Arte e cultura brasileira unidade 1

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Unidade 1 – O olhar sobre o Brasil e e formação de uma identidade brasileira

1.1 O Brasil na Visão dos Viajantes Estrangeiros (século XVI ao XIX);

1.2 Século XIX – (1) Pátria, Língua, Território e Construção do Estado; (2) As Teorias Raciais, Imigração e Ideal de Branqueamento da Raça;

1.3 Final do Século XIX e Início do XX: intelectualidade, urbanização e Belle Époque

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Arte e Cultura Brasileira

Seja bem vindo a Unidade 1! Nesta unidade iremos contextualizar

a forma da cultura brasileira, bem como suas representacoes, a partir das producoes artisticas,

literarias e cientificas produzidas na Europa e

no Brasil, ateé os fifinais do seculo dezenove e inicio do seculo vinte. Bons estudos!

1.1 O Brasil na Visão dos Viajantes Estrangeiros (século XVI ao XIX) Na época em que os colonizadores chegaram à costa brasileira, no início do século XVI, o Novo Mundo pouco interessava aos portugueses. O Oriente era quem chamava a atenção de todos eles. Foi assim que o Brasil passou quase cinquenta anos distante dos interesses de Portugal. Somente na década de 1530, com o desenvolvimento da extração e do comércio do pau-brasil e a consequente investida de piratas (geralmente franceses) é que se deu o início da difícil tarefa de colonizar o Brasil. Para tamanha empreitada, eram necessários muitos esforços e investimentos. O Novo Mundo soava como um lugar misterioso e desafiador. Valendo-se disto, o latinista Gândavo escreveu Tratado da Terra do Brasil (1570) e História da Província de Santa Cruz (1576) mostrando as riquezas da terra, os recursos humanos e sociais nela existentes. Foi assim que ele buscou persuadir os portugueses mais pobres a virem povoar o Brasil. Nesse sentido, seus livros são, conforme afirmou Capistrano de Abreu, uma nítida propaganda de imigração ultramarina a serviço de Portugal.

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Se, no início do século XVI, os portugueses faziam pouco caso do Brasil, outros europeus adotavam uma postura bem diferente. Gândavo, que era português, falava de como os estrangeiros tinham o Brasil em alta estima, inclusive sabendo mais e melhor de suas particularidades do que os seus próprios “descobridores”. Vir a terras brasileiras era uma grande e sedutora aventura. Assim, ao longo de todo o período do Brasil colônia (século XVI até início do XIX), tanto a fauna como a flora brasileiras, bem como sua gente nativa e/ou escravizada, foram sendo retratadas e também inventadas, com grande interesse e desenvoltura, por viajantes (cronistas, artistas, aventureiros, cientistas, missionários, administradores) do Velho Mundo. Pode-se dizer que, até a chegada de Dom João VI (1808-1821), poucos viajantes estrangeiros (no caso, não-lusitanos) estiveram no Brasil, uma vez que os portugueses eram os únicos autorizados pela metrópole a pisar em solo brasileiro. No entanto, observa-se um breve parêntese no governo invasor do jovem Maurício de Nassau (1637-1644), posto a serviço da Holanda e desembarcado em terras pernambucanas, mais especificamente no Recife. Em meados do século XVII, Nassau trouxe pintores, cartógrafos, astrônomos, arquitetos e naturalistas em sua comitiva. Entre eles estavam Albert Eckout e Frans Janszoon Post, respectivamente famosos por suas pinturas de retratos e paisagens. Com eles ocorreu oficialmente a primeira tentativa de se fazer uma representação não fantasiosa da fauna, da flora, dos corpos e da cultura de toda a gente exótica que aqui habitava, fossem eles índios, negros ou mestiços. A ideia era documentar o Novo Mundo e apresentá-lo aos europeus, naturalmente evidenciando os bons feitos do governo holandês em terras pouco conhecidas, como era o caso do Brasil. Mas será então que nesses documentos não havia também um pouco de invenção? Será que as visões de mundo e os compromissos de Albert Eckout e Frans Janszoon Post com os ideais de Nassau não eram uma espécie de lente ou filtro no momento de eles retratarem o Brasil? É sobre esta (im)possibilidade de representar o mundo tal e qual ele é que iremos tratar agora.

Conteudo Confira na sua Web Aula o texto de Carla Mary S. Oliveira sobre o Brasil seiscentista nas pinturas de Albert Eckout e Frans Janszoom Post.

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Curiosidade Você sabe por que os tupis nas pinturas de Eckout são retratados sempre vestidos enquanto que os tapuias estão desnudos? Na época colonial, os índios brasileiros eram vistos pelos europeus sob a ótica do binômio tupi/ tapuia. Os tupis (tupinambá, temiminó, tupiniquim, amoipira, tamoio, tabajara, potiguara, caeté, aricobé, tupiané ou tupiná) eram um grupo bastante numeroso. Ocupavam a costa brasileira e uma pequena parte do interior. Eram tidos como mais civilizados e mansos, tinham uma agricultura de subsistência e falavam o tupi. Os tapuias eram todos os outros povos que não falavam o tupi (aimorés e guaianás, por exemplo). Estavam localizados mais para o centro, no sertão geográfico do país. Não tinham agricultura e exerciam as atividades de caça e de coleta de frutos. Segundo os europeus, os tapuias apresentavam traços muito mais próximos da animalidade, sendo bem mais selvagens e violentos que os tupi. O olhar do outro sobre o Brasil é importante de ser analisado porque oferece a possibilidade de entender como fomos pensados pelos europeus, nossos colonizadores. E mais: faz-nos perceber como essas imagens, sejam elas literárias (diários, crônicas, romances, manuais) ou iconográficas (pinturas, desenhos, gravuras, aquarelas), dizem respeito a uma identidade brasileira, às suas representações e ao modo como elas estão presentes no inconsciente cultural nacional. Afinal, descendemos desses mesmos europeus e, em larga medida, moldamos e produzimos o olhar que temos sobre nós mesmos, os colonizados, em função dos valores com eles aprendidos ao longo dos séculos, desde a sua invasão. Sabe-se que, no século XIX, o olhar do europeu ainda oscilava entre a vontade de retratar fielmente a realidade e a abordagem fantasiosa sobre o Brasil. Entre outros fatores, quando o caso era incentivar a vinda de estrangeiros para cá, as gentes, a natureza e os costumes que aqui existiam ou se desenvolveram eram normalmente apresentados como interessantes e convidativos. Por outro lado, se a intenção era justificar os maus-tratos e/ou o etnocentrismo do Velho Mundo, nada melhor que atribuir traços distorcidos e/ou preconceituosos à natureza, às pessoas e aos hábitos brasileiros.

Artistas visuais que nunca estiveram no Brasil, ou em outras terras do Novo Mundo, eram contratados para ilustrar histórias fantasiosas, cheias de ataques de monstros terrestres ou marinhos aos que aqui habitavam ou desembarcavam à procura de riquezas e/ou aventuras.

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Os relatos, desenhos, pinturas, gravuras e aquarelas elaborados por esses viajantes eram publicados em livros e vendidos ao público europeu – no caso, desejoso de novidades e exotismos de terras distantes. Naquela época, havia um mercado editorial e um público consumidor já consolidados para este tipo de publicação de viagem. Algumas dessas obras, como lembra Sylvia Porto Alegre (1992), eram de reconhecido valor histórico e antropológico, enquanto que outras não passavam de produtos da imaginação de quem os elaborou. No que se refere especificamente ao índio brasileiro, costumava-se representá-lo de duas maneiras: a) um ser perigoso e desprezível em seus traços físicos, intelectuais e conduta moral, b) como um “bom selvagem”, por ser belo, puro e viver profundamente integrado a uma vegetação exuberante e paradisíaca. Tudo dependia dos viajantes, de seus interesses e dos modos de eles se relacionarem com o Novo Mundo.

Conteudo Confira na sua Web Aula o texto de Maria Sylvia Porto Alegre sobre a representação do índio no século XIX. Segundo Mariza Veloso e Angélica Madeira (1999), com a mudança da corte de Dom João VI, em 1808, para o Rio de Janeiro, houve um notável crescimento do interesse pelo campo intelectual entre os que regiam o país. Este fato trouxe uma nova leva de cientistas e artistas estrangeiros ao Brasil, sobretudo alemães, ingleses e franceses. E mais: gerou o início do processo de laicização nas artes, a instauração de uma imprensa nacional e, ao longo de todo o século XIX, a criação de institutos de pesquisa, museus, universidades e academias literárias. As expedições científicas tornaram-se bastante intensas nessa época – no século anterior elas já existiam mas eram bem menos frequentes. Foi desse modo que, no século XIX, viajantes como Johann Moritz Rugendas, pintor de natureza, chegou ao país e a outras paragens do Novo Mundo, assim como os naturalistas, em alguns casos também desenhistas, Carl Friedrich Philipp von Martius (médico e botânico alemão), Johann Baptist von Spix (zoólogo alemão), Alexander von Humboldt (geógrafo alemão), Auguste de Saint Hilaire (botânico francês), entre outros.

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Rugendas, Johan Morits. La Siesta.

Debret, Jean Baptiste. Casamento de D.Pedro I e D. Amélia.

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Carl Friedrich Philipp von Astrocanyon gynacanthum, Bactris pertinata.

Curiosidade Você sabia que a primeira expedição científica genuinamente brasileira do século XIX, a Comissão Científica de Exploração (1856-1867), ficou conhecida como a “Comissão das borboletas” e se dirigiu ao Ceará? Veja os desenhos aquarelados que o cearense José dos Reis Carvalho, aluno de Jean-Baptiste Debret e formado pela Academia Imperial de Belas Artes, fez nesta expedição.

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José dos Reis, Flor com Borboleta

José dos Reis, Flor com Inseto

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A Missão Artística Francesa, chefiada por Joachim Lebreton e formada pelo arquiteto Grandjean de Montigny, os pintores Nicolas Taunay e Jean-Baptiste Debret, o escultor Auguste Taunay, o gravador Charles Pradier, além de alguns artifices e os escultores Marc e Zépherin Ferrez, aportou no Brasil em 1816 a convite de Dom João VI, devido a questões políticas ligadas à queda de Napoleão Bonaparte. Alguns desses artistas retornaram à França, outros radicaram-se no Brasil, protagonizando com maior força a criação da Academia Imperial de Belas Artes, em 1826, no Rio de Janeiro.

O barroco e o rococó eram os estilos artísticos predominantes da época, enquanto que a novidade trazida pelos franceses voltavase mais para o neoclassicismo e distanciava-se de temas ligados à cena religiosa. Tal é o caso da obra pictórica de Jean-Baptiste Debret, voltada para o cotidiano da população e de eventos da corte.

Conteudo Confira na Web Aula o texto de Carla Mary S. Oliveira sobre Debret e o seu modo de retratar cenas cotidianas de lazer e de leitura no Brasil A chegada desses artistas gerou conflitos entre os defensores do desenvolvimento de uma arte laica – no caso, os franceses – e os adeptos da arte sacra colonial – artistas portugueses, também trazidos por Dom João VI ao Brasil. Diante de tantos embates, a Missão Artística Francesa acabou por se desfalcar, deixando poucos discípulos entre os brasileiros. No entanto, pode-se dizer que, com o passar dos anos, por meio da Academia Imperial de Belas Artes, ela foi a responsável pelo surgimento de pinturas de narrativas históricas e de apelo indianista, como as de Vitor Meireles. Na escultura, como afirma Soni Gomes Pereira (2011), o apelo indianista também era bastante comum, enquanto que na arquitetura observou-se uma mistura do neoclassissimo e sua variante neorrenascentista com as formas tradicionais da arquitetura colonial. Tinha-se então o estilo chamado de “ecletismo” na arquitetura.

1.2 Século XIX – (1) Pátria, Língua, Território e Construção do Estado; (2) As Teorias Raciais, Imigração e Ideal de Branqueamento da Raça.

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O século XIX no Brasil pode ser visto como uma época de grandes transformações políticas, culturais, econômicas e sociais. Com a chegada de Dom João VI, em 1808, o país saiu da condição de Brasil Colônia e passou a ser Reino Unido a Portugal. Pouco tempo depois, em 1822, veio a proclamação da independência e o Brasil tornou-se Império. Em 1889, passou a Brasil República. Um ano antes foi declarada a Abolição em todo o país – sendo que, no Ceará, os escravos foram libertos já em 1884. Se ao longo do século XIX o Brasil buscou inserir-se no cenário da modernidade ocidental, para que isto de fato ocorresse, uma coisa era certa: recém-saído de uma situação colonial, o país precisava se pensar como Estado-Nação e cingir-se de ares civilizados. É nesse sentido que podemos falar, assim como o fizeram Marisa Veloso e Angélica Madeira (1999), da organização de um campo intelectual brasileiro que se dedicou a elaborar e representar uma identidade para o Brasil por meio da arte, da ciência e da política. Mas como ser moderno e, portanto reconhecido por valores ocidentais, ao mesmo tempo em que era preciso delinear um perfil mais individualizado para o Brasil? Como tornar-se universal sem deixar de lado o aspecto de localidade? Foi no embate entre a importação de ideias da Europa e a busca de uma identidade autóctone que viveu o Brasil no século XIX. Nação jovem, promissora e à procura de um lugar de respeito entre as nações civilizadas, o Brasil abraçou o liberalismo de procedência inglesa e o adaptou aos seus interesses locais. Queria então descentralizar o poder, introduzir mudanças nos planos político e econômico sem, contudo, deixar de ser escravocrata, conforme as autoras (1999). Assim, ao desvincular a noção de liberdade do país perante o poder central do rei de uma liberdade concedida também aos escravos, é que o ideal liberal brasileiro atuou fortemente no movimento independentista do país e no fortalecimento da ideia de Pátria. Como era importante se desvencilhar cada vez mais da imagem de colônia portuguesa, aos poucos, o Brasil foi deixando de lado os valores e modelos da antiga metrópole. Voltou-se, então, para a cultura francesa, muito em moda na época. Aliás, foi pelo intermédio da França que o Brasil conheceu o romantismo e por meio dele fez surgir o movimento indianista, na literatura protagonizado, entre outros, pelo cearense José de Alencar.

No século XIX, o indianismo brasileiro elegeu a imagem do nosso nativo como personagem representante da verdadeira brasilidade. Pensado como herói nacional, ele era um índio nitidamente idealizado, estando muito mais próximo de um imaginário europeu. O índio Peri, por exemplo, herói do livro “O Guarani”, de José de Alencar, é retratado como alguém completamente devotado à sua senhora, a branca Ceci. Ele inclusive adere ao cristianismo para não desapontá-la, voltando-se para a nova religião com uma fé inabalável. A servidão de Peri à Ceci é vista pelo indianismo como mostra do caráter exemplar do índio brasileiro que, entre outras coisas, tem ares cavalheirescos e uma beleza não encontrada em seus irmãos de raça.

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Mas o apelo indianista encontrava-se não apenas na literatura e nas artes. A publicidade impressa da época também fazia referências a um índio que correspondesse ao ideal romântico, não exibindo em seu material gráfico nada que chocasse os padrões da época, como bem assinalou Rafael Cardoso (2005). O repertório visual de cada peça deveria, então, fazer uso da figuração europeia em voga, trazendo brasões e moedas imperiais, índios de pele clara e vestidos com panejamentos ao estilo greco-romano, além de poses que logo os associavam a seres mitológicos ocidentais ou, simplesmente, aos corpos das imagens artísticas das culturas ditas civilizadas. Veja o caso dos rótulos de uma fábrica de fumo em Niterói, no Rio de Janeiro e de um xarope de abacaxi, produzido em Pernambuco:

No Brasil, o romantismo só perdeu força por volta de 1870. Época em que questões como o Abolicionismo e a República passaram a nortear o debate nacional. Época também da introdução das ideias positivistas e evolucionistas, trazidas da Europa e notadamente adaptadas ao cenário brasileiro. O Brasil então cobriu-se de determinismos científicos sobre clima, solo e mestiçagem, neles acreditando até os anos 30 do século XX.

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Com base nessas ideias, Segundo Lilia Mortiz Schwarcz (1993), foram criados museus etnográficos, institutos de pesquisa, faculdades de medicina e direito, muitos deles voltados para os estudos racialistas que conferiam aos povos não ocidentais a posição de seres inferiores em termos físicos, morais e intelectuais. Nesse sentido, os graus de selvageria e barbárie seriam atribuídos aos índios brasileiros e aos negros trazidos ao Brasil, a depender do grupo. Entre os nativos brasileiros, os índios botocudos, por exemplo, eram vistos como os mais próximos da condição de animalidade, estando portanto no estágio mais inferior da evolução. Quanto à colocação de civilizados na cadeia evolutiva, obviamente que ela caberia ao branco europeu. Aliás, foi em busca da condição de civilizado para o Brasil que o sociólogo Sílvio Romero formulou a “teoria do branqueamento”, amplamente aceita nas camadas intelectuais da época. Tentando solucionar o impasse da mestiçagem e a consequente degeneração racial brasileira, o sociólogo defendia, juntamente com o escritor e diplomata Joaquim Nabuco, a introdução de levas de imigrantes brancos no Brasil como um modo de proporcionar uma maior rapidez na diluição da mestiçagem entre negros, brancos e índios.

1.3 Final do Século XIX e Início do XX: intelectualidade, urbanização e Belle Époque Entre o final do século XIX (1870-80) e início do XX (por volta de 1920) houve um período no Brasil conhecido como Belle Époque. Eram tempos de profundas transformações nos planos urbanístico, econômico e cultural, ocasionadas pelos desenvolvimentos científico e tecnológico de um Brasil que se modernizava. Lugares como Rio de Janeiro e Fortaleza viviam sob a influência da França que, na época, estava à frente das novidades na moda, na arquitetura, nas artes, nos códigos de sociabilidade em cafés e grandes salões, normalmente animados por discussões político-filosóficas e saraus literários. Mas também havia muita pobreza e epidemias nessas capitais, fato que resultou na criação de movimentos sanitaristas, como o da vacinação obrigatória, proposta pelo sanitarista Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, que dividiu opiniões e acabou por gerar revoltas na população.

Capa da Revista “O Malho”, de 1904.

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No Rio de Janeiro, a Belle Époque veio acompanhada de uma produção cultural bastante rica, especialmente no jornalismo e na literatura. Machado de Assis, Lima Barreto e Euclides da Cunha, como lembram Mariza Veloso e Angélica Madeira (1999), todos mestiços e vindo das classes sociais não privilegiadas, viviam na mesma cidade e na mesma época. No entanto, apresentavam visões muito distintas em suas obras ficcionais no que se refere à Ética, à Política e à Estética. Machado de Assis e Euclides da Cunha fizeram parte da Academia Brasileira de Letras, mesmo questionando e/ou fugindo da vida fútil da sociedade carioca da Belle Époque. Lima Barreto, devido à sua vida boêmia, aos fortes traços negroides e às relações conturbadas com o campo intelectual e sociedade racista carioca, teve sua candidatura rejeitada por três vezes. Fortaleza, em finais do século XIX, por sua vez, também tinha uma vida econômica, cultural e artística bastante agitada. As exportações de algodão para a Inglaterra foram a grande propulsora financeira da Belle Époque na capital cearense. Como resultado desse próspero comércio, em 1875, a cidade recebeu de Adolfo Herbster um novo plano urbanístico que consistia em uma atualização do projeto de Silva Paulet, implantado em Fortaleza no ano de 1823. Sedenta de modernidade e inspirada na bela Paris, a nova Fortaleza adquiriu bondes para o transporte público e investiu na construção de palacetes para a moradia da burguesia local. Construiu também alamedas, ou boulevards (as atuais avenidas do Imperador, Duque de Caxias e Dom Manuel), além de praças com amplos jardins e cafés (o Passeio Público e a Praça do Ferreira), onde se reuniam os mais endinheirados e a intelectualidade local.

Em 1892, surgiu a “Padaria Espiritual”, grêmio criado por jovens literatos e artistas que sucedeu a Academia Francesa Cearense, de 1873 e o Clube Literário, de 1886. Os padeiros, como gostavam de ser chamados os seus integrantes, publicaram um jornal chamado de “O Pão”. Reuniam-se em sessões chamadas de “fornadas”, com objetivo de oferecer “o pão do espírito” – na verdade, ideias invadoras, e até mesmo escandalosas, para a sociedade fortalezense. Como lembra Sebastião Rogério Ponte (2012), a Padaria Espiritual foi concebida ao ar livre, nas mesas do Café Java, que tinha estilo francês e estava localizado na Praça do Ferreira – tudo bem ao gosto da Belle Époque mas já com aspirações pré-modernistas, como veremos depois.

No entanto, Fortaleza era um lugar de muitas contradições. Paralelamente a todo esse clima de euforia e vida cultural artificialmente francesa, a cidade tinha um alto índice de pobreza. A cada dia, tornava-se cada vez mais inchada por uma população de baixa renda que era acometida por toda sorte de doenças, devido à falta de saneamento básico. Tal foi o caso da varíola, amplamente combatida pelo farmacêutico Rodolfo Teófilo, no início do século XX, sobretudo junto à população que vinha do sertão para Fortaleza, por ocasião da seca. Segundo Lira Neto e Cláudia Albuquerque (2014), por essa época, não havia sistema de esgotos e nem abastecimento de água encanada nas residências da capital cearense. Foi somente em 1926 que Fortaleza recebeu a construção de duas

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caixas d’água e conseguiu substituir a iluminação a gás carbônico por lâmpadas elétricas. CARDOSO, Rafael (Org.) O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica (18701960). São Paulo, Cosac & Naify. CARDOSO, Gleudson Passos, PONTE, Sebastião Rogério (Orgs). Padaria espiritual: vários olhares. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012. CARVALHO, Gilmar de. O Ceará de Ednardo. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2013. CORRÊA DO LAGO, Pedro, SOUZA E SILVA, Ruy (orgs). BRASILIANA ITAÚ: uma grande coleção dedicada ao Brasil. Rio de Janeiro: Capivara, 2009. GRUPIONNI, Luis Donisete Bensi (org). Índios no Brasil. Brasília: MEC, 1994. NETO, Lira, ALBUQUERQUE, Cláudia. História urbana e imobiliária de Fortaleza: biografia sintética de uma cidade. São Paulo: BRABA, 2014. PEREIRA, Sônia Gomes. Arte brasileira no século XIX. Belo Horizonte: C/Arte, 2008. SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco: cor e raça sociabilidade brasileira. São Paulo: Claroenigma, 2012. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. VELOSO, Mariza, MADEIRA, Angélica. Leituras brasileiras: itinerários no pensamento social e na literatura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

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Creditos Núcleo de Educação a Distância O assunto estudado por você nessa disciplina foi planejado pelo professor conteudista, que é o responsável pela produção de conteúdo didático, e foi desenvolvido e implementado por uma equipe composta por profissionais de diversas áreas, com o objetivo de apoiar e facilitar o processo ensino-aprendizagem. Coordenação do Núcleo de Educação a Distância Lana Paula Crivelaro Monteiro de Almeida Coordenação do Polo de Apoio Presencial em Educação a Distância Kelly Cristina Fernandes Pinto Amaral Supervisão Administrativa Denise de Castro Gomes Produção de Conteúdo Didático Carmen Luisa Chaves Cavalcante Designer Instrucional Andrea Chagas Alves de Almeida Projeto Instrucional Ana Paula de Oliveira Ximenes

Arte Diego Silveira Maia Cordeiro da Silva Viviane Cláudia Paiva Ramos

Roteiro de Áudio e Vídeo José Glauber Peixoto Rocha

Programação / Implementação Jorge Augusto Fortes Moura

Produção de Áudio e Vídeo Alex Nunes Barroso José Moreira de Sousa

Editoração Régis da Silva Pereira

Identidade Visual Régis da Silva Pereira Viviane Cláudia Paiva Ramos

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Revisão Gramatical Vanderlene Paiva Lopes


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