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FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Trabalho Final de Graduação
Giovana Ferraz de Camargo Cibim Orientador: Reginaldo Ronconi
CONSTRUIR E DESCONSTRUIR PRECONCEITOS, LIMITAÇÕES E POTENCIALIDADES DA TERRA COMO MATERIAL CONSTRUTIVO São Paulo | Dezembro de 2016
Ao Lamartine, por estar presente mesmo quando nĂŁo se vĂŞ.
Agradeço, Ao Prof. Reginaldo pela orientação atenciosa e pelo estímulo para seguir com o tema. Ao Leo por encarar o início dessa empreitada mesmo sem saber se chegaríamos em algum lugar. Aos profissionais do LAME e do Canteiro Experimental, em especial ao Romerito e sua paciência, pois sem ele a experiência prática não teria sido possível e nem tão divertida. Aos amigos que fiz ao longo de todos esses anos de curso e que espero levar por muito mais tempo, mas especialmente à Gabs e Lu, presentes desde o primeiro dia de tinta na cara, e à Lau e Mari por completar o grupo e também dividir intensamente os vários momentos bons e ruins, festas e trabalhos, crises e conquistas. Agradeço imensamente à minha família maravilhosa, a todos os tios, tias e primos que estão sempre presentes nessa coisa especial e gostosa que temos, principalmente à vovó Célia pelo carinho infinito traduzido em praticamente sete anos de marmitinhas. Aos meus pais queridos que sempre me apoiaram nas escolhas que fiz. Ao meu pai César pelo carinho e vontade de acompanhar bem de perto a graduação, querendo ver as notas no ‘boletim’ a cada semestre; à minha mãe Carmem por criar os filhos pro mundo e pela sua sabedoria em entender que às vezes o silêncio é a melhor forma de conversar; ao Rafael pela parceria que cresceu ainda mais neste ano de divisão de apê e por ser mais racional, logo menos maluco, do que eu; e à Catarina pela gentileza e pelo carinho incondicional que tem por tudo e por todos. Ao Gustavo, meu melhor amigo, pela enorme paciência, parceria, carinho, compreensão e por ser tão bom. Com você eu aprendi tanto e sem você provavelmente as crises da vida seriam mais complicadas. À FAU pelas experiências, oportunidades e caminhos que me apresentou.
Sumário 09
TERRA? TERRA POR QUÊ? Notas introdutórias
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HISTÓRICO
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O QUE É? O material
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COMO FAZ? As técnicas
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POTENCIALIDADES
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LIMITAÇÕES
59
DESENVOLVIMENTO ATUAL
85
MÃOS NA MASSA! Experiência prática
99
DESCONSTRUINDO o preconceito e CONSTRUINDO com terra
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Reflexões
104
REFERÊNCIAS
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IMAGENS 9
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TERRA? TERRA POR QUÊ? Notas introdutórias
1 A fim de se obter uma continuidade no texto, optei por utilizar neste trabalho as citações traduzidas do espanhol ou do inglês, tomando bastante cuidado para que os seus conteúdos não fossem distorcidos.
Imagem a esquerda 1.Pau-a-pique
Com a crescente discussão sobre o futuro do planeta em relação à escassez de recursos naturais e degradação ambiental, a terra como material construtivo tem sido revista e rediscutida no ambiente acadêmico e procurada por pessoas que aspiram uma vida mais natural e sustentável. Por ser um material abundante e utilizado desde o início das civilizações nos mais diversos cantos do mundo, com alguns exemplares construídos há milhares de anos e que resistem até hoje, a terra crua se mostra como durável, acessível e adequada para fins construtivos. No entanto, apesar de suas inúmeras qualidades, tanto conhecidas pelos povos ancestrais quanto pelos estudiosos atuais, o maior inimigo para sua equiparação aos materiais convencionais e a difusão do seu uso na construção contemporânea ainda é o preconceito, sustentado pela falta de informação. O objetivo inicial deste trabalho, como conclusão de curso, foi conhecer este material construtivo mais a fundo e entender o que o levou à classificação de alternativo uma vez que já foi o principal material em alguns lugares, além de compreender o seu uso sistêmico, sua dinâmica de utilização, suas possibilidades e limitações, como tem se desenvolvido ao longo do tempo e qual a sua aplicação contemporânea. Para isso foi levantada uma bibliografia1, composta de manuais construtivos, artigos e teses sobre a utilização e comportamento do material e livros sobre a transformação na construção ocorrida ao longo dos anos. Como principais referências destaca-se a publicação de Gernot Minke (2009): Building with earth - Design and technology of a sustainable architecture, que apresenta uma extensa coletânea de resultados obtidos nas pesquisas e experiências desenvolvidas no Building Research Laboratory (BRL) da Universidade de Kassel, na Alemanha, além de exemplos construídos entre 1985 e 2000; as publicações da Rede Proterra com suas informações técnicas acerca da seleção de solos e técnicas construtivas, e o livro resultante da exposição “Arquitetura de Terra” (Architeture de Terre) idealizada e realizada por Jean Dethier, do Centre Georges Pompidou, e que passou pelo Brasil sob a coordenação de Giovanna Rosso del Brena e reuniu vários arquitetos nacionais, com experiência de construções em terra crua, para participarem da parte brasileira da exposição. Também foi realizado um levantamento de alguns exemplos obras recentes e entrevistas com pessoas que trabalham atualmente com esse material para a compreensão de como a terra tem sido vista e utilizada atualmente. E por fim, para promover a apropriação pessoal do material e permitir a compreensão da lógica da aplicação da terra em uma técnica foi proposto um exercício prático que consistiu na construção de um protótipo de uma parede de taipa realizado no canteiro experimental da FAUUSP.
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HISTÓRICO De convencional a alternativo
A terra pode ser considerada um dos primeiros e principais materiais construtivos utilizados pelo homem. Existem registros de vestígios arqueológicos e históricos de seu uso desde quando as cidades começaram a ser edificadas, há cerca de 10.000 anos - como em Jericó, na Palestina, onde foram encontrados exemplares ancestrais do tijolo de adobe em sítios arqueológicos que datam de 8000 a.C. -, e desde então casas semienterradas, térreas ou com dois ou mais pavimentos, depósitos, aquedutos, templos, zigurates, pirâmides, monastérios, igrejas, mesquitas, muralhas e até cidades inteiras feitas em terra - como Shibam, no Iêmen, conhecida como a “Manhattan do deserto”- foram construídas nos mais diversos cantos do planeta. Até mesmo a muralha da China contém partes de sua extensão erigidas em terra. Material presente em todo o planeta, seu uso não está restrito apenas a regiões de clima quente e árido: podemos encontrar construções de terra adaptadas aos mais diferentes condicionantes climáticos, dos países nórdicos ao extremo sul da África.
Imagens a esquerda: 2.Grande Mesquita de Djénne (superior) e 3.Antiga Cidade Murada de Shibam (inferior) Imagens abaixo: 4.Fachada da Mesquita de Djénne, 5.Interior da cidade de Shibam e 6.Vista aérea de Shibam
”É interessante comprovar que a universalidade dessas arquiteturas declina-se em uma enorme diversidade de adaptações técnicas e culturais, sempre bem apropriadas às necessidades locais das comunidades rurais e urbanas mais variadas. ” (DETHIER, 1984)
Alguns destes exemplares históricos resistem ao tempo até hoje e se mantém em uso, como, por exemplo, a mesquita de Djénne em Mali (1280 d.C.), atualmente a maior construção em adobe do mundo.
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O levantamento da UNESCO de 2012 sobre o patrimônio mundial de arquitetura de terra (World Heritage Inventory of Earthen Architecture – WHEAP, 2012) mapeou 150 propriedades edificadas ao redor de todo o planeta que foram cadastradas na instituição e demarcou as regiões do globo que possuem construções com terra, evidenciando a presença deste material na construção em todos os cinco continentes:
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Imagem: 7. Mapa retirado do levantamento da UNESCO (2012)
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No Brasil, o uso da terra crua nas edificações foi provavelmente trazido pelos portugueses, espanhóis e africanos no período de colonização, pois, até hoje não há muitos registros históricos confirmando se os índios tinham em sua cultura o costume de utilizar este material na construção. Os portugueses e espanhóis, por sua vez, entraram em contato com técnicas construtivas de terra graças aos árabes, consequência da ocupação moura da Península Ibérica. Segundo Houben e Guillaud (1989 apud DOS SANTOS, 2015), a construção com terra surgiu na África e na Ásia e, então, as diversas técnicas foram difundidas pelo mundo.
Amplamente utilizada no período colonial, a arquitetura de terra brasileira pode ser encontrada principalmente em igrejas - como a Igreja dos Santos Cosme e Damião, erguida originalmente em taipa no ano de 1535 na região metropolitana de Recife e considerada a igreja mais antiga do Brasil ainda em funcionamento - e em casarios, como as casas grandes e casas bandeiristas.
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São Paulo particularmente foi toda erigida em terra. Carlos Lemos (1985) afirma que a adoção deste material se deu por exclusão, ou seja, pelo fato da cidade estar localizada no Planalto e não ter pedras, calcários ou madeira disponíveis em grande quantidade em suas proximidades e pelo transporte ser muito difícil naquela época, sem estradas de pavimentação adequada, a terra se tornou a opção mais fácil e lógica. “(...) Portanto, quando coube ao padre Afonso Brás construir a igreja nova em substituição à de palha da primeira missa, ele escolheu, por exclusão, a taipa de pilão para as paredes do pequeno templo. A partir dessa decisão, aquela técnica construtiva passou a ser usada sistematicamente no burgo em crescimento, de modo especial depois da chegada dos moradores que tinham abandonado Santo André da Borda do Campo atraídos pela presença dos padres. A taipa de pilão, com todas as suas limitações, passou logo a caracterizar as construções bandeirantes, vindo a constituir um dado prevalente no quadro do Patrimônio Cultural paulista. (...) A taipa de pilão simbolizou a civilização paulista, dando caráter peculiar às cidades, aos estabelecimentos rurais. ” (LEMOS, 1985)
Dessa forma, todos moravam sob as mesmas condições, fossem ricos ou pobres. As variações das casas de taipa de pilão eram quantitativas e não qualitativas, ou seja, distinguia-se a casa das diferentes classes sociais pelo número de quartos e andares que continha, sendo comum sobrados de até dois andares para os mais endinheirados. O autor ainda descreve que a taipa de mão era somente utilizada para fazer as repartições internas da casa, provavelmente por ser considerada uma técnica menos nobre.
Decadência e construção do preconceito
Imagens na página anterior: 8.Mapa da difusão das técnicas de construção com terra, 9.Vista da cidade de Ouro Preto - MG, 10.Igreja de São Cosme e Damião em Recife - PE. Imagem acima: 11.Rua em Ouro Preto
Se os acontecimentos históricos mundiais forem confrontados com a frequência de utilização da terra na construção percebe-se um declínio de seu uso a partir do século XIX, período em que começa a ceder espaço a outros materiais de construção devido principalmente à crescente industrialização do pós-II Guerra, embora nunca tenha deixado de ser utilizada. Nesta época surgiram e foram viabilizados novos materiais em escala industrial, a energia foi barateada e o transporte se tornou mais fácil e rápido, o que trouxe uma consequente evolução das técnicas construtivas, fato que, segundo Mazza (1984): 17
“(...) de um modo geral, desvinculou a construção dos materiais locais, a construção do espaço urbano na sociedade moderna se transformou numa indústria como as outras, regida pelas mesmas leis de produção e a terra foi sendo substituída por materiais cada vez mais sofisticados, como o aço, o concreto, o alumínio, os plásticos, etc.”
Em virtude da facilidade de adquirir e, portanto, substituir rapidamente os mais diversos materiais e da busca da praticidade no dia-a-dia, a terra, por requerer em sua forma tradicional um cuidado anual para a conservação e tratamento a fim de evitar a sua degradação, demandando assim tempo e atenção, foi abandonada pouco a pouco em favor de materiais considerados ‘nobres’ que, como define Olarte e Guzmán (1993): “(...) com a mesma origem, requerem menor manutenção, entendendo-se em ambos os casos que socialmente não se admite o envelhecimento ou a transformação com o passar do tempo. Eles devem conservar o aspecto inicial com independência do tempo transcorrido. ” Além da mudança da escala de produção, dinâmica e relação com os materiais construtivos trazida pela industrialização crescente, pode-se apontar o modernismo e a difusão do ‘Estilo Internacional’, uma vertente do funcionalismo, como agente determinante do abandono massivo da terra como material construtivo em benefício dos novos materiais. Tal movimento arquitetônico, ligado ao Zeitgeist (espírito da época) da cultura tecnológica do século XX e ao desenvolvimento de uma estética da máquina, recusava qualquer tipo de ornamentação e referências ao passado e foi difundido, às vezes imposto, e reproduzido como um modelo cultural das sociedades ocidentais mais ricas, influentes e poderosas. Desta forma, como destaca Mullender (1984), a valorização do progresso econômico e social do Estilo Internacional gerou a normatização do habitat, a cópia e homogeneização de ideais estéticos de outros países e, por consequência, o surgimento do preconceito com o que tudo não tenha aparência moderna. Assim, foram menosprezadas tradições regionais e técnicas manufaturais, 18
NOTAS 2 Neste período do pós-II guerra (1946) foi notável a atuação do arquiteto Hassan Fathy no Egito na luta para a valorização das tecnologias apoiadas no 'saber fazer' e na sabedoria local e para a permanência da construção com terra em detrimento do uso dos materiais ocidentais extremamente caros para a realidade da maioria da população egípcia. 3 “A campanha pelo abandono definitivo da taipa de pilão nas construções, a partir de 1860/65, parece que iniciou-se no meio dos fazendeiros de café (...)” (LEMOS, 1985, p. 40)
parte do patrimônio imaterial das culturas, e a terra desprezada, pois já não evocava as ideias de riqueza e desenvolvimento como faziam os materiais modernos. No período em que as técnicas de construção com terra foram massivamente abandonadas e uma geração inteira de arquitetos, engenheiros, funcionários, agentes da construção e construtores deixaram de construir este material, o conhecimento comum que era passado de construtor para construtor foi se perdendo, e, dessa forma, a qualidade da técnica também (McHENRY, 1984), causando o desaparecimento de ofícios e criando uma lacuna no conhecimento construtivo acumulado transmitido de forma oral. No entanto, não desapareceu completamente, mas a sua utilização foi relegada a regiões onde materiais processados são escassos e não há condições de importá-los ou pagar mais por energia para produzí-los e transportá-los. Nestes locais o uso de soluções, materiais e conhecimento disponíveis localmente às vezes é a única opção. Então, a terra crua, utilizada no habitat individual frequentemente por construtores majoritariamente rurais e geralmente de pouca educação formal, passou a ser identificada como uma arquitetura de penúria e de pobreza2. No caso específico de São Paulo, Lemos (1985) aponta que a utilização da terra na construção diminuiu substancialmente com o avanço da economia do café, que popularizou o tijolo3, e praticamente desapareceu com a chegada dos imigrantes, principalmente italianos. Como complementa Del Brenna (1984), tal abandono coincidiu com as primeiras experiências de construção em solo-cimento, seu herdeiro direto, e o pau-a-pique permaneceu como solução de emergência ou de sobrevivência.
Doença de Chagas e a imagem do pau-a-pique no Brasil
Imagem: 12. Casa de taipa sem acabamento no Rio Grande do Norte.
Em decorrência da perda do conhecimento, grande parte das construções da camada da sociedade de baixo poder aquisitivo e pouca informação - não só da capital paulista, mas de todo o país - era e ainda é feita de taipa não revestida por reboco, o que deixa expostas as fissuras e frestas advindas da retração natural da terra quando seca e permite o aninhamento de insetos nos pequenos vãos que ficam nas paredes. Isto contribuiu para que as casas de terra crua, principalmente as de pau-a-pique, fossem diretamente relacionadas com a incidência da Doença de Chagas. Entretanto, conforme aponta Silva (2000), o barbeiro (Trypanosoma cruzi), inseto vetor da doença, pode viver nas frestas ou buracos nas paredes das casas mal conservadas ou mal rebocadas, sejam estas construídas de terra, tijolos cerâmicos ou madeira, assim como pode instalar-se também no mobiliário, como colchões, camas velhas, baús e móveis em geral. Dessa 19
forma, depreende-se que a Doença de Chagas não ocorre somente nas casas de barro, mas em qualquer tipo de casa mal cuidada, que apresente frestas e rachaduras em suas paredes ou que tenha locais que o inseto possa se esconder. Assim, se as casas de pau-a-pique fossem bem construídas, como eram no início do século, não serviriam de alojamento para os insetos. Alvarenga (1995) ainda destaca que o problema desta doença se encontra no desequilíbrio ecológico das regiões pesquisadas, onde há por vezes o intenso desmatamento da vegetação, o que contribui para o deslocamento do barbeiro de seu habitat natural para as habitações. Recomendações do Ministério da Saúde nas campanhas de erradicação da doença apresentavam duas ações para o combate ao vetor: a borrifação periódica de inseticidas nas casas situadas em áreas endêmicas e a melhoria das condições das moradias do meio rural. Em 1958, o engenheiro Álvaro Milanez organizou um estudo para o Ministério da Saúde intitulado “Casa de Terra - as técnicas de estabilização do solo a serviço do homem do campo”, que versava sobre a utilização da terra nas construções rurais brasileiras e com isso aconselhava que essas melhorias fossem feitas utilizando-se o próprio sistema construtivo local, ou seja, o pau-a-pique. Entretanto, as várias outras campanhas de controle da endemia em questão realizadas posteriormente traziam a ação de melhoria das habitações rurais, mas não consideravam a recomendação de Milanez quanto ao uso da própria técnica local, chegando ao ponto em que passaram a indicar a substituição das casas de pau-a-pique por casas de alvenaria (M. da Saúde/ SUCAM, 1990 apud Dos Santos (2015) declara que este é um fator que SILVA,2000). comprometeu profundamente a imagem da terra como material construtivo no Brasil, pois ficou estigmatizado como causador principal da doença de Chagas, como se esta fosse um problema do material e não da falta de instrução da população que levou ao emprego inadequado da técnica e consequente má execução.
Revalorização e 'ressurgimento'
Entretanto, impulsionado pela crise energética, principalmente a do petróleo dos anos 80, e pelo consequente crescimento da preocupação com economia de energia e preservação do meio ambiente, a terra voltou a ser estudada e considerada como uma boa alternativa nas construções, estimulando a realização de pesquisas e eventos e resultando na produção de normas construtivas em diversos países (CID et al., 2011), mas sempre dividindo seu espaço de forma não igualitária com outros materiais. Apesar de ganhar vários adeptos nos últimos anos ainda sofre com preconceitos advindos da desinformação da prática e pesquisa (ORNSTEIN, 1995).
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O QUE É? O material
Composição
A terra é um material construtivo de classificação mineral, resultante da desintegração (intemperismo físico) ou decomposição (intemperismo químico) das rochas presentes na litosfera (camada mais externa de um planeta), e é composta por partículas de diferentes tamanhos e, nas camadas superficiais, matéria orgânica. Para fins construtivos, a terra não deve conter tipo algum de matéria orgânica, por isso é recomendada na sua extração o descarte da primeira camada (horizonte A), por volta de 0,40 m à 1 m, e utilização do horizonte B4.5 As partículas contidas no solo são classificadas de acordo com o seu tamanho. A NBR 6502: Terminologia - Rochas e Solos (ABNT, 1995) traz a classificação granulométrica da terra da seguinte forma:
NOTAS 4 O termo “horizonte” se refere à classificação pedológica do solo: o horizonte A é a camada mais superficial e horizonte B é o subsolo. 5 No entanto, para a proteção do solo, é importante que a matéria orgânica seja devolvida posteriormente a esta superfície explorada para evitar a exposição das camadas inferiores à radiação solar, o que pode comprometer a retenção de água entre as partículas do solo, favorecer a erosão, assoreamento e contaminação das águas superficiais e subterrâneas, afetar a estabilidade de áreas próximas, resultando em dano a qualidade ambiental (KOPEZINSKI, 2000 apud DOS SANTOS,2015).
Pedregulho (ou agregados) – solos formados por minerais ou partículas de rocha, com diâmetro compreendido entre 2,0 e 60,0 mm. Quando arredondados ou semi-arredondados, são denominados cascalhos ou seixos. Divide-se quanto ao diâmetro em: pedregulho fino – (2 a 6 mm), pedregulho médio (6 a 20 mm) e pedregulho grosso (20 a 60 mm). Areia – solo não coesivo e não plástico formado por minerais ou partículas de rochas com diâmetros compreendidos entre 0,06 mm e 2,0 mm. As areias de acordo com o diâmetro classificam-se em: areia fina (0,06 mm a 0,2 mm), areia média (0,2 mm a 0,6 mm) e areia grossa (0,6 mm a 2,0 mm). Silte – solo que apresenta baixa ou nenhuma plasticidade, baixa resistência quando seco ao ar. Suas propriedades dominantes são devidas à parte constituída pela fração silte. É formado por partículas com diâmetros compreendidos entre 0,002 mm e 0,06 mm. Argila – solo de graduação fina constituída por partículas com dimensões menores que 0,002 mm. Apresentam características marcantes de plasticidade; quando suficientemente úmido, molda-se facilmente em diferentes formas, quando seco, apresenta coesão suficiente para construir torrões dificilmente desagregáveis por pressão dos dedos. Caracteriza-se pela sua plasticidade, textura e consistência em seu estado e umidade naturais.
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ARGILA
A TERRA CONTÉM: agregados
É um ligante natural: ela está para uma parede de terra assim como o cimento está para o concreto. É a partícula que absorve e reage com a água, promovendo a coesão entre as demais partículas e gerando expansão ou retração.
2cm a 20cm
cascalho
Sua ‘expansividade’, sua força de coesão e resistência à compressão variam de acordo com o tipo de mineral presente em sua composição, assim como sua coloração varia de acordo com os componentes químicos misturados a estes minerais.
2mm a 2cm
SILTE
areia
60μm a 2mm
É um preenchedor. São partículas estruturalmente inertes. Apesar de suscetíveis às variações de volume na presença de água – e, por isso, poderem ser confundidos com a argila na terra úmida - não apresentam muita coesão e uma quantidade muito grande deste material pode enfraquecer a construção.
argila < 2μm
silte
2μm a 60μm
Imagem 13. As diferentes partículas que compõem a terra, adaptado do projeto àmaco (2016).
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AREIA Assim como o silte e os demais agregados, também é um preenchedor. Funciona como um esqueleto interno e oferece à parede de terra resistência à compressão e estabilidade
Por ser um material natural e presente no mundo todo não apresenta um padrão fixo de composição, já que esta varia de acordo com o local de extração, podendo apresentar diferentes constituições químicas, distribuição granulométrica (ou seja, quantidades variáveis de argila, silte, areia e agregados), e quantidade de matéria orgânica incorporada. Dessa forma, seu comportamento estrutural não é padronizado e variará de acordo com tal composição. O solo geralmente é classificado pelo elemento em maior quantidade, variando entre argiloso, siltoso ou arenoso e cada técnica construtiva exigirá uma composição diferente. Para a construção com terra no geral, Minke (2009) indica usar solos na faixa de 5-30% de argila. O triângulo de Ferret mostra a classificação do solo de acordo com as porcentagens de cada partícula:
Àgua
A água é um elemento importante na construção com terra, pois, como descrito anteriormente, reage com a argila, ativando sua força coesiva e dando à terra plasticidade. ÍNDICES DE CONSISTÊNCIA
Imagem 14. Triângulo de Ferret para classificação do solo (NEVES et al. 2010)
Dependendo da quantidade de água presente no solo, este pode ser classificado como líquido, plástico ou sólido. O Limite de Liquidez (LL) determina a quantidade de água em que o solo passa do estado líquido para o plástico e o Limite de Plasticidade (LP) determina a quantidade de água/umidade em que o solo passa de plástico para semissólido ou sólido. Ambos dependem da quantidade e da composição mineralógica da argila (Neves et al, 2010) e juntos determinam o Índice de Plasticidade (IP) = LL – LP. A plasticidade define o quanto um solo pode ser modelado e manipulado sem apresentar rachaduras ou colapso.
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RETRAÇÃO No processo de secagem, a terra pode apresentar rachaduras devido a dilatação e retração da argila, causada pelas variações de volume decorrentes da modificação da proporção de água. Algumas argilas são mais expansivas que outras e por isso podem gerar maior retração e consequentes fissuras. Minke (2009) coloca em números: “A taxa de retração linear é geralmente 3% a 12% em misturas úmidas (como as usadas para argamassa e tijolos de barro), e entre 0,4% e 2% em misturas mais secas (usadas na taipa e blocos de solo comprimido) ”, e sugere que a retração pode ser minimizada pela redução do teor de argila e água, pela otimização da distribuição granulométrica e pelo uso de aditivos.
GRAU DE COMPACTAÇÃO De modo a alcançar a máxima compactação da terra, esta deve conter uma quantidade específica de água/umidade, chamada de “umidade ótima de compactação”, que permite que as partículas sejam movidas para uma configuração mais densa sem muita fricção (MINKE, 2009). Se a proporção de água é insuficiente, as partículas quase não podem mover-se. Se a proporção de água é excessiva, a terra se umedece em excesso e não apresenta coesão suficiente (BARDOU, 1981).
Ensaios
Para determinar a adequação de uma porção de terra para fins construtivos é necessário que sejam realizados testes para analisar e definir a sua composição e, com isso, estimar o seu comportamento estrutural e verificar se há a necessidade de complementar com aditivos ou estabilizantes para melhorar a sua performance como material construtivo. Tais testes podem ser realizados em laboratório ou em campo. Dentre os diversos ensaios de laboratório desenvolvidos pela Mecânica dos Solos, para a aplicação construtiva da terra temos como principais: os ensaios granulométricos (sedimentação e peneiramento), os de limites de plasticidade (LP) e liquidez (LL), retração e compactação. Todos estes apresentam normas que padronizam os procedimentos de teste e, assim, oferecem resultados quantitativos das características do solo examinado. Se em alguma situação não for possível a realização destes ensaios padronizados, há a possibilidade de realizar alguns testes em campo, que são mais simples e permitem uma seleção preliminar da terra para estimar comportamentos e composição. Para listar alguns, temos: o teste do vidro, da fita, do cordão, da queda da bola, da caixa e da resistência seca, todos recomendados em documentos do Centro de 24
Pesquisas e Desenvolvimento da Bahia (CEPED), e alguns foram realizados na experiência prática deste trabalho e serão explorados mais adiante. Durante o congresso TerraBrasil 2016 tive a oportunidade de participar de uma oficina de comportamento de solos na qual foi realizado o Teste de Carazas para compreender as propriedades, diferenças de comportamento e aplicações mais adequadas da terra com diferentes teores de umidade. Neste teste, uma mesma quantidade previamente definida de solo era colocada em caixinhas quadradas e virada no chão, comprimida levemente com as mãos ou compactada com um pequeno pilão de madeira e estes três procedimentos foram reproduzidos com a terra complemente seca, úmida, estado plástico, estado viscoso e estado líquido, sempre anotando a quantidade de água necessária para que a terra atingisse cada um dos estados.
Imagens a esquerda: 15. Resultados do teste de Carazas. Imagens a direita: 16. Caixa utilizada para unificar a quantidade de terra para o teste de Carazas, 17. Compactação manual do teste de Carazas.
Devido à capacidade de expansão da argila contida na terra, ao adicionarmos água percebia-se em alguns casos um aumento de volume na quantidade inicialmente definida de terra, tal excedente era colocado ao lado da porção que preenchia a caixinha. Com este teste é possível observar o efeito da água na terra, evidente na força coesiva de cada amostra, e estimar a sua adequabilidade para algumas técnicas. Em termos práticos, os testes expeditos são mais que suficientes no caso em que a pessoa que os realiza tem certa experiência e um repertório considerável de tipos de terra distintos e seus resultados qualitativos. Caso contrário, para fins construtivos, é altamente recomendável que se faça ao menos o teste de granulometria em 25
laboratório para assegurar a composição e o comportamento da terra utilizada, o que favorece também a racionalização máxima de aditivos e estabilizantes caso necessários. O rigor dos testes laboratoriais se torna indispensável para a comercialização de elementos estruturais de terra ou para grandes volumes em programas massivos de construção (NEVES et al., 2010).
Estabilização e cuidados A falta de uma cultura construtiva que utilize a terra rotineiramente traz algumas dúvidas quanto à resistência, estabilidade e adequação deste material ao modo de vida contemporâneo. Assim sendo, no geral, quando se fala de construir com terra a primeira pergunta que surge é: vai resistir à chuva? Primeiramente, conforme descreve Dethier (1984), a sabedoria popular exprime o bom senso na fórmula: ‘para durar séculos, basta que as casas de terra tenham um bom chapéu e boas botas’, ou seja, uma vez que suscetíveis à água, se as construções de terra são protegidas contra a chuva por saliências (um telhado com beirais, rufos de metal, camada de arremate de concreto, etc.) e contra a erosão de águas correntes e a umidade que vem do solo por fundações impermeáveis (de pedra, concreto, tijolos cerâmicos, etc.), a sua durabilidade é aumentada e de modo geral não se faz necessária a adição de outros materiais para alterar as suas características. Lemos (1985), ao descrever a São Paulo ainda de taipa, confirma que tais saberes acompanhavam sempre a construção com este material: “Sendo muito erodível, era sempre protegida por profundos beirais (...). Grandes beirais, grandes panos lisos de paredes esbranquiçadas de tabatinga, o barro branco que iam buscar nos barrancos da Tabatinguera. Casas levantadas em plataformas ou terraplenos a salvo das enxurradas. Daí, as ruas sempre planas, ao longo das curvas de nível e, então, vemos a técnica construtiva condicionando o traçado urbano. A velha cidade não tinha ladeiras construídas.” Entretanto, se as construções não tiverem em seu partido tipo algum de proteção e ficarão expostas à chuva ou desprotegidas ao longo do processo construtivo, podem ser estabilizadas a fim de aumentar a sua durabilidade. 26
Imagens 18. e 19. Exemplos de fundação de pedra, 19. Exemplos de fundação de pedra, 20. Fundação em blocos de concreto, 21. Fundação em concreto e 22. Fundação em alvenaria e pedregulhos.
A estabilização não trata apenas da durabilidade da terra perante ao desgaste que a água pode causar. De acordo com NEVES et al. (2010) “a expressão estabilização de solos se refere, em seu sentido mais amplo, a todo processo através do qual o solo melhora suas características, adquirindo assim as propriedades necessárias à finalidade a que se destina”. Tradicionalmente, a terra é cuidadosamente escolhida em função de sua composição e em seguida misturada com água e fibras vegetais a fim de formar um todo resistente (DETHIER, 1984), e o objetivo da estabilização é melhorar as características físico-mecânicas das edificações em terra (como a resistência à compressão e à ação abrasiva de ventos, chuvas e contato), limitar as variações de volume, oferecer impermeabilização e aumentar a durabilidade em geral. Pode-se estabilizar a terra acrescentando ou não novos materiais a ela. Como métodos estabilizantes que apenas trabalham com as qualidades inerentes ao material, sem adição de novos, temos a correção ou estabilização granulométrica e a estabilização mecânica. A correção granulométrica consiste na alteração das proporções de argila ou areia contidas no solo a ser trabalhado (NEVES e FARIA, 2011) seja pela adição do elemento faltante ou de uma terra de composição diferente e complementar. Ela permite diminuir a taxa de retração, reduzir ou eliminar o aparecimento de fissuras, assim como aumentar a resistência à erosão causada pela água ao diminuir a proporção de argila. No entanto, para aumentar a força coesiva de uma mistura é necessário a adição de mais argila, ou de uma terra de caráter mais argiloso. Para melhorar a resistência à compressão é necessário chegar à distribuição granulométrica ótima, que permite a máxima densidade, sem espaços vazios entre as partículas. E a estabilização mecânica é alcançada pela ação de compressão estática ou dinâmica (compactação) (HOUBEN E GUILLAUD, 1995). Dessa forma, o apiloamento da taipa ou a compressão dos blocos, por si só, podem ser considerados uma forma de estabilizar a terra para torná-la mais resistente, uma vez que rearranjam os diferentes grãos em uma formatação mais compacta. Já quanto aos métodos estabilizantes que fazem o uso de aditivos, Bardou (1981) afirma que existe uma grande quantidade de estabilizadores, herdados da arquitetura tradicional ou descobertos recentemente, e os encaixa em quatro categorias, segundo o efeito que tem sobre as partículas. Assim temos:
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A estabilização por cimentação, que consiste em adicionar ao solo uma substância capaz de solidarizar os grãos de areia e as demais partículas a fim de formar um esqueleto interno capaz de se opor às variações de volume da argila e à sua absorção de água. Para esse tipo de estabilização pode ser utilizado cimento (Portland) ou cal (viva ou apagada). É importante ressaltar que o cimento tem um período de secagem bem mais curto que a cal, e por isso deve ser preparado em pequena quantidade, conforme se necessita, e para aumento da resistência é necessário respeitar o período de cura e proteger a estrutura do sol por aproximadamente uma semana. Já a cal permite o seu preparo de antemão em maior quantidade do que no caso do cimento e a resistência final é idêntica, se tornando uma opção mais barata. Ambos os estabilizantes podem reduzir a resistência à compressão. A mistura cal+cimento é perfeitamente possível e combina as vantagens de ambos os materiais. Dessa forma dispõe-se de mais tempo para a mistura e produção, se compararmos ao solo-cimento, e secagem e resistência mais rápidos (para a manipulação dos tijolos, por exemplo) do que apenas com o solo-cal. A substituição do cimento por outros materiais também é possível, assim, pode-se estabilizar o solo com uma mistura de cinzas (de coque, de carvão) e cal e obter um cimento pobre, mas com boas propriedades apesar de tudo; A estabilização por armação, que consiste em agregar ao solo um material de coesão (grãos, fibras, etc.) que permitam assegurar uma maior firmeza com a fricção dos elementos misturados à argila. Para isso pode-se utilizar palha seca cortada, fibras animais (cabelos e pelos), fibras vegetais, fibras de folha de palmeira, serragem, raízes, caules, arbustos e plantas lenhosas, em suma, materiais que sejam encontrados no local. Tais materiais funcionam como um esqueleto interno que aumenta a resistência imediata da terra, mas que diminuem ligeiramente a resistência final da mistura seca. Esta solução não protege totalmente o edifício de terra das infiltrações da água, mas assegura uma boa subsistência contra a erosão da chuva e do vento porque a camada externa da mistura será constituída pelo material agregado, que é em si resistente. Outro inconveniente da utilização de materiais vegetais é o risco de apodrecimento e que parasitas se instalem nas obras de alvenaria.
CIMENTO
SUBSTÂNCIA QUÍMICA
FIBRAS
PELÍCULA IMPERMEÁVEL
Imagem 23. Esquema dos diversos modos de estabilização. A) por cimentação, B) por armação, C) por impermeabilização e D)por tratamento químico. (BARDOU, 1981)
Enquanto o cimento é um ligante hidráulico, pois sua cura se dá pela hidratação, a cal é um ligante aéreo, porque ao reagir com o CO2 presente no ar forma o calcário (carbonato de cálcio – CaCO3), sendo assim naturalmente reciclável por poder retornar para a cadeia produtiva como matéria-prima. REAÇÃO DA CAL
Ca(OH)2 + CO2 > CaCO3 + H2O
A estabilização por impermeabilização, que consiste em envolver as partículas de argila em uma capa impermeável com a finalidade de formar compostos estáveis e os tornarem mais resistentes à ação da umidade, permitindo maior compactação. A terra conserva sua coesão, mas em troca perde sua plasticidade e já não é mais sujeita às indesejáveis variações de volume. O mais conhecido dos materiais que garantem esta impermeabilização é o asfalto (betume), que se apresenta sob a forma de um líquido pastoso o qual é necessário misturar com água ou com um solvente volátil, gerando uma fina camada de betume em suspensão na água que não apresenta mais que a espessura de alguns microns. Apesar da grande superfície específica da argila, esta estabilização só requer quantidades reduzidas de emulsão betuminosa, mas grande quantidade de água para assegurar uma boa mistura, o que limita seu uso em certas técnicas, sendo mais adequada à fabricação de tijolos de adobe do que utilizada na construção de terra comprimida, na qual a terra não deve estar muito úmida. Este tipo de estabilização também pode ser realizado com materiais naturais, considerados um pouco mais pobres, tais como o óleo de coco, as seivas de certas plantas de borracha, o apodrecimento de plantas de seiva oleaginosa ou látex, os óleos vegetais, etc. Seu princípio é análogo, mas sua eficácia normalmente é menor devido à má solubilidade dos produtos. Por fim, a estabilização por tratamento químico, que consiste em melhorar as propriedades da terra acrescentando a ela diversas substâncias capazes de formar compostos estáveis com os elementos da argila. Os produtos químicos adaptados variam segundo a composição química da própria argila e é necessária uma análise prévia para determinar que elemento pode reagir quimicamente com outro. Assim, em alguns casos, a estabilização à base de cal se mostra como uma estabilização por tratamento químico mais que por cimentação, pois a cal pode reagir com os silicatos e os alumínios para formar compostos estáveis, diminuindo a plasticidade da terra e dificultando a penetração de água. Os silicatos de soda (carbonato de sódio), por exemplo, são produtos pouco caros e muito eficazes; outros mais rústicos, como a urina de gado, em certos casos, permitem alcançar resultados positivos. Quando o solo é usado para fundações, cintas de amarração ou vergas, é recomendado que este seja estabilizado quimicamente para aumentar sua impermeabilização e sua resistência. Porém, cabe destacar que a estabilização com produtos químicos faz com que a terra utilizada deixe de ser agriculturável e perca a possibilidade de ser reciclada ou devolvida ao meio. 29
Quanto à escolha do método de estabilização, este variará conforme a composição da terra e o método construtivo escolhido. O cimento e o betume são bons estabilizantes para misturas menos argilosas (abaixo de 20% de argila, pois quanto mais argila, mais cimento é necessário), e cal para as mais argilosas, devido à sua capacidade de fazer trocas iônicas com a argila. As técnicas construtivas que melhor respondem a estabilização por meio da adição de cimento são as técnicas de terra compactada, pois o cimento modifica a trabalhabilidade do material, tornando-o pouco plástico e assim inadequado para a aplicação como preenchedor de uma estrutura (ORUI, 2015).
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AUMENTANDO A FORÇA DE COMPRESSÃO
Depende da distribuição granulométrica, quantidade de água, da força estática ou dinâmica de compactação sobre ela e o tipo de argila presente. A densidade máxima significa a máxima resistência à compressão e prevê que as partículas maiores (areia e pedriscos) estejam distribuídas de modo a permitir o volume mais compacto, configuração em que o silte e a argila preenchem completamente todos os espaços intra-granulares entre a areia e pedriscos.
AUMENTANDO O ISOLAMENTO TÉRMICO
Pode ser aumentado com a adição de elementos porosos como a palha, junco, algas, cortiça ou outros materiais vegetais leves, assim como materiais ‘espumados’ naturais ou artificiais. Serragem, cascas, grãos e outros resíduos também podem ser usados, no entanto, quanto mais porosa é a mistura, mais leve ela é, há mais ar confinado nos espaços, e por isso melhor é o isolamento térmico, deixando-a mais adequada aos climas frios.
PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL, VEGETAL E MINERAL
Sangue, urina, estrume e produtos do leite (como a caseína) são usados há séculos para a estabilização da terra, tanto para proteção contra a água quanto para aumentar a força coesiva da mistura, ás vezes agindo em conjunto com a cal. Plantas que contém algum tipo de sumo, óleo ou látex, misturadas também à cal, aumentam a resistência à agua das superfícies e aprimoram a estabilidade, mas podem reduzir a difusão de vapor/umidade ao selar as paredes.
Imagem 24. Amostra de superfície de terra tratada com clara de ovo. As gotículas mostram a sua eficácia para impermeabilizar a terra. (Projeto àmaco)
A utilização dos estabilizadores na preparação da terra pode vir tanto no material usado para a execução da construção quanto nos seus acabamentos/revestimentos e não precisam ser obrigatoriamente do mesmo tipo. Por exemplo, na fabricação de tijolos, sejam eles de adobe ou prensados, que pressupõe um período de armazenamento na obra de construção e numerosas manipulações, é preferível utilizar os auxiliares de cimento ou cal para que sua fragilidade seja reduzida, já a argamassa que servir de acabamento, no entanto, será mais eficaz se feita a partir de auxiliares ‘com armação’ (palha, excremento animal) ou impermeabilizadores (vegetais oleaginosos, betume) (BARDOU, 1982). Neves (1995) adverte que o revestimento da parede é quase obrigatório quando existe retração pronunciada, como nas massas plásticas de preenchimento do pau-a-pique. A autora ainda descreve que a argamassa de revestimento pode ser constituída dos mais diversos materiais, desde cimento+cal+areia ou cal+areia até massas de esterco ou misturas de leite, cal, terra e água. No entanto, o revestimento apropriado às vedações de terra se baseia num material que garanta que a absorção da água seja minimizada e a evaporação otimizada (RODRIGUES, 2004). Para a proteção contra a chuva, Minke (2009) recomenda que uma pintura à prova de intempéries pode ser suficiente, uma vez que receba manutenção correta da mesma com a prevenção e reparo das rachaduras que podem surgir. Além disso, também indica a pintura com caseína, caseína+cal, óleo de linhaça e outros revestimentos para tornar as superfícies não abrasivas e assim, mais ‘fáceis de limpar’. Destaca-se aqui também a possibilidade de utilizar revestimentos argilo-minerais, especificamente do grupo das ilitas e das caulinitas. Os argilo-minerais são um tipo de argila e, por isso, são elementos hidrofílicos, ou seja, atraem a água para o redor de si, mas como apresentam estrutura laminar (filossilicato), a disposição das suas partículas forma uma barreira de água que dificulta a absorção - de mais água - por capilaridade (ORUI,2015).
Imagem 25. Esquema de como funcionam os revestimentos argilo-minerais para repelir a água da chuva.
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Entretanto, a estabilização por aditivos não é uma etapa necessariamente obrigatória. Houben e Guillaud (1994) afirmam que há muitos casos em que o solo pode ser utilizado sem ser estabilizado e advertem sobre a tendência atual à estabilização com cimento mesmo quando não é preciso, sendo que os métodos de estabilização empregados podem ocasionar um aumento de 30 a 50% no custo da obra. “Muitas das experiências em estabilização de terra com cimento e betume para uso em construção, a meu ver são mal orientadas. Um tijolo de adobe comum, secado ao sol, é perfeitamente apropriado para uma casa comum, e pode ser feito no Egito por quase nada. Basta que o reboco seja à prova de água, e se houver necessidade de materiais estabilizantes é mais econômico que eles sejam misturados a este reboco impermeável ao invés de aplicados em toda a espessura da parede. ” (FATHY, 1980)
O ceramista austríaco Martin Rauch, a fim de reduzir e até evitar a adição de cimento à terra, desenvolveu uma estratégia de ‘erosão calculada’ que consiste na criação de ‘obstáculos’ para a redução da velocidade, e, logo, da intensidade de abrasão da água que flui pela parede, evitando que carregue partículas do material que constitui a mesma. Para isso são inseridas camadas de elementos de pedra ou cerâmica nas paredes de taipa, criando uma protuberância (como uma pingadeira) de 5 a 15 cm dependendo da altura da parede, ou uma camada de argamassa de cal a cada três camadas compactadas. Conforme a camada mais externa da parede vai se desgastando, essas pingadeiras ficarão expostas e ajudarão na redução da velocidade da água. Imagem acima 26. Exemplo de parede com pingadeiras de cerâmica ou pedra (Lehm Ton Erde) Imagem a esquerda 27. Desenho do esquema de introdução das placas cerâmicas na confecção da taipa. (KAPFINGER e SAUER,2015)
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Imagem 28. Esquema do desgaste da parede de taipa com argamassa de cal entre as camadas ao longo do tempo. (KAPFINGER e SAUER, 2015) Imagem acima 29. Parede de uma das obras de Martin Rauch apresentando desgaste. (© S.G. STEPHENS)
Idealmente deveríamos conciliar as soluções e estratégias trazidas pelo desenho arquitetônico no processo projetual com uma otimização dos teores de agentes estabilizantes à serem incorporados à terra, seja no próprio elemento construtivo ou nos acabamentos, a fim de se alcançar uma execução mais econômica e que assegure a qualidade e durabilidade da construção. Ademais, a durabilidade da terra não é só garantida com a estabilização, mas também depende da qualidade que se constrói, como ocorre com qualquer outro elemento. MINKE (2009) aponta que o método de preparo e mistura da terra a ser utilizada pode influenciar no seu comportamento, ou seja, misturas com a quantidade adequada de água, propriamente amassadas, misturadas e curadas podem apresentar maior força de coesão e resistência à compressão. Todavia, a longevidade das diversas construções realizados com terra se deve, em parte, a uma cultura em que as pessoas aceitavam a manutenção constante e recorrente de suas casas, e assim havia um regime regular de cuidados que integravam à prática tradicional. Para que as construções atuais durem da mesma forma é necessária uma mudança de atitude perante à promoção de produtos livres de manutenção (‘maintenance-free’) da indústria construtiva contemporânea. Avaliações pós-ocupação realizadas em residências brasileiras de terra após 10 anos de uso mostraram que uma das principais causas das patologias é a falta de manutenção das edificações pelos ocupantes (BARBOSA et al, 2008 e SALMAR, NEGREIROS e TOGNON, 2005 apud MAIA, 2016).
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COMO FAZ? As técnicas
Como destacado por Bardou (1981), a utilização da terra permite várias técnicas muito diferentes quanto à rapidez de execução, quantidade de material necessário e aos resultados obtidos, e o que determina a opção por uma certa técnica podem ser elementos de ordem cultural (transmissão de uma habilidade), climática (quando certos elementos, como chuva, ventos, frio, calor, são realmente desfavoráveis), ou material (disponíveis no local). A maior relevância de um ou outro fator varia fundamentalmente segundo a estrutura socioeconômica de um povo (civilização agrícola, nômade, comerciante, etc.). De acordo com Dethier (1984), foram inventariados em todo o mundo em torno de vinte métodos tradicionais de construção em terra crua. Com o estudo de tradições populares e conhecimento tradicional ao redor do mundo, Houben e Guillaud (1995) identificaram 18 métodos diferentes de utilização do material, agrupados em 3 famílias quanto à sua forma de utilização, e os organizaram em 12 grandes grupos de acordo com o seu princípio construtivo, formando assim o diagrama das técnicas fundamentais de construção com terra.
No processo construtivo, independentemente da técnica, as etapas de aplicação da terra consistem em:
FASE SÓLIDA : extração, peneiramento, correção granulométrica, estabilização, etc. FASE LÍQUIDA : adição de água conforme a técnica a ser realizada. FASE AÉREA : produção das unidades ou aplicação da terra.
As técnicas mostradas à seguir, além da classificação conforme sua utilização, diferem quanto ao estado hídrico da terra exigido pela técnica (líquido, plástico, umido ou seco/sólido) e pelo caráter da sua execução (se manual ou mecanizada).
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Imagem 30. Diagrama das tecnicas fundamentais da construção com terra. Adaptado de HOUBEN E GUILLAUD (1995)
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01 SOLO ESCAVADO PORTANTE
SECO SÓLIDO
MECANIZADO MANUAL
Consiste na remoção de material para a criação de espaços, gerando casas semi ou totalmente enterradas, para baixo do solo ou em encostas. Encontramos exemplos em países da região mediterrânea (Espanha, Turquia, Marrocos, Tunísia, etc.) e em algumas regiões da China. CONSTRUÇÃO escavação e modelagem do espaço. UTILIZAÇÃO fundação, pisos, paredes, estrutura, coberturas. VANTAGENS no geral propicia um ambiente com temperaturas mais baixas.
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Imagem acima 31. Exemplo de casa escavada (EarthAuroville). Imagem a esquerda 32. Hotel Yunak Evleri, na Capadócia, Turquia,
02 TERRA DE RECOBRIMENTO terra de cobertura, teto verde, coberturas verdes
PREENCHIMENTO
SECO SÓLIDO
MANUAL
Consiste no emprego da terra como revestimento ou cobertura de uma estrutura independente, às vezes permitindo o crescimento de vegetação. UTILIZAÇÃO coberturas e revestimento VANTAGENS permite isolamento térmico e acústico Imagem acima 33. Teto verde em parque multiuso do Jardim de Infância de Cultivo no Vietnã (©Gremsy) Imagem abaixo 34. Cobertura plana de terra em Mali, vila Dogon (zona climática seca) (MINKE, 2009)
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03 BLOCOS CORTADOS
torrões de terra, terrón, sod, panes de hierba, turf, torrones, tepetate
PORTANTE
SECO SÓLIDO
MANUAL
Os blocos são cortados diretamente do solo, no tamanho de um tijolo e ainda com grama, e assentados com barro. CONSTRUÇÃO os blocos recortados da terra são colocados para secar e então utilizados para construir paredes ou muros. Nas paredes são assentados invertidos, com as raízes na face superior, para interromper o crescimento da vegetação. Para garantir uma boa estabilidade das paredes assim construídas, os tijolos de ‘sod’ devem ser largos. UTILIZAÇÃO paredes e estrutura
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Imagem acima: 35. Extração de blocos de terra (EarthAuroville). Imagem a esquerda: 36. Casa de sod na Islândia (INHABITAT).
04 TERRA DE ENCHIMENTO PORTANTE PREENCHIMENTO
SECO SÓLIDO
MECANIZADO MANUAL
Às vezes associada a habitações de emergência, é a terra utilizada para preencher vãos ou qualquer material oco. Encontramos soluções com preenchimento de pneus e diversos outros recicláveis (Earthships), sacos de polipropileno (superadobe) ou sacos de ráfia/malha Raschel (hiperadobe).
serve de chapisco para receber o reboco. Para ambas as técnicas indica-se utilizar uma mistura de terra com no máximo 30% de argila. UTILIZAÇÃO paredes e estrutura
CONSTRUÇÃO O SUPERADOBE consiste no preenchimento dos sacos com terra e apiloamento dos mesmos para moldá-los. Entre as fiadas de sacos é colocado arame farpado para garantir a estabilidade do conjunto. Já o HIPERADOBE não necessita do arame farpado entre as camadas pois a trama Raschel permite que a terra se funda entre as fiadas no momento do apiloamento. A trama também já
VANTAGENS rapidez, contribui para estabilidade, isolamento térmico e acústico da construção. VARIAÇÕES 'brickeradobe', que mistura as técnicas de terra compactada e terra ensacada, desenvolvido pelo engenheiro Fernando S. Pacheco.
Imagem acima: 37. Execução de obra com superadobe. Imagem a esquerda 38. Preenchimento de estruturas diversas para construção de uma Earthship Imagem a direita: 39. e 40. O brickeradobe
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05A TERRA COMPACTADA taipa de pilão, 'pisé de terre', terra batida, terra escorada, terra socada, ‘tapial’, ‘apisonado’
MONOLITCO PORTANTE
UMIDO
MECANIZADO MANUAL
Consiste na compactação da terra, não excessivamente úmida e sem adição de palha, em camadas dentro de uma forma com a ajuda de um pilão manual ou pneumátivo, gerando blocos monolíticos de 30-50cm de espessura. CONSTRUÇÃO é colocada uma camada de 15cm a 20cm de terra dentro da forma e compactada. As formas podem ser feitas de diversos materiais, sendo mais comuns as de maderia, e variam entre móveis, que são deslocadas à medida que o trabalho avança, ou fixas. A forma é retirada imediatamente após a finalização da compactação. A terra utilizada deve ser de caráter arenoso, com no máximo 30% de argila. UTILIZAÇÃO fundação, pisos, paredes, estrutura
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Imagem acima 41. Apiloamento manual da taipa em forma do tipo móvel Imagem a esquerda 42. Apiloamento mecanizado com compactador penumático.
VANTAGENS a homogeneidade do muro construído, a obtenção de um elemento de grande espessura em apenas uma operação, não apresenta contração ao secar, utiliza pouca madeira, tem boa resistência à incêndios, evita parasita nas paredes e apodrecimento. Ao desenformar já está pronta, não sendo necessária a aplicação de acabamentos (chapisco, reboco e pintura ou outro revestimento), reduzindo assim o tempo de construção. DESVANTAGENS é necessária a secagem completa das paredes antes da execução dos pisos superiores ou da cobertura (caso contrário resistirá mal à compressão) e proteção contra a chuva durante todo o período de secagem; necessita de uma excelente hermeticidade nas fundações para evitar a subida da umidade, e obriga certa rigidez da forma, forçando a ortogonalidade na planta. INOVAÇÕES taipa pré-moldada VARIAÇÕES blocos apiloados, 'bricker adobe'
05B BLOCOS COMPRIMIDOS Bloco de Terra Comprimido (BTC)
ALVENARIA PORTANTE
UMIDO
MECANIZADO MANUAL
São tijolos de terra realizados com uma prensa manual ou automática (mecânica ou hidráulica). A prensa permite uma compressão elevada do solo no molde, e uma vez secos, os tijolos alcançam uma solidez próxima à das pedras (de cantaria) e do concreto. As máquinas manuais são compostas de um molde cuja parte superior é móvel e é acionada por um braço, de um embolo que constitui o fundo do molde e que torna a subir pela ação do braço e comprime a terra contida no molde. Este tipo de produção teve um marco divisório entre as ferramentas manuais e técnicas artesanais e as máquinas especialmente desenvolvidas para a produção de blocos prensados com a criação da CINVA-RAM, modelo simples de prensa manual para a fabricação de blocos de solo-cimento desenvolvida na década de 50 pelo Centro Interamericano de Vivienda y Planeamiento da Colômbia. Utiliza-se com frequência o cimento como aglomerante, gerando blocos de solo-cimento. UTILIZAÇÃO pisos, paredes, coberturas, revestimento
estrutura,
CONSTRUÇÃO Os tijolos maciços produzidos são assentados do mesmo modo que alvenaria tradicional. A argamassa utilizada para seu assentamento pode ser preparada com os mesmos materiais empregados na fabricação do componente de terra, Já para o revestimento, acrescenta-se à essa mistura um aditivo para proteger a alvenaria dos efeitos do intemperismo; Os blocos vazados que possuem encaixes são assentados com colas poliméricas e preenchidos com graute, de acordo com projeto estrutural. VANTAGENS mais resistente que os blocos de adobe, aproveitamento de mão-de-obra não qualificada, as prensas ainda podem produzir blocos num sistema modular, encaixáveis ou com furos internos que permitem a passagem de tubulações e instalações hidráulicas sem a necessidade de cortes ou quebras. Imagem acima 43. Prensa CINVA-RAM Imagem a esquerda 44. BTCs de diversos tipos de terra feitos em oficina do Congresso TerraBrasil 2016.
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06 TERRA MODELADA manipulada, plástica
MONOLÍTICO
PLÁSTICO
MANUAL
Consiste em utilizar a terra em estado plástico, esculpida ou modelada sem a utilização de formas ou equipamentos. Muito empregada em países africanos de clima muito seco, quando a madeira é escassa e as técnicas de construção de terra compactada não são realizáveis. Se tratam muitas vezes de habitações provisórias ou tradicionalmente reconstruídas. UTILIZAÇÃO pisos, paredes, revestimento CONSTRUÇÃO manipulação direta da matériaprima em estado plástico com altos índices de argila. VANTAGENS exige pouca energia na preparação, facilidade e variabilidade na aplicação, permite diversos formatos, inclusive circulares. DESVANTAGENS apresenta alta retração ao secar provocando fissuras e rachaduras, e possui resistência mecânica baixa.
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Imagem 45. Construção tradicional das vilas Musgum, Camarões.
07 TERRA EMPILHADA cob, bauge
PORTANTE PREENCHIMENTO
PLÁSTICO
MANUAL
Uma das mais antigas técnicas de construção com terra. Pode-se encontrar exemplares em diversos países da Europa (Alemanha, França, Reino Unido), Iemen, Afeganistão e por toda África e Austrália. UTILIZAÇÃO paredes CONSTRUÇÃO consistem em empilhar fiadas de bolas de terra plástica misturadas a fibras vegetais até formar a parede (que variam entre 45-50 cm de espessura da base à 20-30cm na parte superior), depois moldadas e ornamentadas. Pode ter uma armação externa como guia ou não. Com a parede levantada é feita regularização e revestimento da superfície. A terra, que deve ser
Imagens 46 e 47. Empilhamneto e mistura das bolas de cob.
pouco argilosa, ao ser trabalhada é misturada com fibras a fim de aumentar a resistência imediata e colocada diretamente sem secar. Recomenda-se que seja feita uma camada de 20cm de altura por dia para que possa secar e receber a próxima camada. VANTAGENS desenho menos rígido, permite construções de formas arredondadas e orgânicas com mais facilidade, rapidez e economia.
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08 TERRA MOLDADA - ADOBE ALVENARIA PORTANTE
PLÁSTICO
MANUAL
Uma das principais e mais tradicionais técnicas construtivas, consiste na moldagem (manual ou em formas) da terra plástica ou líquida e secagem ao sol ou semi-sombra. A estapas de fabricação são: extrair do solo, umedecer a terra até se obter uma mistura plástica, pisar e misturar com palha e/ou outros estabilizantes químicos, preparar um terreno amplo, moldar os adobes, virar de lado cada adobe para facilitar a sua secagem, igualar as arestas de cada adobe, empilhá-los e finalmente transportá-los para a obra para a fabricação do muro. O procedimento mais comum utiliza uma forma retangular, desprovida das partes superior e inferior, para a fabricação de uma ou mais unidades ao mesmo tempo. A terra indicada é de caráter arenoso-argiloso com pouco silte. As condições de armazenamento do adobe durante a secagem interferem no seu desempenho mecânico. UTILIZAÇÃO paredes, estrutura e coberturas CONSTRUÇÃO assentados do mesmo modo que alvenaria comum. A argamassa de assentamento deve seguir as mesmas proporções que a argamassa dos tijolos, o que permite evitar as diferenças de secagem e de variação de volume entre esses elementos.
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VANTAGENS de fácil fabricação, utilizado como alvenaria, pode constituir paredes, arcos, abóbadas, domos e cúpulas, maior plasticidade
Imagem 48. Adobe moldado com forma tradicional
de forma que as outras técnicas; permite plantas circulares ou irregulares, tem execução mais simples que a construção de terra compactada, menos tecnicismo, menos mão-de-obra necessária; rapidez de execução quando os tijolos estão prontos; habitável desde que se constrói, realização de aberturas e instalação dos trabalhos de carpintaria mais simples do que no caso de terra compactada; rapidez na aplicação de acabamentos e revestimentos já que a secagem dos blocos acontece antes da construção dos muros. DESVANTAGENS Naturalmente se alteram com a umidade e não resistem de modo algum à chuva, menos homogeneidade que a construção de terra compactada; necessidade de uma boa realização de acabamento porque os tijolos se alteram com a erosão; necessita de espaço amplo para a secagem prévia dos tijolos; elementos tem que ser fabricados previamente à construção; necessário um clima seco para a preparação dos tijolos; elementos frágeis de manipular, com alto risco de quebra; problemas estruturais e de estabilidade em consequência da fragilidade na união dos blocos; pouca resistência aos esforços de flexão no plano do muro.
09 TERRA EXTRUDADA adobe mecânico
ALVENARIA PORTANTE
PLÁSTICO
MECANIZADO
Sistema mecanizado, adaptado da indústria cerâmica de tijolos e máquinas agrícolas, mas ainda sem a etapa da queima em forno. Passa por um sistema mecânico de extrusão em tiras e então corte na dimensão desejada. UTILIZAÇÃO paredes, estrutura e coberturas CONSTRUÇÃO da mesma forma que o BTC e os tijolos de adobe, segue a lógica de edificação da alvenaria convecional VANTAGENS produção em larga escala, unidades homogêneas e qualidade controlável.
Imagem acima 49. Extrusora de adobe nos EUA (The Adobe Factory, Novo Mexico). Imagens abaixo 50. Técnica ‘Stranglehm’ desenvolvida por Minke (2009)
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10 TERRA DERRAMADA PREENCHIMENTO
LÍQUIDO
MANUAL
A terra líquida é aplicada assim como o concreto no preenchimento de uma forma para a construção de paredes ou blocos. UTILIZAÇÃO paredes DESVANTAGENS apresenta altas taxas de retração e por isso é recomendável o uso de estabilizantes.
Imagem 51. Sequência de aplicação da terra líquida em formas.
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11 TAIPA DE MAO
terra aramada, taipa de sebe, entramado, taipa de sopapo, pau-a-pique, torchis, baharenque, quincha
PREENCHIMENTO
PLÁSTICO
MANUAL
Muito comum na américa latina, esta técnica é utilizada muitas vezes em casos de habitação provisória, celeiros e frequentemente por populações com recursos escassos, mas se bem executada pode apresentar bons resultados. UTILIZAÇÃO paredes CONSTRUÇÃO consiste em preencher uma estrutura portante, geralmente feita de madeira, bambu e/ou cipó (que pode ser feita a base de estacas/esteios verticais (a pique), barras transversais ou horizontais e um trançado ou treliçado de galhos e/ou ramos), com uma mistura de terra em estado plástico e fibras vegetais. As fibras visam melhorar a aderência à estrutura e diminuir a fissuração na secagem. A terra é aplicada sobre as duas faces da armação muitas vezes à mão (por isso chamada de ‘taipa de sopapo’) ou com espátula, idealmente em três camadas, a primeira cobrindo a trama vertical, a
segunda cobrindo até o ripamento horizontal e a última chamada de revestimento final, chamada barreamento. VANTAGENS rapidez de execução em relação ao adobe e à construção de terra compactada. Além disso, por não ser autoportante, é possível realizar a armação da casa e o telhado inteiro antes de realizar a obra de alvenaria de terra sobre os muros, criando um abrigo contra chuva rápido, o que favorece a realização protegida de sua construção; apresenta estabilidade em relação à possíveis abalos sísmicos por não ser tão rígida. DESVANTAGENS não é estrutural, não suporta cargas, frágil, apresenta contração ao secar, permite que parasitas se desenvolvam na palha e nos nichos se mal executadas, tem alto risco de incêndio, pouco isolamento acústico e térmico, necessidade de haver madeira para construir a estrutura e risco de apodrecimento na presença de umidade. Imagem acima 52. Construção de uma casa de pau-a-pique Imagens a esquerda 53. Exemplos de entramados distintos
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12 TERRA PALHA straw-clay, palha encofrada
PREENCHIMENTO
LÍQUIDO
MANUAL
A terra líquida é derramada em blocos prensados de palha bem secos para solidarizar as fibras. Pode ser utilizada tanto como material para produção de componentes construtivos - como elementos para vedação ou placas de forro para isolar térmicamente o ambiente - quanto para a construção de paredes monolíticas e, em ambos os casos, funciona como o preenchimento e, nunca, como a estrutura.
VANTAGENS alto isolamento térmico e acústico, baixa densidade, leve VARIAÇÕES palha enrolada
UTILIZAÇÃO paredes e revestimentos
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Imagem acima 54. Preenchimento de forma com palha para formar a parede. Imagem a esquerda 55. Parede de terra-palha desenformada.
Imagem 56. Obra "yamatane" do artista japonês Yusuke Asai executada com pigmentos de terra.
Além dos usos listados, a terra também pode servir na construção como revestimento de diversas superfícies ou como matéria prima para tintas.
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Potencialidades
Imagem 57. Taipa de pilão
Por ser o material construtivo mais abundante no planeta e estar presente em todos os continentes, a terra é acessível e está disponível para todas as classes sociais. Sua acessibilidade também está relacionada à adequabilidade para a autoconstrução, visto que várias formas de manipulação da terra não exigem ferramentas complexas e de alto valor e então podem ser executadas por mão de obra não especializada, de pedreiros à autoconstrutores, desde que sejam treinados, capacitados e orientados por um profissional experiente. Isso permite à população a apropriação da tecnologia e produção de moradia, que é um direito humano. Olarte e Guzmán (1993) e Gernot Minke (2009) concordam que nos países em desenvolvimento, especialmente em zonas urbanasmarginais, semiurbanas e rurais, o uso de materiais construtivos locais e tecnologias tradicionais, que utilizam habilidades e ferramentas apropriadas integrantes das técnicas de autoconstrução, são soluções imediatas para preencher os requisitos da habitação para aqueles com recursos financeiros escassos. Dessa forma, ambos defendem que o uso da terra é mais factível do que os materiais (e técnicas construtivas) industrializados e importados e, conforme destacado por Dethier (1984), se torna também uma alternativa às imposições do mercado ou de um monopólio comercial. Além disso, uma vez que algumas técnicas implicam em trabalho intenso e pesado, necessitando o envolvimento de muitas pessoas, podem absorver um grande volume de mão de obra ou favorecer o trabalho em mutirões, contribuindo assim para fortalecer laços comunitários e gerar empregos onde há mão de obra abundante. Houben e Guillaud (1995), ainda destacam que a terra crua é uma ferramenta cultural e humanitária ao contribuir para a manutenção da herança cultural de países que adotam materiais naturais de construção, garantindo sobrevivência do patrimônio cultural, arquitetônico e urbano. Mesmo que presente em todo o planeta, o acesso à terra em centros urbanos consolidados não se faz muito viável. No entanto, seja na zona urbana ou rural, pode-se utilizar o material proveniente de uma terraplenagem do terreno, da escavação de um subsolo e/ou fundações, ou até mesmo ser aproveitada do ‘bota fora’ de grandes obras públicas, como estradas e rodovias, por exemplo. Assim economiza-se em transporte e combustíveis e evita-se 51
contribuir para a degradação da paisagem - como faz a extração de minerais e minérios - e para a diminuição de recursos de agregados como cascalho e areia, escavados tanto de pedreiras/jazidas quanto cursos d’água, em locais insulares e lagoas, pondo em risco o balanço ecológico desses ambientes naturais (HOUBEN e GUILLAUD, 1995). Outras vantagens da utilização da terra do próprio local ou proximidades são a dispensa das atividades de transporte de matériasprimas ou de materiais finalizados até pontos de produção, centros de distribuição ou locais onde serão utilizados e o fácil acesso ao material de origem para fazer manutenção, ampliações ou restauros das construções. Por não requerer queima ou qualquer transformação de caráter industrial - que pressupõem o uso de madeira, energias fósseis ou eletricidade - já que o sol ou fatores climáticos são usados para processála, a utilização da terra crua evita a emissão de gases na atmosfera e não contribui para o desmatamento. Assim, podemos considerar que a energia incorporada no processo de criação de elementos e construção com terra é baixa, principalmente se ela for utilizada do local, e por isso representa uma economia se comparado ao uso de outros materiais construtivos. Minke (2009) afirma que para preparar, transportar e trabalhar a terra no local necessita-se somente 1-5% da energia requerida para a produção de cimento em seu uso em concreto armado e em paredes de alvenaria. Entretanto, a característica mais singular da terra como material construtivo, podendo ser vista tanto como uma vantagem quanto desvantagem, é a sua reversibilidade. Independente de quantos anos tenha, uma construção com terra pode ser demolida, destorroada, umedecida e utilizada novamente em outra construção sem precisar de processamento termoquímico ou da incorporação de novos materiais, ilimitadamente (MINKE, 2009), ou retornar ao meio ambiente e até servir para o seu uso mais nobre, que é o plantio e produção de alimentos, fechando um ciclo de vida autossustentável (do berço ao berço) e evitando o desperdício. Mas isso só é possível se a terra não estiver misturada à alguns materiais estabilizantes poluentes, que gerariam resíduos e causariam uma contaminação ao ambiente. “Palácios, fortificações, e cidades inteiras construídas em taipa desafiam o tempo se reparadas regularmente. Se são deixadas sem cuidado se desfazem sem que se sobre a menor ruína. ” (BARDOU, 1981)
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Conforto A INÉRCIA TÉRMICA Está presente na percepção comum que construções de terra tendem a ser termicamente mais agradáveis: “A casa de terra limita consideravelmente as trocas de calor, sendo fresca no verão e quente no inverno, permitindo, por sua associação a energias suaves, as solares em particular, sua aproximação de um balanço térmico equilibrado. ” (MULLENDER, 1984)
“Bem utilizado, esse material oferece, em qualquer lugar, um conforto térmico considerável, capaz de assegurar um perfeito equilíbrio entre as temperaturas exteriores e interiores. ”
(DETHIER, 1984)
O conforto térmico das construções com terra se dá basicamente pela sua capacidade de armazenar calor (inércia térmica) e atividade higroscópica. Por serem geralmente espessas, as paredes de terra possuem grande massa térmica, o que permite o balanceamento dos extremos da temperatura do ar graças à sua capacidade de absorver, armazenar e liberar o calor criando um atraso na troca interna-externa. Chamamos esta capacidade dos materiais pesados/densos de retardar a perda de calor de inércia térmica. Dessa forma, em zonas climáticas de grandes amplitudes térmicas diárias ou em locais onde se torna necessário armazenar ganhos de calor solar de forma passiva, a terra pode balancear o clima interno de uma edificação e assim diminuir ou eliminar a necessidade de climatização artificial (MINKE, 2009), economizando energia e favorecendo o desempenho térmico da edificação. Conforme o trecho destacado de Lemos (1985) é possível perceber como a arquitetura vernacular fazia proveito deste atributo das paredes de terra em São Paulo: “(...) sempre protegida por profundos beirais - nunca por alpendres, porque nessas providências de determinação de partidos arquitetônicos, também influiu bastante o nosso clima, que pode apresentar certos dias bem quentes, mas sempre de noites frescas ou bastante frias; assim era conveniente que a grossa parede de terra socada estivesse acumulando calor do sol para aquecer o repouso noturno do mameluco cansado. ”
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Entretanto, o efeito da inércia térmica não é favorável a todas as condições climáticas, pois nem sempre o resfriamento durante dia e a liberação de calor durante a noite são desejados. Por exemplo, em climas frios, a estratégia bioclimática mais indicada é o isolamento térmico e os isolantes devem ser impermeáveis caso estejam em contato direto com as paredes de terra não estabilizada. Cabe destacar também que a capacidade de transmitir ou armazenar calor não é a mesma para toda e qualquer utilização da terra, mas pode variar conforme o método construtivo escolhido e seu consequente grau de compactação, a densidade do elemento, adição ou não de estabilizantes, etc. Além do mais, o desempenho térmico de habitações construídas com terra é um assunto que precisa ser aprofundado em pesquisas, pois, conforme destaca Orui (2015), apesar de diversos trabalhos acadêmicos mencionarem a informação geral de que a casa de terra é fresca no verão e quente no inverno poucos trazem informações específicas sobre o tema e há muita informação incompleta e desencontrada na bibliografia disponível. A ATIVIDADE HIGROSCÓPICA Por ser um material poroso as paredes de terra têm a capacidade de absorver e liberar umidade, permitindo a transferência e regulação da umidade interna-externa de um ambiente. A propriedade que relaciona a capacidade dos materiais de absorver e restituír a umidade ao ambiente em função da sua porosidade superficial é chamada de higroscopia. A umidade é a quantidade de vapor d’água contido na atmosfera e apesar de ser vista no geral como uma patologia das edificações, pode afetar significativamente o conforto térmico ao influenciar a sensação térmica. Por exemplo, a alta umidade durante dias quentes reduz a eficácia da transpiração da pele e o resfriamento corporal, fazendo a sensação térmica aumentar, já a umidade relativa do ar abaixo de 30% é considerada um risco à saúde e é suficiente para colocar o local em estado oficial de atenção, diminuindo a qualidade do ar e aumentando as chances de complicações alérgicas e respiratórias. “(...) Mesmo que os ocupantes de um ambiente percebam imediatamente quando as temperaturas do cômodo se tornam muito altas ou muito baixas, o impacto negativo de níveis de umidade excessivamente altos ou excessivamente baixos não é de conhecimento geral. A umidade do ar em espaços confinados tem um impacto significante na saúde dos habitantes, e a terra tem a habilidade de balancear a umidade interna como nenhum outro material construtivo. (...) o teor de umidade em um ambiente deve ser no mínimo 40% e não deve ultrapassar os 70%. ” (MINKE, 2009)
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Devido à atividade higroscópica da terra, Minke (2009) recomenda a sua utilização até em banheiros pela capacidade de absorver toda a umidade advinda do banho, evitando que se acumule, condense e favoreça o crescimento e a proliferação de fungos. Deve-se notar que essa capacidade de absorção da terra crua pode ser reduzida com a adição de alguns estabilizantes e revestimentos protetores - o que ‘sela’ a superfície - , ou com uma grande compactação - o que reduz a porosidade do material. Revestimentos e tintas de cal, caseína e cola de celulose diminuem muito pouco esta absorção enquanto demãos duplas de látex ou únicas de óleo de linhaça podem reduzir até 50% desta capacidade (MINKE, 2009). Entretanto, o desempenho térmico de uma edificação de terra não depende apenas do efeito de massa térmica e equilíbrio da umidade, mas também das estratégias de projeto, do desenho arquitetônico, como a decisão pela implantação em um lugar ensolarado - com janelas voltadas para a direção que favoreça mais a entrada de luz solar direta para potencializar a capacidade de armazenar calor, a cor final da superfície externa da parede, a utilização do sombreamento ou a proteção contra o vento por barreiras naturais como cumes/montanhas, árvores, etc. Se bem aproveitadas num projeto, essas características térmicas da terra podem contribuir para a eficiência energética da construção como um todo ao dispensarem ou reduzirem o condicionamento artificial, o que gera economia, diminui as emissões de CO2 e contribui para reduzir a energia incorporada. Quanto ao conforto em seu caráter subjetivo, a exploração aquitetônica das características inerentes à terra - o que inclui a textura das superfícies, cor, forma e luminosidade do material (HOUBEN E GUILLAUD, 1995) - assim como a relação afetiva que ela pode trazer no seu processo construtivo ou na sua manutenção, podem contribuir para o bem-estar psicológico do usuário. “Assim, os métodos de utilização da terra permitem a não-dissociação da materialidade e da espiritualidade do ato de construir, pois esse material possibilita a simultaneidade e a síntese das ações construtivas e artísticas. ” (DETHIER, 1984)
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O impacto ambiental da indústria da cerâmica e do cimento Elementos construtivos de terra já tiveram como o seu maior concorrente o tijolo cerâmico, e, atualmente, tem que competir com o uso generalizado do concreto. TIJOLOS DE CERÂMICA Ainda que sejam oriundos do mesmo material, o tijolo cerâmico superou o uso da terra crua (não queimada) na construção pela sua solidez e consequente maior resistência às intempéries, flexibilidade de aplicações, mas principalmente, como aponta Mullender (1984) “(...) de 150 anos para cá, graças à sua industrialização”. No entanto, a produção da cerâmica vermelha pressupõe a queima e, com isso, a utilização de madeira, consumo de energias fósseis ou eletricidade. Além disso, e extração da sua matéria prima - a argila - e das matérias primas usadas como fonte energética para a queima da biomassa podem implicar em mudanças nos padrões de uso do solo, alterações da cobertura vegetal, desgaste, erosão e desertificação, assoreamento e contaminação das águas superficiais e subterrâneas, e na composição atmosférica (CARVALHO, 2013 e KOPEZINSKI, 2000 apud DOS SANTOS,2015). O processo de queima gera material particulado e emite poluentes atmosféricos e gases de efeito estufa - monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2), óxidos de nitrogênio (NOx), óxidos de enxofre (SOx), amônia (NH3) e metano (CH4) (SOUZA et al., 2008). Tais emissões também estão relacionadas às atividades no transporte, recepção, manuseio e mistura de matérias-primas e insumos e ao uso de energéticos para a queima (FIEMG, 2013). Outro aspecto a ser considerado são os resíduos que eventualmente são incorporados à matéria-prima da cerâmica. Durante a queima, podem desprender gases potencialmente tóxicos, como, por exemplo, o estudo feito com tijolos cerâmicos que incluíam lodo de ETAs (Estação de Tratamento de Água) em sua composição comprovou que tal material efetivamente contribui para aumentar as emissões dos gases CO2, CO e CH4 (SOUZA et al., 2008). Por fim, existe a geração de resíduos sólidos decorrentes de perdas por falhas na qualidade do produto que quase nunca são reaproveitados. Dessa forma, podemos categorizar a produção dos tijolos de cerâmica como uma atividade de grande impacto ambiental, e assim encontramos na terra crua, que dispensa o processo de queima e extração de argila, uma alternativa mais amigável ao meio ambiente. 56
Imagem 58. Obra "Dois pesos e duas medidas" da artista Lais Myrrha para a 32ª Bienal, evidenciando o constraste entre os materiais convencionais e naturais.
CONCRETO O concreto é o material construtivo mais consumido no mundo (IBRACON, 2009) e a produção do cimento tem um impacto ambiental tão grande quanto o seu consumo atual. Segundo a ABCP (2010), durante o processo de fabricação do cimento são emitidos: gás carbônico (CO2), materiais particulados, óxidos de enxofre e nitrogênio, fluoretos, cloretos, cianetos, metais pesados, mercúrio, chumbo, materiais voláteis e semi-voláteis, dioxinas e furanos, entre outros. A liberação de CO2 ocorre em dois momentos da produção do cimento: durante a queima de combustível para o funcionamento do alto forno durante o processo de calcinação e descarbonatação da pedra calcária (assim como ocorre na produção da cal a aproximadamente 800ºC) e na produção do clínquer 6 (a 1450ºC). De acordo com o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), para a fabricação de uma tonelada de cimento, são necessários de 60 a 130 kg de combustível e 110 kWh de energia eléctrica. Dessa forma, a produção de cimento é responsável por 7% das emissões mundiais de dióxido de carbono (CO2), um dos gases que mais contribui para as alterações climáticas por acentuar o efeito estufa (ALI, SAIDUR E HOSSAIN, 2011 apud DOS SANTOS, 2015). Além disso, seu ciclo não é reversível, ou seja, o cimento não é reciclável, contribuindo para o volume de resíduos gerado pela construção civil.
NOTA 6 Clínquer é o nome dado para matéria prima básica de diversos tipos de cimento: é o produto obtido por meio do processo de calcinação de uma mistura de calcário, argila e de componentes químicos como o silício, o alumínio e o ferro. (ORUI, 2015)
Segundo a ASTM - Standard Guide for Design of Earthen Wall Building Systems (E2392 / E2392M - 10, 2010 apud DOS SANTOS, 2015), a fabricação de materiais para a construção em terra é substancialmente mais eficiente energeticamente por unidade de volume do que a fabricação de blocos cerâmicos e de produtos à base de cimento, como alvenaria de concreto, concreto pré-moldado, ou concreto moldado in loco. No entanto, apesar de todas as desvantagens ambientais e econômicas do uso destes dois materiais construtivos, as suas indústrias e mercados consolidados dificultam a aceitação e escolha por materiais naturais (terra, bambu, madeira, etc.) como uma alternativa na cultura construtiva contemporânea. 57
Limitações Para uma aplicação adequada da terra na construção é necessário conhecer as suas particularidades e limitações a fim de evitar soluções incoerentes com o comportamento do material e obras mal executadas, que contribuam para o estigma de fragilidade que a terra já carrega. Por isso, deve-se ter em mente no momento de projetar que a terra não é um material padronizado e necessita análise prévia por meio de ensaios, apresenta retração, não resiste muito bem à tração e tem alta permeabilidade, ou seja, precisa ser protegida contra a água (chuva ou geada). Dessa forma, algumas estruturas como fundações, tetos e pontes se tornam inadequadas ou inviáveis de serem construídas com tal material. No entanto, algumas dessas particularidades descritas não devem ser vistas como limitações definitivas (como, por exemplo, as características físico-mecânicas que podem ser melhoradas por meio de estabilizantes) mas sim como pontos de atenção na hora de projetar. Assim, o desenho arquitetônico se torna o melhor aliado à boa execução e durabilidade de uma construção de terra ao tirar vantagem de todas as suas potencialidades e entender as suas especialidades. Apesar disso, alguns fatores não inerentes ao material trazem dificuldades à sua utilização. Atualmente, com a exceção de poucos países, não existe uma cadeia produtiva relacionada à construção com terra e à sua industrialização e comercialização em larga escala, para equipará-la aos materiais construtivos convencionais, é uma realidade distante. Para se fazer uma taipa de pilão no Brasil, por exemplo, não existe uma forma pronta para comprar ou alugar e não é tão fácil encontrar um misturador que trabalhe bem como homogeneizador de misturas sólidas. Os materiais disponíveis projetados para as técnicas tradicionais nem sempre são adequados e nem podem ser adaptados para a terra, como as formas para concreto armado que não resistiriam aos esforços de compressão, e as betoneiras, que trabalham melhor com materiais em estado líquido/plástico. Dessa forma, tona-se essencial a inventividade de cada um para contornar essa ausência de amparo do mercado da construção contemporânea.
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Normatização
Entretanto, um dos maiores obstáculos para a ampla utilização da terra como material construtivo no Brasil é a ausência de códigos e normas específicas para a produção e construção com terra crua não estabilizada. A carência de um manual que dê bases para sua aplicação e forneça noções de tempo de construção, opções de acesso aos materiais, maneiras de capacitar a mão de obra, estimativas de custos para que se possa comparar com uma construção convencional e padrões mínimos de qualidade à serem atingidos dificulta o seu emprego na construção e limita a sua aceitação e credibilidade. Dentre as normas brasileiras existentes elaboradas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), mesmo que voltadas para as questões da mecânica dos solos, podemos destacar como relevantes aquelas referentes à caracterização e ensaios de solo, que dão orientações para os testes laboratoriais de avaliação da terra e podem auxiliar na verificação da necessidade e escolha do estabilizante. São elas: preparação da amostra de solos (NBR 6457:1986), determinação do limite de liquidez (NBR 6459:1984), determinação do limite de plasticidade e cálculo do índice de plasticidade dos solos (NBR 7180:1984 Versão Corrigida:1988), análise granulométrica (NBR 7181:1984 Versão Corrigida:1988) e ensaio de compactação (NBR 7182:1986.). Conforme verifica-se no levantamento feito por CID, MANZARRON e GUERRERO (2011), a ABNT considera que a terra sempre deve estar acrescida de cimento e nenhuma das normas trata especificamente do desenho e/ou serve como guia para a construção das técnicas:
TABELA 01. Adapatada de CID, MANZARRON e GUERRERO (2011)
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Uma vez que essas ainda são as únicas normas disponíveis no país, para as outras formas de utilização da terra que não solo-cimento se faz necessário atender aos requisitos da NBR 15.575: Edificações habitacionais — Desempenho, a qual propõe: "na ausência de Normas Brasileiras prescritivas para sistemas, podem ser utilizadas Normas Internacionais prescritivas relativas ao tema." (ABNT, 2012)
Dentre as normas internacionais para referência, o mesmo levantamento (Cid et al., 2011) apresenta que o conjunto de normas Neozelandesas é o mais completo por tratar de diversas técnicas e se equipara ao enfoque concedido nas normas de outros materiais construtivos, abordando o desenvolvimento de todas as fases do processo das técnicas, desenho e descrição minuciosa dos procedimentos dos ensaios propostos. Entretanto, a existência de normas técnicas voltadas exclusivamente para solo-cimento e, logo, a falta de reconhecimento da terra crua como elemento construtivo no Brasil, dificulta a disseminação de muitas técnicas, fortalece a ideia de terra crua como elemento frágil e impede que uma construção que não utilize cimento na mistura se enquadre em financiamentos de obras (CAIXA).
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Desenvolvimento atual Difusão do conhecimento e prática
7 A permacultura é um conceito criado na década de 70 pelos ecologistas australianos Bill Mollison e David Holmgren, e, nas palavras do próprio Holmgren, consistem em: “Paisagens conscientemente desenhadas que reproduzem padrões e relações encontradas na natureza e que, ao mesmo tempo, produzem alimentos, fibras e energia em abundância e suficientes para prover as necessidades locais.” As pessoas, suas edificações e a forma como se organizam são questões centrais.
Com o notável aumento da conscientização ambiental e da busca por estilos de vida mais sustentáveis, tanto no Brasil como no mundo, as técnicas construtivas em terra crua e outros materiais de construção com baixa energia incorporada têm sido amplamente divulgados por ONGs (Organizações Não Governamentais) e grupos relacionados à permacultura7, sob o nome de 'construção natural' ou, mais comumente, 'bioconstrução', e são frequentados por pessoas atraídas pela possibilidade de construir de forma mais sustentável e independente (SANTOS, LIBRELOTTO E JACINTHO, 2013 apud DOS SANTOS, 2015). Podemos encontrar um grande número de cursos e oficinas que promovem noções do material. No entanto, apesar deste movimento contribuir para a difusão da terra como material construtivo, a divulgação das técnicas muitas vezes é feita sem embasamento técnico-científico, o que promove um alto índice de falhas e patologias construtivas, arriscando a segurança e os investimentos dos usuários. Cursos de vivência e sensibilização - que têm cunho informativo - não podem ser interpretados como capacitação, pois isto exige mais tempo e dedicação, e para construir com terra é necessário preparação, pesquisa e experimentação prévia. Quanto ao desenvolvimento acadêmico do assunto, Neves (1995) comenta que, no Brasil, entre as décadas de 70 e 80, os estudos de construção com terra foram dirigidos especialmente ao uso do solo estabilizado. Como resultado destes estudos, já se dispõe de um volume significativo de conhecimento sobre solo-cimento, solo-cal e soloborra de carbureto (resíduo industrial resultante da produção do acetileno) e de treze normas técnicas publicadas relativas ao solocimento. As técnicas empregadas constituem-se basicamente de tijolos e blocos comprimidos, em equipamentos manuais ou automáticos, e de painéis monolíticos, moldados no local. Ao final da década de 90 surgiram diversos trabalhos acadêmicos voltados a outras técnicas construtivas com terra que, atualmente, já integram os fundamentos teóricos e mostram seus resultados através de diversos cursos de capacitação e, ainda que timidamente, em programas de construção. A autora resume que nos últimos 15 anos existem pesquisas e desenvolvimento na Ibero-América nas áreas de estudos sobre impermeabilização, estabilização e dosagens; desenvolvimento de métodos de controle de fabricação/execução visando a garantia da 61
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qualidade; sistematização do processo construtivo visando a umentar a produtividade e diminuir esforço físico no ato de construir; elaboração de recomendações técnicas e projetos adequados às condições ambientais da região e da tradição cultural. No âmbito internacional podemos destacar a atuação de entidades como o CRATerre - International Centre for Earth Construction, sediado em Grenoble, França, que desde 1979 vem trabalhando para atualizar os conhecimentos técnicos e científicos sobre a construção em terra crua, publicou inúmeros livros sobre o tema, é parceiro da UNESCO na identificação e preservação do patrimônio histórico de edificações em terra (UNESCO, 2012) e desde 1984 fornece um programa de pósgraduação em arquitetura de terra na ENSAG - École Nationale Supérieure d'Architecture de Grenoble, chamado “DAS terre”, com a duração de dois anos. Colaborando com a formação de profissionais e qualificação de mão-de-obra temos no Chile a ECoT - Escuela de Construcción en Tierra, fundada em 2012, que promove cursos, capacitações e sensibilizações; e nos Estados Unidos o Adobe in action, grupo que contribui para a organização do congresso americano de construção com terra EarthUSA e desenvolveu um curso completo para formação de adobeiros, com material didático para alunos e professores. No Brasil, podemos ressaltar a ação da Rede Iberoamericana PROTERRA, rede de intercâmbio para o desenvolvimento e a transferência da tecnologia em arquitetura e construção com terra através de quatro linhas de ação: pesquisa, educação formal, oficinas e difusão; e da Rede Terra Brasil, que congrega profissionais, entidades de classe e a sociedade interessada no debate sobre arquitetura e construção com terra no Brasil, através da disseminação de conhecimentos e transferência de tecnologia, para o desenvolvimento científico e tecnológico no país, organizadores do TerraBrasil 2016 - VI Congresso de Arquitetura e Construção com Terra no Brasil, no qual se discute a atual produção científica e profissional da arquitetura e construção com terra; e da ABMTENC – Associação Brasileira de Materiais e Tecnologias Não-Convencionais, instituição que tem contribuído muito para a divulgação da construção com terra e outros materiais naturais e não convencionais, valorizando o estudo aprofundado dos materiais, assim como as aplicações construtivas e colabora com a organização do congresso NOCMAT - Non-Conventional Materials and Technologies, que reúne em suas publicações trabalhos de mais de 27 países e inúmeras universidades. Vale comentar também que desde a década de 70 encontramos nos países latino-americanos um grande desenvolvimento de pesquisas relacionados ao comportamento das construções de terra frente a solicitações dos abalos sísmicos e, conforme destacado também por NEVES (1995), é muito importante a contribuição advinda dos especialistas em restauro e preservação de monumentos, pois as observações, registros e as investigações realizadas visando a conservação do patrimônio arquitetônico a nível mundial trouxeram
8 O curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) é parceiro da UNESCO na Cátedra de Arquitetura de Terra e Desenvolvimento Sustentável e disponibiliza material sobre o assunto em http://unimep.edu.br/arquiteturae-urbanismo/arquitetura-de-terra.
diversas soluções eficazes e conhecimento para a construção com terra contemporânea. Para compreender como vem sendo vista e utilizada a terra na construção atualmente, assim como ocorre a formação dos profissionais, entrevistei três pessoas que trabalham com este material: André Heise, graduado em arquitetura e urbanismo pela FAUUNIMEP (1998), mestre em engenharia civil pela FEC-Unicamp (2004), proprietário do escritório HEISE arquitetura e sócio fundador da empresa TAIPAL; Francisco Lima, graduado em arquitetura e urbanismo pela PUCCAMP (1991), fundador do escritório ArchiDomus Arquitetura e Design, facilitador de cursos em ecovilas e centros de referência de sustentabilidade como TIBÁ/RJ e Escola da Terra/SP, entidades como SESC São Paulo e SENAC São Paulo e consultor de sustentabilidade do programa de televisão ECOPRÁTICO da TV Cultura. Flávio Duarte, arquiteto e urbanista, bioconstrutor e geobiólogo, fundador e diretor executivo da BIOhabitate – Saúde Ambiental e Arquitetura Viva em Belo Horizonte (MG). No geral, todos defendem o uso da terra na construção pelo seu baixo impacto ambiental, pela possibilidade de aproveitamento de material local e baixa energia incorporada, destacam o bom desempenho térmico e controle de umidade como as principais vantagens, e veem como necessária a difusão para eliminar o preconceito que ainda existe sobre o material, principalmente vindo dos profissionais, que acreditam que a terra é um material frágil. A demanda atual pela construção com terra ainda é baixa se comparada com a construção convencional, mas os entrevistados percebem um aumento gradual, principalmente por pessoas que buscam uma alternativa mais sustentável e uma vida mais natural. Dentre os três entrevistados, apenas Heise teve um primeiro contato com a terra como material construtivo ainda na faculdade, no caso, a UNIMEP8. Os demais afirmaram que aprenderam pesquisando e praticando/experimentando, assim como a maioria dos profissionais que trabalham com terra na atualidade, comprovando uma lacuna entre o ensino acadêmico em relação a este material. Como descrevem Neves e Faria (2011), centros educativos e universidades raramente contemplam a arquitetura e construção contemporânea de terra como uma disciplina regular. Existem cursos de especialização, formais e regulares nas escolas de nível técnico e nas universidades na área de conservação do patrimônio, mas, quanto à arquitetura contemporânea, as atividades de formação e capacitação são irregulares, pontuais e informais. Quando questionados sobre as dificuldades em utilizar este material 63
na construção, elencam a ausência de normas técnicas nacionais, que deem respaldo para os financiamentos de obras que pretendem empregar essa tecnologia (sejam elas privadas ou públicas) e a falta de uma rede de fornecedores e de mão de obra disponíveis como os maiores obstáculos. Flavio ainda alerta para os riscos que a informação passada de forma superficial e sem critérios construtivos e técnicos - como vem ocorrendo com frequência, principalmente pela internet - pode trazer, gerando construções sem bom acabamento e pouco duráveis, pondo em risco as pessoas., e destaca que a cultura da autoconstrução se trata de um conhecimento milenar, passado de geração para geração, e por isso não se pode autoconstruir sem acessar essas culturas tradicionais ou sem estudar critérios básicos de obras.
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Arquitetura de terra contemporânea
Imagens 59. 60. 61. Windhover Contemplative Center © Matthew Millman
Estima-se que um terço da população mundial ainda viva em casas feitas com alguma técnica que utiliza terra. Além dos exemplos da arquitetura tradicional ainda em uso, como as vilas de Musgum em Camarões, é possível destacar o seu uso atual em edificações residenciais, pousadas, hotéis, restaurantes, centros culturais, lojas, entre outros.
Windhover Contemplative Center Stanfordy University, 2014 Aidlin Darling Design e execução Rammed Earth Works Taipa de pilão
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Imagens 62. 63. 64. Pavilhão BES © Tran Ngoc Phuong
Pavilhão BES Ha Tinh Province, Vietnã, 2013 H&P Architects execução HPA Viet nam jsc Bambu + Terra + Pedra
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Imagens 65. 66. 67. Residência Ajijic © Iwan Baan
Casa Ajijic Jalisco, México, 2010 Tatiana Bilbao S.C. Taipa de pilão
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Imagens 68. 69. Escola Primária em Gando © Siméon Duchoud
Escola Primária em Gando Burkina Faso, 2001 Kéré Architecture execução: construção comunitária BTC
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Imagens 70. 71. Anexo Escola Primária em Gando © Erik-Jan Ouwerkerk
Anexo Escola Primária em Gando Burkina Faso, 2008 Kéré Architecture construção comunitária Blocos de terra coprimida feitos à mão 69
Imagens 72. 73. 74. Residência em Piracicaba executada pela TAIPAL © Paulo Heise
Casa Colinas Piracicaba, 2014 FATO Arquitetura execução TAIPAL taipa de pilão
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Imagens 75. 76. 77. Residência em Niterói feita na técnica de pau-a-pique CSA Arquitetura
Residência do Sr. Fernando Luís Timóteo Niterói – RJ Cydno Silveira e Mônica Vertis CSA Arquitetura pau-a-pique 71
Imagens 78. 79. 80. Residência executada em quincha metálica, variação da taipa de mão que utiliza um entramado de metal © Pablo Alvear
Casa Munita Gonzalez Santiago, Chile, 2010 Arias Arquitectos execução Surtierra Arquitectura Tecno-barro ou quincha metálica 72
Imagens 81. 82. 83. Escola primária na Tailândia que utiliza materiais construtivos naturais para as suas diversas edificações
Panyaden School Chiang Mai, Tailandia Chiangmai Life Architects and Construction taipa de pilão + bambu 73
Imagens acima 84. Casa em Ruanda Imagens abaixo 85. 86. Sequência de construção da casa com sacos de superadobe © Riaan Hough, © Jamie Setzler e © Yutaka Sho
Masoro Village Project Ruanda, 2013 GA Collaborative construção comunitária Superadobe (earthbags)
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Imagens 87. 88. Casa de quatro andares executada em taipa e concreto na Índia. © Vivek Muthuramalingam
Casa Hamsa India, 2010 CBiome Environmental Solutions taipa de pilão em 4 andares
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O Terra Award, primeiro prêmio para arquiteturas de terra contemporâneas, é iniciativa da unidade de pesquisa Labex AE&CC-CRAterreENSAG em conjunto com o Projeto “amàco” do Grands Ateliers, e a revista EcologiK/EK e tem a finalidade de enfatizar as possibilidades de construções de terra no intuito de promover o uso destas técnicas no futuro. Em 2016 foram eleitos 40 projetos finalistas de todo o mundo organizados em nove categorias, evidenciando a versatilidade deste material, tanto em uso quanto em localidade. Os projetos finalistas também foram apresentados na exposição itinerante “Architecture en terre d’aujourd’hui”, que passou por diversas universidades e entidades da França até o final de 2016. Os vencedores de cada categoria foram:
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Imagens superiores (da esq. para direita) 89. The Great Wall of WA, Austrália - Categoria Habitação Coletiva 90. Reconstrução de uma vila pós-terremoto, China - Categoria Arquitetura e desenvolvimento local 91. Escola SECMOL - Categoria Workshops, treinamento e festivais Imagens ao centro 92. Mercado Central de Koudougou, Burkina-Faso - Categoria Oficinas, lojas e fábricas 93. Renovação do Forte Jahili, Abu Dhabi - Categoria Layout interior e design 94. Biblioteca comunitária de Ambepussa, Sri Lanka - Categoria Equipamentos publicos culturais Imagens inferiores 95. Escola Paiamboué, Nova Caledônia - Categoria Escolas, esportes e saúde 96. Casa vernacular do século 21, Espanha - Categoria Habitação individual 97. Stairway to Heaven e cidade de Orion, Marrocos - Categoria Design exterior, arte e paisagismo
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Ao analisarmos a produção contemporânea de terra torna-se evidente que a técnica mais frequentemente empregada é a taipa de pilão. Talvez pela sua qualidade estética ao compor grandes planos horizontais, sólidos e de poucos detalhes, se adequando à busca estética contemporânea, ou talvez pelo seu alto potencial de mecanização e industrialização. Também é notável a presença dos blocos de alvenaria, sejam os prensados ou os de adobe, por seguirem a mesma lógica construtiva da alvenaria de tijolos cerâmicos e assim não apresentarem muitas novidades ou dificuldades aos construtores.
Inovação e desenvolvimento “Assim, tende-se a associar da melhor maneira as virtudes dos princípios tradicionais às experiências da modernidade. ” (DETHIER, 1984)
Para que a terra possa se estabelecer na contemporaneidade e ser considerada uma opção tão boa como qualquer material construtivo convencional é necessário entender as formas tradicionais de trabalhála e as desenvolver, criando novos maquinários e equipamentos, desenvolvendo novas formas de estabilização, sistematizando, industrializando e otimizando processos e aumentando a eficiência na execução, a qualidade da habitação e a confiabilidade no material. Um exemplo brasileiro de desenvolvimento das técnicas é a TAIPAL, empresa brasileira especializada em projetos e obras em taipa de Piracicaba que, contornando a ausência de uma cadeia produtiva no país, desenvolveu uma forma metálica modular e reutilizável, adaptada aos problemas que surgiam ao longo do processo construtivo, assim como um misturador específico para a terra e mecanizou quase todo o processo de produção, racionalizando a organização no canteiro para obter o máximo de produtividade e eficiência na obra.
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Imagens abaixo 98. Forma desenvolvida pela empresa TAIPAL Imagens na próxima página 99. Forma de tecido em desenvolvimento na University of East London School of Architecture and the Visual Arts,
Também sobre o desenvolvimento das formas para a taipa de pilão, a empresa britânica Rammed Earth Consulting CIC, com o apoio da University of East London School of Architecture and the Visual Arts, desenvolve pesquisas sobre formas com materiais diversos inclusive com tecidos. Nesta pesquisa as formas foram feitas de polipropileno e receberam alguns reforços de madeira e clipes de metal para ajudar na estabilidade do volume enquanto ainda ensacado, após a compactação os reforços e os tecidos foram retirados, resultando num volume sólido com aparência singular. O desenvolvimento de formas de tecido tem a intenção de gerar a economia em materiais e peso e assim viabilizar a importação da tecnologia para países em desenvolvimento. A técnica da taipa de pilão pressupõe no mínimo espaço no canteiro de obras para comportar um considerável volume de terra, para preparála e para a montagem da forma. Se mecanizada, ainda precisa alocar algumas máquinas. Para superar a indisponibilidade de material e falta de espaço em canteiros pequenos, estão sendo desenvolvidos métodos de prémoldagem da taipa, aumentando o seu alcance e possibilidades de utilização. O austríaco Martin Rauch, fundador do escritório Lehm Ton Erde (Loam - Clay – Earth), foi premiado pelo TerraAwards 2016 na categoria de Inovação Técnica pela sua contribuição na construção com terra graças às suas investigações e avanços na viabilização da pré-fabricação da taipa. Assim como descreve no site do seu escritório, a pré-fabricação da construção com terra é uma reação ao processo construtivo convencional atual, onde muitas vezes não há espaço para produção in loco, assim como o tempo é curto e a mão de obra, cara. 79
A pré-fabricação aumenta a eficiência da construção, permite uma elaboração de cronograma mais precisa e tem o potencial de ser otimizado e racionalizado por sistemas modulares. Além disso, torna o processo de produção independente das intempéries, e ainda que seja uma pré-fabricação industrial, pode atingir um alto grau de individualidade na produção por meio do trabalho de detalhes. A industrialização da taipa permite a racionalização dos custos de trabalho e tempo de execução das edificações, aumenta o controle na fabricação dos painéis, torna as dosagens de terra água e estabilizantes mais eficazes e melhora a qualidade da execução, principalmente o grau de compactação e acabamento final, além de significar menor desperdício e maior flexibilidade nas dimensões das peças. O projeto The Herb Center da fábrica Ricola, assinado por Herzog & de Meuron, é o maior edifício de taipa da Europa com seus 3000 m² de fachada autoportante. Para a execução desta fachada, Martin Rauch e equipe utilizaram o solo arenoso retirado do local e argila advinda de uma fábrica de tijolos à menos de 10 km e criaram próximo ao local da construção uma cadeia de pré-fabricação que mecanicamente compactava as camadas em uma fôrma de 45 cm de espessura. “Esta abordagem industrial inovadora abre para a taipa novas perspectivas. ” (Terra Awards, 2016)
Imagens abaixo 100. Fábrica Ricola com fachadas de taipa pré-moldada Imagens na próxima página 101. Produção dos painéis pré-moldados para a fábrica Ricola
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O californiano David Easton - desenvolvedor do sistema californiano de forma para taipa e método PISE (Pneumatically Impacted Stabilized Earth) -, fundador do escritório Rammed Earth Works e da empresa Watershed Materials também desenvolve a tecnologia da pré-moldagem para a taipa. Em um de seus trabalhos, realizou painéis pré-moldados numa instalação para o Stadium TechCenter, em Santa Clara, na Califórnia. Como o projeto exigia um painel de taipa muito extenso - o que demandava um grande volume de material e uma forma de grandes dimensões - mas o local não poderia acomodar tal construção, foram produzidos painéis não estruturais de 7-10cm de espessura, na fábrica de Napa, também na Califórnia. De acordo com Easton, a produção na fábrica permitiu instalações que geraram um volume muito maior de trabalho do que teria sido feito com formas montadas no local, assim a velocidade de produção foi aumentada e a forma pode ser reutilizada.
Com a intenção de reduzir e até eliminar o uso de cimento na alvenaria estrutural, Easton desenvolveu uma unidade (tijolo/bloco) prensada, nomeada “Watershed Block”, que contém de metade a 0% do cimento contido em um bloco de concreto. Para isso, desenvolveu um equipamento de alta compressão com a finalidade de reestruturar os agregados de uma forma mais densa, à o que chama de “processo que reestrutura o solo em rocha sedimentar”, e assim produzir um bloco estrutural e durável, com pouca ou nenhuma adição de cimento. O escritório afirma que o bloco oferece a redução de até 50% de cimento e 65% de energia incorporada se comparado à alvenaria de concreto tradicional, e a partir do desenvolvimento de um 82
Imagem acima 101. Painéis de taipa prémoldada de pequena espessura Imagens abaixo 102. Painel para o Stadium TechCenter e 103. Transporte dos painéis
geopolímero ou de uma mistura de cal e escória de alto forno (‘ground granulated blast furnace slag’ (GGBFS)), visam um futuro com zero cimento. Os blocos são produzidos na fábrica localizada no norte da Califórnia utilizando materiais locais e, para cumprir o compromisso de sustentabilidade ambiental e reduzir os custos de transporte, este produto só está disponível num raio de 400 km da Baia de São Francisco. Foi construída uma casa no vale de Napa com o material, projetada pela arquitetura Juliet Hsu (Atelier HSU): Imagem acima 104. Máquina de alta compressão para a criação dos 'Watershed Blocks' Imagem a direita 105. Casa no vale do Napa construida com Watershed Bloks Imagem abaixo 106. Painéis prémoldados ESE da empresa australiana Earth Structures Group
A Austrália se mostra outro polo de desenvolvimento e inovação da construção contemporânea de terra. Estima-se que ali 20% das construções atuais estejam sendo feitas em taipa de pilão (CHIRAS, 2000, p.38 apud ORUI, 2015). O escritório australiano Earth Structures Group, por exemplo, também trabalha com pré-moldados, aos quais chama de “Elevated stabilised earth (ESE) wall panels”, mas não utiliza a terra do local de construção com a justificativa de evitar riscos de rachaduras ou fissuras. Entretanto, apesar das vantagens já apresentadas, a alta mecanização exigida pela produção industrializada da taipa, que requer mão de obra especializada ou pode substituí-la por completo (compactação feita por cilindros), encarece o processo e o custo é repassado para o produto final, tornando às vezes as paredes de taipa muito mais custosas do que uma construção convencional e dificultando o seu acesso às camadas sociais mais baixas. O desenvolvimento de pré-moldados também pode ser encontrado na produção dos painéis entramados para a taipa de mão. Destaca-se nesta área de pesquisa a iniciativa da Fundação DAM/CEDATE, que buscou com a pré-fabricação de painéis modulados o aproveitamento racional da madeira e possibilitar a autoconstrução de baixo custo 83 (CEDATE, 1985).
Experimentos e pesquisas com impressoras 3D tem utilizado a terra como material principal na proposta de viabilizar casas mais baratas e sustentáveis. A impressora Pylos, desenvolvida por Sofoklis Giannakopoulos do Institute for Advanced Architecture of Catalonia (IAAC), tem a intenção de desenvolver a impressão 3D como um método construtivo de larga escala com a utilização de materiais naturais locais, e por isso afirma que o material a ser utilizado não poderia ser outro se não a terra. O projeto foca na busca de uma composição e densidade ideais do material misturado a aditivos naturais e em sua primeira fase chegou à uma mistura composta de 96% de solo, que afirma resistir três vezes à tração do que a argila industrial. Apesar de ainda não ter imprimido nada em escala habitável, sua pesquisa permite o desenvolvimento de geometrias mais complexas do que aquelas geradas pelas técnicas tradicionais.
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Imagens 105. 106. 107. Impressora 3D Pylos, ainda em desenvolvimento
Imagens 108. 109. Impressora 3D Big Delta da empresa WASP
O WASP (World’s Advanced Saving Project), criado na Itália em 2012, viabilizou uma impressora 3D de terra em grande escala, nomeada 'Big Delta', com 12 metros de altura, com o objetivo de disseminar o estado atual da tecnologia de impressões 3D e promover a utilização de materiais locais na construção e quer consolidar um centro de experimentação de tecnologia construindo uma vila ‘eco-friendly’ com baixo consumo de energia, na comunidade de Shamballa, em Massa Lombarda, na Itália. Para a construção barro e a palha são misturados até chegarem na textura ideal e então o material é direcionado a um aplicador gigante, semelhante aos usados em confeitarias, que vai dispondo a massa no formato desejado até que a casa tome forma. A principal diferença entre esses dois projetos é que enquanto Pylos foca na pesquisa da composição e densidade ideal do material a ser impresso e suas propriedades mecânicas finais, o projeto WASP concentrou-se no desenvolvimento da máquina que viabilizaria a impressão de uma casa com terra.
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MÃOS NA MASSA! Experiência prática
Justificativa e projeto No decorrer da pesquisa surgiram algumas dúvidas decorrentes da minha falta de familiaridade com o material e que se tornaram difíceis de serem sanadas apenas com as informações encontradas na bibliografia. Dessa forma, a fim de entender a dinâmica e o manuseio da terra para fins construtivos e assim me apropriar deste material, se mostrou importante a proposição de uma atividade prática, com a construção de alguma técnica estudada neste trabalho. Portanto, foi decidido fazer um protótipo de uma parede de taipa de pilão com as dimensões de 0,80m de comprimento, 0,40m de altura e 0,30m de espessura no Canteiro Experimental da FAU. Tal técnica foi selecionada por ser umas das mais comuns e recorrentes na produção da arquitetura contemporânea de terra e apresentar desafios tecnológicos interessantes, possibilitando a vivência tanto do processo manual, quanto do mecanizado.
Ensaios com a terra
NOTAS 9 Minke(2009) previne sobre a imprecisão do teste do vidro, afirmando que é incorreto assegurar que a altura de cada camada corresponda à proporção exata de cada componente pois, de acordo com resultados obtidos em experimentos do Building Research Laboratory (BRL) da Universidade de Kassel, a comparação da proporção visível no vidro com o teste de granulometria aplicado à mesma amostra demonstrou uma grade margem de erro, e explica: como visivelmente só são distinguíveis as mudanças súbitas da distribuição granulométrica a proporção pode não coincidir com os limites reais definidos entre areia / silte e silte / argila. 10 o sal ajuda a desunir – ou separar – as partículas de argila, porém, se é utilizado em demasia, pode atuar de forma contrária.
Primeiramente, foi necessário verificar as características e comportamento da terra disponível no canteiro. Para isso, foi utilizado como guia principal a publicação “Seleção de solos e métodos de controle na construção com terra – práticas de campo” de Rede Proterra (NEVES et al, 2010), complementado com o roteiro apresentado por MINKE (2009) para fazer os testes a fim de estimar a composição do solo. Os solos mais indicados para a técnica da taipa de pilão são os arenosos, que se aproximam das proporções 70% areia e (máximo) 30% argila. O solo extraído diretamente do canteiro para os testes foi peneirado e será chamado aqui de AMOSTRA 1. O teste mais frequentemente indicado para estimar as porcentagens de cada componente num solo é o teste de sedimentação, também conhecido como teste do vidro9. Assim, seguindo as etapas descritas por Neves et al. (2010), um vidro de capacidade aproximada de 2,77 litros foi 1/3 preenchido com terra seca e destorroada e 2/3 com água + duas colheres de sopa de sal10. Agitou-se vigorosamente a mistura para que houvesse a dispersão do solo na água e deixou-se em repouso por 1 hora, então foi promovida nova agitação e o vidro foi deixado sobre um superfície horizontal descansando por 24 horas. Quando a água se tornou limpa, a altura das camadas que apareceram fora medidas.
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Imagens acima 111. Sequência da sedimentação no teste do vidro (da esquerda para a direita): agitação da mistura, 30 min em repouso, 1h em repouso, 30 min em repouso apõs segunda agitação e 1h após a segunda agitação. Imagem abaixo 112. Medição das camadas distinguíveis visualmente após 24 horas de repouso.
As alturas aproximadas de cada camada identificada visualmente foram:
Argila= 2,3 cm (32%) Silte= 1,2 cm (16,6%) Areia = 3,7 cm (51,4%) Assim, ficou evidente a necessidade de corrigir granulométricamente a terra pelo seu teor aparente insuficiente de areia. Enquanto ocorria o processo de sedimentação do vidro foram realizados outros testes para identificar o comportamento da terra e se seria adequado à técnica da taipa de pilão.
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TESTES TÁTIL-VISUAIS A primeira sequência de testes consistiu em avaliações tátil-visuais da terra. Neles analisou-se os tamanhos das partículas, a cor, o cheiro, a sensação tátil e o brilho do solo. A amostra 1 apresentava coloração avermelhada e não tinha cheiro, atestando a ausência de matéria orgânica. No teste tátil, em que se deve esfregar entre as mãos uma porção de terra seca, a amostra 1 não se apresentou muito áspera e manchou a mão. Quando a operação foi repetida com o a amostra umida, se mostrou bem aderente à pele mesmo quando seca, indicando alto teor de argila. Entretanto, na análise visual a amostra apresentava pequenas bolinhas que inicialmente achei que poderiam ser grãos de areia, mas assim contradiziam o teste tátil, então levantouse a hipótese de que poderiam ser aglomerados de argila causados pela umidade ainda presente na terra.
Foi então realizado o teste de caracterização por brilho, que consiste em amassar a terra úmida e modelar uma bola compacta, do tamanho da mão, e cortá-la ao meio para observar as superfícies. Mais uma vez a presença de muito brilho na amostra 1 indicava terra argilosa.
TESTE DA QUEDA DA BOLA Este teste indica o tipo da terra em função de sua propriedade de coesão e consiste em modelar a terra úmida numa bola de 3 a 4cm de diâmetro, deixá-la cair em queda livre da altura aproximada de 1,5 m e identificar o tipo de terra avaliando a forma de seu espalhamento. Como não foi observada desagregação da bola da amostra 1 significa que a terra é bastante coesiva, indicando alto teor de argila novamente.
TESTE DO CORDÃO/CONSISTÊNCIA Avalia a coesão e plasticidade da terra. Consiste em modelar uma bola de 2 a 3cm de diâmetro, rolar a mesma sobre uma superfície lisa e plana para formar um cordão que se rompa com 3 mm de diâmetro, em seguida formar novamente uma bola com a terra nessa umidade e verificar a força necessária para esmagá-la entre o polegar e o indicador; Com a amostra 1 foi possível formar cordão resistente e uma bola que apresentou fissuras com certa dificuldade, demonstrando a plasticidade da terra e atestando, novamente, alto teor de argila.
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Por fim foi realizado o teste indicado para verificar a adequação da terra à técnica da taipa:
TESTE DA FITA / COESÃO Este teste relaciona a plasticidade com o tipo de terra e consiste em fazer um cilindro do tamanho de um cigarro comum e amassá-lo com o polegar e o indicador de modo a formar uma fita, com 3 a 6 mm de espessura e de maior comprimento possível. Como pode-se observar na foto acima, a fita foi feita com mais de 6mm de espessura e talvez por isso tenha apresentado mais rachaduras e rompimentos do que o esperado. Assim mesmo, o maior comprimento sem fissuras foi por volta de 5 cm, uma fita curta, indicando plasticidade mediana, indicando uma terra argilosiltosa.
TESTE DE EXSUDAÇÃO Avalia a plasticidade da terra em função de sua capacidade de reter água. Consiste em golpear uma porção da amostra bastante úmida na palma de uma das mãos, de modo que a água saia para a superfície, dando-lhe um aspecto liso e brilhante. Quanto mais rápida é a reação da mistura aos golpes, ou seja, se há afloramento da água, menos plástica ela é. No caso da amostra 1 não houve mudança notável, atestando terra de alta plasticidade, como consequência do alto teor de argila.
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TESTE DO ROLO Este teste avalia a quantidade de argila, que é o material coesivo, contida na terra para a construção com taipa e consiste em tomar uma porção de terra umedecida e amassada, deslizar sobre uma superfície plana (de borda arredondada) até a obtenção de um cordão com 200 mm de comprimento e 25 mm de diâmetro. Então deslizar suavemente o cordão sobre a superfície, de forma a ficar em balanço além de sua borda, até que ocorra a ruptura do segmento em balanço. Se a ruptura se der com comprimento entre 80 mm e 120 mm, a quantidade de argila é a ideal. O teste realizado com a amostra 1 gerou um cordão resistente devido ao alto teor de argila já atestado nos outros testes, porém excessivo para a taipa de pilão. Assim, foi novamente realizado com a amostra 3 (corrigida granulométricamente) e, como pode ser observado nas fotos abaixo, o rolo rompeu por volta dos 90 mm, indicando teor adequado de argila para a prática.
Ao fim dos testes qualitativos e a confirmação do teste do vidro que a terra disponível teria que ser corrigida, foram feitas duas misturas: a primeira com a adição de 2 partes de areia para uma de solo (amostra 2), que se mostrou com baixa coesão ao repetir o teste da queda da bola, e a segunda com a adição de 1 parte de areia para 1 de solo (amostra 3), se mostrando mais coesa. Assim, esta segunda mistura (amostra 3) foi submetida ao teste do vidro para que as quantidades de cada partícula fossem estimadas novamente. É interessante notar que na amostra 3 é um pouco mais visível uma camada intermediária entre a argila e a areia, que seria o silte, diferentemente da amostra 1.
Imagens acima 113. Repetição do teste da queda da bola com a amostra 2 (acima) e a amostra 3 (abaixo) Imagens a esquerda 114. Teste do vidro aplicado à mistura de 1 solo : 1 areia (amostra 3)
Assim, as camadas visualmente identificáveis foram:
Altura total = 6,40 cm Argila = 1,10 cm (17,2%) Silte = 0,60 cm (9,4%) Areia = 4,70 cm (73,4%) Para estimar a quantidade de material a ser adicionado para a correção granulométrica Neves et al. (2010) indica a seguinte fórmula: Proporção da mistura (P) = (Tco-Ti)/(Ti-Tt), onde ‘Tco’ é a porcentagem de areia da terra extraída do canteiro de obras, ‘Tt’ é a terra transportada que será adicionada à mistura (no caso da areia pura, Tt=100%) e ‘Ti’ a terra ideal. Dessa forma, chegou-se à uma proporção de 0,6:1 (areia:solo), mas como a amostra 3 apresentava comportamento adequado de acordo com os testes expeditos, manteve-se a proporção 1:1.
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Execução das formas A técnica da taipa de pilão requer uma forma para a sua execução, que deve idealmente ser de fácil montagem e desmontagem, uma vez que, terminada a compactação, é necessário desformar o volume construído. “Na prática, as fôrmas devem ser rígidas o suficiente para não deformarem durante a compactação do painel e leves o suficiente para serem transportadas e facilmente trabalhadas no canteiro. As fôrmas devem ser de um tamanho que possibilite, de acordo com o projeto e a tipologia da construção, trazer rapidez e eficiência na montagem e desmontagem das mesmas, além de possibilitarem o trabalho com diversas modulações. Finalmente, elas devem ser reaproveitadas no maior número de obras possíveis, garantindo qualidade e economia. ” (HEISE, 2004, p.47 apud ORUI,2015)
A forma é a base da taipa, existem formas feitas dos mais diversos materiais, de madeira a metal e até tecido, e estas podem ser móveis - que são montadas, desmontadas e remontadas à cada seção a ser realizada da parede, se movimentando tanto horizontalmente quanto verticalmente (trepantes) –, estáticas – que não são movidas durante toda a construção – ou uma mistura das duas. Intencionou-se construir uma forma que não tivesse parafusos/travas atravessando as paredes para evitar furos na mesma após a desmontagem da forma, primeiramente buscando um sólido homogêneo, e segundamente porque tais travas podem atrapalhar a compactação, gerando pontos mais porosos e frágeis na taipa. Dessa forma, foi idealizada uma forma com travamentos externos, o que se tornava possível devido à pequena dimensão do protótipo. Além da possibilidade de montar e desmontar a forma de maneira simples, este desenho e dimensões permitem que ela seja reutilizada mais vezes. Os materiais utilizados foram 4 de placas de madeirite plastificado (duas placas de 0,3mx0,4m e duas placas de 0,8mx0,4m), reforçadas por sarrafos horizontais. As peças laterais menores receberam reforços verticais com furos para permitir a passagem da barra roscada. As partes foram travadas por barras roscadas nas extremidades e uma gravata no eixo central. Durante o primeiro dia de construção, durante a compactação das primeiras camadas, percebeu-se que a forma havia deformado na parte inferior e subido um pouco devido a falta de travamento na extremidade, que não resistiu à força gerada pela compactação. Por isso, foram feitos reforços com novas barras roscadas, colocadas mais próximas das extremidades, e a forma foi parafusada no chão para evitar que subisse com os novos esforços. Antes da fixação da forma no chão, esta recebeu uma camada de desmoldante em suas superfícies internas.
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Imagens acima 115. Estudos da forma Imagens a direita (cima) 116. 117. Forma executada (baixo) 118. Parte inferior da forma que cedeu com esforços de compactação 119. Vista da subida da forma
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Preparação da terra A terra foi coletada em 8 latas de 18L do canteiro, totalizando aproximadamente 0,15m³ de solo, destorroada, peneirada e então corrigida com areia na proporção 1:1 (solo:areia).
Imagens na página anterior (acima) 120. 121. Forma com reforços (abaixo) 122. Forma recebendo uma camada de desmoldante 123. Reforço da forma 123. Romerito prendendo a forma ao chão Imagens nesta página a direita 124. Coleta da terra 125. Destorroamento da terra 126. 127. Terra após destorroamento e peneiramento Imagem acima 128. Terra corrigida granulométricamente e pronta para uso.
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Na betoneira era acrescentado cimento, na porcentagem de 6%11 e água para umedecer a mistura. Cada camada de 15cm a ser apiloada correspondia à aproximadamente duas latas de tinta (18L). Assim, fazíamos a mistura por camada: terra corrigida granulométricamente + 6% de cimento + correção da água (que ficava por volta dos 2,5l). Para testar se a quantidade de água era suficiente para a compactação, apertavase uma pequena porção nas mãos e via se o bolinho tinha coesão ou esfarelava, se estivesse coeso, partia-se ao meio, se ainda assim não esfarelasse, o ponto era próximo do ideal, conforme indicação da Rede Proterra (NEVES et al, 2010).
Construção Para cada camada era colocado por volta de 15cm de terra (recomenda-se de 15 a 20 cm de terra, no máximo, para que a compactação possa atingir a parte inferior da camada, sem influenciar na camada anterior já compactada), realizada uma prensagem preliminar e então compactado com o pilão. As primeiras camadas foram realizadas inteiramente com o pilão manual, o que se mostrou um trabalho bem pesado e difícil. Na sequência, as camadas foram todas realizadas com o compressor pneumático, auxiliado pelo manual na prensagem preliminar de cada camada e finalização dos cantos, já que o bulbo do compressor pneumático era arredondado e não alcançava essas extremidades. O pilão manual apresenta a vantagem de permitir a percepção de quando se chega à um bom nível de compactação, pois pode-se ouvir um som metálico a cada batida neste estágio, já o pneumático não permite esta diferenciação.
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Imagens na página anterior (acima) 129. Testando a umidade da mistura ao apertar uma porção de terra nas mãos e verificar se é coesa. (sequência abaixo) 130. Camada de terra nivelada para compactação 131. Pré-compactação feita com o pilão manual 132. Superfície após a compactação com o compactador penumático Imagens nesta página 133. 134. 135. 136. Execução da taipa tanto com compactador pneumático quanto o manual
NOTA 11 Segundo recomendações dos Boletins Técnicos BT-110 (ABCP, 1998) e BT-117 (TEIXEIRA, 1996), pode-se usar como base o traço de 1 cimento : 15 solo, adequando a adição de cimento na porcentagem entre 6% à 12% de acordo com o tipo de solo trabalhado.
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As camadas de terra, que no início tinham 15cm de altura, ao fim da compactação chegavam à uns 6cm ou 7cm. A forma permitiu a realização de 7 camadas, gerando um bloco de 38 cm de altura. O exercício prático permitiu uma aproximação do material, principalmente por ter o desafio de corrigir a terra que não se apresentava como propícia para a execução da técnica da taipa, e por exigir a realização da forma trouxe questões do projeto e da técnica interessantes e que não seriam pensadas apenas com o levantamento teórico. A taipa é uma técnica interessante por não ter muitas atividades intermediárias entre a extração da terra e a realização da construção, diferentemente dos blocos de adobe e BTC, trazendo como vantagens desta redução de etapas a economia em trabalho, transporte e tempo de execução. Podemos organizar a produção da taipa em duas etapas fora do canteiro: localização da jazida e desenho e confecção das formas, e quatro etapas dentro do canteiro: preparação da mistura, preparação e montagem das fôrmas, compactação e desforma. Com o desenvolvimento de formas práticas e a utilização do compactador pneumático, o processo é ainda mais agilizado. A alta mecanização deste sistema ainda é muito especifica e cara e não se torna acessível para uma grande população, no entanto, a forma tradicional de construir ainda pode ser replicada por qualquer um que receba pequena capacitação ou pesquisa. O protótipo foi construído praticamente em um dia (a atividade levou a tarde de um dia e a manhã do dia seguinte), já a forma levou três dias, e a preparação da terra uma manhã. Percebeu-se também que a terra, mesmo estabilizada com cimento, ainda aparentava um caráter argiloso, talvez melhores resultados fossem obtidos com a utilização de cal como estabilizante para corrigir a argila em excesso na mistura e a adição de mais areia.
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Imagem acima 137. Medição da taipa Imagem a esquerda 138. Taipa desmoldada e formas Imagens na página seguinte 139. 140. Detalhes das camadas, mostrando a diferença entre os trechos em que a terra foi melhor compactada e os em que a compactação não foi suficiente, gerando áreas mais porosas..
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DESCONSTRUINDO o preconceito e CONSTRUINDO com terra A revalorização do material e da arquitetura vernacular “O que se propõe é uma revalorização de fato e de direito das tecnologias de terra crua (...). Não se trata de criar apologismos a favor da arquitetura de terra, mas de se propor novos caminhos e opções tecnológicas simples, baratas e disponíveis a todo e qualquer cidadão. ” (ALVARENGA, 1995)
Até aqui foram descritas as características, possibilidades e inovações tecnológicas da terra como material construtivo e, assim, demonstrada a sua adequabilidade para ser utilizada nos dias atuais. No entanto, a intenção deste trabalho ao elencar as vantagens que a terra traz como material construtivo não é retomar as práticas arcaicas e afirmar que deva ser empregada em qualquer caso como a melhor técnica, substituindo todo e qualquer material, ou mesmo que ela seja a solução definitiva para o déficit habitacional. O que se intenciona aqui é colaborar com a divulgação das qualidades deste material para que as técnicas tradicionais sejam compreendidas, e assim possam ser aprimoradas e evoluídas, seu potencial possa ser aproveitado ao máximo e, finalmente, para que a terra possa equiparar sua eficiência aos sistemas construtivos convencionais do mercado. “Esse material de construção de excelência pode ser utilizado de maneira sofisticada e inventiva, desde que não se perca em fetichismo ou modismo e nem seja encarado como a panaceia para a sustentabilidade. ” (MAIA, 2016)
Imagem 141. Tijolos de adobe
Foi mostrado também que a industrialização viabilizou materiais altamente processados e criou novos métodos e possibilidades para a construção civil. Entretanto, a utilização generalizada dos materiais industrializados trouxe soluções que se mostraram incoerentes em diversos locais do mundo. A preocupação em seguir o progresso e não parecer atrasado fez com que muitos países consumissem o que não lhes era adequado e rejeitassem as próprias tradições. Assim, a industrialização da construção civil e a ‘homogeneização’ ou universalização dos métodos construtivos se mostrou extremamente 101
prejudicial ao desconsiderar as particularidades de cada local, de cada cultura, de cada economia, indo contra as soluções trazidas pela arquitetura vernacular, desenvolvidas ao longo de séculos, e o desprezo pelos costumes e materiais naturais locais em favor do status dos novos materiais ocasionou a perda dos conhecimentos acerca das técnicas construtivas ancestrais que faziam parte da tradição oral de muitos povos. Portanto, mais do que resgatar a terra crua como material, mostra-se importante que resgatemos as formas coerentes de se construir. Para isso, devemos mais do que nunca nos espelhar nos conceitos da arquitetura vernacular - que considera as particularidades ambientais, culturais e econômicas de cada lugar – no desenvolvimento da arquitetura contemporânea12. “As tradições culturais não constituem objetos parados no tempo; devem ser constantemente revisitadas, reinterpretadas e reapropriadas para criar um laço de continuidade viva entre a história popular e as necessidades locais da atualidade. ” (DETHIER, 1894)
A ideia deste trabalho, porém, não é colocar os materiais altamente processados num papel de vilão. Na realidade, são materiais excelentes que permitiram novas possibilidades construtivas e alguns podem até ser trabalhados em conjunto com a terra, mas uma vez que a sua produção tem grande impacto ambiental devem ser usados de forma mais racional e menos negligente.
De alternativo a convencional
Para que a terra possa então figurar no mercado da construção civil como uma alternativa tão boa, eficiente e resistente quanto os materiais convencionais, dividindo esse espaço de forma mais igualitária e deixando de ser escolha exclusiva àqueles que buscam sair do sistema e morar de forma mais natural, é necessária a (re)criação de uma cultura construtiva. Para isso é imprescindível superar a barreira do preconceito, construído a partir da desinformação e intensificado pela visibilidade de maus exemplos de sua aplicação. Assim, para competir com materiais que já tem uma rede produtiva consolidada e garantir a sua entrada no mercado é necessária divulgação. Já existem algumas redes de pesquisas integradas que buscam as inovações tecnológicas e aprimoramentos na utilização da terra crua como opção na construção civil, mas, além de ser necessário que essas redes se multipliquem e expandam, é preciso divulgar e popularizar os bons resultados das pesquisas e o conhecimento acumulado vindo da prática tradicional, assim como fornecer orientação, treinamento e atualização para os agentes atuantes na construção civil a fim de possibilitar o aproveitamento de todo o potencial do material. Para a atualização dos profissionais (e autoconstrutores) devem ser desenvolvidos manuais e guias orientativos sobre o material e as técnicas existentes, assim como cursos de capacitação. É dito que um bom 102
NOTA 12 Quanto a valorização destes conceitos vernaculares é interessante a iniciativa do projeto VerSus desenvolvido por universidades de Portugal, Espanha, Itália e França como uma metodologia para avaliar a arquitetura contemporânea com os princípios da arquitetura vernacular e explorar novas formas de aplicar esses princípios para melhorar a sustentabilidade da arquitetura atual em níveis ambientais, sociais e econômicos.
pedreiro pode virar um bom taipeiro ou adobeiros facilmente, basta que se aproprie do material. Tão importante quanto treinar os profissionais atuantes é incluir estes conhecimentos na formação dos novos profissionais. É fundamental que esse assunto seja abordado nas escolas de arquitetura e engenharia, juntamente com uma mudança de postura no ensino, pois, conforme afirma Alvarenga (1995), quando as técnicas construtivas de terra são consideradas nos cursos de arquitetura, “são vistas sob o ponto de vista
histórico, sem as devidas descrições tecno-construtivas que as consideram como opção tecnológica atual, dentro de um contexto sócio-econômico de país carente de soluções viáveis para habitação de baixo custo”. Os profissionais formados que dominem as diversas
possibilidades construtivas podem começar a gerar a demanda que ajudará a ampliação da utilização da terra na construção civil. No entanto, para a criação de uma cultura construtiva não é suficiente que se treine apenas as pessoas atuantes na construção, mas também é necessário o apoio do governo, interesse das empresas, suporte da academia e a criação de um público, e para tanto é imprescindível (re)criar a confiança no material. Para isso, Olarte e Guzmán (1993) apostam na proposição de alternativas de edificação de baixo custo, com as quais o governo de diferentes países possa encarar e incentivar programas de edificação de grande escala ou, alternativamente, a população possa construir ou autoconstruir facilmente. Já para Minke (2009) a praticabilidade das técnicas de terra tem que ser demonstrada não só em projetos residenciais, principalmente de baixo custo, mas também em prédios públicos como hospitais, escolas e escritórios, pois isto mostraria que, se usada de forma correta, terra é um material durável e econômico que é facilmente disponível e de fácil manuseio e capaz de criar até edifícios de prestígio. Por fim, é necessário resolver as questões de ordem logística e comercial. Um bom exemplo é encontrado no sul dos Estados Unidos e na Austrália, onde existe uma cultura construtiva de terra mais consolidada e pode-se observar como o mercado absorveu a demanda por este material. Nos Estados Unidos é possível encontrar tijolos de adobe em lojas de construção e na Austrália existem diversas empresas que prestam o serviço de construção de taipa de pilão. Ali, estima-se que 20% das construções atuais estejam sendo feitas com esta técnica (CHIRAS, 2000, p.38 apud ORUI, 2015). Entretanto, a terra ao entrar na lógica do mercado perde algumas de suas vantagens, pois para a comercialização de elementos de terra e um aumento na escala de produção abre-se mão da economia em transportes e energia. Além disso, a busca por materiais de construção de baixa manutenção não abre muito espaço para a ampla utilização da terra crua sem aditivos, sendo necessária sempre a estabilização ou consolidação com cimento ou outros aglomerantes, o que Olarte e Guzman (1993) chamam de “melhoras ao produto à granel”. 103
CONSIDERAÇÕES FINAIS Reflexões
A decisão por estudar um material construtivo me aproximou da prática construtiva, pois ao querer entender a lógica da utilização de um material e o quanto ele influencia na produção arquitetônica, a experiência prática do canteiro tornou-se fundamental para compor a percepção. Inclusive, a dificuldade inicial que tive para entender este material e poder compará-lo a outros se deu principalmente pela falta de contato com a parte prática da arquitetura, indicando que há na nossa formação como arquiteto um certo distanciamento entre a discussão e reflexão no exercício de projeto e a relação com os processos construtivos. Por que deixamos tanto a prática de lado? Aliás, porque construir não pode fazer parte da educação comum já que habitar o espaço é uma condição natural do ser humano? Conforme destaca Orui (2015), é relativamente recente a desvinculação do ato de construir dos usuários finais, ou seja, quando as casas deixaram de ser construídas por seus futuros moradores e passaram a ser atribuídas a especialistas, e talvez a perda dessa capacidade de autoconstrução permitiu que passássemos a aceitar o uso de qualquer tipo de material construtivo sem questionar se este é adequando à sua realidade, se as condições de conforto ambiental são satisfatórias, se oferece riscos à saúde de seus usuários ou se é danoso para o meio ambiente. Além disso, a terra e a sua reversibilidade trouxe a reflexão: porque queremos que nossas construções durem para sempre? Na lógica capitalista, as construções, mais especialmente a casa, são vistas como um bem e uma maneira de fixar as pessoas num local, e por criar esse vínculo entre um espaço delimitado, traduzido na materialidade que é a construção, e o indivíduo fortalece a necessidade de eternização dessas edificações. Afinal, se você constrói algo para si, não quer que isso se perca com o tempo, certo? Mas se estamos criando e construindo coisas que não são reversíveis, transformando de maneira definitiva recursos não renováveis, o que as gerações futuras podem esperar? Civilizações inteiras passaram pelo planeta sem deixar vestígios, porque utilizavam os materiais, sem eternizar as suas formas (SANTOS, 2000), então será que a reversibilidade da terra não pode trazer uma maneira mais gentil de se habitar o espaço para o futuro? 104
"(...) Em uma palavra, se a terra amassada é ecologicamente limpa, é porque o tempo pode destruí-la completamente e pode ser usada novamente quantas vezes se desejar. Não deixar nem resíduos nem rastros permanentes será talvez uma nova ambição da arquitetura. ” (BARDOU, 1982)
Por fim, estudar a terra reafirmou que: _A prática construtiva é muito importante na formação de um arquiteto, pois o conhecimento das características dos materiais empregados na arquitetura possibilita uma melhor relação entre o profissional e o oficio. _A arquitetura vernacular deve sempre ser referenciada e acessada, pois é a representação da tecnologia apropriada e dos conhecimentos adquiridos pela civilização ao longo de séculos, e assim permite que desenvolvamos uma arquitetura sustentável de verdade.
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David
Easton
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P.20 e 21 13. Os grãos que compõem a terra, adaptado do projeto àmaco. – FONTE http:// www.amaco.org/spiral-files/download?mode=inline&data=3161 14. Triângulo de Ferret para classificação do solo – FONTE NEVES et al. (2010) P.22 e 23 15. Resultados do teste de Carazas – FONTE acervo pessoal 16. Caixa utilizada para unificar a quantidade de terra para o teste de Carazas – FONTE acervo pessoal 17. Compactação manual do teste de Carazas – FONTE acervo pessoal P.24 18. 19. 20. 21. 22. Exemplos de fundações – FONTE http://www.thiscobhouse.com/ cob-building-systems-foundations-andwalls/ P.26 23. Esquema dos diversos modos de estabilização. A) por cimentação, B) por armação,C) por impermeabilização e D)por tratamento químico. (BARDOU, 1981) P.28 e 29 24. Amostra de superfície de terra tratada com clara de ovo – FONTE Projeto àmaco em http://www.amaco.org/ 25. Esquema de como funcionam os revestimentos argilo-minerais – FONTE CHIRAS e GUELBERTH (2003) apud ORUI (2015) P.30 e 31 26. Exemplo de parede com pingadeiras de cerâmica ou pedra – FONTE Lehm Ton Erde 27. Desenho do esquema de introdução das placas cerâmicas na confecção da taipa
– FONTE KAPFINGER e SAUER (2015) 28. Esquema do desgaste da parede de taipa com argamassa de cal entre as camadas ao longo do tempo – FONTE KAPFINGER e SAUER (2015) 29. Parede de uma das obras de Martin Rauch apresentando desgaste. – FONTE © S.G. STEPHENS P.33 30. Diagrama das técnicas fundamentais da construção com terra. – FONTE Adaptado de HOUBEN E GUILLAUD (1995) P.34 e 35 31. Exemplo de casa escavada – FONTE http://www.earth-auroville.com/ 32.. Hotel Yunak Evleri, na Capadócia, Turquia – FONTE http://www.yunak.com/ 33. Teto verde em parque multiuso na Dinamarca – FONTE ©Gremsy) P.36 e 37 34. Cobertura plana de terra em Mali – FONTE MINKE (2009) 35. Extração de blocos de terra– FONTE http://www.earth-auroville.com/ 36. Casa de sod na Islândia – FONTE (INHABITAT) http://inhabitat.com/hobbit-styleturf-homes-sustainable-houses-that-lastsfor-centuries/ 37. Execução do superadobe – FONTE http://adonaiecotecnologia.blogspot.com. br/2011/06/super-adobe-super-costal.html 38. Preenchimento de estruturas diversas para construção de uma Earthship – FONTE Earthships 39. e 40. O Brickeradobe – FONTE http:// www.recriarcomvoce.com.br P.38 e 39 41. Apiloamento manual da taipa – FONTE http://www.recriarcomvoce.com.br 42. Apiloamento mecanizado com com-
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pactador pneumático – FONTE Lehm Ton Erde 43. Prensa CINVA-RAM – FONTE http:// mha-net.org/docs/v8n2/wildac06e.htm 44. BTCs de diversos tipos de terra – FONTE acervo pessoal P.40 e 41 45. Construção tradicional das vilas Musgum, Camarões – FONTE http:// nkaprojects.boards.net/thread/10/housebuilt-entirely-mud 46 e 47. Empilhamento e mistura das bolas de cob – FONTE https://naturalbuildingcollective.wordpress.com/tag/comparing-natural-building-materials/ P.42 e 43 48. Adobe moldado com forma tradicional – FONTE http://lecycpicorelli-bioarquitetura.blogspot.com.br/2011/06/construcao-de-terra-parte2-adobe. html#axzz4RMcPzDgl 49. Extrusora de adobe – FONTE http:// eartharchitecture.org/ 50. Técnica ‘Stranglehm’ – FONTE Minke (2009) P. 44 e 45 51. Sequência de aplicação da terra líquida em formas – FONTE http://buildingourhome.blogspot.com.br/2004_09_01_ archive.html 52. Construção de uma casa de pau-apique – FONTE https://gaiasustentavel. net/2015/07/14/construindo-habitacoes-sustentaveis/ 53. Exemplos de entramados distintos – FONTE Acervo Pessoal P.46 e 47 54. Preenchimento de forma com palha para formar a parede – FONTE http://commonearth.builders/ 55. Parede de terra-palha desenformada – FONTE http://www.paleotechnics. com/cottagefloorandwalls.html 56. Obra "yamatane" do artista japonês Yusuke Asai – FONTE http://www.ricegallery.org/yusuke-asai/
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P.48 57. Taipa de pilão – FONTE acervo pessoal P.54 58. Obra "Dois pesos e duas medidas" da artista Lais Myrrha para a 32ª Bienal – FONTE acervo pessoal P.63 59. 60. 61. Windhover Contemplative Center – FONTE © Matthew Millman P.64 e 65 62. 63. 64. Pavilhão BES – FONTE © Tran Ngoc Phuong 65. 66. 67. Residência Ajijic – FONTE © Iwan Baan P.66 e 67 68. 69. Escola Primária em Gando – FONTE © Siméon Duchoud 70. 71. Anexo Escola Primária em Gando – FONTE © Erik-Jan Ouwerkerk P.68 e 69 72. 73. 74. Residência em Piracicaba executada pela TAIPAL – FONTE © Paulo Heise 75. 76. 77. Residência em Niterói feita na técnica de pau-a-pique – FONTE CSA Arquitetura P.70 e 71 78. 79. 80. Residência executada em quincha metálica, variação da taipa de mão que utiliza um entramado de metal – FONTE © Pablo Alvear 81. 82. 83. Escola primária na Tailândia que utiliza materiais construtivos naturais para as suas diversas edificações – FONTE http:// www.bamboo-earth-architecture-construction.com/portfolio-item/panyaden-school/ P.72 e 73 84. 85. 86. Casa com sacos de superadobe – FONTE © Riaan Hough, © Jamie Setzler e © Yutaka Sho 87. 88. Casa de quatro andares executada em taipa e concreto na Índia – FONTE © Vivek Muthuramalingam
P.74 e 75 89. 90. 91 92. 93. 94. 95. 96. 97. – FONTE http://terra-award.org/laureate/ P76 e 77 98. Forma desenvolvida pela empresa TAIPAL – FONTE TAIPAL <http://www.taipal. com.br/ > 99. Forma de tecido em desenvolvimento na University of East London School of Architecture and the Visual Arts – FONTE Rammed Earth Consulting CIC, P.78 e 79 100. 101. – FONTE Lehm Ton Erde P.80 e 81 101. 102. 103. 104. 105. – FONTE Rammed EarthWorks 106. Painéis pré-moldados ESE da empresa australiana Earth Structures Group – FONTE http://www.earthstructuresgroup.com.au/ 105. 106. 107. Impressora 3D Pylos, ainda em desenvolvimento – FONTE pylos.iaac.net 108. 109. Impressora 3D Big Delta da empresa WASP – FONTE http://www.wasproject.it/w/en/category/3d-printer-en/3d-big-delta-printer-en/ P.84 – 98 110. 111. 112. 113. 114. 115. 116. 117. 118. 119. 120. 121. 122. 123. 123. 124. 125. a 126. 127. 128. 129. 130. 131. 132. 133. 134. 135. 136. 141. – FONTE acervo pessoal
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