CENTRO DE EDUCAÇÃO CAIÇARA
TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO GIOVANNA YAMIN GOBBETTI | ORIENTADOR RICARDO RUIZ MARTOS 1
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CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO ARQUITETURA E URBANISMO
GIOVANNA YAMIN GOBBETTI
Centro de Educação Caiçara
TRABALHO FINAL DA GRADUAÇÃO
São Paulo 2020
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GIOVANNA YAMIN GOBBETTI
Centro de Educação Caiçara
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO apresentado em ARQUITETURA E URBANISMO, como parte dos requisitos à obtenção do título de BACHAREL EM ARQUITETURA E URBANISMO. Orientador Professor Me. Ricardo Ruiz Martos
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São Paulo 2020
Agradecimentos
o real significado da vida, o meu muito obrigada por todas as conversas e convívio que agregaram para o meu ser de forma
Agradeço a minha familia por sempre estarem presentes e
imensurável. Em especial, ao Alain por ter sido peça fundamental
me apoiar diante dos desafios e conquistas da vida.
no desenvolvimento do projeto, pelas inúmeras aulas em relação a
cultura caiçara.
Ao meu orientado Ricardo, por acreditar no projeto, estar
presente e disposto em todos os momentos, compartilhando risadas, idéias, conhecimento, e contribuindo imensamente para meu crescimento.
Aos meus queridos professores, que tanto me ensinaram
e fizeram parte da minha evolução. Pela inspiração, disposição e alegria em compartilhar e passar o conhecimento.
Aos meus amigos por todos os momentos compartilhados
e emoções durante a faculdade, que serão lembradas com muito carinho.
A minha prima Babi, por partilhar essa curiosidade pelas
comunidades caiçaras, que me inspira e ensina a ver a beleza na simplicidade.
Ao meu amigo André pelos constantes aprendizados que
leavrei para a vida.
A comunidade Caiçara que tanto me ensinou sobre 5
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Cultura para nós, insisto, são todas as manifestações humanas, inclusive a cotidianidade, e fundamentalmente na cotidianidade está a descoberta do diferente, que é essencial. Esta é uma concepção do essencial que é distinta do tradicional, que considera o essencial como o comum, os traços comuns. No entanto, para nós, e acredito que você concorda comigo, o essencial é o diferente. Ao lado Pescador na Ilhabela, 2019. Fonte : Acervo Pessoal.
Paulo Freire para Antônio Faundez 7
Sumário PARTE 1 | CULTURA CAIÇARA Capítulo I - Introdução Origem e História 16 Modo de vida 18 Reconhecimento do Estado 21 Capítulo II - Origens Construção em Terra 28 Capítulo III - Embasamento Justificativa 34 Estudo de Caso 38 PARTE 2 | PROJETO ARQUITETÔNICO Capítulo IV - Projeto Objetivos 45 Partido 45 Programa de Necessidade 46 Desenhos do Projeto Capítulo V - Sistemas Construtivos Técnicas Construtivas 57 Cobertura 60 Taipa a Mão 63 Taipa de Pilão 64 Adobe 64 8
PARTE 3 | DA EXPERIÊNCIA Capítulo VI - Vivência e entedimento Curso Adobe
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PARTE 4 | FINALIZAÇÃO
Conclusão Bibliografia
72 73
PARTE 1 | CULTURA CAIÇARA
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CAPÍTULO I | INTRODUÇÃO
10 Senhor na praia do Bonete, Ilhabela, 2018. Fonte : Acervo Pessoal. Canoa Ilhabela, 2020. Fonte : Acervo Pessoal.
Apresentação
redemocratização. Analisando o caso do Jardim São Francisco II, empreendimento destinado a Habitação de Interesse Social (HIS)
O Trabalho Final da Graduação me fez refletir sobre o
na cidade de São Paulo no ano de 1989, o qual foi construindo
significado da concepção de uma arquitetura voltada na criação de
por sistema de mutirão, contando com a participação e empenho
espaços mais humanos para as pessoas. Busquei a fusão entre o
da comunidade que usufruiria do complexo, sendo inegável seu
conhecimento aprendido na academia e as experiências externas.
sucesso como concepção e construção de uma política social
habitacional.
Durante minha formação tive a oportunidade de estagiar
na São Paulo Urbanismo (empresa pública paulistana de
Busquei também referências em coletivos, como Escolas
urbanismo), na área de Participação Social, onde identifiquei um
sem Muros, que tem o Thomaz Lotufo como um dos fundadores,
constante distanciamento entre os arquitetos e as comunidades
o qual tive o prazer de participar em um dos seus cursos sobre
locais. Ao longo dos anos, foi disseminado um pensamento de que
Bioconstrução.
apenas os profissionais graduados são os agentes decisivos para a
configuração dos ambientes.
por materiais naturais para identificar as características do local,
O coletivo visa uma arquitetura mais humana, optando
fazendo assim, com que a arquitetura seja um reflexo do contexto.
Entretanto, julgo que o arquiteto possuí papel fundamental
para a troca entre a técnica aprendida e a experiência das pessoas que usufruirão os espaços.
Sua metodologia é baseada na aproximação
Uma experiência interessante a ser citada são as dos
(valorização da identidade local), construção (o
mutirões. Mutirões são práticas antigas e muito disseminadas
canteiro de obra como plataforma de aprendizado) e
na estrutura nacional, em escala municipal, sobretudo após a
cuidado (gestão compartilhada de espaços públicos
11
e estruturas de cuidado), propondo um processo de
Introdução
educação integral. (ARRUDA, 2018)
O tema do presente trabalho visa um projeto
Diante disso, considerando a bagagem adquirida, apresento
arquitetônico na Ilha dos Búzios, situada no arquipélago de
o meu trabalho final de gradução, o qual busco resgatar e aplicar
Ilhabela, o qual se proprõe a operar como um Centro Educacional
todos estes elementos através de um projeto arquitetônico situado
e cultural da comunidade caiçara, a fim de disseminar a beleza,
na Ilha dos Búzios, no litoral do estado de São Paulo.
a riqueza, além de contribuir para a preservação de sua cultura.
Nas instalações projetadas, são propostas atividades diversas, visando as trocas de conhecimento entre as gerações, espaços de convivência, lazer, de permanência à comunidade local, bem como a pesquisadores da cultura caiçara.
O projeto do centro cultural da comunidade caiçara parte
do conceito de memória do pertencimento, arquitetura vernacular e a educação.
Conceitos Memória do pertencimento
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura ((UNESCO) o patrimônio imaterial 12
faz parte de um conjunto de saberes, expressões, técnicas, e
(...) e elas nos estimulam e inspiram a recordar
sua preservação significa o cuidado e o respeito da história, que
como a imaginar. Memória e fantasia, recordação e
constitui o patrimônio nacional, contribuindo para a identidade da
imaginação, são relacionadas entre si, e as relações
nação.
sempre tem conteúdo situacional específico. Aquele que não consegue se lembrar, tem muita Patrimônio é tudo o que criamos, valorizamos e
dificuldade em imaginar, pois a memória é o solo
queremos preservar: são os monumentos e obras
da imaginação. A memória também é o terreno
de arte, e também as festas, músicas e danças,
da identidade pessoal: somos o que lembramos
os folguedos e as comidas, os saberes, fazeres e
(PALLASMAA, 2018, P.16 -17)
falares. Tudo enfim que produzimos com as mãos,
Educação
as idéias e a fantasia. (Londres, 2005).
A educação sempre ocupou um espaço de suma
importância na história da sociedade, desepenhando um papél Observando o analisado por Palasmaa, notamos que se
fundamental na transmissão de conhecimentos teóricos, valores,
discorre sobre a relação e importância de espaços, sensações,
identidades, costumes, hábitos, técnicas, e vivências , sendo um
cheios e vazios, ambientes para a concretização e continuidade da
pilar da existência da civilização humana.
cultura e comunidade, relacionando a memória com a arquitetura. Ensinar não é tranferir conhecimento, mas criar As edificações atuais servem como importantes
as possibilidades para a sua produção ou a sua
mecanismos da memória: (...) elas materializam e
construção. Quem ensina, aprende ao ensinar, e
preservam a passagem do tempo e a tornam visível
quem aprende, ensina ao aprender. (FREIRE, 1996.)
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Origem e História
Arquitetura Vernacular
Palavra de origem látina (latim: vernaculus)
significando apropriado ao local ou país de
içara, e eram assim chamadas as estacas posicionadas em torno
nascimento ; nascido na casa de alguém. (HOUAISS,
das tabas ou aldeias indígenas e, posteriormente, os ranchos
2001)
para abrigar canoas e redes. Com o passar do tempo, foi esta
A arquitetura vernacular é o modo de construir a partir de
O termo caiçara tem origem no idioma Tupi-Guarani caá-
denominação aplicou-se aos moradores da região litorânea.
elementos, materiais e técnicas locais, os quais por transmissão
(Andeáos, 2010)
geracional são definidos como os mais adequados, e disponíveis a
comunidade.
história pela alternância de períodos, ora com atividades voltadas
A ocupação do litoral por estas populações é marcada na
mais para o mar, ora para a terra. No arquipélago de Ilhabela, existem 15 comunidades tradicionais caiçaras. Com aproximadamente 800 pessoas, essas importantes comunidades preservam hábitos e culturas centenárias.
14
Canoa Perequê, Ilhabela 2020. Fonte : Acervo Pessoal.
No período pré-histórico, há mais de 2500 anos, as ilhas já
Nesse período, povoados remanescentes se fixaram
eram habitadas por seres humanos (Cali, 2000 ; Bendazzoli, 2009),
nas terras desenvolvendo modos de vida voltados
sendo que foi encontrado na região da Ilhabela ossos de animais,
à subsistência e pequena atividade mercantil.
fogueiras, restos de conchas, ossos de seres humanos e artefatos
Se dedicaram à formação de uma economia
manualmente trabalhados. Indícios arqueológicos indígenas
de subsistência, caracterizada pela diversidade
também foram encontrados no litoral, como vestígios de cerâmica
agrícola de gêneros de primeira necessidade,
de tradição itararé, onde exerceram influência na região. (Cali,
pela exploração de recursos naturais e atividades
2000).
de pesca (...) assim constituíram-se as chamas
No período pós-colonial disputas entre indígenas e europeus
comunidades tradicionais, que no litoral ficou
marcaram um período de violência e resistência. Diferentes
conhecida como caiçara. (SMA-SP, 2008, p. 125)
cenários de atividades de produção como a cana de açúcar, produção de café, contrabando de ouro e pesca, desenvolveram-se
Os caiçaras, por estarem tão próximo do mar e da terra,
na região, fazendo parte engenhos, fazendas, fortes, igrejas, praças,
possuem uma forte ligação e respeito com a natureza. A terra
e o início de uma urbanização. Nos primeiros séculos da ocupação
representa um local de alimentação, abrigo, proteção e residência
européia na região, foram desenvolvidas atividades relacionadas
da família, por outro lado o mar é a imensidão, e a pesca, de onde
ao contrabando e tráfico de escravos e pescas de baleia. Com a
provem praticamente todo o seu sustento.
migração do início do século XX, migrantes japoneses trouxeram
consigo, durante a ocupação de novas terras, novas técnicas de
sua dependência dos recursos naturais, florestais e marítimos,
pesca, potencializando a atividade pesqueira principalmente na
conhecimento dos ciclos naturais, que se refletem na elaboração de
Ilhabela.
técnicas e sistemas a partir dos recursos naturais. As comunidades
O caiçara tradicional é definido pelo seu modo de vida,
15
mantiveram sua forma tradicional de vida até a década de 1950,
Modo de vida
quando as primeiras estradas pavimentadas de rodagem interligam as áreas litorâneas com o planalto paulista, ocasionando o início de
um novo fluxo migratório para a cidade de Santos e seus arredores.
e cultural dos índios nativos e colonizadores europeus e,
Atualmente, as tradições caíçaras permanecem com seus
posteriormente, dos africanos escravizados. Sua cultura é marcada
valores enraizados, apesar de a partir da década de 1970, grande
por essas influências e refletida em seus costumes, valores,
parte do seu território fora transformado em áreas naturais
técnicas construtivas, religião, festas e estilo de vida. A posse de
protegidas, dificultando as atividades econômicas exercidas pela
suas terras vinha por cartas de sesmaria, passando de pai para filho
comunidade desde então. Em decorrência da urbanização e
sucessivamente. Diante dessa herança, a comunidade carrega um
globalização, a comunidade caiçara vêm se voltando para o turismo,
sentimento forte de pertencimento das suas origens.
Os caiçaras foram moldados pela miscigenação genética
afim de dinamizar a obtenção de renda, inciando atividades como viagens de canoa para turismo, aluguel de casas, limpeza de casas
Um conjunto de valores, visões de mundo, práticas
de veraneio e guia de trilhas.
cognitivas e símbolos compartidos, que orientam
As comunidades mais afetadas pela oferta deste tipo de
os indivíduos em suas relações com a natureza
serviço são as próximas aos centros urbanos, a Ilha do Búzios como
e com os outros membros da sociedade e que
consequência da distância e ausência de turismo, ainda apresenta
se expressam também em produtos materiais
fortes características tradicionais caiçaras, sendo sua economia
(moradia, embarcação, instrumento de trabalho)
voltada em torno da venda de pescados, produção de artesanato
e não materiais (linguagem, música, dança, rituais
e, em uma menor escala, a produção agrícola.
religiosos). (DIEGUES, 2012)
16
A herança indígena trouxe os artesanatos, as casas de
farinha e técnicas de plantio. Enquanto dos negros, foi herdado uma das tradições mais importantes na cultura caiçara, que é a chamada Congada, uma espécie de comemoração em todo mês de março de lua cheia, originada do país Congo. Dos colonizadores, o que mais chama a atenção é a utilização de elementos e técnicas construtivas nas habitações caiçaras, como a taipa e a cerâmica.
A pesca e canoa desenvolvem um papel fundamental da
cultura: A canoa carrega em si a essência da identidade
Canoa em Artesanato, 2019. Fonte : Acervo Pessoal.
caiçara: o povo que transita entre a mata (agricultor e coletor) e o mar (pescador). É através da canoa que essas naturezas se relacionam, se tocam, se mesclam e permitem a expressão do ser caiçara. (MALDONADO, 2001)
Canoas em Ilhabela, 2018. Fonte : Acervo Pessoal.
17
Um dos principais pratos tradicionais caiçaras é o peixe azul
finos, ripas ou varas (...) amarradas com (materiais
marinho, apelidado devido sua cor adquirida após ser cozido. É
próprios para cordas) conhecidos no Brasil pelo
acompanhtradicionalmente por banana verde da terra e seu ponto
nome genérico de imbiras. Feita a trama, é o barro
perfeito é adquirido somente com a experiência e o tempo. Outros
jogado e apertado sobre ela, trabalho que se faz
exemplos de comidas tradicionais são a tainha seca, camarão
apenas com as mãos, sem auxilio de qualquer
caldeira e a moqueca acompanhado de mandioca da terra.
ferramenta. (VASCONCELLOS, 1979, p.45)
A cultura construtiva caiçara traz elementos tradicionais
do período colonial, que a influenciou de forma quase totalitária em sua linguagem arquitetônica. A técnica pau a pique é a mais utilizada, que apresenta longos beirais, para a proteção das chuvas, telhas cerâmicas coloniais ou cobertura em fibras vegetais e o uso de janelas e portas de madeira, maider essa que já são previstas na construção do entramado da taipa, que são apoiadas por vigas e colunas de madeira. (…) tipo de vedação que consiste em paus colocados perpendicularmente entre os baldrames e os frechais, neles fixados por meio de furos ou pregos. Estes paus são frequentemente roliços, com sua casca inclusive (...) Normalmente a estes são colocados outros, (horizontalmente) mais
18
Moradia Caiçara, Praia de Castelhanos, 2018. Fonte : Acervo Pessoal
A legislação e o reconhecimento do Estado
ilhas brasileiras, só podem ser autorizadas em situações especiais, em caráter provisório e revogável.
Constituição Brasileira
e Ilhabela. A Lei visava a proteção da natureza e remanescentes da
A carta maior do pais refere-se diretamente a educação,
parte integrante e inerente a sociedade, a qual deve ser provida pelo
Em 1977 instituiu-se os Parques Estaduais da Serra do Mar
Mata Atlântica.
estado, reconhecida pela família, traduzindo-se um crescimento
(...) Art. 10 É expressamente proibida a coleta de
do cidadão, que o trará a sua cidadania e o seu sustento.
frutos, sementes, raízes ou outros produtos dentro da área dos Parques Estaduais;
Art.205 - A educação, direito de todos e dever do
(...) Art.13 É expressamente proibida a prática
Estado e da família, será promovida e incentivada
de qualquer ato de perseguição, apanha, coleta,
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
aprisionamento e abate de exemplares da fauna dos
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
Parques Estaduais, bem como quaisquer atividades
exercício da cidadania e sua qualificação para o
que venham a afetar a vida animal em seu meio
trabalho. (BRASIL, 1988)
natural. (...) Art. 16 Os animais domésticos, domesticados,
Posse da ilha
ou amansados, sejam aborígines ou alienígenas,
não poderão ser admitidos nos Parques Estaduais.
O Decreto- Lei n° 9.760, de setembro de 1946, determina
que as ilhas situadas em território brasileiro, excetuando-se a de
(...) Art. 27 Só serão admitidas residências nos
direito de estados e municípios, são propriedade da união e dispõe
Parques Estaduais, se destinadas aos que exerçam
sobre sua ocupação em determinadas situações. As ocupações das
funções inerentes ao seu manejo. (BRASIL, 1946)
19
O que por um lado ocasionou em uma redução da ocupação
Tombamentos
imobiliária, por outro não considerou a comunidade tradicional que
A resolução N° 40/85 do CONDEPHAAT dispôe sobre o
habitavam e dependiam dessas atividades para a sobrevivência.
tombamento da mata atlântica da Serra do Mar como patrimônio
O modo de vida caiçara foi então altamente prejudicado,
histórico e cultural, contendo o processo de ocupação.
ocasionando em uma série de conflitos entre a comunidade local e
as autoridades do parque que percorre até os dias atuais.
se tornaram medidas, com a elaboração do Plano de Gestão
Foi apenas na segunda metade de 1990, que as discussões
Ambiental (PGA), ocasionando um processo de resistência a favor “vale ressaltar que a criação dessas Unidade de
dos direitos das comunidades tradicionais.
Conservação foi motivada pelos valores e aspectos biológicos, físicos e cênicos que determinaram
Atualmente, as comunidades tradicionais são
a sua delimitação, ignorando a presença das
reconhecidas e respaldadas em leis, podendo
comunidades tradicionais, que em alguns casos
citar-se a Constituição Federal, em 1988, o
forma contidas pelos limites dos parques e em
Sistema Nacional de Unidades de Conservação
outros, passaram a integrar a área do entorno.
(SNUC) em 2000, a Convenção 169 da Organização
(NOGARA, 2007)
Internacional do Trabalho (OIT) em 2003, o Plano Diretor de Ilhabela (PDI) em 2006, a Política Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) em 2007, Lei Federal 13.123 em 2015 e o Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte (GERCOLN) em 2017. (MARCONDES, 2019)
20
Sistema Nacional de Unidade de Conservação SNUC 2000
Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) 2003
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação é um
A
convenção
n°169
da
Organização
Internacional
conjunto de unidades de conservação com objetivo da proteção das
do Trabalho apresenta avanços em relações em direitos e
comunidades tradicionais, em prol da preservação dos ecossistemas
reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais, dando
naturais, promovendo o desenvolvimento sustentável.
importância a seus aspectos sociais, culturais e econômico, além do
direito de autodeterminação dos povos, possibilitando as próprias
Além de criar novas categorias de manejo, o SNUC prevê o
Plano de Manejo e Conselho Gestor, servindo como espaços para
comunidades se auto definirem.
gestão participativa e integração de políticas públicas. Art.
1º
a)
aos
povos
tribais
em
países
Art. 20. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável
independentes, cujas condições sociais, culturais
é uma área natural que abriga populações
e econômicas os distingam de outros setores da
tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas
coletividade nacional, e que estejam regidos, total
sustentáveis de exploração dos recursos naturais,
ou parcialmente, por seus próprios costumes ou
desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados
tradições ou por legislação especial;
às condições ecológicas locais e que desempenham
Art.
um papel fundamental na proteção da natureza e
responsabilidade de desenvolver, com a participação
na manutenção da diversidade biológica. (BRASIL,
dos povos interessados, uma ação coordenada e
2000)
sistemática com vistas a proteger os direitos desses
2°
1.Os
governos
deverão
assumir
a
povos e a garantir o respeito pela sua integridade. (BRASIL, 2004)
21
Plano Diretor de Ilhabela (PDI) 2006
Política Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais
(PNPCT) 2007
O Plano Diretor de Desenvolvimento Socioambiental do
Município de Ilhabela, foi instituído em outubro de 2006, afim
A PNPCT foi instituída em 2007 pelo decreto n°6.040,
de incorporar o instrumento normativo e orientador do modelo
reforçando os direitos da comunidade caiçara tradicional, com
espacial de cidade, com planejamentos, estratégias e diretrizes.
ênfase na garantia de seus direitos territoriais, sociais, econômicos,
Entretanto, o capítulo sobre as comunidades caiçaras é
ambientais e culturais, respeitando e valorizando à identidade das
demasiadamente curto. O artigo 32, um dos poucos que dispõe do
comunidades. a comissão é dividida por quinze representantes
assunto, determina diversas regras afim de garantir a qualidade de
de entidades e órgãos da administração pública federal e quinze
vida, conservação do meio ambiente e o modo de vida tradicional.
representantes de organizações não governamentais, presidida
Dentre delas:
pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS.
22
(...) k) criação de um centro de estudos caiçara
Há tambem os representantes da sociedade civil, onde
voltado para conservação das florestas tropicais e
se alocam membros da cultura caiçara, cigana, povos indígenas,
recursos marinhos;
quilombolas, entre outras.
p) restaurar a moradia caiçara investindo no
Art. 3° - São objetivos específicos da PNPCT:
modelo construtivo tradicional, mas melhorando a
I- garantir aos povos e comunidades tradicionais
qualidade das casas;
seus territórios, e o acesso aos recursos naturais
q) definir um programa prioritário de investimentos
que tradicionalmente utilizam para sua reprodução
na Orla Marítima a partir das comunidades
física, cultural e econômica;
tradicionais. (ILHABELA, 2006)
II - solucionar e/ou minimizar os conflitos gerados
pela implantação de Unidades de Conservação
social;
de Proteção Integral em territórios tradicionais e
XI - garantir nos programas e ações de inclusão social
estimular a criação de Unidades de Conservação de
recortes diferenciados voltados especificamente
Uso Sustentável;
para os povos e comunidades tradicionais;
III
-
implantar
infra-estrutura
adequada
às
XV - reconhecer, proteger e promover os direitos
realidades sócio-culturais e demandas dos povos e
dos povos e comunidades tradicionais sobre os seus
comunidades tradicionais;
conhecimentos, práticas e usos tradicionais;
V - garantir e valorizar as formas tradicionais de
XVI - apoiar e garantir o processo de formalização
educação e fortalecer processos dialógicos como
institucional, quando necessário, considerando as
contribuição ao desenvolvimento próprio de cada
formas tradicionais de organização e representação
povo e comunidade, garantindo a participação e
locais; e
controle social tanto nos processos de formação
XVII - apoiar e garantir a inclusão produtiva com a
educativos formais quanto nos não-formais;
promoção de tecnologias sustentáveis, respeitando
VI - reconhecer, com celeridade, a auto-identificação
o sistema de organização social dos povos e
dos povos e comunidades tradicionais, de modo
comunidades tradicionais, valorizando os recursos
que possam ter acesso pleno aos seus direitos civis
naturais locais e práticas, saberes e tecnologias
individuais e coletivos;
tradicionais. (BRASIL, 2007)
X - garantir o acesso às políticas públicas sociais e a participação de representantes dos povos e
Apesar dos avanços em relação as leis defensórias das
comunidades tradicionais nas instâncias de controle
populações tradicionais, ainda é uma luta constante pelos seus 23
direitos sobretudo na questão de propriedade, compreendendo por fim, que os caiçaras que lá habitam a diversas décadas e gerações não são, pela lei atual, proprietários legais da terras que habitam, possuindo apenas um termo frágil que reconhece e permite a ocupação das terras em rígidas regras, muitas das quais, conflitantes com suas tradições.
24
CAPร TULO II | ORIGEM
25 Caiรงara utilizando sua canoa, Ilhabela, 2018. Fonte : Acervo Pessoal. Crianรงa brincando com canoa, Praia de Castelhanos, Ilhabela. Fonte : Marco Yamin
Construção em terra
vira terra de novo e pode ser usada para plantio. (SABINDO; ROCHA; SANTOS; VASCONCELOS, 2011)
Considerando que a construção civil é um dos setores
que mais causa impactos no meio ambiente, devido ao alto
As técnicas de construção com a terra são conhecidas e
consumo de materiais, energia e geração de resíduos, a vertente
executadas há muitos séculos por todas as partes do mundo e está
da bioconstrução comprova que é possível fazer uma arquitetura
em todos os continentes habitáveis. É presente em monumentos e conjuntos arquitetônicos
de qualidade com a utilização de matérias primas, recicladas ou naturais.
significativos da história da humanidade, e classificados como
São caracterizadas pelo seu baixo consumo de energia e
patrimônio mundial pela UNESCO. Como partes da muralha da
baixa emissão de carbono, suas qualidades ambientais relacionadas
China, templo Ramsees no Egito, a mesquita de Djenné no Mali,
ao conforto e consumo racional de recursos naturais, são apontados
entre tantas outras.
por diversos autores como incentivo à utilização dessa técnica.
A
Grande
muralha
da
China
foi
construída
há
aproximadamente 3.000 anos e apresenta a técnica de taipa de o barro garante conforto térmico no inverno e no
pilão, como é ilustrado na figura abaixo. Muito das passagens
verão porque a umidade é mantida em níveis ideais.
que inicialmente eram construídas de taipa, mais tarde foram
(SANTUCCI, 2011)
revestidos por pedra.
ficou o preconceito de que é coisa de pobre, mas o barro é um material nobre e tem vantagens como
26
não gerar entulho. Se a construção for demolida,
A figura abaixo representa um dos maiores edifícios de
adobe do mundo, localiza-se na cidade de Djenné, no Mali. Sua construção deu-se início por volta do ano de 1906. É considerado um ícone arquitetônico.
Fonte : Curso Ekoa Park, Thomaz Lotufo, Márcio Holanda, 2020
A figura a seguir é do templo de Ramsé II em Gourna,
construção em adobe há aproximadamente 3.200 anos. Esse é apenas um dos exemplos onde sua execução foi há milhares de anos e mesmo assim conseguiram resistir em sua grande parte ao século XXI. Fonte : Curso Ekoa Park, Thomaz Lotufo, Márcio Holanda, 2020
Fonte : Curso Ekoa Park, Thomaz Lotufo, Márcio Holanda, 2020
27
A importância do adobe é ressaltada também pelo fato
No início da década de 70, a comunidade
de que três bilhões de pessoas, ou seja, quase a metade da
internacional, pela primeira vez, realizou um
população mundial, habitam/ trabalham/ frequentam/ moram em
encontro em Yazd, Irã, e expressou a necessidade
construções de terra.
de proteger e valorizar o patrimônio arquitetônico
A imagem abaixo representada em vermelho a mancha.
construído com terra crua. (BENDAKIR, 2009)
Regioes do mundo com tradicao
em construcao com terra em construção com terra Regiões do mundo com tradição
Desde então, com a consciência mundial para o
desenvolvimento sustentável, as construções em terra vêm crescendo no âmbito arquitetônico, e se aprimorando. Desde então, com a consciência mundial para o desenvolvimento sustentável, as construções em terra vêm crescendo no âmbito arquitetônico, e se aprimorando.
O grupo CRATerre-EAG situado na França é mundialmente
conhecida como uma das agencias líderes para o desenvolvimento da arquitetura de terra, adquiriu a partir de 1986 uma dimensão institucional com o reconhecimento do Estado Francês. Segue a linha de utilizar o material como papel social. Fonte : Curso Ekoa Park, Thomaz Lotufo, Márcio Holanda, 2020
Nos Estados Unidos essa técnica vem cada vez mais se
tornando utilizada. Na parte oeste, o adobe entrou em padrões e códigos de obras americano (the adobe code). 28
A Rural Studio localiza-se em Alabama, é um programa de
projeto da Faculdade de Arquitetura e Design e Construção da
resistência para a utilização desse material, sendo considerado
Auburn University, tem como objetivo contribuir para residências
técnicas construtivas antigas e marginalizadas, mas a construção
de pessoas em situações de vulnerabilidade social.
em terra se mostra cada vez mais adaptável a outros materais
O sistema construtivo se da majoritariamente pela utilização
que vem. A utilização dessas técnicas representam a valorização e
de paredes pré-fabricadas em taipa. De acordo com Parreira (2007)
preservação de um patrimônio cultural intangível que, ao atualizar-
o regulamento utilizado neste país para a construção em terra é
se, se transmitem. Segue alguns exemplos de arquitetura nos
um dos mais completos a nível internacional, tem força legal é
tempos atuais com a utilização dessa técnica.
estruturado em três partes:
• NZS 4297:1998 Engineering Design and Earth Buildings
(estabelece critérios de desempenho em termos de durabilidade, resistência, retracção, isolamento térmico e resistência ao fogo)
• NZS 4298:1998 – Materials and Workmanship for Earth
Buildings (exigências em termos de materiais e de mão-de-obra)
• NZS 4299:1998 – Earth Buildings not Requiring Specific
Design (edificios com menos de 600m2 (ou 300m2 por piso) e estabelece soluções construtivas para as paredes, fundações, lintéis.
Paredes com sistema construtivo de Taipa de Pilão. Estados Unidos, Califórnia. Aidlyn Darling Design. Fonte : Curso Ekoa Park, Thomaz Lotufo, Márcio Holanda, 2020
As imagens a seguir, referem-se a exemplos de arquiteturas
atuais que utilizaram a taipa de pilão. Ainda no Brasil há uma 29
Sistema Construtivo de Taipa de Pilão. Cidade do México. fabriKG Arquitetura Fonte : Curso Ekoa Park, Thomaz Lotufo, Márcio Holanda, 2020
Mistura Quincha Metálica com Taipa. Chile. Arias Architectos Associados Fonte : Curso Ekoa Park, Thomaz Lotufo, Márcio Holanda, 2020
Taipa Pré Fabricada. Suiça. Herzog & de Meurong Fonte : Curso Ekoa Park, Thomaz Lotufo, Márcio Holanda, 2020
Taipa Pré Fabricada. Nova Zelândia. Assembly Architects Fonte : Curso Ekoa Park, Thomaz Lotufo, Márcio Holanda, 2020
30
CAPร TULO III| EMBASAMENTO
31 Canoa, Ilhabela, 2020. Fonte : Acervo Pessoal. Familia caiรงara, Paraty 2016. Fonte : Acervo Pessoal.
Justificativa
a temática do projeto representa ainda que singelamente, um reconhecimento da importância cultural tradicional caiçara.
Durante toda a minha infância, tive uma relação muito
Em busca de informações e dados, iniciei a pesquisa na
próxima com a Ilhabela. Parte da minha família mora no
base de conversas, percepções, e ponto de vista dos habitantes da
arquipélago, sendo assim, vinha para visitá-los constantemente.
Ilhabela. Diante desse levantamento, me deparei com o arquiteto
Ao longo dos anos, comecei a ter curiosidade sobre a história da
Alain Mantchev, que trabalha diretamente com a comunidade
Ilha e seus habitantes, quando pequena sempre me contavam dos
caiçara há 16 anos. Após inúmeras conversas, cheguei à conclusão
tesouros e mistérios que ela possuía, piratas presentes em todas as
de que as comunidades caiçaras mais próximas do centro urbano
conversas.
de Ilhabela estão sendo diretamente influenciados pelo turismo,
Foi apenas em 2016 que tive um contato próximo com a
perdendo de certa forma características tradicionias. Portando o
cultura caiçara. Fomos fazer uma trilha para a praia do Bonete,
projeto olhou para a Ilhas afastada, precisamente a Ilha dos Búzios,
com duração de 3 horas, na volta, devido a um contratempo do
com a premissa de entender o que a comunidade realmente busca,
mar, tivemos que dormir por lá. Fomos acolhidos por uma família
e assim, propor uma arquitetura diante de uma demanda real. Um
caiçara, que abriu sua casa com o maior carinho e acolhimento
dos pontos mais citados é a educação precária da população.
para nós. O que de início era uma noite, se estendeu para três, e por um curto período de tempo, vivenciamos seus costumes e
Primeira questão em quanto a percepção da ilha,
tradições.
ela não é turista, a comunidade não oferece nada
Tive a percepção de que as pessoas apreciam muito a beleza
de turismo para receber pessoas (..) a escola é uma
natural da Ilha, porém de certa forma, deixam de lado a riqueza
demanda real da comunidade, o que falta é um
histórico cultural que ela carrega. Diante a escolha da localização, 32
espaço educacional voltado para os moradores de
todas as idades (Transcrição de áudio, realizada no
seu entorno, causando conflito com a população local, que exerce
dia 07/02/2020, MANTCHEV, Alain)
a pesca como principal fonte de renda. A ilha dos Búzios é formada por uma média de 200 pessoas.
A Ilha dos Búzios, inserido no interior do Parque Estadual
de Ilhabela (PEIb) localiza-se a uma distância de 15 milhas do
A escola municipal existente atinge somente as
centro de Ilhabela ( 1h de barco), e é diferenciado pelos setores
crianças do ciclo 1 do ensino fundamental. A
sul e norte, divididos em três núcleos de comunidade caiçara, a
população é formada por 26 crianças ( 0 – 10 anos)
Pitangueiras, Guanxumas e Porto do Meio. A figura a seguir ilustra
35 jovens (11 – 20 anos), 99 adultos (21 a 60 anos) e
a configuração geográfica do arquipélago.
22 idosos (61 ou mais). (PIRRÓ, 2008) Ilha de Vitória
São Sebastião Ilha de Búzios
Ilhabela
N 0
5
10 Km
Ilha dos Búzios vista aérea. Fonte : Alain Mantchev.
Ilha dos Búzios vista frontal. Fonte : Acervo Pessoal.
Mapa Localização Ilha dos Búzios. Fonte : Acervo Pessoal.
ilha, é notável um leve decréscimo mediante aos anos.
Seu acesso depende das boas condições marítimas, a Ilha
De acordo com a análise de crescimento populacional da
não apresenta atividade turística, somente atividades de pesca em 33
Crescimento Populacional Ilha dos Búzios, 2008
O gráfico abaixo consta que 74% da população caiçara
permanece no local aonde nasceram, indicando que mesmo com
250 200
os movimentos migratórios, as pessoas retornam ao seu local de
150
origem, a maioria dos moradores é nascida na própria comunidade,
100
grande parte dos casamentos ocorrem com membros da mesma
50 0 1992
família. 1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
Ano
toral Norte 4%
ros Municipios 4%
Comunidades tradicionais do Arquipelago de Ilhabela, 2008
Dinámica Populacional Ilha dos Búzios, 2008. Fonte :Mariana Pirró.
250 200
150
Diante dessa análise, foi feito um levantamento de opiniões,
intenções da comunidade local sobre suas perspectivas futuras em
Na propria comunidade 74%
Outras Comunidades Tradicionais 18%
100 50 0 1992
relação ao número de habitantes da ilha. Litoral Norte 4%
Diversas famílias pensam que irá diminuir, uma vez que as famílias estão indo embora para a cidade
Outros Municipios 4%
em busca de estudo e trabalho. A vida na ilha está difícil, a pescaria está ruim e não há alternativas de trabalho. Já tem famílias indo embora em busca de trabalho e estudo para os filhos. (PIRRÓ,2008)
34
Gráfico de Origem dos moradores, residentes das comunidades tradicionias caiçaras, 2008. Fonte: Mariana Pirró.
Analisando o processo de migração, pode-se compreender o movimento de desocupação das famílias, pode ser entendido, como uma somatória de fatos que compreendem as dificuldades do isolamento que a ilha possui, a falta de infraestrutura institucional educacional pública, a oferta de empregos e renda e as facilidades oferecidas pela vida no continente.
A Arquitetura de Terra, representada pelas técnicas de
taipa, faz parte da história da construção caiçara, e sua utilização percorre entre gerações, com poucas alterações decorrente ao longo dos anos. Segundo levantamento realizado : 12 das 15 comunidades tradicionais existentes em Ilhabela, 50,31% das habitações é feita de pau- a- pique. (Pirró,2008).
No entanto, apesar da existência dessas técnicas, o concreto
e maderite está tomando espaço nas comunidades tradicionais, o que contribui para a descaraterização das vilas, perda da economia, e autonomia da construção local, além de gerar gastos adicionais, tendo em vista a contratação de mão de obra qualificada pela construção convencional. (Mantchev, 2010)
35
Estudo de caso
baixo custo e tradicionais. A escola inspira orgulho e solidariedade,
o arquiteto é nativo da vila e quando criança aos 7 anos, foi para a
No âmbito dos espaços educacionais em áreas rurais, é
comum vermos a presença de materiais naturais, como adobe,
Alemanha afim de buscar ensino de qualidade.
bambu, madeira entre outros, pois além de possuir um preço acessível, traz benefícios em relação as sensações térmicas do
Quando cheguei na Europa e tive acesso às
local.
informações sobre arquitetura pensei em me dedicar,
Um dos exemplos de qualidade e eficiência é a escola
paralelamente, à adaptação daquele conhecimento
primária de Gando, localizada em Burkina Faso, pelo arquiteto
para as necessidades da minha vila. Queria criar
Diébédo Francis Keré
uma escola que fosse agradável e resistente, tanto à
Ano da Construção | 1998 - 2001
estação chuvosa quanto à seca, uma infraestrutura útil e na qual se utilizassem materiais locais – não tinha dinheiro para a construção – e que envolvesse
as pessoas na sua execução. Queria aprender com elas e ensinar algo em troca também. Foi com essas ideias que comecei o projeto. Eu era um jovem estudante, ainda com pouco conhecimento na área, mas pensei que não deveria esperar o final
Fonte Archidaily, 2001. https://www.archdaily.com.br/br/786882/escola-primaria-em-gando-kere-architecture. Acesso 01/05/2020
Com a participação da comunidade, o projeto utiliza materiais de 36
do curso para começar o trabalho. Parecia-me que, amparado pelas pessoas de Gando, o pouco que eu já sabia bastava para começar a construção. Este
era o meu plano, retribuir a minha comunidade pela oportunidade que tive de estudar. E posso dizer que tive sucesso, vieram outros projetos e, ainda no segundo ano da faculdade, terminei o terceiro trabalho em Gando. ( PROJETO, 2020)
As habilidades aprendidas durante o processo de construção
foi um sucesso tão grande, que influenciou as aldeias vizinhas a construir suas próprias escolas. Os conhecimentos aprendidos foram utilizados como uma de gerar trabalho qualificado para a comunidade.
Fonte Archidaily, 2001. https://www.archdaily.com.br/br/786882/escola-primaria-em-gando-kere-architecture. Acesso 01/05/2020.
Houve uma troca de conhecimento, cooperação e
mobilização entre todas as idades da comunidade, as crianças
recolheram pedra para a fabricação dos tijolos, enquanto as
generosos beirais para a proteção das chuvas constantes no
mulheres a agua. Nas paredes, foi utilizado os tijolos de argila,
local, também faz a troca entre o ar quente e fresco através de
elemento de abundancia no local e com vantagem climática de
perfurações no teto. Com essa ventilação arejada não é necessário
proteção contra o clima quente.
o uso de ar condicionado no local. Em 2004 ganhou o Prêmio Aga
Khan de Arquitetura.
A cobertura foi feita a partir de zinco suspenso, com
37
Fonte Archidaily, 2001. https://www.archdaily.com.br/br/786882/escola-primaria-em-gando-kere-architecture. Acesso: 01/05/2020.
Fonte Archidaily, 2007. https://www.archdaily.com/51664/handmade-school-anna-heringer-eike-roswag. Acesso: 07/05/2020.
Outro exemplo é a escola METI (Modern Education and
Afim de contribuir com a identidade local e sustentabilidade,
Training Institute) projetado pelas arquitetas Anna Heringer com
a arquitetura da escola é um reflexo do que a escola simboliza, a
colaboração da Eike Rosweg.
metodologia da escola busca um incentivo à parte artisitica dos
Ano da construção | 2005 – 2006
alunos para o desenvolvimento de seu ambiente rural.
A obra encontra-se no vilarejo de Rudrapur em Bangladesh,
A comunidade se envolveu com o processo construtivo,
foi reconhecido mundialmente pela sua beleza, harmonia e
houve a participação de pais, professores, alunos, artesoes locais,
utilização de materiais e técnicas locais.
entre outros.
38
palha de arroz, e corda de juta também fizeram parte do material escolhido. A área externa é composta por uma planta livre, com espaços abertos para o convívio das crianças.
Analisar e identificar os recursos disponíveis adequados, entender e ouvir as necessidades e desejos dos usuários, assim como do meio ambiente, e alcançar de forma equilibrada desenvolvimento e inovação para a população local. (HERINGER , 2012, p. 124).
Fonte Archidaily, 2007. https://www.archdaily.com/51664/handmade-school-anna-heringer-eike-roswag. Acesso: 07/05/2020.
A cobertura foi feita a partir de zinco suspenso, com
O edifício contém dois pavimentos e abriga o total de 168
generosos beirais para a proteção das chuvas constantes no
crianças. Em formato retangular, as salas de aulas localizam-se
local, também faz a troca entre o ar quente e fresco através de
no térreo, deixando o pavimento superior para salas amplas para
perfurações no teto. Com essa ventilação arejada não é necessário
demais atividades. A integração do conjunto se dá pela escada de
o uso de ar condicionado no local.
madeira, com a função estrutural de fortalecer o conjunto. (ALAM,
2018).
relação aos elementos abundantes da região, considerando fatores
A utilização do bambu para a cobertura é o material
A escolha dos materiais foi feita a partir de uma análise em
culturais, sociais e econômicos.
predominante na arquitetura, as paredes foram feitas de terra crua, 39
A base do edifício foi feito com tijolos, para as paredes
estruturais do térreo, foi utilizada uma técnica denominada cobwalling, seu material é uma mistura de terra molhada e palha de arroz, as paredes garantem uma temperatura agradável para a escola, foram construídas em armações de bambu.
As janelas foram moldadas com argamassa de cal e sua
estrutura de bambu, e a cobertura é sustentada por estruturas de bambus, embora seu material seja de zinco. Ganhou em 2007 o Prêmio Aga Khan de Arquitetura.
Fonte Archidaily, 2007. https://www.archdaily.com/51664/handmade-school-anna-heringer-eike-roswag. Acesso: 07/05/2020.
40
PARTE 2 | PROJETO ARQUITETÔNICO
41
CAPร TULO IV| PROJETO
42 Canoa, Ilhabela, 2018. Fonte : Acervo Pessoal. Homem Caiรงara Paraty 2016. Fonte : Acervo Pessoal.
Do Objetivo Geral
portanto caberá ao edifício mais central esta tarefa. A ilha já conta com outras estruturas educacionais, as quais serão desativadas
Com respeito a natureza e a cultura regional, o projeto
e transformadas em áreas voltadas a saúde de atendimento e
visa um completo complexo educacional, possibilitando as trocas
cuidado a família, que, segundo relatório social (Bela Ilha, 2008), é
constantes de saberes entre todas as faixas etárias.
uma grande demanda da região.
Partido
Esse edifício também trará o respeito a tradição da ilha, com
sua biblioteca, a qual terá como principal missão a de resguardar a história da ilha e de sua sociedade centenária, preservando fotos,
O conjunto é realizado com a construção de três edifícios,
registros e demais itens culturais.
conectados por uma cobertura independente aos blocos,
O último edifício trará a estética do projeto e a integração à
entretanto realiza como uma função a parte: a unificação das
paisagem natural da ilha, sendo formado de um grande espaço,
unidades do complexo.
o qual representará toda a dimensão histórico social da ilha, um
O primeiro é uma série de habitações, as quais trarão
espaço voltado a manifestação cultural de danças, oficinais de troca
conforto e estadia aos pesquisadores e professores, considerando
de conhecimentos, feiras e exposições temporárias e permanentes,
que professores contratados são alocados nas próprias escolas das
num contínuo espaço de mudança e transformação.
comunidades.
O segundo edifício visa suprir as demandas educacionais
praça de conexão oferecerá o convite ao passeio dos blocos contará
da ilha, a qual apresenta índices infelizmente baixos ligados ao
com espaços de sombra,descanso, aulas externas, dialogando com
sistema educacional.
a vida do caiçara.
A educação é a perpetuadora da cultura e da civilidade,
Afim de conectar os espaços e somar as riquezas naturais, a
A quadra, elemento já existente, é fundamental e agregador 43
ção
ao projeto, como um espaço voltado ao esporte dos habitantes da Bloco Educação
ilha dando apoio ao sistema educacional da ilha, mas também ao seu lazer, como forma de encontros poético a seções de cinema
Bloco Cultural
ao ar livre, os quais remetem a simplicidade da vida e ao sempre buscar da cultura e alegria do povo.
O projeto visa um monumento cultural para a representação
Bloco Habitação
da cultura caiçara. O elemento escolhido foi a canoa, por ser um dos pilares da comunidade tradicional caiçara.
Bloco Educação
Serão utilizados materiais naturais como o adobe, afim
Bloco Cultural
de evitar desperdícios, impactos negativos ao meio ambiente favorecer a coesão social da comunidade, com estímulos e trocas à inteligência coletiva. Com o objetivo de transmitir a partir
Praças Internas
Bloco local, fomentando das técnicas construtivas, parte da cultura
Bloco Cultural
Habitação
a competência e conhecimentos tradicionais da identidade caiçara. Encorajar a autonomia da comunidade, reforçando a autossuficiência e empoderamento dos habitantes da Ilha.
44
Praças Internas
Eixo de Circulação
Programa de Necessidade
2.1.1 Salas de Aula 25m² cada 2.1.1.1.
8 Salas de aula comuns
2.1.1.2.
(2 Salas de aula | crianças 0 – 10 anos)
2.1.1.3.
(2 Salas de aula | 11 – 20 anos)
1. HABITAÇÃO
2.1.1.4.
(2 Salas de aula | 21 – 60 anos)
2.1.1.5.
(2 Salas de aula | + 61 anos)
1.1.
6 Módulos habitacionais
2.1.1.5.1.
10 cadeiras de alunos por sala
1.1.1. 4 Módulos Professor
2.1.1.5.2.
1 mesa do professor
1.1.1.1.
2.1.1.5.3.
1 lousa
Área total da intervenção = 8.000 m²
Unidade Habitacional = 66m²
2 quartos solteiros suíte
1.1.1.2. Cozinha
2.1.1.6. Espaços Multi-Uso 200m²
1.1.1.3.
Sala com lavabo
2.1.2.1
1.1.1.4.
Área de serviço
2.1.2.1.
Fogão industrial de 6 bocas
1.1.2. 2 Módulos Pesquisador
2.1.2.2.
1 freezer horizontal
1.1.2.1.
2.1.2.3.
1 geladeira
1.1.2.2. Cozinha
2.1.2.4.
Bancadas
1.1.2.3.
Sala com lavabo
2.1.2.5.
2 pias
1.1.2.4.
Área de serviço
2.1.2.6.
Forno Industrial
2 quartos com 1 beliches com suíte
2.1.3. 2. EDUCACIONAL
2.1.3.1.
2.1.4.
Total 1.430m²
Cozinha 25m²
Dispensa Dispensa fechada, tipo armário (5 m² apx) Refeitório 45
2.1.4.1.
Capacidade para 70 pessoas
2.1.7.1.3.
Área de instalações elétricas
2.1.4.2.
36 Cadeiras
2.1.6.2.
Videoteca e Musicoteca 50m²
2.1.4.3.
6 Mesas
2.1.6.2.1.
Sala com infraestrutura sensorial (musica, vídeo..)
2.1.5. Banheiros
3.
Entreterimento 300 m²
2.1.5.1.
1 Masculino
3.1.
Espaço para oficinas da cultura tradicional caiçara, como
2.1.5.1.1.
3 cabines (sendo 1 acessível)
artesanatos, danças, feiras, exposições, etc
2.1.5.1.2.
2 mictórios
2.1.5.2.
1 Feminino
2.1.5.2.1.
3 cabines (sendo 1 acessível)
2.1.6. Biblioteca 2.1.6.1.
Biblioteca 250m²
2.1.6.1.1.
Mesas de estudo / Puff / Cadeiras / Sofás
2.1.6.1.2.
Estantes para livros
2.1.6.1.3.
Área de leitura (estar)
2.1.6.2.
Videoteca e Musicoteca 50m²
2.1.6.2.1.
Sala com infraestrutura sensorial (musica, vídeo..)
2.1.7. Área Técnica 2.1.7.1.
Área Técnica 50m²
2.1.7.1.1.
Salas de Administração
2.1.7.1.2. 46
Caixa D’água
Localização do Projeto
O projeto deu-se a um formato curvo, devido a análise
territorial do ambiente, fazendo com que as curvas de níveis
Com área total de 7,5 km² (WILLEMS, 2003) a Ilha
fossem ditadoras da implantação.
dos Búzios possui formato simétrico e é diferenciada
pelos setores sul, onde não há ocupação, e norte, onde
custos e otimização de obra. As moradias contém módulos de 3m,
estão localizados os núcleos caiçaras.
tendo como base dimensional as habitações caiçaras.
O projeto insere-se ao norte da ilha, núcleo
denominado
Guanxumas,
onde
encontra-se
Foi utilizado modulações de 5m, visando a minimização de
A imagem abaixo apresenta o terreno sem a intervenção.
uma
população de maior densidade. Saco do Cais Porto do Meio Costeira
Guanxumas
Ponta
Pitangueira
Costeira Jerobá
Fonte: Base Topográfica, Alain Mantchev.
Fonte: Mapa Relatório Socioambiental Bela Ilha, Pirró. 2008.
47
48
18
IMPLANTAÇÃO
C
3
2
4
5
9
C
0
10
20
11 | Oficina 12 | Monumento Caiçara 13 | Praça 14 | Quadra Existente 15 | Playground 16 |Área Técnica 17 | Caminhos existentes 18 | Horta existente 19 | Rancho existente
A
19 17
12 17 14 20
25
01 | Habitações 02 | Salas de aula 03 | Salas Multimídia 04 | Sanitários 05 | Cozinha 06 | Refeitório 07 | Midioteca 08 | Biblioteca 09 | Arquivo Biblioteca 10 | Mirante
13
0
A
11 10
Legenda
N
10
8
6
15
16
7
B
2
1
4
2
2
B
17
30
50
49
50
CORTE AA
+ 24,00 + 20,00
+ 20,00
+ 11,00
Escala Grรกfica em m 0 5
10
CORTE BB
+ 20,40
+ 20,00
+18,40
Escala Grรกfica em m
0
5
10
51
CORTE CC
0,80
0,50
0,15
3,00
2,15 0,45
Telha Caibro Tesoura Taipa
0,80 5,00
10,00
Escala Grรกfica em m 0
52
5
10
5,00
DESENHADO POR:
Cumeeira
Telha
PROIBIDA A REPRODUCAO TOTAL OU PARCIAL DESTE DESENHO SEM AUTORIZACAO DOS AUTORES LEI 5988 DE 1973
CORTE DD
Parede taipa de mรฃo 0,20 0,40
1,5
0 2,5 3,00 3,00 3,00 1,5
20,50
Escala Grรกfica em m
5
53
54
55
CAPÍTULO VI | TÉCNICAS CONSTRUTIVAS
56 Prato tradicional Caiçara ; peixe frito.,2018. Fonte : Acervo Pessoal. Moradia Caiçara, Praia de Castelhanos, 2018. Fonte : Acervo Pessoal
Sistema Estrutural Sistema Básico de padronização e estruturação dos eixos dos elementos construtivos e seus respectivos apoios.
P
Q
O
N
M
L
K
J
I
H G
F
E D
e
i
h
d
c
b
a
C
B
1 2 3 4
gf
5
j
lk m n o p 1 2
Foi utilizado uma modulação de 5m onde alocam-se as paredes estruturais e os 3 4 5
pilares de apoio a cobertura, representado pelo retângulo vermelho. As moradias 6
contém módulos de 3m, tendo como base dimensional as habitações tradicionais caiçaras.
57
A
SISTEMA ESTRUTURAL
C D
B
A A | ESTACAS | d = 25cm B | MÃO FRANCESA | 12cmx12cm C | VIGAS EM 58 MADEIRA | 23cmx18cm D | BASE LEITO EM PEDRA CALÇADA | 80cmx80cm
SISTEMA ESTRUTURAL DE COBERTURA
A
B
C BD
A | TELHA ECOLÓGICA ONDULADA TETRA PAK | 2,44m x 1,10m x 8mm (cada) B | CAIBRO EM MADEIRA | 5cm x 12cm C | TESOURA DE SANTO ANDRÉ BIAPOIADA h=2,15m D | PILAR ESTRUTURAL DE APOIO A COBERTURA EM MADEIRA | 12cm x 12cm
59
Cobertura
Considerando suas características e sua história, o projeto
propõe resgatar o uso deste elemento, cujo modelo estrutural A tesoura de Santo André é originária da arquitetura
adaptou-se perfeitamente a escolha da telha em material reciclado,
colonial implantada pelos europeus no Brasil. Elaborada em
oriundo de caixas de leite e tubo de pasta dental, que apresentam
madeira, possui a vantagem de requerer menos elementos em
baixo peso, elevada resistência e incalculável beneficie ao meio
sua construção, dispensando o uso da linha (elemento estrutural
ambiente.
inferior), acrescentando maior espaço para o pé direito do edifício,
tendo em vista a importância de maior ventilação natural, além de
ali? Ilha de Montão de Trigo, 17/05/2020) situada as proximidades
um ganho espacial.
de Ilhabela, a telha manifesta um desempenho possitivo para
a comunidade caiçara, apresentando grande robustez e boa
Seus exemplos podem ser observados em antigas
De acordo com o documentário do Fantástico (Quem vive
residências coloniais e igrejas, trazendo um desenho típico de teto
qualidade térmica.
cuja superfície apresenta um ângulo de inclinação entre o teto e as
paredes.
posicionamento dos elementos estruturais do telhado, foi realizado
Afim de compreender a necessidade, quantidade e
um estudo preliminar estrutural.
Os resultados deste estudo, apontaram um resultado
surpreendente, onde o número de elementos estruturais foi inferior ao inicialmente e intuitivamente pensado, pois as tesouras de santo André são comumente empregados em coberturas com telhas Fonte : World Press. https://coisasdaarquitetura.files.wordpress. com/2010/06/tes-santo-andre.jpg. Acesso 25/04/2020
60
cerâmicas, e a telha reciclável possui um peso categoricamente inferior ao convencional cerâmico.
5m 5m 5m
Caibros Área de Influência
61
Telhas
Inicialmente, foi calculado o peso em kN, dos elementos do
6 colunas e 12 linhas = 72 telhas = 72 x 14 kg = 1008,00 kg
telhado, sendo a telha e as cumeeiras, em seguida foi determinado
6 cumeeiras = 6 x 2,6kg = 15,60 kg
também o peso dos caibros para a área de influência da tesoura. (vãos de aproximadamente 5m), obtendo-se para cada extremidade
Madeiramento
da tesoura cargas da ordem de 700 kg. Diante do resultado, foram
120m caibros 5x 12cm = 0,72m³ x 790 kg/m³ = 568,8 kg
analisados os dados estruturais, como trações e compressões,
total : 568,8 kg
momentos e esforços cortantes do objeto, compreendendo sua funcionalidade.
Total por tesoura = 1.592,40 kg ou 15,61 kN
linha total = 25,37m
Carga = peso/ comprimento = 15,61 kN/ 25,37m = 0,61 kN/m
62
Taipa a Mão / Pau a Pique
o profissional que administra o barro da taipa, joga o barro sobre
a treliça usando um anteparo atrás do gradeado, evitando assim o
A técnica construtiva do pau a pique, ou também conhecida
como taipa de mão é utilizada durante muitos anos, e se destaca TAIPA DE PILÃO
desperdício.
TAIPA DE MÃO
no período Brasil colônia. Sua estrutura consiste em madeiras verticais com tramas ortogonais preenchidas por barros, formando paredes de vedação.
Forma de madeira
para assentar a taipa No projeto a ser apresentado, o uso da técnica de taipa de
Demarcação das dimensões da casa
Estruturação das ripas verticais e horizontais
mão, foi implantado nas habitações voltadas ao uso dos professores ADOBE
e pesquisadores. De acordo com a cartilha de taipa, pelo Cidno Terra
Silveira, o processo é simples.
Fibra
Marcação da Obra
Água
O primeiro passo é a marcação da obra com os apoios Trançado de madeira com pregos
principais, considerando sua orientação solar, e mantendo conforto Misturados Moldados térmico para a construção. Começa então as estruturas de parede, Secos Naturalmente
com ripas fixadas verticalmente e horizontalmente, formando uma
Substituição pelos apoios principais
malha estrutural as quais são fixadas com pregos ou sisal. Com a estrutura da casa, é feito recortes diante das aberturas de portas e janelas.
Finalizado a parte estrutural e a escolha do barro adequado
para utilização do mesmo, é feito o preenchimento das malhas com o material. Em determinados locais específicos, o tapeiro, ou seja,
Moradia Tradicional Caiçara. Praia dos Castelhanos, 2018. Fonte: Acervo Pessoal.
63
Taipa de Pilão
A técnica é realizada a partir de um sistema em que a terra
desta técnica são o educacional, e a oficina, cujas paredes
é comprimida entre pranchas de madeira desmontáveis, servindo
apresentam espessura de aproximadamente 50 cm, proveniente
como um molde. O barro é socado através de pilões, e compactado
de um pré- cálculo utilizado para esta técnica, que considera para
nas fôrmas, disposto em camadas entre dez e quinze centímetros
a dimensão da taipa em média 1/6 do pé direito da construção,
de altura, e em seguida, a estrutura é removida e reerguido para a
considerando também as demais paredes como elementos
camada seguinte, criando uma estrutura robusta.
estruturais.
A compactação é por meio de um instrumento de madeira,
os pilões, maços ou malhos e requer rapidez no processo, para que
Adobe
a umidade da terra esteja correta.
TAIPA DE PILÃO
No projeto a ser apresentado, os edifícios que utilizaram
TA TAIPA DE PILÃO
O adobe é um material feito a partir de barro, água e fibra.
TAIPA DE MÃO
Os solos consistem em fases de matéria orgânica e matéria da Forma de madeira
degradação das para rochas. Sua composição se da por partículas de assentar a taipa
Dema
argila, siltes e material arenoso, onde encontram-se misturados em diversas proporções. ADOBE
Terra Fibra
Marca
Água
Forma de madeira para assentar a taipa
Misturados Moldados
Demarcação das dim
Secos Naturalmente
64
Substitu
Suas características são diretamente influenciadas pelo
diversos percentuais de composição de sua matéria.
Para a utilização das técnicas de taipa, é fundamental que
a utilização do adobe seja correta, para isso é feito um estudo preliminar do solo, onde é possível compreender os diferentes percentuais de sua composição, afim de corrigi-los.
O denominado ensaio de campo permite conclusões iniciais
sobre o tipo de solo existente no local, é feito pela observação da cor da matéria orgânica, permitindo a identificação de solos mais arenosos, testes de ofato, tato, onde é identificada a aderência do material, entre outros.
Afim de preservar caraterísticas e qualidades da técnica,
deverá ser observada a norma técnica ABNT 16814, que dispõe sobre o material adobe e suas técnicas de ensaio.
65
PARTE 3 | DA EXPERIÊNCIA
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CAPÍTULO VI | VIVÊNCIA E ENTENDIMENTO
67 Rede caiçara, Ilhabela, 2018. Fonte : Acervo Pessoal. Ilhabela. Fonte : Acervo Pessoal.
Curso Adobe | Ekoa Park
Por ser um material comumente tratado na infância, o
contato com a terra, argila, agua, areia transforma o processo
Durante o Trabalho Final de Graduação, participei de um
curso no Ekoa Park, ministrada pelo Thomaz Lotufo e Márcio Holanda em Curitiba, afim de colocar em prática as técnicas construtivas em adobe. Foi uma experiência incomum e que agregou de uma maneira única, pois além de estudar os materiais, percebi a relação entre as pessoas e a construção com a terra.
A primeira atividade foi o contato com o solo, para
cada um ter as suas percepções, após esse primeiro contato, fizemos testes para a identificação e comparação dos solos mais adequados, misturamos água para que pudéssemos estudar seus variados estados (seco, úmido, plástico viscoso e líquido). Por fim, misturamos o barro e deixamos secar para a construção do muro em adobe.
O que mais me chamou atenção do curso foi a integração
que a técnica carrega, trazendo uma ancestralidade, e também um cooperativismo, unindo as forças e trazendo proximidade entre as pessoas. 68
construtivo em diversão, no final do curso estávamos literalmente brincando com o barro.
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PARTE 4 | CONCLUSÃO
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Considerações Finais
idealizado, compreender que a função do arquiteto se estende a um papel social, de elevada responsabilidade e grandes possibilidades.
A cultura caiçara é rica, porém negligenciada. Com este
projeto pude perceber sua riqueza, além de diversas questões legais que tiveram de ser estudadas para serem compreendidas. Todo projeto de arquitetura têm de ser concebido através de sólidos pilares baseados no objeto a ser atendido, no caso a comunidade caiçara, na integração com o meio ambiente e a paisagem existente, no caso a Ilha dos Búzios, e no respeito às leis e determinações impostas pelas normativas.
Para além desta questão, busquei também um respeito a
materialidade local, trazendo o máximo de elementos possíveis encontrados nas redondezas, evitando grandes deslocamentos. A terra, a taipa, se mostraram matérias plásticos de grandes virtudes, os quais tive o prazer de inserir no projeto, com resultados plásticos bastante interessantes.
Por fim, considero o trabalho de grande importância a
graduação, pois ele abrangeu as possibilidades de tratar um tema ao qual sempre demonstrei interesse, em um território distante e diferente, e, sobretudo, onde pude, ainda que em fase de projeto 72
Imagens: Imagem 1 - Fonte: Thomaz Lotufo, 2020. Imagem 2 - Fonte : Acervo Pessoal. 2020. Imagem 3 - Fonte : Acervo Pessoal. 2020 Imagem 4 - Fonte : Acervo Pessoal. 2020 Imagem 5 - Fonte : Thomaz Lotufo, 2020. Imagem 6 - Fonte : Acervo Pessoal. 2020 Imagem 7 - Fonte : Acervo Pessoal. 2020 Imagem 8 - Fonte : Acervo Pessoal. 2020
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