CENTRO UNIVERSITARIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO
GIOVANNA DE OLIVEIRA MELO
URBANISMO PELA PERSPECTIVA DE GÊNERO
São Paulo 2017
GIOVANNA DE OLIVEIRA MELO
URBANISMO PELA PERSPECTIVA DE GÊNERO
Trabalho Final de Graduação apresentado no curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Orientador: Prof. Marcos Virgílio da Silva
São Paulo 2017
AGRADECIMENTOS À todas as gerações de mulheres da minha família, eu às saúdo. Minha tataravó escrava, a outra índia, chamada de bugre pela gana de ser livre. Às bisavós, uma me embarcou no colo, me mostrou o doce do carinho, outra que do sertão saiu, me cantou músicas de samba de coco e não me deixa esquecer a dureza da caatinga. Minhas avós, de coração puro e a fortaleza, que me põe de pé. À minha mãe, sua doação e amor me colocam sorriso no rosto e calor no coração, obrigada pelos caminhos que abriu e outros que percorreu ao meu lado. À minha irmã, gentileza é dom, gentileza ter vindo para me acompanhar e juntas lutar nessa estrada que é a vida. Ao meu pai, honesto e bom, me ensinou que coração limpo é o que nos mantém esperançosos pelo amanhã. Ao Caio, impulsiona meus sonhos, olha nos meus olhos, caminha lado a lado. Ao Matias, que deu uma chave para uma menina jovem e curiosa, e desde então, janelas e portas continuam a se abrir, ela não para. Às colegas de classe, com todas suas multiplicidades, especificidades e diversidades, aprendi todos os dias com cada uma de vocês, somos muito mais do que estará descrito em nossos diplomas. Às mulheres do Coletivo Feminista Charlotte Perriand, nossos laços são reais, nossos sonhos não morrem e a nossa luta continua. À Sara, que muito me auxiliou, em toda a caminhada do Coletivo e para além dele. Ao meu orientador, Marcos Virgílio, professor inspirador, que acreditou na minha proposta de reflexão, me incentivou a todo momento e foi um grande companheiro de trabalho. E a todas as mulheres e suas trajetórias árduas e cheias de desafios, neste velho mundo que terá o seu fim. Avante, não temos tempo a perder.
“É preciso deslegitimar o presente, desfazer os fios da continuidade histórica, que sustentam as noções de identidade e natureza humana. É preciso reler o passado e construir novas narrativas históricas. ” (Margareth Rago)
RESUMO O presente Trabalho Final de Graduação busca a análise do urbano pela perspectiva de gênero, propondo a reflexão sobre como o espaço é mantenedor de relações de poder, dentro da lógica capitalista de se produzir cidades. O recorte de gênero, classe e raça/etnia ocorre de forma a compreender as camadas não abarcadas no momento de se planejar o urbano. O estudo se deu através de pesquisa em campos análogos ao urbanismo como sociologia e filosofia para se entender o processo entre o os fenômenos urbanos a partir da história global e logo dando destaque à realidade brasileira e às relações de poder que se aprimoraram de forma a perpetuar desigualdades e sustentar opressões. Palavras-chave: gênero, cidade, urbanismo, relações de poder.
ABSTRACT This Undergraduate thesis seeks the analysis of the urban from the perspective of gender, proposing the reflection on how space is the maintainer of power relations, within the capitalist logic of producing cities. The angle of gender, class and race / ethnicity occurs in order to understand the layers not covered at the time of planning the urban. The study was done through research in fields analogous to urbanism as sociology and philosophy to understand the process between the urban phenomena from the global history and then the focus to the Brazilian reality and the power relations that have been improved in order to perpetuate inequalities and sustain oppression. Keywords: gender, city, urbanism, power relations.
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 - Colagem..................................................................................5 Imagem 2 - Colagem................................................................................20 Imagem 3 - Colagem................................................................................30 Imagem 4 - Colagem................................................................................47
LISTA DE GRÁFICOS
Grafico 1 Viagens por motivo do destino, segundo sexo (%). Município de São Paulo, 2012. .............................................................................................. 24 Grafico 2 Viagens por tipo, segundo sexo (%). Município de São Paulo, 2012. ................................................................................................................ 24 Grafico 3 Viagens por transporte, segundo sexo (%). Município de São Paulo, 2012. ..................................................................................................... 25
SUMÁRIO I
INTRODUÇÃO ................................................................................... 6
II
CIDADES MERCADO E RELAÇÕES DE PODER .......................... 10
III
IV
II.1
O FENÔMENO URBANO.......................................................... 12
II.2
RELAÇÕES DE PODER ........................................................... 17
II.3
PATRIARCADO E DESENHO URBANO .................................. 21 FEMININO NO URBANO ............................................................. 28
III.1
VIVÊNCIA E LUTA NA CIDADE ............................................ 29
III.2
COADJUVANTE DA (NÃO) CIDADE ..................................... 34
URBANISMO COMO FERRAMENTA DE TRANSFORMAÇÃo ... 40 IV.1
NOVAS DIRETRIZES AO PENSAR CIDADES ...................... 42
IV.2
INTERVENÇÒES URBANAS................................................. 48
IV.3
RESPOSTA PELA LUTA ....................................................... 53
V CONCLUSÃO .................................................................................. 60 VI
BIBLIOGRAFIA ............................................................................. 64
6
I
INTRODUÇÃO
7 A arquiteta e urbanista Liz Ogbu 1 traz uma metodologia de trabalho que utiliza as especialidades conferidas à sua profissão, de interpretar as necessidades humanas para um mundo construído e assim, proporcionar transformações na forma que os indivíduos e grupos sociais se sentem nos espaços. Ogbu se autodenomina “contadora de histórias”, que se utiliza de seu campo de conhecimento para traduzir e propor novos cenários e serviços que geram
impacto
no cotidiano. Arquitetas (os) e urbanistas articulam,
sinteticamente, este processo, porém, nesta monografia e assim como Ogbu, iremos para além da ideia de se “produzir” algo esperado pela profissão, como edifícios, projetos técnicos, etc. Para começar, a palavra “produzir” será substituída pelo “fazer”, a linguagem será reestruturada como caminho para a mudança e a visão mercadológica de espaço será analisada e a partir desta, será formulado uma nova proposta apoiada pela reflexão entre gênero e cidade. A monografia foi impulsionada por diversos questionamentos quanto à função social do arquiteto e urbanista, e como, através de suas singularidades e competências, possibilitar o total usufruto do direito à cidade por todas (os). A ideia de que as linguagens arquitetônicas exercem papel fundamental no espaço urbano propiciou a busca por ferramentas e teorias de transformação. O momento deste trabalho se dá no contexto de diversos retrocessos de direitos mas, pouco antes, ocorria na cidade de São Paulo o que foi chamado de Primavera Feminista2. Neste campo de reivindicações e ocupação do espaço público (e por ocupação, entende-se as passeatas, palestras e debates em praças, ruas e parques), fundamentou-se a questão primordial para este Trabalho Final de Graduação: as mulheres têm direito à cidade? Ver
e
viver
a
Primavera
Feminista
criou
oportunidades
para
questionamentos e reflexões diversas, pois toda mobilização se deu de forma crítica ao papel social da mulher e a negação dos seus direitos fundamentais, ocorrendo de forma massiva no urbano. O espaço da cidade foi o palanque destes movimentos históricos, assim como já havia sido antes, e também como
TEDxTalks. Why I’m an architect that designs for social impact, not buildings – Liz Ogbu – TEDxMidAtlantic. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=x0MnGZ1gB4k. Acessado em 12 de novembro de 2017. 2 Termo cunhado por revistas como Época, El país e Carta Capital. 1
8 o será. Este é o campo que arquitetos e urbanistas exercem suas teorias e práticas. No primeiro instante, foi necessário ordenar como tratar deste tema de forma clara e propositiva e, por meio da história das cidades, tratadas sociologicamente, foi possível a estruturação da monografia. Buscou-se autores que analisassem a sociedade, no início, sem circunscrevê-la na teoria urbanística ou arquitetônica. Foi então que Michel Foucault, Max Weber, Karl Marx, Frederich Engels e Pierre Bourdieu e suas reflexões sociológicas fundamentaram a base para se entender as relações de poder intrínsecas no construído e no não construído. Ao relacionar estes autores conjuntamente com autores que pesquisam a cidade por uma perspectiva urbanística, como Raquel Rolnik, David Harvey, Jane Jacobs e Jan Gehl, foi possível interligar diversos conhecimentos imprescindíveis para o estudo esmiuçado do fenômeno urbano. O processo de investigar o urbano no desenvolvimento da monografia tem seu enfoque no recorte de classe, gênero e raça, e trabalhos com este ponto de vista são atrelados de forma a conduzir o leitor a se questionar sobre o seu entorno. A estrutura se constituiu a partir de questionamentos entre gênero e a reprodução do patriarcado como relação de poder no urbano, e como levantar em momentos históricos estas evidências no mundo material e imaterial. Logo depois, foi criada a organização da monografia, que percorreu a seguinte sequência: Cidade e seus fenômenos (construção, relações de poder, patriarcado como linguagem de controle), Cidade e mulher (com recortes de raça e classe através importantes passagens históricas). Nestas problemáticas, foram analisados o contexto geral histórico do globo e voltando-se ao final para o Brasil e suas especificidades, como país colonizado, patriarcal e escravagista. Ao longo da pesquisa, foram encontradas algumas hipóteses como a relação entre mulher e o urbano não ser algo a resolver a partir do planejamento urbano; outra hipótese era o patriarcado estar engendrado nas relações humanas em geral e não traduzido de forma direta no desenho urbano e suas diversas linguagens. O objetivo se clarifica ao longo dos dois primeiros capítulos, sendo sintetizado na citação sobre mulheres e a cidade de Tavares (2015, p.115): “[...] o sentimento de não sermos legitimas no espaço urbano coloca em xeque a
9 relação dos nossos corpos com a cidade”. Enfim, busca-se responder se é possível, através das ferramentas desenvolvidas no curso de arquitetura e urbanismo, mudar ou influenciar a transformação de toda uma sociedade.
10
II CIDADES MERCADO E RELAÇÕES DE PODER
11 O urbanismo não é neutro, ou seja, é concebido a partir dos valores da sociedade e estes são “patriarcais, racistas e capitalistas”, segundo Weber (1964, p. 184). De acordo com esta afirmação, será analisado em um breve apanhado histórico os momentos mais relevantes da formação e definição de cidade e como as relações de poder, destacadas por Weber, nascem, desenvolvem-se e se articulam nos dias de hoje. O capítulo se organiza de forma a expor a concepção de cidade através do poder, que reduz os sujeitos e o urbano à lógica de mercado, posicionando a população como consumidores e classificando-os pela sua capacidade de compra. A perpetuação do poder se estabelece ao universalizar os espaços pela visão dominante, a “cidade androcêntrica”, ou seja, pautada pelo patriarcado, que se mostra como significativa ferramenta mantenedora do status quo. As relações de poder como o patriarcado, racismo e a oposição entre classes criam cisões que se materializam no urbano, com linguagens próprias e signos implícitos, porém eficazes em seu objetivo. Neste capítulo, o fenômeno urbano nos apresenta o surgimento e contexto dos conflitos, que serão investigados em diversos lugares, mas com ênfase na realidade brasileira, de país colonizado e escravagista. A invisibilização de grande parte da população, que inclusive, desempenhou papel importante na viabilização das cidades, que perdura até os dias atuais, articulou o Brasil e o mundo. Logo, serão consideradas tais demandas ao tratar dos recortes territoriais que serão estudados pela abordagem do materialismo histórico, ou seja, a partir dos embates entre sujeitos para a construção material e imaterial da sociedade. Através da afirmação de Bauman, é possível compreender as diretrizes traçadas neste capítulo:
É nos lugares que se forma a experiência humana, que ela se acumula, é compartilhada, e que seu sentido é elaborado, assimilado e negociado. E é nos lugares, e graças aos lugares, que os desejos se desenvolvem, ganham forma, alimentados pela esperança de realizarse, e correm risco de decepção[...]. (BAUMAN, 2009, p.35)
Portanto, a primeira parte desta monografia discorre sobre o cenário, atores e enredo, as relações entre sujeitos x espaço sujeito x sujeito, e ao longo
12 do trabalho serão propostas diferentes maneiras de lidar com o existente e possíveis novos horizontes.
II.1 O FENÔMENO URBANO
A cidade é espaço construído e não construído, símbolos e geografia, mas antes de tudo, é lugar de troca e encontro. O que faz do espaço urbano ser tema de reflexão de tantos autores, em diversas épocas, é seu poder de socialização da humanidade em um determinado espaço. Síntese da história de lutas e revoltas, de gloriosos feitos e penosas decisões, a urbe é a narradora do visível e invisível da trajetória humana. Segundo Harvey (2014, p.30) “Desde que passaram a existir, as cidades surgiram da concentração geográfica e social de um excedente de produção”. A cidade como a conhecemos levou tempo e importantes processos históricos para se consolidar, “ela nasce com o processo de sedentarização” (ROLNIK, 2015, p.08) e foi se modificando ao longo dos anos. Os centros urbanos, historicamente, foram espaços de aglomeração e escambo, mas com significados diferentes. Por exemplo, as cidades gregas que eram antes de mais nada um “agir” político, unir-se à Ágora, era a plena vivência da cidade, esta que foi negada às mulheres, aos escravos e estrangeiros, não sendo estes considerados cidadãos. Roma, por outro lado, já continha características urbanísticas similares às cidades contemporâneas como Barcelona, Londres e outras (sistemas de esgoto e abastecimento de água, construções de acesso público, rede de estradas, obras de embelezamento e etc.), ao passo que possuía um grande mercado que atraía pessoas de diversos lugares. Mas é com o fim do feudalismo, na realidade, que vemos o mercado e a economia como verdadeiros articuladores dos espaços urbanos. O fim da Idade Média e o início das grandes navegações fazem surgir a ideia de terra como mercadoria, o que tornou possível o acúmulo de riquezas, provocando o crescimento da urbe. “O primeiro elemento que entra em jogo é a
13 questão da mercantilização do espaço, ou seja, a terra urbana, que era comunalmente ocupada, passa a ser uma mercadoria” (ROLNIK, 2015, p.39), estruturou-se assim, os estados-nação e a divisão entre classes sociais. O Brasil se insere neste contexto como país colonizado, escravagista e patriarcal, tendo como função girar a economia de Portugal. As cidades brasileiras serão pautadas por estas relações de poder, moldando-se para o controle, opressão e segregação da população indígena, negra e pobre, com ênfase no gênero feminino inserido nestas camadas. Nos anos iniciais da colonização, as capitanias hereditárias3 e pequenas vilas recobriam o território brasileiro. Foi somente com o ciclo do ouro alavancando a economia, que surgiram cidades e um desenho urbano que se articula a partir da aglomeração populacional e as diversas necessidades da urbe.
Na perspectiva do poder da Metrópole portuguesa, os núcleos urbanos na colônia tornam-se espaços de controle e, ao mesmo tempo, permitem ampliar, com eficácia, o sistema administrativo. Para o Estado brasileiro, a cidade tornar-se-á a condição concreta de intervenção política e econômica na sociedade. (GODOY, 2011, p.13)
Desta maneira, com a realidade do capitalismo, enquanto máquina de produção de excedente, faz-se possível afirmar que “a sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não suplantou os antagonismos de classe. Ela colocou no lugar novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta. ” (MARX e ENGELS, 1990, p.08). Ou seja, o proletariado passa a vender sua força de trabalho à classe dominante, e esta, por sua vez, apropria-se dos trabalhadores e os explora para o seu acúmulo de riquezas e é a partir deste contexto que poderemos traçar as diretrizes que comandam as cidades até hoje. O urbanismo como ciência e prática surge no momento em que a concentração
3
populacional
no
espaço
precisou
ser
racionalizada
e
Com o total poderio dos donatários, responsáveis pelas capitanias hereditárias, onde assenhoravam seu poderio opressivo, patriarcal e exploratório.
14 potencializada nas cidades onde os processos industriais foram mais intensos. A necessidade de aglomerar o máximo de pessoas em um menor espaço, a fim de garantir uma maior produção de capital e assim sustentar o sistema vigente, produziu centros urbanos com urgentes demandas de infraestrutura. Ordenar o espaço, seus fluxos, usos e gabaritos passa a direcionar a ideia de progresso nos centros urbanos. Exemplos desta nova prática são vistos na França, com George Haussmann e seu plano de reforma em Paris (1853 a 1870), o plano de expansão de Barcelona (1855), por Ildefonso Cerdá, cidade linear de Arturo Soria y Mata, em Madri (1883) e as cidades-jardins de Ebenezer Howard (1903). Além de técnica e ciência de estudo, o urbanismo apresentou-se como ferramenta de controle social, usada para vigiar, quantificar, qualificar e segregar a toda população que não era a elite. “É porque, à medida que se concentram as forças de produção, o importante é tirar delas o máximo de vantagens e neutralizar seus inconvenientes (roubos, interrupção do trabalho, agitações e cabalas) ” (FOUCAULT, 2008, p.172). Michel Foucault apresenta esta forma de controle que o Estado organiza como biopolítica da população, e esta tecnologia do poder se expressa também pelo planejamento urbano.
[...] é como se o poder, que costumava ter a soberania como sua modalidade ou esquema organizador, se visse incapaz de governar o corpo econômico e político de uma sociedade que passava por uma explosão demográfica e um processo de industrialização. Tanto que muitas coisas estavam escapando aos velhos mecanismos do poder de soberania, tanto no topo como na base, tanto no nível do detalhe como no de massa. (FOUCAULT, 2003, p. 249)
Estas relações de controle e regulação da sociedade são perpetuadas pela opressão e exclusão de certas classes, segundo Engels (2012, p. 67) “ [...] a primeira oposição de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher [...] a primeira opressão de classe coincide com a opressão do sexo feminino pelo masculino” e essas relações de poder influenciam também na nossa construção material de mundo. O planejamento urbano aparece no cenário brasileiro em 1875, segundo Villaça (1999, p. 193) “Foi sob a égide dos planos de embelezamento que surgiu
15 o planejamento urbano (latu sensu) brasileiro”, seguindo modelos europeus de alargamento de ruas, arborização e implementação de infraestrutura, conjuntamente, podemos verificar a ideologia higienista das elites brasileiras que consistia em afastar, mascarar e controlar a classe operária e sua condição precária de vida.
[...] reside nos hábitos e experiências estrangeiras a fonte de inspiração da nossa modernidade. E é assim que se fará o disciplinamento e tratamento da pobreza, num modelo de cidade que nega sua identidade, seu curso natural, sua beleza associada aos trópicos, e se privilegiam formas que escondem a realidade social. (SOBRINHO, 2013, p.216)
As propostas para a cidade se mostram como formas de controle social e de demarcação territorial entre a burguesia, que possui seus valores capitalistas, racistas e patriarcais, e as classes pobres, que veem seu direito à cidade tolhido por um discurso disfarçado de progresso. Desta forma, com a consolidação do capitalismo, novas formas de organizar o urbano foram necessárias, dentre elas o urbanismo modernista, que possui influências até os dias de hoje. A proposta modernista divide a cidade em zonas comerciais, residenciais e industriais, conectadas por grandes avenidas. Porém, essa visão funcionalista e racionalista 4 do urbano criou ambientes de caminhabilidade impossível, dificultando o acesso e a troca, atribuições inerentes à cidade. Segundo Silva, Faria e Pimenta (2017, p.12) “A influência modernista no planejamento e do urbanismo produz uma visão generalista e totalizante que [...] acaba por tornar os sujeitos sociais e politicamente dominantes o parâmetro para a reflexão”. Ou seja, os homens detentores do poder econômico são os responsáveis pelo plano de desenvolvimento das cidades e as consideradas minorias foram prejudicadas no seu direito à cidade, principalmente as mulheres negras, pobres e periféricas.
4
de 1933.
Organização da cidade de forma racional e funcional, defendida na Carta de Atenas,
16 Os princípios modernistas deixaram legados e cicatrizes vivas no espaço urbano contemporâneo conjuntamente com o sistema capitalista que reproduz novas e aprimoradas formas de opressão e segregação da população. Segundo Peccini (2016, p. 44) “Na cidade capitalista, o Estado exerce, conjuntamente com a iniciativa privada, a gestão do espaço, portanto, se mantendo ao lado dos detentores do poder econômico, reforçando as desigualdades sociais e de gênero na cidade. ” Portanto, as cidades capitalistas assumem formas e funções do mercado e os desequilíbrios e rupturas fazem parte deste processo. Com o desenvolvimento do capitalismo ocorreu sua expansão e sua intensificação e foi assim que a globalização, que já tinha suas origens no período das grandes navegações, intensifica a busca pela urbe de forma massiva, fazendo surgir as metrópoles, megalópoles, que se tornam a realidade urbana em vários países. Esse processo tem diversos efeitos sob a cidade, de acordo com Vidal (2004, p.01):
[...] a exclusão do uso pleno e o disfrute da cidade por parte de diversos coletivos urbanos, as mulheres e os pobres. Alcança características bizarras ao chegar às megacidades do século XX e XXI, onde se dão mudanças profundas na estrutura do capitalismo, concentração industrial e financeira e enorme renovação tecnológica, próprios da globalização, mas com condições de forte exclusão.
Desta forma, com o advento da globalização, intensificou-se o crescimento difuso da cidade, criando mais cisões entre a população residente, principalmente em países de terceiro mundo, que estão na periferia do capitalismo5. Ademais, as políticas neoliberais nos fins da década de sessenta, agravaram o fenômeno de mercantilização do espaço urbano e projetaram-se através de políticas públicas que sustentam a estrutura exploratória e
5
Segundo Maricato, os países na periferia do capitalismo são os latino americanos e entre outros. MARICATO, Ermínia. Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Hucitec, 1995. p. 06.
17 segregadora do capital. O urbano se torna regra, mas o construído não corresponde às mínimas necessidades humanas. E é nesta conjuntura de neoliberalismo exacerbado que as desigualdades se tornam ainda mais evidentes: quando se analisa a dicotomia e os contrastes entre centro/periferia e seus diversos desdobramentos, visto que é no espaço urbano que a má distribuição de renda, infraestrutura e oportunidades resultam em sistemas de opressões mais visíveis, principalmente a de gênero. Desta forma, é possível defender a argumentação de que as profundas transformações na sociedade se refletiram na construção material e imaterial da cidade: um exemplo disto é de que a ascensão e dominância do sistema neoliberal são responsáveis diretos pelo crescimento desequilibrado do espaço urbano em nosso tempo. Por fim, São Paulo vive intensamente o processo de quebra do bem-estar social, através de políticas neoliberais, limitando a intervenção do estado e substituindo pela iniciativa privada, muitas vezes internacional, agravando a situação de “cidade mercado”. As segregações fazem parte destas cidades contemporâneas, e os embates entre classe com recortes de gênero e raça/etnia, mostram a deterioração de um sistema como um todo. Segundo Bauman (2009, p.23) “Essa exclusão irrevogável é a consequência direta, embora imprevista, da decomposição do Estado social”.
Estas medidas
neoliberais em cidades globais e contemporâneas afetam a todos de formas e intensidades diferentes, mas a partir do próximo capitulo, ficará mais claro assimilar como o patriarcado, entre todas as relações de poder que traçamos é extremamente cruel, impedindo que as mulheres, com recortes de raça/etnia e classe, se sintam cidadãs.
II.2 RELAÇÕES DE PODER
As relações de poder nascem no momento em que o homem passa a viver em sociedade, criando seus valores, crenças e formas de organização. Porém, ao longo da trajetória da humanidade, esses valores mudaram e outros se
18 consolidaram. Serão abordadas as relações de opressão que se perpetuaram ao longo dos séculos, como o racismo, o patriarcado e a opressão de classes. É preciso, antes de qualquer coisa, conhecer a etimologia da palavra poder, que vem do latim vulgar potere, substituído ao latim clássico posse, que vem a ser a contração de potis esse, “ser capaz”; “autoridade”. Dessa forma, na prática, a etimologia da palavra poder torna sempre uma palavra ou ação que exprime força, persuasão, controle, regulação etc. (FERREIRINHA E RAITZ,2010, p.03)
A partir desta definição de poder é possível entender como as forças que regulam a sociedade também as oprimem. Pôde-se verificar que as opressões de classe criaram um sistema de dominantes e dominados, burgueses e proletários, mas conjuntamente, outras formas de controle/opressão se aprimoraram, como o patriarcado.
Estas forças que agem no tecido social
produzem efeito de controle, repressão e verdade, articulando discursos que a legitimem, como explica Ferreirinha e Raitz (2010, p.370): “O poder como verdade vem se instituir, ora pelos discursos a que lhe é obrigada a produzir, ora pelos movimentos dos quais se tornam vitimados pela própria organização que a acomete e, por vezes, sem a devida consciência e reflexão”. O patriarcado, segundo Barreto (2004, p.64): “É caracterizado por uma autoridade imposta institucionalmente, do homem sobre mulheres e filhos no ambiente familiar, permeando toda organização da sociedade, da produção e do consumo, da política, à legislação e à cultura”. A luta das classes sexuais tem sua origem na própria biologia, como explica Firestone: “Ao contrário das classes econômicas, as classes sexuais brotaram diretamente de uma realidade biológica: os homens e as mulheres foram criados diferentes, e não igualmente privilegiados”. Portanto, a família biológica possui disparidades através da reprodução, sendo esta a primeira divisão sexual do trabalho. [...] as mulheres, através de toda a História, antes do advento do controle da natalidade, estavam à mercê constante da sua biologia – menstruação, menopausa, e “males femininos”, de contínuos partos dolorosos, amamentação e cuidado com as crianças, todos os quais fizeram-nas dependentes dos homens (seja irmão, pai, marido, amante, ou clã, governo, comunidade em geral) para a sobrevivência física. (FIRESTONE, 1976, p.18)
19 Com a consolidação da monogamia e a relação entre capital e propriedade dentro do matrimônio, se intensifica a dominação através da regulação da unidade familiar pelo patriarcado, como mostra Engels (2012, p.67): A monogamia foi um grande progresso histórico, mas, ao mesmo tempo, inaugura, juntamente com a escravidão e as riquezas privadas, aquele período que dura até nossos dias, no qual cada progresso é simultaneamente um relativo retrocesso e no qual o bemestar e o desenvolvimento de uns se realizam às custas da dor e da repressão de outros.
Portanto, é com o enraizamento do capitalismo, do assentamento da propriedade privada e do fortalecimento do patriarcado que as estruturas de opressão da mulher unem-se e reforçam-se. Entretanto, é importante destacar que mesmo na economia natural, as opressões já existiam, porém, de forma dissipada e indireta, como argumenta Davis (2017, p.136): Embora as mulheres tenham sido severamente oprimidas durante o período pré-capitalista, elas não haviam se deparado com as circunstâncias objetivas que permitiram que elas desenvolvessem uma consciência a respeito de sua opressão.
O patriarcado obteve, por meio da condição biológica e da consolidação da família 6 , a base do seu poderio, garantindo a perpetuação de suas propriedades através de filhos legítimos. No Brasil, a família patriarcal tinha papel fundamental para a organização latifundiária, como explica Alves (2009, p.05): A família patriarcal era, portanto, a espinha dorsal da sociedade e desempenhava os papéis de procriação, administração econômica e direção política. Na casa-grande, coração e cérebro das poderosas fazendas, nasciam os numerosos filhos e netos do patriarca, traçavam-se os destinos da fazenda e educavam-se os futuros dirigentes do país. Cada um com seu papel, todos se moviam segundo intensa cooperação. A unidade da família devia ser preservada a todo custo, e, por isso, eram comuns os casamentos entre parentes. A fortuna do clã e suas propriedades se mantinham assim indivisíveis sob a chefia do patriarca.
6
Conceito de família como instituição tradicional nuclear composta de mãe e pai, unidos pelo matrimônio.
20 Portanto, no Brasil o patriarcado foi uma ferramenta de exploração de importante destaque para a preservação e avanço da colônia nos moldes capitalistas e é claro, para a assegurar a propriedade, esta concentrada em poucas famílias, sendo a questão fundiária uma das mais graves no país até os dias de hoje. A mulher é o outro no corpo social, responsável pelas atividades reprodutivas na esfera privada, como os afazeres domésticos e o cuidado, reforçando estes signos como inerentes ao gênero. A partir desta segunda divisão sexual do trabalho e do reforço do conceito de gênero7, a naturalização da opressão da mulher pelo homem se dá de forma concreta. Desta maneira, será considerado aqui, gênero como construção social e para explicar este conceito pode se dizer que, nas palavras de Simone de Beauvoir (1980, p. 09): “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Ou seja, o sexo é dado no nascimento, mas o gênero é construído na sociedade/cultura que se está inserido. Por exemplo, foi designado que o papel social da mulher se limita a mãe e esposa, renegada ao espaço privado e seus afazeres domésticos. Portanto esta é a construção social imposta às mulheres, no entanto, filósofas como Beauvoir e Butler esmiúçam estes aspectos socioculturais construídos que residem sobre os indivíduos na sociedade. O livro “O segundo sexo” de Beauvoir apresenta como se dá a construção de gênero desde o nascimento, por meio de linguagem, símbolos e a ideia de papéis sociais fixos entre homens e mulheres. Desta maneira, estes conceitos aprisionam e são uma falácia, uma organização de controle e opressão. Porém, conjuntamente a estas formas de opressão, há outros recortes a serem feitos, como a condição da mulher negra no sistema patriarcal, atingida também pelo racismo. A família colonial brasileira, utilizou destes mecanismos de controle, tornando a mulher branca submissa/perpetuadora de seu legado e a mulher negra, sua escrava sexual/mão de obra. Segundo Gilberto Freyre (2015, apud FREITAS, 2011, p.64): “a licenciosidade, a depravação (segundo os costumes ocidentais da época) e a subordinação sexual são inerentes ao sistema colonial brasileiro”. É importante destacar que os recortes de classe e
7
Gênero, considerado aqui como construção social.
21 raça devem ser feitos para entender a singularidade dos casos da opressão patriarcal, pois variam significativamente, segundo Davis (2017, p.140): [...] uma mulher branca de classe média sofre o sexismo enquanto uma forma relativamente isolada de opressão, a vivência das mulheres da classe trabalhadora necessariamente o coloca em seu contexto de exploração de classe, e as experiências das mulheres negras incluem ainda o fator social do racismo.
Portanto, as relações de poder que atingem a mulher estão intrinsecamente conectadas com controle e regulação de seus corpos, explica Firestone (1976, p.23): Toda a história do passado [...] foi a história da luta de classes. Essas classes conflitantes da sociedade são sempre produtos de modos de organização da unidade da família biológica, em função da reprodução da espécie, bem como dos modos de produção e troca de bens e serviços estritamente econômicos. A organização sexual reprodutora da sociedade sempre fornece a base real, exclusivamente a partir da qual podemos formular a explicação última de toda a superestrutura das instituições econômicas, jurídicas e demais ideias de um período histórico dado.
II.3 PATRIARCADO E DESENHO URBANO
O domínio masculino apoderou-se de discursos para legitimar sua opressão, que perpassa diversas dimensões. A partir deste capítulo, será tratado o modo como este se engendrou e moldou o urbano, dando diretrizes para o crescimento da cidade e através desta, perpetuando-se e se reinventando. Como já abordado nos dois capítulos supra, a cidade é “produto”8 das relações de poder entre pessoas e do sistema econômico vigente, portanto “Os homens são a norma, de acordo com eles, as funções espaciais são explicadas sem considerar a diversidade de atores e funções envolvidas na vida urbana contemporânea. ” (VILLAGRÁN, 2014, p. 201). O patriarcado se faz presente no urbano ao criar dicotomias entre espaço público e privado, centro e periferia, trabalho e casa, definindo uma lógica de
8
Cidade considerada pela lógica capitalista que a construiu até agora.
22 divisão e limites antagônicos para cada cidadão e cidadã e seu papel social prédefinido no nascimento. Segundo Ewen (2016, p.42): Urbanistas como Patrick Geddes, Raymond Unwin e J. Horace McFarland desenvolveram confortavelmente dentro da ideologia de esferas separadas, e, através da aderência dos princípios da cidade jardim e o movimento City Beautiful, suas intervenções no ambiente construído reforçaram ideais de domesticidade, a separação entre lar e local de trabalho, e regulação do espaço para que as mulheres pudessem, primeiramente e acima de tudo, desempenhar seus papeis como esposas e mães em um mundo separado do mundo masculino.
No desenho urbano, é possível verificar o poderio do masculino a partir da observação da escala, da velocidade, da linguagem arquitetônica retilínea. A cidade traduz o discurso do sujeito dominante e a simbologia é uma ferramenta discreta, mas eficiente na demonstração de poder, segundo Bondi (1992, p.160) “[...]Masculinidade conhecida como o grande, o sólido e poderoso no que é vertical e linear e a feminilidade no delicado, e o abobadado, e no curvo. ” Exemplo destas linguagens arquitetônicas são os centros empresariais construídos na cidade de São Paulo, feitos em escalas monumentais para exprimir poder (considerado masculino), enquanto os edifícios considerados “femininos” são os curvilíneos, como o Copan. Porém, o edifício sempre se refere ao corpo, “as curvas da mulher” segundo o próprio Oscar Niemeyer, objetificando 9 a mulher, enquanto no homem, por sua vez, exaltam-se sua virilidade. Segundo Bondi (1992, p.161) “[...] o que todas essas referências de gênero têm em comum é a dependência essencialmente biológica do que é masculino e feminino[...]”. Portanto, os símbolos, as experiências sensoriais e as linguagens subjetivas e objetivas do urbano limitam a vivência plena da mulher na cidade, ofuscando-a do espaço público, segundo Villagrán (2014, p. 202): “A invisibilidade das mulheres na vida urbana é fortalecida por uma ordem social patriarcal que reforça ou pode transformar os papéis sociais de homens e mulheres em processos de produção e reprodução”. Segundo Bourdieu (2002, p.18): “A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação: a visão androcêntrica impõe-se como
9
Banalização da imagem da mulher, analisando-a ao nível de um objeto
23 neutra[...]”, portanto a lógica das relações sociais, inclusive suas linguagens materiais, são designadas pela neutralidade falaciosa de óptica masculina. O desenho urbano e suas diversas formas de articular o espaço também reproduzem estas relações de poder, mas é o urbanismo moderno que traz a visão de neutralidade e generaliza os sujeitos dominantes como padrão.
O planejamento urbano funcionalista e racionalista que dominou durante muito tempo o modo de concepção das cidades aprisiona as mulheres, ao separar os setores comerciais, industriais e residenciais, reforçando a divisão do trabalho entre os sexos” (FERREIRA; SILVA, 2017, p.5)
Segundo a pesquisa “A mobilidade das mulheres na cidade de São Paulo”10, são as mulheres que mais se deslocam de transporte público e a pé pela cidade, e o conceito modernista dificulta a rotina destas, dado que precisam percorrer maiores distâncias ao realizar as tarefas produtivas e reprodutivas que são atribuídas a elas. O modo como essas mulheres se deslocam pela cidade faz com que sejam atores centrais no planejamento urbano, uma vez que, por usarem mais transporte coletivo e se deslocarem mais a pé, vivenciam de maneira mais próxima e orgânica essa dimensão do espaço público e seus equipamentos. (2016, p. 02)
10
Pesquisa A mobilidade das mulheres na cidade de São Paulo, 2016. Formulado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). Disponível em: Acessado em 20 de setembro de 2017
24
Viagens por destino, segundo sexo (%) 60 50 40 30 20 10
0 Trabalho
Educação
Assuntos Pessoais
Compras
Mulheres
Saúde
Lazer
Procurar Emprego
Homens
Gráfico 1 Viagens por motivo do destino, segundo sexo (%). Município de São Paulo, 2012.
Fonte: Pesquisa de mobilidade da Região Metropolitana de São Paulo, METRÔ. Companhia do Metropolitano de São Paulo.
Viagens por tipo 45 40 35 30
25 20 15 10 5 0 Coletivo
A pé Mulheres
Individual
Bicicleta
Homens
Gráfico 2 Viagens por tipo, segundo sexo (%). Município de São Paulo, 2012.
25 Fonte: Pesquisa de mobilidade da Região Metropolitana de São Paulo, METRÔ. Companhia do Metropolitano de São Paulo.
Viagens por Transporte
40 35 30 25 20 15 10 5 0
Mulheres
Homens
Gráfico 3 Viagens por transporte, segundo sexo (%). Município de São Paulo, 2012.
Fonte: Pesquisa de mobilidade da Região Metropolitana de São Paulo, METRÔ. Companhia do Metropolitano de São Paulo.
Por consequência dos dados, a mulher é a maior transeunte da cidade e, ao mesmo tempo, é a cidadã mais vulnerável no espaço construído, e essa vulnerabilidade é percebida na própria estrutura do espaço urbano consolidado nos dias de hoje. Segundo Silva, Faria e Pimenta (2017, p.12) [...]é bastante significativa a violência que as mulheres sofrem no espaço público. Ruas e praças mal iluminadas, lotes vazios murados ou não, grandes vias para passagem de carros, que constituem um verdadeiro deserto no entorno são espaços de muita insegurança para as mulheres e onde ocorrem casos de violência.
Outro ponto é o fato de que o modernismo racionaliza o espaço baseado no homem modelo, não apenas no sentido sociológico, “produzindo” cidades que reforçam o poder do patriarcado, mas também no etimológico. O estudo científico do corpo tem como modelo o homem desde Da Vinci, mas é no momento do urbanismo moderno que o Modulor, de Le Corbusier, dita as escalas humanas do projeto. A afirmação da mulher como o outro e a instituição do homem como
26 o padrão, até mesmo para o projeto de mobiliário, cria cidadãos invisíveis, sem representatividade nos espaços construídos. Consequentemente, é possível dizer que “[...] a invisibilidade das mulheres nas cidades produziu bairros, ruas, transportes e serviços inadequado para suas necessidades” (VILLAGRÁN, 2014, p.204). Porém, quando se torna visível, sua representatividade é através da banalização da sua imagem. O urbanismo do controle e da vigilância que se intensificou na atualidade produziu uma linguagem do medo, da negação da vida pública e o principal representante deste conceito são os condomínios fechados. Segundo Bauman (2009, p.42): As construções recentes, orgulhosamente alardeadas e imitadas, não passam de “espaços fechados”, “concebidos para interceptar, filtrar ou rechaçar os aspirantes a usuário”. A intenção desses espaços vetados é claramente dividir, segregar, excluir, e não criar pontes, convivências agradáveis e locais de encontro, facilitar as comunicações e reunir os habitantes da cidade.
Portanto, as cidades do medo, onde o espaço público é evitado, vigiado e constantemente depreciado, faz da rotina das mulheres que circulam pelo urbano, uma atividade de insegurança. A dissertação de mestrado “Por onde andam as mulheres - Percursos e medos que limitam a experiência de mulheres no centro do Recife”, conduzido por questionários e pesquisas, trata do medo das mulheres no urbano, e segundo Siqueira (2015, p.110): O questionário aberto iniciou solicitando aos participantes a indicação de caminhos no centro da cidade. Os resultados mostram que a forma de orientação no espaço público é distinta para mulheres e homens. As mulheres consistentemente apresentaram como referência espaços públicos, ruas e praças, além das referências históricas. Os homens faziam uso de marcos na paisagem, suas referências eram as edificações, a loja, o camelódromo, o prédio.
Desta maneira, reforça-se a ideia de que a mulher vivencia e percebe o urbano de forma diferente do homem, e sua relação para com a cidade produto é de medo constante. Ainda Siqueira (2015, p.110): [...]o medo da mulher no espaço público é mais uma expressão do patriarcado. Seja através do androcentrismo nos estudos e no planejamento urbano, seja pela sensação de vulnerabilidade diante da
27 figura masculina, experiências vividas ou informações secundárias, o medo da mulher no espaço público é produto da relação de dominação dos homens sobre as mulheres ainda hoje existentes em várias sociedades.
Esta norma vigente de se “produzir” cidades é cruel, e mesmo em situações de tentativas de políticas públicas afirmativas que integrem e ampare certas camadas populacionais, a linguagem do medo e da cidade mercadológica racista e patriarcal mostraram-se um fracasso. Segundo Tavares (2015, p.116): Um urbanismo sem-cidade que o modelo do programa habitacional Minha Casa Minha Vida atualmente tem imposto nas cidades brasileiras. Em nome dessa norma dita universal, as mulheres são forçadas a permanecer na invisibilidade ou negar sua diferença.
Portanto, o discurso androcêntrico se firma na divisão sexual do trabalho, na violência simbólica e na falsa neutralidade das linguagens, inclusive no urbanismo, como é possível verificar ao longo deste capitulo, como sintetiza Bourdieu (2002, p.45): A dominação masculina encontra, assim, reunidas todas as condições de seu pleno exercício. A primazia universalmente concedida aos homens se firma na objetividade de estruturas sociais e de atividades produtivas e reprodutivas, baseadas em uma divisão sexual do trabalho de produção e de reprodução biológica e social, que confere aos homens a melhor parte, bem como nos esquemas imanentes a todos os habitus: moldados por tais condições, portanto objetivamente concordes, eles funcionam como matrizes das percepções, dos pensamentos e das ações de todos os membros da sociedade, como transcendentais históricos que, sendo universalmente partilhados, impõem-se a cada agente transcendentes. Por conseguinte, a representação androcêntrica da reprodução biológica e da reprodução social se vê investida da objetividade do senso comum, visto como senso prático, dóxico, sobre o sentido das práticas. E as próprias mulheres aplicam a toda a realidade e, particularmente, às relações de poder em que se veem envolvidas esquemas de pensamento que são produto da incorporação dessas relações de poder e que se expressam nas oposições fundantes da ordem simbólica [...].
28
III FEMININO NO URBANO
29 A mulher é cidadã plena do ponto de vista legal e formal, porém, sob a perspectiva da sua condição na sociedade, pode-se dizer que ela ainda é uma cidadã de “segunda categoria”. O direito de ir e vir é dado, mas, na vivência do urbano, não ocorre de maneira fluida e efetiva. Este capítulo abordará, em suma, como se dá a relação intrínseca da mulher no espaço urbano em diversos momentos históricos e sob a perspectiva das mais diversas formas de luta e resistência.
III.1 VIVÊNCIA E LUTA NA CIDADE
A história moderna e as relações de poder intrínsecas à sua construção e transformação expõem quem vivencia a cidade de forma plena: no geral, homens brancos classe média/média alta, como citado. A mulher foi dissociada da cidade, distante da vivência urbana em diversos momentos da formação histórica da urbe. Esta afirmação pode ser confirmada ao analisarmos diferentes períodos históricos e a recorrente supressão do direito à cidade para a mulher. Na Grécia antiga, por exemplo, é possível verificar algumas literaturas que depreciam11 a mulher e a relegam ao ambiente privado como seu habitat natural, enclausurada em sua casa. Segundo Bérquo (2014, p.1989): “[...]a reclusão feminina estaria associada ao processo de urbanização e ao surgimento da democracia em Atenas”. O espaço físico é utilizado para a distinção entre os sexos se perpetuar, segundo Bérquo (2014, p.1989): “aos homens eram reservados o espaço externo (Ágora) e as atividades públicas, enquanto as mulheres deveriam ficar no espaço interno (Oikos), atuando apenas no domínio privado. ” Mesmo no ambiente privado, havia separações definidas, como indica Bérquo (2014, p.1989): “[...]o espaço feminino era o gineceu, destinado às atividades domésticas, e o masculino o androceu, voltado aos banquetes e simpósios”.
11
Literaturas de Aristóteles, Tucídides, Hesíodo e Xenofonte constroem a imagem da mulher como o outro na sociedade clássica.
30 O recorte de classe, ou posição social com base em posses, será uma maneira importante de destacar as reais disparidades entre mulheres ao longo da história. Por exemplo, as mulheres pobres na antiguidade clássica complementavam o sustento da família, sem excluir as jornadas no ambiente doméstico. Com o advento da terra como posse “a concessão de feudos era feita somente a homens e a mulher era excluída de qualquer partilha, tendo como única função social a reprodução” (PECCINI, 2016, p.53), expondo assim, o frequente subjugo da condição de mulher. Porém, segundo Federici (2017, p.40):
As mulheres trabalhavam nos campos, além de criar os filhos, cozinhar, lavar, fiar e manter a horta; suas atividades domésticas não eram desvalorizadas e não supunham relações sociais diferentes das dos homens, tal como ocorreria em breve na economia monetária, quando o trabalho doméstico deixou de ser visto como um verdadeiro trabalho.
As mulheres servas possuíam mais acesso ao urbano do que as mulheres nobres, pois seu trabalho nos campos comunais exigia sua circulação e relação direta com outras mulheres, que faziam seus trabalhos coletivamente, como bem elucida Federici (2017, p.40):
As relações coletivas prevaleciam sobre as familiares que a maioria das tarefas realizadas pelas servas (lavar, fiar, fazer a colheita e cuidar dos animais nos campos comunais) era realizada em cooperação com outras mulheres, nos damos conta de que a divisão sexual do trabalho, longe de ser uma fonte de isolamento, constituída uma fonte de poder e de proteção para as mulheres.
É importante ressaltar que o possuidor da terra era quem tinha o poder sobre tudo e todos, inclusive quem criava ou acirrava tensões e conflitos entre homens e mulheres, como explica Federici (2017, p.41):
O poder das mulheres e suas relações com os homens estavam determinados, a todo momento, pelas lutas de suas comunidades contra os senhores feudais e pelas mudanças que essas lutas produziam nas relações entre senhores e servos.
31 Portanto, pode-se entender que a relação da mulher com o urbano não é estática, é preciso considerar certos recortes para entender a complexidade destes fatos recorrentes, que expõem a mulher como mais ou menos vulnerável ao poder vigente. Ao final do século XVIII foi marcado por importantes revoluções, estas que tiveram participação ativa de mulheres, por exemplo a Revolução Francesa. Apesar da importante atuação das revolucionárias, ao redigirem a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, como resultado das intensas lutas que seguiram no ano de 1789, em nenhum momento foi revisto o papel da mulher como subalterna aos homens. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p.32) “É nesse momento histórico que o feminismo adquire características de uma prática de ação política organizada”. Importante ressaltar que com a ascensão da burguesia, uma nova ordem moral e social é instalada, a concepção de família nuclear e a concepção da mulher como cuidadora da moral e dos bons costumes. Segundo Perrot (1991, p.14): “[...]a Revolução acentua a definição das esferas pública e privada, valoriza a família, diferencia os papéis sexuais estabelecendo uma oposição entre homens políticos e mulheres domésticas. ” Neste momento, o surgimento da intimidade fez da divisão de cômodos nos lares algo fundamental para garantir a privacidade do casal e como citado a mulher burguesa representa a imagem da pureza e do privado, como explica Perrot (1991, p.23) “As mulheres eram tidas como a representação do privado, e sua participação ativa como mulheres em praça pública era rejeitada por praticamente todos os homens. ” Na Revolução Industrial, a mulher proletária, que é responsável pelo trabalho produtivo e reprodutivo, passa a mão de obra fabril, com jornadas de trabalho de 14 a 16 horas e com jornada dupla, ou seja, os afazeres domésticos ficavam por sua conta. Ao integrar o proletariado em seus encargos e deveres, as mulheres não possuíam os mesmos direitos, tais como: votar, salários igualitários, e o direito à cidade. A conjuntura de disparidades entre homens e mulheres ficou cada vez mais visível e verificou-se na luta pelo sufrágio universal, uma vez que o direito de votar não incluía as mulheres. Assim, a primeira onda do feminismo acontece no século XIX, em busca de equidade política e jurídica, segundo Alves e Pitanguy (1985, p.44), o movimento
32 “Mobilizou, nos momentos de ápice das campanhas, até 2 milhões de mulheres, o que torna esta luta um dos movimentos políticos de massa de maior significação do século XX. ” Estes períodos de lutas e revoltas marcaram que o sistema vigente continua perpetuando as relações sociais que excluem e/ou delimitam a cidadania da mulher. As sufragistas e todas as seguintes ondas do feminismo lutaram para que suas vozes não fossem mais suprimidas, que seus direitos fossem equiparados aos homens e que seu papel social fosse para além de seu sexo.
Obviamente, a luta das sufragistas tinha pautas liberais, suas
reivindicações de mais direitos não abarcavam o fim do sistema, portanto apesar de importante, os direitos concedidos não libertam as mulheres de suas opressões. Outras vertentes do feminismo, como o feminismo marxista, compreendem que o fim da opressão passa pelo fim do capitalismo. A cidade, e todas as formas de ordenar e controlar os cidadãos foram imprescindíveis para denunciar as situações desiguais e cruéis vividas pelas mulheres em diversos momentos históricos. O aumento da prostituição 12 , as horas trabalhadas dentro e fora das fábricas e a precariedade de leis e amparo do estado deixaram estas mulheres expostas e logo depois dispostas a revolucionar sua condição social. A mulher pobre se deparou com condições contraditórias na cidade, sua vivência do urbano era de mera passagem entre casa e fábrica ou a opção era prostituição, com suas inseguranças e precariedades. Segundo Cavour (2011, p.16) “A condição de sobrevivência feminina era ainda mais precária, pois existiam preconceitos que restringiam as ocupações das mulheres. A prostituição era a opção com maior expressividade de ganhos. ” A mulher negra, pobre e periférica é sinônimo de resistência perante o machismo estrutural, esta que é a primeira a sentir o impacto econômico e social em tempos de crise, guerra e quando o capitalismo tem suas formas mais
Segundo Alves e Pintanguy (1985, p. 33), a prostituição “atingia em Paris cifras assustadoras. Segundo registros, no final do século XVIII, para cada 5 mulheres solteiras, uma era prostituta” 12
33 agudas. Ao longo das ondas urbanísticas no Brasil, a mulher revoltou-se perante o sistema que a renega à precariedade, como cita Tavares (2015, p.106): [...]onde ocorreu a famosa Reforma Urbana de Pereira Passos (ou a tentativa de haussamannização do centro) que visava, sobretudo, embelezar o Rio de Janeiro, vindo “botar abaixo” diversos cortiços e habitações consideradas insalubres no centro da cidade. [...] refere-se aos autores que estudaram os processos de resistência a esta reforma urbana em que as mulheres das camadas populares tiveram papel de destaque, pois a mesma implicou em profunda violência contra elas.
Mesmo com a luta intermitente de mulheres, a consolidação do capitalismo e o neoliberalismo como agravante trouxeram situações mais severas, segundo Peccini (2016, p.54): “[...] a mulher passa a exercer a dupla (ou tripla) jornada de trabalho, estando no mercado, mas ainda sendo responsável pela casa [...]”. Desta forma, a vivência da cidade se torna cada vez mais difícil e a as mulheres, em especial, as negras e periféricas, veem limitações ordenadas pelos poderes inseridos no urbano. Nesta conjuntura, surge o direito à cidade, ideia proposta no livro de Henri Lefebvre, como uma reflexão sobre o construído e as forças de poder que agem nela, atuando na exclusão de certos setores da população. A análise de Lefebvre descreve o direito coletivo aos recursos urbanos e o exercício de viver a cidade de forma plena, por todos seus cidadãos e quais são os empecilhos ao usufruto total da cidade. Segundo Lefebvre (2001, p.117):
O Direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou de retorno às cidades tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada. [...] Só a classe operária pode se tornar agente, o portador ou o suporte social dessa realização.
A ideia de que o urbano é vivência e prática faz dos projetos técnicos uma falácia ao se propor “produzir” cidades, por uma lógica mercadológica, sem considerar a população e sua experiência do ambiente construído. E partindo do princípio que o direito à cidade está no cerne dos direitos principais do cidadão, essa teoria nos mostra que este direito ainda não teve total aplicabilidade para todos os cidadãos.
34 No Brasil, o direito à cidade teve diversos desdobramentos, como o Estatuto da Cidade, que são diretrizes de regulamentação das cidades brasileiras, afim de garantir o exercício da cidadania e o desenvolvimento das funções sociais no urbano através de planejamento de infraestrutura, implantação de aparatos urbanos e leis de otimização do espaço. Outro prolongamento da teoria de Lefebvre no Brasil foi o Plano Diretor Estratégico, previsto como obrigatório em cidades com mais de vinte mil habitantes, que ordena o crescimento da cidade, assegurando as necessidades da população na esfera municipal. Ambos possuem diretrizes que promovem a paridade entre os cidadãos, como por exemplo, no Art. 5 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade13...”. Porém, dada a análise da condição da mulher, é possível concluir que dos direitos destacados na lei não se pode afirmar seu acesso pleno de nenhuma. Já no Art. 6 “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição ”. Neste sentido, dada a abordagem deste trabalho, chega-se à conclusão de que o direito à cidade e os direitos sociais não alcançam certos setores mais vulneráveis da cidade: as mulheres, em particular, as indígenas, as negras e periféricas.
III.2 COADJUVANTE DA (NÃO) CIDADE
A mulher pobre e negra traz consigo uma tripla opressão, sofrendo a exclusão causada pelo capital, seu signo quanto mulher no sistema patriarcal e as forças raciais que a reduzem a uma cidadã de terceira classe. Segundo Tavares (2015, p.117): “Os corpos de mulheres que não correspondem à
13
A propriedade sendo destacada como um dos alicerces do patriarcado, como já citado através de Engels.
35 heteronormatividade 14 burguesa são muito mais vulneráveis e regulados. Ao mesmo tempo que resguardam estereótipos: erotização e pobreza. ” Portanto, o recorte de classe e raça se faz presente neste capítulo de forma mais direta, trazendo a mulher negra, pobre e periférica e sua visão do entorno, sua vivência e realidade. Segundo o IBGE15, 87,40% das mulheres negras e periféricas são chefes de família e mães solteiras. Essas condições são imbricadas por diversas problemáticas do machismo estrutural, como:
o exercício de provedora,
entrando em conflito com o papel social do homem e seu papel de mãe, como mantenedora da ordem familiar sem auxílio de nenhum cônjuge. As limitações de ser provedora (trabalho produtivo) e cuidadora (trabalho reprodutivo), tornam a rotina destas mulheres exploradora e violentadora. Na periferia, os papeis sociais delimitados pelo sistema patriarcal são mais presentes, a hipermasculinização dos homens é a ordem vigente, que consiste em assumir princípios de violência, poligamia, competição, entre outros. Segundo Zaluar e Leal (2001, p.150):
Onde os laços segmentais (familiares, étnicos ou locais) são mais fortes, o que acontece em bairros populares e vizinhanças pobres, mas também na própria organização espacial das cidades que confunde etnia e bairro, o orgulho, a defesa e o sentimento de adesão ao grupo diminuem a pressão social para o controle das emoções e da violência física, resultando em baixos sentimentos de culpa no uso aberto da violência nos conflitos.
A violência doméstica é a realidade de muitas mulheres, principalmente na periferia, segundo a Pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado (2010)16 80% dos parceiros são responsáveis por agressões e cinco
14
Termo que se refere a dominação heterossexual enquanto padrão, sobre outras orientações sexuais. 15 Estatísticas de gênero. Uma análise dos resultados do Censo Demográfico 2010. (Estudos & Pesquisas, 33). Rio de Janeiro: IBGE, 2014. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=288941. Acessado em 19 de setembro de 2017. Base de dados disponível em http://www.ibge.gov.br/apps/snig/v1. 16 Pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado,2010. Disponível em: http://csbh.fpabramo.org.br/sites/default/files/pesquisaintegra.pdf. Acessado em 20 de setembro de 2017.
36 mulheres são espancadas a cada 2 minutos no Brasil. Estas estatísticas definem a condição de ser mulher no país, mas ao fazer um recorte racial, os números são alarmantes. Segundo o Mapa da Violência 201517, a taxa de assassinatos de mulheres negras de 2003 a 2013 aumentou 54%. Em relação aos casos de estupro, segundo as estatísticas reunidas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública18, as mulheres negras são as principais vítimas e também são grande parte da população carcerária feminina, segundo Diniz (2015, p.09) “[...] muitas sofreram violência, usaram drogas, roubaram coisas e sobreviveram perambulando pelas ruas. Elas são jovens, negras, pobres e com filhos”. Importante destacar que o número de mulheres negras e pobres que fazem aborto (3,5% das mulheres) é o dobro entre as brancas (1,7% das mulheres), segundo o IBGE 19 . A interrupção da gravidez é considerada crime no Brasil, portanto, estes abortos ocorrem clandestinamente, causando a morte destas mulheres. Segundo a Organização Mundial da Saúde20, a cada dois dias, uma mulher morre no país. As mulheres negras estão mais suscetíveis a morrer na cirurgia, pois sem recursos financeiros, recorrem a métodos e clínicas duvidosas e quando sobrevivem, a culpabilização e o punitivismo as levam à cadeia. A liberdade de escolha é subjugada ao discurso misógino 21 de maternidade compulsória, e a condição social inferior fazem da mulher negra, pobre e periférica, uma vítima do sistema patriarcal, racista e capitalista. O polêmico dado da disparidade salarial, que é um dos destaques de pauta do feminismo liberal, é mais violento entre mulheres negras, que são as menos escolarizadas e contratadas em massa para trabalhos precarizados. É possível verificar como medidas mais extremas para reestruturar o sistema em
Mapa da violência – homicídio de mulheres no Brasil, 2015. Disponível em: https://apublica.org/wp-content/uploads/2016/03/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf. Acessado em 20 de setembro de 2017. 18 Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 – Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/estupro-no-brasil-vitimas-autores-fatoressituacionais-e-evolucao-das-notificacoes-no-sistema-de-saude-entre-2011-e-2014/. Acessado em 20 de setembro de 2017. 19 Pesquisa Nacional de Saúde. – IBGE, 2013. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pns. Acessado em 20 de setembro de 2017. 20 Organização Mundial da Saúde – OMS - Manual de classificação estatística internacional de doenças, lesões e causas de óbitos. 10ª rev. Genebra: OMS, 1998. 21 Aversão às mulheres 17
37 tempos de crise do capitalismo, como a terceirização, atingem fortemente as mulheres, em particular as negras e periféricas. A mão-de-obra feminina é subjugada como inferior ao trabalho masculino, e, portanto, para que se faça as mesmas funções, o homem terá seu salário maior em comparação ao da mulher e quando ocorre a terceirização em massa, o primeiro salário a sentir a crise é o da mulher. A instabilidade de ser terceirizada quando se é mulher negra e periférica, sabendo que o trabalho destas é mais mal pago e muitas são as únicas a fazer o trabalho produtivo e reprodutivo, tem sérias consequências, como a feminilização da pobreza. A privatização dos aparatos e espaços urbanos, outra política neoliberal para manter o status quo de privilégios aos poucos, limita a vivência plena da cidade pelas mulheres, com seus salários baixos e pouco tempo disponível, pois são responsáveis pelo trabalho remunerado e não remunerado, como mostra recente pesquisa do IPEA em parceria com a ONU Mulheres22:
As mulheres trabalham em média 7,5 horas a mais que os homens por semana. Em 2015, a jornada total média das mulheres era de 53,6 horas, enquanto a dos homens era de 46,1 horas. Em relação às atividades não remuneradas, mais de 90% das mulheres declararam realizar atividades domésticas – proporção que se manteve quase inalterada ao longo de 20 anos, assim como a dos homens (em torno de 50%).
Portanto, “Os efeitos da economia neoliberal estão tendo altíssimos custos para as mulheres, que pagam trabalhando mais e em piores condições[...]” (MARTINS; GUEVARA. 2015, p.73) A erotização do corpo negro é outra manifestação das opressões, aprisionando as mulheres negras em estereótipos sexualizados, este processo é visível por exemplo, no período colonial, como aponta Alves (2008, p.39):
[...] não bastava apenas a utilização dessa mão de obra nas tarefas de lavadeira, ama-de-leite, cozinheira, arrumadeira, mucama dos filhos da família branca, mas havendo também a apropriação de
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=29526. Acessado em 24 de setembro de 2017. 22
38 seu corpo nas obrigações de propiciar prazer com as “investidas sexuais dos senhores”.
Este histórico de significar o corpo negro na dualidade entre mercadoria e disponível para o “uso sexual” foram os caminhos que levaram aos dados atuais de altas taxas de estupro acometido às mulheres negras e violência. A solidão que acomete as mulheres negras também mostra as várias formas de violência existente na categoria mulher, negra, periférica, erotizada, precarizada e subjulgada.
Encontramos, assim, mulheres forras e livres, na sua grande maioria, solitárias, muitas vezes mães solteiras, como o eixo central de seus lares e que, por não terem casado, seja por escolha voluntaria, seja por dificuldades sociais ou por preterimento do parceiro, não vivenciaram uma condição de acesso social ou de estabilidade amorosa. (ALVES, 2008, p.42)
Apesar destes dados, estas resistem, segundo Tavares (2015, p.110):
Mesmo em um lugar que oferece risco eminente às mulheres que residem em favelas e bairros precários, muitas não se intimidam, não só se aventurando para trabalhar, saindo de madrugada de casa e chegando à noite, como também reivindicando direitos, em associações, coletivos locais ou também recorrendo à justiça quando são vítimas da violência, sobretudo por seus filhos assassinados.
Portanto, é neste contexto que a mulher se vê pressionada por relações de poder opressoras e abandonada pelo poder público, que se faz pouco presente na periferia. A infraestrutura necessária para que haja a garantia do direito a cidade (como hospitais, creches, escolas, canalização, pavimentação e etc.) é marcada como ausente em muitas periferias. A favela é a apropriação do espaço, e uma de suas características é de resistência à cidade produzida pelo capital, esta que delimitou os espaços por raça, gênero e classe, essa cidade espontânea é esquecida pelo Estado, assim como seus moradores. No entanto, a regra (cidade mercado) e seu antagônico (cidade espontânea), negligenciam as necessidades sociais, principalmente a base da
39 pirâmide, as mulheres negras, pobres e periféricas. Ambas, favela e cidade formal são dicotomias “produzidas” pelo capital, suas segregações e limites são agentes passivos e ativos das relações de poder. E como foi retratado neste trabalho, as mulheres negras, pobres e periféricas são afetadas cruelmente por este modelo de cidade, deste urbano que reforça os papéis sociais burgueses.
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IV URBANISMO COMO FERRAMENTA DE TRANSFORMAÇÃO
41 Através da análise conduzida neste trabalho é possível compreender a urgência de uma nova perspectiva e novas diretrizes ao fazer cidade. Será usada a palavra “fazer” a partir deste capítulo em contraponto ao “produzir”, pois a proposta é não mais ver a cidade pelo olhar do mercado, mas sim pelo olhar das mulheres. O estudo do urbanismo precisa ser reformulado dadas as condições retratadas nessa monografia, uma vez que o ambiente construído tem papel significativo em reforçar certos discursos, que como exposto, excluem uma grande parcela da população. Portanto, “fazer” abrange a prerrogativa de cidades feministas e o mote por um urbanismo com sensibilidade para o entorno e sua população. A proposta deste capítulo é reaprender a olhar a cidade para criar linguagens mais condescendentes com a realidade imposta, esta que foi construída a base de violência, exclusão e controle. O urbanismo como técnica de regulação e satisfação do mercado imobiliário não corresponde com ao necessário para o desenvolvimento pleno dos direitos fundamentais dos cidadãos. O planejamento urbano burguês traz a linguagem do medo, da segregação e da violência, cruel e aguda para a base da pirâmide, e durante os capítulos anteriores, foi possível verificar que as teorias urbanas contribuíram consideravelmente para o agravamento destas situações. As diretrizes urbanísticas, arquitetônicas e políticas expostas neste capítulo são caminhos que devem ser ressignificados conforme o contexto em que se pretende intervir. A máxima adotada é negação do modular, do padronizado ou o olhar através de escalas incompatíveis com a mulher, o urbanismo que se retira das plantas e se coloca no cotidiano, olho no olho com a população. Mas é imprescindível que se entenda que apesar da importância deste debate, principalmente no campo da arquitetura e urbanismo, o capitalismo e suas linguagens de opressão se reestruturam, perpetuando as relações de poder para se sustentar. Portanto, o patriarcado e suas diversas vertentes tentarão se incorporar a novas realidades, como articula Tavares (2015, p.91): “A qualidade dos lugares para as mulheres depende de inúmeras variáveis, uma vez que os processos de
42 dominação heteronormativa se reinventam segundo as tensões e resistências das mulheres”. Como proposta de um novo olhar sobre a existente e consolidada cidademercado e cidade espontânea, será proposto o urbanismo de acolhimento, pertencimento e dinamismo, uma linguagem democrática de fazer cidade. Assim, auxiliar na transformação do urbanismo, mesmo com o advento do sistema em vigor, será o caminho a perseguir neste último capítulo.
IV.1 NOVAS DIRETRIZES AO PENSAR CIDADES
A análise do desenvolvimento do urbanismo como técnica de ordenamento, vigilância e controle se mostrou falha para com seus usuários. Determinamos que a exclusão tem classe, raça e gênero e é a partir dos princípios do estudo da cidade que traçamos até aqui que desenharemos uma nova proposta de urbe, com o enfoque nas renegadas da cidade. O olhar para o urbano e a linguagem que se usa para com ele precisa mudar, este é o pontapé inicial para propor cenários novos e algumas autoras e autores já começaram a indicar as necessárias transformações na observação da cidade. Jane Jacobs e seu famoso livro Morte e Vida de Grandes Cidades nos mostra como uma mulher que não possuía formação acadêmica em arquitetura e urbanismo propôs um enfoque para as pessoas, ao falar de cidade, as rotinas e o convívio com o entorno no urbano. As mulheres percebem a cidade de uma outra maneira, a compreensão das relações humanas como forma essencial da urbe faz das bandeiras levantadas para o urbanismo, um grito pela conectividade pessoal com o construído. Jacobs levanta questões importantes como acolhimento e pertencimento das pessoas nos espaços da cidade, dinamismo e múltiplas funções acontecendo ao mesmo tempo e a importância da apropriação dos lugares e a ressignificação que acontece em seguida. Porém, a riqueza de seu trabalho foi evidenciar a importância de se investigar o mundo real, expondo assim a falácia das teorias urbanísticas e da
43 ciência do planejamento urbano em tratar a cidade como números e desenhos expostos na prancheta. Jacobs expõe desta forma (2014, p.05): “As cidades são um imenso laboratório de tentativa e erro, fracasso e sucesso, em termos de construção e desenho urbano. É nesse laboratório que o planejamento urbano deveria aprender, elaborar e testar suas teorias. ” O princípio germinador do livro é que o planejamento urbano antes de técnica, é um processo de reflexão e observação, depois de experimentação e intervenções pontuais, criando espaços de possibilidades. Ao quebrar esse paradigma de ordenar a cidade como se a desordem fosse antagônica à urbe, abrimos caminhos para oportunidades, como descreve Román e Velázquez (2008, p.11):
Mas é precisamente na desordem aparente, na mescla de usos, na justaposição, na proximidade, na inter-relação de atividades, que as mulheres podem encontrar sum lugar adequado para desenvolver suas vidas, justo nos espaços que muitos teóricos detestam.
Esses conceitos determinam novas metodologias na atuação do arquiteto e urbanista, por meio da quebra da elitização da profissão, democratizando o processo de elaboração da cidade por meio da apropriação e da vivência do urbano. Outro autor que propõe diretrizes para a cidade segundo os indivíduos é Jan Gehl, com seu livro Cidades para pessoas, fazendo interligações com conceitos expostos por Jacobs. Gehl se relaciona com Jacobs ao destacar a relevância de áreas de permanência, escala humana como referência para projetar arquitetura, dos espaços para caminhar com fachadas interessantes, da acessibilidade para todos e etc. Os conceitos trabalhados no livro se direcionam para a proposta de urbanismo pela perspectiva de gênero, como por exemplo: Mobiliário urbano adequado para permanência, ou seja, com encosto, assento largo, de materialidade confortável tornando a experiência de amamentar e descansar no espaço público algo prazeroso. Segurança para os pedestres, dado que, como já citado, as mulheres são as que mais andam pela cidade, portanto, é
44 importante que se sintam seguras contra o tráfego. Diversidade no urbano, com espaços que tenham vida de dia e de noite, com circulação de pessoas, fachadas ativas, uso misto nas edificações, horários alternativos de equipamentos urbanos, possibilitando a segurança no público. Destes conceitos, quando esmiuçados, é possível perceber a sua relevância para a vivência plena da urbe pela mulher. O mobiliário urbano é uma linguagem que determina se você tem ou não o direito aquele espaço: um exemplo é o livro Unpleasant Design dos artistas Gordan Savičić e Selena Savić, que descreve obras feitas no espaço público de forma a afastar pessoas, excluílas e proibir seu livre acesso. Neste sentido, mulheres na periferia são, em grande parte, as responsáveis por levar seus filhos ao parque para o lazer e diversas vezes não há mobiliário para que se permaneça no local, impossibilitando o prazer de se estar no ambiente público e determinando que aqueles espaços não contemplam seu usufruto. A iluminação tem uma grande influência na questão de segurança no público, as mulheres na periferia, para fazer suas tarefas diárias e para trabalhar, estão expostas em regiões mal iluminadas, fazendo de simples tarefas, como esperar o ônibus, um desafio e um medo. O Safety Science23, estudo realizado pela Universidade de Granada, ao consultar 275 pedestres sobre se a luz afeta a percepção de segurança ou perigo, apontam que, além da necessidade de uma boa quantidade de luz trazer conforto, a cor também influencia, no caso, a cor branca. Outro ponto é a vegetação, que pode amenizar altas temperaturas, a poluição e o barulho, mas também pode impedir a completa visão do entorno, isolar as pessoas em determinadas áreas criando insegurança. Gehl também destaca a questão da pluralidade de modais com velocidade reduzida, possibilitando espaços mais amigáveis e seguros para gestantes, mães com filhos pequenos, como a bicicleta, a preferência por transportes públicos, inclusive o uso dos rios. Quando Gehl expõe a importância de diversas modalidades de trafego na cidade, é possível entender o quanto cidades para mulheres estão conectadas com a sustentabilidade “[...] dar
23
Georgios Boustras. Safety Science. Disponível em: https://www.elsevier.com/journals/safety-science/0925-7535?generatepdf=true. Acessado no dia 04 de outubro de 2017.
45 prioridade à bicicleta precisa ser um ingrediente-chave numa política voltada para o uso efetivo do espaço das ruas, a redução do consumo de energia e da poluição [...]” (Gehl, 2014, p. 191). Em um recente estudo, o “Engaging more women in bicycling – key steps and best practices to improve and advance women`s specific bicycle advocacy”, feito na capital dos Estados Unidos, sobre como encorajar mulheres a andar de bicicleta, constatou-se que:
Homens e mulheres viajam diferentemente. Mulheres frequentemente conectam suas viagens – parando na farmácia no caminho de casa depois do trabalho – em uma escala maior que os homens. Mulheres também estão mais suscetíveis a viajar com passageiros, normalmente, crianças pequenas. Essas coisas podem fazer a escolha por bicicleta parecer ineficiente, impraticável e em alguns casos, perigoso. (JONES, 2015, p.04)
Porém, apesar destes dados, o programa de encorajamento ao uso da bicicleta permite que estas ciclistas se apropriem da cidade e de seus próprios corpos de forma diferente, como mostra o estudo:
Há uma série de efeitos quando mulheres aprendem sobre seus poderes de criar mudança em sua comunidade através do apoio por melhor ciclismo. Quando elas sentem este poder, ficam mais engajadas em como as decisões são feitas onde vivem. Apoiar e militar pelo ciclismo dá as mulheres uma plataforma nas reuniões de conselho da cidade para compartilhar suas experiências e moldar o futuro de suas comunidades. Para muitas, este é o começo para uma vida de engajamento civil. (JONES, 2015, p.5)
Portanto, mobilidade pode ser uma forma de emancipar as mulheres e fazê-las sentir que o espaço urbano também as pertence, a própria experiência da cidade através do pedalar cria uma linguagem e visão únicas de seu entorno. A
questão
do
engajamento
civil
traz
outro
imprescindível
item,
a
representatividade, que pode ser desde nomes de ruas, marcos quanto a presença delas no urbano. Ao falar de urbanismo como ferramenta de transformação, o desenho propriamente dito deve ser reformulado segundo as demandas da população, principalmente das mulheres negras e periféricas, diferentemente da cidade
46 produzida. O primeiro ponto do desenho seriam as calçadas largas que possibilitem espaços criativos, permitindo outros usos além da passagem e facilitando a caminhabilidade de mulheres com carrinhos de bebê, com idosos e crianças pequenas. Jacobs, em suas observações sobre a cidade, relatou essa relação das calçadas com espaços interessantes:
Calçadas com nove ou dez metros de largura são capazes de comportar praticamente qualquer recreação informal – além de árvores para dar sombra e espaço suficiente para a circulação de pedestres e para a vida em público e o ócio dos adultos. (2014, p.95)
O desenho das quadras também deve ser revisto, quadras curtas trazendo uma dinâmica necessária ao caminhar, criando conexões com outras ruas, evitando a monotonia, possibilitando a perspectiva de outras ruas com mais frequência. Mulheres precisam se sentir seguras no espaço para que possam ocupá-lo, portanto, as esquinas não podem ser abruptas, com desenhos ortogonais, deve-se ter um conjunto de diversidade de formas retilíneas e orgânicas. As quadras e os edifícios inseridos nela precisam contemplar vistas, sem barreiras, do entorno, ou seja, a perspectiva do todo precisa ser vista, para que se sinta inserida e confortável com o espaço. Acessibilidade é a pauta que vem anexa a outras, quando se discorre sobre direito a mobilidade, desenho de quadras e calçadas, mobiliário, está se falando de acessibilidade. E quando tratamos de mulher, esta pauta é de extrema importância, sendo ela vista como a “responsável” pelo cuidado da família, esta que leva seus filhos à creche, os idosos aos hospitais, fazendo destas ações, um desafio sem a acessibilidade. Exemplos deste assunto são: no desenho urbano, contemplar rampas para vencer desníveis, ao invés de escada, piso próprio para calçadas, respeitar a norma de altura máxima de degraus, aparatos urbanos como mobiliário, até mesmo comunicação visual. Outra diretriz, é o incentivo às cidades compactas, pois são densas, vivas e diversificadas nas suas áreas centrais
- propiciando maior
desenvolvimento sustentável, concentrando tecnologia e gerando inovação e conhecimento. Seguindo essas premissas, os espaços urbanos seriam mais agradáveis para se caminhar, andar de bicicleta e, portanto, facilitando a rotina
47 das mulheres, estas que optam com frequência, este tipo de mobilidade pelo urbano. A cidade que ainda é associada ao medo e insegurança, passaria por aconchegante, conjuntamente com os elementos descritos acima, diferentes usos, horários de funcionamento alternativos, sempre com os olhos da rua24. No caso das periferias, os problemas são mais atenuados do que nos centros das cidades, a falta de qualquer urbanização ou infraestrutura de responsabilidade do estado, prejudica possíveis intervenções. Sabe-se que estes espaços estão consolidados como são e a partir dos conceitos expostos no livro Morte e Vida das Grandes Cidades é possível readaptá-los a realidade da periferia, buscando aplicabilidade ao espaço renegado à mulher. As diretrizes desenvolvidas tanto por Jacobs quanto por Gehl, são aplicáveis à cidade mercado, nela, estes conceitos são a idealização da reformulação da cidade que seriam incongruentes à realidade da periferia. Portanto, apesar da importância dos desígnios evidenciados pelos autores citados, este trabalho aponta para a necessidade de uma releitura cuidadosa para a realidade brasileira periférica. Fazer cidade pode parecer uma ideia pretensiosa como a de Ebenezer Howard ao pensar as cidades-jardim, mas sabe-se que a ideia de intervir no urbano, principalmente, consolidado como está, não deve ser com a intenção de demolir e reconstruir. O construído nos dá as dicas necessárias para fazer intervenções, é através da observação dos usos que a população dá aos espaços que estão as respostas para possíveis interferências. Estas podem ser urbanística e arquitetônicas como desenho de ruas, fachadas, moradia ou aparatos urbanos servidos pelo poder público, como hospitais, creches, escolas, Unidades Básicas de Saúde e etc. Promover espaços que estimulem inovações, que permitam uma variedade de atividades, de customização, inclusive possibilitar a incorporação de elementos flexíveis para diversos usos.
24
Termo cunhado por Jane Jacobs fazendo referência à vigilância natural que ocorre no espaço público por moradores, transeuntes e etc.
48 A mulher negra e periférica vive no limite entre todas as relações de poder opressoras retratadas ao longo do trabalho, portanto, para se estudar e propor qualquer diretriz para o ambiente que vivem é importante que se faça no intuito de emancipá-las. Algumas propostas podem parecer como um reforço das limitações do gênero, mas é preciso tomar como perspectiva a realidade das mulheres que não necessariamente veem o gênero como construção. Portanto, o fazer cidade trata-se mais de observar e contribuir, incentivar atividades, não tentar reproduzi-las, não é só sobre propor aparatos urbanos grandiosos como parques, quadras de futebol e parquinhos (estes muitas vezes acabam por ser subutilizados). Esta nova concepção do urbanismo diz respeito a incentivar espaços, pessoas, coletivos e atividades que as próprias moradoras se identificam conjuntamente de aparatos e desenho urbano inclusivo e acessível.
IV.2 INTERVENÇÒES URBANAS
Neste subcapítulo trataremos das intervenções urbanas que estão acontecendo pelo mundo com a proposta de Gender Mainstreaming, uma visão que abrange políticas públicas e urbanismo pela igualdade de gênero. Em 1995, na Plataforma de Pequim para Ação das Nações Unidas Quarta Conferência Mundial sobre Mulheres, foi estabelecido o Gender Mainstreaming como plataforma para alcançar a igualdade entre homens e mulheres, mas a grande questão era o que igualdade quer dizer na prática. Dado este questionamento, passou-se a investigar os problemas que envolvem políticas de todas as esferas pelo olhar de “gênero” e formular novas intervenções com o intuito de eliminar as lacunas de desigualdades. Portanto, o Gender Mainstreaming se posicionou com a perspectiva de gênero sobre o mundo e apesar de ser um posicionamento feminista liberal, é uma iniciativa essencial perante a realidade de discriminação e exclusão. Esta estratégia alcança diversas áreas como a legislação, políticas de desenvolvimento, planejamento, pesquisa e implementação de programas. Apesar do seu grande uso na educação e na saúde, o impacto do Gender Mainstreaming no urbanismo é
49 essencial para novas propostas de pensar o urbano, mais de sessenta projetos pilotos já foram realizados só na Áustria com base nestas reflexões. Segundo o relatório das Nações Unidas, era necessária uma mudança profunda nos articuladores e reprodutores das opressões:
Ao longo das últimas décadas, os movimentos de mulheres no sul global desenvolveram uma crítica de modelos e instituições de desenvolvimento. Eles argumentaram que não bastava apenas "levar as mulheres" às instituições atuais e processos. A resposta não era maior participação em um injusto e insustentável processo de desenvolvimento. Em vez disso, havia uma necessidade de repensar estruturas e práticas que perpetuam desigualdades de todos os tipos.
Portanto, a análise do urbanismo como ferramenta de transformação para se alcançar a igualdade também foi considerada e assim, criaram-se métodos similares aos propostos neste trabalho, como: Participação das mulheres nas decisões e na formulação de metas de desenvolvimento, observação e análise para possíveis intervenções, comprometimento e compreensão de diversas realidades e diversos modos operandi para que seja feita intervenções assertivas. Seguindo esta linguagem do Gender Mainstreaming, em Viena, foi feito um estudo no ano de 1999 sobre o quanto a população usava o espaço público e por que. A pesquisa revelou que as mulheres eram as responsáveis pelo cuidado dos filhos e do lar, também eram as que escolhiam caminhar para chegar aos aparatos urbanos utilizados. Dado os resultados da pesquisa, foi elaborado uma estratégia de promover igualdade no urbano, onde a perspectiva da mulher ao se pensar cidade, seja prioridade. A estratégia utilizada foi o women-work-city, sendo uma série de edifícios rodeados por pátios, com espaços para crianças, gramados, farmácias, consultório médico e fácil acesso ao transporte público. A infraestrutura que foi estrategicamente posicionada está relacionada às pesquisas que mostram que a mulher além do trabalho produtivo, ela ainda é responsável pelo reprodutivo, ou seja, cuidar das crianças, idosos e tarefas domésticas. Portanto, o complexo foi planejado respeitando as premissas das pesquisas e tornou-se um exemplo, sendo implantado em sessenta projetos pilotos em Viena. Além desta iniciativa,
50 os planejadores urbanos passaram a dar ênfase na mobilidade e o acesso aos transportes públicos, como espaços de recreação que incentivam a permanência de meninas. O projeto Mapa de La Ciudad Prohibida para las Mujeres tornou- se um manual feito com a participação de mulheres dos distritos de Bilbao, através de debates, fotos e vivência, levando em consideração a mobilidade, equipamentos, segurança e representação simbólica. Considerando que as mulheres são as mais afetadas pela falta de planejamento urbano e de políticas públicas, a análise prática do espaço construído pela perspectiva de gênero resultou em um livro com mapas onde foram apontados problemas e propostas de soluções. Essas propostas utilizaram recursos como uso e ocupação do solo, fluxos, vegetação, iluminação e lugares de permanência. Dado como ferramenta para se fazer espaços igualitários considerando a mulher como ponto de partida, o Mapa de La Ciudad Prohibida para las Mujeres, foi usado pela prefeitura de municípios do país Basco. Cada distrito foi catalogado, com fotos e questionários, e assim foi possível entender a deficiência de cada situação. As diretrizes obtidas foram: o uso da sinalização dos espaços de forma clara e objetiva, para que seja possível se localizar com facilidade e entender o espaço através da comunicação visual. A iluminação distribuída a otimizar a visão do entorno, com intensidade correta para não criar grandes vácuos de sombra, o desenho urbano e distribuição do espaço considerando mais organicidade, evitando esquinas abruptas de 90 graus, muros, fechamentos, a topografia a ser readequada para promover a caminhabilidade. Na Colômbia, vê se alguns aparatos urbanos que facilitam a rotina da mulher no urbano quando se é periférica, chefe de família e única responsável pelo cuidado dos filhos que são: os escorregadores para crianças ao lado das escadas, as escadas rolantes para acessibilidade da periferia, a infraestrutura para crianças, as calçadas para pedestres ao redor da favela, possibilitando a caminhabilidade de forma horizontal. A reformulação da cidade de Medellín, com propostas inovadoras e outras simples, mas eficazes, fizeram-na um centro de acessibilidade, principalmente na questão de mobilidade que como vimos, é um ponto importante na questão de gênero no urbano.
51 Em Seul, na Coreia do Sul, desde 2013 com a análise das áreas inseguras para mulheres criou políticas públicas para garantir a segurança dia e noite, como iluminação pública, sistema de suporte a desastres especifico para mulheres e etc. A cidade, que é considerada uma das mais seguras para mulheres, passou por renovações urbanísticas que garantem a segurança e o acesso das mulheres ao espaço público. Os espaços de caminhabilidade e permanência, como jardins urbanos, calcadas largas e bem iluminadas, o fácil acesso a transportes públicos, a revitalização do rio Cheonggyecheon que possibilitou espaços de contemplação, vivacidade em diversos horários e a sensação de uma cidade para pessoas. Grande parte dos princípios formuladores de cidades para mulheres abrangem diversas variáveis que atingem a todos de maneiras diferentes, porém é de extrema importância que se tenha políticas públicas e urbanização voltados para a perspectiva de gênero, pois ainda são elas que não exercem seu direito à cidade. Berlim, na Alemanha, também se apropriou do Gender Mainstreaming para o planejamento urbano, usufruindo da diversidade da cidade, criaram metas e formas de intervenções. Um dos pontos mais interessantes na cartilha de GM para desenvolvimento urbano é o fato de ter “opções de uso social: evitar a perpetuação de
gênero estereotipado e
modelos
a seguir”
(Gender
Mainstreaming in urban development, p.15). Dada a realidade da Alemanha como país que possui um maior entendimento de construções de gênero e mundo androcêntrico25, é possível desconstruir os lugares que perpetuam papéis sociais impostos. Além deste fato, as premissas usadas em Berlim são correlatas às expostas neste trabalho, cada intervenção possui uma particularidade e, portanto, não há um modelo a ser seguido. O que há são apenas perguntas modelos que podem ser feitas para que cada lugar e seus habitantes contem suas histórias e assim, será possível realizar interferências. Pode-se dizer que cidades feitas com perspectiva de gênero são sustentáveis. O exemplo é a própria Berlim, com: pequenas distâncias entre
25
Mundo formulado a partir da visão e experiência única dos homens, tornando como regras universais para toda a população.
52 aparatos urbanos e a população, possibilitando o caminhar, diversidade nas formas de mobilidade, todas integradas como forma de facilitar a circulação de pessoas, utilização de espaços de convívio como hortas coletivas, parques, espaços permeáveis e etc. Outros pontos a serem destacados são: segurança para pedestres e sinalização em abundância, desníveis aceitáveis nas ruas, ilhas de parada em grandes avenidas, distribuição de locais públicos, semi-públicos e privados (os espaços privados são a minoria), dando acessos dinâmicos. O Plano Diretor do município é uma importante ferramenta para se utilizar em prol de uma cidade realmente igualitária, aberta e convidativa, onde o exercício da cidadania seja incentivado e explorado por todas e todos. É imprescindível compreender como políticas públicas podem facilitar o “fazer cidade”, pensando nas pessoas e se desassociando da ideia de produzir o urbano com base nas exigências do mercado. Em São Paulo, a reformulação do Plano Diretor possibilitou a implantação de ações afirmativas que influenciam diretamente na rotina das paulistanas. Por exemplo, pode-se citar a iluminação pública como forma de Gender Mainstreaming, que foi usada em todo o distrito de Sapopemba, na zona leste de São Paulo contando com cerca de 11,3 mil luminárias do programa LED nos Bairros, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Serviços da Prefeitura de São Paulo. Usado como uma das premissas de qualificar uma cidade que pensa em gênero, a iluminação pública permite uma outra visão do espaço urbano, dando mais segurança e ampliando a perspectiva das mulheres, principalmente na periferia. Ademais, a revitalização do corredor de ônibus Inajar de Souza (São Paulo) que liga o Terminal Cachoeirinha, na zona norte, à região central da capital, ganhou pavimento rígido, as 28 paradas foram instaladas com novas estruturas e uma ciclovia ao lado da calçada. A iluminação também foi revista, junto a remodelação do canteiro central com paisagismo novo e a vegetação existente foi mantida e podada. Todas essas ações que envolvem políticas públicas e urbanismo na sua forma de desenho, como no caso de repensar o canteiro central, sua disposição e o paisagismo, transformam os lugares de passagem em lugares de permanência.
53 Políticas públicas como a lei que autoriza os motoristas de ônibus a parar fora dos pontos de ônibus, permitindo que mulheres e idosos desçam em locais mais seguros, cria possibilidades de mulheres explorarem mais a cidade com mais confiança. Segundo o guia de Gender Mainstreaming: “Procurar as insumos e opiniões das mulheres e dos homens sobre as decisões que afetará a maneira como eles vivem” (Gender Mainstreaming an overview, United Nations, 2002, p.04). Esta é a chave para que se possa propor políticas públicas voltadas para mulheres e suas inúmeras dificuldades ao exercer seu direito à cidade.
IV.3 RESPOSTA PELA LUTA
Para além das vias institucionais, há a luta, e esta expõe como as camadas mais pobres e, em particular, as mulheres, tem se organizado de diversas formas para ultrapassar as dificuldades de um sistema estruturalmente desigual. O último subcapítulo trata da luta de classes e como a resistência da população em todo o globo é real e incessante. A obstinação é o retrato de um povo que utiliza de métodos, muitas vezes tidos como criminosos, mostrando assim, o antagonismo de classes e a supressão da população calada e esquecida. Dentro deste aglomerado mundialmente explorado, temos as mulheres, a proletária do homem, e mostraremos como elas estão liderando movimentos e se emancipando por meio da luta. Exemplo de como estes métodos se encontram na América Latina, não necessariamente instituídos formalmente, mas mais organizados em forma de erro e acerto, como testes, são as construções em mutirão no Brasil. A questão da moradia demonstra que, ainda hoje, apesar de ser um direito fundamental instituído pela Declaração dos Direitos Humanos, grande parte da população não tem acesso a habitação. Moradia se designa por um local salubre, com infraestrutura para se viver com dignidade, segurança e saúde, porém, segundo o Censo da População em Situação de Rua na Municipalidade de São Paulo (2011, p.05): “[...] um total de 14.478 (quatorze mil quatrocentos e setenta e oito) indivíduos, sendo 6.765 (seis mil setecentos e sessenta e cinco) em
54 situação de rua e 7.713 (sete mil setecentos e treze) em centros de acolhida da capital. ” Ou seja, moradia é luta diária de uma população considerável sem acesso a direitos fundamentais. Na década de oitenta, há um destaque para processos de mutirões na construção de moradia popular e esta metodologia se revelou emancipadora para mulheres, com seus métodos de participação em reuniões, assembleias e construção. Portanto, a representatividade, comprometimento e análise estão presentes nesta proposta de se fazer moradia/cidade, possibilitando a reconstrução de signos e identidades pré-estabelecidas para as mulheres. Segundo Schwartz (2004, p.03):
[...]as mulheres dessas experiências de construção por mutirão, constituíram-se como válvulas motrizes do processo de organização da luta na cidade de São Paulo. Integram 70% da mãode-obra, das associações de mutirantes e mantêm em suas mãos a gestão e coordenação dos trabalhos na maioria dos projetos de construção de moradias por meio do mutirão
E como no caso apontado no capítulo “Novas Diretrizes ao Pensar Cidade”, sobre engajar mais mulheres no ciclismo, mostrou que estes processos de autogestão, liderança e espaço de fala para mulheres ressignificam suas vidas, como mostra Schwartz (2004, p.04):
[...]muitas questões importantes se constituíram no decorrer da pesquisa, como por exemplo, as variadas formas de inclusão das mulheres mutirantes no processo, a ampliação das suas vivências individuais, como se perceberam como sujeitos históricos, conseguiram reformular as suas vidas privada e pública, seus valores, como se estruturaram nas novas relações sociais e como o processo de organização dos movimentos sociais serviu como uma espécie de escola para os seus integrantes, onde as mutirantes, em suas lutas cotidianas, aos poucos, adquiriram experiências e aprenderam a exercer sua cidadania.
Portanto, estes processos democráticos de trabalho em equipe, tomadas de decisões coletivamente, possibilitam a quebra de estereótipos e a reformulação de toda uma categoria da população que passam a exercer novas formas
de
relações
transformadora.
interpessoais,
criando
assim,
uma
sociedade
55 Outra luta que possui significância e, muitas vezes, é liderada por mulheres é o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) que se organiza no início da década de 80. A reforma agrária em um país como o Brasil, marcado pela concentração fundiária, é essencial não somente para a população mais pobre, mas também para as mulheres inseridas neste contexto. A luta pela terra se organizou de forma a inserir a mulher como liderança, possibilitando a politização desta e sua emancipação, ressignificando assim, as relações de gênero. Segundo Martins e Guevara:
Em seu IV Congresso (2000), o MST estabeleceu a norma de cada núcleo de base precisa ser coordenado por um homem e por uma mulher. Progressivamente, esta medida tem sido adotada em diferentes níveis e graus da estrutura organizativa, a qual também é ampliada diante da expansão da luta pela terra e da necessidade de criar um processo mais participativo e de formação de liderança. (2015, p.107)
Ou seja, a organização da luta pela redistribuição de terra possibilita a percepção das mulheres como sujeitos de direito, capazes de transformar seus papéis sociais. A luta de classes com recorte de gênero teve significativos avanços com o MST, como exemplifica Martins e Guevara:
[...] o trabalho histórico e invisibilizado das mulheres, como componente essencial da economia familiar camponesa e da soberania alimentar. Na luta política, as mulheres ressignificam o espaço da produção econômica, concebido como território masculino, com significativas consequências para a efetiva participação das mulheres nas decisões em relação ã organização da unidade de produção e para sua autonomia econômica. (2015, p.111)
E para além da mulher camponesa e sua participação na luta pela terra, vemos as ocupações de edifícios que não estão cumprindo suas funções sociais e a luta por moradia na cidade, muitas vezes liderada por mulheres. A intensa atuação das mulheres nos movimentos de luta por terra e moradia nos elucida quanto à forma brutal que o sistema capitalista e suas performances atingem a população feminina. Por outro lado, estas lutas também esclarecem como é possível a transformação de papéis sociais pré-determinados, e como construção é possível reconstruir, assim como as linguagens no urbanismo.
56 As favelas, como já citado no capítulo “Coadjuvante da (Não) Cidade”, são espaços de resistência, e estes embates diários possuem o protagonismo das mulheres. As intervenções urbanísticas ocorridas durante a Copa do Mundo de 2016 impactaram diretamente a vida das mulheres periféricas em diversos estados, com as desapropriações e despejos repentinos. A clara violação de vários direitos conduziu estas mulheres ao limite, elevando os níveis de precariedade de seus respectivos entornos. Portanto, a mobilização das moradoras de áreas marcadas como interesse público para desapropriação e outras que apenas foram despejadas sem aviso prévio, se tornou cada vez mais latente. Neste processo, a casa (espaço privado) possui conotação de resistência, segundo Tavares (2015, p.162): “A casa é essa expressão significativa das práticas espaciais de resistência que nos fazem entender as razões pelas quais as mulheres tornamse protagonistas na resistência contra os despejos.” Ou seja, a estabilidade social na realidade destas mulheres toma a forma física da moradia, do espaço privado, por isso a importância de políticas habitacionais como o Minha Casa Minha Vida garantindo a titularidade para mulheres. Exemplo desta resistência ocorreu no Morro da Providência contra o programa Morar Carioca, que se estruturava com intervenções urbanísticas sem participação popular e agindo de forma a violar o direito à moradia, à cidade e entre outros. As moradoras se mobilizaram através de resistência às ameaças e coações do poder público e como explica Tavares (2015, p.168):
[...]ficou evidente o protagonismo das moradoras na resistência contra o Morar Carioca. Do discurso à clareza dos argumentos, ficou evidente a importância da performance das mulheres. Além de estar em maior número (cerca de 40 pessoas participaram), foram elas que buscaram dar visibilidade às suas reinvindicações com a mídia presente, e dialogaram com as autoridades a fim de buscar uma alternativa.
A movimentação das moradoras foi imprescindível para o debate das implantações dos projetos, e até mesmo da anulação de algumas propostas e estas resistências que tomam lugar nos meios de comunicação são apenas pequenas frações dos confrontos diários enfrentados por estas mulheres. E é
57 por meio destas organizações que ocorrem a apropriação do espaço e a construção do material através da luta. Projetos como o Arquitetura na Periferia, que assessora mulheres periféricas a reformar e construir suas próprias casas, desde o projeto técnico à execução de obra, emancipam e abrem mundos de possibilidades. A ideia de reestruturar o ofício da arquitetura, transmitindo o conhecimento, até então elitizado, proporciona novos “saber fazer”, segundo Mendonça (2014, p. 25):
[...] os membros das classes média e alta estão muitas vezes mais interessados nos valores simbólicos que o arquiteto pode incorporar ao projeto do que nos arranjos espaciais em si. Porém, para uma pessoa que não participa desse mesmo círculo, o diálogo com o arquiteto se torna mais difícil, pois a relação é assimétrica e em muitos casos até impositiva. O procedimento convencional dos arquitetos não responde às demandas da população em geral e, particularmente, não responde às da classe mais pobre – a ralé estrutural. Essas demandas exigem, não apenas a reformulação das práticas de atendimento arquitetônicas, mas a infração de algumas das regras tácitas desse campo.
Este processo também fortalece o trabalho coletivo entre mulheres, sua percepção de si enquanto protagonista de sua própria vida e estimula seu imaginário através do desenho, a relação sujeito e espaço se modifica, ao se posicionar como elaboradora do seu meio. Desta forma, correlacionando com a mobilização das moradoras do Morro da Providência, podemos afirmar, segundo Tavares (2015, p.174):
[...] as favelas, paradoxalmente à cidade, são esses espaços que são construídos a partir de múltiplas resistências cotidianas, marcadamente pelas contradições de gênero que a cidade, em seu sentido abstrato, insiste em negá-las, segregá-las e excluí-las. O seu lugar de moradia é um ponto de partida das práticas espaciais.
Rojava, na Síria, é um outro bom exemplo de como é possível, através da democracia, organização horizontal e coletiva, criar cidades igualitárias, onde mulheres exercem o direito à cidade. Segundo o livro “A Revolução Ignorada – liberação da mulher, democracia direta e pluralismo radical no oriente médio” (2016, p.70):
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“[...] o nível de liberdade de uma sociedade está diretamente ligado ao nível de liberdade das mulheres e, por extensão, que uma democratização real somente pode ser assegurada e garantida por meio da libertação das mulheres. Acredita-se ser necessário posicionar a libertação de gênero no centro dos movimentos de transformação social. ”
A região persiste e se desenvolve com este princípio, promovendo a autogestão e auto-organização de mulheres em diversas esferas como: arte, cultura, política, economia e outros. A questão urbanística e seus aparatos ainda são um problema, dado que a cidade está localizada em meio a turbulentos conflitos, sofrendo bombardeios, manejando a chegada de refugiados e resistindo a ataques frequentes da Síria, Turquia, Iraque e do Estado Islâmico. Este cenário que se forma em Rojava expõe a possibilidade de transformação que poderia ter começado no urbanismo, mas seu início vem das próprias relações de poder e não há dúvida que se continuar a triunfar, estas mudanças serão cada vez mais perceptíveis no fazer cidade. Assim, com uma proposta anarquista, relacionando “o sistema estatal com a opressão das mulheres” (FERRAZ, 2016, P.165) que Rojava escreve um novo projeto de sociedade.
[...] uma revolução que não transforma a raiz do status das mulheres não é uma revolução, uma vez que deixa intactas as relações de poder sobre metade da população; e que a liberdade da mulher é inseparável da liberdade de toda a sociedade. (FERRAZ, 2016, p.164)
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V CONCLUSÃO
61 Este Trabalho Final de Graduação perseguiu os caminhos que o construído se firmou, sejam eles materiais e/ou imateriais, foi extraído destes fenômenos relevantes para a humanidade e tudo que esta se propôs a arquitetar e os nós que precisam ser desatados. Compreender o que tece o visível e invisível da sociedade é imprescindível para que se possa estruturar uma proposta de sociedade realmente igualitária. Rojava nos apresenta caminhos “[...] a transformação social não é um acontecimento, e sim um processo ” (FERRAZ, 2016, p.180). Neste processo há espaço de responsabilização e como é possível captar perante o trabalho desenvolvido, arquitetos e urbanistas podem contribuir de formas consideráveis. Fomentar o olhar crítico ao que faz das cidades serem o que são, poderá abrir janelas de possibilidades, principalmente aos compositores do construído. A monografia se propôs a torcer os tecidos da ciência urbanística por um viés mais sociológico, mesmo quando se apresenta “soluções” pragmáticas, submetesse à perspectiva filosófica, com base em autores com visões equivalentes. Ao traçar os fenômenos urbanos, entendemos o conjunto de ações que estruturaram as cidades, seja no sentido político e/ou espacial, destacando momentos relevantes para se compreender as forças hegemônicas que regem o mundo. Estes poderes fluidos que se moldam de formas a permanecer e se fortificar, configuram-se como articuladores diretos e indiretos do objeto de estudo da arquitetura e urbanismo. Como exposto, o desenvolvimento e fortificação do capitalismo, “A cidade é o território-suporte para a atividade industrial, por se constituir num espaço de concentração e por reunir as condições necessárias a esta forma de produção. ” (SPOSITO, 2000, p.09). A partir desta perspectiva, concebeu-se a ideia de que o capitalismo necessita de sujeitos que fornecem sua mão-de-obra para produzir e gerar lucro para certas camadas e estas se apropriaram de linguagens e/ou aprimoraram-nas para o controle e aperfeiçoamento do processo de produzir. Neste contexto, destacamos as linguagens, que indicamos como relações de poder, empregadas na sociedade apresentada como atuante até os dias de hoje. O patriarcado e o racismo são dois destes recursos usados para coordenar a sociedade para a produção e concepção do lucro enquanto às oprime, quantifica e qualifica. Porém, como apontado diversas vezes:
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A classe é pois, quem determina como essas mais variadas expressões de opressões irão ser vivenciadas por esses sujeitos. Assim, é que uma mulher da classe dominante explora uma mulher da classe trabalhadora, uma idosa pode explorar outra idosa, uma negra pode explorar outra negra. (CISNE, 2011, p. 03)26
Ou seja, é a luta de classes que movimenta as desigualdades e explorações, este é o metabolismo constituinte do capitalismo, a cerne do sistema vigente. Esta argumentação é exposta em toda a monografia, mas principalmente, no capítulo “Feminino no Urbano”, apontando a relação das mulheres com a cidade, porém, com recortes de classe e raça/etnia. Mostrando assim, as variáveis formas de opressão perante a análise de dimensão materialista da história e seus reflexos no construído. E, ao longo dos três subcapítulos, foi evidenciada a exclusão da mulher na cidade, a violação de direitos primordiais e a eliminação desta na história. Assim, foi proposta a reconfiguração do “pensar o urbano”, dando diretrizes concretas de se fazer cidades para elas, desde o desenho até políticas públicas já utilizadas para que as mulheres possam exercer seus direitos, tais como: o direito à cidade, direito à moradia, à terra e etc. Para além de reformulações na teoria, o trabalho apresentou as organizações e mobilizações que ocorrem e emancipam, transformando o modo como as mulheres vivenciam o espaço. Todas as configurações de luta, com intuito de revolução social, compreendem as mulheres e as posicionam como linha de frente destas propostas. Estas organizações veem a dimensão urbanística da luta, como uma das fronteiras para a conquista de uma nova sociedade, e imprescindível entender que ao se engajarem na luta, sua percepção da cidade muda. Portanto, é evidente que o urbanismo pode impactar de forma substancial a realidade das mulheres enquanto cidadãs que não experimentam o urbano do jeito que poderiam. Arquitetas (os) e Urbanistas possuem sua função social
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CISNE, Mirla. Marxismo: Uma teoria indispensável à luta feminista. Disponível em: http://www.unicamp.br/cemarx/ANAIS%20IV%20COLOQUIO/comunica%E7%F5es/GT4/gt 4m3c6.PDF. Acesso em: 12 novembro 2017.
63 diretamente conectada com esta questão, e numeráveis teses, dissertações e livros possibilitam esta reflexão. Este caminho, através da intervenção urbanística, da proposição de métodos, desenhos, linguagens e leis tem grande relevância enquanto medida prima no atual contexto. Porém, através do estudo formulado, é possível compreender que “a qualidade dos lugares para as mulheres depende de inúmeras variáveis, uma vez que os processos de dominação heteronormativa se reinventa segundo as tensões e resistências das mulheres” (TAVARES, 2015, p.91). Ou seja, as opressões se reestruturam para dar continuidade às relações de poder pré-estabelecidas e assim, manter a organização existente, como já manifestado. Então, intervir no urbano direta e indiretamente contribui para o processo de transformação social, esta é a ferramenta institucional que arquitetas (os) e urbanistas possuem, o urbanismo e suas mais variáveis linguagens. A partir deste trabalho, atuar como agentes de mudança enquanto cidadãs e cidadãos especialistas em traduzir e criar cenários concretos em meio a relações de poder não materiais, será um caminho cada vez mais percorrido. Os fatos históricos aqui tratados foram assim organizados com o intuito de suscitar novos olhares para disciplinas de impactos consideráveis em meio a sociedade, no caso, a arquitetura e o urbanismo. Desta forma, fica evidente que reflexão de gênero na cidade é imprescindível como ferramenta de auxilio à emancipação das mulheres. E conjuntamente, o apoio e incentivo a outras formas de emancipação que permeiam o urbano, que são vistas como clandestinas, porém, são estas que têm sido lideradas por mulheres com os recortes mais severos de opressão. Portanto, deve-se aprender com elas como fazer cidades igualitárias.
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