QUADRA ABERTA | uma proposta para a região do mercado de pinheiros

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QUADRA ABERTA uma proposta para a regiĂŁo do mercado de pinheiros


GIOVANNA FERNANDES MANGIOCCA

QUADRA ABERTA CONTEMPORÂNEA: UMA PROPOSTA PARA A REGIÃO DO MERCADO DE PINHEIROS.

Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo

Orientadora: Profª. Drª. Larissa Campagner

São Paulo 2017


GIOVANNA FERNANDES MANGIOCCA

QUADRA ABERTA CONTEMPORÂNEA: UMA PROPOSTA PARA A REGIÃO DO MERCADO DE PINHEIROS.

Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo

Orientadora: Profª. Drª. Larissa Campagner

Aprovada em 12/12/2017

BANCA EXAMINADORA _________________________________________________ Profª. Drª. Larissa Campagner Universidade Presbiteriana Mackenzie _________________________________________________ Profª. Drª. Viviane Rúbio Universidade Presbiteriana Mackenzie _________________________________________________ Ms. Cecília Pisetta Universidade Presbiteriana Mackenzie


Aos meus pais, Cรกtia e Remo. Com todo meu amor.


AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente à Deus por me permitir seguir meu sonho, sempre iluminando meu caminho e minhas decisões na profissão que escolhi. Agradeço aos meus pais, Cátia e Remo, por sempre acreditarem no meu potencial e por batalharem tanto pela minha felicidade. Ao meu irmão Matheus. Ao meu namorado Lucas, por todo carinho e compreensão. Aos Mack Amigos, em especial à Alanna, Caio, Daniela, Florencia e Giovana, por estarem ao meu lado nessa caminhada desde o início, e por terem compartilhado comigo todos os momentos ao longo desses anos. Por fim, aos meus orientadores Larissa Garcia Campagner e Tito Lívio Frascino por dividirem comigo seu conhecimento, sempre com muita paciência e dedicação, permitindo a concepção desta pesquisa.

Muito obrigada!


“Reconhecer a cidade como acumulação, agregação, coexistência de épocas diferentes e por vezes contraditórias.O híbrido resultante é quase sempre o mais belo acabamento.” (PORTZAMPARC, 1997, p.43).


RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo identificar e esclarecer as diversas tipologias de quadra encontradas na cidade contemporânea, na busca de entender suas implicações e consequências na forma da cidade. Primeiramente, para isso, são apresentados os elementos morfológicos que compõem a cidade entre eles: ruas, solo, lote, edifício, fachada e quadra - e assim é definida a escala desta pesquisa: a quadra. É tratada também a questão da dualidade entre os espaços público e privado, já que a quadra é considerada o elemento morfológico que dita essa relação. Em busca de encontrar soluções para alguns paradigmas encontrados após a decadência do urbanismo modernista, a quadra aberta de Christian de Portzamparc é apresentada como alternativa. Propondo uma aceitação das produções na cidade da primeira e segunda eras, a quadra-aberta vêm para reiventar e tornar a cidade cada vez mais híbrida e eclética. Serão abordados também os conceitos de cidade-colagem e bricolagem, que propõem basicamente uma combinação harmoniosa entre as diversas arquiteturas, gerando uma identidade única às cidades. Palavras-chave: morfologia urbana, forma urbana, espaço público, quadra, quadra-aberta, tipologias, cidade-colagem, Largo da Batata


ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 01 – Foto Largo da Batata – p.18; Figura 02 – Escala da Rua Amsterdã – p.25; Figura 03 – Escala do Bairro Amsterdã – p.25; Figura 04 – Escala da Cidade Amsterdã – p.25; Figuras 05, 06, 07 e 08 – Pictogramas – p.26; Figura 09 – Pictograma – p.28; Figuras 10, 11, 12 e 13 – Pictogramas – p.29; Figura 14 – Pictograma – p.30; Figura 15 – Pictograma – p.31; Figura 16 – Parcelamento de quarteirões em diversas cidades – p.32; Figura 17 – Vista aérea de Paris – p.37; Figura 18 – Mapa de Paris 1853 – p.38; Figura 19 – Esquema Plano Haussmann – p.38; Figura 20 – Croqui da quadra tradicional por Mário Figueroa – p.40; Figura 21 – Foto fachadas de Paris – p.41; Figura 22 – Croqui das variedades de implantação das tipologias de Cerdá – p.43; Figura 23 – Croqui da quadra do plano Cerdá por Mário Figueroa – p.43; Figura 24 – Vista aérea Barcelona – p.44 e 45; Figura 25 – Croqui da quadra com ocupação perimetral por Mário Figueroa – p.46; Figura 26 – Imagem aérea Amsterdã – p.47; Figura 27 – Croqui da quadra com edifícios paralelos por Mário Figueroa – p.48; Figura 28 – Foto aérea do bairro Los Perales de Buenos Aires 1949 – p.49; Figura 29 – Croqui da quadra “edifício-cidade” por Mário Figueroa – p.50; Figura 30 – Implantação Unité D’Habitation – p.51; Figura 31 – Vista aérea Unité D’Habitation – p.51; Figura 32 – Croqui das quadras “megaestruturas” por Mário Figueroa – p.52; Figura 33 – Implantação Barbican Complex – p.53; Figura 34 – Vista aérea Barbican Complex – p.53; Figura 35 – Barbican Complex – p.54 e 55; Figuras 36 e 37 – Mapas Bijlmermeer antes e depois – p.56; Figura 38 – Foto aérea bairro Bijlmermeer Amsterdã 1975 – p.57; Figura 39 – Biljmermeer – p.59; Figura 40 – Croqui da “quadra pós-contextualista” por Mário Figueroa – p.60; Figura 41 – Croqui da “quadra aberta” por Mário Figueroa – p.61; Figura 42 – Implantação Les Hautes Formes, Paris – p. 63; Figura 43 – Foto Av. Paulista aberta, MASP – p.67; Figura 44 – Praça da República, Florença 2017 – p.69; Figura 45 – Mapa Florença 1835 – p.69;


Figura 46 – Rua-corredor Florença 2016 – p.70 e 71; Figura 47 – Croqui Complexo Habitacional Pedregulho, RJ – p.73; Figura 48 – Croqui implantação Complexo Habitacional Pedregulho, RJ – p.73; Figura 49 – Foto aérea Complexo Habitacional Pedregulho, RJ – p.73; Figura 50 – Croquis de Christian de Portzamparc, 1ª e 2ª eras da cidade – p. 75; Figura 51 – Croqui de Christian de Portzamparc, Les Hautes Formes – p.75; Figura 52 – Foto Hautes Formes – p.76 e 77; Figura 53 – Implantação Centro Comercial Bom Retiro – p.79; Figura 54 – Foto Centro Comercial Bom Retiro – p.79; Figura 55 – Foto aérea Cetenco Plaza – p.81; Figura 56 – Foto vista rua Cetenco Plaza – p.81; Figura 57 – Foto praça Cetenco Plaza – p.81; Figura 58 – Foto aérea Brascan Century Plaza – p.83; Figura 59 – Planta baixa térreo Brascan Century Plaza – p.83; Figura 60 – Foto praça Brascan Century Plaza – p.83; Figura 61 – Foto Palácio dos Uffizzi – p.87; Figura 62 – Foto Unité D’Habitation – p.87; Figura 63 – Foto Museu do Prado – p.89; Figura 64 – Corte Museu do Prado – p.89; Figura 65 – Foto Museu Reina Sofia – p.90; Figura 66 – Foto Museu Reina Sofia – p.92 e 93; Figura 67 – Foto aérea superquadras Brasília – p.95; Figura 68 – Foto aérea superquadras Brasília – p.95; Figura 69 – Foto aérea Brasília – p.96 e 97; Figura 70 – Ilustração cidade colagem – p.99; Figura 71 – Implantação Praça das Artes – p.102; Figuras 72, 73 e 74 – Plantas Praça das Artes – p.105; Figura 75 – Croqui Conjunto Praça das Artes – p.106; Figura 76 – Foto vista da Rua Formosa, Praça das Artes – p.106; Figuras 77 e 78 – Fotos da praça interna da Praça das Artes – p.107; Figura 79 – Implantação Center Saint Giles Building – p.108; Figura 80 – Foto vista aérea Center Saint Giles Building – p.110; Figura 81 – Elevação Sul Center Saint Giles Building – p.110; Figura 82 – Foto vista nível da rua Center Saint Giles Building – p.111; Figura 83 – Planta térreo Center Saint Giles Building – p.112; Figura 84 – Croqui térreo ativo Center Saint Giles Building – p.112; Figuras 85 e 86 – Plantas pavimentos Center Saint Giles Building – p.113; Figura 87 – Foto praça interna Center Saint Giles Building – p.114 e 115; Figuras 88, 89 e 90 – Plantas, corte longitudinal e corte tranversal, Senac Águas de São Pedro – p.116;

Figuras 91 e 92 – Fotos cozinha pedagógiga Senac Águas de São Pedro – p.118 e 119; Figura 93 – Foto fachada Senac Águas de São Pedro – p.118 e 119; Figura 94 – Implantação Basque Culinary Center – p.120; Figura 95 – Obra do artista Robert Therrien – p.122; Figura 96 – Foto externa Basque Culinary Center – p.123; Figura 97 – Foto externa Basque Culinary Center – p.125; Figuras 98, 99 e 100 – Fotos circulação Basque Culinary Center – p.127; Figura 101 – Foto cozinha pedagógica Basque Culinary Center – p.128; Figura 102 – Mapa bairro de Pinheiros no Município de SP – p.130; Figura 103 – Mapa Sara Brasil 1930 (página 49) – p.131; Figura 104 – Mercado dos caipiras 1920 – p.132; Figura 105 – Cooperativa Agrícola de Cotia – p.132; Figura 106 – Foto aérea Largo da Batata 2004 – p.134; Figura 107 – Foto aérea Largo da Batata 1991 – p.134; Figura 108 – Perímetro Operação Urbana Consorciada Faria Lima – p.136; Figura 109, 110 e 111 – Imagens 1º colocado do Concurso Público Nacional de Reconversão Urbana do Largo da Batata – p.137; Figura 112 – Foto Largo da Batata – p. 138 e 139; Figura 113 – Produzido pela autora Imagem Senac – p.142 e 143; Figura 114 – Produzido pela autora Imagem Centro Gastronômico – p.144 e 145; Figura 115 – Produzido pela autora Situação – p.146; Figura 116 – Produzido pela autora Diagrama – p.147; Figura 117 – Produzido pela autora Implantação – p.148 e 149; Figura 118 – Produzido pela autora Planta Subsolo – p.150 e 151; Figuras 119 a 127 – Produzido pela autora Plantas Pavimentos – p.152 a 155; Figura 128 – Produzido pela autora Corte B – p.156 e 157; Figura 129 – Produzido pela autora Corte C – p.156 e 157; Figura 130 – Produzido pela autora Corte A – p.158; Figura 131 – Produzido pela autora Vista 2 – p.158 e 159; Figura 132 – Produzido pela autora Vista 1 – p.159; Figura 133 – Produzido pela autora Vista 3 – p.159; Figura 134 – Produzido pela autora Ampliação - p.160; Figura 135 – Produzido pela autora Detalhe - p.161; Figura 136 – Produzido pela autora Detalhe encaixe chapas - p. 161; Figura 137 – Produzido pela autora Detalhe fachada - p.162 e 163.


SUMÁRIO

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Introdução

Morfologia urbana

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1.1 O conceito de morfologia urbana e os elementos morfológicos. 22 34 1.2 Tipologias de quadra.

Quadra contemporânea

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2.1 A quadra aberta de Christian de Portzamparc - definição e exemplos na cidade de São Paulo. 66 2.2 A cidade colagem e os vazios urbanos. 84

Projetos de referência

100 102 108 116 120

Proposta projetual

4.1 Panorama histórico 4.2 Partido arquitetônico

128 132 140

Considerações finais

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Referências biliográficas

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3.1 3.2 3.3 3.4

Praça das Artes Central Saint Giles Building Senac Águas de São Pedro Basque Culinary Center


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INTRODUÇÃO As indagações decorrentes da vivência na cidade de São Paulo fizeram nascer o interesse pela forma urbana, principalmente no que diz respeito às suas transformações ao longo do tempo e a busca pelo entendimento do “porquê” dos espaços serem do jeito que os conhecemos. Alguns desses espaços urbanos têm por si só o poder de intrigar e gerar uma enorme vontade de repensálo. O Largo da Batata foi o espaço urbano que desencadeou esta pesquisa.

Figura 01 Foto Largo da Batata Fonte: https://complexidadedinamica. wordpress.com/2015/10/16/projetopraiadepaulista-ocupacao-urbana/

Ao caminhar pela região, pode-se observar um tecido urbano recente que demonstra uma preocupação demasiada com o fluxo de automóveis. Formado por uma enorme trama de vias, que fora modificada algumas vezes ao longo do tempo, o espaço urbano remanescente resulta em uma malha de espaços vazios, áridos e vastos, mas que adquiriram um caráter fundamental para a cidade. Palco de diversas manifestações, tanto políticas quanto culturais, o Largo da Batata se tornou um marco não só para o Bairro de Pinheiros, mas para a cidade de São Paulo. Essa pesquisa desenvolvese em quatro partes. Na primeira, é apresentada uma definição dos conceitos tratados no decorrer do trabalho, como a questão da

morfologia e forma urbana, bem como a definição dos elementos morfológicos que formam a cidade. Dentre esses elementos, o quarteirão é escolhido para ser objeto de leitura e, dessa forma, são discutidas as diversas tipologias de quarteirão encontradas ao longo da história. A segunda parte trata da quadra contemporânea e as vertentes encontradas na literatura como “caminhos” ou “soluções” para as questões geradas pelas diferentes tipologias de quadra. Em especial, a quadra aberta de Christian de Portzamparc e a cidade colagem de Colin Rowe e Fred Koetter. A terceira parte referese aos projetos tidos como referência no processo de pesquisa e desenvolvimento do projeto. Tanto os modelos de quadra aberta quanto as escolas de gastronomia. A quarta parte, em suma, é a junção do resultado obtido nessa pesquisa com o ato projetual. Com a intenção de proporcionar à região próxima ao Largo da Batata um espaço público de qualidade, a proposta projetual abraça o Mercado de Pinheiros e se assenta num miolo de quadra, gerando permeabilidade no quarteirão.


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MORFOLOGIA URBANA


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1.1 O conceito de morfologia urbana e os elementos morfológicos A cidade como a conhecemos pode ser compreendida como um conjunto de elementos morfológicos que articulados entre si, produzem o espaço urbano. Antes de tratar especificamente de cada um desses elementos que compõem a cidade, é importante esclarecer alguns conceitos relacionados à morfologia urbana. Segundo Staël (2015) o conceito “morfologia” foi durante muito tempo relacionado estritamente ao estudo das formas biológicas, e, só posteriormente, associado aos estudos urbanos. Lamas em “Morfologia urbana e desenho da cidade” (2011) afirma que o termo em sua essência é utilizado para “designar o estudo da configuração e da estrutura exterior de um objeto”. É, portanto, a ciência que estuda as formas, relacionando-as com os fenômenos que lhes deram origem. Desta forma, para Lamas (2011) a expressão “morfologia urbana” compreende o “estudo da forma do meio urbano nas suas partes físicas exteriores, ou elementos morfológicos, e na sua produção e transformação no tempo”. Ao tratar as “partes físicas exteriores” do meio urbano, o autor refere-se à questão da forma urbana. O conceito de “forma” de um objeto é diretamente ligado

à sua aparência ou configuração exterior, ou seja, conhecemos os objetos principalmente por suas formas. Tal conhecimento se dá por um determinado instrumento de leitura – visual – mas, é importante esclarecer que para o conhecimento completo de um objeto, são necessários também outros tipos de instrumentos de leitura, pois não se pode ter todo o conteúdo da forma utilizando somente o campo da visão. No caso, para a morfologia urbana interessam os instrumentos de leitura da arquitetura e do urbanismo. “Então, a noção de “forma urbana” corresponderia ao meio urbano como arquitetura, ou seja, um conjunto de objetos arquitetônicos ligados entre si por relações espaciais” (Lamas, 2011). A forma da cidade corresponde à maneira como se organiza e se articula a sua arquitetura. Entendo por ‘arquitetura da cidade’ dois aspectos: ‘Uma manufatura ou obra de engenharia e de arquitetura maior ou menor, mais ou menos complexa, que cresce no tempo, e igualmente aos fatos urbanos caracterizados por uma arquitetura própria e por uma forma própria’. Este é também o ponto de vista mais correto para afrontar o problema da forma urbana, porque é através da arquitetura da cidade que melhor se pode definir e caracterizar o espaço urbano (ROSSI, 1967, p. 59).

A partir desses conceitos, Lamas (2011) afirma que a forma urbana pode ser definida como o modo como se organizam os elementos morfológicos que constituem e definem o espaço urbano, relativamente à materialização dos aspectos de organização funcional e quantitativa e dos aspectos qualitativos e figurativos (LAMAS, 2011, p.44).

Sobre os aspectos de organização funcional, citados anteriormente, pode-se dizer que são relacionados às atividades humanas, como habitar, instruirse, tratar-se, comerciar, etc. E também, têm relação com o uso de uma determinada área: o tipo de uso que é destinado e o uso que se faz dela. Já os aspectos quantitativos, são questões da realidade urbana que podem ser quantificáveis, como densidades, superfícies, fluxos, coeficientes e dimensões. Esses índices são utilizados para controlar os aspectos físicos da cidade. Os qualitativos, referemse ao tratamento dos espaços como o conforto e a comodidade do utilizador. Nos edifícios, podem se referir às questões de conforto térmico, acústico, insolação, etc. Já no meio urbano, pode ser o estado dos pavimentos, a adaptação ao clima, acessibilidade e etc.

Por último, os aspectos figurativos relacionam-se essencialmente com a comunicação estética dos elementos do espaço urbano e suas composições espaciais. Staël (2015) em “Fundamentos de morfologia urbana” afirma que Moudon (1997), seguindo a mesma linha de raciocínio de Lamas (2011), destaca que a forma urbana pode ser lida e analisada através de sua forma física que se estrutura em três princípios: 1) “A forma urbana é definida pelos elementos físicos fundamentais: as edificações e os espaços livres a elas relacionados, ou seja, as áreas livres privativas e públicas, os lotes, os quarteirões e as vias”. 2) “A forma urbana pode ser compreendida a partir dos diferentes tipos de resolução, que, de modo geral, correspondem às escalas que institucionalizam a relação construtirva entre o edifício e o lote, as vias e as quadras, a cidade e a região”. 3) “A forma urbana só pode ser compreendida a partir da história, porque os elementos que a compõem têm origem social e estão sempre em transformação e substituição formal”.


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Nos vários contextos forma urbana identificados,

de

os elementos morfológicos são semelhantes: rua e praça, edifícios, fachadas e planos marginais, monumentos isolados. As diferenças resultam do modo como esses elementos se posicionam, se organizam e se articulam entre si para constituir o espaço urbano. (LAMAS, 2011, p.48).

Ainda, todas as distintas formas urbanas são passíveis de análise em diferentes níveis, diferenciados pelas unidades de leitura e de concepção e Lamas (2011) as distingue da seguinte maneira: a escala da rua, a escala do bairro e a escala da cidade. A escala da rua, segundo Lamas (2011) abrange alguns elementos morfológicos como fachadas, mobiliário urbano, pavimentos, cores, texturas, letreiros, árvores e outros elementos da dimensão do olhar do pedestre. Também podem ser observadas as relações que os edifícios estabelecem com o espaço. Já a escala do bairro, abrange as estruturas de ruas, praças, lotes e etc. A última, escala da cidade, nos permite observar a articulação de diferentes formas à dimensão urbana, diferentes bairros ligados entre si. Como um “macrossistema de arruamentos e os bairros, as zonas habitacionais,

centrais ou produtivas, que se articulam entre si e com o suporte geográfico”. A partir dessa definição de escalas de observação, Lamas (2011) define e caracteriza os elementos morfológicos do espaço urbano por: lotes, edifícios, logradouro, fachadas, traçado da rua, solo, praça, monumento, árvore e a vegetação, mobiliário urbano e quarteirão.

Figura 02 Escala da Rua Amsterdã Fonte: https://viajando. expedia.com.br/ dicas-de-programas -imperdiveis/

Figura 03 Escala do Bairro Amsterdã Fonte: Google Earth

Figura 04 Escala da Cidade Amsterdã Fonte: http:/theprotocity. com/space-placerole-disruptivefood-projects/


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Iniciando a descrição dos elementos morfológicos, Lamas (2011) afirma que o edifício não pode ser separado do lote ou superfície do solo que ocupa. Sobre a forma do lote, acredita ser condicionante da forma do edifício e, consequentemente, da forma da cidade.

Figura 05 LOTE

Figura 06 EDIFÍCIO

Figuras 05, 06, 07 e 08 Pictogramas Fonte: Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo, 2014

Figura 08 FACHADAS

Figura 07 LOTE + EDIFÍCIO

A forma urbana não poderá ser desligada do seu suporte geográfico - e este é um elemento tão importante como os fatos construídos. O sítio contém já em muitos casos a génese e o potencial gerador das formas construídas, pelo apontar de um traçado, pela expressão de um lugar (LAMAS, 2011, p.63).

Os edifícios, são os protagonistas da escala da rua, ou, o que Lamas (2011) chama de elemento mínimo da escala da rua. Através deles, são formados os espaços residuais, distribuídos entre ruas, praças, becos e etc. São os “cheios” dos “cheios e vazios” que formam o espaço urbano. Lamas (2011) define o logradouro como espaço privado do lote não ocupado por construção, ou seja, um resíduo resultante das geometrias das edificações que podem ter usos variados como horta, quintal ou até garagem e oficina. Contudo, o logradouro também designa os espaços públicos da cidade em geral, como praças, jardins, ruas, avenidas, parques, largos, viadutos, vielas e becos. Todos

estes espaços são destinados ao uso comum dos cidadãos. Na cidade tradicional, a relação do edifício com o espaço urbano vai se realizar através da fachada. Nesse caso, normalmente situado entre duas empenas cegas, cada edifício conta apenas com fachada para a comunicação com o espaço urbano. São elas que vão exprimir as características distribuitivas (programas, funções, organização), o tipo edificado, a liguagem arquitetônica (o estilo, a expressão estética, a época) e etc. Dessa forma, a fachada se resume ao conjunto de elementos que irão moldar a imagem da cidade. Lamas (2011) caracteriza a rua como elemento mais identificável. Assenta-se “num suporte geográfico preexistente, regula a disposição dos edifícios e quarteirões, liga os vários espaços e partes da cidade”. Para Poète (1967), Lavedan (1959) e Tricart (1962), o traçado tem um caráter de permanência, não totalmente modificável, que lhe permite resistir às transformações urbanas.


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Partindo da caracterização do traçado da rua, Lamas (2011) também cita a importância do solo para a composição da cidade: É a partir do território existente e da sua topografia que se desenha ou constrói a cidade, e começaria no ‘chão que se pisa’ a identificar os elementos morfológicos do espaço urbano. É a topografia e modelação do terreno, mas são também os revestimentos e pavimentos, os degraus e passeios empedrados […]. (LAMAS, 2011, p.80).

Concebida como lugar intencional do encontro, a praça também é o lugar da permanência, dos acontecimentos, de práticas sociais, de manifestações de vida urbana e convivência comunitária. Lamas (2011) acredita que outros espaços como os largos, não podem ser assimilados ao conceito de praça, pois, são de certo modo acidentais: “vazios ou alargamentos da estrutura urbana e que, com o tempo, foram apropriados e usados”. Mas nunca poderiam adquirir significado similar ao da praça porque não nasceram como tal. Os monumentos são fatos urbanos singulares que melhor persistem no tecido urbano e resistem à transformações. Sua presença é determinante na imagem da cidade, bem como a presença de árvores e vegetação. Estas, são elementos da composição e do

desenho urbano que podem servir para organizar, definir e conter espaços. Sobre os mobiliários urbanos, Lamas (2011) os identifica como elementos exclusivos à escala da rua e podem ser exemplificados por: bancos, chafarizes, lixeiras, tipos de sinalização, quiosques, pontos de onibus e etc. Estes, são essenciais ao apoio da experiência do pedestre na cidade.

Figura 10 PRAÇA

Figura 09 MONUMENTO

Figuras 09, 10, 11, 12 e 13 Pictogramas Fonte: Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo, 2014

Figuras 11, 12 e 13 MOBILIÁRIO URBANO


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Por último, o quarteirão: é um contínuo de edifícios agrupados entre si em anel, ou sistema fechado e separado dos demais, é o espaço delimitado pelo cruzamento de três ou mais vias e subdivisível em parcelas de cadastro (lotes) para a construção de edifícios (LAMAS, 2011, p.88).

O sistema do quarteirão é muito antigo e desde sempre adquiriu elevada importância na formação das cidades. Em algumas situações o quarteirão é reconhecido quase como uma massa única, um edifício só. Em outras, edifícios que podem variar em altura, profundidade e programa, inseridos cada um em seu lote, se aglomeram lado a lado e formam um quarteirão.

Considerado por Lamas (2011) o elemento mínimo à escala do bairro, o quarteirão agrega e organiza também outros elementos da estrutura urbana: o lote e o edifício, o traçado e a rua, e as relações que estabelecem com os espaços públicos, semipúblicos e privados (LAMAS, 2011, p.88).

Pode-se afirmar então que o quarteirão é um elemento de significativa importância para a cidade, pois ao mesmo tempo

que agrega alguns elementos morfológicos como os lotes e os edifícios, organiza outros como o traçado e a rua e principalmente, as relações entre os espaços públicos, semipúblicos e privados. Portanto, a cidade é uma junção de diversos elementos morfológicos, conformados de modo que contribuem para uma identidade única de cada cidade, gerada pelo modo como eles se organizam no espaço. Todos os elementos, nas suas diferentes escalas, são significativos para a formação de uma cidade viva.

Figura 14 PARCELAMENTO DE QUADRAS

Figura 15 QUADRAS

Figuras 14 e 15 Pictogramas Fonte: Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo, 2014


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Figura 16 Parcelamento de QuarteirĂľes em diversas cidades Fonte: https:// urbanisation-infostudent-to-studentparis.weebly.com/ paris.html


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1.2 Tipologias de quadra

Diante dos elementos morfológicos distinguidos e caracterizados por Lamas (2011) no tópico anterior, foi considerado como escala de leitura morfológica desta pesquisa o quarteirão. Esta escolha se deu por esse elemento ser tão significativo para a formação da cidade, e por ter passado por tantas mudanças ao longo do tempo, conformando diversos tipos de espaço urbano e consequentemente, diferentes relações entre o ser humano e a cidade. Embora tenha caráter privado, é o quarteirão que faz a intermediação entre o edifício e a cidade. Flávia Botechia (2015) em sua pesquisa “Abordagens sobre a forma urbana e as transformações do quarteirão” faz uma reflexão sobre essa questão trazendo a discussão proposta por Ascher (2010) em relação ao modelo de partilha bilateral “público e privado”, que foi estruturador do tecido urbano na maioria das cidades ocidentais. Esse modelo, contudo, sofreu diversas alterações ao longo do tempo, com muitas outras combinações possíveis que promovem conexão entre o público e o privado. Então, Botechia (2015) questiona como podemos elaborar o desenho urbano das conexões entre espaços públicos e privados, “com todas suas complexidades e gradações na cidade contemporânea?”

Ascher (2010) em “Novos Princípios do Urbanismo”, pergunta-se sobre o que se passa hoje em dia com as noções de limites entre público/privado, cidade/campo, interior/ exterior, que foram por tanto tempo bem definidos e segregados, praticamente antônimos. E, mais do que isso, questiona como conceber espaços já que os limites entre esses conceitos estão cada vez mais “embaçados”. Pode-se afirmar que o urbanismo modernista de certa forma contribuiu para o rompimento desses limites já desgastados, conforme dito por Ascher (2010), pois, de acordo com os princípios da arquitetura moderna, os edifícios deixaram de ocupar o perímetro das quadras e foram implantados “soltos” no lote sobre pilotis, o que deixava o térreo livre. Sendo assim, o limite da relação público/ privada foi colocado em questão, já que agora não era mais o quarteirão que o delimitava, mas sim o edifício e seu uso. Com os edifífios posicionados em grandes terrenos abertos e livres, ficou atribuída à esfera pública toda a parte externa, sobrando à esfera privada somente a parte interna das superestruturas (que ainda assim, tinham algumas partes abertas ao público).

A questão da relação dos espaços públicos e privados é algo que até os dias de hoje não apresenta limite claro. As esferas que antes eram bem delimitadas, passaram por esse processo (citado anteriormente) de rompimento drástico protagnizado na maioria das vezes por elementos do urbanismo modernista.


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Numa tentativa de fazer uma breve retrospectiva histórica sobre a evolução das tipologias de quadra ao longo do tempo, Botechia (2015) apresenta uma visão geral das quadras gregas, romanas e medievais para depois apresentar as idéias de três aquitetos: Le Corbusier, Christian de Portzamparc e Mário Figueroa. De início, Botechia (2015) afirma que por volta de V a.C. a constituição do quarteirão grego estava diretamente ligada à quadrícula geométrica, onde cada vazio desta trama correspondia a um quarteirão de uso residencial, já que os edifícios públicos se posicionavam independentes da malha. Tanto na Grécia quanto em Roma, o quarteirão era subdividido em lotes e os edifícios encontravamse faceados à calçada por suas fachadas ou muros, não propiciando espaços residuais na frente do lote, por exemplo. Porém, Botechia (2015) afirma que Poète e Panerai, sugerem que foi no Egito que “surge a forma de traçar a cidade regularmente com o objetivo de irrigar a terra e taxar seu uso”. Já nas cidades medievais, os edifícios tendem a ficar localizados também na periferia dos quarteirões, mas deixando a parte interna livre de construção, destinando seu uso

à jardins privados ou hortas. Botechia (2015) afirma que: Por não ter somente intenção de divisão de solo, a partir do medieval o quarteirão passa a ser um elemento morfológico do espaço urban, com alto grau de permanência e complexidade nos tecidos urbanos europeus (BOTECHIA, 2015, p.8).

Durante o Renascimento e o Barroco, entre os séculos XV e XVIII, ao contrário do cenário do período anterior, a cidade é idealizada, conquistando uma forma extremamente geométrica, regular e de organização radiocêntrica. Mais precisamente no período do Barroco, as formas de agir no território se diversificam, ora agindo nas áreas centrais consolidadas, ora na expansão dos novos núcleos de moradia. Essas intervenções se realizavam mais na escala da cidade, com grandes traçados e, o quarteirão é obrigado a assumir uma variedade de formas e usos: diferentes dimensões e volumes, podendo ser ocupado por um único edifício, ter edifícios no perímetro e ao centro uma praça ou ser o próprio edifício. Com a Revolução Industrial no início do século XIX e consequentemente uma enorme expansão territorial das

cidades, a malha e o quarteirão passaram a ser replicados sem preocupações estéticas ou até mesmo urbanísticas. Um exemplo a ser citado é a ação do Barão de Haussmann em Paris. A cidade caracterizada pelos seus boulevards, as praças-rotatórias e os quarteirões “bloco”, que são

Figura 17 Vista aérea de Paris Fonte: http://www.annechristinelang.fr/unnouveau-statut-pour-paris/

resultantes do traçado das vias, teve uma mudança significativa com a intenção de Haussmann de propor o fim do que Lamas (2011) chamava de “quarteirão como unidade impenetrável”, ao projetar os quarteirões com usos diversos e “cortá-los” pelas galerias comerciais.


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Figura 18 Mapa de Paris 1853 Fonte: https://www.reddit.com/r/MapPorn/ comments/2wshk6/map_of_prehaussmann_ paris_1853_4261x2975/

Sobre o plano de Haussmann para Paris, é importante ressaltar principal objetivo da proposta, que era liberar o tecido urbano para facilitar manobras militares. Um dos principais pontos considerados foi a melhoria da circulação e o acesso rápido à toda a cidade – gerando uma imagem de modernidade. Essa mudança envolveu também a questão da insalubridade, presente ainda em alguns bairros mais pobres. Eliminados os bairros considerados degradados, as ruas foram arborizadas e iluminadas e foi implantado sistema de esgoto.

Figura 19 Esquema plano Haussmann Fonte: https://spargelandfraise.wordpress. com/2011/05/28/maps/

A antiga cidade medieval, com traçado orgânico e ruas estreitas (rua-corredor), é cortada por grandes eixos e contornada por um anel viário.

Legenda Figura 19 Linhas mais grossas: novas vias Hachura quadriculada: novos bairros Tracejado horizontal: grandes parques periféricos: o Bois de Bulogne (à esquerda) e o Bois de Vincennes (à direita).

O quarteirão é caracterizado por ser estritamente residual, configurado a partir do que “sobra” depois da implantação do traçado viário, e os lotes consequentemente adquirem formatos irregulares, sempre perpeniculares às vias. Os edifícios, passam a ter leis de padronização de fachadas e a cidade passa a ter unicidade arquitetônica. Como já dito anteriormente, Hausmann propõe que os edifícios sejam cortados por galerias comerciais, adquirindo um caráter multifuncional.


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Figueroa (2006) em “Habitaçao coletiva e a evolução da quadra” identifica e elabora uma comparação entre oito tipologias de desenho de quadra, problematizando seu objeto de pesquisa que é a habitação coletiva. Para o autor, a primeira tipologia identificável é a da cidade tradicional, entendida como um organismo urbano gerado através de um longo processo histórico. A quadra da cidade tradicional se caracteriza por ser claramente delimitada e homogênea. Uma massa compacta que apresenta uma relação desproporcional entre uma grande quantidade de espaço construído em contraposição a escassos e fragmentados espaços livres habitualmente destinados apenas para a ventilação das habitações. A arquitetura, restrita a fachada, se expressa neste momento apenas de forma bidimensional. (FIGUEROA, 2006).

Figueroa (2006) afirma que as transformações de Haussmann em Paris, já citadas anteriormente, podem exemplificar este tipo de quadra residual, resultante do traçado viário.

Figura 20 Croqui da quadra tradicional por Mário Figueroa (2006) Fonte: http://www. vitruvius.com. br/arquitextos/ arq000/esp357.asp

Figura 21 Foto Fachadas de Paris Página ao lado Fonte: http://www. nyhabitat.com/ blog/2014/12/08/4 -things-did-notknow-about-parisstairs/


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Outro exemplo é o plano de Ildefonso Cerdá (1959-64) para Barcelona, que teve como objetivo a expansão da cidade existente. Os quarteirões foram idealizados com variantes podendo ser totalmente construídos, abertos ou preenchidos por áreas verdes, em dependendo do ‘fluxo de pessoas e de ar pela cidade’ pretendidos” (BOTECHIA, 2015, p.9).

Cerdá apresenta duas tipologias de ocupação do quarteirão: periférica em dois lados paralelos, com corredor verde central; ou a disposição em cantos, ou “L”. Figueroa (2006) afirma que o plano de Cerdá era composto por uma grelha ortogonal com quadras de 113 x 113 m e vias de 20 m de largura, permitindo que cada conjunto de nove quadras e vias correspondentes se inscrevessem dentro de um quadrado de 400 m de lado. A ocupação da quadra proposta por Cerdá era perimetral, mas em apenas 2 ou 3 lados. Sendo assim, a área edificada não passaria de 2/3 da área do quarteirão e os espaços resultantes se abririam para a cidade, oferencendo espaços públicos e áreas arborizadas. Enxerga-se uma intenção de mudança na relação edifíciorua proposta pelo quarteirão

da cidade tradicional, já que o perímetro da quadra deixa de ser o limite do espaço público. Entretanto, devido à certas crises ocorridas na Espanha e a falta de verba, do desejo original de Cerdá permaneceu apenas o traçado viário, as quadras foram maciçamente ocupadas no perímetro junto ao alinhamento da calçada retomando um caráter que a reaproximou da quadra tradicional (FIGUEROA, 2006).

Figura 22 Croqui das variedades de implantação das tipologias de Cerdá Fonte: http:// p l a n o c e r d a . blogspot.com. br/2007/05/op l a n o - c e r d nova-barcelonaproposta_29.html

Figura 23 Croqui da quadra do plano Cerdá por Mário Figueroa (2006) Fonte: http://www. vitruvius.com. br/arquitextos/ arq000/esp357.asp


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46 Figura 24 Página anterior Vista aérea Barcelona Fonte: http://www.amusingplanet. com/2013/07/the-peculiararchitecture-and-design-of.html

O terceiro tipo de quadra tratado por Figueroa (2006) é a quadra com ocupação perimetral. O autor, afirma que duas cidades desenvolveram experiências significativas dessa tipologia: Amsterdã e Viena. No caso do plano de expansão de H.P. Berlage para a cidade de Amsterdã (1915), por exemplo, as quadras ainda são resultantes do sistema viário, mas contribuem como instrumento de ordenação dos edifícios perante uma nova hierarquia de vias e espaços urbanos através de consrução diferenciada das esquinas e a evolução do miolo de quadra (Figueroa 2006).

Esses espaços internos eram a princípio destinados aos jardins internos das unidades residenciais térreas, mas, com a redução desses jardins privados e a inserção de ruas e pátios internos destinados ao uso semi-público, foi observada uma significativa transformação da permeabilidade da quadra e da relação público/privado antes delimitada pelo quarteirão “bloco”.

Figura 25 Croqui da quadra com ocupação perimetral por Mário Figueroa (2006) Página ao lado Fonte: http://www. vitruvius.com. br/arquitextos/ arq000/esp357.asp

Figura 26 Imagem aérea Amsterdã Fonte: Google Earth


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Outra tipologia tratada por Figueroa (2006) é chamada de “Quadra com edifícios laminares paralelos”, e surge da preocupação de Gropius no III CIAM (Bruxelas, 1930) sobre a questão da habitação. até agora a unidade de habitação era conseqüência da forma do edifício, que era resultante da forma do lote, que era resultante da sua localização na quadra. Agora para o urbanismo moderno a célula de habitação é o elemento base da formação da cidade (FIGUEROA, 2006).

Dessa maneira, os arquitetos e urbanista passaram da discussão de tipologia da unidade de habitação para a questão das regras de implantação e afastamento dos edifícios, gabarito e densisade populacional, bem como o conforto, a iluminação, a ventilação e a salubridade. A escolha pela forma laminar simboliza a ausência de hierarquia entre as partes, além de facilitar o crescimento ilimitado mantendo a equivalência de condições para os distintos elementos.

Figura 27 Croqui da quadra com edifícios paralelos por Mário Figueroa (2006) Fonte: http://www. vitruvius.com.br/ arquitextos/arq000/ esp357.asp

Figura 28 Foto aérea bairro Los Perales de Buenos Aires (1949) Fonte: https:// commons.wikimedia. org/wiki/File:Los_ Perales_1949.JPG


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50 Figura 30 Implantação Unité D’Habitation Fonte: http://www. greatbuildings. com/cgi-bin/ gbc-drawing.cgi/ Unite_d_Habitation. html/Un_d-Habit_ Site_Plan.jpg

Seguindo o raciocínio de Figueroa (2006) a próxima tipologia é o “edifício-cidade”, que se comporta como síntese do pensamento arquitetônicourbanístico de Le Corbusier. Em suma, representa uma crítica à “rue corridor”, ao parcelamento fundiário e as condições insalubres das habitações urbanas. A Unité d’Habitation em Marselha é um exemplo dessa tipologia, representando um elemento catalisador das novas cidades.

Figura 31 Vista aérea Unité D’Habitation Fonte: https:// www.archdaily. c o m / 2 2 4 5 2 5 / b r u t a l i s m architecture-ofeveryday-culturepoetry-and-theorysymposium/01_ corbusier_unite01

Oferece a conquista do espaço público contínuo a partir da implantação do edifício sobre “pilotis”, a possibilidade da implantação do edifício não está mais vinculada ao sistema viário, mas sim a melhor orientação solar, a incorporação em pavimentos elevados de funções urbanas tradicionalmente vinculadas à cota do chão – desde o comércio aos equipamentos coletivos. (FIGUEROA, 2006). Figura 29 Croqui da quadra “edifício - cidade” por Mário Figueroa (2006) Fonte: http://www. vitruvius.com.br/ arquitextos/arq000/ esp357.asp


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Figura 33 Implantação Barbican Complex

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Fonte: https:// w w w . d e z e e n . com/2014/09/13/ b r u t a l i s t buildings-barbicanestate-chamberlinpowell-bon/

A próxima tipologia tratada por Figueroa (2006) refere-se às Mega-estruturas. Feita uma ampla revisão dos princípios da cultura moderna, houve uma eclosão de diversas tendências arquitetônicas nos países mais desenvolvidos. Através de uma descomunal exaltação estrutural e tecnológica que se sobrepunha ao ambiente urbano existente as mega-estruturas geravam uma topografia artificial que comportariam as mais distintas atividades necessárias para uma metrópole. Esta paisagem artificial deveria ser de múltiplos níveis gerando um sólido tridimensional. Esta nova escala dimensional acreditava-se poder recuperar uma maior liberdade e oferecer utopias alternativas ao caos urbano. Como exemplo construído podemos citar o Barbican Complex (1964-82) em Londres projetado por Chamberlin, Powell e Bom (FIGUEROA, 2006).

Figura 34 Vista aérea Barbican Complex Fonte: Google Earth

Figura 32 Croqui das quadras “megaestruturas” por Mário Figueroa (2006) Fonte: http://www. vitruvius.com.br/ arquitextos/arq000/ esp357.asp


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Figura 35 Barbican Complex Fonte:https://www.dezeen.com/2014/09/13/ brutalist-buildings-barbican-estatechamberlin-powell-bon/

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Figura 38 Foto aérea bairro Bijlmermeer, Amsterdã 1975 Fonte: http:// urbanismouz. blogspot.com. br/2013/12/ aprendiendo-deamsterdam-delplan-zuid.html

Figuras 36 e 37 Mapas Bijlmermeer Antes e Depois Página ao lado Fonte: http:// urbanismouz. blogspot.com. br/2013/12/ aprendiendo-deamsterdam-delplan-zuid.html

Podemos considerar como outro exemplo dessa tipologia o bairro Bijmermeer em Amsterdã. Com uma geometria marcante de formas hexagonais conectadas, o projeto contava com 31 blocos, de 200 a 300 metros de comprimento cada, “carimbados” em um amplo terreno. Inaugurado em 1968, o conjunto é considerado um caso extremamente particular, por não ter sido bem aceito pela população. Com uma proposta bem radical, de praticamente criar uma estrutura autossuficiente na periferia de Amsterdã, o bairro começou a ser degradadado e posteriormente, foi parcialmente demolido. Hoje, existem algumas propostas de requalificação da área.


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Figura 39 Bijlmermeer Fonte: https:// w w w . d e z e e n . com/2017/03/11/ colossal-amsterdamhousing-estateu p - t o - d a t e customisablea p a r t m e n t s architecture/


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Por último, chegamos à chamada “quadra aberta”. Tipologicamente a quadra aberta não é uma novidade, sua particularidade está no novo posicionamento perante à cidade. Como premissa, há a inteção de revisar o espaço construído e o espaço livre herdados e complementar esse espaço.

A “quadra pós-moderna contextualista” é o penúltimo dos casos analisados por Figueroa (2006) e promove uma recuperação e ocupação do perímetro das quadras, remetendo às quadras da cidade tradicional. Recuperando-se assim, a esquina como ponto valorizado e trazendo de volta seu caráter de referência urbana. Ainda assim, pequenos fracionamentos do perímetro tendem a recuperas a possibilidade de acesso ao centro da quadra, promovendo sua permeabilidade. Este, volta a assumr o papel de espaço coletivo, por vezes recebendo equipamentos e generosas áreas verdes.

Sendo assim, a quadra aberta é por essência um elemento híbrido conciliador, pois permite a diversidade, a pluralidade da arquitetura contemporânea. Ela recupera o valor da rua e da esquina da cidade tradicional, assim como entende as qualidades da autonomia dos edifícios modernos. A relação entre os distintos edifícios e a rua se dá por alinhamentos parciais, o que possibilita aberturas visuais e o acesso mais generoso do sol. Os espaços internos gerados pelas relações entre as distintas tipologias podem variar do restritamente privado ao generosamente público, sem desconsiderar as nuances entre o semipúblico e o semiprivado (FIGUEROA, 2006). Figura 40 Croqui da “quadra pós-contextualista” por Mário Figueroa (2006) Fonte: http://www. vitruvius.com.br/ arquitextos/arq000/ esp357.asp

Figura 41 Croqui da “quadra - aberta” por Mário Figueroa (2006) Fonte: http://www. vitruvius.com.br/ arquitextos/arq000/ esp357.asp


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Esta última tipologia, foi amplamente tratada por Christian de Portzamparc (1997) e é discutida até os dias atuais. A quadra aberta é permeável, é pública e é privada, é tradicional e ao mesmo tempo moderna. Ela une os preceitos e as qualidades dos dois tipos de cidade mais distintos (que serão tratados posteriormente), e gera uma relação harmônica no espaço, principalmente na questão da tentativa de recuperação da ecala do pedestre.

Figura 42 Implantação Les Hautes Formes - Paris Christian de Portzamparc Fonte:http://vitruvius. com.br/revistas/read/ projetos/11.124/3819


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QUADRA CONTEMPORÂNEA


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2.1 A quadra aberta de Christian de Portzamparc - definição e exemplos na cidade de São Paulo A cidade resultante do urbanismo modernista trouxe consigo diversas consequências à vitalidade urbana. Jane Jacobs em “Morte e vida de grandes cidades”(2014) afirma que o desenho urbano modernista é o grande responsável pela monotonia dos espaços livres, que se tornaram padronizados, vazios e sem vida. Dentro da composição da cidade o edifício em si desempenha um papel importante perante o sistema urbano ao seu redor e principalmente em relação às pessoas que o vivenciam. A qualidade de vida em uma cidade pode ser entendida mediante sua imagem percebida nos espaços comerciais, praças, parques, espaços de sociabilidade, de encontro entre o público e o privado. O que se verifica na cidade contemporânea é o avanço da produção de espaços privados em detrimento aos espaços públicos, locais de convivência em sociedade. Faz-se necessário assim criar situações e ambiências que propiciem a requalificação dos espaços entre os edifícios, preocupando-se com os pedestres e proporcionando oportunidades de se circular e permanecer. Arantes (2000) afirma que a cidade moderna é a mediação sem trégua entre o público e o privado, pois

quanto mais se procura refúgio no intérieur protegido e espontâneo da esfera privada, mais palpável a sensação contrária de que tal núcleo irredutível está inteiramente voltado para o exterior”. (ARANTES, 2000b, p. 113).

Pode-se afirmar então que a sociedade atual se encontra em um embate emocional em relação ao público e o privado: pedestre versus automóvel, via de rolamento versus passeio público, espaços públicos versus espaços privados, parques, praças e ruas versus condomínios fechados. Observando o desenho desse espaço da impessoalidade, Landim (2004) considera como função básica dos espaços livres a circulação na cidade. Para a autora, os espaços livres são elementos de aglutinação entre os diversos tipos de espaços edificados, permitindo assim a compreensão e o uso da forma urbana. Os espaços cheios são percebidos a partir dos espaços vazios, numa relação dialética na qual um constrói o outro. A cidade flui por seus espaços vazios.

Bartalini (1995) afirma que “talvez devêssemos nos lembrar que uma rua, por mais bela que seja, não manifesta sua existência apenas pelas virtudes de sua arquitetura”. Precisa ser habitada, percorrida, apreendida. Diante da necessidade da humanização das cidades contemporâneas, diversos são os fatores identificados como dinamizadores do espaço público, como a quadra aberta, o uso multifuncional dos edifícios (em especial o pavimento térreo) e principalmente a permeabilidade do espaço público e a revisão da questão espaço público versus espaço privado.

Figura 43 Foto Av. Paulista Aberta - MASP Fonte:http:// codylee.co/2017/08/ museu-de-arte-desao-paulo/


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A quadra aberta, citada anteriormente, é defendida por Christian de Portzamparc (1997) em “A terceira era da cidade”. O arquiteto francês assume que estamos em um momento de reflexão: após alguns anos de desenvolvimento descontrolado do urbanismo modernista, nos quais as cidades evoluíram mais do que em séculos, nos encontramos prontos para refletir e tentar entender como se encontra o tempo atual para imaginar o futuro. Para isso, Portzamparc primeiramente apresenta e distingue a primeira e a segunda eras das cidades, para depois tratar da terceira (que dá título à seu ensaio). Da primeira para a segunda era ocorreu um salto muito marcante e por isso é tão fácil distinguílas. A primeira, dentro de suas diversas formas, apresenta ao longo do tempo uma certa constância. Ela foi organizada a todo tempo por um mesmo esquema, único e simples: a rua. O homem sempre traçou seus caminhos entre duas massas construídas, como se ele abrisse seu caminho numa “floresta”, recortando clareiras para formar os lugares da vida urbana: as praças. Como exemplo, a maioria das cidades européias como Paris e Barcelona apresentam essa característica.

Figura 44 Praça da República Florença 2017 Página ao lado Fonte: Google Earth

Figura 45 Mapa Florença 1835 Página ao lado Fonte: https://www. vintageimagery.co/ listing/239091281/ old-map-of-florenceitaly-1835-florence


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Figura 47 Croqui Complexo Habitacional Pedregulho - RJ Fonte: http://arquit eturaurbanismotodos. org.br/conjuntohabitacional-dopedregulho/

Figura 46 Página anterior Rua - Corredor Florença 2016 Fonte: https://expatexplore.com/ blog/15-questions-with-tizianalocal-tour-guide-in-florenceitaly/

Na segunda era, esta tipologia foi invertida, “colocada do avesso”, como um negativo da planta da cidade da primeira era: esta, não era mais entendida conforme eram formados os vazios dos espaços públicos em meio às densas quadras construídas, mas sim à partir de objetos cheios implantados sucessivamente nas quadras vazias. Ou seja, literalmente uma inversão de cheios e vazios. Instalou-se então um novo paradigma do objeto arquitetônico e do movimento moderno onde as edificações não são mais coladas e contínuas, mas sim autônomas, frequentemente descoladas do solo e indiferentes ao seu entorno. Esta mudança não ocorreu de forma racional referente à questão da tipologia das quadras, mas sim a partir de uma rejeição da rua. Da idéia de cidade segundo o esquema da rua que conduzia à praça, a cidade passa a ser pensada segundo os objetos.

Enquanto a segunda era surgiu através de preceitos (modernistas) e de uma crise por necessidade de expansão, a terceira era surge em uma outra crise: a dos indivíduos. Ela surge então como uma grande necessidade de regressão, após o “fracasso” da segunda era, levando em um primeiro momento à um retorno ao passado. Porém, não se pode admitir que a segunda era não existiu e voltar a produção arquitetônica ao que temos por referência da primeira era, pois ambas foram essenciais para a formação das cidades e o que elas são hoje. Amorim (2009) analisa que Portzamparc (1997) defende a vivência nos espaços construídos, em face de territórios duais, contraditórios formados pelas duas eras precedentes, pois toda nossa cultura e nossa bagagem teórica estão marcadas por esta dupla herança […] Reconhecer a cidade como acumulação, agregação, coexistência de épocas diferentes [...] O híbrido resultante é quase sempre o mais belo acabamento (PORTZAMPARC, 1997, p. 43).

Figura 48 Croqui Implantação Complexo Habitacional Pedregulho - RJ Fonte: http://arquitetura urbanismotodos.org.br/con junto-habitacional-dopedregulho/

Figura 49 Vista Aérea Complexo Habitacional Pedregulho - RJ Fonte: https://www.archdaily.

com.br/br/01-12832/classicos-daarquitetura-conjunto-residencialprefeito-mendes-de-moraespedregulho-affonso-eduardo-reidy/ nabil-bonduki_4-copia/


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74 Figura 50 Página ao lado Croquis de Christian de Portzamparc - 1a e 2a eras da cidade. Fonte: A terceira era da cidade. Óculum,

São Paulo, n.9, FAU PUC-Campinas, 1997;

A cidade desta terceira era é formada de arquipélagos de bairros que se costeiam, fragmentos de todas as escalas, alguns inteiros e quase homogêneos relativamente à época de sua formação e outros heterogêneos, onde se sobrepõem a primeira e a segunda era. A quadra sempre definiu a repartição do cheio e do vazio, a relação entre o edifício e a cidade. É preciso redefinir essas relações. E foi essa reflexão que levou Portzamparc ao sistema da quadra aberta, o qual sintetiza em uma única forma esta dupla herança. A quadra aberta permite reinventar a rua: legível e ao mesmo tempo realçada por aberturas visuais e pela luz do sol. Os objetos continuam autônomos e independentes, mas ligados entre eles por vazios e alinhamentos parciais. Formas individuais e coletivas coexistem. Uma arquitetura moderna pode desabrochar sem ser contida por um exercício de fachada imposto entre duas paredes contíguas. As fachadas externas deslocam-se com alternância, constituindo uma nova atmosfera. A terceira era da cidade pode então ser caracterizada como uma conciliação entre as qualidades da rua-corredor da cidade tradicional e dos edifícios autônomos da cidade moderna.

Numa tentativa de pensar caminhos para desenhos integradores dos diferentes espaços, Magalhães (2005) propõe em sua tese a noção de contiguidade, definida como “expressão do reconhecimento das preexistências ambientais e culturais da cidade, envolvendo a valorização dos espaços, das escalas e dos usos produzidos pela coletividade” (Botechia, 2015). A contiguidade leva à valorização das preexistências e articulação com o tecido, destacando a relação morfológica entre a cidade existente e a cidade que será construída, entre diferentes tecidos, entre público e privado (BOTECHIA, 2015, p.3).

Figura 51 Página ao lado Croqui de Christian de Portzamparc - Hautes Formes. Fonte: http://www.vitruvius.com.br/

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Figura 52 Página anterior Foto Hautes Formes Fonte: http://www.vitruvius.com.br/

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Sobre a proposta de Portzamparc (1997), Abílio Guerra (2011) entende que ao escrever sobre a terceira era da cidade, o autor não estava se propondo a inventar a quadra aberta, mas tinha uma preocupação em dar sentido histórico e consistência conceitual para um fenômeno urbano que aconteceu de forma crescente e natural em diversas cidades. Na cidade de São Paulo, por exemplo, existem algumas (mesmo que como exceções). Os projetos tratados por Guerra (2011) são de períodos diferentes - anos 1960, 1970, 1980 e 2000 - todavia, há alguns elementos que os aproximam principalmente quando se trata de permeabilidade do solo, o que possibilita a integração de edifícios privados com o espaço público que os envolve. O primeiro exemplo é o Centro Comercial do Bom Retiro (projeto de 1959 e inaugurado durante os anos 1960 de autoria de Lucjan Korngold). O arquiteto judeu polonês aproveita o miolo de quadra, que pode ser acessado por dois lotes em ruas distintas - José Paulino e Ribeiro de Lima - e projeta uma edificação contínua, com quatro pisos, que se encosta nos muros dos fundos dos lotes lindeiros, formando uma clareira, no centro da qual dispôs uma pequena torre de dez andares. A arquitetura é marcada

Figura 53 Página ao lado Implantação Centro Comercial Bom Retiro. Fonte: http://www.vitruvius.com.br/

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pela simplicidade geométrica do modernismo europeu. Ao contrário de Hautes Formes, onde Portzamparc solta a maioria de suas pequenas torres das construções lindeiras, Korngold (para aproveitar ao máximo o terreno, pois tratava-se de um empreendimento privado voltado para o mercado imobiliário) preferiu encostar a edificação aos seus limites. Amorim (2009) afirma que as cidades modernas, associadas à divisão social do trabalho e à acumulação capitalista, são geridas e consumidas como mercadorias. Instaura-se a contradição recorrente entre o valor de uso que o lugar representa para os seus habitantes e o valor de troca com que ele se apresenta para aqueles interessados em extrair dele um benefício econômico (ARANTES, 2000a, p. 26).

Figura 54 Foto Centro Comercial Bom Retiro. Fonte: http://www.vitruvius.com.br/

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Figura 55 Foto Aérea Cetenco Plaza Fonte:http://www.

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O segundo exemplo tratado por Guerra (2011) é a Cetenco Plaza, localizada na esquina da Avenida Paulista com a Alameda Ministro Rocha Azevedo. É projeto de Rubens Carneiro Vianna e Ricardo Sievers, construída nos anos 1970, quando a cidade de São Paulo vivenciou uma mudança importante no cenário econômico: a criação de uma nova centralidade com a migração de grandes empresas para a Av. Paulista. Os principais bancos do centro velho mudam-se para o divisor de águas entre o centro e os Jardins.

conjunto por uma terceira rua, a Frei Caneca.

O complexo construído pela Cetenco para locação para serviços, abrigou principalmente as atividades bancárias, confirmando o processo de mudança de centralidade. Os arquitetos projetam duas torres gêmeas, de planta quadrada e totalmente envidraçadas, com simplificação do volume graças à divisão: embasamento, corpo e coroamento ainda muito presente nos edifícios modernos.

De fato a quadra aberta não era um valor em meados dos anos 1980. Contudo, o uso mais restrito da Avenida Paulista causava de certo modo esse ar desértico apontado pelas críticas. Porém, o cenário muda com a inauguração da Linha Verde do Metrô em 1991, quando a Paulista adquire seu caráter público e acolhe multidões nos horários de pico e as áreas livres lindeiras passam a funcionar como escapes do tumultuado vai e vem de pessoas.

Optaram por posicionar uma das torres na esquina e deslocar a segunda torre do conjunto para o fundo do terreno, o que permitiu a criação de um espaço livre rico em diversidades, com praças e passagens, inclusive com um percurso por detrás do banco Sulamericano (atual banco Itaú) permitindo o acesso ao

O resultado final é uma grande permeabilidade disponível ao pedestre, que pode andar pelo interior dos terrenos privados sem maiores obstáculos. O projeto não provocou reações muito positivas na época. Ruth Verde Zein (1985) por exemplo, em texto onde faz uma avaliação das torres da Av. Paulista, ressalta a desolada praça “nova-iorquina” e os reflexos frios provocados pelos vidros esverdeados das torres.

Figura 56 Foto Vista Cetenco Plaza Fonte:http://www.

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Figura 57 Foto Praça Cetenco Plaza Fonte:http://www.

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Figura 58 Foto Aérea Brascan Century Plaza Fonte:http://www.

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Outro exemplo de “quadra aberta” na cidade de São Paulo é o Brascan Century Plaza, de autoria dos arquitetos Jorge Konigsberger e Gianfranco Vannuchi, implantado no início dos anos 2000 no Itaim Bibi. O arquiteto Gianfranco Vannuchi comenta o valor urbano apontado no projeto: as pessoas não aguentam mais ficar fechadas dentro de um shopping. [...] É um projeto [...] que vai na contramão dos condomínios fechados, das grades, dos muros, quer dizer, do enclausurar; pelo contrário, é um projeto que se abre para a cidade. (Entrevista com o Arquiteto Gianfranco Vannucchi, 2007, p. 128-129).

Na cidade contemporânea vêm se observando um crescimento desse tipo de intervenção pontual que, ao contrário da vertente dos condomínios fechados, se abre para a cidade de modo a melhorar a qualidade de vida da população e gerar uma relação harmoniosa entre o projeto e a rua, a nivel da escala do pedestre. E, cada vez mais, é isso que tem mostrado maior sucesso nas relações entre a primeira e a segunda eras da cidade, um meio-termo, como uma colagem das duas tipologias, formando uma cidade cada vez mais híbrida.

Figura 59 Planta Baixa Térreo Brascan Century Plaza Fonte:http://www.

vitruvius.com.br/ revistas/read/ projetos/11.124/ 3819

Figura 60 Foto Praça Brascan Century Plaza Fonte:http://www.

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2.2 A cidade colagem e os vazios urbanos Do conceito de quadraaberta, defendido por Portzamparc (1997) em “A terceira era da cidade”, podemos extrair por essência a intenção de sintetizar em um lugar só uma dupla herança: da primeira e segunda eras da cidade, gerando a terceira era, que pode ser caracterizada como uma conciliação entre as qualidades da cidade tradicional e da cidade moderna.

sociais e psicológicas que ocorrem pós 1ª Guerra Mundial e a Revolução Russa. Com uma valorização intensa dos objetos, os edifícios são inseridos em um grupo de coordenadas geográficas, normalmente implantados em enormes descampados com uma rígida organização dos espaços e das vias, que acaba por priorizar o deslocamento utilizando automóveis.

É possível reconhecer o que Portzamparc chama de primeira e segunda eras da cidade em outros autores como Colin Rowe, Fred Koetter e Thomas L. Shumacher, por exemplo. Ambos apresentam em seus ensaios alternativas à esse paradigma criado pelos dois tipos mais distintos de cidade.

Percebeu-se então que a arquitetura moderna das cidades americanas inverteu a proporção entre espaço livre e espaço construído, produzindo resultados não muito agradáveis a nivel da escala do pedestre.

Em Cidade Colagem, Colin Rowe e Fred Koetter (1975) adotaram a questão “figura-fundo” como instrumento de análise dos dois esteriótipos de cidade: a cidade italiana e a cidade americana. A primeira, chamada também de Admirável Mundo Velho é a cidade rica em tradição e com uma grande preocupação com as relações sociais/humanas, em que a escala do pedestre possui muito mais destaque com espaços vazios aconchegantes, em sua maioria espaços que resultam da implantação dos edifícios, e propícios para a convivência pública. Já a cidade americana (Admirável Mundo Novo) surge como resultado de rupturas

Com esse privilégio aos objetos em si, o urbanismo modernista acaba por isolar as pessoas, as vizinhanças e os edifícios, necessitando cada vez mais dos edifícios autosuficientes. Françoise Choay (1972) afirma que “na arquitetura urbana toda a parte não construída não é um elemento menos significante”, e entendese que da cidade não devem estar excluídos, por princípio, os espaços verdes de média e grandes dimensões. Contudo, existe uma significativa diferença entre pensar nesses espaços em conjunto com a arquitetura e transformar a cidade em um imenso parque onde as edificações estariam simplesmente colocadas.


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A respeito dessa inversão da relação figura-fundo, podese usar como exemplo os mesmos objetos que Thomas L. Schumacher (1971) usa para descrever a questão da cidade formada de sólidos “dentro” de vazios e de vazios “dentro” de sólidos: a comparação entre o Palácio dos Uffizi, em Florença, e a Unité d’Habitation, em Marselha. “A Unité é um prisma retangular, alongado e sólido. O Palácio dos Uffizi é um prisma retangular, alongado e vazio”. Ambos podem ser visto como “figuras” em um “fundo”, a diferença é que na Unité o fundo é simplesmente vazio, e no Palácio dos Uffizi o fundo é o construído, elevando o vazio central ao status de “figura”, como elemento principal da imagem. Schumacher constatou então que o fundo vazio da Unité funciona perfeitamente bem para distrubuir o trânsito, mas não para reunir pessoas, como o vazio do Palácio dos Uffizi faz (Schumacher, 1971). Assim como Colin e Fred, Schumacher (1971) também deu às cidades européias e americanas suas próprias denominações: cidade tradicional e cidade-noparque. A cidade tradicional nos oferece a experiência de espaços delimitados pelas fachadas contínuas das edificações, posicionados e combinados de modo a fazer sobressair os

espaços abertos, como fôlegos de interrupção na continuidade regular das edificações: resultado de um processo de subtração de modo a abrir espaços entre as massas sólidas. A composição da cidade-no-parque é exatamente o contrário da cidade tradicional. Edifícios isolados construídos em meio a uma paisagem de gramados e arvoredos e assim têm seus volumes realçados. Como possível solução à essa dualidade, Schumacher introduz o contextualismo como meio-termo. Afirma que o arquiteto moderno geralmente se esquiva da noção de que algumas formas ideais podem existir como fragmentos, sobrepostos como uma “colagem” em um ambiente onde outras formas ideais podem também ser ajustadas à esse contexto. Robert Venturi (1977) defende “o híbrido em vez do ‘puro’, do distorcido em vez do ‘direito’, do ambíguo em vez do ‘claro’ […]”, ou seja, que as formas ideais, ou “puras”, podem e devem se mesclar e que conciliadas, geram uma arquitetura e urbanismo mais híbridos e inclusivos. O contextualismo por sua vez busca explicar justamente como é possível adaptar essas formas idealizadas a um contexto, e também de que mandeira pode usalas como colagem (Schumacher, 1971).

Figura 61 Foto Palácio dos Uffizzi Fonte: http://view.stern.de/de/

rubriken/architektur/schwarzweiss-architektur-italiengebaeude-toskana-historischlippmannfotografie-original-2743662. html

Figura 62 Foto Unité d’Habitation Marselha Fonte: https://www.cv-arch.

co.uk/le-cite-radieuse/


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Figura 63 Foto Museu do Prado

Fonte: http://www.vitruvius. com.br/revistas/read/ arquitextos/17.195/6171

Fabiola do Valle Zonno (2016) em “Modos de interpretação do lugar” coloca em questão a possibilidade de uma arquitetura contextual capaz de se relacionar com o sítio onde se insere, valorizando-o, e ainda valorizar a si. A arquitetura contemporânea deve ser então, valorizada como afirmação histórica do presente, capaz de coexistir com as diferentes camadas temporais que a precederam e a partir disso, produzir novos significados. A respeito disso, Kevin Lynch (1972) defende a intensificação da noção de tempo de um lugar, devido à “justaposições temporais, poderosas o suficiente para evocar a sensação de passado, presente e futuro como misteriosamente coexistentes”. Um exemplo disso pode ser a Expansão do Museu do Prado, projetada pelo arquiteto Rafael Moneo (2008) que incorpora como espaço interior do museu o antes abandonado claustro dos Jerônimos, iluminando-o com uma grande claraboia. Moneo acaba por alinhar a construção à igreja gótica ao lado, demonstrando como as arquiteturas novas e antigas poderiam se articular.

Mantendo as relações de volumetria e densidade do espaço urbano e optando pela conexão direta entre o edifício do museu antigo em nível inferior, preservando assim o espaço livre para a contemplação do conjunto antigo-novo que expressa de modo a “deixar-ser” cada elemento da paisagem, afirmando continuidade, mas também a singularidade de cada tempo (ZONNO, 2016).

Fabiola (2016) então apresenta a perspectiva de bricolagem, tratada por Colin Rowe e Fred Koetter como possibilidade de combinação entre os elementos das cidades tradicional e moderna: o acúmulo dos mais variados fragmentos numa espécie de discordia concors, uma combinação de imagens dessemelhantes ou com uma descoberta de semelhanças ocultas em coisas aparentemente díspares (ZONNO, 2016).

Figura 64 Corte Museu do Prado Fonte:https://www.plata formaarquitectura.cl/ cl/02-13699/ampliaciondel-museo-del-prado-demadrid-rafael-moneo


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centro histórico e o crescimento desordenado das cidades. Sendo assim, dentro desse cenário de grande transformação do território, a Trienal propõe que se estabeleça um ohar especial aos vazios urbanos: pensar no que ficou, porque ficou e como pode ser. Vale ressaltar que esses vazios urbanos não são vistos apenas como problemas na cidade, mas como áreas em potencial a serem exploradas.

Kevin Lynch (1972) no entanto, afirma que a arte da colagem não é simplesmente uma mistura do antigo com o novo, mas é um projeto sofisticado: produto de um juízo estético, a deliberada justaposição de elementos aparentemente díspares de modo que a forma e o significado de cada uma são ampliados e, contudo, um todo coerente é mantido. (LYNCH, 1972, p. 173).

Fabiola (2016) arrisca a identificar a Ampliação do Museu Reina Sofia (2001) de Jean Nouvel como uma bricolagem bem sucedida. Segundo o arquiteto, o papel da intervenção nova era expressar respeito e pertencimento, destacando o que a envolve e vice-versa. Novos volumes incorporam a fachada do antigo edifício configurando um espaço livre: uma rua coberta. Espaço onde se contempla ambas as temporalidades, reconhecendo a familiaridade e a diversidade. Paulo Bicca (2017) em Arquiteturas do Vazio trata a questão dos Vazios Urbanos, nome da primeira Trienal de Arquitetura em Lisboa, organizada pela Ordem dos Arquitetos Portugueses em 2007. Diversos foram os motivos que levaram a realização da mesma, mas destaca-se dentre eles a percepção dos autores sobre a questão da deterioração do patrimônio, do esvaziamento do

José Mateus, arquiteto curador geral da Trienal destaca:

Figura 65 Foto Museu Reina Sofia Fonte:http://buildipedia.com/

aec-pros/featured-architecture/ the-reina-sofia-museum-the-moma-ofmadrid?print=1&tmpl=component

na cidade contemporânea um dos maiores recursos para a sua reavaliação reside nos lugares degradados, ‘obsoletos’, ou marginais, que encontramos disseminados desde o tecido urbano consolidado às periferias. Formam uma verdadeira rede de hipóteses que, quando avaliadas em conjunto, podem produzir um profundo impulso reformador da cidade. (MATEUS, 2007, p. 13).

Ainda sobre os vazios urbanos, acrescenta: uma área sem limites claros, sem uso atual, vaga, de difícil compreensão na percepção coletiva dos cidadãos, constituindo normalmente um rompimento no tecido urbano. Mas é também uma área disponível, cheia de expectativas, de forte memória urbana, com potencial original: o espaço possível, do futuro. (MATEUS, 2007, p. 13)


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Figura 66 Página anterior Foto Museu Reina Sofia Fonte: http://www.newlocksystems.es/ portfolio-posts/museo-reina-sofiamadrid/

Bicca (2017) no entanto, observa que existe uma lacuna na narrativa da referida Trienal ao não tratarem dos vazios que não são decorrentes da ausência, mas sim da presença de certas arquiteturas, como as protagonizadas pelo movimento modernista por exemplo. Ludovico Quaroni (1970) afirma que o arquiteto tende a tentar controlar a cidade, como se fosse um único edifício, e isso está bastante presente no urbanismo modernista, podendose ter Brasília como um exemplo construído dessa cena. Projetada como “capital aérea e rodoviária, cidade parque”, como o próprio Lúcio Costa a define em seu famoso Relatório do Plano Piloto de Brasília, a primeira cidade planejada do Brasil vista do alto é uma bela composição: projetada como uma avião, com os edifícios governamentais no eixo central e os setores residenciais (as superquadras) nas asas. No entanto, ao sairmos da escala macro e nos aproximarmos da escala do pedestre, a nível dos olhos, Jan Gehl (2013) em “Cidades Para Pessoas” afirma que Brasília é uma catástrofe, com espaços urbanos muito grandes, ruas muito largas e as calçadas muito longas e retas.

Figura 67 Página ao lado Foto aérea superquadras Brasília Fonte:http://www.vitruvius.

c o m . b r / r e v i s t a s / r e a d / resenhasonline/07.076/3079

Em “Morte e vida de grandes cidades”, Jane Jacobs (2014) faz uma crítica aos princípios desse urbanismo modernista e defende a importância que tem, para uma cidade viva, a presença de arquiteturas de diferentes épocas e estilos, enfatizando também como saudável a mudança de usos que nele acontecem com o passar do tempo. As cidades precisam tanto de prédios antigos que talvez seja impossível obter ruas e distritos vivos sem eles. Ao falar em prédios antigos refiro-me não aos edifícios que sejam peças de museu, nem aos prédios antigos que passaram por reformas excelentes e dispendiosas – embora esses sejam ótimos ingredientes -, mas a uma boa porção de prédios antigos simples, comuns, de baixo valor, incluindo alguns prédios antigos deteriorados. (JACOBS, 2014, p. 207).

Figura 68 Página ao lado Foto aérea superquadras Brasília Fonte: https://commons.wikimedia.org/

wiki/File:Vista_a%C3%A9rea_da_Asa_Sul_ em_dire%C3%A7%C3%A3o_ao_Lago_Sul.jpg

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Figura 69 Foto aĂŠrea BrasĂ­lia Fonte:https://franks-travelbox.

com/brasilien/brasilia/brasiliaregierungsviertel.html

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Gordon Cullem (1974) em Paisagem Urbana destaca como variáveis importantes da arquitetura a cor, a escala, o caráter e a personalidade. Em muitos casos, essa mescla de estilos, materiais e proporções, constituem o principal encanto da cidade: o ecletismo.

Bicca (2017) conclui que

mais com a escala do pedestre e suas relações humanas/sociais, assim como aconteciam nas cidades italianas/tradicionais/ da primeira era. Mesclando os dois tipos distintos de cidade, obtêm-se uma relação harmônica e de respeito mútuo entre as arquiteturas, aceitando essa herança e reinventando os espaços cada vez mais.

a arquitetura da cidade real será sempre, inevitável e felizmente, eclética. Enquanto cidade histórica, constituída diacronicamente, ele será formada por edificações e lugares de épocas distintas, e que não estão apenas fisicamente próximos uns dos outro, mas sim conformando, metaforicamente, um complexo canto coral polifônico. Uma “cidade colagem”, para usarmos as expressões de Colin Rowe e Fred Koetter. E mesmo cidades cartesianas como Brasília, tornar-se-ão eclética com o passar do tempo (BICCA, 2017).

É possível se afirmar que seguindo a lógica da bricolagem e do ecletismo proposto pelos autores, a cidade contemporânea têm sofrido diversas intervenções pontuais nos seus “vazios urbanos” e cada vez mais tem se obtido resultados positivos em relação à sua interação com a cidade. Mesmo em espaços já consolidados, essas intervenções trazem qualidade de vida e urbanidade para a região que se insere, preocupando-se cada vez

Figura 70 Ilustração Cidade Colagem Fonte: http://aplusd.org/

portfolio/harvard-symposiumdecoding-asian-urbanism/


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PROJETOS DE REFERÊNCIA


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3.1 Praça das Artes

Localizada no centro da cidade de São Paulo, a Praça das Artes (oficialmente inaugurada em 2012) é um projeto do escritório Brasil Arquitetura e têm uma área construída de 28.500,00 m². Diferente dos edifícios mais convencionais que se estabelecem imponentes sobre grandes espaços livres adquirindo maior visibilidade, a Praça das Artes se acomoda em um espaço consideravelmente reduzido, comprimido por diversas edificações preexistentes que propiciam certas dificuldades na implantação do projeto.

Figura 71 Implantação Praça das Artes Fonte: https://www.archdaily.

com.br/br/626025/praca-das-artesbrasil-arquitetura

O conjunto se instalou em um miolo de quadra consolidado no centro histórico da cidade e desde o início precisou lidar com a ausência de um perímetro claro para a edificação. Durante o processo, o projeto passou por diversas alterações dada pelos acréscimos de área: desapropriavam-se casas vizinhas, o que resultava em um outro volume que se integraria ao conjunto. Sendo assim, o projeto foi literalmente surgindo aos poucos na quadra e a versão final não era previsível nem para seus autores. O espaço disponível para o projeto era composto por um conjunto de lotes interligados no miolo da quadra, e a partir do centro dessa área o novo

edifício se desenvolveu em três direções – Vale do Anhangabaú (Rua Formosa), Avenida São João e Rua Conselheiro Crispiniano. Duas características importantes do partido arquitetônico foram mantidas desde o início: o térreo livre e a lógica de criar faces encostadas no perímetro do lote e deixar as áreas internas vazias para a circulação e permanência, criando praças internas contrastando com os volumes de concreto aparente. O térreo livre propicia a permeabilidade da quadra, a qual os pedestres podem cruzar de lado a lado e em três direções, a céu aberto ou protegidos por marquises. Nessa grande galeria aberta, foram instalados pontos comerciais e de serviços, com o objetivo de atrair a população das ruas do entorno para dentro da quadra.


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Em sua concepção, o complexo seria basicamente um anexo satélite do Teatro Municipal, contando com um extenso e complexo programa focado nas atividades profissionais e educacionais de música e dança. Porém, sua arquitetura propiciou ao conjunto um caráter público, de convivência e vida urbana, pois além de abrigar o programa necessário, se torna um equipamento público transformador da região. Na questão do programa, o conjunto abriga diversas atividades musicais, entre elas: as orquestras Sinfônica Municipal e Experimental de Repertório, os corais Lírico e Paulistano, o Quarteto Municipal de Cordas, a Escola Municipal de Música e também a Sala de Concertos do antigo Conservatório Dramático e Musical. Nas atividades de dança, o projeto abriga o Balé da Cidade e a Escola de Bailado. Além destes, o conjunto conta com um centro de documentação, a Discoteca Oneyda Alvarenga, galeria de exposições, áreas administrativas, de convivência, restaurantes, cafés e estacionamento. No centro do complexo está localizada uma torre que funciona como centro articulador de todos os departamentos e setores: todos os escritórios administrativos, os halls de

chegada e distribuição, os sanitários e vestiários e os shafts de instalações estão concentrados neste edifício. Do extinto Cine Cairo, na Rua Formosa, permanece somente a fachada, agora pertencente ao novo edifício, destinado aos Corpos Artísticos. Desta rua, pode-se visualizar bem o contraste do novo com o antigo devido à forma e a materialidade das edificações, mas também é visível a intenção de harmonia entre elas quando se observa o gabarito de altura e a suavidade que o edifício novo da Praça das Artes pousa ao lado da antiga fachada. O conjunto conta com diversos blocos independentes, com gabaritos que variam de 2 a 13 pavimentos, que se interligam por elementos singulares como passarelas e rampas-túnel, todos em concreto aparente, o que gera a unidade plástica e a identidade da Praça das Artes. Além disso, a presença de aberturas em ritmos irregulares nas fachadas de concreto reforça o sentido de aleatoriedade buscado pelos arquitetos.

Figuras 72, 73 e 74 Página ao lado Plantas Praça das Artes Fonte: https://www.archdaily.

com.br/br/626025/praca-das-artesbrasil-arquitetura


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106 Figura 75 Croqui Conjunto Praรงa das Artes Fonte: https://www.archdaily.com.

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Figura 76 Foto da vista da Rua Formosa Praรงa das Artes Fonte: https://www.archdaily.com.

br/br/626025/praca-das-artes-brasilarquitetura

Figuras 77 e 78 Pรกgina ao lado Fotos da praรงa interna - Praรงa das Artes Fonte: https://www.archdaily.com.br/

br/626025/praca-das-artes-brasil-arquitetura


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3.2 Central Saint Giles Building

Figura 79 Implantação Center Saint Giles Building Fonte: https://www.archdaily.com/104147/

central-st-giles-court-renzo-piano-fletcherpriest-architects

O Central Saint Giles Building é um projeto de Renzo Piano em parceria com Fletcher Priest Architects localizado em Camden, um distrito no centronorte da cidade de Londres, no Reino Unido. Datado de 2010, o projeto têm como proposta transformar a quadra que antes dava lugar a um único edifício em um complexo de uso misto, incorporando escritórios, restaurantes, comércio e uso residencial.

das torres até chegar à rua.

Por fazer parte de uma complexa malha urbana, cercado por ruas medievais, prédios modernos e quarteirões tradicionais consolidados, os arquitetos precisaram levar em consideração algumas questões ao elaborar a proposta. A questão do gabarito de altura por exemplo, teve um impacto significativo no partido arquitetônico, que em projeto resultou em volumes complexos com escala reduzida para compor com os edifícios do entorno.

Os blocos são dispostos independentes entre si, sendo que o menor deles tem o uso destinado à 109 apartamentos residenciais distribuídos em 14 pavimentos, totalizando 8.800m² para uso residencial, e o outro edifício (em formato de “U”) abraça o pátio interno e oferece 10 pavimentos de espaços para escritórios com uma área de 39.000m².

A organização desse complexo tem como ponto de partida o pátio de 2.044m² que se localiza no centro do lote. Pode-se dizer que o pátio é o elemento principal que busca conectar não só os diferentes usos do edifício, mas também servir como conciliador da vida que acontece nas vias do entorno, já que o pátio se expande radialmente por debaixo

Nesse térreo, foram propostos usos públicos, de comércio e restaurantes de modo a atender à esse público atraído pelo conjunto, criando assim, um novo destino na cidade. Outra característica que auxilia na permeabilidade dessa quadra são as grandes fachadas de vidro de 6 metros de altura situadas no térreo, que criam uma transparência convidativa.


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Figura 80 Foto vista aérea Center Saint Giles Building Fonte: https://www.archdaily.com/104147/

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Figura 81 Elevação sul Center Saint Giles Building Fonte: https://www.archdaily.com/104147/

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Figura 82 Foto vista nível da rua Center Saint Giles Building Fonte: https://www.archdaily.

com/104147/central-st-gilescourt-renzo-piano-fletcher-priestarchitects

Esses volumes têm sua “pele” formada principalmente por vidro, aço e cerâmica e se tornaram uma escultura caracterizada pela sua composição de fachadas. Cada fachada é única, diferente em altura, orientação, cor e na sua relação com a luz natural, pois foram produzidos diversos tipos de módulos cerâmicos. Porém, as fachadas voltadas para o pátio interno são revestidas com paineis de tons acinzentados, pois por ser um ambiente mais fechado, é importante que com a incidência da luz solar, a luz refletida nos escritórios fosse maior.


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Figura 83 Planta térreo Center Saint Giles Building Fonte: https://www.archdaily.com/104147/

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Figura 84 Croqui térreo ativo Center Saint Giles Building Fonte: https://www.archdaily.com/104147/

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Figuras 85 e 86 Página ao lado Plantas pavimentos Center Saint Giles Building Fonte: https://www.archdaily.com/104147/

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Figura 87 - Foto praรงa interna Center Saint Giles Building Fonte: https://www.archdaily.com/104147/centralst-giles-court-renzo-piano-fletcher-priest-architects


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3.3 Senac Águas de São Pedro

Construido para abrigar parte da escola de gastronomia do hotel-escola do Senac de Águas de São Pedro, o edifício datado de 2001 é projeto de Mônica e Paulo Augusto Pedreira de Freitas, o escritório M/PA Pedreira de Freitas Arquitetos e faz parte de um complexo formado por construções de diferentes épocas e autores. Devido à isso, apropria-se de elementos presentes em edifícios vizinhos afim de criar uma unidade do conjunto, além de conservar a horizontalidade marcante do complexo. O desnível do terreno foi consideravelmente aproveitado, de modo a acomodar os dois níveis sem interligação alguma interna entre si, fazendo com que a circulação vertical se dê apenas pelas escadas laterais externas, o que permite ao edifício funcionar como se fossem dois independentes e sobrepostos.

Figuras 88, 89 e 90 Plantas, corte longitudinal e corte transversal - Senac Águas de São Pedro Fonte: https://arcoweb.com. br/projetodesign-assinantes/ arquitetura/pa-pedreira-defreitas-arquitetos-escolade-17-10-2003>

No pavimento inferior (de menor largura que o superior) estão o vestiário, duas salas de aula (uma delas para lições de enologia), sala de professores, depósito de equipamentos e restaurante pedagógico, cujo é frequentado pela população local, que consome a preços reduzidos, o resultado das aulas práticas realizadas no pavimento superior.

No pavimento superior estão os treês laboratórios – dois de cozinha, destinado a aulas de culinária e um de padaria e confeitaria. Ali tambem ficam três camaras frias. O layout dos laboratórios foi desenvolvido pelo Senac, que deu ênfase à exaustão, realizada através de grandes coifas, cujos dutos são encaminhados para a chaminé localizada sobre as câmaras. O projeto tem uma área construída de 1.176m² e apresenta como elementos principais o concreto aparente em seus pilares e estrutura metálica com fechamento em ACM para a cobertura e marquises que protegem as circulações externas. Outra característica importante na questão da materialidade é a aplicação de pedra tipo canjiquinha, dos brises e das escadas externas, elementos que determinam a plástica arquitetônica.

Figuras 91, 92 e 93 Na próxima página Fotos cozinha pedagógica e fachada - Senac Águas de São Pedro Fonte: http://www.

grandehotelsenac.com.br/br/ sao-pedro


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3.4 Basque Culinary Center

Projeto do escritório espanhol VAUMM, a Basque Culinary Center (2001) localiza-se em San Sebastián – Espanha, e tem uma área construída de 15.000 m². O edifício se aproveita do declive da encosta para organizar seu programa funcional de cima para baixo, ou seja, distribuiuse os espaços públicos no piso de acesso (cota mais alta) e os setores mais de aprendizado mais específicos nas cotas mais baixas. A disposição do projeto no terreno é crucial para as funções que esse edifício desenvolve: servir como um ícone de tecnologia e inovação da universidade à qual pertece, mas ao mesmo tempo, respeitar e interagir com a baixa densidade do bairro residencial onde foi inserido. Suas coberturas funcionam como jardins de cultivo de plantas comestíveis e aromáticas

Figura 94 Implantação Basque Culinary Center Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-

19617/basque-culinary-center-vaumm

Seu formato de “U” permite definir os espaços interiores com amplas áreas de circulação livres. Na questão funcionalidade, as soluções permitiram organizar o programa em dois grupos: um dedicado à parte acadêmica e outro a prática. Foi previsto então o agrupamento vertical de todas as áreas do programa dedicados à aplicação prática da gastronomia: vestiários, oficinas, cozinhas de préelaboração, acesso das matériasprimas e as cozinhas, de modo que a interligação entre todos eles seja direta.


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Com uma composição volumétrica engenhosa, o edifício expressa seu valor simbólico através do trabalho desenvolvido nas cozinhas ao redor do mundo: uma pilha de pratos amontoados de forma desordenada, que coincide perfeitamente com as curvas de nível do terreno. Esse volume icônico se aproxima às obras do artista Robert Therrien (Chicago 1947) que manipula objetos de uso cotidiano da cozinha como louças, panelas e utensílios para elevar ao status de objeto de arte. Utiliza muito em suas obras o conceito de empilhamento, acumulação ou multiplicação em larga escala. O mesmo foi considerado na definição do volume do edifício, trazendo os mesmos pratos de Therrien para servir de suporte diário aos espaços dedicados ao desenvolvimento da gastronomia. Assim, o prato volta a ser o “apoio” da gastronomia.

Figura 95 Obra do artista Robert Therrien. Fonte:

< https://www.artsy.net/artist/roberttherrien>

Figura 96 Foto externa Basque Culinary Center Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/0119617/basque-culinary-center-vaumm


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Figura 97 Foto externa Basque Culinary Center Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/0119617/basque-culinary-center-vaumm


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Figuras 101 Foto cozinha pedagógica Basque Culinary Center Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-

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Figuras 98, 99 e 100 Página ao lado Fotos circulação Basque Culinary Center Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-

19617/basque-culinary-center-vaumm


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PROPOSTA PROJETUAL


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4.1 Panorama histórico

Como já dito anteriormente, o Largo da Batata, localizado no Bairro de Pinheiros - Zona Oeste da Cidade de São Paulo - foi o espaço urbano que desencadeou esta pesquisa.

chamado “Caminho de Pinheiros”, que atualmente corresponte à Rua Consolação, era um dos mais importantes da Vila de São Paulo, por ser o único acesso às terras além do rio.

Ao percorrer este espaço, surgiram diversas indagações, entre elas como esse espaço já foi, como ele é e como ele pode vir a ser, além do que ele representa para a sociedade e como é estabelecida a relação entre o pedestre e o espaço. De início, é importante esplanar brevemente o histórico do bairro, que muito foi importante para a concepção do projeto e a escolha do local em que ele está inserido. Segundo Petrone (1963) a história de Pinheiros tem registros de ocupação indígena desde 1560, ano que marca a fundação do bairro. Os indígenas que ali se estabeleceram e formaram sua aldeia, deixaram Piratininga devido à concorrência dos portugueses. Reale (1982) afirma que para quem vinha do centro da cidade de São Paulo, o Largo era a última centralidade urbana antes de se cruzar a única ponte em direção ao interior do país, fazendo dele parada natural dos tropeiros e bandeirantes que cruzavam a capital. Sendo assim o

Figura 102 Mapa bairro Pinheiros no Município de São Paulo Fonte: https://pt.map-of-sao-paulo. com/munic%C3%ADpios-mapas/pinheirossub-prefeitura-de-s%C3%A3o-paulo-mapa

Figura 103 Página ao lado Página 49 Mapa Sara Brasil 1930 Fonte: http://geosampa.prefeitura. sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx


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O Largo então passou a ser ponto de encontro para o comércio de produtos alimentícios por volta do início do século XX, com a fundação do Mercado Caipira e posteriormente da Cooperativa Agrícola de Cotia. Esta última, se dedicava ao cultivo principalmente de batatas, fornecendo seus produtos ao Mercado de Pinheiros. Diante da dificuldade de transporte de grande quantidade de produtos, foi criado primeiramente um depósito logo à frente do mercado. Depois, novas seções e departamentos foram instalados no local, inclusive moradia para os cooperadores. Vale ressaltar que foi devido à essa peculiaridade que a região adquiriu o nome de Largo da Batata, apesar de só recebê-lo oficialmente pela Lei nº15.615/2012 em 2012. A partir de 1930, aproximadamente, deu-se início à uma enorme expansão populacional de Pinheiros. Devido ao surgimento de importantes instituições (Mercado, Cooperativa, Sociedade Hípica e Faculdade de Medicina), que foram possíveis graças à uma ampliação infra-estrutural (transporte, água e luz), uma grande massa de população chegou ao bairro. Deste modo, as rotas de transporte público passaram a convergir para o local, criando um ritmo de trânsito e intercâmbio. Então, o Largo passou a receber os bondes elétricos que ligavam a região ao centro.

Figura 104 Página ao lado Mercado dos caipiras 1920 Fonte: http://cidadesparaquem.org/ blog/2014/1/17/largo-da-batata-dopopular-ao-elitizado-entrevista-aamlia-dos-santos-gazeta-de-pinheiros

Figura 105 Página ao lado Cooperativa Agrícola de Cotia 1932 Fonte: http://www.imigracaojaponesa. com.br/?page_id=70


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A construção da Avenida Faria Lima em 1968, ao atingir o Largo da Batata, necessitou demolir o antigo Mercado de Pinheiros (seu antigo sítio se encontra hoje no cruzamento da Rua Teodoro Sampaio com a Av. Faria Lima). Um novo edifício para o Mercado foi inaugurado em 1971, projeto de Eurico Prado Lopes e Luiz Telles. Porém, parte do terreno onde existiu o mercado não foi incorporada no novo viário, permanecendo sem uso. Em 25 de maio de 1975 então, o espaço foi cedido pela Prefeitura para a Secretaria de Transportes e foi instalado o conjunto de terminais de ônibus Pinheiros. Esse Terminal, estava segmentado em duas “alas” ao longo da avenida, porém, parte ds “ala” norte foi removida quando em 1995 houve o prolongamento da Avenida Faria Lima até a Pedroso de Moraes. Operação Urbana Consorciada Faria Lima. O terminal foi desativado em 2005 quando se deram os inícios das obras da construção da estação Faria Lima da Linha 4 – Amarela, que se localiza no Largo. Em 2007, iniciaram-se as obras de reconversão urbana do Largo da Batata, fruto do projeto vencedor do Concurso Público Nacional realizado em 2002. Em 2013 é inaugurado o Terminal Intermodal Pinheiros, na rua Capri, e grande parte dos

pontos finais dos ônibus foram transferidas para lá. Ainda assim, remanesceram alguns ao longo das Ruas Cardeal Arcoverde e Édson Dias por exemplo. Foi em 2013 também que a população recebeu de volta o Largo da Batata. Mas, o local não contava com o centro cultural, a praça com cobertura vegetal e a alameda de paus-ferros prometidos no projeto urbanístico do arquiteto Tito Lívio, vencedor do Concurso de Reconversão Urbana. Uma região emblemática, considerada por muitos “vazia” e “árida”, foi escolhida para ser palco de um projeto que busca requalificar o entorno do Largo, trazendo um equipamento de qualidade e na intenção de proporcionar melhorias significativas na relação pedestre – espaço.

Figura 107 Página ao lado Foto aérea Largo da Batata 1991 Fonte: http://www.saopauloinfoco.com. br/bairro-de-pinheiros/

Figura 106 Foto aérea Largo da Batata 2004 Fonte: http://geosampa.prefeitura. sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx


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Figura 108 Perímetro Operação Urbana Consorciada Faria Lima Fonte: http://vadebike.org/2014/04/ obras-expansao-ciclovia-faria-lima/

Figuras 109, 110 e 111 Página ao lado Imagens 1o colocado do Concurso Público Nacional de Reconversão Urbana do Largo da Batata Fonte: http://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/projetos/02.017/ 2143?page=2


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Figura 112 Foto Largo da Batata Fonte: http://brevesfragmentos. blogspot.com.br/2015/12/chiharushiota-em-busca-do-destino.html


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4.2 Partido arquitetônico

No projeto vencedor do Concurso Nacional de Reconversão Urbana do Largo da Batata (autoria do arquiteto Tito Lívio Frascino, 2002), estava previsto que a Rua Pedro Cristi se tornasse de uso exclusivo para pedestres. Para a concepção do projeto, essa intenção foi mantida e, sendo assim, foi possível unir as duas quadras existentes entre as Ruas Cardeal Arcoverde e Teodoro Sampaio formando uma quadra única e criando consequentemente uma passagem agradável pelo meio da quadra entre duas das principais vias do bairro. A presença de uma cultura relacionada à gastronomia é característica marcante no bairro de Pinheiros, tratandose tanto da sua história quanto nos dias atuais, em que o bairro é reduto de restaurantes de diferentes culinárias, feiras e eventos gastronômicos. A Rua dos Pinheiros e seus arredores, por exemplo, tornouse referência em gastronomia para o publico e também para chefs de cozinha; diversos restaurantes e eventos de rua acontecem em seu eixo. O “Baixo Pinheiros”, delimitado pelas Avenidas Faria Lima e Pedroso de Moraes, Rua Sumidouro e a Marginal Tietê, também têm adquirido um caráter gastronômico significativo nos últimos tempos, com a abertura de diversos restaurantes, bares

e bistrôs. Foi observada então uma considerável “lacuna” desses espaços gastronômicos no coração do bairro: a região do Largo da Batata. Cercada apenas por pequenos sobrados de comércios ou residências, a região conta com poucos espaços de alimentação e proliferação da cultura gastronômica. O complexo então conta com um pólo de ensino, que abriga uma unidade do Senac dedicada exclisivamente aos cursos da área de gastronomia, com salas teóricas, práticas, auditórios e biblioteca. E conta também um pólo cultural e de serviço, que abriga o centro gastronômico e o Mercado de Pinheiros. O centro gastronômico em sua concepção, é um local onde diversos restaurantes e quiosques de alimentação foram implantados no decorrer dos pavimentos, com o intuito de servir à população gastronomia brasileira. Tanto o Senac quanto o centro gastronômico apresentam o princípio do térreo livre (pelo menos em partes) para principalmente permear a visão do pedestre e permitir a passagem livre. O mercado, que se encontrava consideravelmente escondido do restante do bairro, se abre para a cidade novamente, podendo ser visto pelas suas

laterais também. Outro ponto sobre o térreo livre é a intenção da apropriação dele pelas próprias pessoas que buscam um lugar para permanência também. Além disso, há a opção da realização de feiras-livres (trazer a feira de volta para o nível da rua) organizadas pelos próprios comerciantes do mercado, ou até mesmo exposições de cultura brasileira, artesanato, etc. Mercado de Pinheiros passou por uma reforma no início de 2016 que trouxe consigo diversas melhorias para o local. A mais significativa delas, foi a criação de diversos boxes temáticos: box Amazônia, box Cerrado, box Pampas e etc. Com a venda desses produtos de diversas regiões do Brasil, deuse o questionamento relativo à quantidade de restaurantes que oferecem elementos da gastronomia brasileira em detrimento à outras (como italiana e francesa). Visto isso, houve a intenção de que o centro gastronômico fosse especializado em gastronomia brasileira e que possa utilizar os produtos que são vendidos no próprio mercado, incentivando o comércio e a disseminação da cultura brasileira. Outro ponto levado em consideração na concepção do projeto foi o próprio edifício do Mercado de Pinheiros. Projetado por Eurico Prado Lopes e Luiz

Telles em 1971, o edifício é composto por um nível térreo e um subsolo. Sendo assim, foi proposta uma nova reforma no mercado, com a retirada de alguns boxes do subsolo para permitir uma passagem pelo nível inferior entre os três edifícios, interligando-os. Como fechamento dos edifícios foram utilizadas chapas perfuradas com dois tipos de perfuração, para a criação de um efeito visual diferenciado. As chapas, presentes em todas as fachadas, dão para um corredor que dá a volta em todo perímetro dos blocos. Funcionando ora como passagem e ora como barreira solar, esse corredor tem também uma função estética: neles foram previstas a implantação de algumas floreiras, vasos e muita vegetação, o que propicia um ambiente interno agradável e cria também um efeito visual, levando o verde para todo o edifício em contraste com as chapas brancas.


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Figura 113 Imagem Senac Produzido pela autora

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Figura 114 Imagem Centro GastronĂ´mico Produzido pela autora

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Figura 115 Situação Produzido pela autora

Figura 116 Diagrama Produzido pela autora


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Figura 117 Implantação Produzido pela autora

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Figura 118 Planta subsolo Produzido pela autora


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Figura 119 Planta 2o pavimento Senac Produzido pela autora

Figura 120 Planta 1o pavimento Senac Produzido pela autora

Figura 121 Planta 5o pavimento Centro GastronĂ´mico Produzido pela autora

Figura 122 Planta tipo 1o a 4o pavimento Centro GastronĂ´mico Produzido pela autora


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154 Figura 125 Planta 7o pavimento Senac Produzido pela autora

Figura 126 Planta 6o pavimento Senac Produzido pela autora Figura 123 Planta 4o pavimento Senac Produzido pela autora

Figura 127 Planta 5o pavimento Senac Produzido pela autora

Figura 124 Planta 3o pavimento Senac Produzido pela autora


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Figura 128 Corte B Produzido pela autora

Figura 129 Corte C Produzido pela autora

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Figura 130 Corte A Produzido pela autora

Figura 131 Vista 2 Produzido pela autora

Figura 132 Vista 1 Produzido pela autora

Figura 133 Vista 3 Produzido pela autora


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Figura 135 Detalhe Produzido pela autora

Figura 134 Ampliação Produzido pela autora

Figura 136 Detalhe encaixe chapas Produzido pela autora


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Figura 137 Detalhe fachada Produzido pela autora

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Considerações finais

Partindo do princípio de que a cidade é o conjunto de diversos elementos morfológicos, pode-se afirmar que cada um deles, em suas respectivas escalas de atuação, são essenciais e significativos para a formação de uma cidade viva. Dos elementos morfológicos, o quarteirão foi escolhido para ser protagonista da pesquisa, uma vez que é considerado o elemento que dita a relação público-privado. Feita a análise das diversas tipologias de quadra encontradas nas cidades ao redor do mundo, a quadra aberta foi eleita como a principal alternativa à questão da dualidade entre a quadra da cidade tradicional e a quadra da cidade moderna. Ao mesmo tempo que permite a permeabilidade do pedestre, admitindo um caráter público, também apresenta um caráter privado. Assumindo um caráter híbrido e que mescla as qualidades dos dois tipos de quadra anteriormente citados, que são tão distintos um do outro, a quadra aberta gera uma harmonia entre as escalas das edificações, tornando a cidade confortável para a escala do pedestre novamente. Têm se observado na cidade contemporânea uma intenção significativa de melhora nesse sentido. A busca pelo conforto e a retomada dos espaços públicos pela população, principalmente

pelos diversos incentivos ao uso de transportes públicos e alternativos como a bicicleta e o caminhar em detrimento aos veículos particulares (em contraponto às cidades modernas que foram pensadas para os automóveis). Cada vez mais as pessoas têm deixado suas casas com a intenção de melhorar a cidade em que vivem. Ainda sobre a dualidade entre as duas tipologias de quadra, pode-se afirmar que estamos vivendo a chamada terceira era da cidade, proposta por Portzamparc (1997). Cada vez mais com essas intervenções pontuais (ao invés dos super planos) as pessoas estão se apropriando da cidade novamente, e, mesmo em espaços já consolidados, essas intervenções trazem qualidade de vida e urbanidade para o local que estão inseridas. Acredita-se que mesclando os dois tipos distintos de cidade, obtêm-se uma relação harmônica e de respeito mútuo entre as arquiteturas, aceitando a herança e reinventando os espaços cada vez mais. Com relação ao projeto do complexo gastronômico em si, no processo de análise territorial para a sua concepção, foram feitas uma série de descobertas que culminaram no resultado final apresentado. Uma combinação de

fatores determinantes fez com que o projeto se tornasse o que é: o caráter gastronômico do bairro, a proximidade com o Mercado de Pinheiros e a vontade de fazê-lo reaparecer na cidade, a proximidade com o Largo da Batata e principalmente: a intenção de criar um espaço público de qualidade que pudesse agregar convivência, lazer, comércio e ensino em uma região tão emblemática. Com a pedestrialização da Rua Pedro Cristi, a intenção de trabalhar o miolo de quadra se deu por completo. Unindo terrenos em ambos os lados, foi criada uma passagem agradável que interliga duas das principais vias do bairro: as Ruas Cardeal Arcoverde e Teodoro Sampaio. No âmbito de aproveitar os vazios urbanos presentes nas proximidades do Mercado, é proposta a criação de um complexo que abrange uma unidade do Senac direcionada aos cursos de gastronomia, o Mercado de Pinheiros e um centro gastronômico brasileiro. Este último, usufruindo dos produtos do Mercado e focado em disseminar a gastronomia brasileira, é um elemento atrativo à todos os tipos de pessoas. Dessa maneira, o público alvo é bem abrangente, gerando uma enorme diversidade de pessoas na região em diferentes horários e buscando

criar um espaço agradável e de permanência, quase que um “fôlego” no comércio desenfreado das ruas ao redor. Pode-se considerar que o projeto proposto é uma combinação de diversos fatores, quase como uma “colagem”: aceitando e preservando a arquitetura mais significante do local (o Mercado), respeitando os edifícios do entorno, tanto em relação ao afastamento do perímetro do terreno, quanto ao gabarito, mas sem deixar de se impor e de ter sua própria identidade. O térreo livre, deixa o complexo ser adentrado sem censura e as chapas perfuradas como elemento de fachada criam uma certa metáfora entre a relação público/privado, sendo um “meio-termo”, já que as chapas por si só são uma “barreira”, mas que permitem uma considerável passagem de luz, vento e principalmente, visão. Acredita-se que foram aplicados os ideais dos conceitos de quadra aberta e de bricolagem, que se mostraram ser a tendência da arquitetura e da cidade contemporânea. Cada vez mais a cidade tem nos provado que essas intervenções pontuais trazem diversos benefícios à qualidade de vida da população.


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