (...) não é possível elevar a autocriação juntamente com a justiça ao nível da teoria. O vocabulário da autocriação é necessáriamente privado, não partilhado, impróprio para a argumentação. O vocabulário da justiça é necessáriamente público e partilhado e um meio de troca argumentativa. (...) Ambos têm razão, mas não há maneira de os fazer falarem uma mesma e única linguagem. O presente livro tenta mostrar o aspecto que as coisas assumem se pusermos de parte a procura de uma teoria que unifique o público e o privado e nos contentarmos com tratar as exigências de autocriação e as de solidariedade humana como sendo igualmente válidas, embora definitivamente incomensuráveis. O livro desenha uma figura a que chamo a ‹‹ironista liberal››.(...) Uso o termo ‹‹ironista›› para designar o tipo de pessoa que encara frontalmente a contingência das suas próprias crenças e dos seus próprios desejos mais centrais - alguém suficientemente historicista e nominalista para ter abandonado a ideia de que essas crenças e desejos centrais estão relacionados com algo situado além do tempo e do acaso. Os ironistas liberais são pessoas que incluem entre esses desejos infundáveis a sua esperança de que o sofrimento venha a diminuir e de que a humilhação causada a seres humanos por outros seres humanos possa terminar. (...)Um dos meus propósitos neste livro é sugerir a possibilidade de uma utopia liberal: uma utopia em que o ironismo, na acepção relevante para o efeito, seja universal. (...) Na minha utopia, a solidariedade humana seria vista não como um facto que haveria apenas que reconhecer uma vez removidos os ‹‹preconceitos›› ou alcançadas profundezas até então ocultas, mas sim como um objectivo a atingir. Um objectivo a atingir não pela investigação, mas sim pela imaginação, pela capacidade imaginativa de ver em pessoas estranhas companheiros de sofrimento. A solidariedade não é descoberta pela reflexão, mas sim criada. É criada com o aumento da nossa sensibilidade aos pormenores específicos da dor e da humilhação de outros tipos, não familiares, de pessoas. Uma sensibilidade assim aumentada torna mais dificil marginalizar pessoas diferentes de nós por se pensar que ‹‹eles não sentem da mesma maneira que nós sentiríamos›› ou que ‹‹terá sempre de haver sofrimento e, assim sendo, porque não havemos de os deixar a eles sofrer?››. Este processo de se chegar a conseguir ver outros seres humanos como sendo ‹‹um de nós›› e não como ‹‹eles›› é uma questão de descrever pormenorizadamente como são as pessoas que não nos são familiares e de nos redescrevermos a nós próprios.(...)” [Richard Rorty, 1989, 15-19]

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parecían clave: una era la idea de redescripción, de cómo se obtenía la novedad; mas que como una especie de inspiración que viniera de algún sitio extraño, como un cambio de léxicos y una forma diferente de combinar referencias, de hablar a nuestro tiempo presente y no a un tiempo histórico. El pragmatismo no busca verdades sino descripciones o redescripciones verosímiles de la realidad, y en ese sentido nuestra propia técnica de la conversación –esta es la otra palabra rortiana– es la técnica básica de trabajo: en nuestro estudio estamos el uno sentado frente al otro hablando entre nosotros y con nuestros colaboradores, intentando establecer las características esenciales del proyecto, las reglas del juego. Es un proceso en el que también hay muchas horas de silencio, de lecturas y de dibujar, en el que participan abundantes referencias que se ponen encima de la mesa: de edificios a veces modernos, a veces contemporáneos, a veces históricos; de pinturas, exposiciones, actividades artísticas, prácticas materiales, publicidad... Con estos materiales componemos un sistema que pretende identificar la mejor forma de intervenir en cada ocasión; es a través de estas conversaciones y redescripciones como hemos ido resolviendo nuestros proyectos.” [Ábalos & Herreros, Métodos (entrevista com Eduardo Cadaval)] Ábalos & Herreros já tinham pontos em comum com o pragmatismo mesmo antes de 020

o descobrirem através do livro “Contingency, irony and solidarity” de Richard Rorty. “Redescrever” a realidade e usar a “conversação” como método de trabalho eram pois peças já fundamentais na sua prática arquitectónica. Identificá-las no movimento neo-pragmatista serviu de caminho para a reformulação teórica da sua prática. Isto é, dotam-se de referentes ideológicos mais completos que lhes permitem abordar as questões colocadas pelo presente. O pragmatismo tem “abertura” para lidar com múltiplas referências em simultâneo sem as hierarquizar/negar/sobrevalorizar, o que permitiu a Ábalos & Herreros integrarem outros métodos, escalas e temas nos seus trabalhos, tornando-os por este meio mais ricos e adequados ao presente. William James, um dos fundadores do pragmatismo, explicava esta pluridade com uma metáfora de um corredor de hotel. No hotel cada quarto alberga uma teoria/concepção diferente do mundo. O corredor é o lugar onde eles se encontram/intersectam/misturam, o lugar onde podemos ser envolvidos por uma conversação vasta e enriquecedora. Deste modo James demonstra que o pragmatismo não nega teorias mas sim põe-nas em contacto/diálogo umas com as outras, mesmo quando parece que elas não tem qualquer relação entre si, retirando daí novas ideias/teorias. A adopção das ideias pragmatistas constituiu um longo processo de absorção, que foi alterando a cada projecto a visão e o pensamento de Ábalos & Herreros. Pensar pragmáticamente foi o culminar de uma auto-re-educação arquitectónica apoiada sobretudo no já referido livro de Richard Rorty. Constantando esse culminar aparece o texto “A Bigger Splash: a casa do pragmatismo” publicado no livro “A boa vida: uma visita guiada às casas da modernidade” de Iñaki Ábalos.

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dicionário contingência - qualidade do que é contingente; facto possível mas incerto. contingente - que pode ou não suceder ou existir; duvidoso; eventual; incerto; que não é necessário ou essencial.

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Neste texto Ábalos aborda, entre outras, a questão do que ele entende por pragmatismo e pragmatista e a questão de como se caracteriza a relação entre o pragmatismo e a prática arquitectónica - a casa pragmatista. Ábalos salienta ao longo do texto 3 ideias que resumem o pragmatismo: contingência, tempo e sujeito pragmático. A “contingência” está em primeiro lugar na linguagem usada pelo Homem. Sendo esta

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linguagem a base de toda a comunicação e relacionamento do Homem com o mundo, todas as criações humanas são por isso contingentes. A “Verdade” - o acordo entre a mente (o privado) e o mundo (o colectivo) - é por isso contingente. Assumindo isto, o “criador” pragmatista usa a metáfora como meio de “redescrição” da realidade, convidando através deste processo e suas “criações” os outros a abandonarem uma linguagem antiga em detrimento da nova. Repare-se que o termo usado é “convidar”. Não é por acaso. O pragmatismo não nega nem analisa nenhuma ideia/método/teoria/linguagem sistemáticamente parte por parte, o pragmatismo propõe ao invés que se façam não as mesmas coisas de outra maneira, mas sim outras coisas. Isto é, o pragmatismo procura que as suas “criações” sejam suficientemente atractivas para que as pessoas sintam vontade própria em aderir a elas. “O pragmatismo, portanto, é mais um método do que uma filosofia, um método sem dogmas nem doutrinas, para o qual ‹‹as teorias chegam a ser instrumentos, mas não respostas a enigmas nas quais possamos-nos apoiar...››. Um método de actualização das verdades, de redescrição e adaptação constante de nossas crenças e linguagens frente à nossa experiência, que extrai da contingência do mundo e de suas representações toda a sua energia. Uma forma de pensar que não se institui como negação a outras concepções, mas que as cruza de forma singular, adoptando-as para construir uma ‹‹conversação›› particular, até iluminar novos léxicos cuja única validade não se ancora mais em sua verdade, mas em sua ‹‹verossimilhança››, em sua capacidade para criar no outro o efeito de verdade através da experiência.” [Iñaki Ábalos, 2001, 174]

A “conversação” é a metáfora pragmática que permite establecer relações imprevistas, as quais potenciam novas realidades. É a já referida imagem do corredor de hotel de William James. O pragmatismo não tem nem a certeza nem a objectividade como metas do pensamento. Isto permite-lhe colocar o “criador” pragamatista no centro de realidades instáveis (o presente) sem que ele perca o optimismo. Ele olha então para a instabilidade e a heterogeniedade como um material potencialmente criativo. Falando de presente é falar de “Tempo”. “O tempo que o pragmatista priveligia é o dos factos - pragmata -, o das acções, o

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Plantas do protótipo de casa de Catherine Beecher

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tempo do presente, um tempo que não é amnésico, porque tem a memória de si mesmo através deste exército móvel de metáforas no qual as novas se alinham, um tempo ‹‹que usa os sucessos do passado para informar o presente››, e para o qual o futuro é ‹‹meramente uma promessa, um halo em volta do presente››, tal como Dewey escreveu.” [Iñaki Ábalos, 2001, 175] O pragmatismo usa a História como lugar de aprendizagem para actuar no presente. Esta aprendizagem descomprometida não restringe o acto criativo e, pela referência ao colectivo, ajuda o indivíduo a “ver-se” no presente e a “projectar-se” no futuro. Este indivíduo, ou “criador” pragmatista, ao qual Ábalos chama de “sujeito pragmático”, é baseado na figura do “ironista liberal” de Rorty. O sujeito é “ironista” enquanto tem consciência da sua própria contingência e da do mundo que o rodeia, e é “liberal” enquanto se rege por um modelo social que reconhece os outros como iguais, o que o leva a procurar reduzir-lhes o sofrimento (algo que faz a si próprio). Que concepção de arquitectura serve de base à casa do pragmatismo? Reconhecendo o “presente” como o lugar do “hoje, aqui e agora” onde ocorrem as experiências do quotidiano, o pragmático tenta transformar o quotidiano numa força criativa. Consequentemente entende que a arquitectura deve ser um marco nessas experiências do quotidiano. A arquitectura serve assim para despertar emoção e energia no utilizador para que, chamando-lhe à atenção, possa cumprir o seu papel de “redescrição” da realidade. “A casa do pragmatismo não teve congressos CIAM, nem métodos científicos de dedução de nenhum tipo de Existenzminimun. Sua domesticidade foi deduzida empiricamente: nem é demasiado grande - o que preocupa não é a representatividade do espaço, mas a sua manutenção -, nem demasiado pequena, já que nela deve haver espaço para que cada membro da família leve uma vida autônoma. A casa pragmática é hipoteticamente habitada por uma família - ou por qualquer uma de suas variantes hoje tão estendidas (...) Uma casa mecanizada, pensada para evitar o quanto possível as tarefas ingratas, e que parte da hipótese de uma eliminação completa da necessidade de serviçais (...)” [Iñaki Ábalos, 2001, 180] A origem da casa pragmatista está nos movimentos feministas de finais do séc. XIX. Das várias figuras da época parece interessante para o momento falar de Catherine Beecher. Independentemente de quem foi e o que fez esta senhora, o que importa aqui referir 022

é a sua proposta de um protótipo de casa. Esta casa usava toda a panóplia técnica disponível em finais do séc. XIX, procurando a redução do sofrimento associado ao trabalho doméstico, reservado na época às mulheres. A casa tem uma particularidade - um núcleo central técnico - que a diferenciava completamente das casas vitorianas burguesas. As paredes exteriores serviriam apenas e somente para proteger da tempo e da luz exteriores. “Com isso, Catherine Beecher parece introduzir, pela primeira vez, o conceito de um

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Pequenos dispositivos de controlo substituem hoje a presença das máquinas que usámos.

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Hoje quase tudo está catalogado, seja em imagens ou em amostras reais. A maioria dos produtos é assim publicitado, e posto à disposição da nossa capacidade de escolha e/ou compra.

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núcleo de serviços central e unificado, em torno do qual se organizam os pavimentos da casa, não tanto como aglomeração de quartos, mas como um espaço livre, aberto em seu traçado, mas diferenciado funcionalmente por um mobiliário especializado e por equipamentos integrados à arquitectura, antecipando, assim, a organização funcional básica da casa Dymaxion de Buckminster Fuller de 1927.” [Iñaki Ábalos, 2001, 181] Com o final da 2ª Guerra Mundial a casa pragmática evolui. De acordo com as novas capacidades da técnica, deixou de haver um núcleo central e em seu lugar houve uma difusão dessa mesma técnica por toda a casa. Nas últimas décadas tem-se assistido a uma miniaturização da tecnologia e esta tem perdido progressivamente a sua visibilidade. A mecanização do ar é um paradigma disto. As 023

máquinas desaparecem de vista e ficam apenas presentes os seus controlos e as características que conferem aos espaços (calor, frio, humidade, ventilação, luminosidade, segurança, etc.). “A eliminação do sofrimento nas tarefas domésticas terá conduzido a uma eliminação também do sofrimento nos processos de construção: a facilidade e a simplificação técnica serão valores que se estenderão a todos os momentos da casa. Esta é, agora, pensada, construída e habitada contra as complexidades técnica e existencial, comodamente. O tempo passará a ser entendido como um material, um material de construção, o mais valioso, de modo que minimizá-lo adquire um sentido económico abstracto, expressão dessa facilidade existencial.” [Iñaki Ábalos, 2001, 183]

A economia de tempo reflecte-se no próprio acto de habitar. O espaço pragmático propõe o conforto instantâneo, associando-lhe a mecanização e a ergonomia do espaço e do mobiliário. “Mais concretamente, será construída através de produtos industriais sistematizados, acessíveis em catálogos comerciais, englobando desde a roupa e o mobiliário até os sistemas construtivos. Será, pois, uma casa que, em sua materialidade, submete-se à exterioridade e ao parâmetro básico de sua regulação interna, a influência da moda, que não apenas determina, em grande medida, seu carácter perecível, como também regula as modificações que experimenta frente a qualquer reajuste de programa derivado da necessidade ou do puro desejo.” [Iñaki Ábalos, 2001, 184] 024

Segundo Ábalos & Herreros, pelo uso dos catálogos o arquitecto abandona o sofrimento na concepção - o seu sofrimento - e o sofrimento na construção - o sofrimento dos outros. O detalhe arquitectónico deixa de existir e a casa pragmática, pela sua materialidade contingente, pode ser entendida como um objecto de consumo, em constante substituição. A grande dificuldade do arquitecto está no arranque do processo pragmático. Como pensar a arquitectura nestes parâmetros que tem vindo a ser abordados? Usar os catálogos é simples, mas qual o método que define as escolhas de modo a “redescrever” a realidade?

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Diagrama 3 _ Caixa Mágica como metáfora para despertar a imaginação. Forma ambígua e sem compromissos, um estímulo.

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dicionário coincidência - acto ou efeito de coincidir; simultaneidade de dois acontecimentos; concordância; justaposição; acaso. coincidir - suceder ao mesmo tempo.

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Imaginação. “Sem dúvida a casa pragmática exige do arquitecto uma grande dose de imaginação.” [Iñaki Ábalos, 2001, 196]

Toyo Ito é da mesma opinião. “Será ele a afirmar: ‹‹o arquitecto contemporâneo ideal é uma combinação de pragmatismo - 80% - e imaginação - 20% - ››, que coloquialmente expressando os vínculos que fazem de um sistema, um jogo, e, de ambos, uma proposta arquitectónica coerente capaz de redescrever, com verossimilhança, nosso tempo.” [Iñaki Ábalos, 2001, 191] Toyo Ito usa a metáfora do “Liquid Space” - fluidez e imaterialidade, a constatação das semelhanças entre meio natural e meio tecnológico - como meio para desencadear a imaginação pragmatista. A questão que se coloca agora é se a “caixa mágica” não pode ser a metáfora que 025

desperta a minha imaginação. Se o pragmatismo trabalha para o presente, e se eu pretendo que a “caixa mágica” seja uma forma de habitar no presente, porque não usar o pragmatismo para ajudar a compôr a “caixa mágica” como um tema de arquitectura válido?

Casas AH no percurso Ao analisar a vida e obra de Ábalos & Herreros apercebemo-nos de uma série de “coincidências” que fazem das casas AH mais do que apenas um projecto que nunca foi construído (ver Anexo - Biografia de Ábalos & Herreros). Já vimos na secção anterior como a “descoberta” do pragmatismo através do livro “Contingency, irony and solidarity” de Richard Rorty foi marcante para Ábalos & Herreros. Este livro fê-los rever todo o seu posicionamento na arquitectura e todos os seus métodos. Esta revisão ocorreu no início da década de 90, e os anos que se seguiram registam uma série de obras, publicações e participações em actividades (workshops, cursos), correspondentes à transição para uma sintonia total com o pragmatismo na arquitectura. 026

Passo então a apontar essas “coincidências”. “Este texto (“Si queremos cambiar nuestra forma de pensar e proyectar viviendas...”) foi publicado em 1997 no seu livro ‹‹Áreas de Impunidad››. Por curiosidade, é interessante que estes conteúdos apareçam publicados no livro como uma introdução à exposição do projecto casas AH. É também curioso que esta publicação ocorra após o fim da experiência casas AH e da construção da casa Gordillo, ambos em 1996.” [Gil Silva, Prova Final, 40]

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Excerto da Biografia de Ábalos & Herreros (ver Anexo). 1988 – A&H Livro “Le Corbusier. Rascacielos”, Município de Madrid, 1987. Reeditado em 1997 por EXIT, LMI 1993 – A&H Membros Fundadores da Liga Multimédia Internacional, Editores de LMI 1994 – A&H Livro “Exit”, Departamento de Projectos da ETSAM e Liga Multimédia Internacional, Madrid 1995 – A&H Livro “Las Afueras: 6 Ensayos sobre la Condición Metropolitana”, EXIT, Comunidade de Madrid e Liga Multimédia Internacional, Madrid 1999 – A&H Livro “Natural Artificial”, EXIT Editores, Liga Multimédia Internacional, Madrid ???? - Livro “Cambio + Energía + Información _ Palacios de la Diversión. Isla de San Miguel”, Liga Multimedia Internacional, Madrid

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Logo à partida, o título do texto refere-se ao acto de mudar no modo de pensar e projectar habitações. Depois, o texto fala do entendimento presente da “herança” modernista e pós-modernista relativamente à habitação. Segundo Ábalos & Herreros, deveríamos adoptar uma posição crítica por oposição à aceitação de qualquer um deles. Isto é, reconhecendo as virtudes e os problemas de cada um destes movimentos, aprendemos e podemos tomar assim uma posição própria adequada ao presente. Neste sentido, este texto parece servir de testemunho de uma fase de mudança, de um caminho que Ábalos & Herreros empreenderam eles próprios na hora de procurarem chegar à referida posição própria adequada ao presente. Expor, numa publicação dos próprios, este texto como “introdução” à exposição primeiro dos protótipos industriais casas AH, e depois da casa Gordillo, é um sinal claro que existe uma relação entre todos. Fica a hipótese, não assumida por Ábalos & Herreros, de as casas AH terem sido um veículo de experimentação mais intensivo (visto serem protótipos), e de a casa Gordillo ter sido uma transição dessa experimentação para a prática real da arquitectura. Outra “coincidência” é o facto de em 1993 aparecem como membros fundadores da Liga Multimédia Internacional. Segundo dados disponíveis na internet, a LMI é uma organização que tem por objectivo contribuir para a simplificação e intensificação das práticas artísticas. Resumidamente é um movimento que através de uma publicação denominada EXIT partilha conhecimentos e experiências pessoais com outros que, tal como Ábalos & Herreros, procuram construir um suporte que justifique de certo modo as suas intervenções – práticas e teóricas. Serve assim para revelar textos e experiências que muitas vezes se limitavam a uma partilha muito restrita num grupo de pós-graduação ou algo similar. Com isto faz-se crítica e com a crítica revê-se algumas posições, assume-se e/ou assenta-se outras, e no fundo o conhecimento evolui tanto no indivíduo como no colectivo. Através da EXIT e da LMI, pelo que consegui perceber em pesquisa na internet, Ábalos 027

& Herreros (re)publicaram alguns livros. Parece-me mais uma vez interessante assinalar a proximidade temporal entre estas publicações e o período de concepção das casas AH - 1994/96. A participação neste colectivo, e as consequentes publicações, relacionam mais uma vez este período de Ábalos & Herreros com a exploração e a experimentação na procura - neste caso através da relação com outros na mesma situação que eles - de encontrar uma posição própria na arquitectura. “En un principio quisimos trabajar bajo una interpretación muy técnica de nuestra disciplina. Así, nuestros primeros textos trataban básicamente acerca de temas técnicos estudiados con mucho rigor. Pero entonces descubrimos las posibilidades de trabajar con el material que

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Serigrafia sobre objectos. Andy Warhol e Casas AH. “como hizo Andy Warhol unos años antes”

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dicionário catálogo - relação sumária, ordenada por vezes em ordem alfabética, de coisas ou de pessoas. dicionário metapolis arquitectura avanzada catálogo - “Una nueva sociedad que se organiza sobre la idea de opciones, que transforma la idea de consumo por aprovechamiento, que interactúa mientras escoge, es una sociedad de catálogos: catálogos en constante preparación, interminablemente en construcción, de permanente reelaboración de los contenidos que delimita. Las ideas no pueden ser ajenas a esta tendencia. Ikea es un paradigma de nuestro tiempo de catálogo: no es un modelo ético y a la vez es un modelo estético de comportamiento social. Avanzamos hacia ideas a la carta, superando también la idea de catálogo general para imponer catálogos particulares, como nuestro ADN. Nuestras oficinas dedican un importante porcentaje de tiempo en elaborar opciones de elección, según diferentes parámetros. Las ideas son de hecho catálogos, introduciendo diferentes niveles de la cadena Arquitectura en la posibilidad de incidir.”

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A experiência com os catálogos e com os artistas teve nesta obra o seu ponto de partida e manteve-se até hoje em obras como a Biblioteca Pública de Usera (1995-2003, em que o artista Peter Halley elaborou os desenhos para o revestimento interior), o Parque Litoral em Barcelona (2000-2004, em que o artista Albert Oehlen elaborou o desenho para o chão), a Praça Woermann nas Canárias (2001-2003, novamente com Albert Oehlen a elaborar o desenho do chão), ou a Requalificação de um espaço público no Rio de Janeiro (1999, novamente com Albert Oehlen a produzir o desenho do chão). Estas são apenas algumas das suas obras mais conceituadas cujo resultado final só foi possível pelo caminho que enveredaram a partir da experiência das casas AH, motivo pelo qual se justifica que estas casas não foram apenas uma experiência pontual.

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teníamos a mano y que ofrecía la industria o el comercio, pero no necesariamente para inventar nuevos sistemas, sino para manipular los sistemas técnicos, constructivos, espaciales y comerciales existentes. Esto nos hizo pensar en la posibilidad de utilizar un montón de catálogos, y no sólo aquellos relacionados con la arquitectura. En este sentido, uno de nuestros primeros ejercicios consistió en buscar diversas muestras de estampados como un nuevo acabado para 028

nuestros prototipos industrializados de las casas AH, como hizo Andy Warhol unos años antes. Mediante esta estrategia de usar catálogos nos interesamos más por desdibujar la frontera entre aquello que se consideraba técnica y lo que se consideraba arte. Conocimos a algunos artistas que entendían las cosas que nos interesan de modo similar y comenzamos a colaborar con ellos. Por aquel entonces estabamos trabajando en la casa para Luis Gordillo, bajo el ojo crítico de este importante artista-cliente.” [Ábalos & Herreros, 2G n22, 128] Este excerto da entrevista de Ábalos & Herreros com Hans Ulrich Obrist é particularmente rico nestas ditas “coincidências”. Logo no início fazem referência à “descoberta” dos catálogos. O uso de catálogos está

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associado ao pragmatismo na arquitectura, como já foi referido no texto anterior. Isto é, se pretendemos reduzir o esforço e o sofrimento humano tradicionalmente associados à prática construtiva, então a escolha de componentes e sistemas em catálogos é a solução mais adequada. Esta referência localiza-nos mais uma vez no período de “adaptação ao pragmatismo” no início da década de 90. Para além disto, o seu primeiro contacto com os catálogos foi efectivamente a propósito das acabamentos das casas AH, que nos remete para as referências estéticas que eles adoptaram para resolver os problemas de referenciação externa das casas - o artefacto técnico e a caixa mágica. A “caixa mágica” afirma-se assim claramente como uma experimentação que permitiu

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a Ábalos & Herreros passar de um entendimento técnico da arquitectura para uma visão mais “relaxada” e “flexível”, relacionando arte com a arquitectura. Esta transição deve muito à referida situação de estarem simultanemente às casas AH a trabalhar na casa para o artista Luis Gordillo. Ábalos & Herreros não especificam mais sobre esta situação mas é provável que o seu contacto com artistas se deva não só à procura de acabamentos serigráficos para as casas AH mas principalmente ao convívio com Luis Gordillo. A exposição destes factos leva-nos a concluir que dificilmente se tratam de “coincidências”. É visível uma procura, um sentido de evolução consciente. “No nosso escritório temos uma figura que é a do ‹‹projecto do projecto›› onde decidimos ou percebemos qual é a oportunidade e interesse que oferece determinado trabalho. Aí se decide o risco formal, construtivo ou técnico do projecto. O nosso trabalho pode ser

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Diagrama 4 _ da “caixa mágica” de Ábalos & Herreros para a minha “Caixa Mágica”.

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lido como um conjunto, mas cada projecto tem a sua motivação particular.” [Ábalos & Herreros, JA 220/221, 59]

A existência deste tipo de avaliação de risco para projectos levanta a possibilidade de que Ábalos & Herreros sejam igualmente calculistas relativamente a outras situações. Deste modo, é possível que todas as suas acções sejam previamente avaliadas e calculadas, o que as reveste de intencionalidade e retira qualquer hipótese de acaso. Assim, é possível que as casas AH façam parte de uma estratégia intencional de experimentação. De qualquer modo, penso que por um lado ficou claro que a “caixa mágica” está inserida num contexto de mudança intencional. Por outro lado, a “caixa mágica” assume-se como a origem da integração da arte na arquitectura, na procura de outras relações possivelmente mais adequadas à vivência presente. A “caixa mágica” faz parte do “novo rumo” no percurso de Ábalos & Herreros, é uma referência relacionada com a sua prática presente. Isto permite-nos associar a sua prática presente - os seus conceitos e referências actuais - à “caixa mágica”. 031

Abrem-se assim caminhos de exploração do que pode deixar de ser apenas a “caixa mágica” de Ábalos & Herreros - a referência estética - para ser a minha “caixa mágica” - uma forma de habitar do presente.

Ideias de hoje “On the desk is a newspaper from the Canaries with an article about the Woermann project. In a glance I can see many of the same quotes I’ve been writing down through the interview. I point this out, and Herreros pays me back for it. “It’s difficult to invent a new theory every month,” he says.” [Justin McGuirk, ICON #27, 2005] Partindo deste princípio que não se inventam novas teorias todos os meses, vamos tomar por referência o texto “Una nueva naturalidad (7 micromanifiestos)” - escrito entre 1997 e 2002 por Ábalos & Herreros, e publicado em 2002 na revista 2G - para identificar e compreender quais as ideias que orientam “hoje” a arquitectura de Ábalos & Herreros. O que é isto de “uma nova naturalidade”? No início do texto, Ábalos & Herreros apontam a origem da “nova naturalidade” nas ideias de arquitectos como Uvedale Price, Frederick Law Olmsted, Le Corbusier, Bruno Taut, Roberto Burle-Marx, Lina Bo Bardi, Robert Smithson, Archigram, Cedric Price e outros. “La fusión de naturaleza y artificio, la disolución de limites disciplinares entre arquitectura, arte, jardín y pensamiento, la organización de la experiencia como secuencias narrativas, la primacía de lo visual y el movimiento, también en lo inmaterial e invisible, la construcción de un espacio público y una arquitectura reflejo de las nuevas sensibilidades...(...)” [Ábalos & Herreros,

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dicionário natureza - conjunto das leis que presidem à existência das coisas e à sucessão dos seres; força activa que estableceu e conserva a ordem natural de quanto existe; conjunto de todas as coisas criadas; o Universo; aquilo que constitui um ser em geral, criado ou incriado; constituição de um corpo; carácter; feitio moral; temperamento; conjunto dos seres que se encontram na Terra. naturalidade - qualidade ou carácter do que é natural; estado ou modo de ser conforme a natureza; simplicidade; singeleza.

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dicionário ecologia - parte da Biologia que tem por objecto o estudo das relações dos seres vivos com o seu meio natural e da sua adaptação ao ambiente físico ou moral. monumental - respeitante a monumento; que apresenta as proporções ou características de um monumento; grandioso; magnífico; enorme; extraordinário.

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2G n22, 26]

Este é um resumo um tanto redutor mas que, segundo Ábalos & Herreros, são os “ingredientes” que conduzem a um novo jardim (in)visível, sem o qual não existe nova arquitectura mas apenas variações da mesma. No decorrer da leitura do texto apercebi-me do que tudo isto significa. Ábalos & Herreros recorrem fundamentalmente à sua visão do mundo. Nesta visão já 032

só em raras situações existe a verdadeira Natureza, sem ter sido construída ou pelo menos afectada pelo Homem, mas existem antes uma infinidade de situações muito ambíguas em que os limites se diluem e a classificação clara e objectiva se torna quase impossível. A “nova naturalidade” revela-se assim como uma posição simultaneamente muito realista e muito presente, que reconhece o papel fundamental da indústria na vida actual, e a existência de contextos – naturezas – que combinam o que lhes resta de natural com a presença dessa indústria. Deste modo, na ambiguidade perde-se a noção de escala, de materialidade, de programas funcionais, e revela-se a necessidade de reajuste dessa relação fundamental que é a do Homem com o mundo que o rodeia através da arquitectura. A “nova naturalidade” compõe-se de novos conceitos, com os quais Ábalos & Herreros desenvolvem a sua arquitectura. Conceitos como “ecomonumentalidade”, “áreas de impunidade” e “hibridação”, materializam-se nos programas que escolhem para construir , na escalas adoptadas para cada programa e no uso simultâneo de materiais artificiais e outros naturais, entre outros aspectos mais particulares em determinadas obras.

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A “ecomonumentalidade” é para Ábalos & Herreros um movimento duplo da natureza em relação ao projecto em relação à natureza. Estamos habituados a pensar a arquitectura em função do lugar, acreditando que podemos encontrar nele indicações mais precisas para abordar o projecto. Ábalos & Herreros defendem que recentemente houve uma mudança nesta relação entre lugar e projecto. Todas as localizações deixaram de ser encaradas como “background” e passaram a ser entendidas como paisagens, naturais ou artificiais. Perdendo a neutralidade, as paisagens passam a ser objecto de intervenção, podem ser transformadas e passam a ser artificiais. Simultaneamente, o projecto aproxima-se do lugar pelo interesse que existe em incluir o que Ábalos & Herreros chamam de “una cierta condición naturalista”. Isto é, desencadeiamse processos de projecto que tem em vista aprofundar a sensibilidade ambiental e a complexidade formal no sentido de redescrever o lugar através da nova topografia e da nova relação com a envolvente. “As ‹‹áreas de impunidade›› são lugares que carecem de definição e, por serem transitórios, admitem albergar programas, ritos sociais ou modos de utilização diferentes. Como

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dicionário hibridação - produção de plantas ou animais híbridos por cruzamento de espécies diferentes. híbrido - que provém do cruzamento de espécies, raças ou variedades diferentes; que participa de géneros diferentes, que se afasta das leis naturais; diz-se do vocabulário que se forma de radicais tirados de duas ou mais línguas. hibridismo - estado ou qualidade de híbrido; irregularidade; anomalia; palavra formada com elementos provenientes de diversas línguas.

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normalmente são áreas públicas, podemos deduzir que as ‹‹áreas de impunidade›› são lugares onde a sociedade ensaia novas formas de utilização de espaço público. Mais tarde estes ensaios serão reproduzidos noutros lugares e contextos, muitas vezes ‹‹endurecidos›› pela arquitectura que os converte em situações aceitáveis e de norma.” [Ábalos & Herreros, JA 220/221, 55] Impunidade é sinónimo de liberdade no sentido em que não existe controlo sobre o uso/apropriação do espaço. Isto significa que o espaço não contém regras e normas que determinam usos e condicionam comportamentos. Há assim liberdade para se exercer a diferença e singularidade do indivíduo. O melhor exemplo deste tipo de “áreas” são aquilo que Ábalos & Herreros chamam de “descampados” - áreas que eram campo e deixaram de o ser. A cidade no seu processo natural de crescimento vai “esterilizando” as áreas envolventes - eliminando o sentido das funções e programas que neles se realizavam até então - tornando-as durante um tempo áreas em que tudo é possível até que a cidade as “ocupe”. Há oportunidade para a experimentação, o ensaio de novas situações. Só pelo ensaio, e caso uma dada situação seja aceite pela sociedade, podemos chegar à normalização de um uso/apropriação/configuração do espaço. 034

“A hibridação é uma revolução conceptual ou ideológica que torna impossível qualquer forma de ordem baseada na separação das coisas iguais e na eliminação das coisas desagradáveis. Temos de tentar novas formas de ordem e assumir que a hibridação é uma riqueza que apenas agora começa a ser explorada.”[Ábalos & Herreros, JA 220/221, 62] A “hibridação” assume-se como “ferramenta” de trabalho quando se associam materiais/técnicas/sistemas que não foram pensados para funcionar juntos. A “hibridação” é por isso um estímulo à invenção, produzindo novas realidades. A “hibridação” é um posicionamento crítico face à realidade, que se materializa nas obras de Ábalos & Herreros no modo de escolha, aplicação e conjugação de materiais e sistemas, mas também nas formas e nos programas e tipologias. Em conjugação com o pragmatismo, “áreas de impunidade” e “ecomonumentalismo”, a “hibridação” é para Ábalos & Herrerosum método para a produção de uma arquitectura eficaz, direccionada para o presente em todos os seus aspectos mas com abertura suficiente para o futuro – para que cada obra possa ter um prazo de vida, algo que seja pensado de acordo com o hoje, e que simultaneamente justifique a sua existência no amanhã. As ideias “actuais” de Ábalos & Herreros são importantes para a minha “caixa mágica” não só por se tratarem de evoluções das ideias assumidas a partir do início da década de 90 (às quais se associam as casas AH e a caixa mágica como referência estética), mas principalmente por se tratarem de métodos/ferramentas para abordar o presente. Isto revela-se particular-

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Diagrama 5 _ da ideias actuais de Ábalos & Herreros para a minha “Caixa Mágica”.

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1B _ Ábalos & Herreros


mente pertinente se considerarmos a minha “caixa mágica” como uma ideia também para o presente. Associados pela origem do tema e pelo objectivo de trabalhar para o presente, as ideias 035

“actuais” aqui descritas de Ábalos & Herreros servem de complemento para a minha “caixa mágica”. Pelo estudo destas ideias levantam-se questões, sobre a arquitectura e o habitar hoje, que apontam caminhos e relações que podem auxiliar o desenvolvimento da “caixa mágica” como forma de habitar no presente.

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dicionário consumo - acto ou efeito de consumir; gasto; utilização de um bem material para satisfação das necessidades económicas do homem; acto pelo qual os bens e serviços produzidos satisfazem as necessidades e encerram assim o processo “produção, distribuição e consumo”. consumismo - tendência para o consumo desenfreado de quase todos os bens materiais ou a inquietação humana do infinito degradada e pervertida pela sociedade mercantil.

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1C _ Habitar Hoje


O que é o presente? O presente é o hoje, aqui e agora. Amanhã será diferente. Essa concepção pressupõe o tempo como fugaz, qual o papel da Caixa Mágica nesta instabilidade? A Caixa Mágica é a materialização dessa instabilidade. A Caixa Mágica é um objecto do tempo indeterminado, e por isso tem que ter um grau de flexibilidade extremo de modo a poder responder adequadamente em qualquer presente. Não podemos continuar a ter casas - o nosso refúgio e a nossa privacidade - desadequadas com o nosso tempo e com as vivências de cada um. Como é que se pode ter isso?

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Hoje já temos os recursos técnicos e ideológicos para poder construir Caixas Mágicas sem esforço. O que é que a Caixa Mágica oferece a mais que as outras? Flexibilidade. Essa é a chave que permite que nada seja demasiado fixo e imprescindível. A Caixa Mágica pressupõe um grau de flexibilidade muito superior à habitação comum. Mais que abrir portas e janelas, o utilizador actual tem necessidade de manipular as dimensões do espaço. Para além disto uma casa não pode depender em demasia da presença/existência de uma qualquer tecnologia, pois ela é efémera. A obsolência das habitações é comum e incómodo. A Caixa Mágica é a solução.

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A “caixa mágica” quer ser uma forma de habitar o presente. Sendo o “hoje, aqui e agora” o nosso presente, é preciso primeiro conhecê-lo e compreendê-lo para poder actuar eficazmente sobre ele. Como se vive e habita hoje? Que propostas para habitar o presente vêm sendo feitas ao longo dos anos por Ábalos & Herreros? Que é que hoje um habitante espera realmente da sua habitação? Encontrar resposta para estas e outras questões afirma e reforça a pertinência da premissa “caixa mágica como forma de habitar o presente”.

1C _ Habitar hoje Contexto actual Saber onde estamos e perceber como é o mundo à nossa volta sempre foi uma preocupação humana. Estas necessidades tem raiz na vontade pessoal de integração e adaptação ao meio, a qual nasce connosco e desenvolve-se com a nossa socialização. Por outro lado, enquanto arquitectos trabalhamos para pessoas que, tal e qual como nós, também tem desejos/sonhos/necessidades, todos eles decorrentes da realidade social em que estão inseridas. Nesse sentido, compreender o mundo de hoje revela-se fundamental para uma prática que se quer consciente e responsável a todos os níveis. Até chegar ao ponto em que nos encontramos hoje a Humanidade já passou por muitas fases, muitas delas opostas. Já se viveu no liberalismo e no absolutismo; já houve períodos de paz e duas guerras mundiais e muitas outras mais pequenas; já houve períodos em a sociedade e a cultura valorizavam e exaltavam o futuro, e outras em que era o passado; as famílias já viveram todas juntas em condições degradantes, mas também já viveram em espaços privados e individuais; já houve... a Humanidade já passou por muita coisa. Hoje, fruto desse percurso rico, e por vezes controverso, temos uma sociedade em que, no geral, tudo isto é possível em simultâneo, e até certo ponto aceitado. Nesta ambiguidade politica, social, cultural, económica, como é que o Homem do séc. XXI se posiciona face aos outros? Numa sociedade cada vez mais global, fruto das cada vez mais intensas ligações político-económicas e tecnológicas (telecomunicações), procurar a individualidade e a identidade pessoal parecem ser também objectivos globais. 036

É interessante perceber o contrasenso que é viver numa sociedade consumista e simultaneamente procurar afirmar-se enquanto indivíduo e ser social. O indivíduo quer ser diferente - afirmar a sua individualiudade e a subjectividade inerente ao seu ser - num jogo em que as regras são iguais para todos. Então o indivíduo procura liberdade entre as regras, sem deixar de jogar pelas regras de todos para não perder a aceitação social que simultaneamente justifica a sua vontade de diferença em relação aos outros.

1C _ Habitar Hoje

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Das mรกquinas industriais (por volta de 1900) ao microchip actual.

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1C _ Habitar Hoje


Esta abordagem ao presente é como uma figura geométrica tridimensional transparente, constituída por várias faces que pela transparência e distância interior se relacionam mais ou menos umas com as outras, formando um todo complexo e difícil de particularizar pois nenhuma face se desliga das outras, e assim a figura geométrica mantém-se. Algumas dessas faces (na minha opinião as mais importantes actualmente) são por exemplo a tecnologia, as realidades sócio-culturais, as realidades político-económicas e a ecologia. Em primeiro lugar a tecnologia tem sofrido uma franca evolução neste último século, não só no que respeita às próprias máquinas e sua produção mas também às relações que ela determina e/ou possibilita, sejam relações máquina/Homem ou entre seres humanos. Em cerca 037

de 100 anos passou-se das máquinas como ferramentas de produção industrial para a nanotecnologia usada hoje no quotidiano na maioria dos aparelhos que nos circundam e fazem parte cada vez mais fundamental da nossa vida. São cada vez mais as pessoas que usam telemóveis e computadores todos os dias, muitas delas já não os dispensando nas suas tarefas diárias. Outros objectos como sistemas de som, máquinas de lavar e/ou secar roupa ou louça, micro-ondas e frigoríficos, e até a própria televisão já estão de tal forma incorporados nas nossas rotinas que já nem nos damos conta da importância da sua presença, nem muitas vezes o quanto íamos notar a sua falta. Se uma pessoa fosse a fazer uma lista de todos os aparelhos que acharia necessários para começar a sua vida, mesmo que sozinho, na sua própria casa, certamente chegaríamos a uma longa lista onde a capacidade financeira de cada um ditaria apenas o critério da qualidade dos aparelhos e não a quantidade. Por outro lado assistimos hoje a uma mudança nas próprias tecnologias. Estando as máquinas, nas suas mais variadas formas intrincadas no quotidiano, a tecnologia aparece hoje como informação. A informação é a novidade tecnológica do séc. XXI, e como tal é nela que se focam os olhares e críticas pelo mundo fora. Como qualquer tecnologia, ou qualquer outra acção humana, ela pode ter um caminho positivo e/ou um caminho negativo. Neste sentido, pode funcionar como uma ferramenta útil que informa, ensina e aproxima pessoas, mas também pode servir para as manipular e controlar. O nosso mundo político conjuga hoje países de liberdade e outros ainda de escravatura. Isto já acontecia há 100 anos atrás, mas nessa altura essas situações, mais ou menos aceites, eram claras. Hoje existe dissimulação. Por trás de muita liberdade esconde-se frequentemente controlo e manipulação, e noutras situações a escravatura mantém-se como prática sócioeconómica apesar de não ser assumida como tal. Não são precisos grandes estudos para perceber e fundamentar estas afirmações, basta abrir um qualquer jornal ou ver um noticiário na televisão. Um exemplo muito claro e evidente disto é o Sudeste Asiático com o recente boom industrial e económico. Este boom está a fazer com que estes países asiáticos cresçam a todos

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Diferen莽as s贸cio-econ贸micas mundiais.

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os níveis (económico, politico, demográfico, cultural, etc.), exercendo uma influência cada vez maior sobre os países ocidentais, até então os ditos países industrializados e/ou desenvolvidos. O Oriente mostra-se assim como uma referência crescente para o cidadão comum. Por outro lado, as guerras mais ou menos mediáticas são uma realidade global que afecta milhões de pessoas que ficam sem casas e/ou sem famílias e/ou sem bens e/ou sem vida todos os dias. Estes cenários de crise despoletam acções de solidariedade que dificilmente deixam alguém alheio, mas também geram em seu redor um imenso movimento económico (decorrente dos custos da “máquina de guerra” e os custos para reconstruir zonas imensas terrivelmente afectadas). Situações como estas acentuam as diferenças cada vez maiores entre pobres e ricos. Alguns estudos dizem que a pobreza não está a aumentar, outros dizem que sim, mas o facto é que a pobreza, muita dela extrema, é uma realidade significativa no nosso mundo. Estas pessoas também tem necessidades/sonhos/desejos como nós, e portanto não podem ser esquecidas. 038

A pobreza não existe só em África e na América do Sul, mas existe também nas grandes conurbações, nos países ditos desenvolvidos. Cada vez existem mais sem-abrigo nas grandes capitais, muitos sem dinheiro e sem tecto a viver sem um mínimo de condições lado a lado com situações de riqueza e sucesso excepcionais. Mesmo a realidade do cidadão ocidental dito comum, a anteriormente chamada classe média, está diferente hoje em relação à 20 anos atrás. Nessa época os jovens saíam de casa quando atingiam a maioridade, arranjavam emprego, casavam e tinham filhos. Hoje os jovens estudam até mais tarde e o primeiro emprego surge também mais tarde. O carácter dos empregos também está diferente, estabilidade e expectactiva de carreira já não são os valores apregoados. Espera-se flexibilidade no trabalho e no trabalhador, e o sucesso laboral já não depende apenas do próprio trabalhador mas frequentemente de condicionantes que lhe são alheias, o que mantém o “fantasma” do desemprego sempre presente. Toda esta mudança constante a todos os níveis obriga a uma adaptação constante, o que é um movimento contra a estabilidade de vida que muitos gostariam de ter. Todas as múltiplas variedades de situações decorrentes desta economia capitalista alteram profundamente a vida das pessoas. Um exemplo concreto é a aquisição de casa pessoal. Sendo os créditos e os empregos instáveis, muitos procuram o “aluguer” para poder suportar as despesas da independência e privacidade desejadas. O aluguer implica que um dado espaço/habitação nunca pertença de facto a essas pessoas. Existe uma ocupação, mas esta é diferente de quando possuímos totalmente o espaço. O cliente final do arquitecto torna-se cada vez mais uma entidade abstracta, alguém que pela força da economia não é o construtor nem o comprador, nem muitas vezes o primeiro e/ou o último ocupante. Aumentando as dificuldades económicas aumentam os problemas sociais e consequen-

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Diagrama 6 _ relação da Caixa Mágica com o Presente plural e ambíguo.

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Os projectos de habitação escolhidos estão organizados por ordem cronológica (desde esta página até à página 72), apresentando sempre uma planta em que se assinala: estrutura a azul; zonas técnicas a vermelho; as restantes áreas a amarelo. Quando os projectos tem mais que um piso foram os escolhidos os pisos mais significativos da ideia que pretendo ilustrar.

1989 - 1993 _ Viviendas en la M-30, Madrid

1990 _ Viviendas en la Diagonal, Barcelona

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temente os problemas de segurança. A casa é um refúgio que se quer seguro, seja física ou virtualmente (protecção de dados e bens digitais – a questão dos vírus e dos hackers que forçam a entrada nos computadores das pessoas para roubarem informações pessoais e confidenciais). Assim, as pessoas querem estar simultaneamente em constacto e isoladas do mundo. O convívio social faz-se mais através de firewalls na internet do que fisicamente nas salas de estar (é de questionar a existência actualmente de uma divisão social em casas de singulares onde o convívio social na maioria dos casos não existe por falta de tempo e/ou vontade). Apesar disto a ecologia e o ambiente tem tido um peso progressivamente maior na cultura, politica e economia dos países ocidentais. Graças à fluidez da circulação da informação as pessoas estão cada vez mais conscientes que o planeta Terra está em risco ambiental, muito graças ao uso desmedido e inconsciente que fazemos dele. Poluímos sob as mais diversas formas prejudicando o meio ambiente e com isso a nossa própria saúde e a dos outros. Estes alertas constantes sob a forma de campanhas, manifestações, publicidades, entre outros, procuram que as pessoas alterem os seus hábitos de vida. Alguns destes hábitos, como o deitar fora o lixo em sacas de plástico ou usar o automóvel, já estão de tal modo ligados ao quotidiano que já são tidos como básicos e as pessoas tem dificuldade em aceitar a mudança. Procurar usar produtos amigos do ambiente, energias renováveis, reduzir gastos energéticos e um pouco de todos os outros produtos que usamos regularmente implicam mudanças drásticas não só no nosso modo de vida mas também nos espaços que habitamos, de forma a acolher essas mesmas alterações. Percebe-se com tudo isto como vivemos de facto numa realidade plural, numa realidade em mudança, numa realidade que exige diariamente novas soluções aos mais variados níveis, incluindo na arquitectura. Produção, trabalho, comércio, dinheiro, escrita, imagem corporal, noção de território e de memória, mas também política, ciência e cultura, tudo é plural e tudo está em mudança. 039

O contexto presente é por isso um contexto de ambiguidade, um contexto em que realidades distintas e/ou opostas coexistem, um contexto em que se procura preservar a individualidade social, religiosa, económica e cultural de cada um, tendo cada vez mais uma consciência de se ser cidadão do mundo e não de um país.

Ábalos & Herreros Considerando Ábalos & Herreros os arquitectos na origem, para mim, do tema da “caixa mágica”, e simultaneamente arquitectos pragmáticos que trabalham sempre para o presente, torna-se necessário perceber como o “presente” evoluiu nos seus projectos de habitação para além do caso das casas AH. 040

Dos vários projectos de habitação de Ábalos & Herreros, foram selecionados apenas

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1994 - 1996 _ Casas AH - prot贸tipos industriais

1994 - 1996 _ Casa Gordillo, Madrid

1997 - 1999 _ Villa FG, Madrid

2000 _ Conjunto residencial Es Pil.lari, Palma de Maiorca

2000 - 2003 _ Casa Mora, C谩diz

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alguns com base em 2 critérios. Em primeiro lugar a proximidade temporal entre eles e as casas AH. Em segundo a qualidade e quantidade de informação disponível para efectuar uma análise coerente. No que respeita aos projectos de habitação, o principal ponto comum entre todos os projectos escolhidos é serem obras direcionadas para o “presente” momentâneo da sua concepção/construção. Antes de analisarmos os projectos interessa perceber que o pragmatismo e o consequente reconhecimento de cada situação/projecto como algo único, específico de um dado momento/lugar/cliente, faz com não exista uma linha evolutiva clara nos projectos de habitação de Ábalos & Herreros. Os projectos são por isso mais ou menos excepcionais (fuga ao padrão comum no momento) de acordo com a liberdade que a conjuntura de cada projecto lhes permitia. É por isso mais fácil ver soluções mais invulgares (quando comparadas com as soluções mais comuns no mercado) em projectos unifamiliares do que em projectos plurifamiliares. Os projectos escolhidos para esta breve análise apresentam na minha opinião 5 pontos comuns, para além do já referido. Estruturas porticadas, revestimentos como “pele”, elementos técnicos agrupados, modulação aparente, e flexibilidade espacial. As estruturas dos projectos, independentemente de serem em betão e/ou aço, são praticamente sempre em pórticos de pilares e vigas. Estas estruturas dão-lhes a possibilidade de proporem vários interiores para o mesmo edifício sem terem a necessidade de lhes alterarem os limites. Esta condição é particularmente válida nas torres multifuncionais onde no mesmo bloco se conjugam comércio, escritórios e habitações. Por outro lado, este tipo de estruturas permite que tanto em habitações unifamiliares como em habitações plurifamiliares se assegure a liberdade do utilizador poder alterar os espaços interiores de acordo com as suas necessidades e sem fragilizar a estrutura de suporte da sua propriedade. Isto é, por exemplo, não havendo paredes-portantes, é possível ao habitante deitar uma parede abaixo e em vez de 2 quartos passar a ter 1. Sendo a estrutura porticada, todos os edifícios são revestidos por uma “pele” que está pensada de acordo com as necessidades do edifício/utilizador(es) em particular. Apesar de funcionar sempre por sistemas pré-fabricados, os materiais e a composição da “pele” exterior dependem sempre das várias condicionantes do projecto - lugar/cliente(s)/programa(s)/orçamento - fazendo com que cada caso seja diferente do outro. Do mesmo modo, a(s) “pele”(s) interiores dependem das mesmas condicionantes. Se pensarmos que a imagem dos edifícios é dada pela sua forma e revestimentos, então todos os edifícios escolhidos de Ábalos & Herreros são “caixas” diferentes umas das outras. São

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2001 - 2002 _ Torres Mixtas Bioclimáticas en el humedal de Salburúa, Vitoria

2001 - 2003 _ Plaza e Torre Woermann, Las Palmas de Gran Canaria

2005 _ Projecto APTM Piso Piloto, Construmat Barcelona 041

Diagrama 7 _ exemplo de planta esquemática da Caixa Mágica

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“caixa” pela sua forma no geral paralelipipédica - decorrente da solução estrutural escolhida - e diferentes porque os materais/componentes e sistemas não dependem apenas dos arquitectos mas sim das condicionantes “presentes” com as quais eles fazem questão de trabalhar. Outro elemento comum são os elementos técnicos - wc, cozinhas, elevadores, etc.estarem no geral agrupados, seja em blocos (quando dentro da mesma habitação) ou em altura (quando em edifícios plurifamiliares). Em alguns dos casos, principalmente em habitação unifamiliar, wc(s) e cozinha são agrupados num bloco ou então numa “faixa” de serviços. No caso das habitações plurifamiliares estes núcleos técnicos são associados por regras/leis de racionalização do funcionamento (por exemplo, associação de várias divisões para a mesma corete para reduzir o número de coretes e canalizações no edifício). Assim, vêmos associações de sobreposição, quando em torres, ou de proximidade, quando em blocos horizontais. Tanto uma como outra solução de disposição/associação dos elementos técnicos devese à racionalização espacial e construtiva. Estas por sua vez decorrem quer da vontade pragmática de reduzir o ”sofrimento” na concepção/construção/uso, quer da vontade de Ábalos & Herreros de actuarem de acordo com o “presente”, seja ele no contexto sócio-cultural ou nos elementos técnicos disponíveis. De qualquer modo, ambas as soluções ajudam a libertar o restante espaço de elementos técnicos como fios e canalizações, o que assegura liberdade para o utilizador poder alterar o espaço habitacional à posteriori. Se a estrutura é porticada, se existem sempre sistemas e seus componentes a revestir e a fazer funcionar o espaço, então é óbvio que a modulação é algo sempre visível em todos os projectos, seja nos materiais seja nas dimensões dos espaços que deles decorrem. Tudo somado, existe sempre flexibilidade espacial. O utilizador tem no final liberdade para se apropriar do espaço que habita no sentido largo da palavra. Isto é, ele adquire um “produto residencial” que está pensado e construído de modo a possibilitar alterações espaciais, e não apenas as comuns alterações de mobiliário ou então a consequente mudança de residência. Se nas últimas décadas a instabilidade e a incerteza sócio-profissional se têm instalado nas sociedades ocidentais, então as propostas de Ábalos & Herreros procuram dar-lhes uma resposta eficaz. As suas propostas asseguram um grau de adaptabilidade da habitação em relação ao habitante maior que a generalidade das habitações no mercado. Assim o utilizador pode obter maior satisfação dos seus sonhos/desejos/necessidades sem ter que os alterar pela necessidade de submissão às limitadas possibilidades de outra qualquer habitação. 041

A questão que a “caixa mágica” levanta é se a habitação não poderá conceder ainda mais liberdade ao utilizador. Aprofundando estes pontos comuns das obras de Ábalos & Herreros e talvez encontrando outras soluções que olhando para o presente possam ser de algum modo ainda mais eficazes.

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dicionário flexibilidade - aptidão para várias coisas ou aplicações; elasticidade. adaptabilidade - qualidade de adaptável (que se pode adaptar, acomodar, ajustar; ajustável). “Flexibility is not the exhaustive anticipation of all possible changes. Most changes are unpredictable. (...) Flexibility is the creation of a capacity with a wide margin that enables different and even opposing interpretations and uses.” [Rem Koolhaas, S, M, L, XL, 1996, 240]

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Flexibilidade Alguns autores, como Gerard MacCreanor, fazem questão de diferenciar flexibilidade de 042

adaptabilidade, atribuindo à adaptabilidade uma capacidade superior de mudança. “Adaptability is a different way of viewing flexibility. The adaptable building is both transfunctional and multifunctional and must allow the possibility of changing use; living into working, working into leisure or as a container of several uses simultaneously. Adaptability is not primarily concerned with a designed idea of flexibility based on the collapse of the traditional layout.” [Gerard MacCreanor, a+t 12, 40]

Se quisermos entender de facto flexibilidade como a capacidade de mexer elementos e adaptabilidade como a capacidade de mudança genérica, então de facto são ideias diferentes. Neste momento interessa-se entender a flexibilidade no sentido lato da palavra, como a capacidade de mudar e adaptar. Doravante, flexibilidade será entendido como a imagem genérica de mudança na habitação, independentemente dos usos que possam, ou não, coexistir ou alternar com o habitar num mesmo espaço. Qual é a necessidade do ser humano ter uma casa flexível? “Change, as we appreciate from nature (human as well as the world around us), is an essential process of renewal.” [Robert Kronenburg, Living in Motion, 2002, 77] A casa foi, é e será sempre um objecto de mudança contínua. O mundo muda à nossa volta e o ser humano (uma das espécies com maior capacidade de adaptação na Terra) muda com ele. Mudam os sonhos/desejos/necessidades e o ser humano procura satisfazê-los. O grande problema é que casa-edifício faz-se com paredes e um tecto, mas casa-lar faz-se pela apropriação que cada indivíduo faz de um determinado espaço. Não precisamos de deitar uma parede abaixo para sentirmos que estamos em casa, mas se disposermos alguns objectos pessoais de acordo com uma ordem/posicionamento/relações significativas para nós, então sentimos que aquele espaço é nosso, nem que seja por tempo limitado. Em “Vers un architecture” Le Corbusier dizia que nunca nos deveríamos despir no quarto porque o deixaríamos horrivelmente desarrumado. De facto ele tem razão, mas o acto de arrumar novamente é um acto inteiramente subjectivo e pessoal, logo através dele apropriamo-nos do espaço e sentimos que aquele não é um quarto qualquer mas o nosso quarto. Ora, dispor objectos, como se vê na mítica imagem dos Eames em sua casa ou em imagens de casas de Sejima e Nishizawa, é algo de certo modo inerente à condição humana, mas frequentemente são necessárias alterações maiores que mudar objectos e/ou mobiliário. É esta a pertinência de uma casa ser flexível. Se uma casa contiver em si a capacidade de mudar a nível espacial e dimensional então essa casa é flexível e dará ao habitante um número superior de possibilidades, aumentando a probabilidade de as necessidades/sonhos/desejos desse habitante serem satisfeitas.

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“The ultimate possibilities of a completely adaptable dwelling are limitless. A flexible house should be one that effervesces with the opportunities it offers to its inhabitants - the option to have peace and seclusion while living in the city centre, or to be connected to friends and business colleagues while living in a remote place. It could be a house for one during the week, and for six at the weekend. It could be a home that you take with you on business trips. It could be a building that fits your individual needs now, that you invest in over the course of your life, and that you divide between your children to give them each a starter home when they need it. It could be an environment that automatically responds to your every need, or one that requires you not to be too confortable - to try living in a different way, to force adaptability and change on yourself. The ultimately flexible interior may be one that is completely amorphous and transitional, changing shape, colour, lighting level, acoustics, temperature, as the inhabitant moves trough it - abandoning flat horizontal surfaces and demarcations between hard and soft, warm and cold, wet and dry. An adaptable dwelling could be architecture as installation, assembled at a site at a particular time for a particular purpose. It could be architecture as assignation, an agreement between occupants to meet together at a certain point in time and space. It could be a structure that is placed lightly in the landscape of our cities and countryside rather than founded there, allowing the physical environment to continue around it, affected by its presence only subtly and perhaps temporarily. It could be a house that interacts with the surrounding landscape in a less formal sense, becoming an event rather than an object. It could be an architecture that depends for its character as much on the changing combinations of its surroundings environment (both buildings and landscapes) as on its own form.” [Robert Kronenburg, Living in Motion, 2002, 67 e 75]

E porque não ser tudo isto em simultâneo? Ou pelo menos conjugar mais que uma das situações referidas ou até outras?

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Por outro lado o nosso “presente” hoje não é o de “ontem”. “A flexible approach to our domestic environment is now necessary for a wide range of reasons: twenty-four-hour work patterns based in the home; changing family size and groupings; ecological issues that are questioning the desirability of commuting; lifestyle issues that envisage a more fulfilling personal life; the possibility of remote work due to communications technology.” [Robert Kronenburg, Living in Motion, 2002, 58] Como ter flexibilidade numa casa? As possibilidades de flexibilidade - total ou relativa - são tantas que as podemos considerar infinitas. Apontar soluções seria uma lista interminável. 043

Atente-se na página anterior à lista reduzida de possibilidades de casa flexível enumerada por Robert Kronenburg. Regressemos temporariamente à secção deste texto onde sistematizamos os pontos principais de alguns projectos de Ábalos & Herreros. A conclusão é óbvia. Eles escolheram apenas algumas das muitas soluções possíveis. Não apresentam “a” solução, mas antes “uma” solução. Pensemos agora nas nossas casas. Todas tem alguma flexibilidade. Portas, janelas e mobiliário todos temos e estes são os elementos básicos da flexibilidade. Deles derivam inúmeras variantes até se chegar a soluções radicais em que portas, janelas e mobiliário são elementos tão abstractos que se resumem a planos neutros dotados de maior ou menor mobilidade. Projectar casas flexíveis pode apresentar vários problemas. Em primeiro lugar, pensar uma casa unfamiliar é óbviamente diferente de pensar um bloco habitacional. Enquanto que na casa unifamiliar é mais provável que o arquitecto contacte com o futuro habitante/cliente directamente, podendo conceber a casa de acordo com essa pessoa, num bloco residencial raramente o arquitecto contacta com o utilizador final. Assim criam-se muitas vezes soluções pretensiosas, limitadas e limitadoras, que por muito bem intencionado que fosse o desenho do arquitecto acabam por ser mais limitadas e limitadoras do que flexíveis. Em segundo lugar, existem sempre leis que establecem regras básicas de segurança e dimensionamento para as habitações. Estas regras são à partida condionadoras de um possível espaço flexível. O arquitecto tem que usar a sua imaginação para não deixar de as cumprir, se quiser ver o seu projecto aprovado e construído, e ao mesmo tempo para conseguir propor soluções inovadoras ao nível da flexibilidade. É um processo mais moroso do que se não houvessem tantas leis, e por isso acaba este factor tempo por dictar a impractibilidade de muitas soluções. Os valores económicos tem mais peso no mercado imobiliário que a flexibilidade espacial.

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Diagrama 8 _ a Caixa Mágica como habitação para o Presente, hoje e amanhã.

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Em terceiro lugar surge o problema da tecnologia. No passado foram várias as propostas que tentavam criar a “casa do futuro” ou então apenas casas com tudo o que o progresso técnico-científico tinha para oferecer. Estas soluções partem de um princípio que impossibilita logo à partida que, por muito bem pensadas e construídas que sejam, possam algum dia ser casas minimamente flexíveis. A tecnologia está em constante evolução, todos os dias aparelhos novos aparecem e os anteriores passam a ser obsoletos. Se “obrigarmos” a casa a depender de uam qualquer panóplia de objectos estamos a assegurar no fundo não uma flexibilização do espaço mas sim a condenação a um estado de obsoleto à priori. Basta o tempo que vai da concepção, em que se escolhe e determina as tecnologias a aplicar, até à construção, para que quando o utilizador a vai ocupar já não vê nele a maravilha e as possibilidades da tecnologia porque aquele que ele tem já está ultrapassada. Resumindo, tentar projectar casas flexíveis, casas que possam ser habitadas hoje e adaptadas amanhã e depois para continuar a satisfazer o mesmo ou outros habitantes, é um jogo traiçoeiro. O arquitecto tem sempre que pensar simultaneamente como arquitecto e como aquele cliente específico para o qual está a trabalhar e tem que ser o mais pragmático possível de modo a criar soluções manipuláveis e não soluções rígidas e deterministas. Actualmente as habitações já começam a ser referidas não apenas em m2 mas também em m3. Não está generalizado mas já acontece em vários países europeus. O m3 contém uma nova noção da habitação - o volume, o ar habitado. As pessoas já perceberam que a altura tem influência no conforto que os espaços lhes podem proporcionar. Para além disto, a noção de volume contém maior ou menor grau de (in)capacidade de determinado espaço ser manipulado/adaptado. A “Caixa Mágica” levanta a seguinte questão - porque não o m4? Se considerarmos que as pessoas não habitam apenas comprimento, largura e altura, mas também tempo, então faz todo o sentido exigir que as casas sejam pensadas, avaliadas e vendidas com o m4 como referência. A idade de uma casa (seus materiais e estruturas) e sua envolvente são fundamentais se o cliente quiser avaliar o habitabilidade real dessa casa. É que hoje as pessoas já não pensam em 044

termos do hoje, aqui e agora. Muitos têm que pedir créditos a longo prazo para poder satisfazer as suas necessidades/sonhos/desejos de habitar, o que significa que certamente irão ficar “presos” à sua “nova casa” durante muitos anos. Consequentemente prevêem que mudanças podem ter que fazer e se a casa em questão permite essas mudanças/adaptações, logo pensam não em área, nem em volume, mas sim em m4.

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Dois móveis de épocas distintas: à esquerda um móvel egípcio; à direita um móvel do catálogo 2007 do IKEA. Quando fechados são ambos indeterminados, só o utilizador conhece a sua função e conteúdos.

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1D _ Mobiliário


O ser humano apropria-se de um espaço ocupando-o não só com a sua presença mas principalmente com as suas posses e o modo pessoal e subjectivo com que lida com elas. Sendo isto um dado adquirido, como é que a Caixa Mágica se relaciona com as posses dos indivíduos? Existe uma estrutura, uma matriz, e um bloco de infra-estruturas, ambos fixos, e tudo o resto fica ao critério do utilizador. O utilizador pode dividir o espaço, aumentar e diminuir as divisões de acordo com os seus sonhos/desejos/necessidades, e com isto organizar as suas posses numa composição significativa para o próprio. A Caixa Mágica não tem mobiliário?

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De modo algum. Não existe um mobiliário específico da Caixa Mágica. A Caixa Mágica é apenas suporte. Então a noção de Presente é importante para a Caixa Mágica mas não para o mobiliário? Para mim, a noção de Presente é igualmente importante para os dois. Sou da opinião que os móveis actuais deviam ser apenas caixas modulares neutras e indeterminadas. Contudo, esta é apenas a minha opinião pessoal. Obrigar os utilizadores da Caixa Mágica a ter e usar estes móveis iria contra os princípios básicos da própria Caixa Mágica. A Caixa Mágica pode sugerir o uso destes móveis, mas nunca obrigar a usar.

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1D _ Mobiliário O que é o mobiliário? “Segundo a definição do dicionário, móveis são peças deslocáveis de equipamento de interior, sendo a sua origem a palavra latina “mobile” que significava “bens móveis”. Porém, só os mais modestos dos nossos móveis são verdadeiramente deslocáveis. Armários, camas, sofás, poltronas e mesas são peças volumosas e pesadas que na maioria das vezes caracterizam as divisões de apartamentos em que investimos a longo prazo e onde nos instalamos por longos períodos de tempo.” [Mathias Schwartz-Clauss, Living in Motion, 2002, 13] Pensar uma peça de mobiliário como um objecto para um espaço interior é limitá-lo logo à partida. Constatar que um dicionário - um livro que estabiliza a linguagem e os conceitos a ela associados de uma sociedade/cultura - apresenta tal definição é sinónimo da visão e uso limitado do mobiliário, socialmente aceite e praticado. Nem sempre foi assim. Ao visitarmos museus de arte antiga um pouco por toda a Europa, pelo menos, aper045

cebemo-nos da existência, comum em outras épocas, de objectos mais indeterminados que apresentavam outras possibilidades. Falamos de caixas. Volumes paralelipipédicos que podiam conter em si tudo o que o utilizador quisesse. A riqueza decorativa e pormenor construtivo e organizacional do interior/ exterior destas caixas dependeria unicamente da riqueza e posição social do utilizador. Sempre existiram outros objectos, alguns com elevado grau de mobilidade e flexibilidade - como por exemplo as cadeiras, talvez o objecto com maior mobilidade e uso nos nossos dias - mas a caixa sempre foi o objecto mais flexível. Para além de conter objectos/pessoas no interior, permitindo o transporte das posses do indivíduo em viagem e no dia-a-dia, podia ainda ser usado para sentar (como se fosse uma cadeira ou banco), para apoiar objectos (como se fosse uma mesa ou balcão) e ainda para dividir e organizar o espaço. O uso das caixas está historicamente associado a períodos menos estáveis e até menos pacíficos. A instabilidade social/económica/politica da Idade Média, por exemplo, fazia destas caixas objectos extremamente úteis para um indivíduo mudar de localização sem deixar os seus bens para trás. Com a estabilização social/económica/política dos últimos séculos na Europa (de um modo geral), mudaram as práticas sociais e com elas o modo de apropriar do espaço. Nas casas as divisões vão progressivamente adquirindo funções determinadas e com este processo a caixa enquanto objecto perde o seu papel e utilidade em detrimento de uma panóplia de objectos que fazem especificamente cada uma das funções que ela permitia. Esta situação evoluiu para as nossas práticas actuais, em que objectos com a mesma

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Diagrama 9 _ a relação da Caixa Mágica com as caixas - casa e mobiliário para o Presente.

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1D _ Mobiliário


função adquirem imagem e composição específica de acordo com a função/lugar à qual se destinam. Um armário de cozinha é diferente de um armário de sala ou de um armário de quarto. Contudo, a função que todos eles desempenham é exactamente a mesma - guardar objectos. A instabilidade sócio-profissional actual faz-nos re-equacionar estas práticas. Mudar de casa, família, cidade é uma situação comum um pouco por todo o mundo por vários razões. Já se falaram destas razões em textos anteriores, interessando aqui perceber porque é que, apesar do reconhecimento geral destas situações, os indivíduos não regressam ao uso das caixas. A explicação é simples. Economia. Fazer um móvel com imagem e função determinados pelo seu futuro uso e localização, normalmente de produção industrial, é mais económico de produzir e consequentemente de vender que um móvel flexível. Um móvel flexível, ou um móvel capaz de vários usos, pela sua complexidade funcional e e construtiva, é mais moroso e custoso de conceber e produzir que automaticamente “afasta” o consumidor final. A própria noção de móvel flexível foi em muitos exemplos adulterada. O objecto possibilitava tantos usos que acabava por ser mais determinado e limitador que um móvel comum. Aconteceu também em vários casos que o excesso de “gadgets” nos móveis ditos flexíveis os tornava frágeis, fazendo deles peças socialmente reconhecidas por serem menos robustas e duráveis que os móveis comuns. Por outro lado, um uso socialmente desconhecido dificilmente é (re)conhecido e aceitado. Exemplo disso é uma cómoda desenhada por Cedric Price para um edifício universitário na Nigéria, em África. Segundo Price, o móvel não tinha puxadores mas algumas partes eram ligeiramente diferentes e permitiam que se abrisse e usasse o móvel. Contudo, o móvel tinha um espelho que tinha que ser puxado, mas era tão subtil que nunca foi usado. 25 anos depois de ter concebido o móvel, por ocasião de uma visita à dita universidade, Cedric Price teve a oportunidade de usar o móvel. Constatou que nunca tinham usado o espelho. Hoje levanta-se um problema diferente - o fenómeno IKEA e congéneres. Cada pessoa pode comprar a preços económicos diversas peças, o que ultrapassa a necessidade de um mobiliário flexível. Uma caixa neutra com vários usos implícitos certamente seria mais útil que uma cópia de mobiliário de design vendido no IKEA, mas a peça de design apela mais ao consumidor pelo preço e pela imagem. A “Caixa Mágica” levanta a questão da utilidade real do mobiliário hoje. Precisamos mesmo de tantos objectos deterministas de sítios e funções? Quando muitos dos nossos bens e memórias são já guardados digitalmente, que objectos são imprescindíveis? 046

A “Caixa Mágica” re-equaciona o uso e o carácter do mobiliário, ponderando entre a sua abolição e a sua manutenção, passando por um regresso hipotético à caixa - neutra, indeterminada e flexível - como peça principal de mobiliário.

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2 Para uma Operatividade de “Caixa Mágica”

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Titulo da imagem. A imagem era o poster para a exposição “This is Tomorrow”. Esta foi a primeira exposição Pop Art, realizada na Whitechapel Art Gallery, em Londres, em 1956.

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“Just What Is It That Makes Today’s Homes So Different, So Appealing?” de Richard Hamilton, 1956.

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2A _ Habitar aos olhos de Richard Hamilton


Qual é o papel de Richard Hamilton na Caixa Mágica? Certamente conheces a imagem do poster da exposição “This is tomorrow”... Mesmo que nunca tivesses ouvido o nome de Hamilton ou o nome da imagem que ele produziu, essa imagem é de algum modo familiar. De facto conheço, mas não estou a perceber a sua relação com a Caixa Mágica. É muito simples. A imagem de Hamilton correspondia à sua visão do hoje em 1956. Não é como uma fotografia que reproduz a realidade, mas sim como uma montagem que expressa uma visão singular dessa mesma realidade.

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Ao ver esta imagem novamente apercebi-me da utilidade de criar uma versão do meu presente. Reflectir sobre a realidade que me rodeia permiteme repensar o habitar com um novo olhar. Em que medida é que o trabalho de Hamilton te ajudou a produzir a versão de 2007? Nas obras de Hamilton tudo tem significado, nenhum objecto está presente por acaso. Perceber os objectos e o que eles significavam ajudou-me a procurar objectos e a compor uma imagem que significasse verdadeiramente a minha visão do presente. Todos deveríamos fazer este exercício para percebermos até que ponto vivemos a par do nosso tempo.

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2A _ Habitar aos olhos de Richard Hamilton

“Just What Is It That Makes Today’s Homes So Different, So Appealing?”

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A exposição intitulava-se de “This is tomorrow”, mas esta obra de Hamilton, em vez de prever mais uma “casa do futuro”, captura uma imagem da “casa do presente” em 1956. Apesar do contexto histórica desta obra - origem da Pop-Art - e dos múltiplos significados a ela atribuídos, ela interessa à “caixa mágica” simplesmente enquanto constatação de uma ideia de presente em 1956. É provável que o rigor histórico desta obra não seja o mais exacto, mas não deixa de ser um ícone de um modo de vida, com os seus valores e significados. O que é que observámos nesta cena de 1956?

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Num primeiro contacto percebemos que se trata de uma cena interior, uma sala de estar. Observando melhor, o tecto está representado com uma lua gigantesca no céu, quase como se esta casa não tivesse cobertura. A sala organiza-se com vários sofás em redor de uma televisão em transmissão e de uma pequena mesa com comida. Um reprodutor de música e uma aspirador marcam presença na cena. O aspirador está numa escada que assinala a chegada/saída da casa, talvez para o cinema que se vê da janela. Vários autores encontraram inúmeros significados para a composição e a escolha das várias peças desta colagem. Uma das versões aponta que o objectivo de Hamilton com esta obra era provocar a perspicácia do conhecimento das funções sensoriais numa situação ambiental. Não sei se é verdade mas o facto é que todos os sentidos estão representados na cena. A minha interpretação é que esta colagem tenta representar tudo aquilo que directa ou indirectamente tinha algum significado na época para as pessoas. Os novos electrodomésticos e o seu papel no quotidiano. O tempo que sobrava agora para outras coisas, como gozar a vida ou trabalhar o corpo. Mesmo a alimentação parecia ser diferente das décadas anteriores. Não é por acaso que se observa uma embalagem de presunto no centro da sala. Há prosperidade e isso reflecte-se na presença do presunto e de todos os objectos tecnológicos que aparentemente povoam esta casa. com banalidade. Interpreto nesta cena valores sociais e morais. O único trabalho representado é o aspirar das escadas, mas que parece fácil graças ao aspirador. Fora isso tudo o resto é lazer e diversão. A vida doméstica situa-se entre três referências exteriores: a praia - representada na carpete, onde se exaltam as novas relações sociais baseadas no valor da estética corporal; o cinema - através da janela, representando a importância do imaginário na vida das pessoas; e o céu com lua - no tecto, representando o único limite do Homem, a conquista do espaço.

2A _ Habitar aos olhos de Richard Hamilton

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“Just What Is It That Makes Today’s Homes So Different, So Appealing?” de Richard Hamilton, 1992.

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2A _ Habitar aos olhos de Richard Hamilton


Tudo isto é extremamente subjectivo, mas parte do princípio que a obra foi feita de acordo com o seu presente. O facto de em 1992 Richard Hamilton ter feito uma nova versão desta obra comprova isso mesmo. Na versão de 1992 os objectos/pessoas são outras, e os valores sociais, morais e culturais neles implícitos são também outros. Na versão de 1992, o ambiente da casa é menos alegre, vibrante e optimista. O cinzento

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das paredes e da tecnologia domina todo o ambiente. Na minha opinião o trabalho e a tecnologia dominam agora o ambiente doméstico. Em primeiro lugar, o trabalho é agora o tele-trabalho. Já não se tratam de tarefas domésticas mas sim de trabalho profissional executado em casa e posto em contacto com os seus colegas de trabalho através das telecomunicações - a parabólica na parede exterior do prédio. Em segundo lugar, o trabalho ganhou um peso e um esforço superior - o homem está debruçado sobre um pc e muitos papéis colocados nuam grande secretaria escura que carrega a imagem, sugerindo a exaustão do indivíduo. A tecnologia está presente como ferramenta de trabaho mas também parece ser essencial à vida doméstica e ao lazer do indivíduo. O microondas com o prato de comida no centro da cena são sinais disso mesmo. A televisão continua a ter uma presença importante mas agora já não está sozinha. Junto a ela aparecem uma panóplia de objectos - videos, cassetes, discos, aparelhagens, etc. - que complementam o seu uso e a sua importância no lazer do indivíduo. O planeta - a metáfora do espaço - aparece agora dentro de casa, sob a forma de um candeeiro, demonstrando que está dominado e que a sua importância no presente é reduzida. Para além disto, agora é a mulher que cultiva o prazer do físico e as referências externas já não tem relação com as de 1956. Por um lado aparece algo na janela esquerda que se parece ser a guerra, e por outro lado na janela direita aparece a cidade imensa e impessoal. O indivíduo situa-se agora no peso e cansaço da sua vida quotidiana, entre a guerra distante e a cidade que apesar de próxima parece estar-lhe também distante. A vida parece ser menos agradável, com menos lazer e diversão, do que em 1956. E hoje? Continuamos a viver com em 1956 ou 1992? É lógico que não. Só nestes últimos 15 anos muito coisa aconteceu e mudou (n)o mundo. Mudaram a tecnologia, as relações sociais, o trabalhar e, em suma, o viver. Richard Hamilton era um artista, mas mais que a arte foi a sua visão crítica do presente que lhe permitiu compôr as duas colagens já referidas. Podemos não ser artistas mas todos temos uma visão do presente, a nossa visão.

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“Hoje para habitar e viver� de Gil Silva, 2007.

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2A _ Habitar aos olhos de Richard Hamilton


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Proponho por isso uma versão de 2007. Uma imagem igualmente subjectiva, decorrente unicamente da minha visão do presente, tão legítima como qualquer outra. Actualmente as pessoas vivem entre a beleza da aspiração aos seus sonhos e a constatação das desgraças da realidade. O tapete, onde as pessoas põe os pés, simboliza essa mesma realidade - as guerras, as catástrofes, etc., lembradas diáriamente pela comunicação social. Por outro lado, o tecto, para onde as pessoas olham com a esperança de um mundo e/ou uma vida melhor, simboliza os paraísos na Terra - aqueles sítios onde a maioria das pessoas gostariam de estar, mesmo que temporariamente. O espaço da imagem, o habitar hoje, realiza-se através da tecnologia, através das múltiplas possibilidades que o mercado oferece, através das relações sociais e através da memória. A tecnologia está sempre presente, nos mais variados objectos, possibilitando variados usos. Frequentemente conjuga trabalho com lazer e permite-nos ter o mundo “dentro” de nossas casas. Oferece tantas possibilidades que acaba por nos “prender” dentro das nossas próprias casas. O exterior também se assume muitas vezes como pouco convidativo ao usufruto (basta ver a confusão pela janela). O mercado oferece tantas possibilidades que as pessoas acabam muitas vezes por compôr as suas casas com uma amálgama ambígua de objectos. As comidas rápidas são um problema comum. As relações sociais são por vezes imaginárias, criam-se laços de proximidade com personagens de ficção de séries televisivas. Os amigos são contactados por email ou “messenger” e menos em pessoa. As pessoas acabam cada vez mais a viver sozinhas, com as suas posses e com as memórias das pessoas/animais/objectos que já fizeram parte das suas vidas. A imagem proposta é ambigua. Cada um pode ver nela o seu Presente.

2A _ Habitar aos olhos de Richard Hamilton

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Diagrama 10 _ da casa da sociedade de serviços até hoje

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iPhone da Apple - leitor de mp3, reprodutor de fotos e vídeo, acesso à internet igual a um computador, informação de contactos e calendário, google maps, máquina fotográfica e de filmar, e telemóvel 3G. A nossa vida e o mundo na palma da mão em qualquer lugar.

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2B _ Tecnologia e Informação


A tecnologia faz parte activa das nossas vidas e das nossas casas. A Caixa Mágica é uma máquina de habitar? Não é nem poderia ser porque por mais tecnologia que tivesse uma casa nunca seria uma máquina. Nós cuidamos da casa e ela cuida de nós. Existe uma relação psico-afectiva que não é possivel com uma máquina. Qual é o lugar da tecnologia na Caixa Mágica? Não tem lugar especifíco. Quem escolhe e posiciona a tecnologia é o utilizador. Hoje em dia vivemos numa sociedade de informação em que a tecnologia é apenas o suporte físico da sua existência. Por isso a tecnologia pode estar invisível.

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Mas isso é impossível! Toda a tecnologia é controlada de algum modo, por isso existem sempre interfaces visíveis. Para além disso, esconder a tecnologia implica que ela integre o edifício, logo, tem um lugar específico. Não na Caixa Mágica. A tecnologia pode estar integrada apenas temporariamente no edifício se este for desenhado para permitir este tipo de alterações. Assim, a Caixa Mágica pode ser actualizada sem dificuldade maior. Quanto aos interfaces eles já não precisam de estar visíveis. Já ouviste falar de domótica? Podemos controlar tudo na nossa casa, na Caixa Mágica, recorrendo ao telemóvel ou a um computador com internet!

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2B _ Tecnologia e Informação Uma das grandes mudanças das últimas décadas, que nos afecta ainda hoje, foi a mudança de uma sociedade de serviços para uma sociedade de informação nos anos 80. Foi a mudança das relações sócio-profissionais, e com ela muitos trabalhos deslocaram-se dos escri051 052

tórios colectivos para o espaço doméstico e/ou para os transportes. A principal referência desta mudança são os computadores portáteis e os telemóveis, que desde essa altura são usados não só como instrumentos de trabalho mas também como meio de comunicação privada e lazer. O grande desenvolvimento nestas áreas (maior espaço de armazenamento, maior tempo de duração das baterias e uma rede digital de textos, imagens e sons universal) permitiu levarmos esta tecnologia, as nossas posses (textos, fotos, músicas, filmes, etc.), sempre connosco. Estas tecnologias não deixam de afirmar a sua importância na medida em que, por motivos vários, cada vez passamos menos tempo em casa e mais tempo fora acompanhados por equipamentos tecnológicos desta natureza. O ser humano já não se move sequer, deixa-se mover por carros, barcos, aviões, etc. Se por um lado a tecnologia ajuda-nos a “levar a nossa casa” connosco quando saímos fisicamente dela, por outro lado ajuda-nos a trazer o mundo para dentro da atmosfera das nossas paredes privadas. Através dos equipamentos já referidos mas também da sempre presente televisão, e até jornais, o mundo entra nas nossas casas. O grau de interactividade depende somente das limitações técnicas dos equipamentos e das limitações económicas dos utilizadores para os adquirir . Contudo, se a informação e os equipamentos que a tornam possível tem as suas vantagens indubitáveis, também tem desvantagens. O progresso técnico não pára e o consumidor tem novos e atractivos produtos à sua disposição todos os dias. Mas o que podemos fazer com os equipamentos que já temos? A resposta mais imediata é deitá-los fora e adquirir novos, mas toda a gente sabe que na prática não é isso que acontece. Há muitas vezes um certo valor afectivo associado aos objectos, algo que não depende das características do objecto em si mas sim da sua presença em situações passadas significativas para o utilizador. Para além disto, o simples facto de na maioria dos casos estes objectos ainda funcionarem plenamente, apesar de tecnicamente inferiores em relação aos que acabamos de adquirir, ou que estão disponíveis para ser adquiridos, causa alguma relutância em simplesmente deitá-los ao lixo. Conclusão, a cada ano que passa as nossas casas ficam cada vez mais empilhadas de tecnologias inúteis para as nossas necessidades presentes, mas que por motivos mais ou menos racionais vamos ainda assim conservando. Hoje em dia, habitar é um acto mais complexo que ocupar um espaço e pela sua vivência atribuir-lhe significados e afectos que nos dão conforto físico e psicológico. Habitar obriga hoje a uma capacidade constante de adaptação do utilizador e do espaço habitável.

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dicionário moda - maneira; costume; forma actual do vestuário.

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Imagem típica - assitir ao jogo em casa longe da multidão enquanto continuam o trabalho nos portáteis.

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2B _ Tecnologia e Informação


O utilizador vê-se “socialmente compelido” a adoptar objectos e comportamentos co053

muns em dado momento, aquilo a que vulgarmente chamámos de “modas”. Para se adaptar a estas “modas” geradas pelo consumismo decorrente desta economia capitalista global, o indivíduo adquire constantemente equipamentos ditos de “última geração”, no momento é claro, para assim se sentir igual e aceite pelos seus pares. O efeito negativo desta acção é que ela obriga o utilizador a alterar as suas rotinas diárias, a sua estabilidade. Mesmo considerando que muitos dos aparelhos facilitam as nossas tarefas, o facto é que alteram o modo como lidamos com situações diárias. Por exemplo, é cada vez menor o número de pessoas que vai à porta ver quem está a bater, pois usam intercomunicadores, muitos deles com vídeo até. As pessoas já raramente lavam a roupa à mão, usam antes máquinas (que por vezes até servem para secar para além de lavar), o que lhes concede tempo extra para usarem em outra actividade. Ninguém fica meia hora a olhar para a máquina enquanto ela lava, as pessoas sentem necessidade de arranjar outra actividade, mudar o seu quotidiano. Poderia dar inúmeros exemplos mas penso que está claro que estas acções (compra de novas tecnologias) originam sempre uma reacção (alteração do modo de vida para se reajustar à presença, com as suas novas facilidades e/ou modos diferentes de actuar, dos novos equipamentos). Contudo, esta relação utilizador/máquinas não se limita a alterar a nossa vida privada, altera também a nossa relação com os outros. O simples facto de podermos ver desporto

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(como por exemplo o futebol) pela televisão leva muita gente a evitar deslocar-se aos recintos desportivos, onde antes iam e socializavam com outros indivíduos. Do mesmo modo, a quantidade imensa de filmes e reportagens sobre cidades e países faz com que muita gente fique satisfeita por os conhecer apenas desse modo, não considerando a hipótese de os visitar fisicamente. Outro exemplo muito comum é as pessoas já não se encontrarem fisicamente com os seus amigos e/ou conhecidos para conversar, usam antes software tipo Messenger, alguns até com webcams, e falam e convivem nos seus tempos livres dessa forma. Mais uma vez sobra tempo, pois não há deslocação para local nenhum, e mais uma vez é preciso preencher mais um tempo do quotidiano com outra tarefa ou mais das mesmas, mas de qualquer modo com alterações. “É hoje amplamente aceite que a técnica já não é um simples instrumento, mas um elemento decisivo da constituição da experiência, afectando-a na sua totalidade” [José A. Bragança de Miranda, Arquitectura - máquina e corpo, 2006, 107]

Se por um lado isto é verdade, por outro lado levanta-se a questão de como é que a tecnologia pode efectivamente contribuir para uma melhoria dos edifícios e seus espaços habitáveis. Le Corbusier disse um dia que a casa era uma máquina de habitar, mas na realidade é mais que isso. Apesar do utilizador manipular os elementos e controlar a casa, ele não lida com

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Edifícios mais altos do mundo - Petronas Twin Towers, Kuala Lumpur, Malásia.

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Certificação energética das casas em Portugal, tal como acontece com electrodomésticos.

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Guggenheim Bilbao de Frank Gehry, desde a maqueta digitalizada com o software CATIA e a construção real. A tecnologia permite conceber e construir formas até aqui difíceis de visualizar.

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2B _ Tecnologia e Informação


ela como com um leitor de CD ou uma máquina de lavar. O utilizador - tal como qualquer um de nós - tem cuidados com a casa – lava, limpa, decora – e em retorno ela proporciona conforto psicológico para além de conforto físico. Assim, uma casa não pode ser uma mera soma de tecnologias, fruto de um pensamento racionalista que mira fundamentalmente a eficiência funcional do todo. Por todos estes motivos, habitar é hoje um acto muito mais complexo do que há umas décadas atrás e exige mais do utilizador, mas também mais dos profissionais da construção. Em primeiro lugar, quem constrói tem à sua disposição novas ferramentas e materiais que permitem novas formas e tipos de construções. É frequente ver notícias sobre a nova 055

maior ponte do mundo, ou o novo edifício mais alto do mundo, ou edifícios construídos em situações adversas cuja construção só consegue ser explicada pela ajuda que houve de máquinas e/ou materiais especiais. Todas estas novas máquinas e tecnologias inventadas todos os dias permitem que Homem leve mais além as suas capacidades físicas e criativas de construção. Por outro lado, maquinaria especializada e novos materiais (muitos já dotados de tecnologias especiais, mais sensíveis que os materiais ditos tradicionais) exigem mão-de-obra especializada para que os projectos possam ser executados devidamente. Até porque só assim o utilizador final poderá tirar o máximo partido da presença desses novos materiais/tecnologias. Vi recentemente nos meios de comunicação que brevemente em Portugal vai ser posta

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em vigor uma legislação com o objectivo de atribuir certificações energéticas às habitações. Pelo que consegui perceber essa certificação energética vai ser semelhante à atribuída aos electrodomésticos vulgares. Não conheço os pormenores dessa lei, nem me interessa discutir aqui a sua validade ou não, mas interessa-me usar este exemplo para demonstrar como as preocupações ecológicas e ambientais afectam os profissionais da construção. Se as casas vão ter que corresponder a requisitos energéticos mínimos então é provável que os arquitectos sejam obrigados a pensar na localização de novos aparelhos tecnológicos que facilitem esta função sem afectar as condições de vida das pessoas. Para além disto, os construtores vão ter que, de algum modo, adaptar os métodos construtivos para poder acolher estas mesmas novas tecnologias. A tecnologia não é, nem pode ser, só mais uma preocupação para os arquitectos. Em primeiro lugar ajuda-os na concepção dos projectos (os estiradores, as canetas e a mão foram substituídas parcial ou totalmente por computadores, teclados, ratos, plotters e programas de CAD) diminuindo o tempo de produção de um projecto e/ou abrindo novas possibilidades

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arquitectónicas até aqui dificilmente visualizáveis e muito menos planificadas para permitir a construção. Em segundo lugar, quando a própria tecnologia é encarada não como um empecilho mas como um material de trabalho como qualquer outro, então o arquitecto pode pensar o conjunto de uma forma mais completa, podendo porventura chegar a soluções arquitectónicas inovadoras e/ou mais eficazes.

2B _ Tecnologia e Informação

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Diagrama 11 _ a experimentação como arranque para que algo se torne comum

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2B _ Tecnologia e Informação


Alguns chegam a fazer experiências com as denominadas “casas do futuro” que nunca são mais do que casas do presente, pensadas no presente, com materiais e tecnologias do presente, criando soluções hipotéticas que tentam resolver sem compromisso real problemas efectivos do presente. Contudo, a sua validade reside nesse mesmo carácter experimental. “Toda a parafernália dos objectos técnicos pode ligar-se à casa e mesmo ao corpo, mas não ao homem, o qual habita sempre uma dupla casa, onde está o seu corpo, que é comum a toda a carne, e o seu “espírito”, que é comum a toda a memoria, e a todo o tempo. A destruição de qualquer delas poria em causa o que há de humano no homem. Enquanto espaço de experimentação do futuro temos o direito de esperar a melhor 058

arquitectura possível e as tecnologias mais avançadas, mas acima de tudo um conceito inovador, que eleve a experimentação à máxima potência e não separe a técnica das suas dimensões estéticas, políticas e, porque não metafísicas. Fazer menos do que isso é falhar uma oportunidade que não estará em aberto por muito tempo.” [José A. Bragança de Miranda, Arquitectura - máquina e corpo, 2006, 110]

2B _ Tecnologia e Informação

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dicionário magia - fascínio ou encanto exercido sobre os sentidos pelas belas-artes, poesia, etc. mágica - peça teatral de tema fantástico , representada com rápidas mutações cénicas e grande riqueza de efeitos especiais; encanto; fascínio; sedução. sedução - acto ou efeito de cativar, atrair, deslumbrar ou fascinar; atractivo; encanto. ilusão - qualquer erro proveniente de uma falsa aparência; erro de percepção que consiste em tomar um objecto por outro; aparência; erro; fraude; utopia.

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2C _ Magia/Ilusão/Sedução


Falemos agora de Magia. Que Magia é esta na Caixa? A Magia na Caixa não é nenhum fenómeno paranormal. Falar de Magia é falar de fascínio e de encanto, de curiosidade e de surpresa. Se pensarmos na Caixa Mágica como um contentor vazio e neutro, cuja imagem depende de quem o ocupa, então aí reside a magia. Um espaço que se pode transformar em qualquer ambiente em qualquer altura. A Caixa Mágica diz muito de quem a habita. E por isso suscita a curiosidade natural do ser humano. Qual é o objectivo de suscitar a curiosidade?

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Graças ao peso cada vez maior da tecnologia e da informação nas nossas vidas, o ser humano começa a registar perdas significativas de contacto directo. As pessoas encontram-se Online e fecham-se nas suas casas como em casulos, ligadas ao mundo mas desligadas da envolvente. De facto os especialistas dizem que isso causa graves problemas psicológicos às pessoas, pois ficam alheias do mundo real. A Caixa Mágica procura estimular os contactos sociais sem esquecer a importância da tecnologia na vida das pessoas. A Caixa Mágica procura encontrar um equilibrio saudável entre real e virtual de modo a melhorar a vida humana.

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2C _ Magia - Ilusão/Sedução 059

Magia “é o fascínio ou encanto exercido sobre os sentidos pelas belas-artes, poesia, etc.”, e porque não também pela arquitectura. Qualquer fenómeno apelidado de “mágico” é extremamente pessoal e subjectivo porque depende exactamente dos sentidos de quem o apreende. Seja numa performance circense ou na fachada de um edifício, esta apreensão depende, para além da entidade emissora (a que exerce magia), sobretudo da entidade receptora (o observador/utilizador). As suas características enquanto receptor - a capacidade dos seus sentidos em conjunto com a sua localização - permitem que ele não apreenda um fenómeno mágico do mesmo modo que outro receptor por mais próximo que esteja dele. Assim, um fenómeno pode ser mágico para mais que um sujeito, mesmo não sendo exactamente igual para todos. Está provado pela física que a nossa localização espacio-temporal é sempre única, não pode estar mais que um corpo num determinado espaço num mesmo período de tempo, pois dois corpos não podem ocupar em simultâneo um mesmo espaço-tempo. Para além disto, a acústica de um lugar e o ponto de vista que se tem do mesmo podem ser largamente influenciadores da experiência de um sujeito. “Mágico” ou “mágica” podem significar mais que fascínio e encanto sobre os sentidos, mesmo para a arquitectura. “Mágica” pode ser uma “peça de teatro de tema fantástico, representada com mutações cénicas e grande riqueza de efeitos especiais” , mas também pode querer apenas significar “encanto, fascínio, sedução” . “Mágico” será então aquele que exerce estes efeitos e/ou o período temporal em que estes efeitos ocorrem. Esta definição acrescenta dois pontos de vista interessantes. O primeiro tem a ver com determinado espectáculo, proporcionado por efeitos extraordinários (fora do comum), que atrai e prende o(s) observador(es). Aliás, faz parte do conhecimento popular que face ao mínimo acontecimento fora do vulgar se junta imediatamente uma multidão para o observar. Isto é válido para acontecimentos programados, previstos e divulgados pelos meios de comunicação, mas também para acontecimentos imprevistos, frutos do acaso ou da não divulgação. O segundo tem a ver com o acrescento da sedução como significado de “mágica”. A nossa capacidade de seduzir e ser seduzido prende-se com a nossa cultura, com os valores e padrões socialmente aceites ou rejeitados. Há sempre excepções à regra, mas a maioria das pessoas tende a sentir-se atraídas por padrões e valores semelhantes. Um corpo, um objecto, um fenómeno seduz-nos enquanto tem a capacidade de nos atrair, seja, por exemplo, pela beleza (em qualquer uma das suas muitas formas) ou pela novidade. A curiosidade é um forte motivador para iniciar uma relação, despertada sempre por estímulos. Beleza, novidade, ocultação, mistério, entre muitas outras coisas, são estímulos à nossa

2C _ Magia/Ilusão/Sedução

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Diagrama 12 _ como ter magia na caixa e para quê

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2C _ Magia/Ilusão/Sedução


atenção e muitas vezes a futuras explorações. Mas em que medida é que a magia se pode aplicar à arquitectura? Ábalos & Herreros dão-nos um exemplo através do seu projecto das Casas AH . “El principio de la “caja mágica” se basa en la atracción casi infantil que se proyecta sobre las cajas con interior, el cofre, el baúl o los calendarios navideños. Se trata de introducir mecanismos que permitan identificar la caja técnica con ese universo próximo a lo doméstico. Despertar la curiosidad mediante la ocultación, contrastar interior y exterior, ofrecer misterio: lo doméstico como juego.” [Ábalos & Herreros, 1997, 144] Para Ábalos & Herreros a “magia” tem a ver com a introdução de mecanismos que atribuam à pele do edifício, ao seu mediador das relações interior/exterior, acções e/ou reacções que despertem curiosidade no observador. Pergunta-se então, qual é o interesse de atrair a curiosidade de um observador, alguém alheio à privacidade da habitação, para a mesma? Este fenómeno de abrir/fechar dispositivos na pele é em simultâneo um fenómeno de mostrar/ocultar o interior e qualquer acção que possa decorrer nele. A curiosidade humana tende a deixar-nos, no geral, interessados sobre a vida das outras pessoas. Basta ver os inúmeros programas de televisão, revistas e jornais com detalhes sobre a vida privada de outras pessoas para perceber que se eles existem é porque existem também muitas pessoas interessadas neles. Assim, ao realizar acções/reacções que mostram/ocultam a vida que decorre no interior, o observador reconhece determinado edifício como doméstico, ou próximo do doméstico. 060

Na minha opinião, a magia pode ir além disto e servir para incentivar relações sociais, o que me parece mais relevante que criar semelhanças com o doméstico, até porque estes mecanismos que criam “magia” podem ser aplicados em edifícios não habitacionais. Assim, incentivar relações directas, num mundo em que elas se tendem a perder, é mais interessante e significativo enquanto contributo sócio-cultural de uma obra/edifício. Isto acaba por conformar o que Ignasi Solà-Morales chama de arquitectura antropomórfica. “A arquitectura que podemos denominar como antropomórfica, e cujo desenvolvimento até aos nossos dias abrange grande parte da produção actual, é simplesmente uma arquitectura que imita corpos contingentes, plurais, múltiplos, diferenciados sobretudo pelas intenções representativas e expressivas” . [Ignasi Solà-Morales, Arquitectura - máquina e corpo, 2006, 36] Esta arquitectura não tem que se limitar a imitar, pode criar relações e/ou situações imprevistas que fogem aos padrões actuais e formam novos padrões, numa resposta às mudanças técnicas e sociais constantes, no sentido de uma evolução optimista. A arquitectura como estímulo pode ser uma ferramenta poderosa de acção/reacção, um contributo à evolução e uma procura de um caminho do presente. Seja através da pele ou de mecanismos interiores e/ou exteriores ao edifício, pensar e projectar com optimismo e com os olhos no presente e nas pessoas/utilizadores pode criar algo mágico, significante.

2C _ Magia/Ilusão/Sedução

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Este projecto é a participação dos Cero9 (Cristina Díaz Moreno e Efrén Garcia Grinda) num concurso realizado em 2002 no estado do Iowa nos Estados Unidos da América. O nome completo desde projecto é A Montanha Mágica - Máscara de Ecossistemas para a Central Térmica de Ames.

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Vista da Central Térmica a partir da rua principal de Ames.

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Esquema da ocupação biológica da pele - fauna e flora.

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A Central Térmica e os seus fumos vistos à noite. A iluminação artificial cria espectáculos imprevistos.

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Observação 1


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Observação 1 _ Cero9 _ La Montaña Mágica A Central Térmica de Ames, fruto de mau planeamento da cidade e dos efeitos im-

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previsíveis das flutuações do valor dos terrenos, ficou localizada mesmo no centro da cidade, onde continua a funcionar no máximo da sua capacidade. Isto levanta problemas de imagem, funcionamento e integração na cidade. O concurso, no qual esta proposta se integra, espera propostas de uma nova imagem para o edifício e cidade. A proposta dos Cero9 desafia os conceitos estabelecidos de jardinagem, criação de espécies, arquitectura e ecologia de sistemas vivos através da confluência e da co-evolução da cultura tecnológica e orgânica.Trata-se de gerar um sistema de ciclos biológicos e processos de transformação da energia que incluem: a sua produção e dissipação sob a forma de atmosfera luminosa; o desenvolvimento e crescimento de espécies de flora especificas; e a atracção de espécies de fauna locais e migratórias. É portanto matéria viva e por vezes arquitectura da energia. É bio-engenharia da restauração visual executada com materiais vivos e sucessões futuras de populações vegetais e animais. Um monumento natural que se gera artificialmente. A “pele” começa a partir dos 3 metros de altura, para permitir o funcionamento total da central, e envolve a totalidade dos edifícios adaptando-se às suas formas. O muro do complexo é feito no mesmo material vegetal fechando o recinto, escondendo a diferença de 3 metros da pele que envolve o edifício ao chão, servindo ainda de viveiro natural para as espécies que serão colocadas à posteriori na “pele” do edifício.

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As espécies vegetais são locais, escolhidas cientistas da Universidade do Iowa, servindo assim de laboratório, vivo e em tempo real, de engenharia genética. A composição vegetal é apenas conhecida de início, partindo-se do princípio que, com as experiências, os jogos de cor das espécies vão mudando até serem totalmente imprevisíveis nas composições futuras. O conjunto procura atrair aves e borboletas que nas suas rotas migratórias habituais passam pela cidade de Ames. Esta nova montanha vegetal com vegetação, o calor da central, os tanques de água que alimentam a vegetação e os insectos que se refugiam nela, configura-se como um local ideal para paragem e/ou ocupações definitivas para a vida animal. Todo este sistema complexo deve ser alimentado, segundo a proposta, pela água das chuvas ou da neve derretida, acumuladas em reservatórios nas coberturas dos diversos blocos do edifício. Para além disto são propostos painéis que reflectem o céu e/ou a própria pele criando efeitos imprevisíveis. Alguns destes painéis são fotovoltaicos alimentando LEDs que mantém

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o dito efeito de imprevisibilidade, mas também geram energia suficiente para iluminar a coluna de fumo que sai à noite da central, criando uma espécie de fogo-de-artifício efémero. A composição da central térmica com a sua nova imagem produz um ecossistema sujeito à interacção humana. Arquitectura e infra-estrutura energética convertidos em sistemas vivos através de técnicas de bio-engenharia: uma montanha mágica, uma montanha viva.

Observação 1

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dicionário estímulo - aquilo que estimula; incentivo.

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Diagrama 13 _ os estímulos que a arquitectura pode fazer ao utilizador

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2D _ Arquitectura como estímulo


A Caixa Mágica é uma arquitectura estimulante? Penso que sim. Como falamos anteriormente, é um estímulo às relações sociais, mas não só. Pode ser mais que isso? Se pensarmos que todo o processo arquitectónico, desde a concepção ao uso, pode ser estimulado de modo a adequar-se ao presente, então a Caixa Mágica é uma metáfora arquitectónica. O que é que significa em concreto a metáfora? A Caixa Mágica é um estímulo para que o arquitecto procure novas soluções para que o utilizador possa habitar com satisfação. A Caixa Mágica é um estímulo à renovação das ferramentas, materiais e métodos construtivos. E a Caixa Mágica é um estí-

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mulo para o utilizador (re)encotrar-se com as suas necessidades/sonhos/desejos e procurar satisfazêlos. Como é que a Caixa Mágica pode estimular coisas tão distintas? Começa por ser um estímulo para o arquitecto encontrar um forma de habitar de acordo com o presente. Esta nova forma de habitar vai estimular os construtores a tomarem contacto com uma nova construção. A nova construção vai estimular os habitantes a mudarem o seu habitar do padrão imobiliário para a sua satisfação pessoal. A Caixa Mágica estimula todos que entram em contacto com ela.

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2D _ Arquitectura como estímulo “I think that at the present architecture doesn’t do enough, it doesn’t enrich or enliven people’s livea as much as, say, the internet does, or a good story, or music. Architecture is a poor performer, it’s consistently bad - even the magnet schemes haven’t happened. As an architect, I’m trying to make architecture a better performer, trying to find ways that might suggest the gaps that can’t be filled by anyone else, but at the present are not recognised as opportunities to make human lot a bit better by architecture.” [Cedric Price, 2003, 64] Porque é que a Arquitectura é uma “poor performer”? A Arquitectura, no geral, não trabalha de acordo com o presente, logo, não respondendo aos problemas que o presente coloca, não melhora a vida humana. Olhar para o presente com atenção suscita dúvidas. Então colocam-se questões e procuram-se respostas num jogo constante de estímulos entre o sujeito e o presente. Esta exploração permite duas coisas: que o sujeito se mantenha a par do presente; que se abram novos caminhos imprevistos e estimulantes pela novidade e pela curiosidade que suscitam. Actualmente a prática da arquitectura é regida por imensas regras, sejam construtivas ou espaciais. Estas regras limitam deliberadamente a exploração de novas soluções de modo a garantir padrões mínimos de qualidade aceites pela sociedade. É uma situação a que eu chamo de copo meio vazio ou meio cheio. Isto é, se por um lado as regras impedem muitas soluções, por outro lado esta delimitação do campo de exploração pode constituir um estímulo em si mesmo à procura de novas soluções dentro das regras vigentes. O problema é que, por motivos vários, a maioria dos arquitectos acaba simplesmente por se submeter às regras sem procurar novos caminhos, criando assim arquitecturas que se repetem no tempo independentemente do presente a que se refere e do seu próprio criador. Repetem-se sucessivamente soluções construtivas e espaciais numa tentativa de manter a resposta aos padrões exigidos. A experiência de viver em geral, e de habitar em particular, torna-se monótona. Contudo, se a realidade – as regras e os contextos de cada um – podem ser um estímulo para o arquitecto produzir arquitectura, a arquitectura como estímulo revela-se principalmente ao nível do destinatário, o utilizador. A arquitectura geralmente não é feita para o seu criador, o arquitecto, mas sim para os utilizadores, as pessoas comuns, aqueles que ocupam e dão significado à criação arquitectónica.

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Existem dois tipos de estímulos para o utilizador: estímulos à utilização; e estímulos à percepção.

2D _ Arquitectura como estímulo

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Multidão num museu. Diversidade de percepções de múltiplos estímulos comuns.

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2D _ Arquitectura como estímulo


Por estímulos à utilização entendem-se as configurações de espaços e/ou objectos nos espaços de modo a incentivar usos específicos, possivelmente imprevistos e únicos, diferentes do comum, algo que possa marcar a experiência do utilizador. Por exemplo, colocar uma rampa e uma escada em locais distintos para um mesmo percurso pode ser estimulante. Cumprem-se as regras que obrigam ao uso das duas soluções por causa dos cidadãos incapacitados, e simultaneamente fornecem-se duas alternativas para um mesmo percurso. O utilizador tem que optar. Ir pelas escadas ou por uma rampa pode significar mais ou menos esforço físico, um enquadramento visual melhor ou pior ou um acesso mais ou menos imediato ao ponto de destino, por exemplo. Aparentemente a rampa existe para cumprir as regras mas pode ser explorada como solução para uma experiência mais rica e enriquecedora para o utilizador. Por outro lado, vai ser muito mais estimulante que colocar rampa e escadas lado a lado porque criam-se opções distintas para um mesmo percurso, opções que não estar acessíveis a todos. Em primeiro lugar os cidadãos incapacitados não vão poder usar as escadas, por isso existe a regra para colocar uma rampa. Em segundo lugar, a maioria dos restantes utilizadores vai continuar a usar a solução à qual estão habituados, as escadas, o que vai limitar a sua experiência. Os poucos que vão experimentar as duas soluções vão achar aquele troço do percurso significativamente mais especial, mais marcante, que os restantes. Por outro lado existem os estímulos à percepção. Estes estímulos tem a haver com o contacto e o relacionamento sensorial entre o ser humano e o espaço que o rodeia. Como é que o ser humano sente o espaço? Tacto, audição, visão, olfacto e porque não gosto também. Um espaço revestido a pedra ou a madeira desperta emoções diferentes. Sentir o frio da pedra não é o mesmo que sentir os veios da madeira, um contacto que nos lembra o tradicional e a natureza. O cheiro da comida no ar, que nos faz imaginar o gosto da comida à qual associamos o cheiro, não é o mesmo que sentir o cheiro do cloro da água numa piscina. Sentir o conforto físico e psicológico de um sofá em tecido e acolchoado não é o mesmo que sentir o couro frio e impessoal. Estar numa sala em que há eco é mais constrangedor que estar numa sala em que o som é absorvido pelos objectos e materiais que nos rodeiam. Por outro lado estas são apenas algumas emoções que eu associo a determinados estímulos que capto à minha volta. Outras pessoas certamente farão outras associações e discor067

darão de mim. O que sentimos depende da nossa capacidade de sentir, do apuro ou não dos nossos sentidos, mas também das emoções e memórias que associamos ao que captámos. Para além disto, um estímulo, de utilização ou espacial, pode sempre ser directo ou indirecto, isto é, pode ser fácil de captar por estar perceptível para a maioria, ou pode estar camuflado ou oculto, perceptível apenas por aqueles mais perspicazes ou mais capacitados para os captar.

2D _ Arquitectura como estímulo

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Diagrama 14 _ caixa mágica ajuda o arquitecto a programar diversos estímulos adequados à percepção do utilizador

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2D _ Arquitectura como estímulo


Um estímulo directo vai sempre fraco a não ser que seja de algum modo excepcional e se destaque da envolvente. Por outro lado, um estímulo indirecto, acessível a apenas alguns é sempre estimulante. Em primeiro lugar porque os poucos que o reconhecem apercebem-se da sua singularidade, da sua excepcionalidade que dá ao utilizador a satisfação de se distinguir da maioria. Em segundo lugar porque por ser indirecto estimula de algum modo a atenção e a curiosidade humanas e conforma-se como uma experiência mais intensa. Um dos problemas, talvez o maior, da arquitectura como estímulo consiste em querer que um dado estímulo esteja disponível para todos. 068

Como é que o arquitecto pode prever e programar estes estímulos? Não pode. Pelo menos não o pode fazer com a certeza absoluta do resultado. Isto é, o arquitecto deve conhecer as ferramentas com que trabalha – o espaço e os materiais – e procurar criar arquitectura que contenha em si múltiplos estímulos que possam ser agradáveis ao utilizador. Nunca poderá agradar a todos, por isso mais vale agradar bastante a alguns do que não agradar a ninguém. Sobre este assunto Cedric Price e Yona Friedman apresentam duas perspectivas aparentemente diferentes. Cedric Price explora os problemas do presente criando estímulos intensos e específicos muitas acessíveis apenas a alguns. Este aparente elitismo, não destinado a nenhum grupo social ou género em particular, tem por objectivo uma vida mais rica, menos banal. A arquitectura deve ser a ferramenta que cria pontos de excepcionalidade do quotidiano banal e monótono. Yona Friedman desenvolveu um trabalho para a UNESCO em que compõe uma banda desenhada que no fundo representa uma série de instruções para que as pessoas em situação de crise, pobreza ou catástrofe, possam construir uma arquitectura que lhes dê os padrões básicos de dignidade e qualidade de vida – os padrões das sociedades ocidentais que patrocinam estes auxílios. Isto implica uma simplificação e uma generalização dos processos construtivos e espaciais, criando uma padronização base. Aparentemente o primeiro procura a excepção e o segundo procura a banalização. Contudo, ambos fazem o mesmo. O que muda é o utilizador-alvo da sua intervenção. Se para nós ter casas com dimensões regulamentadas e saneamento é algo banal, e por isso precisamos de outro tipo de estímulos mais excepcionais, para as populações carenciadas os pontos referidos são em si mesmo excepcionais para eles. Um estímulo é por isso sempre relativo, o que demonstra que é preciso compreender claramente a quem se destina determinada arquitectura para adaptar os estímulos que ela vai incluir. Os resultados desta forma de pensar são mais gratificantes para o arquitecto e principalmente para o utilizador.

2D _ Arquitectura como estímulo

125


069

Este texto não é uma ficha de leitura nem um resumo do livro. Este texto é apenas a observação do livro como um estímulo nos seus próprios conteúdos, destacando determinados assuntos com os quais me identifico mais e/ou que considero mais pertinentes para o estudo da Caixa Mágica.

070

“Re: CP” lê-se em inglês “recipe”, que significa receita. Também se pode ler “Re” como significando “recipe”/receita, que nesse caso se entende que seja “CP”/Cedric Price. É um jogo de palavras propositado que nos faz pensar se este livro é uma “receita” de arquitectura ou se a “receita” é Cedric Price e está descrito neste livro. Para além do título, Cedric Price usa vários outros termos ambíguos que para quem não souber que se trata de um livro de arquitectura pode pensar que é um livro de culinária. A comparação com a culinária não é por acaso. Aliás, o primeiro snack é inteiramente sobre isso. Segundo Price quando cozinhamos o factor importante é sempre o tempo. Olhamos para o futuro. Pensamos o que precisamos de comprar, o que temos que fazer, quanto tempo demora cada tarefa e quando vai ficar pronto a consumir. Segundo ele, a arquitectura deveria funcionar igual. Não se trata de durar muito ou pouco mas sim de durar o necessário, e é importante que as pessoas e os arquitectos, os seus “cozinheiros”, tenham isto presente na hora de pensar/projectar.

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Observação 2


069

Observação 2 _ Cedric Price _ Re: CP Poderíamos escolher uma obra qualquer de Cedric Price para analisar e seria um óptimo exemplo da arquitectura como estímulo, e um estímulo em si mesmo enquanto exemplo de um outro caminho na arquitectura. Mas tal seria redutor considerando a totalidade da obra e a importância do contributo de Price para a arquitectura contemporânea. “He is that rare figure among architects who can introduce non-architectural ideas into architecture today.”[Arata Isozaki, Re: CP, 2003, 26]

070

Deste modo é mais pertinente falar de “Re: CP”. Através deste livro Cedric Price regista o seu posicionamento (crítico) actual na arquitectura. Digo actual por duas razões. Em primeiro lugar porque ironicamente aparece o prazo de validade na capa, como se de um produto alimentar se tratasse. Pelo prazo de validade, os conteúdos deste livro são válidos entre a data de publicação, 2003, e 1 de Maio de 2006. A única justificação para isto, dada na própria capa do livro, é que por esta data o autor é capaz de ter mudado de ideias. Em segundo lugar porque o registo é muito pessoal e muito direccionado para a opinião no momento, uma opinião crítica sobre vários temas directa ou indirectamente relacionados com a arquitectura, incluindo obras próprias. Este livro tem na minha opinião três tipos de conteúdos: textos de outros autores sobre Cedric Price; uma conversa sobre os mais variados assuntos entre Hans Ulrich Obrist e Cedric Price; e, o que eu chamo de estímulos múltiplos, que são constituídos por recortes vários e por 73 snacks (pequenos textos e/ou imagens soltas). Destes conteúdos de “Re: CP” destaco em seguida aqueles que mais me estimulam para a Caixa Mágica. Na entrevista de Hans Ulrich Obrist a Cedric Price ambos falam sobre a participação implícita dos utilizadores no edifício. Ambos concordam que dissimular o estímulo no edifício é a melhor solução, contudo levanta problemas de reconhecimento da linguagem. Cedric Price relata um destes problemas numa obra sua. Ele fala de uma viagem à Nigéria onde reencontra uma cómoda que havia desenhado 25 anos antes. A cómoda tinha um desenho diferente para a época, não tinha puxadores e tinha várias partes articuláveis. Descobrir estas partes e usar a cómoda dependia da perspicácia do utilizador para perceber os pontos diferentes no móvel que assinalavam os puxadores implícitos. Por este motivo um espelho embutido, que podia ser usado se o utilizador prestasse atenção a um desses pontos diferentes, nunca foi usado. A ironia desta história está no facto de ter sido Cedric Price o primeiro a utilizar, 25 anos depois, este móvel na totalidade das suas capacidades. Um bom

Observação 2

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071

Fotografia do InterAction Centre de Cedric Price em 1971.

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Observação 2


design e uma boa arquitectura não está só nas capacidades e na criatividade de quem desenha/ cria mas principalmente na utilização que possibilita, algo que confere ou retira utilidade a um objecto e/ou edifício. Na mesma entrevista, Cedric Price apelida a arquitectura de “poor performer”, e diz que procura explorar novos caminhos, caminhos que enriqueçam a vida humana. 071

Um desses caminhos é o Inter-Action Centre. Inicialmente um projecto com edifícios para um cliente específico, este projecto transformou-se completamente devido a condicionalismos político-económicos. O cliente inicial faliu antes do arranque da obra, deixando apenas o nome Inter-Action, o que fez com que os políticos da localidade ficassem sem saber o que fazer com o terreno. Segundo Cedric Price o terreno ficou num limbo, numa indefinição, entre o que era e o que haveria de ser. Como esperavam que este limbo durasse pelo menos um ano Cedric Price propôs uma espécie de projecto barato sem edifícios que permitia a ocupação enquanto os cidadãos/políticos/arquitecto aguardavam as verbas necessárias para construir os edifícios propostos inicialmente. A nova proposta de Price incluía: uma laje de betão no piso térreo, infra-estructurada com equipamentos e ligações de água e electricidade; e uma estrutura tridimensional a ocupar e organizar toda a área disponível. O objectivo era permitir a livre ocupação com unidades pré-fabricadas durante um tempo limitado. Esta estrutura funcionaria como um estímulo à ocupação e ao uso do terreno. Cedric Price propôs que uma feira popular o ocupasse pois era um equipamento que tinha as suas próprias estruturas e a base e infra-estruturas eram fornecidas. A este projecto Cedric Price associa uma das suas teorias sobre o tempo e a arquitectura. Ele considera que existe em todos os edifícios um tempo em que estão numa espécie de limbo, entre o partir e o chegar, ou entre o projecto e o construído, aquele espaço não é nada. Este tipo de situações estimulam novas soluções e novas abordagens na arquitectura, possibilitando soluções inovadoras como a do Inter-Action Centre. Por outro lado, uma arquitectura tem um tempo de vida, e quando este se estende para além do programado, como aconteceu com o Inter-Action Centre, essa arquitectura perde sentido e significado e torna-se urgente a sua substituição/actualização por algo mais adequado ao presente. Um outro assunto da mesma entrevista que despertou o meu interesse foi o workshop em Barcelona em 2001. Este workshop pretendia ser vivo, não teórico e/ou hipotético, e criar uma galeria igualmente real. Cedric Price destaca 3 propostas que enfatizam os elementos tempo, workshop e indústria. O primeiro é sobre uma estrutura rectangular feita à escala humana que apareceria

Observação 2

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072

Duas páginas de composição de recortes agrupados por temas no livro “Re: CP”.

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Observação 2


num local público muito conhecido de Barcelona. Esta estrutura estaria exposta uma única vez. O objectivo era suscitar a curiosidade nas pessoas pela diferença em relação ao normal, procurando que elas fossem contar o que viram a outros e que esses outros possivelmente quisessem ver pelos seus próprios olhos. Quando estes lá chegassem ela não estaria lá. Contudo, essa estrutura seria recriada através de lasers nos dias seguintes à noite. Estes lasers poderiam ainda sugerir percursos alternativos na cidade. A estranheza inicial daria lugar à curiosidade e a estrutura seria uma atracção procurada não por estar lá, mas sim por ter estado. O segundo usa uma estrutura com uns degraus. Estes degraus teriam um desenho peculiar que atrairia as pessoas para os subirem. Ao subir, as pessoas seriam fotografadas para um ecrã gigante disposto de modo a que elas pudessem ver o seu próprio perfil. Este projecto é sobre o tempo, sobre o tempo demorado a subir os degraus, sobre o tempo congelado na fotografia do perfil dos utilizadores, e sobre o tempo de descida. Price compara mesmo este projecto ao quadro “Nu descendo as escadas” de Marcel Duchamp. Mas este projecto tem mais. Por as escadas reagirem com movimento ao peso e à circulação das pessoas, elas podem ter noção do seu corpo e de como a estrutura reage a ele. Passa a ser também sobre peso e estabilidade. O terceiro é sobre uma estrutura resistente suspensa dois metros acima do solo onde podem decorrer vários tipos de workshop, seja sobre culinária ou sobre pintura. Esta estrutura estaria numa praça com muita luz e muita sombra. Os cidadãos ficariam certamente curiosos sobre o que estaria a decorrer a 2 metros do solo. Entra então o elemento luz/sombra, e o projecto propõe uma espécie de guarda-sol que dá sombra não só à estrutura mas também às proximidades. É por isso uma estrutura generosa e através disto afecta não só as pessoas mas também a vida naquela zona da cidade. Apesar destas propostas não terem sido produzidas por Cedric Price elas surgem com a sua influência e consequentemente segundo a sua linha de pensamento. “(...) his method does not necessarily require utopian or monumental constructs, but rather proposes lightweight recombinations of disposable components.”

[Arata Isozaki, Re: CP,

2003, 26]

Falemos agora dos estímulos múltiplos. 072

Alguns são apenas recortes de revistas e jornais associados por temas que, não sendo exclusivamente de arquitectura (alguns nem tem relação directa com a dita), fazem pensar sobre o assunto. Como nos seus edifícios, também nos recortes e snacks só pensa quem quer. O estímulo está lá, implícito, a reacção depende apenas do utilizador/leitor, que neste caso, se se sentir estimulado por determinado tema, pode sempre tentar perceber qual a relação deste tema com a arquitectura e que utilidade pode (re)tirar dessa curiosidade. Os outros são o que Cedric Price apelida de “snacks”. É apresentado um conjunto de 73 snacks que não são mais que pequenas peças (desenhos e/ou escritos, fotos, recortes, es-

Observação 2

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073

Snack nº10. Entitulado de cidades do futuro não é mais que uma composição subjectiva e aparentemente abstracta. Um estudo de Cedric Price e um estímulo para o leitor.

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Observação 2


073

quemas, etc.), aparentemente desconexos, que procuram estimular o leitor/arquitecto. Ao ver melhor a sua obra e ao ler mais atentamente os textos deste livro começa-se a perceber, na minha opinião, que os snacks podem ser ilustrações das suas teorias e/ou obras, ou então elas podem ter partidos dos ditos snacks. Em “Re: CP” o grande estímulo é o exemplo que Price dá de trabalhar para o presente. Cada opinião, cada imagem, cada snack e cada recorte são pequenos registos de estímulos e representam simultaneamente hipóteses de estímulos para o leitor/arquitecto no que respeita à prática da arquitectura. A arquitectura como estímulo não está nos meios que se usam mas sim nos fins, nas provocações e nos estímulos e na justificação da existência dos mesmos.

Observação 2

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074

Poder-se-ia provavelmente fazer um reflexão inteiramente sobre as relações entre o tempo e a arquitectura. Neste caso escolhi apenas duas por considerar que são as que mais interessam ao tema da Caixa Mágica, pois são as que na minha opinião dizem respeito aos arquitectos cujas teorias e obras apoiam e fundamentam esta reflexão.

075

Jean Prouvé passou a sua infância e juventude próximo da Escola de Nancy, fundada entre outros pelo seu pai, que assim lhe passaram os mesmos ensinamentos que passavam aos outros alunos.

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2E _ O Tempo da e na Arquitectura


Qual é o tempo da Caixa Mágica? O tempo da Caixa Mágica é o presente. Referes-te ao hoje, à actualidade, ao nosso presente? Sim, mas não só. Falar de presente é falar do tempo em que estamos a viver. O passado já foi vivido e o futuro ainda não está disponível. O tempo não pára e o presente hoje é o passado amanhã. Como é o tempo na Caixa Mágica? O tempo na Caixa Mágica baseia-se em princípios de flexibilidade. A flexibilidade permite que o utilizador tenha liberdade de acção, o que representa um aumento significativo do prazo de vida de um edifício.

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Então a flexibilidade da Caixa Mágica serve para que ela dure mais tempo? A duração efectiva do edifício depende exclusivamente dos materias de construção, do modo como foi construído e se foi ou não cuidado com o passar dos anos. Quando falo em durar mais, falo em utilidade e em mantê-la durante um período de tempo superior às casas comuns. Enquanto as pessoas conseguirem mudar a habitação de acordo com os seus sonhos/desejos/necessidades, essas pessoas não vão sentir necessidade de abandonar aquele edifício e procurar outro. Um edifício vive enquanto for útil.

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2E _ O Tempo da e na Arquitectura O tempo está intimamente ligado à condição humana. O tempo não pára, avança constantemente e não dá para ignorar. O ser humano envelhece e tudo em seu redor muda constantemente, o dia e a noite, as estações do ano, etc. Neste sentido penso que o tempo é algo fundamental na arquitectura. Aliás, entre os arquitectos mais estudados e referidos nesta Prova Final - Cedric Price, Jean Prouvé, Yona Friedman e Ábalos & Herreros – há sempre uma noção de tempo presente nas suas palavras e teorias, pois eles próprios entendem que o acto mais simples de viver se faz sempre dentro do tempo. Na minha opinião, o tempo pode ser entendido em várias perspectivas. Este texto vai 074

abordar duas, o tempo da arquitectura e o tempo na arquitectura. É de reparar que da e na significam em si mesmo uma relação diferente entre tempo e arquitectura. Em primeiro lugar, o tempo da arquitectura refere-se ao tempo como referência para a prática da arquitectura. Isto é, o tempo entendido no sentido dos acontecimentos que lhe estão associados a cada uma das suas formas (seja o que já aconteceu e é passado, seja o que acontece no presente ou o que se espera que aconteça no futuro), e que de algum modo influenciam a prática da arquitectura.

075

Jean Prouvé foi ensinado desde pequeno que “todo o objecto devia ser um objecto de qualidade, toda a arquitectura devia ser de sua época” [Jean Prouvé, 2005, 11]. Segundo ele, a principal regra na escola de Nancy “era a seguinte: “O homem está na terra para criar.” Portanto, jamais copiar, jamais plagiar, sempre olhar para o futuro no que quer que fosse... Era uma regra absoluta. Achavam que só seria possível segui-la mediante a aquisição de uma bagagem cultural, de um conhecimento total do passado. Ao criar, é preciso conhecer o que foi feito. Uma época é uma época, a maneira de pensar de cada época é diferente.” [Jean Prouvé, 2005, 11] O equilíbrio e ponderação patentes nestes ensinamentos mostram claramente que nada é deitado fora. O tempo é sempre referência. O passado tem um conhecimento acumulado e testado vezes sem conta que, para o bem ou para o mal, não pode nem deve ser ignorado. É inútil perder tempo a tentar fazer algo novo se não se domina o que já foi feito no passado. É óbvio que o mais certo é gastar tempo e energias em buscas infrutíferas por algo que até já existe. Este tempo seria melhor gasto tentado evoluir os conhecimentos que já se tem. O próprio Prouvé diz ”Depois, eu saí de lá (escola de Nancy), evoluí. E evoluí porque eles me tinham ensinado que era preciso evoluir” [Jean Prouvé, 2005, 12]. E ensinaram-lhe que era preciso evoluir porque o presente não é estático, mas também porque, na minha opinião, temos a obrigação moral e social de dar o nosso melhor. Ora, se ele já tinha um conhecimento profundo do passado, tinha a obrigação de usar esse conhecimento e fazê-lo evoluir. Nesta linha de pensamento surgem Ábalos & Herreros. O seu posicionamento desde jovens como arquitectos pragmáticos levou-os a encarar a discussão entre modernismo e pós-

2E _ O Tempo da e na Arquitectura

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076

Este texto é apresentado como uma espécie de introdução à apresentação do projecto Casas AH no livro “Áreas de Impunidad” de Ábalos & Herreros, pág. 126. “Si queremos... es una ponencia presentada en los Debates Centrales del XXI Congreso de la Unión Internacional de Arquitectos en Barcelona (1996)” [Ábalos & Herreros, 1997, 126]

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2E _ O Tempo da e na Arquitectura


modernismo de um modo muito especial. O seu texto “Si queremos cambiar nuestra forma 076

de pensar y proyectar viviendas...” aborda esta problemática e esclarece de certo modo o seu posicionamento. Segundo eles, no texto referido, para mudar a nossa forma de pensar e projectar habitações deveríamos repensar a herança recebida – moderna e pós-moderna – como formas de entender a privacidade, cuja vigência é relativa porque também o são os sistemas ideológicos que as sustentavam, a sua concepção de espaço e tempo. Não lhes parece oportuno deixarse guiar cegamente pela moda nem muito menos desprezar a maravilhosa herança que nos deixaram ambos os períodos, mesmo que as suas ideologias nos resultem espessas. Talvez haja que repensar os seus tópicos com a distancia crítica de Mies ou do primeiro Venturi como um antídoto contra a simplicidade e um estímulo para a fantasia. Deste modo, enquanto o modernismo descartava o passado, generalizava o sujeito e aspirava com optimismo a um futuro tecnológico, o pós-modernismo invertia o tempo e valorizava os valores do passado, da memória, em busca da identidade de cada um. Na análise do texto percebe-se os defeitos de cada, nomeadamente na hora de projectar habitações, mas o que importa de facto para aqui é que Ábalos & Herreros propõe o mesmo que Prouvé como caminho para mudar, talvez até evoluir. Não se pode copiar o passado porque todos os condicionalismos que lhe deram sentido em determinada época já não existem e a realidade é diferente. Contudo, ao conhecer o passado é possível mudar a visão, adoptar um olhar crítico e perceber as suas falhas e não repeti-las. Este olhar crítica questiona, compara e usa o que se revela ainda útil, nem que seja do modo oposto, desde que faça sentido no presente. O tempo da arquitectura deve ser por todos estes motivos o presente, porque é nele que vivemos. O passado já não dá para alterar e o futuro é imprevisível, por isso o único tempo sobre o qual temos algum poder é de facto o presente. Mas a lição destes arquitectos é fundamental neste ponto. Só conhecendo bem o passado é que poderemos compreender totalmente o presente e talvez antecipar, sem nunca ter certeza, futuro. Assim poderemos propor projectos realmente adequados, evoluídos em relação ao passado mas com espaço para o futuro. A outra visão do tempo referida no início deste texto, o tempo na arquitectura, referese ao tempo como ferramenta para a prática da arquitectura. É ponto assente que qualquer edifício não tem apenas três dimensões, as coordenadas materiais que lhe permitem ter volume. Qualquer espaço humano tem sempre quatro dimensões, incluindo a dimensão tempo. Habitar pressupõe uso, e só se usa algo através de movimento. O movimento não é mais do que o tempo que um corpo leva a percorrer o espaço de um ponto para outro, qualquer que seja esse movimento. Prevendo e usando esse movimento, qualquer que seja ele, está-se a usar o tempo como ferramenta de projecto. Sobre esta noção de tempo/espaço=movimento como ferramente surge o contributo

2E _ O Tempo da e na Arquitectura

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077

Ábalos & Herreros dizem isto no seu texto “Una nueva naturalidad (7 micromanifiestos)” quando se referem ao “jardim latente”. “La fusión de natureza y artificio, la disolución de límites disciplinares entre arquitectura, arte, jardín y pensamiento, la organización de la experiencia como secuencias narrativas, la primacía de lo visual y el movimiento, también en lo inmaterial e invisible, la construcción de un espacio público y una arquitectura reflejo de las nuevas sensibilidades... Estos ingredientes conducen a un nuevo jardín que se ve o no se ve, pero sin él no hay nueva arquitectura sino, a lo sumo, variaciones.” [Ábalos & Herreros, 2G n22, 26]

078

Yona Friedman explica mais detalhadamente as suas ideias sobre o tempo e a arquitectura do universo na sua auto-entrevista no seu livro “Pro-Domo”, pág. 36-37.

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2E _ O Tempo da e na Arquitectura


de Cedric Price. Na minha opinião a sua visão da arquitectura como estímulo tem muito a ver com o tempo, pois esses estímulos são pensados em determinada altura, são executados e na hora de funcionar fazem-no sempre a dois tempos, acção e reacção, que se podem repetir ou não. Para além disto, Cedric Price levanta ainda uma questão que me parece muito pertinente principalmente hoje. Fala da questão da utilização da arquitectura móvel durante o seu movimento. Quando se fala em arquitectura móvel fala-se tanto nas mais diversas formas de habitação móveis, em exposições itinerantes e toda e qualquer acção humana que implique movimento e construção para funcionar. A pergunta é: o que é esta arquitectura móvel enquanto sai de uma localização e chega a outra. Este espaço de tempo entre a partida e a chegada, seja automóvel, marítimo ou aéreo é sempre um espaço-tempo em que aquele objecto é uma incógnita. Esta espécie de limbo em que ficam os objectos em movimento é uma questão pertinente porque é no geral uma questão não considerada. Este estímulo de Price para considerar o tempo como factor relevante demonstra um espaço/tempo ignorado mas com potencial 077

para possivelmente novas soluções. Como dizem Ábalos & Herreros, é a exploração destes novos campos até aqui desconhecidos e/ou ignorados que permite e permitirá fazer nova arquitectura que hoje podemos ainda não fazer a menor ideia do que ela pode vir a ser. Uma outra noção de tempo é a de Yona Friedman que usa o tempo como ferramenta essencial para a construção da sua cidade espacial. Esta sua ideia vem um pouco como analogia

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da arquitectura móvel, pois segundo Friedman o conceito de arquitectura móvel ajuda a perceber o seu conceito mais complicado de arquitectura do universo. Simplificando este conceito, arquitectura do universo é uma imagem que assenta na noção de espaço granulado (o espaço como um conjunto de componentes mais pequenos de tamanho finito), cujos grânulos são separados entre si por grânulos de tempo (um não espaço), o que tudo somado forma o espaço como um conjunto descontínuo. Segundo ele isto permite-nos imaginar o tempo como algo contínuo, imagem esta que dotaria o espaço/tempo de uma infra-estructura. Qualquer acontecimento nesta arquitectura funcionaria como uma espécie de onda que se propagaria no tempo, pois entre dois grânulos de espaço existe sempre um granulo de tempo, ou então ocorreria num tempo contínuo através dos grânulos de tempo. Transpondo esta imagem para a sua cidade espacial é fácil perceber que o tempo é usado como ferramenta no sentido em que a ocupação da cidade é feita por acontecimentos arbitrários, incontroláveis, que decorrem numa estrutura/infra-estrutura que dá liberdade a esses mesmos acontecimentos. Cheios e vazios são os grânulos variáveis da arquitectura do universo na cidade espacial. Esta noção profunda do tempo enquanto ferramenta de controlo ou liberdade para acção/reacção permite imaginar as referidas estruturas, o espaço projectado pelo arquitecto, para acolher a vida que decorre sempre num tempo contínuo. Associado a esta ideia de liberdade e ocupação no tempo surge a flexibilidade, um conceito amplamente discutido e materializado que não deixa de estar actual dada a nossa

2E _ O Tempo da e na Arquitectura

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079

As ideias sobre flexibilidade e o habitar, resumidamente expressas neste texto, tem por base a leitura de vรกrios textos da revista a+t n12 e n13.

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2E _ O Tempo da e na Arquitectura


contextualização num tempo incerto em constante mudança. O tempo sem dúvida que não pára e uma habitação, tal como uma cidade, tem que se ir adaptando para continuar a ser útil e utilizável. A flexibilidade é no fundo um conceito 079

bastante complexo pelas suas muitas ramificações e implicações seja nos objectos, no utilizador ou no próprio arquitecto e todas as possíveis relações entre eles. Contudo, é indubitável que o princípio básico da flexibilidade é a neutralidade. Um espaço exageradamente definido por mobiliário, aberturas, dimensões, relações com outros espaços, é um espaço condicionado, um espaço sem margem de progressão. Numa época em que a tecnologia faz cada vez mais parte do quotidiano, e em que ela própria evolui a uma velocidade impressionante, condicionar um espaço em relação a determinadas dimensões e/ou objectos e/ou pessoas, é dificultar a adaptação desse espaço, e consequentemente do seu utilizador, à realidade presente. Esta noção de presente/mudança/flexibilidade/adaptação, condiciona mas também potencia o desenho do espaço. Uma consciência clara desta situação ajuda o arquitecto a planear o seu edifício não mais como um objecto determinado e estático, a sua espécie de imagem de marca, mas como uma realidade em mudança, como um objecto com período de vida. Cedric Price referia-se a isto mesmo quando falava do seu Inter-Action Centre que foi feito para ser um espaço flexível durante um determinado período de tempo. Estender esse tempo seria forçar a sua duração/ utilidade levando-o eventualmente a falhar enquanto espaço útil. Atente-se aos exemplos modernistas em que habitações inteiras eram pensadas desde a estrutura à mais pequena peça de mobiliário e sua localização, devendo essa habitação funcionar exactamente conforme foi planeada. Não desmerecendo o seu valor, estas habitações são hoje mais úteis como o testemunho de um tempo, uma espécie de museu, do que como habitações efectivas na maioria dos casos. Quando não estamos a falar de obras de arquitectura de referência e excepção, mas sim de obras comuns de autor “anónimo”, esta situação torna-se grave porque ao final de 10 ou 20 anos não podemos ter todos os conjuntos habitacionais como museus. Das duas uma, ou os edifícios são demolidos para dar lugar a outros, ou então os seus habitantes, forçados por falta de condições económicas, são obrigados a viver em espaços já pouco adequados e úteis para as suas necessidades/sonhos/desejos, o pilar básico da felicidade humana.

2E _ O Tempo da e na Arquitectura

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080

Na realidade este edifício chama-se Maison du Peuple de Clichy e era inicialmente um edifício plurifuncional (mercado coberto, sede sindical, escritórios, sala de conferencias e cinema). Esta plurifuncionalidade exigiu um solução construtiva mais flexível que a construção portante tradicional. Pelo uso da estrutura independente da pele, e pela pele em elementos industriais pré-fabricados, este edifício foi inovador como solução construída mas também como processo construtivo (relação custo-tempo). Vista exterior do edifício em fotografia da época.

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Diagrama 15 _ questões levantadas por Jean Prouvé

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2F _ Estrutura e Pele


Como é que se caracterizam a estrutura e a pele da Caixa Mágica? Todos os edifícios tem estrutura e pele, independentemente dos materias e sistemas construtivos escolhidos. A diferença dos edifícios comuns para a Caixa Mágica está na relação entre a compartimentação interior e a estrutura e a pele. A Caixa Mágica não usa compartimentação fixa e pesada, por isso antes de ser ocupada é um esqueleto vazio limitado apenas pela pele, o revestimento exterior. Como é a pele de uma Caixa Mágica? A Caixa Mágica é uma casa pragmática, e como tal a sua pele, assim como a estrutura, são escolhidas de acordo com o que parecer ser mais adequado

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para aquela Caixa Mágica em particular, naquele contexto espacio-temporal específico em que ela se insere. Contudo, a pele deve procurar a neutralidade de modo a não se destacar em demasia na envolvente, não prejudicando o existente, mas também não assumindo compromissos demasiado fortes que irão limitar o seu prazo de vida. Como é que as infra-estruturas se encaixam? As infra-estruturas, produto dos avanços técnicos do presente devem estar em equilíbrio com o resto. Isto é, fazem parte do edifício base, mas deixam em aberto a possibilidade de serem alteradas sem que isso implique mudanças na estrutura e na pele, a base da Caixa Mágica.

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2F _ Estrutura e Pele Qualquer edifício tem sempre duas componentes básicas e essenciais à sua existência: uma estrutura e uma pele (revestimento). A associação entre estes elementos pode ser de (in) dependência ou ambos. Jean Prouvé, um artesão de formação que desenvolveu a sua carreira através da produção industrial na e para a arquitectura, foi um dos primeiros a libertar a pele da estrutura. “Gostaria de rectificar uma falsa interpretação que me persegue à anos. Volta e meia, escuto alguém dizer: “Prouvé inventou a parede-cortina.” Isso me deixa fulo: eu nunca pensei em inventar a parede-cortina. Eu havia imaginado, muito antes do mercado de Clichy, em 1934, 080

1935, uma nova maneira de fazer arquitectura, uma nova maneira de empregar os materiais. Num momento em que só se construía edifícios com paredes portantes, imaginei edifícios estruturados de outro modo. Eles teriam uma estrutura de metal ou de concreto armado – como um ser humano tem esqueleto -, à qual era preciso acrescentar o complemento lógico de um esqueleto: o invólucro. Portanto, a ideia era envolver a estrutura com uma fachada leve. A estrutura bastando-se a si mesma, seria inútil sobrecarregá-la com materiais que não tinham mais nenhum papel a desempenhar. Como nós fixamos a fachada às lajes de piso, comparamos aquilo com uma cortina, e chamamos de “parede-cortina”. Era complicado tecnicamente: esse invólucro tinha de ser isolante, suas qualidades físicas diferentes do que se fazia até então, era preciso criar dispositivos de regulação etc. ... É provável que a primeira vez em que se inventou uma arquitectura que comportava uma parede-cortina tenha sido em Clichy. Mas nunca me ocorreria dissociar a parede-cortina do conjunto arquitectónico ao qual ela pertence. Ao longo da minha vida como industrial, quando me traziam projectos dizendo: “Prouvé, e se a gente colocasse aqui um trecho de parede-cortina, você não acha que ficaria bom? – e isto aconteceu várias vezes – eu tremia por dentro, pensando: “Ou bem é uma parede-cortina e é útil, ou então é um elemento decorativo e não faz sentido algum.” É por esta razão que não gosto que digam que eu sou o inventor da parede-cortina, pois ao fazerem isso, está se dissociando essa fachada do conjunto construído. Ora trata-se de um todo.” [Jean Prouvé, 2005, 16] Com estas palavras Jean Prouvé levanta duas questões que, na minha opinião, são inte-

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ressantes e pertinentes para a reflexão sobre a estrutura e a pele. Em primeiro lugar, coloca-se sempre a questão da pertinência do uso da parede-cortina (ou pele independente da estrutura). Esta pode ser uma solução lógica de um todo coerente, ou uma solução decorativa. A metáfora de Prouvé sobre o corpo humano esclarece as dúvidas. Um esqueleto precisa de uma pele/invólucro para o proteger, mas precisará de excertos de pele quando já a tem? Sou da opinião que em edifícios novos, que estão a ser pensados de raiz, esta situação não se justifica. Optar por este tipo de solução é entrar no caminho do decorativismo, no seu sentido mais pejorativo, em que a mistura e soma de soluções motivada apenas

2F _ Estrutura e Pele

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082

A casa de vidro a que Jean Prouvé se refere nesta citação é a Maison de Verre, desenhada e construída em Paris entre 1928 e 1931 por Pierre Chareau com a colaboração de Bernard Bijvoet. Este edifício é o resultado da integração de uma clínica com uma habitação segundo a linguagem do estilo internacional. Vista da mezanine interior onde se observa a estrutura metálica e parte da fachada de vidro.

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A escolha da estrutura porticada em detrimento da portante é motivada sobretudo por questões económicas, pois só assim se justifica a sua adopção tão generalizada. Deve ficar certamente mais económico construir apenas pilares, vigas e lajes em betão e/ou aço do que usar paredes-portantes, pois não me parece que seja pelas vantagens de liberdade e flexibilidade espacial que esta estrutura permite que é feita a escolha. Basta reparar que em muitos casos continuam a construir-se edifícios comuns que eram igualmente possíveis e realizáveis com estruturas portantes, por isso há-de ser concerteza o factor económico a pesar.

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Casa Gordillo durante a construção e depois pronta a habitar.

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Imagem exterior das casas AH com várias soluções possíveis para imagem de acabamento do revestimento em PVF2.

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2F _ Estrutura e Pele


pelo gosto pessoal se tomam como válidas. Podemos sempre levantar a questão se não pode ser pertinente uma solução híbrida. Penso que mesmo uma solução híbrida só se justifica quando a opção faz parte da lógica do todo. Ábalos & Herreros falam e usam muito o hibridismo como ferramenta, mas esta é uma opção coerente com a sua teoria e com as restantes opções daí decorrentes nos seus projectos. No fundo é sempre uma questão de coerência no todo, devendo a solução final advir da ponderação cuidada de cada situação em particular. Em segundo lugar, a outra questão que as palavras de Prouvé colocam tem a ver com a técnica/desenho/construção de uma solução de pele. Ele fala em isolamento e dispositivos de regulação (iluminação, ventilação, aquecimento) mas hoje outras questões se podem acrescentar. Alguns exemplos são o uso de novos materiais (sintéticos e/ou naturais) e a aplicação de tecnologias/informática, e os problemas e as potencialidades de cada solução. A propósito destas questões técnicas Prouvé fala de um dos ícones da arquitectura moderna, as casas de vidro. 082

“A casa de vidro é excepcional. Chareau a assinou. Bijvoet também fez muito. Ele tinha um cliente incrível, o Dr. Dalsace. Tudo ali é extraordinário. A questão é que se trata de uma casa que não ousaríamos construir hoje em dia, porque ela não tem isolamento. É um sorvedouro de calor.” [Jean Prouvé, 2005, 86] Outras casas semelhantes foram construídas, como a Casa Farnsworth de Mies van Der Rohe ou a Casa de Vidro de Philip Johnson, mas os problemas persistem. Contudo, o uso da pele independente da estrutura não se resume ao vidro e ao aço. De facto, actualmente vê-se até frequentemente edifícios de habitação (e outros também), de arquitectura “anónima” (na maioria dos casos), com esqueletos de betão fechados depois por paredes de tijolo e revestimentos interiores e exteriores. Como havia dito, estrutura e pele sem ser necessariamente aço e vidro. Se no tempo a que Prouvé se referia era pertinente questio-

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nar entre o uso de estrutura portante ou estrutura porticada (esqueleto), hoje em dia, devido à adopção generalizada da estrutura porticada, a questão será talvez mais sobre a composição da pele e a sua relação (tempo-custo) com a estrutura. Estão novos materiais à disposição no mercado, a tecnologia tem novas relações com o todo e com as pessoas, as preocupações ambientais e sociais são outras e a pele serve de mediadora entre todos estes factores entre si e com o utilizador. Ábalos & Herreros são exemplo disso em várias das suas obras.

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Na casa Gordillo, por exemplo, é possível em fotos da construção perceber o esqueleto metálico vermelho e depois, comparando com fotos finais, perceber como o revestimento funciona como uma pele, tanto por fora como por dentro. Ou então no caso das Casas AH

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em que Ábalos & Herreros escolhem um novo material, o PVF2, que por ser um material modulável que permite levar acabamentos serigráficos, cria novas possibilidades para o utilizador. Algumas delas são as relações habitante – habitação – observadores. São novas relações

2F _ Estrutura e Pele

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Desenho de Yona Friedman com uma visualização possível da sua “cidade espacial”.

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Merzstrukturen de Yona Friedman realizada em Veneza em 2006.

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2F _ Estrutura e Pele


afectivas e/ou sociais que são postas em destaque, algo diferente do que acontecia no tempo de Prouvé. Se Prouvé via sentido em construir um esqueleto com pilares e vigas (por ser um homem da industria, e portanto um homem que relaciona por natureza custo com tempo e qualidade para poder sobreviver), em vez das estruturas portantes banais na época,Yona Friedman vê nesta “nova” relação um outro tipo de possibilidades. Yona Friedman fala de uma “cidade espacial”, uma imagem de cidade que é sem dúvida 086

uma extrapolação e um desenvolvimento deste sistema construtivo. A estrutura é a ferramenta da ordem e a pele o instrumento da liberdade do habitante e da flexibilidade da habitação. Friedman associou ainda a isto o papel das infra-estruturas como instrumento de ordem associado à estrutura. As infra-estruturas passam a ser mais que complementos de um modo de vida e de um espaço habitável segundo padrões socialmente aceites para um instrumento que, juntamente com a estrutura (por Friedman entender que ambos são essenciais à habitação, são o seu suporte), cria uma espécie de malha tridimensional apta a acolher toda e qualquer configuração pública e/ou privada. No seguimento da cidade espacial, Yona Friedman refere-se às Merzstrukturen. Este

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conceito vem da ligação da cidade espacial com os Merzbau de Kurt Schwitters. Isto surge porque Friedman considera que actualmente o homem social comum procura individualizar-se na cultura de massas. Assim, unificar as estruturas espaciais com o conceito de Merzbau (individualismo emocional extremo) é, nas suas palavras, a solução mais adequada. As Merzstrukturen são no fundo a proposta de cada individuo construir a sua casa com o que encontra (seja nas ruas, por ser “pobre”, ou nas lojas, por ser “rico”). Um outro ponto relativo à relação estrutura/pele coloca-se ao pragmatismo e à sua aplicação na casa pragmática. Em primeiro lugar, a casa pragmática vai também de encontro à individualidade do utilizador. Por outro lado, a procura da diminuição do sofrimento na construção e na utilização, associado a uma procura de soluções do presente, conduz facilmente para o uso de elementos industriais e/ou modulares e/ou de catálogos. A escolha de estruturas e fachadas leves revela-se por isso algo necessário e evidente. Para além disto, se um arquitecto pragmático procura construir para o presente, não pode ignorar a presença e a importância da tecnologia e da informação na vida quotidiana. Assim, a pele, interior e exterior, deve integrar estas necessidades, produto da cultura social material, que fazem da casa pragmática um superobjecto. Embora não havendo espaço/tempo para aprofundar este assunto e alguns autores mais relevantes para ele, não queria deixar de assinalar dois que relaciono tanto com este tema da relação entre estrutura e pele, mas também com o pragmatismo. São eles Toyo Ito e os SANAA (Sejima+Nishizawa). Das suas muitas obras vou referir apenas duas que considero que se associam de um modo mais simples e imediato com este tema.

2F _ Estrutura e Pele

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Mediateca de Sendai em maqueta conceptual e construída.

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Expansão do Instituto Valenciano de Artes Modernas. Maqueta de implantação, esquema de funcionamento da pele e foto do interior da maqueta do projecto.

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2F _ Estrutura e Pele


A Mediateca de Sendai de Toyo Ito apresenta um programa complexo que se distribui de uma forma aparentemente livre por uma estrutura dominante. Atente-se à maqueta e de088

senho do concurso para perceber como o espaço é pensado e desenhado, sendo a estrutura um meio para conseguir essa “liberdade” necessária, e a pele um meio de revestimento e um instrumento de estímulo. É, na minha opinião, um estímulo para atrair o utilizador mas também para o manter estimulado pelo que se passa no exterior e também noutras partes do interior. É um projecto complexo referido por Jean Prouvé como um edifício na lógica social do Centro George Pompidou de Renzo Piano e Richard Rogers. O projecto para a expansão do Instituto Valenciano de Artes Modernas (Valência, Espanha) dos SANAA, revela na minha opinião, algum do potencial do uso de estruturas e peles leves. A estrutura segura a pele e não limita o desenho/distribuição/uso do espaço interior. A

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pele assume o destaque por servir de intermediário nas relações interior/exterior e público/ museu. A transparência da pele mostra o museu ao público, mas simultaneamente protege os conteúdos. Para além disto, a pele integra mecanismos de protecção ao utilizador, nomeadamente protecção solar (abriga do sol forte e quente típico de Valência) e climatização (protege todo o interior dos ventos, mas permite a circulação constante de uma brisa que procura refrescar o suficiente). No fundo, esta pele proposta pelos SANAA é, na minha opinião, mais um exemplo da aplicação prática dos estímulos na arquitectura. A referência a estes dois projectos, apesar de não ter relação nenhuma com a habitação que tem sido o programa central abordado nesta prova, serve ela própria de estímulo pessoal e ao leitor não só para reflectir sobre este tema mas também para procurar saber mais sobre os autores referidos.

2F _ Estrutura e Pele

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dicionário imagem - representação de uma pessoa ou objecto; figura; estampa; retrato; reprodução; cópia; semelhança; metáfora; representação sensível tão intensa, que determina o comportamento do indivíduo. modelo - desenho ou imagem que representa o que se pretende reproduzir, desenhando, pintando ou esculpindo; tudo o que serve para ser imitado; norma; regra; exemplo.

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Uma auto-entrevista. O “eu” de Yona Friedman em introspecção. Desenho do próprio.

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Observação 3


Observação 3 _ Yona Friedman _ A Cidade Espacial A cidade espacial de Yona Friedman é decorrente do seu trabalho com a arquitectura móvel que pretendia no geral devolver ao habitante a capacidade de tomar decisões sobre o seu habitat e limitar a tarefa do arquitecto a facilitar e a ajudar nessas mesmas decisões. Estas ideias começaram durante o seu tempo de faculdade de arquitectura por volta de 1949 e evoluíram para o estudo da arquitectura do acaso a partir de 1959. Os seus estudos passaram pelo conceito de arquitectura do universo , que não era uma teoria científica mas uma imagem que não entrava em conflito com a ciência actual. Neste ponto surge um aspecto muito importante na sua obra que é a definição e o papel da imagem. Na sua auto-entrevista quando se interroga sobre o uso constante da palavra 090

imagem em vez de modelo, o próprio explica que são noções diferentes. No seu entender, modelo tem a ver com uma realidade concreta, enquanto que a imagem é a associação de ideias sem compromisso visual, real, final.

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Deste modo, quando Yona Friedman pede ao seu “eu” presente, mais velho, para dar uma imagem “realista” do seu trabalho, em que é que as suas ideias desembocam na realidade, ele fala da cidade espacial. Declara-se um realista confesso, um homem que trabalha para a realidade mesmo que o seu trabalho nunca tenha as condições necessárias para ser efectivamente realizado, e é nesse “realismo” que se define a cidade espacial. A cidade espacial é a imagem que ele criou e estudou para demonstrar a(s) possibilidade(s) de uma cidade em que os utilizadores tem a liberdade de configurar o(s) seu(s) espaço(s). Segundo esta imagem, existia uma estrutura e infra-estrutura que pela modelação e regularidade definia uma ordem, uma estrutura espacial (space frame), que poderia acolher infinitas possibilidades de ocupação da mesma. Deste modo ao falar-se do realismo da cidade espacial deve entender-se que teoria e realismo andam de mão dada. “Uma criação arquitectónica sem teoria por trás está condenada a ser um projecto medíocre. Um edifício sem base teórica é um edifício pobre”. [Yona Friedman, 2006, 42] A cidade espacial é mais que teoria, é uma imagem porque é visualizável. Neste sentido, por entender que isto permite que a cidade mágica não seja um projecto medíocre, Yona Friedman considera que a visualização da cidade mágica foi o seu trabalho mais importante. Como é que ele torna a sua teoria visualizável sem a transformar num modelo? Através de desenhos e maquetas como os que se podem ver nas ilustrações. Contudo a visualização da cidade espacial acarretou uma contrapartida muito significativa, como Friedman identificou na sua entrevista. A cidade espacial era a imagem de uma estrutura com possibilidades infinitas de ocupação dentro da ordem garantida pela sua estrutura e infra-estrutura. Um desenho e/ou uma maqueta não tem a possibilidade de mostrar essa infinidade contida na

Observação 3

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Maqueta de Yona Friedman representando um estudo da “cidade espacial”.

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Desenho de Yona Friedman representando um estudo da “cidade espacial”.

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Observação 3


teoria. Deste modo, o preço a pagar pela visualização era poder apenas congelar algumas imagens/perspectivas da cidade espacial, uma espécie de frame de película de cinema, que mostra apenas uma possibilidade e nunca a potencialidade da ideia. De início utilizava disposições volumétricas geometricamente regulares mas depois introduziu-lhes irregularidade através de espaços-cadeia e ganhou liberdade a estruturar o espaço. Estes espaço-cadeia eram fruto do acaso, como folhas enrugadas segundo Yona Friedman. Nesta fase a liberdade afectava unicamente a estrutura. A autêntica liberdade, a liberdade extrema, chega na fase seguinte quando se vai preencher a infra-estrutura. 092

Os seus desenhos e maquetas procuravam demonstrar que era absolutamente possível executar qualquer configuração de volumes e vazios dentro da infra-estrutura. Eles podiam ser o mais possível fruto do acaso, completamente arbitrários, que seriam sempre possíveis. Era este o seu “realismo” já falado anteriormente. A cidade espacial era pensada para poder ser completamente construída sem qualquer tipo de limitações espaciais e/ou construtivas. Para um observador desatento e/ou desinformado a cidade espacial pode parecer uma utopia, mas o facto é que nunca foi pensado para ser tal, era exactamente o oposto. Teorizar para a tornar real com sentido e significado. Que fazer quando tudo parece ser possível? Friedman começou a provocar, tornou visualizáveis configurações absurdas pelo simples facto que agora eram executáveis. Acabou por aborrecer-se e passou para propostas estéticas mais aéreas, esculturais e expressivas. Contudo ele deixa claro que tem consciência que fosse um dia a cidade espacial tornada real e não seria nada parecida com qualquer uma das suas muitas investigações estéticas mas sim das suas teorias sobre a arquitectura móvel e a autoplanificação. A cidade espacial parte do princípio que não existe o conceito de “Homem tipo ou médio”, mas sim o Homem real, único, singular, com conduta comportamental futura totalmente imprevisível. Assim, quando a teoria propõe como ponto fundamental que o futuro utilizador tenha total liberdade para ocupar os vazios da estrutura e da infra-estrutura, se a cidade fosse construída as únicas coisas previsíveis seriam a estrutura e a infra-estrutura. A verdadeira ocupação, os espaços habitáveis e seus interstícios, a imagem final da cidade, seriam totalmente imprevisíveis e em constante mutação. Consequentemente, Friedman diz que esta cidade não poderia nunca ter “fachada”. Por fachada entende a representação de um ponto de vista frontal com possível conotação bidi-

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mensional. A cidade espacial é um volume sem limites definidos, em constante mutação, motivo pelo qual o próprio autor só a conseguiu representar através de vistas aéreas e perspectivas genéricas. Pelas suas representações têm-se uma ideia do espaço urbano, do vazio e dos volumes habitados, nada mais. Este espaço urbano “é o negativo das configurações de volumes usadas” [Yona Friedman, 2006, 44], sejam elas quais forem. As relações concretas entre as partes vão além da representação imagética da teoria.

Observação 3

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Catálogos publicitários

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2G _ A Indústria e os Catálogos na Arquitectura


Sendo a Caixa Mágica um produto do presente, poderá dizer-se que é por isso um produto industrial. Sendo uma casa pragmática, a Caixa Mágica parte do princípio que nenhum dos envolvidos no processo construtivo, desde a concepção à construção, deva gastar mais energias do que as necessárias. Isto é, se já existem soluções no mercado, produzidas industrialmente concerteza (pois só assim tem preços competitivos que as tornam uma boa escolha), então é do interesse de todos que a Caixa Mágica seja o produto de uma associação mais ou menos complexa de produtos industriais. Isto faz dela um super-produto industrial.

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E poderá dizer-se que a Caixa Mágica é também uma casa catálogo? Pode ser uma casa catálogo mas também pode não ser, tudo depende de como o arquitecto quiser fornecer liberdade/flexibilidade ao cliente. Mas não seria vantajoso para o cliente se a Caixa Mágica fosse uma casa catálogo? A única vantagem seria simplificar-lhe a escolha. Fora isso qualquer catálogo tem limites e como tal limita o cliente à oferta disponível. Por outro lado, uma caixa vazia em que tudo é possivel aceite produtos de qualquer catálogo sem conflitos nem limitações. Deste modo, o cliente/utilizador tem toda a liberdade de mudar em qualquer momento.

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2G _ A Indústria e os Catálogos na Arquitectura “Una nueva sociedad que se organiza sobre la idea de opciones, que transforma la idea de consumo por aprovechamiento, que interactua mientras escoge, es una sociedad de catálogos: catálogos en constante preparación, interminablemente en construcción, de permanente reelaboración de los contenidos que delimita.”[Diccionario Metapolis de la Arquitectura Avanzada, 2001, 106]

Na sociedade global em que vivemos são imensas as opções disponíveis para tudo o que rodeia e define a nossa vida. Cada empresa tem os seus produtos e coloca-os disponíveis no mercado lado a lado com todos os produtos semelhantes de outras empresas. Consequentemente, somos “bombardeados” com publicidade aos mais variados produtos a toda a hora e momento. A publicidade procura incentivar-nos a escolher este e não aquele produto, e no meio de tanta oferta acabamos sempre por escolher algo. Os catálogos, reais ou digitais, são um dos muitos meios usados pela publicidade. Um 094

catálogo de qualquer tipo(s) de produto(s) é um conjunto de imagens e/ou amostras de objectos específicos, com as suas respectivas características e preço discriminados. Isto permite que o consumidor analise cada produto individualmente e também por comparação com outros produtos, facilitando a escolha final. Contudo, falar de catálogos só faz sentido na lógica dos produtos de origem industrial, pois a exacta repetição de cada um desses produtos garante que, por muito efémero que possa ser determinado catálogo, durante um determinado período de tempo haverá vários exemplares de um mesmo produto disponíveis para qualquer consumidor. Por isso, um qualquer catálogo tem sempre um período de “vida” correspondente ao período de produção dos produtos que exibe. Deste modo, os catálogos estão em constante actualização e/ou substituição, correspondendo a um ritmo de vida acelerado e fugaz, em concordância com o nosso presente. Por muito banal que isto possa parecer, de facto é importante compreender que catálogos e indústria existem em mútua dependência e são ambos distintos da lógica de produção artesanal. Os catálogos são um subproduto da economia industrial, um meio de venda e divulgação específico que só existe mediante a produção industrial de um dado bem, mas simultaneamente a industria necessita dos catálogos porque sem eles não consegue chegar com a mesma eficiência junto do consumidor e consequentemente ser rentável. No final tudo se resume à escolha do consumidor. E na Arquitectura? Também temos escolha(s)? Sou da opinião que, no que respeita à Arquitectura em geral e ao habitar em particular,

2G _ A Indústria e os Catálogos na Arquitectura

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Diagrama 16 _ casa catálogo vs. construção catálogo

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2G _ A Indústria e os Catálogos na Arquitectura


temos dois tipos de escolha: a casa catálogo e a construção catálogo. A diferença fundamental reside no número de catálogos usados geralmente: um na casa catálogo; vários na construção por catálogo. Quando se fala de casa catálogo fala-se de um produto concebido industrialmente como um todo. Pode ter mais ou menos opções de configuração, mas o consumidor adquire um objecto completo, pronto a usar. Por outro lado, a construção catálogo refere-se ao uso de catálogos diversos de materiais e/ou objectos de construção. Escolhem-se as peças de origens distintas com o objectivo de se construir um todo. É comum associar a ideia de casa catálogo à ideia de casa pré-fabricada. Consideremos então que pré-fabricação – fabricado/produzido antes – é sempre um acto específico e individual, e não um acto geral como muitos querem acreditar. Se atentarmos no próprio processo industrial de fabricação é fácil perceber que nas linhas de produção cada peça é feita individualmente. Posteriormente essas peças podem ser montadas numa linha de montagem industrial e depois vendidas como um todo – como acontece por exemplo com a maioria dos carros – ou então vendidas individualmente. Assim sendo, uma casa pré-fabricada não tem que ser necessariamente uma casa catálogo, mas pode ser o resultado de uma construção catálogo. 095

Na perspectiva da Caixa Mágica, a construção catálogo é porventura a mais adequada ao nosso presente. Em vez de um todo definido à partida e limitado para o futuro, a Caixa Mágica como construção catálogo cria espaço para as soluções pessoais e únicas com uma margem de mudança/flexibilidade/adaptação total no presente e no futuro. Actualmente a grande maioria das casas é o produto de construção catálogo, mas isto não faz delas Caixas Mágicas. Pela minha experiência durante o estágio apercebi-me que o uso de catálogos como auxiliar de projecto – caixilharias, sanitários, pavimentos, revestimentos, etc. – é algo absolutamente comum na prática da arquitectura. Todos os produtos que usamos fazem parte de um catálogo. É feita uma escolha, o construtor constrói e o utilizador usa. A questão que se coloca é porque é que as nossas casas comuns, construídas com peças de catálogos, não são Caixas Mágica? A resposta reside na escolha. Quem faz a escolha e qual foi a escolha, são pontos fundamentais na relação da Arquitectura com a indústria e os catálogos. A escolha pode ser feita pelo arquitecto e/ou construtor e/ou promotor e/ou cliente. O problema é a imagem sócio-económico-cultural que o utilizador comum associa às várias práticas arquitectónicas. Falo em particular da imagem negativa que a construção com elementos pré-fabricados tem junto do utilizador comum. É claro que já se referiu que a noção de pré-fabricação é mais ampla que a que é normalmente entendida, por isso mesmo esta imagem negativa refere-se não ao uso de peças individuais – como torneiras, banheiras, caixi-

2G _ A Indústria e os Catálogos na Arquitectura

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“Procedimientos que, por otra parte, en el caso de las viviendas de promoción pública permitirían una repercisión en el precio de la construcción, con una posible disminución del coste en torno al 10%, susceptible de permitir eventuales aumentos de las superfícies interiores o mejores calidades en los acabados. Posibilidades ensayadas en experiencias todavia demasiado embrionárias, más por cuestiones de inércia y desconfianza del mercado que de eficácia real.”[Manuel Gausa, 1998, 35]

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Exemplo da duração do processo construtivo quando se usam catálogos.

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2G _ A Indústria e os Catálogos na Arquitectura


lharias, etc. – mas sim ao uso de peças complexas montadas em fábrica e associadas no local de construção – como segmentos de parede já infra-estruturados e com as aberturas da fachada e todos os acabamentos concluídos. 096

O porquê das pessoas terem esta imagem negativa da construção pré-fabricada é simples. Deve-se fundamentalmente ao uso desta solução em construções de bairros sociais. A produção industrial é mais rápida que a produção artesanal, e se na hora da construção final houver menos peças para montar, e se essas mesmas peças já vierem prontas e não precisarem de nenhum tipo de trabalho específico sobre elas, então a construção faz-se muito

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mais rapidamente e consequentemente o custo final da obra é mais reduzido. É claro que quanto menos peças se usar, mais específica vai ser cada peça, o que no futuro limita a sua manipulação/mudança/adaptação. A casa perde flexibilidade. Voltando aos bairros industriais, a ideia de lhes aplicar este tipo de construção era baixar o seu custo final e com isso permitir que se construíssem mais habitações por menos dinheiro. Quando quem constrói não é sério e/ou não domina a produção/montagem de peças pré-fabricadas, o que acontece é que o produto final vai ser de fraca qualidade, com muitos problemas, originando rapidamente imagens de degradação aparente. Com tantas imagens destas à nossa volta um pouco por todas as cidades, é lógico que quem tem poder de compra, ou quem o aspira ter, não quer habitar em edifícios da natureza semelhante à acima descrita. É uma questão de preconceito que gera desconfiança e impede o desenvolvimento deste tipo de construção que poderia ser muito útil na diversificação e na qualificação do mercado imobiliário, e principalmente na redução do seu custo final tornando-o mais acessível a um maior número de utilizadores. Num presente que pede novas e mais soluções de habitação, aumentar e diversificar a oferta de catálogos em geral e produtos industriais em particular – não só no que respeita a peças singulares, mas principalmente no que respeita a peças complexas – pode incentivar o utilizador a procurar mais flexibilidade na habitação, facilitando simultaneamente a criação e manutenção dessa mesma flexibilidade.

2G _ A Indústria e os Catálogos na Arquitectura

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dicionário componentes - que compõe ou entra na composição de alguma coisa; constituinte. sistema - conjunto de princípios que formam um corpo de doutrina; forma de governo; modo; hábito; plano; conjunto de órgãos compostos pelos mesmos tecidos e com funções análogas; unidade das formas diversas do conhecimento sob uma só ideia.

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2H _ Sistema e Componentes


Todos os edifícios são constituídos por sistemas e componentes, sejam eles materais ou espaciais. Qual a novidade da Caixa Mágica neste campo? A Caixa Mágica propõe que se jogue com o sistema aberto de um modo pragmático. É certo que a flexibilidade na habitação é necessária, mas também não se deve incorrer em excessos. Que tipo de excessos? Excesso de energia gasta para descobrir uma solução de habitação com 100 variantes possiveis quando dessas o utilizador só necessitaria de 10 no máximo ao longo da sua vida. Excesso de detalhe que vai apenas condicionar o uso futuro da habitação. Poderia dar inúmeros exemplos.

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Então o que é que a Caixa Mágica propõe? O que a Caixa Mágica propõe é que a habitação presente seja o produto do equilíbrio entre flexibilidade e necessidade de forma a criar maior satisfação junto do utilizador. E como é que pode conseguir isso? Sendo pragmático, um arquitecto compreende as necessidades reais do utilizador, conhecido ou desconhecido. Se deixar uma margem de liberdade/ flexibilidade na sua proposta então garante que o utilizador possa agir sobre o sistema construtivo e o sistema espacial, e seus componentes. Para além disto, se o arquitecto se juntar ao industrial podem produzir componentes construtivos mais úteis.

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2H _ Sistema e Componentes 098

O que são sistemas e componentes? O entendimento comum define um sistema como um conjunto de unidades que (inter) agem entre si e/ou com outros sistemas. Estas unidades são as componentes, o que compõe algo. Contudo, estes termos podem ter as mais diversas associações dependendo do(s) tema(s) a que se referem. Na arquitectura em particular, sistema e componente têm múltiplas definições. “Todo edifício puede ser visto como un sistema de componentes, ordenados de acuerdo con ciertas reglas. Estos componentes pueden ser materiales, paredes, suelos, techos, etc. Alternativamente, un edificio puede considerarse como un sistema de espacios, es decir, un sistema en el que los espacios son los componentes, y las relaciones entre esos espacios están de acuerdo con ciertas reglas.” [John Habraken, 1979, 201] Considerar um edifício como um sistema de componentes é talvez a definição mais imediata. É o entendimento do edifício como um sistema, como um conjunto construído, e os componentes como os materiais/objectos que o constituem. A sistema e componentes frequentemente se associam casas catálogo ou a pré-fabricação, seja do todo ou de partes. Jean Prouvé, um homem da industria e da arquitectura tem uma relação particular com esta problemática. “Sempre fui contra o princípio da criação de componentes: não se pode fazer arquitectura com componentes que não são coerentes entre si, não se pode fazer arquitectura partindo de uma peça avulsa. Nunca funcionou.” [Jean Prouvé, 2005, 38] Por componentes Jean Prouvé entende as peças ou objectos de fabrico industrial postos ao dispor de quem constrói para serem combinados de modo a criar habitações. Jean Prouvé revolta-se contra o princípio do seu uso no sentido em que no seu tempo estava generalizada a prática incoerente, e por isso irresponsável, que usava estas componentes principalmente sob critérios economicistas e políticos. Critérios estes orientados para produzir o máximo possível de habitações pelo custo mínimo. O resultado era obviamente construções de fraca qualidade construtiva e estética. Assim, o problema da coerência não estava nos componentes, apesar da oferta ser menor que a actual, mas sim em quem trabalhava com esses componentes. Não se pode exigir que pessoas sem formação saibam ser coerentes na escolha de componentes e sistemas. Como no geral não dominam o assunto são mais facilmente influenciáveis por quaisquer outros, ficando por isso sujeitos à moralidade e responsabilidade dos mesmos. Por outro lado, os arquitectos e outros profissionais da construção (que mesmo sem os

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O Centre Scientific et Technique du Bâtiment (CSTB) é um organismo público francês de carácter industrial e comercial, criado em 1947. Está sobre a tutela do Ministério da Ecologia, do Desenvolvimento e do Ordenamento Duradouro, o qual está encarregado também do alojamento, da habitação e da construção. O Centro edita os documentos técnicos unificados.

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Diagrama 16 _ imprevisibilidade da habitação/habitante

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2H _ Sistema e Componentes


estudos podem ter o valor da experiência prática) tem o dever não só de ter essa coerência na escolha mas também de a transmitir, na medida do possível, para o cliente/utilizador. Os profissionais lidam com estas questões no que respeita ao desenvolvimento da construção e seus elementos, o que implica a necessidade de uma consciência crítica das (des)vantagens das componentes e suas associações. 099

“Houve os concursos do CSTB , concurso após concurso de componentes – eu mesmo participei. Não adiantou nada. Contudo, os arquitectos apostaram muito nesta ideia. Paul Chemetov, por exemplo, foi um dos seus defensores. Ele não gosta de falar do assunto porque percebeu que a coisa não funciona. Por sinal, Paul Delouvrier – que presidia a politica de componentes do Plano de Construção – admitiu recentemente que esse tinha sido o fracasso da sua vida. Só nos Estados Unidos é possível construir escolhendo elementos de construção por catálogo. É uma arquitectura abominável. (...) Minha proposta era diferente. Para mim, é sempre necessário propor um conjunto e não um pedaço. Isto para evitar que um industrial qualquer se diga: “Oba, vou fazer uma janela, vou me informar sobre as normas e determinar as dimensões da minha janela e depois vende-la para os arquitectos.” A minha ideia era que se devia propor coisas completas, do mesmo modo que um fabricante de geladeiras ou de automóveis fabrica um objecto completo. Todos os elementos que o constituem são, em princípio, coerentes entre si, se harmonizam, se ajustam. É daí que se deve partir para criação de variações.” [Jean Prouvé, 2005, 38] “La industria de la construcción no es ni será nunca una industria similar a la del automóvil, eso es evidente. Entre otras razones, por el hecho de que la vivienda es una función mucho más compleja en el tiempo que un automóvil. La indeterminación y la imprevisibilidad funcional asociada al hogar impiden pensar en cualquier idea de aplicación industrial en masa.” [Jaime Salazar, 1998, 104]

De facto, uma casa é sempre proposta como um todo, mas isso não a faz semelhante a um carro. Em primeiro lugar, um carro, ou qualquer objecto industrial da mesma natureza, é um objecto (re)produzido em quantidade. Em segundo lugar, um objecto industrial é uma criação limitada pela capacidade das máquinas que o constroem no momento, e limitadora pela tecnologia efémera que inclui. 100

Uma casa é sempre imprevisível. Mesmo que o arquitecto a desenhe para funcionar de determinado modo, no final a sua utilização vai depender única e exclusivamente da realização dos sonhos/desejos/necessidades de um determinado indivíduo. “Conocemos demasiado poço acerca de los estilos de vida de las generaciones futuras, o los impulsos que mueven a las personas a cambiar algo en su hogar. No existe respuesta definitiva a la cuestión de cuándo y porqué razón las viviendas son alteradas o reconstruídas.” [John Habraken, 1979, 21]

Deste modo, pensar/desenhar/construir uma casa como um sistema de componentes é

2H _ Sistema e Componentes

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Comparação entre a utilidade das componentes soltas com o sistema em funcionamento. Na casa como no sistema informático, o sistema operativo é essencial ao funcionamento dos componentes.

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2H _ Sistema e Componentes


muito mais vantajoso porque permite maior flexibilidade no uso/mudança, e consequentemente mais satisfação para o utilizador. Na realidade, isto não é uma novidade da “Caixa Mágica”. Na prática comum da arquitectura actual escolhemos este ou aquele modelo de janela ou sanitário feitos por industriais. Peças pensadas na sua funcionalidade singular, ou em conjuntos limitados, mas raramente pensadas na sua interacção real com outras peças igualmente necessárias. Contudo, não é nem pode ser esta a justificação para os maus exemplos de arquitectura que nos rodeiam. Actualmente existem tantas variantes para um mesmo tipo de peça – para uma sanita, por exemplo – que o resultado final da combinação de peças distintas – como a sanita com os revestimentos sanitários, por exemplo – depende apenas de quem escolhe. Para além disto, um edifício é um sistema de espaços em que os componentes não são materiais/objectos mas sim os espaços. Vamos considerar o exemplo de um sistema informático. Um sistema informático é sempre dois sistemas em simultâneo. Em primeiro lugar é um sistema físico, constituído por peças que lhe dão corpo e que permitem a sua existência. Em segundo lugar é um sistema operativo, um conjunto de operações imateriais possibilitadas pelas (inter)acção das capacidades de cada um dos seus componentes físicos. A utilidade de um sistema informático reside na existência do sistema operativo, sem o qual seria apenas um conjunto de peças. Contudo, a natureza das peças torna este sistema mais ou menos útil ao utilizador. Numa habitação acontece o mesmo. A utilidade da habitação para o habitante reside no sistema de espaços e não no sistema

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de componentes. O sistema de componentes, o conjunto mais ou menos regulamentado de materiais/objectos, apenas torna a habitação mais ou menos útil para o habitante. Aliás, como já foi referido anteriormente, a escolha dos componentes é de extrema importância porque no final vai ser esta escolha que vai determinar o prazo de vida útil de uma habitação. O sistema de espaços é um sistema de operações, relações e (inter)acções imateriais. Este “sistema operativo” tem as suas próprias regras e é nele e com ele que o ser humano habita. O facto de todo o sistema se constituir racionalmente como uma hierarquização de elementos – os componentes de um sistema são sistemas em si mesmos constituídos por outros componentes, e assim sucessivamente até ao elemento mais básico – torna-se particularmente relevante no caso do sistema de espaços. O sistema de espaços é um sistema de controlo, de exercício de domínio e poder sobre um determinado espaço. Isto é, os espaços relacionam-se entre si, sistemas e sub-sistemas, numa hierarquia que parte sempre do geral, do público, para o particular, o privado. Mesmo no

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Diagrama 18 _ hierarquia de controlo, do pĂşblico ao privado

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2H _ Sistema e Componentes


público e no privado os espaços não tem todos o mesmo carácter. Por exemplo, numa habitação, um espaço por natureza do domínio privado, existem 102

vários graus de privacidade dependendo do meio sócio-cultural dos seus ocupantes. Na nossa sociedade um quarto é um espaço mais privado que a cozinha, e esta é mais privada que a sala. Se no sistema de componentes o problema estava na escolha e na coordenação dos componentes na composição do sistema, no sistema de espaços o problema está no dimensionamento, caracterização e relacionamento dos espaços. Este sistema é programado pelo arquitecto mas o seu (in)sucesso depende única e exclusivamente do (des)uso do habitante. Se a arquitectura se definir como o conjunto de um sistema de componentes com um sistema de espaços, então este último será certamente o mais problemático tanto para quem programa, o arquitecto, como para quem usa, o habitante, porque o sistema de componentes, com mais ou menos variações, é sempre definido por peças concebidas por outros. Uma arquitectura define-se pela sincronia destes dois sistemas, mas para o utilizador comum, é através de dos sistemas de espaços que ele toma contacto com a arquitectura em geral, e com a habitação em particular. Este contacto é tanto mais satisfatório para esse utilizador, quanto mais o sistema de espaços possibilitar a sua realização como pessoa, isto é, a satisfação dos desejos/sonhos/necessidades do utilizador. Se ambos os sistemas existem hoje na habitação comum, qual é a novidade da Caixa Mágica? A Caixa Mágica é um sistema mais avançado. “Sin embargo es posible imaginar una empresa que, a partir de tecnologias comunes, reaccione localmente a las necessidades de cada habitante y cada hogar.Volvemos sobre la idea de la interactividad creciente por parte del perceptor o del usuário, esta vez en el campo de la industria de la construción. ‹‹Para evitar la tirania de los componentes sobre el todo, es posible imaginar un sistema de construcción, tecnicamente mucho más avanzado, en el que lo que es estándar son las operaciones, pêro el tamaño y la forma reales de lo que se hace puede variar según el deseo y las necessidades de los usuários individuales.›› Christopher Alexander” [Jaime Salazar, 1998, 105] É um sistema mais avançado porque é um sistema aberto. “La sustituición, en el proyecto contemporáneo, de la idea cerrada de composición (definición exacta y diseñada de las partes) por la de “sistema” (mecanismo “abierto” o ideograma vector susceptible de propiciar múltiples combinaciones y manifestaciones formales diversas) constituye, de hecho, uno de los mayores exponentes del cambio de paradigmas que caracteriza hoy la disciplina.” [Manuel Gausa, 1998, 11]

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Diagrama 19 _ Caixa Mรกgica como sistema aberto

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2H _ Sistema e Componentes


Um sistema aberto é um sistema que permite mudanças, no caso da Caixa Mágica não só ao nível dos componentes mas também nos espaços. Na Caixa Mágica poderíamos por exemplo substituir uma parede e/ou mudá-la de sítio, alterando assim simultaneamente o sistema de componentes e o sistema de espaços. Este tipo de soluções baseadas em sistemas mais ou menos abertos parecem ser ilimitadas, e este é o seu maior problema. Se por um lado é extremamente vantajoso para o utilizador poder alterar totalmente a sua habitação, por outro lado, conceber uma habitação com possibilidades praticamente ilimitadas representa um excesso. Em primeiro lugar é um excesso de energia. De que vale a um arquitecto demorar duas ou três vez mais tempo a conceber uma habitação de modo o utilizador poder viver praticamente de qualquer maneira, quando é humanamente impossível ao utilizador experimentar todas as soluções possíveis. Em segundo lugar é um excesso de custo. Tempo é dinheiro, e quanto mais tempo se demora a conceber mais elevado vai ser o preço final da habitação. Para além disto, mudar componentes representa sempre um custo extra que nem todos os utilizadores tem a possibilidade de suportar, logo várias soluções vão ser postas de parte. 103

A Caixa Mágica propõe que se jogue com o sistema aberto de um modo pragmático. É certo que a flexibilidade na habitação é necessária, mas também não se deve incorrer em excessos, como os descritos acima. O que a Caixa Mágica propõe é que a habitação presente seja o produto do equilíbrio entre flexibilidade e necessidade de forma a criar maior satisfação junto do utilizador.

2H _ Sistema e Componentes

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O projecto Casa Barcelona é uma mostra/debate paralelo à feira Construmat realizada anualmente em Barcelona. O primeiro projecto Casa Barcelona realizou-se em 2001 pela iniciativa de Ignasio Paricio (arquitecto e mentor deste projecto) e Josep Blanchart (Presidente da construmat Barcelona 2001). Esta observação refere-se a este primeiro projecto.

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dicionário perfectível - que pode aperfeiçoar-se; capaz de aperfeiçoamento.

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“la ventana perfectible” – a janela perfectível

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Observação 4


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Observação 4 _ Projecto Casa Barcelona “(...) una idea compartida con ilusión y convertida en un proyecto: el proyecto Casa Barcelona. (...) Primero fuel a reflexión que en un momento determinado le planteé al arquitecto Ignacio Paricio, basada en mi impresión de que no se estaban proyectando ni construyendo las viviendas que las personas de hoy necesitaban, y la sugerencia – un tanto utópica – de publicar algo sobre el tema. Después, cuando me comentó que la reflexión que yo me hacía y le transmitia no era nueva, porque entre otros Le Corbusier y ala habís planteado en los años veinte, surgió la necesidad de hacer algo. Porque lo que no se había hecho era poner a trabajar a unas empresas y a unos proyectistas en una idea de este tipoy avanzar en este terreno, sin un objectivo preciso, obligado, programado, sino con la única ilusión como meta de comenzar un viaje hacia el futuro.(...) Ambos estábamos de acuerdo enq ue había que pasar del mundo de las ideas al mundo de los productos. Aunque también éramos absolutamente conscientes de que éste era un primer paso, una primera aproximación y nada más. Pêro, sobre todo, debería ser una plataforma para seguir investigando, en los procesos y en los productos.”[Josep Blanchart, Proyecto Casa Barcelona, 2003, 6-7]

Partindo do (re)conhecimento que as casas actuais são na sua maioria desadequadas ao presente e seus utilizadores, o projecto Casa Barcelona procura lançar um caminho prático. Este caminho, que tem por base a muita teoria existente sobre a flexibilidade e as necessidades de mudança, procura ser um primeiro passo na transição da teoria para uma nova prática generalizada. Não é “o” caminho, mas sim “um” caminho, uma hipótese. O objectivo deste projecto é juntar empresas e arquitectos de modo a reinventar produtos essenciais à habitação/habitar/habitante. “(...) nos decidimos por cinco campos que, como nos hizo ver Luis Fernández-Galiano, cubrían los três planos de la vivienda y los dos elementos primigenios presentes en ella, el fuego y el agua. Los cinco campos son: la fachada, el tabique, el suelo, la cocina y el baño.” [Ignasio Paricio, Proyecto Casa Barcelona, 2003, 32-33]

Em seguida apresentam-se resumidamente os produtos e seus criadores. 105 106

“la ventana perfectible” – a janela perfectível Realizada pela colaboração entre Ben van Berkel dos UN Studio e aTechnal. Esta janela é composto por perfis metálicos modulares que se podem encaixar sucessivamente até ocupar a totalidade do vão. Estes perfis permitem várias fixações de vários elementos, sejam vidros, cortinas, estores, mosquiteiros, etc. Por serem modulares não tem uma ordem específica, permitindo assim que o utilizador possa escolher a sua própria ordem

Observação 4

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“el tabique móvil” – o tabique móvel

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dicionário registável - que se pode registar; digno de registo.

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“el pavimento registrable” – o pavimento registável

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Observação 4


de camadas que fazem a transição interior/exterior. Para além disto este sistema permite ainda esconder aparelhos de ar condicionado dentro do vão da janela, o que elimina aquela imagem comum destes aparelhos dependurados nas fachadas dos edifícios sem lugar específico, como um excesso que não faz parte do conjunto. Este sistema possibilita ainda a utilização de capas mais ou menos coloridas e semitransparentes que criam ambientes interiores personalizados de acordo com os gostos do utilizador. Estas capas podem ser mudadas em qualquer altura permitindo num expoente máximo que o utilizador mude de capa consoante o seu estado psicológico momentâneo. “el tabique móvil” – o tabique móvel

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Toyo Ito propôs individualmente um produto económico de construção seca, facilmente manipulável, desmontável e transportável. Como nas janelas, também estas paredes são constituídas por elementos leves modulares que se baseiam num sistema de estrutura leve revestido a várias camadas.Toyo Ito joga com a espessuras dos perfis estruturantes de modo a potenciar variações de uso. No que respeita à manipulação das peças, estes perfis assemelham-se aos brinquedos infantis LEGO, possibilitando construções verticais ou horizontais, mais ou menos profundas, que na sua neutralidade podem acolher vários usos, seja como separação de zonas ou até como mobiliário. É interessante constatar que a facilidade de manipular este sistema de tabiques de alumínio se concretiza em alterações do espaço habitacional numa questão de horas. 108

“el pavimento registrable” – o pavimento registável

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Concebido por Lluís Clotet e Ignacio Paricio com a empresa Simón – CimaBox, este pavimento não é mais que uma caixa de ar, um pavimento técnico vazio a toda a extensão da casa. Mais uma vez existe uma estrutura metálica modular que lhe serve de suporte, permitindo a acoplagem de equipamentos eléctricos, como por exemplo as tomadas, mas também permitindo a disposição livre de todo o tipo de cabos e canos por debaixo do pavimento. Como estes cabos passam livremente por entre os perfis estruturais, eles podem ser mudados de localização em qualquer altura sem ser preciso fazer obras complicadas na casa. Como os pavimentos estão apenas pousados sobre a estrutura, um canalizador ou um electricista pode simplesmente levantá-los sem dificuldade, alterar o percurso de qualquer cabo/cano/tomada e voltar a pousar o pavimento sem o auxílio de qualquer outro profissional da construção e em pouco tempo. O pavimento, independentemente do material escolhido, é desenhado numa malha modular fixa com alternativas para o acesso a tomadas e junções especiais de cabos/canos, o que significa que uma casa de banho já não está presa a nenhuma localização específica na casa

Observação 4

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“la cocina modular” – a cozinha modular

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“los sanitarios-mueble” – os sanitários-móvel

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Observação 4


devido às infra-estruturas que necessita para um funcionamento total e eficaz. 110

“la cocina modular” – a cozinha modular Desenvolvida por uma parceria entre Dominique Perrault e a Fagor, esta cozinha tira partido das possibilidades do pavimento registável e ganha liberdade para se localizar na habitação. É uma cozinha constituída por elementos móveis, modulares que permitem agrupar vários elementos em blocos, como se fosse uma boneca russa. Esta cozinha inclui todos os electrodomésticos usados regularmente nas habitações comuns e ainda espaços de armazenagem e de preparação e consumo dos alimentos. É uma cozinha completa que pode ocupar mais ou menos espaço conforme este último esteja ou não disponível. Na minha opinião o seu defeito está em utilizar electrodomésticos específicos, feitos à medida e imagem dos móveis. A tecnologia desactualiza e estraga-se, e esta cozinha acaba por perder a sua imagem e até talvez alguma da sua utilidade consoante perde essa mesma tecnologia.

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“los sanitarios-mueble” – os sanitários-móvel Levando ao limite as possibilidades criadas pelos pavimentos registáveis, David Chipperfield e a Ideal Standard criaram um conjunto de peças sanitárias que não estão fixas nem ao chão nem a nenhuma parede. São móveis que pousam sobre o chão, podendo ser movidos de acordo com a vontade/necessidade do utilizador, pois os canos que lhes fornecem a água quente e fria e que permitem a evacuação das águas sujas não estão fixos a nada, podendo “despontar” do chão onde o utilizador quiser que a sua instalação sanitária esteja. No fundo, nenhum destes produtos é verdadeiramente inovador, pois todos usam tecnologia e materiais presentes nos produtos banais que nos rodeiam e que usamos regularmente. A novidade está na reinvenção destes objectos comuns com materiais e tecnologias comuns, potenciando novos usos. Se pudéssemos aplicar estes cinco produtos numa habitação certamente seria uma habitação extremamente flexível, uma habitação personalizada e personalizável à imagem do utilizador e dos seus sonhos/desejos e necessidades. Seria uma Caixa Mágica.

Observação 4

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Axonometria da Maison Prouvé.

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Corte pela sala, onde se percebe que a assemblagem de sobras da fábrica não foi feita ao acaso. A cobertura com inclinação única, deixando mais altura para o lado do armário, revela as preocupações funcionais paralelas à satisfação da necessidade/sonho/desejo de construir a própria casa.

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Observação 5


Observação 5 _ Jean Prouvé _ Maison Prouvé “Minha casa em Nancy é algo muito particular, realizada com elementos aproveitados das minhas oficinas. Eu a construí eu mesmo, em 1953, 54, com minha mulher e meus filhos, na ocasião em que deixei a minha fábrica de Maxéville. Já há vinte anos agora, e lá está ela, intacta. É leve, mas bem isolada. Já tínhamos na época a preocupação com o isolamento, com os cortes térmicos, estas coisas todas de que se fala muito hoje. Era uma espécie de demonstração, eu associei a madeira ao metal, e propus uma estrutura de casa muito particular. É um bricabraque, feita com partes das mais variadas proveniências. É por isso que tem um aspecto heterogéneo. Isso não tem importância. Ela é um pouco bricolagem, mas todos os elementos se encaixam sem problema.” [Jean Prouvé, 2005, 49] Há aqui alguma ambiguidade, na minha opinião. Em textos anteriores Jean Prouvé fala em casas propostas com elementos que formem um todo e depois, na sua própria casa, pega numa amálgama de peças e faz a composição livre como uma demonstração. Inverte o princípio da casa industrial, da dita casa catálogo. O todo não surge a priori com o catálogo, mas sim depois das peças de origens diferentes já existirem, como na construção por catálogo. A composição, a unidade que ele dizia ser essencial acabou por surgir fora de tempo, fruto das peças que tinha disponível, da experiência acumulada ao longo de muitos anos, e das necessidades, sonhos e desejos que antevia para si e para a sua família. 112

Prouvé diz que a casa é um pouco bricolage, e basta olhar para a axonometria para constatar isso de imediato. Peças distintas estão presentes e são claras tanto no interior como no exterior. O próprio diz não se importar com o consequente aspecto heterogéneo, o que vem comprovar que na realidade o utilizador só tem um interesse na casa. Esse interesse é que ela cumpra o máximo possível os seus sonhos/desejos/necessidades, e as noções dos arqui-

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tectos de estética e funcionalismo, entre outras, só tem interesse para eles quando ajudam a cumprir os seus objectivos pessoais. Mas existem coisas que me agradam nesta casa industrial. Sabemos pelas suas palavras que as peças vieram primeiro e a concepção do conjunto veio depois. Se não soubéssemos, penso que não dávamos conta. O conjunto é simples, não procura ser mais do que é. Assume a heterogeneidade dos seus componentes, joga com eles. É uma arquitectura verdadeira. Não engana, não tenta iludir. Na minha opinião, procura apenas materializar o que esta família pretendia como casa. Tem as divisões que acharam necessário – ou que puderam construir – e organiza o interior tirando partido dessa mesma diversidade das peças. Nada parece feito ao acaso. Tudo foi pensado. O espaço é simples. Como Prouvé sempre disse, se faz sentido mantém-se, se é acessório ou meramente decorativo então não é necessário . Parto do princípio que o que está é o que é necessário.

Observação 5

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Planta da Maison Prouvé onde se observa o armário que percorre todo o comprimento da casa.

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Foto de Jean Prouvé sentado na sala de sua casa rodeado por protótipos de mobiliário idealizados por ele ao longo da sua vida.

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Observação 5


Das muitas coisas que poderia dizer sobre esta casa existem apenas duas considerações que acho fundamentais para mim e que não quero deixar de referir. Em primeiro, impressiona-me o armário que percorre toda a parede de fundo da casa.

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É um móvel claramente polivalente, vê-se nas imagens que tem zonas variáveis, e pela modulação tão clara, e pelos componentes que usa, parece que podia ser adaptado sempre que necessário sem que a casa perdesse a sua identidade. A modulação e a flexibilidade latente impressionam-me. Finalmente, o à vontade de Prouvé na foto de sua casa dá a sensação de um grande

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conforto, numa satisfação de viver um espaço feito à sua medida. É como um casaco que vestimos e que nos é tanto mais agradável quanto mais à medida ele fica. Vê-se ainda na foto vários protótipos de mobiliário que ele concebeu ao longo da sua longa carreira. Vê-se a diversidade de peças industriais que compõe a casa. E nada parece fora de sítio... como toda a casa devia ser.

Observação 5

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3 Experimentação da “Caixa Mágica”

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CapĂ­tulo 3


3A _ Notas introdutórias

Este capítulo apresenta dois casos de experimentação pessoal da Caixa Mágica. O primeiro caso foi realizado um ano antes do início desta prova, inserido na participação individual do concurso internacional para estudantes e profissionais “Living Box”. O segundo caso foi realizado no início desta prova, inserido na participação em conjunto com a também estudante da FAUP Joana Dias de Magalhães no 17º concurso Pladur. Ambos os casos são totalmente independentes da prova final. Contudo, não deixam de ser um reflexo natural da minha relação activa com a Caixa Mágica. Isto é, a Caixa Mágica surge no 3ºano, como já foi referido anteriormente, e desde então procuro testá-la constantemente através de projectos que possam de algum modo simular uma possível materialização da ideia. Para além disto, em ambos os casos testam-se muitas das ideias associadas até ao momento à Caixa Mágica. Por estes motivos faz todo o sentido apresentar aqui estes dois casos. Como nenhum dos casos foi desenvolvido no âmbito dos estudos desta prova, apresentar os projectos em detalhe seria desnecessário. A sua breve exposição serve apenas de relato destas experimentações, do que se procurou fazer, e das conclusões que se tiraram. O objectivo é perceber como a Caixa Mágica pode ter materializações distintas, mais ou menos completas e continuar a ser Caixa Mágica. Serve o presente exercício para compreender e demonstrar na prática como a contingência do presente afecta a concepção de projectos de arquitectura decorrentes da ideia de Caixa Mágica. Porque não apresentar projectos de arquitectos (re)conhecidos? Seriam certamente de melhor qualidade arquitectónica e teriam um valor associado mais seguro, talvez até menos dúbio. Contudo, estariam fora do meu percurso pessoal. Não teriam o valor do processo teste/erro com o qual se aprende e se corrige, e com o qual a Caixa Mágica evolui.

Capítulo 3

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Este e outros termos estão em inglês visto que este projecto é a participação no concurso internacional para estudantes e profissionais Living Box (2005). Este concurso, apesar de se realizar em Itália, exigia que os participantes apresentassem todos os textos e legendas em inglês. Este texto é baseado na memória descritiva do projecto entregue a concurso.

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Pandora’s Box - painél 1 _ apresentação do projecto

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Pandora’s Box - painél 2 _ catálogo de revestimentos interiores e exteriores

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Pandora’s Box - painél 3 _ FlexiUnit

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3A _ Caso 1


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3B _ Caso 1 _ Gil Silva _ Pandora’s Box

Pandora’s Box é um conceito muito simples baseado nas relações entre o Homem e os objectos. Curiosidade, inveja, alegria ou tristeza são apenas alguns sentimentos que os objectos e a sua posse podem despertar no Homem. O conceito e o nome deste projecto são inspirados no mito grego de Pandora, a mulher que não devia ter cedido à sua curiosidade e não devia ter aberto a caixa criada e entregue pelos deuses. A própria caixa deixou-a curiosa, mas o que a deixou mais curiosa foi o facto de ela pertencer a outros, os deuses, e ela desconhecer o seu conteúdo. Ela ficou tão curiosa que não resistiu a abri-la. Neste projecto a caixa é apenas um espaço contínuo simples, coberto por camadas de

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materiais, as “peles”, que permitem que qualquer utilizador transforme a caixa no seu próprio espaço. No exterior existe a possibilidade de imprimir imagens sobre o revestimento final, um pouco à imagem das Casas AH de Ábalos & Herreros. No interior as possibilidades de transformação ocorrem sob a forma de módulos fixos feitos de um material escolhido pelo utilizador num catálogo. Estas duas possibilidades/características permitem que um utilizador possa configurar totalmente o seu espaço, fazendo reconhecível em qualquer lugar em qualquer altura. A qualidade dos materiais e das impressões dependem apenas da quantia de dinheiro que o cliente esteja disposto a gastar, tal como num automóvel. Num automóvel a mesma estrutura permite os mais diversos motores, revestimentos e pinturas, personalizando-o à medida do cliente mas mantendo a imagem original. Na Pandora’s Box acontece o mesmo. De modo a tornar a caixa ainda mais pessoal e flexível, proponho uma peça de mobili-

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ário - a FlexiUnit. Esta unidade flexível tem a particularidade de rodar os seus painéis de modo a transformar o espaço habitável da caixa na função necessária em determinado momento. Isto quer dizer que através da FlexiUnit o mesmo espaço interior pode ser uma cozinha, um quarto ou um WC se alguns painéis forem abertos e outros fechados. Existe ainda a possibilidade de usar duas ou mais funções em simultâneo, como cozinhar na cozinha e usar o WC para lavar as mãos, e depois ir para a zona do quarto e usar o sofá enquanto se espera que a refeição fique pronta. Para aumentar a flexibilidade é dada a possibilidade de escolha de qualquer objecto para compor as funções desta unidade, desde que caibam dentro dela, podendo ainda as funções serem organizadas segundo a sequência que o utilizador preferir. Isto permite que com o passar do tempo a FlexiUnit possa ser actualizada com os objectos/aparelhos mais recentes/ úteis/atractivos no mercado. Um suporte para a tecnologia, uma ferramenta para organizar/ usar o espaço, e um método para evitar a tradicional obsolência da generalidade dos objectos tecnológicos. A Box pode ser vivida por uma ou por duas pessoas a tempo inteiro (ou mais, tem-

3A _ Caso 1

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Pandora’s Box - painél 4 _ habitar com 1 ou 2 unidades

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Pandora’s Box - painél 5 _ ISO 20’ a casa em qualquer lugar

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3A _ Caso 1


porariamente ou a tempo inteiro, se o seu proprietário assim o desejar). Basta que se juntem 120

duas caixas e se ajuste a FlexiUnit para permitir a passagem entre as caixas, podendo ainda ser agrupadas em conjuntos ou blocos habitacionais. A mobilidade e a flexibilidade nunca é afectada por nenhuma das configurações pois a

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estrutura de cada contentor mantém-se ISO 20’. Esta medida possibilita que a Pandora’s Box possa ser transportada por qualquer camião, barco ou avião de mercadorias (visto esta ser uma medida padrão para o transporte internacional). A Pandora’s Box é um objecto completamente personalizável assente na ideia de um espaço interior flexível e confortável. Para além disto tem uma componente social. É um objecto de tal modo pessoal, à imagem do seu proprietário/utilizador, que desperta e estimula a curiosidade das pessoas no exterior, consequentemente estimulando também a sociabilidade do seu proprietário/utilizador com essas mesmas pessoas. Este projecto é uma caixa, uma casa para o presente e um objecto para o futuro. Vendido como um carro, está pensado e desenhado para ser vivido como um lar.

3A _ Caso 1

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Retirado da minha participação em conjunto com a também estudante Joana Dias de Magalhães no 17º Concurso Ibérico Pladur 2007, com o tema “Protótipo de Vivienda Sustentável Pladur”, onde ganhamos na FAUP uma das duas Menções Honrosas.

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Localização e implantação.

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Configurações espaciais exigidas no concurso (Proposta A, B e C), e outras possíveis.

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3B _ Caso 2


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3C _ Caso 2 _ Gil Silva+Joana Magalhães _ Tn, casa de um casa de todos

“Proposta tipo para um cliente indeterminado, adaptável à individualidade de cada um. A extrema flexibilidade da habitação permite aos habitantes mudarem a configuração das divisões em minutos, podendo ir de 0 a 4 quartos. É a materialização de um conceito de flexibilidade sustentável e a sua adaptação a um contexto real.”[Gil Silva+Joana Magalhães]

Localizada na antiga propriedade da Secil junto ao Rio Douro, uma zona descaracterizada da cidade Porto, entre a Foz e a Baixa, longe dos circuitos de comércio da cidade, esta proposta procura através de uma pequena urbanização privada assente em princípios de flexibilidade e sustentabilidade: requalificar o espaço deixado pela Secil; preservar as qualidades naturais da zona; e, principalmente, criar uma nova imagem que possa servir de motor de revitalização desta área da cidade. 123

A proposta assenta sobre um piso térreo contínuo, híbrido, que mistura um pequeno pulmão verde com circulação pedonal e automóvel, estacionamento e zonas de recreio e lazer. Com isto cria-se uma base indeterminada que potencia a sua flexibilidade presente e mas também possíveis usos futuros, ainda desconhecidos. No fundo, este piso térreo é um espaço único e amplo que lhe permite desempenhar as funções referidas, mas tambem quaisquer outras funções que os seus utilizadores desejem. No que respeita às habitações própriamente ditas, elas funcionam com 4 frentes, optimizando o aproveitamento da área de fachada. Deste modo todos os espaços têm contacto directo com o exterior. A organização base é muito simples. Cozinha e casas de banho ficam no lado norte da habitação, optimizando as infra-estructuras e os recursos energéticos, e o resto é um espaço único e à partida indeterminado. 124

Assim, estas habitações permitem um elevado número de possibilidades de configuração espacial. A não utilização de espaços exclusivos de circulação cria um espaço totalmente útil, o que, auxiliado por um sistema simples de planos-porta/parede rotativos em Pladur, permite uma mudança radical do espaço habitável em poucos minutos pelas mãos do habitante e sem o auxílio de mão-de-obra especializada e/ou ferramentas. Através deste dispositivo simples o habitante pode passar de 0 até 4 quartos em minutos, sem o auxílio de qualquer ferramenta e/ou mão-de-obra especializada. É como abrir e fechar uma porta. A flexibilidade deste sistema permite a sua mudança e adaptação, rápida e eficaz, a qual-

3B _ Caso 2

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Sustentabilidade - vegetação, águas, aquecimento e ventilação.

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Desenhos e pormenores construtivos.

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3B _ Caso 2


quer utilizador. Simultaneamente confere à habitação um prazo de vida limitado apenas pela duração dos materiais que a constituem e/ou pela duração da vida do seu habitante. 125

A sustentabilidade destas habitações define-se em 4 pontos: vegetação; águas; aquecimento; e ventilação. A vegetação melhora não só a qualidade do ar mas também reduz o impacto sonoro do rio/mar e circulação automóvel entre o muro de betão e as casas, o que criaria um ruído constante e incomodativo. As águas das chuvas e da humidade do ar são conduzidas da cobertura a depósitos, a partir de onde, após serem filtradas, podem ser reconduzidas para usos domésticos. Estes depósitos são convenientemente colocados próximo do uso, não prejudicando a flexibilidade do conjunto. O aquecimento é feito através de um sistema solar termodinâmico, aproveitando energia não só do sol, mas também das correntes de ar e das diferenças de temperatura, para aquecer de um modo inteligente e rentável não só a água, mas também o ar através de um pavimento radiante contínuo. Esta solução, auxiliada por um eficaz isolamento térmico, reduz as perdas energéticas e com isso os gastos do habitante. A ventilação é feita a dois tempos. Existe uma ventilação vertical contínua exterior na fachada por detrás das portadas, e existe ventilação horizontal interior entre janelas. A opção da ventilação por detrás das portadas serve para que em casos de muito vento e/ou chuva os habitantes possam abrir as janelas e ter ventilação interior.

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No que respeita à construção esta proposta é muito simples. Feita inteiramente com elementos pré-fabricados de catálogos, parte de uma estrutura metálica, onde são colocadas as infra-estruturas, sendo depois revestida por duas “peles”, uma exterior (em Pladur resistente à água) e outra interior (em madeira e Pladur). O vazio junto à estrutura, entre as duas “peles”, é ocupado por isolamento térmico/acústico. Esta é uma proposta hipotética para um concurso e estudantes, contudo foi sempre preocupação dos seus autores mostrar que esta seria uma proposta realizável de um modo simples e eficaz.

3B _ Caso 2

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Diagrama 20 _ experimentação na Caixa Mágica

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3C _ Reflexão Crítica


Dos dois projectos que entregaste em concursos, feitos com ideias da Caixa Mágica, porque é que não chamaste a nenhum deles Caixa Mágica? Porque entendo que nenhum deles é completamente digno desse nome. Isto é, ambos usam ideias já aqui expressas sobre a Caixa Mágica, mas ambos apresentam lacunas. Mas porquê? Porque estavam condicionados por programas específicos que limitavam as minhas opções. O que um tem a mais o outro tem a menos e vice-versa. Mas sendo a Caixa Mágica uma casa pragmática, é aceitável que cada uma daquelas respostas fosse uma resposta a uma necessidade do presente,

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naquele caso ao seu programa. É verdade. Mas apesar de serem projectos na minha opinião pragmáticos, não deixam de não satisfazer as minhas expectactivas do que eu gostaria que a Caixa Mágica fosse. Como é que gostarias de ver a Caixa Mágica? Gostaria que fosse um contentor amplo e vazio, passível de receber compartimentações leves e objectos dispostos consoante as preferências de um cliente muito particular. Gostaria que tivesse espaço para integrar domótica e sustentabilidade. Gostaria que a estrutura e a pele fosse independente de tudo o resto. Gostaria que... gostaria de ver uma destas experiências construídas!

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3D _ Reflexão crítica

Nenhum dos casos apresentados me deixou satisfeito. Continuo a pensar que não conseguiram materializar totalmente a minha ideia de “Caixa Mágica”. Se por um lado os concursos foram boas oportunidades/desafios para experimentar ideias livremente, pois não havia o receio de uma má nota ou uma reprovação como aconteceria em projectos académicos, por outro lado tinham programas e regras a cumprir que limitavam as soluções. 127

Para além disto, são dois projectos onde a referência às ideias e obras de Ábalos & Herreros são claras, principalmente após a exposição que elas tiveram nesta Prova Final. Não é de espantar tal relação visto que a minha “Caixa Mágica” sempre esteve ligada à sua origem, as casas AH, e seus autores, Ábalos & Herreros. Surgem por isso elementos comuns: estrutura metálica porticada; recurso a “peles”; organização interior com blocos técnicos; e, liberdade espacial. O Pandora’s Box é um contentor ISO 20’ transformado em espaço habitável. Na minha opinião o seu maior valor é a sua flexibilidade construtiva e espacial. Flexibilidade construtiva enquanto casa catálogo, configurável de acordo com as necessidades e possibilidades económicas do utilizador. Flexibilidade espacial enquanto uso de um único espaço reduzido e muito limitado para executar todas as funções domésticas pela manipulação do seu móvel multifuncional, a FlexiUnit. Por outro lado, penso que este projecto tem dois problemas. Em primeiro lugar, está demasiado ligado ás casas AH a nível formal e ideológico, não explorando outras possibilidades criativas talvez mais estimulantes e eficazes. Em segundo lugar, o espaço é demasiado reduzido. É certo que cumpre as medidas ISO 20’, o padrão dos contentores de carga internacionais, o que facilita o seu transporte, mas impede simultaneamente uma habitabilidade mais agradével e confortável. É difícil acreditar que a necessidade de manipular a FlexiUnit e o espaço livre todos os dias, várias vezes ao dia, para alternar entre as funções básicas o habitar, possa ser minimamente cómodo para alguem, principalmente a longo prazo. O Tn, casa de um casa de todos é uma gaiola de aço revestida por dentro e por fora. Ao contrário do projecto anterior este não tem qualquer tipo de mobilidade, pois o programa assim o exigia. O desafio neste projecto era conceber uma habitação que pudesse adaptar-se ao longo do tempo a pelo menos três situações distintas de utilização (quatro estudantes; pai, mãe e dois filhos; casal com os filhos emancipados) sem alterar as sua estrutura, fachada e infraestruturas. Este projecto responde a isto colocando os serviços/infra-estruturas num extremo,

3C _ Reflexão Crítica

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Quem vê nesta imagem uma casa?

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3C _ Reflexão Crítica


deixando o resto do espaço livre para outras funções e suas variações. Para o Tn ser a “Caixa Mágica” faltam-lhe pelo menos duas coisas: possibilidade de mobilidade e/ou transportabilidade; existência de um catálogo de materiais e sistemas construtivos/ tecnológicos. A falta de mobilidade mantém este projecto com o mesmo problema das casas actuais - o que fazer com a nossa casa quando temos que mudar de cidade/país/continente? A não existência de um catálogo limita a liberdade do(s) utilizador(es) à manipulação de planos rotativos. Esta solução deve-se única e exclusivamente ao facto do concurso ser organizado pela Pladur, logo as soluções construtivas teriam forçosamente que passar pelos materiais desta empresa - o gesso cartonado nas suas muitas variantes. Há ainda um terceiro ponto onde tenho algumas dúvidas. É certo que os planos rotativos permitem mais configurações espaciais, executadas em segundos pelo utilizador, do que as pedidas, mas acabam por limitar o uso do espaço a um número finito de soluções. No fundo acaba por ficar além da ideia de “Caixa Mágica”, a total flexibilidade espacial - a liberdade privada do utilizador. Através da experimentação apercebemo-nos de problemas reais que as nossas ideias/ soluções poderiam ter. No caso da “Caixa Mágica” a experimentação através de concursos revelou-se particularmente útil. Em primeiro manteve-me interessado no tema, funcionando por isso como um estímulo à imaginação e criatividade. Em segundo permitiu perceber que dificilmente uma materialização completa da ideia de “Caixa Mágica” será um projecto bem sucedido e aceite. De facto, a flexibilidade extrema é algo que seria muito útil à vivência presente, mas simultâ128

neamente é algo que poucos teriam abertura de espírito para compreender, aceitar e usufruir. As pessoas sentem que estão limitadas na forma como vivem, mas o hábito de habitar assim deixa-os pouco receptivos a outras ideias. A experimentação pode por isso servir não só como ferramenta de trabalho pessoal mas também como estímulo para as outras pessoas. Não interessa perder mais tempo a criticar como se vive ou deixa de viver agora. O que importa é apontar outras possibilidades e tornálas suficientemente atractivas para que as pessoas sintam vontade própria para as aceitar.

3C _ Reflexão Crítica

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4 Considerações Finais

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Com tanta liberdade de acção que o utilizador tem com a Caixa Mágica, ainda faz sentido falar do arquitecto? Não basta um engenheiro? Realmente se fosse preciso fazer apenas uma estrutura neutra, talvez até infra-estruturada, bastaria um engenheiro. Mas a Caixa Mágica não é liberdade total, é equilíbrio. Equilíbrio entre quem? Entre arquitecto e utilizador! O arquitecto tem a formação e a experiência para manipular o espaço de modo a satisfazer o utilizador, este por sua vez sabe melhor que ninguém quais são as suas necessidades/sonhos/desejos que quer ver satisfeitos. Precisam então um do outro.

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Diria até que hoje, com tanta oferta de habitação e de arquitectos e outros profissionais no mercado, cada um precisa mais do outro mais do que nunca. Mas isso exige muito do arquitecto... De facto, quanto mais importante é o papel maiores são as responsabilidades. O arquitecto, como agente de controlo do topo da hierarquia, tem a capacidade de controlar ou libertar e deve saber usar essa capacidade. Para além disto, quando muitos se tentam aproveitar da ignorância do utilizador/cliente, o arquitecto tem o dever de o conduzir até um porto seguro, até à satisfação no presente hoje e amanhã.

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4A _ O Arquitecto e o Utilizador

A relação entre arquitecto e utilizador sempre existiu desde que o ser humano fez as primeiras construções. Nos vários temas abordados nesta Prova Final houve sempre a referência ao trabalho do arquitecto e ao seu impacto no utilizador, seja pelo estímulo, pela flexibilidade, pela tecnologia, pelo tempo, pela estrutura, pele, componentes e sistemas escolhidos, etc. Isto é muito simples de compreender pois toda a obra de arquitectura tem um criador e um destinatário, e todas as suas partes ficam por consequência debaixo deste manto de causa e efeito. Toda a acção tem uma reacção e a arquitectura não só não foge à regra como é um espelho perfeito dela. “En sus diferentes escritos, Habraken comenta que el mayor error de la arquitectura residencial contemporánea es que está construída para gentes, que nunca podrán tomar decisiones fundamentales sobre la vivienda, la cual seguramente utilizarán durante gran parte de su vida.”[Javier Mozas, a+t n13, 1999, 10] De facto, na prática a maioria das pessoas compram casas ou vivem em casas que foram concebidas e construídas para um cliente genérico, um padrão definido pela sociedade e pelo mercado imobiliário, e não para elas em particular. Se não acabam por passar toda a sua vida nessas casas, irão mudar de casa em casa sempre com o mesmo problema. Passado algum tempo a casa deixa de satisfazer as suas necessidades/sonhos/desejos. A relação entre arquitecto e utilizador é por isso sempre um exercício de controlo. Este controlo pode ser directo ou indirecto, caso seja exercido por um sujeito sobre um outro, ou por um sujeito sobre um espaço que um outro qualquer vai usar, respectivamente. Neste sentido há uma hierarquização que parte de quem concebe até chegar a quem usa, podendo passar por outros agentes , como promotores e construtores, que podem reduzir ou aumentar o controlo exercido sobre o utilizador final. Estes outros agentes podem ainda exercer controlo específico e singular sobre o utilizador, seja por exemplo pelo pagamento de rendas ou por pelo encaminhamento para a compra de um espaço em vez de outro. Quando o cliente do arquitecto é um destes agentes, então o utilizador final não tem voto na matéria e vê-se obrigado a escolher algo na oferta impessoal, repetitiva e descontextualizada do mercado. Como os promotores imobiliários, agentes privados, visam principalmente o lucro então preferem não perder tempo/dinheiro a desenvolver outro tipo de soluções, possivelmente mais interessantes, adequadas e satisfatórias para o utilizador final. Isso iria encarecer o custo da habitação no mercado e eles correriam o risco de não vender as habitações ou de ter dificuldades em fazê-lo.

4A _ O Arquitecto e o Utilizador

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Por este motivo, o utilizador vai ficar sempre com aquilo que lhe disponibilizarem. Ele precisa de um espaço para habitar e está dependente de quem o concebe e de quem o constrói e de quem o vende. Contudo, de todos estes agentes o arquitecto é aquele que tem a capacidade de exercer maior controlo, pois é ele quem define os espaços, as dimensões, relações e a flexibilidade permitida. Como tal também pode retirar controlo, total ou parcialmente. Se o arquitecto conceber uma habitação com flexibilidade, então o utilizador tem a possibilidade de ser livre para procurar satisfazer as suas necessidades/sonhos/desejos naquele espaço que adquiriu. Caso isso não aconteça, o utilizador fica sujeito a que passado algum tempo a habitação deixe de satisfazê-lo. A satisfação final e constante do utilizador vai depender do grau de flexibilidade que o arquitecto permita. Esta flexibilidade prevista à partida vai ser a garantia que o arquitecto dá ao utilizador que nem ele nem os outros agentes imobiliários vão exercer total controlo sobre a sua vida futura. Conferir flexibilidade a uma habitação diminui o controlo de todos agentes no processo construtivo e aumenta o controlo do utilizador sobre si próprio e sobre a sua vida. Para além disto, mais do que definir todos os detalhes e controlar excessivamente a arquitectura, e consequentemente o utilizador, o arquitecto deveria talvez aprender a usar os seus conhecimentos para guiar esse utilizador. Perderia o protagonismo da obra assinada mas o utilizador ganhava na satisfação dos seus sonhos/desejos/necessidades. O arquitecto é um profissional que presta um serviço a alguém. O problema é que este serviço tem que ser hoje ajustado. Não sou contra a arquitectura de autor, mas acho que actualmente o serviço que o arquitecto deve prestar deve ser de auxílio na tomada das decisões. O utilizador sabe o que quer e nós arquitectos devemos ajudá-lo com os nossos conhecimentos a encontrar a melhor solução para ele realizar o que ele quer e não o que nós queremos. Contudo, arquitecto deve procurar encontrar um equilíbrio na ajuda que dá. Ajudar em demasia aniquila-se a personalidade do utilizador, mas não ajudar nada é deixar o utilizador desamparado sem nunca se realizar por completo pois não conhece as ferramentas. Por outro lado, o utilizador é controlado pelos objectos que o rodeiam, quer ao nível do uso, quer ao nível do espaço resultante da sua presença. Ignorar este facto é, do ponto de vista da arquitectura, realizar um trabalho desajustado com o tempo, com o presente, e principalmente com o utilizador. O arquitecto deveria ter uma palavra a dizer sobre estes objectos porque são eles que vão preencher a arquitectura, melhorando ou não o trabalho do arquitecto. O arquitecto é um indivíduo à partida com uma formação específica para conceber espaços habitáveis, por isso se ele tem responsabilidade pelo que concebe então deveria ter um maior controlo sobre a totalidade desse espaço, incluindo os tais objectos.

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4A _ O Arquitecto e o Utilizador


O problema é que no geral o arquitecto lida com unidades de tempo superiores ao design industrial. Uma estrutura arquitectónica dura por norma mais que um objecto industrial. Se a vida actual é fugaz e instável, e os objectos industriais funcionam de acordo com ela, então não só o arquitecto deveria ter uma palavra a dizer sobre os objectos industriais como deveria aprender a trabalhar com unidades de tempo semelhantes. Deste modo poderíamos ver propostas generalizadas de habitações muito mais flexíveis, concebidas e construídas muito mais rapidamente e dotadas da capacidade de serem modificadas com mais facilidade pelo próprio utilizador, do mesmo modo que ele compra um novo televisor para substituir o antigo. Não se trata de autoritarismo. Se são exigidas responsabilidades ao arquitecto pelos espaços em que vivemos então que deveria ser-lhe atribuída a capacidade de decidir sobre eles, um pouco como aconteceu no projecto Casa Barcelona. Se considerarmos que se o arquitecto juntar/cruzar os seus conhecimentos com os de outros profissionais, como os da industria, poderemos criar objectos mais completos eficazes do ponto de vista do utilizador, então este pode ser o início de uma nova relação com o utilizador.

4A _ O Arquitecto e o Utilizador

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Como é que caracterizas a Caixa Mágica no que respeita à prática da arquitectura? Fundamentalmente como uma oportunidade. Oportunidade de quê? Ora essa, uma oportunidade de (re)ver os métodos e as ferramentas usadas regularmente na prática da arquitectura. A Caixa Mágica vem pôr em causa a validade da prática actual. Quando o resultado da prática não está de acordo com o presente, então o mais provável é que isso seja o simples resultado de uma prática igualmente desadequada. Como é que o arquitecto pode actualizar-se? Em primeiro lugar (re)vendo a sua prática actu-

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al. Vendo a energia gasta e os resultados obtidos. Vendo como gastou essa energia. Provavelmente vai-se aperceber que se fizesse as coisas de outro modo então os resultados seriam melhores para ele e para o utilizador. Um bocado como acontece com a teoria da hibridação de Ábalos & Herreros? Exacto, só que agora relativamente à prática da arquitectura! (Re)Inventar e cruzar as relações com as pessoas - utilizadores, clientes e outros profissionais - e as ferramentas e métodos de trabalho pode levar a uma nova prática da arquitectura, mas garantidamente levará pelo menos a uma prática mais de acordo com o presente.

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4B _ Prática da Arquitectura

Como posso eu, um finalista de arquitectura com um mero estágio curricular de 6 meses, falar da prática da arquitectura? Em 6 meses adquiri alguma experiência, mas não me considero capaz de analisar este tema apenas suportado por esta escassa experiência. Resolvi recorrer a Jean Prouvé, um homem com uma longa e rica experiência, cujas abordagens a este assunto no livro “Conversas com Jean Prouvé”[data] fizeram-me reflectir e comparar com a minha própria experiência. Contudo, este texto não pretende ser uma análise da prática da arquitectura de Jean Prouvé, mas apenas o registo comparativo de um testemunho que me interessa. “Eu passo por sedicioso. Não tenho diploma de arquitecto, assim como não tenho de engenheiro. Para resolver o problema, pego um dicionário de antes da guerra e leio o vocabulário “arquitecto”: “Cortador de pedras, mestre de obra, responsável pelo canteiro de obras...”etc. Se abro o Larousse actual, leio: “Aluno diplomado pela Escola de Belas Artes.” É a isto que a coisa se resume.” [Jean Prouvé, 2005, 76] Prouvé era um ferreiro de formação, e a sua relação com a arquitectura veio da prática construtiva (desenho e execução), tão válida, ou até mais, que os estudos em qualquer universidade. Na realidade ele não era menos arquitecto e/ou engenheiro que os outros profissionais com estudos. O que é então a prática da arquitectura? A prática da arquitectura resume-se, na minha opinião, a tudo o que diz respeito a pensar e/ou executar arquitectura, nas suas inúmeras e variadas facetas. Jean Prouvé teve a meu ver uma experiência de vida muito interessante no que respeita ao binómio pensar/executar arquitectura. “Tudo o que fiz pessoalmente sempre decorreu de um pensamento de imediato construtivo, a ponto de eu saber exactamente que matéria prima, que máquinas empregaria, e como faria o objecto a ser construído. Jamais tive uma visão ou uma forma na mente. A forma é o resultado, a arquitectura é a conclusão. Isso não quer dizer que negligencio o lado estético do projecto, muito pelo contrário. Uns e outros projectam melhor ou pior, mas no que me diz respeito, sempre fui condicionado na direcção do fazer.” [Jean Prouvé, 2005, 94] Fruto da formação inicial e do trabalho na sua fábrica de Maxéville, Prouvé sempre pensou com as mãos. O que pensava só fazia sentido de acordo com a execução que poderia ter. Ferramentas, materiais, métodos construtivos, novidades nestes meios, tudo isto condicionava o acto criativo, a concepção do objecto, fosse ele um prédio, uma casa ou uma simples peça avulsa.

4B _ Prática da Arquitectura

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Esta sua frase pode fazer parecer, para quem não estiver familiarizado com a sua obra, que o seu trabalho resultava sempre em algo que não seria muito bem arquitectura. Não se enganem. Este homem tinha uma grande experiência, e na arquitectura esse é talvez o maior trunfo que se pode ter. Ele sabia de antemão como iria ficar porque sabia que ao fazer desta ou daquela maneira os trabalhos iam resultar de determinado modo, e/ou então, fruto de correcções, iam terminar em algo novo, diferente, sempre actual. Ele pensava, e bem. Produção em série, standardização, funcionalismo, economia de meios, conforto e até beleza eram termos que lhe eram familiares e que não podiam andar desfasados de uma actividade industrial que tinha que se manter na linha da frente para sobreviver. Mas, findos 30 anos, Prouvé perdeu a fábrica que criou. E agora, sem Maxéville, o que seria de Prouvé? O que é de nós que não temos “Maxéville”? “Quando fazia coisas eu mesmo, sabia perfeitamente como as faria. Quando perdi a ferramenta, me vi na mesma situação que os arquitectos. Muito rapidamente compreendi que não era possível fazer nada de bom, porque o processo entre criação e a execução era ruim. Funcionava mal. E assim, tive de entrar no mesmo trilho e trabalhar como os outros. (...) Este é um dos grandes males dos escritórios de arquitectura: eles não tem controlo da situação. Não sabem quem vai executar.” [Jean Prouvé, 2005, 68] Quando ele pensava e a seguir, ele próprio ou homens da sua confiança, da sua equipa, executavam, havia sempre uma certeza que o trabalho e seu criador iam ser respeitados. Não havia outro valor que não o bem comum. Dinheiro, fama ou proveito prórpio não envenenavam o espírito porque todos eram devidamente compensados pelo seu trabalho, logo não havia motivos para deturpar nada. Fora da fábrica a realidade era outra. Princípios economicistas, invejas, egoísmos, ciúmes, falta de carácter e de valores saltam ao de cima com imensa facilidade, e o trabalho é adulterado. Quando o trabalho tem que ser julgado, discutido, avaliado, antes de ser executado, por pessoas que não os criadores, então é certo que modificações vão ser feitas. “O departamento começa criticando o projecto, porque todos os homens são assim, feitos de tal modo que o trabalho do outro é sempre idiota, e que o seu trabalho é sempre melhor – contudo, eu sempre vi que o trabalho bom é feito na harmonia, e não na hostilidade.” [Jean Prouvé, 2005, 68]

Ora, segundo ele, se quase nenhuns tem Maxévilles, então raramente trabalham em harmonia. Se não há harmonia então não há trabalho bom, não há satisfação pessoal e profissional, e o resultado não pode ser bom. “Então o arquitecto cede diante do departamento de estudos, que cede diante da empresa. Temos de admitir que é uma aberração! É preciso que aconteça algum portento para que os arquitectos defendam a integridade dos seus projectos. Muitos renunciam, pois é uma

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4B _ Prática da Arquitectura


coisa horrorosa. Tudo é discussão, tudo é compromisso. O resultado: uma arquitectura cujos detalhes em geral são ruins, uma arquitectura que não revela o seu contexto, da qual não emana a sensibilidade que tem as coisas velhas, construídas com técnicas maravilhosas. Eu constatei tudo isso na prática, antes eu só suspeitava.” [Jean Prouvé, 2005, 68] Estas palavras de Jean Prouvé soaram-me bem reais durante o estágio. Em algumas situações, por mais que os arquitectos se empenhassem em determinado projecto procurando dar o melhor de si ao cliente que os contratou, apareciam sempre indivíduos alheios ao processo criativo, mas fundamentais no processo executivo, que adulteravam o projecto na sua execução. O resultado final não poderia ser mais frustrante. Depois de muito pensar para poder oferecer a melhor obra que as nossas capacidades arquitectónicas permitiam, ver a obra finalmente real, mas muito mal executada, chega a ser desmotivante. Deste modo, a realidade parece ter aspectos positivos e outros negativos, mas uma coisa é certa, manter a dignidade pessoal e a integridade dos projectos tem muitas vezes um preço. Perdem-se os trabalhos, perdem-se os clientes, perdem-se os construtores, e nesta economia capitalista todos precisam de dinheiro para sobreviver. Não concordo com esta situação de modo algum. É como diz Prouvé, “é uma aberração”! Ensinaram-me durante o estágio que devemos procurar filtrar, sempre que possível, as pessoas para quem e com quem trabalhamos, para evitarmos pessoas que possam que mais tarde possam querer adulterar o nosso trabalho segundo princípios raramente mais que economicistas. Contudo, não se pode dizer que ninguém esteja imune de se ver nessa situação... é preciso ter essa consciência. Uma coisa é o que se procura, que na minha opinião nunca se deve descurar, outra coisa é o que se tem, e felizmente ou infelizmente é com isso que todos os profissionais parecem ter que viver. “A gente se enganou muitas vezes, só quem não constrói é que não se engana.” [Jean Prouvé, 2005, 47]

Jean Prouvé é um exemplo bem claro do valor da experiência na vida de um arquitecto. Podemos enganar-nos na escolha do cliente, da equipa de construção, e até mesmo da equipa de desenho e concepção e nos desenhos e ideias que nós próprios fazemos. Contudo, é pela construção, pelo processo de pensar/conceber e depois materializar/construir que se pode perceber as falhas na prática e através delas tirar lições de modo a não repetir esses mesmos erros. “Seja para uma cadeira ou para um edifício com trezentos metros de altura, não é possível realizar um belo objecto economicamente viável e uma boa arquitectura a não ser que reunamos os homens. É necessário que haja harmonia de pensamento entre quem executa e quem concebe.” [Jean Prouvé, 2005, 27] Actualmente são raras ou inexistentes as “Maxévilles” em que se construía quase à

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velocidade com que se pensava/desenhava. Colaboração. Esta é a chave tanto para o trabalho dentro de cada equipa como entre equipas nas várias fases do processo arquitectónico. É vital que exista uma equipa em harmonia, em sintonia, porque o esforço do colectivo é sempre mais rápido, produtivo, lucrativo e eficaz que o individual. “O arquitecto é um homem como qualquer outro, que se vira com seu talento. Um homem activo, dinâmico, que trabalha em equipa ao invés de individualmente - creio que não se faz mais nada sozinho. Consegui constituir ao meu redor uma equipa de pessoas em perfeita harmonia. Isso é possível entre os arquitectos.” [Jean Prouvé, 2005, 33] Basta ver os nomes de muitos gabinetes de arquitectura de hoje, e dos maiores e mais importantes do séc. XX, eram quase todos equipas, algumas até multidisciplinares. Então, se os grandes arquitectos recentes não trabalham sozinhos (apesar da sua criatividade e talento, rodeiam-se de uma equipa que permite sempre melhorar o seu trabalho, produzir mais, e no final ter resultados melhores), porque vamos nós (estudantes e arquitectos em geral) perder tempo a pensar que podemos ou devemos fazer tudo sozinhos?! “Repare que eu trabalho sempre em equipa. Isso faz com que eu possa lançar uma ideia, coisa factível, mas mesmo assim me cercando de todos os especialistas, o que permite tirar o melhor partido dela. Não tenho a pretensão de fazer tudo, aliás, não conheço ninguém que faça tudo sozinho.” [Jean Prouvé, 2005, 79] Uma equipa funcional não abafa as ideias de cada um, não sufoca, pelo contrário, ampliaas, dá-lhes força, ou então corrige-as, mas torna-as possíveis. E como tem sido demonstrado até agora, tornar o nosso trabalho possível, realizável/realizado, já é em si uma grande virtude, um motivo de orgulho, porque bem ou mal foi realizado algo que tem sempre um pouco de nós. “Há um preceito hindu que há muito tempo me impressiona; ele esclarece as relações entre homens que colaboram e trabalham juntos: “Se foi entendido, não carece explicar, se não foi, inútil explicar.” Eu sempre observei que quando longas explicações são necessárias no trabalho, é que alguma não está funcionando. A arquitectura não se explica, não se transforma em literatura, não se torna em fluxos de palavras. Se não nos compreendemos, não adianta perder tempo e ficar se explicando, jamais nos compreenderemos.” [Jean Prouvé, 2005, 92] Na interacção com os outros apercebemo-nos se as nossas ideias realmente funcionam ou não, já que para funcionarem tem que ser em primeiro lugar compreendidas. Em primeiro, quando o trabalho é simples, quando parece que não podia ser melhor de outro modo, então as pessoas compreendem-nos sem a necessidade de grandes explicações e tudo está bem. Se não nos conseguimos fazer entender então a nossa ideia não é assim tão clara e não serve a outro que não a nós mesmos. A ideia tem que ser revista porque o trabalho do arquitecto é sempre para o outro viver. Ninguém passa a vida a projectar edifícios para si próprio! Em segundo lugar, o funcionamento da equipa também está aqui posto em causa. Uma equipa só faz sentido quando é produtiva, se perde o seu tempo em discussões e

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4B _ Prática da Arquitectura


impasses porque os elementos não se entendem então a equipa não produz e deve ser revista e possivelmente alterada. Actualmente a prática da arquitectura já não passa apenas pelo pensamento/desenho/ construção. Certamente é escusado referir os inúmeros arquitectos e outros indivíduos que de algum modo fazem das palavras o seu material de trabalho e com ele “constroem” a sua arquitectura. Seja pelas descrições de projectos, ou pela discussão de temáticas, a literatura ajuda muitas vezes a que outros, que não os envolvidos em determinado processo construtivo, possam perceber melhor o edifício que vêem pelos seus próprios olhos ou em imagens. O processo de aprendizagem de um estudante de arquitectura hoje em dia não passa só pela visita a obras e pelo estudo de desenhos. A leitura é um complemento que ajuda a perceber e a aprender mais rapidamente. Não faz sentido querer percorrer estóicamente um caminho que outros, mais habilitados, já percorreram. Gastamos melhor as nossas energias percorrendo esse mesmo caminho e tentando levá-lo mais além. Um desenho pode ser como um texto que, caso não saibamos ler, de nada nos serve. Hoje em dia, quando a arquitectura e seus autores são de tal modo intensamente publicados e publicitados, a leitura de textos revela-se particularmente interessante e necessária para compreender a complexa “oferta” que nos rodeia. A realidade actual é por isso indiscutivelmente diferente da realidade em que Jean Prouvé trabalhou no início da sua carreira, e certamente também diferente da realidade de 1982 para as quais se reportam as várias citações de Jean Prouvé presentes neste texto. Uma das muitas diferenças, que me interessa particularmente neste momento, é o lugar dos jovens arquitectos no universo da prática arquitectónica. “Na minha oficina tinha um monte de jovens arquitectos. (...) Eles tinham uma certa independência mas mesmo assim havia uma boa integração. Foi lá que descobriram o que poderia ser a verdadeira inspiração arquitectónica, que os traços que punham no papel na segundafeira poderiam se tornar uma realização na terça. Eles sabiam em seguida qual o resultado. Ao passo que o jovem arquitecto de hoje passa a maior parte do tempo desenhando coisas que jamais serão feitas. Não acham que isso é mortal para o espírito?” [Jean Prouvé, 2005, 19] E será que não somos demasiados os jovens arquitectos, de tal modo que se todos pudéssemos fazer as nossas experiências não iríamos saturar o mercado imobiliário? Penso que sim. Longe vai o tempo em que se executava logo o que se desenhava. Hoje é preciso pensar mais, talvez não mais no objecto que concebemos, mas sim em como fazê-lo executável e executado. Mortal para o espírito? Para alguns. Um desafio constante para outros. No fundo é uma questão de perspectiva sobre o assunto, e de postura em relação a ele. É como a teoria do copo com líquido a metade, para uns está meio cheio e para outros está meio vazio. “Hoje em dia (1982), é a vez do mercantilismo da infelicidade. Os arquitectos batem de

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porta em porta em busca de trabalho. Tornam-se representantes do seu próprio negócio. Para tentar vender, escrevem para os órgãos de administração pública, apresentam propostas aos diferentes ministérios, na esperança de serem contratados. Fazem um concurso atrás do outro. Isso os esgota e ganham um a cada cinquenta. Fico mortificado de ver os jovens arquitectos sem trabalho. Na maior parte das vezes, os rapazes que eu encontro são muito inteligentes. Eu vejo que estão perdidos. E não acho que seja abrindo escritórios que conseguirão se safar, nem projectando blocos residenciais para os manda-chuva. Eles estão desesperados.” [Jean Prouvé, 2005, 33]

Faz este ano 25 anos que Jean Prouvé proferiu estas palavras. Por um lado assusta-me que nada pareça ter mudado, mas por outro lado alegra-me o facto de, apesar das condições difíceis, longe das condições ideais de Maxéville em que se desenhava e no dia seguinte se construía, muitos gabinetes conseguiram persistir. São na sua maioria estes os gabinetes que hoje dão estágio aos jovens arquitectos. É como já tinha dito, para uns o copo está meio cheio e para outros o copo está meio vazio. É uma questão de perspectiva/ posicionamento pessoal na vida e na arquitectura, e ambos são válidos. Para além disto, hoje colocam-se novas questões aos arquitectos e à prática da sua profissão. Posta em causa a relação com o utilizador e com a industria, o arquitecto tem a oportunidade de descobrir novos caminhos para a sua prática. Tal como acontece com os temas da arquitectura, em que pela (re)invenção e pelo cruzamento de ideias/referências até então distintas de pode descobrir uma nova arquitectura, na prática da arquitectura pode acontecer o mesmo. (Re)Inventar e cruzar as relações com as pessoas - utilizadores, clientes e outros profissionais - e as ferramentas e métodos de trabalho pode levar a uma nova prática da arquitectura., mas certamente levará pelo menos a uma prática mais de acordo com o presente.

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4B _ Prática da Arquitectura


4C _ Caixa Mágica A Caixa Mágica tem uma série de características base que lhe permitem adaptar-se a qualquer utilizador. Contudo, numa proposta real de Caixa Mágica, o pragmatismo que a define implica que não sejam permitidas possibilidades infinitas de configuração. Para tal o arquitecto deve conceber a habitação com flexível suficiente para se adaptar não só às necessidades do utilizador hoje, mas também possivelmente às suas necessidades de amanhã. O futuro é sempre incerto, mas também não é um enigma completo. Basta avaliar as probabilidades e perceber o que pode ou não acontecer. Criar soluções que permitam mais que o necessário é simplesmente um esforço inútil. Assim sendo, resumir aqui as possibilidades da Caixa Mágica não sugere que um projecto real de Caixa Mágica tenha que as cumprir todas. A Caixa Mágica tem uma estrutura neutra, independente de tudo o resto. Sobre a estrutura usam-se peles (ou camadas de materiais).Tem uma pele no exterior, e várias peles interiores, podendo ambas ser substituidas facilmente em qualquer altura. As infra-estruturas distribuem-se pela zona livre entre as peles de acordo com as suas características e as com as necessidades do cliente/utilizador. Isto é, entre a estrutura e os revestimentos existe um vazio por onde circulam as infra-estruturas de modo a não condicionar a vivência do espaço habitacional. Tomadas, difusores de ar condicionado, etc. devem poder ser colocados em qualquer sítio em qualquer altura sem grandes dificuldades. São elementos que condicionam o uso que o utilizador faz dos espaços. Todos os materiais e sistemas construtivos empregues são de última geração no mercado. São produtos industriais, vendidos por catálogo, na maioria dos casos modulares. Produtos mais baratos e facilmente substituidos por outros iguais ou melhores sem grande dificuldade. Os sistemas construtivo/espacial empregues dependem única e exclusivamente do utilizador. São as suas necessidades/sonhos/desejos que vão determinar os sistemas usados. O arquitecto tem nesta relação com o utilizador e com a Caixa Mágica um papel de guia, de conselheiro, é aquele que tem os conhecimentos e que com eles ajuda o utilizador a encontrar o caminho para a sua satisfação. O trabalhar para o presente associado à possibilidade implícita de mudar tudo rapidamente faz desta Caixa um objecto que seduz pela ilusão de que é mágico. Parece ser tão fácil mudar o interior de uma casa que para as pessoas comuns parece que é magia, pois nas suas casas comuns tal seria dificílimo de fazer. Esta suposta magia é um estímulo à interacção, ao contacto social directo que se vêm perdendo graças à sociedade de informação cada vez mais virtual em que vivemos. A Caixa Mágica tem prazo de validade. Fiz duas experiências que eram Caixa Mágica, mas agora já não são. Muda-se o presente, mudam-se as ideias. A Caixa Mágica não pára no tempo e hoje, mais completa e complexa, está também diferente do que será amanhã.

4C _ Caixa Mágica

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Tenho a impressão que voltamos ao início. E voltamos mesmo! É necessário (re)avaliar o presente constantemente, e quando acabamos de o fazer temos que recomeçar. Isso é o que acontece com as casas comuns. Quando estão prontas a habitar já precisavam de ser diferentes. Exacto. O tempo é um comboio sem estação e nós temos que aprender a viver nele. Ver uma paisagem de cada vez. Não esquecer o que se viu, mas olhar sempre para o que se está a ver. Então e agora, o que é a Caixa Mágica? É e será uma metáfora do habitar no presente. Como é que se concretiza? Hoje de um modo e

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amanhã possivelmente de outro ligeiramente diferente. Será sempre um “work in progress”... Cedric Price começa o seu livro “Re: CP” com uma citação que para mim resume irónicamente esta contingência do processo Caixa Mágica. “And, so, if my sentence twists, turns, and only gradually tapers to a point, don’t fidget and don’t bite your nails. Hardly anything, believe me, is more depressing than going straight to the goal.” [Gunther Grass, Re:CP, 2003, 11]

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ANEXO Biografia de Ábalos & Herreros

Esta não é uma cópia da Biografia completa de Ábalos & Herreros. Esta Biografia é o resultado de um trabalho pessoal de pesquisa e selecção de acordo com a importância, atribuída aos vários acontecimentos, para o estudo de Ábalos & Herreros, casas Ah e “Caixa Mágica”. Deste modo, alguns prémios, obras e seminários foram excluídos desta Biografia.

1956 - Iñaki Ábalos nasce a 9 de Julho em San Sebastián, Espanha 1958 – Juan Herreros nasce a 28 de Novembro em San Lorenzo de El Escorial, Espanha 1978 - Ábalos Arquitecto pela ETSAM 1984-1988 – A&H Professores de Construção na ETSAM 1985 – Herreros Arquitecto pela ETSAM 1985 – A&H fundam estúdio em Madrid 1986-1987 - Estações depuradoras de águas residuais em Majadahonda, Villalba e Guadarrama, Espanha 1988 – A&H Livro “Le Corbusier. Rascacielos”, Município de Madrid, 1987. Reeditado em 1997 por EXIT, LMI 1988-1990 - Polidesportivo, Simancas, Espanha 1988-1990 - Polidesportivo, Valladolid, Espanha 1988-1995 - 52 Habitações na M-30. 1º prémio, Madrid, Espanha 1989 - Oficinas para Renfe. 1º prémio, Fuencarral, Madrid, Espanha 1990-1991 - Edifício Administrativo Ministério do Interior, Madrid, Espanha 1991 – Ábalos Doutor arquitecto pela ETSAM 1991 – A&H Livro “Iñaki Ábalos y Juan Herreros. Seis projectos (1987-1990)”, COAM, Madrid 1991 - Projecto Parque Dunar em Doñana, Huelva, Espanha 1991-1998 - Parque Europa (455 habitações). 1º prémio, Palencia, Espanha 1992 – Ábalos Professor Titular do Departamento de Projectos Arquitectónicos da ETSAM 1992 – A&H Livro “Técnica y Arquitectura en la Ciudad Contemporánea. 1950-1990”, Nerea, Madrid 1992-1993 – A&H Membros do Conselho de Redação da Revista “Arquitectura” do Colégio de Arquitectos de Madrid 1992-1995 – Câmara y Casa de Cultura, Cobeña, Espanha 1993 – A&H Livro “Ábalos y Herreros”, Gustavo Gili, Colecção Monografias de Arquitectura Contemporânea, Barcelona 1993 – A&H Membros Fundadores da Liga Multimédia Internacional, Editores de LMI 1994 – Herreros Doutor arquitecto pela ETSAM

Anexo - Biografia de Ábalos & Herreros

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1994 – A&H Livro “Exit”, Departamento de Projectos da ETSAM e Liga Multimédia Internacional, Madrid 1994-1996 - Projecto Casas Industrializadas AH 1994-1996 - Casa Gordillo, Villanueva de la Cañada, Espanha 1995 – Herreros Professor Titular do Departamento de Projectos Arquitectónicos da ETSAM 1995 – A&H Livro “Las Afueras: 6 Ensayos sobre la Condición Metropolitana”, EXIT, Comunidade de Madrid e Liga Multimédia Internacional, Madrid 1995-2003 - Biblioteca Pública de Usera. 1º prémio, Madrid, Espanha 1995-2004 – Ábalos Assistência editorial a Gustavo Gili, S.A. 1996 – A&H Seminário “Technique and Architecture”, Escola de Arquitectura da Universidade de Columbia no programa de Mestrado, Nova Iorque 1996 – Herreros Workshop “Los lugares de la Memoria”, Colégio de Arquitectos das Ilhas Baleares, Palma de Maiorca 1996 – A&H Curso de Pos-Graduação “Contenedores Híbridos”, realizado na Faculdade de Arquitectura de Montevideo 1996 – Herreros Curso de doutoramento “Vivienda” organizado pela ETSA de Valência com o apoio do Colégio de Arquitectos de Alicante 1996 – A&H Workshop “Nuevos paisajes”, IV Bienal de Arquitectura Espanhola, Alcalá de Henares, Madrid 1996 – Ábalos Curso de doutoramento “Taxonomía del espacio privado. Sobre La ciudad y el bloque abierto: Una reinterpretación subjetiva”, Organizado pelo Colégio Oficial de Arquitectos de Andaluzia Ocidental Demarcação Cádis 1996 – Ábalos “Formación de Técnicos en Medio Ambiente-Edificación”, Programa LIFE da UE na qualidade de Membro do Comité de Profissionais, Barcelona 1996-1999 - Planta de Reciclagem de Resíduos Urbanos. 1º prémio, Madrid, Espanha 1997 – A&H Livro “Áreas de Impunidad”, Actar, Barcelona 1997 - Projecto Architekturforum, Bonn, Alemanha 1997 – Casa Verde, Pozuelo, Madrid, Espanha 1997-1999 - Sala Municipal e Praça, Colmenarejo, Espanha 1997-1999 – Villa FG, Colina de los Chopos, Madrid, Espanha 1998 - Projecto Edifício Administrativo para a Junta de Andaluzia. 1º prémio, Almería, Espanha 1998-2000 - Aula Medioambiental, Arico, Espanha 1998-2000 - Estúdio Gordillo, Villanueva de la Cañada, Espanha 1999 – A&H Workshop “Rehacer el Paisaje”, COAC, Demarcação de Tenerife, a Gomera, e o Hierro, Santa Cruz de Tenerife 1999 – A&H Workshop “Ocio, Turismo y Movilidad”, Colégio Oficial de Arquitectos das Ba-

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Anexo - Biografia de Ábalos & Herreros


leares, Município de Calviá, Architectual Association de Londres e Escola de Arquitectura de Alicante, Palma de Maiorca, Calviá, Londres e Alicante 1999 – A&H Módulo Mestrado “Ecomunumentalidad” do Mestrado “La Gran Escala”, Centro de Cultura Contemporânea, Universidade Politécnica da Catalunha 1999 – A&H Módulo Doutoramento “Descampados”, Universidade de Valência, Alicante 1999 – A&H Módulo Mestrado “Natural Artificial” do Mestrado “La Cultura de las Metrópolis”, Centre de Cultura Contemporânea e Universidade Politécnica da Catalunha 1999 – A&H Workshop “Rehacer el Paisaje”, segunda parte, COAC, Demarcação de Tenerife, a Gomera, e o Hierro, Santa Cruz de Tenerife 1999 – A&H Módulo Doutoramento “Ultimas Novedades”, Universidade de Valência 1999 – A&H Livro “Natural Artificial”, EXIT Editores, Liga Multimédia Internacional, Madrid 1999 - Projecto Ordenação do Sector Ramos. 1º prémio, Rio de Janeiro, Brasil 1999 - Projecto Estação do AVE e Interface, Saragoça, Espanha 2000 – A&H Módulo Mestrado “Acciones turísticas” do Mestrado “La Gran Escala”, Centro de Cultura contemporânea, Universidade Politécnica da Catalunha 2000 – Herreros Workshop “Nuevas Técnicas Proyectuales”, Faculdade de Arquitectura da Universidade de Buenos Aires 2000 – A&H Livro “Reciclando Madrid/Recycling Madrid”, Editorial Actar, Barcelona 2000 – Herreros Workshop “How we look at the city”, Landscape Urbanism, Architectural Association, Londres 2000 – A&H Livro “Tower & Office” MIT Press, Boston, 2002 2000 – Conjunto Residencial Es Pil.Lari, Palma de Maiorca, Espanha 2000-2003 - Pavilhão de Ginástica, Madrid, Espanha 2000-2003 – Casa Mora, Cádis, Espanha 2001 – A&H Módulo Mestrado “Intervención en áreas de desarrollo intensivo” do Mestrado “La Gran Escala”, Centro de Cultura Contemporânea, Universidade Politécnica da Catalunha 2001 – Herreros Comissariado e livro “Cedric Price. Potteries Thinkbelt: Caducidad, educación y energía”,Volume 5 de “Arquitecturas Silenciosas”, Ministério do Desenvolvimento/Colégio de Arquitectos de Madrid 2001 – Ábalos Livro “La Buena Vida”, Editorial Gustavo Gili, Barcelona. Editado em inglês “The Good Life” em 2002. Editado em português “A Boa Vida” em 2003 2001-2003 – Edifício de Biometanização e Combustagem. 1º prémio, Pinto, Espanha 2001-2004 - Parque Litoral Nordeste para o Fórum 2004, 1º prémio, Barcelona, Espanha 2001-2004 – Edifício de Resíduos, Sant Adrià de Besòs, Espanha 2001-2005 - Praça e Torre Woermann, 1º prémio, Las Palmas de Gran Canaria, Espanha 2001-2006 - Torres Mistas Bioclimáticas em Humedal de Salburúa. 1º prémio, Vitoria-Gasteiz, Espanha

Anexo - Biografia de Ábalos & Herreros

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2002 – Ábalos Catedrático de Arquitectura Paisagista do Departamento de Projectos Arquitectónicos da ETSAM 2002 – A&H Publicação “Ábalos & Herreros”, Monografias 2G, Editorial Gustavo Gili, Barcelona 2002 - Projecto Renovação do Parque Cristina Enea, Menção especial, San Sebastián, Espanha 2003 – Herreros Workshop “Prototipos de vivienda posible”, Universidade Diego Portales, Chile 2003 – Herreros Workshop “Barraca: Alternativas a la Vivienda de Emergencia”, Fundación Mies van der Rohe, Barcelona 2003 – Herreros Publicação do livro “Cambio + Energía + Información, Palacios de la diversión – Isla San Miguel”, LMI, Madrid 2003 - Projecto Novo Museu de Arquitectura Contemporânea, Nova Iorque, EUA 2003 – Torre Solar, Valência, Espanha 2003-2004 – 10JH Habitações para jovens, Barcelona, Espanha 2004 – Herreros “Infraestructuras Residenciales de Uso Público”, Workshop internacional de Projectos a bordo do cargueiro NAUMON organizado pela fundación Mies van der Rohe com a colaboração dos Fura del Baus 2004 - Projecto Learning Center da EPFL, Lausane, Suíça 2005 – Ábalos Publicação do livro “Campos de Batalla”, COAC publicações, Barcelona 2005 – APTM, Propuesta para vivienda básica, Construmat 2005 - Projecto Orange County Great Park, Irvine, EUA 2006 – Ábalos Publicação do livro “Atlas Pintoresco Vol. I”

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Anexo - Biografia de Ábalos & Herreros


BIBLIOGRAFIA

A citação de textos é referenciada durante o trabalho de modo abreviado imediatamente a seguir à citação e com o seguinte critério de informação: [Nome do autor, ano, página]. Quando a referência faz parte de uma compilação de textos, ou de uma revista, o nome/número do livro/revista são acrescentados do seguinte modo: [Nome do autor, nome/número do livro/revista, ano, página]. A Bibliografia é organizada segundo um critério de ano da primeira publicação original ou, caso esta não venha indicada, por ano da edição a que acedi na elaboração deste trabalho. Para simplificação da consulta, e como a origem da citação é diferenciada, a bibliografia organizase segundo o tipo de fonte: livros, revistas, sites e outros. Todas as citações são mantidas na versão a que foi acedida, quer se trate da versão original ou da versão traduzida. Contudo, sempre que possível, procurei usar as versões na língua materna dos seus autores. Foram evitadas as traduções pessoais de modo a não desvirtuar de modo algum o sentido e/ou objectivo das palavras originais dos autores. Todas as definições do dicionário presentes no corpo livre ao longo desta prova são retiradas do Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, excepto quando são referenciadas outras fontes.

LIVROS 1979 John Habraken, El diseño de soportes, Barcelona: Gustavo Gili, 1979

1989 Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Tomo I e II, Portugal: Círculo de Leitores, 1985 Richard Rorty, Contingency, Irony and Solidarity, Cambridge: Cambridge University Press, 1989, versão potuguesa: Contingência, Ironia e Solidariedade, Lisboa: Editorial Presença, 1994

1990 Catherine Coley, Jean Prouvé en Lorraine, Nancy: Presses Universitaires,Archives Moderne de l’Architecture Lorraine, 1990 Jean Claude Bignon e Catherine Coley, Jean Prouvé : entre artisanat et industrie : 1923-1939, Nancy: Archives Moderne de l’Architecture Lorraine, E.A.N., 1990

1992 Colin G. Pooley, Housing strategies in Europe : 1880-1930, - Leicester : University Press, 1992 Iñaki Ábalos e Juan Herreros, Tecnica y arquitectura en la ciudad contemporânea, 1950-1990 , Madrid: Nerea, 1992

1993 Alejandro Zaera, Ábalos & Herreros, Barcelona: Gustavo Gili, 1993-96 Catherine Coley, Jean Prouvé, Paris: Centre Georges Pompidou, 1993

1994 Françoise Marquet, Archigram, Paris: Centre Georges Pompidou, 1994

1997 Iñaki Ábalos e Juan Herreros, Áreas de Impunidad, Barcelona: Actar, 1997

Bibliografia

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Mario Losasso, La Casa Che Cambia – progetto e innovazione tecnológica nell’edilizia residenziale, Nápoles: Clean Edizioni, 1997 Mary Banham, Paul Barker, Sutherlan Lyall e Cedric Price, A Critic Writes: Essays by Reyner Banham, Berkeley: University of Califórnia Press, 1997

1998 John Habraken, The structure of the ordinary : form and control in the built environment, Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1998 Manuel Gausa e Jaime Salazar, Housing. Nuevas alternativas, nuevos sistemas, Barcelona: Actar, 1998 Robert Kronenburg, Transportable enviroments : theory, context design and technology, Londres: Spon Press, 1998

1999 Peter Cook, Archigram, Nova Iorque: Princeton Architectural Press, 1999

2000 Iñaki Ábalos e Juan Herreros, Reciclando Madrid, Barcelona: Actar, 2000 Peter Sulzer, Jean Prouvé : oeuvre complete, Vol. I 1917-1933, Vol. II 1934-1944, Vol. III 1944-1954, Basileia: Birkhäuser, 2000-03

2001 Diccionario Metapolis de la Arquitectura Avanzada, Barcelona: Actar, 2001 Inãki Ábalos, La Buena Vida, visita guiada a las casas de la modernidad, Barcelona: Gustavo Gili, 2001

2002 Living in Motion – Design and architecture for flexible dwelling, Weil am Rhein: Vitra Design Museum, 2002

2003 Cedric Price, Re: CP, Basileia: Birkhäuser, 2003 Christian Enjolras, Jean Prouvé : les maisons de meudon : 1949-1999, Paris : Éditions de la Villette, 2003 Proyecto Casa Barcelona, Barcelona: Construmat Barcelona, 2003 Robert Kronenburg, Transportable enviroments 2 : theory, context design and technology, Londres: Spon Press, 2003

2004 Peter Zumthor, Pensar la arquitectura, Barcelona: Gustavo Gili, 2004

2005 APTM 30m2, six minimal apartments projects, Barcelona: Construmat Barcelona, 2005 Armelle Lavalou, Conversas com Jean Prouvé, Barcelona : Gustavo Gili, 2005 John Habraken, Palladio’s children, Londres: Taylor & Francis, 2005 Kim Jeoung-eun e Kim Hyouk-Joon, Dance with Archigram, Seul: Space publishing, 2005 Mansilla, Rojo, Tuñón, Escritos Circenses, Barcelona: Gustavo Gili, 2005

2006 Peter Zumthor, Atmosferas, Barcelona: Gustavo Gili, 2006

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Bibliografia


Rui Braz Afonso e Gonçalo Furtado, Arquitectura – máquina e corpo, Notas sobre as novas tecnologias na Arquitectura, Porto: FAUP publicações, 2006 Self-sufficient Housing, IAAC 1st Advanced Architecture Contest, Barcelona: Actar, 2006 Yona Friedman, Pro Domo, Barcelona: Actar, 2006

2007 Casas, Kazuyo Sejima + Ryue Nishizawa, SANAA, Espanha: Actar MUSAC, 2007

REVISTAS 2G n22 – Ábalos & Herreros, Barcelona: Gustavo Gili, 2002

a+t n12 – Housing and Flexibility [I], Espanha: a+t ediciones, 1998 n13 – Housing and Flexibility [II], Espanha: a+t ediciones, 1998 n19 – Density [I], Espanha: a+t ediciones, 2002 n20 – Density [II], Espanha: a+t ediciones, 2002

El Croquis n71 – Toyo Ito, Madrid: El Croquis, 1995 n77 [I] – Kazuyo Sejima 1988-1996, Madrid: El Croquis, 1996 n99 – Kazuyo Sejima + Ryue Nishizawa 1995-2000, Madrid: El Croquis, 2000 n118 – cero.9 + ábalos & herreros + no.mad, Madrid: El Croquis, 2004

Jornal Arquitectos n220/221, Portugal: Ordem dos Arquitectos, Julho/Dezembro 2005 n223, Portugal: Ordem dos Arquitectos, Abril/Junho 2006

SITES http://sanaa.co.jp/ http://www.abalos-herreros.com http://www.abalos-herreros.com/printing/entrevista.htm http://www.abalos-herreros.com/printing/curriculum.htm http://www.alvaraalto.fi/designseminar/choices/lecturers.htm#abalos http://www.arranz.net/web.arch-mag.com/3/cafe/cafe1ts.html http://www.ar te .tv/fr/connaissance-decouver te/architectures-nancy/La-maison-de-JeanProuve/779322,CmC=854412.html

Bibliografia

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http://www.construlink.com/Homepage/verDestaqueArquitectura.php?id=20 http://www.danda.be/gallery/12/ http://www.danda.be/gallery/103/ http://www.danda.be/gallery/architect/toyo-ito/ http://www.designboom.com/eng/interview/sanaa.html http://www.diariodelanzarote.com/2005/12/19/19122005-i単aki_abalos.htm http://www.europaconcorsi.com/db/arch/metodo.php?id=10752 http://www.expocasa.es/noticias/?pagina=detallenoticia&id=53 http://www.galinsky.com/buildings/sendaimediatheque/ http://www.geocities.com/medit1976b/abalos.htm http://www.icon-magazine.co.uk/issues/027/andh.htm http://www.ivam.es/proyecto_ampliacion/ampliacion/uk/pagina.htm http://www.joecolombo.com/

OUTROS DVD Living Box, Prefab Living Units Design Competition, Bari: edilportale.com, 2006

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Bibliografia


CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS

As imagens são apresentadas neste trabalho como um complemento da informação do corpo principal. Por este motivo surgem integradas na numeração absoluta atribuída à informação incluída no corpo livre, seja ela na forma de textos complementares, definicões do dicionário ou imagens. Os créditos aqui apresentados referem-se apenas às imagens, minhas ou de outros autores, presentes neste trabalho. Quando se trata de uma referência em que eu conjuguei várias imagens de autores/ origens distintas, atribuo os respectivos créditos por um critério de localização da imagem na composição. Os créditos das imagens nunca são expostos junto das mesmas ao longo do trabalho, salvo situações particulares em que tal associação é considerada importante para a informação que pretendo transmitir.

003 _ em “Áreas de Impunidad” pág. 139 004 _ em “Áreas de Impunidad” pág. 138 005 _ em “Áreas de Impunidad” pág. 141 008 _ em img.alibaba.com-photo-50572184-PVDF_Coated_Aluminum_Composite_Panel.jpg 009 _ da esquerda para a direita: www.stationhotelportsoy.co.uk/images/portsoy-caravan%20site.jpg; Fo-

tomontagem das Casas Ah em “Áreas de Impunidad” pág. 142 010 _ em “Áreas de Impunidad” pág. 145 011 _ em “Áreas de Impunidad” pág. 146 012 _ em “Áreas de Impunidad” pág. 137 013 _ em “Áreas de Impunidad” pág. 138 014 _ em “Áreas de Impunidad” pág. 149 022 _ em “The good life - A guided visit to the houses of modernity”, de Iñaki Ábalos, pág. 181 023 _ da esquerda para a direita: www.sauter-controls.com/pdm/c738c1528f06b73824c3df6efa1cfcf.

jpg; classroom.la.utexas.edu/photographs/phto_eps1128_07; www.aprilaire.com/themes/aa/en/images/ products_thermostat_detail.jpg 024 _ da esquerda para a direita: www.flayderman.com/catalogs1_small.jpg; www.istockphoto.com/file_c

loseup/?id=1456117&refnum=226019 028 _ caixas Brillo de Andy Warhol em http://www.artnet.com/artwork_images/139637/ 137552.jpg ;

Fotomontagem das Casas Ah em “Áreas de Impunidad” pág. 142 037 _ máquina industrial em www.forpd.ucf.edu/ newsletter/industrial.jpg; microchip em www.edtp.com/

site_ jpegs/ftplus_1200.jpg 038 _ à esquerda em cima - www.4guysfromviewpoint.com/uploadedimages/Rich%20Guy.JPG; à esquer-

da em baixo - aldoadv.files.wordpress.com/2007/01/fome.jpg; à direita em cima - 38one.com/logos/rich. poor.jpg; à direita em baixo - courses.washington.edu/urbanla/makie/homeless_chinese_lady.jpg 040 _ por obras. Viviendas en la M-30: Croquis n62/63 pág. 106 e 113. Viviendas en la Diagonal: “Hou-

sing” pág. 30. Casas AH: “Áreas de Impunidad” pág. 138 e 139. Casa Gordillo: “Áreas de Impunidad” pág. 152 e 161. Villa FG: “Reciclando Madrid” pág. 33 e 36. Conjunto residencial Es Pil.lari: 2G n22 pág. 58. Casa Mora: 2G n22 pág. 49 e 50. Torres Mixtas Bioclimáticas: fotografia de Alberto Gil Ferreira da Silva à maqueta do projecto exposta em Madrid e El Croquis n118 pág. 255. Plaza e Torre Woermann: El Croquis n118 pág. 237 e 238. Projecto APTM Piso Piloto: “APTM 30m2, six minimal apartments projects” pág. 143 e 166.

Créditos

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045 _ móvel egípcio em www.kingtutshop.com/freeinfo/furniture.gif; móvel actual em www.ikea.pt 048 _ em users.skynet.be/ lit/hamilton.jpg 049 _ em www.tate.org.uk/collection/P/P11/P11358_9.jpg 050 _ colagem digital de Alberto Gil Ferreira da Silva com as seguintes imagens: images.businessweek.

com/ss/06/07/architects/image/archimage7.jpg; www.1worldglobes.com/ images/furniture/z135ov3.jpg; www.friendstv.com.br/Friends%20-%20Couples%2001.jpg; www.lunaroutpost.com/gallery/earth/images/ earth_full_hires%20copy.jpg; macmagazine.com.br/blog/wp-content/uploads/2007/02/13-iphone_meizu. jpg; www.lunafurniture.com/ screensaver/14image.jpg; i1.treklens.com/photos/ 16268/happy_dog.jpg; static.howstuffworks.com/ gif/diet-mcdonald.jpg; base de imagens art.lantis Peo_006.tga e Peo_010. TGA; shjiayun.en.alibaba.com/product/50101268/50452787/Interior_and_Exterior_Open_Casement_Window_Door/Interior_and_Exterior_Open_Casement_Door.html; ww3.worldisround.com/ photos/27/588/487.jpg; www.ireviewelectronics.com/2005/11/; www.guasabi.com/catalog/images/ PUFF%20Azulrey2.png; img.alibaba.com/photo/ 11308248/Pizza_Box.jpg; www.classicresorts.ie/images/ upload/653_ParadiseSunmain.jpg; www.ultimatetaxi.com/vacation_photos/paradise_island_bahamas1.jpg; www.tropicalcruise.co.uk/images/resorts/paradise/paradise-island-9.jpg; flickr.com/photos/ renatadiem/96281095/; biucsproject.org/images/ls_paradise.jpg; www.villahotels.com/images/ParadiseIsland_AerialN_m.jpg; img2.travelblog.org/Photos/1/79678/f/488046-Underwater-Paradise-1.jpg; imaginarymuseum-archive.org/OogWeb/s07iran-iraq-war.jpg; naturity.files.wordpress.com/2007/03/iraq-war-426. jpg; www.cs.cmu.edu/~ph/pix/iraq_war_files/image002.jpg; cache.boston.com/bonzai-fba/AFP_Photo/20 06/09/28/1159438877_9412.jpg; www.shiptonblog.com/uploaded_images/you-tube-war-fun-729117.jpg; www.agrnews.org/issues/306/cover.jpg; www.prisonplanet.com/images/march2006/100306iraq.jpg; www. fotos.geschichtsthemen.de/iraq-war/fotos/04_12_iraq_b.jpg; www.unconfirmedsources.com/nucleus/ media/3/20060318-operation_swarmer.jpg 052 _ em www.apple.com/iphone 054 _ em www.bbc.co.uk/home/images/main_promo/bbc1/panorama 055 _ em www.lomo-expedition.de/MY_Kuala_Lumpur_2004_01_16_Die_LoMos_vor_dem_hoechs-

ten_Gebaeude_der_Welt.jpg 056 _ em pt.topten.info/uploads/images/system/default/etiqueta_energetica.jpg 057 _ da esquerda para a direita: www.dac.dk/db/filarkiv/7729/guggenheim_bilbao_catia_2_Photocre-

dit_Gehry_Technologies_Gehry_Partners_LLP.jpg; www.spanish-living.com/images/Guggenheim%20 Volumenes%20delanteros%20vista%20dcha.JPG 062 _ em El Croquis n118, pág. 174 063 _ em El Croquis n118, pág. 180 064 _ em El Croquis n118, pág. 183 067 _ em www.theage.com.au/ffximage/2005/03/07/lourve_crowd_gallery__550x378.jpg 071 _ em www.gbl.tuwien.ac.at/_docs/modul/04/SpezialgebieteWS04/Referenzprojekte/cedric%20pri-

ze,%20interaction%20centre%20london%201971.jpg 072 _ em “Re: CP”, pág. 18 e 19 073 _ em “Re: CP”, pág. 98 e 99 080 _ em boomer-cafe.net/version2/images/stories/architecture/prouve/prouve_maisondupeuple.jpg 082 _ em www.parisbalades.com/PhotoA/k-l-m/Maison_de_verre_interieur.jpg 084 _ da esquerda para a direita: em “Áreas de Impunidad”, pág. 176 e 152 085 _ em “Áreas de Impunidad”, pág. 146 e 147 086 _ em “Pro-Domo”, pág. 55 087 _ em gammm.org/wp-content/uploads/2007/05/yona_friedmanmerzstrukturen.jpg 088 _ da esquerda para a direita: archive-www.smt.city.sendai.jp/ja/data/mediatheque/competition/ima-

ges/competition1_l.gif; images.businessweek.com/ss/07/01/0102_wow_libraries/image/09002.jpg

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Créditos


089 _ em cima à esquerda: www.ivam.es/proyecto_ampliacion/ampliacion/images/maqueta2.jpg; em

baixo à esquerda: www.ivam.es/proyecto_ampliacion/ampliacion/images/piel.gif; à direita: fotografia de Alberto Gil Ferreira da Silva da maquesta do projecto numa exposição em Madrid 091 _ em “Pro-Domo”, pág. 26 092 _ em “Pro-Domo”, pág. 34 093 _ em “Pro-Domo”, pág. 54 094 _ catálogos de origens variadas: www.estimation.ca/images/logo/catalogue.jpg; www.dalcoworld.

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ressante.com.br/loja/images/computador.jpg. em baixo da esquerda para a direita: www.ramosequeira.pt/ imagens/fundo_esqrac.jpg; www.medinaimoveis.com.br/images/obras/casatijolo.jpg 106 _ em “Proyecto Casa Barcelona” 107 _ em “Proyecto Casa Barcelona” 109 _ em “Proyecto Casa Barcelona” 110 _ em “Proyecto Casa Barcelona” 111 _ em “Proyecto Casa Barcelona” 112 _ em www.arte.tv/i18n/content/tv/02__Communities/C4-knowledge_20and_20discovery/03-

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Dossier/architecture/2005.04.26__Archi10__JProuve/Images/plan__maisonjean_20prouv_C3_ A9/854890,property=imageData.gif 115 _ em claude.fourcaulx.free.fr/mon_hist/Jean%20PROUVE/chezlui.jpg 117 _ em DVD “Living Box”, Pandora’s Box - Painél 1, de Alberto Gil Ferreira da Silva 118 _ em DVD “Living Box”, Pandora’s Box - Painél 2, de Alberto Gil Ferreira da Silva 119 _ em DVD “Living Box”, Pandora’s Box - Painél 3, de Alberto Gil Ferreira da Silva 120 _ em DVD “Living Box”, Pandora’s Box - Painél 4, de Alberto Gil Ferreira da Silva 121 _ em DVD “Living Box”, Pandora’s Box - Painél 5, de Alberto Gil Ferreira da Silva 123 _ em participação no 17º Concurso Pladur: Tn, casa de um casa de todos. Projecto de Alberto Gil

Ferreira da Silva e Joana Dias de Magalhães 124 _ em participação no 17º Concurso Pladur: Tn, casa de um casa de todos. Projecto de Alberto Gil

Ferreira da Silva e Joana Dias de Magalhães 125 _ em participação no 17º Concurso Pladur: Tn, casa de um casa de todos. Projecto de Alberto Gil

Ferreira da Silva e Joana Dias de Magalhães 126 _ em participação no 17º Concurso Pladur: Tn, casa de um casa de todos. Projecto de Alberto Gil

Ferreira da Silva e Joana Dias de Magalhães 128 _ imagem digital de espaço abstracto estruturado, de Alberto Gil Ferreira da Silva

Créditos

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Prova Final acompanhada pelo Professor Arqt.º Manuel Mendes. Estágio realizado no período de 1 de Outubro de 2006 a 30 de Março de 2007, sob a responsabilidade do Arqt.º Victor Sousa.


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