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TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO
GIULIANO CHIMENTÃO
ORIENTADOR: EDUARDO PEREIRA GURIAN
ENTRE.LINHA: UM ENSAIO SOBRE A LINHA FÉRREA NA CIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO, 2020
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Dedico este trabalho à minha família, por todos os valores, apoio, amor, carinho e ensinamentos passados a mim ao longo dos anos. A todos os professores que de alguma forma participaram de minha formação, por toda a dedicação, suporte e paciência neste período de muito ensinamento que foi o curso de Arquitetura e Urbanismo. Ao GLENN, por todas as parcerias, risadas, conversas e barreiras que superamos juntos. Lucas, por todas as brisas e histórias que contamos e ainda vamos contar. Nathália, pelos papos e risadas até as madrugadas. Eduardo, por todas as caronas e jantares. Natália, pela amizade e companheirismo. Aos professores Guilherme Lemke Motta e Eduardo Pereira Gurian pelo auxílio e suporte no desenvolvimento deste trabalho.
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sumário Introdução
09
1. Como lidamos com a linha
10
2. Como podemos lidar com a linha
48
3. Plano Urbano
98
1.1 Historica e geograficamente (Foco em São Paulo) 1.2 Bairros escolhidos (Foco nos bairros)
2.1 Metodologia operativa - Exemplos de projetos e ideias que sustentem a narrativa
Análise seguida por projeto em cada bairro 3.1 Lapa 3.2 Campos Elíseos 3.3 Barra Funda
11 30
52
110 122 134
4. Projeto em detalhe
146
Bibliografia
191
- Plantas, cortes, elevações, perspectivas...
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8
introdução
A linha férrea, local escolhido para estudo, desperta sentimentos distintos em cada um de seus usuários. Mas qual o sentimento do não usuário da linha, aquele que caminha ao seu redor? Para esta análise pessoal foi adotada a segunda postura, do usuário não usuário, afetado diretamente pela linha porém ainda anônimo à ela. A experiência de se caminhar às margens da linha despertam um sentimento de monotonia e impotência. A paisagem do muro se repete por longos caminhos, interrompidos apenas pelas manifestações impressas no mesmo. Nestas situações, a impossibilidade de uma travessia clara gera este sentimento de impotência, não há nada que o homem, enquanto caminha, possa fazer para mudar este conflito. Após muito caminhar, um respiro, o trem se eleva ou se enterra e uma possibilidade de cruzamento se faz clara, mas nem tanto. O muro que nos acompanhava em nossa caminhada ainda está aqui, não é visível, mas é claro. As barreiras sociais agora se fazem mais presentes do que nunca é a impotência é a mesma, se não maior.
9
como li com a
1.0 10
idamos a linha 11
12
histรณrica e geograficamente
Com a revolução industrial que ocorreu na Europa a partir
quando o Governo Imperial autorizou por Carta de Lei a
do século XIX os meios de produção, até então dispersos
construção e exploração de estradas em geral. O propósito
em pequenas manufaturas, se concentraram em grandes
era a interligação das diversas regiões do País. No que se
fábricas devido ao emprego da máquina na produção
refere especificamente à construção de ferrovias no Brasil,
de mercadorias. O aumento do volume da produção de
o Governo Imperial consubstanciou na Lei n.º 101, de 31
mercadorias e a necessidade de transportá-las, com
de outubro de 1835, a concessão, com privilégio pelo prazo
rapidez, para os mercados consumidores, fizeram com
de 40 anos, às empresas que se propusessem a construir
que os empresários ingleses dessem apoio ao engenheiro
estradas de ferro, interligando o Rio de Janeiro, São Paulo,
inglês George Stephenson (1781-1848), que apresentou
Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. O incentivo não
sua primeira locomotiva em 1814. Foi o primeiro que obteve
despertou o interesse desejado pois as perspectivas de lucro
resultados concretos com a construção de locomotivas,
não foram consideradas suficientes para atrair investimentos.
dando início à era das ferrovias. Foi assim, então, que foi
É importante destacar que, até a chegada das ferrovias no
criado este meio de transporte que se espalharia por todo
Brasil, o transporte terrestre de mercadorias se processava
o mundo, cortando diversas terras das mais diferentes
no lombo dos burros em estradas carroçáveis. Naquela
maneiras.
época, os portos fluminenses de Parati e Angra dos Reis
Não muito mais tarde, o Brasil tomava conhecimento
exportavam cerca de 100 mil sacas de café, provenientes
da construção de ferrovias e estradas de ferro. Pode-
do Vale do Paraíba. Em São Paulo, anualmente, chegavam
se dizer que as primeiras iniciativas nacionais, relativas
ao porto de Santos cerca de 200 mil bestas carregadas com
à construção de ferrovias remontam ao ano de 1828,
café e outros produtos agrícolas.
13
[1] Mapa do Estado de São Paulo com estradas existentes na década de 1970, assinalado em vermelho o percurso da SPR, ligando o Porto de Santos à cidade de Jundiaí [MATOS, Odilon N. Café e Ferrovias] 14
[1]
Em 26 de julho de 1852, o Governo promulgou a Lei n.º
então província de São Paulo, que conectava Jundiaí ao
641, na qual vantagens do tipo isenções e garantia de juros
Porto de Santos. Operada pelos ingleses da São Paulo
sobre o capital investido, foram prometidas às empresas
Railway Company (SPR). A linha teve seu primeiro processo
nacionais ou estrangeiras que se interessassem em construir
de renovação nos anos de 1890, quando foram implantadas
e explorar estradas de ferro em qualquer parte do País.
e modernizadas diversas estações, entre elas a Estação da
O empreendedor brasileiro, Irineu Evangelista de Souza,
Luz, um dos maiores terminais ferroviários de passageiros
(1813-1889), mais tarde Barão de Mauá, recebeu em
do País ainda hoje em operação.
1852, a concessão do Governo Imperial para a construção e exploração de uma linha férrea, no Rio de Janeiro, entre o Porto de Estrela, situado ao fundo da Baía da Guanabara e a localidade de Raiz da Serra, em direção à cidade de Petrópolis. Entusiasta dos meios de transporte, especialmente das ferrovias, a ele se devem os primeiros trilhos lançados em terra brasileira e a primeira locomotiva denominada “Baroneza”. A primeira seção, de 14,5 km e bitola de 1,68m, foi inaugurada por D. Pedro II, no dia 30 de abril de 1854. A estação de onde partiu a composição inaugural receberia mais tarde o nome de Barão de Mauá. Mais tarde, em 1867, é inaugurada a primeira ferrovia da
15
[2] Primeiro patamar do primeiro sistema funicular, s/d Foto divulgação [Acervo RFFSA / In LAVANDER JUNIOR, Moisés; MENDES, Paulo Augusto] 16
[2]
A metrópole de São Paulo é pertencente à Bacia do Alto
foram estes os territórios escolhidos para a implantação das
Tietê, dentre seus afluentes estão os rios Tamanduateí
primeiras linhas de trem, assim possibilitando que grandes
(Sudeste), Pinheiros (Sul), Cotia (Sudoeste) e Juqueri (Norte),
indústrias se estabelecessem e gerassem esta primeira fase
Embu-Mirim e Embu-Guaçu. Esta área metropolitana é
de industrialização da cidade.
dividida geograficamente em dois grandes setores, a Zona
Em geral, desde o início de sua ocupação, a cidade tratou
Cristalina do Norte e o Planalto Paulistano. A primeira,
mal seu sítio natural, especialmente os recursos hídricos.
abrangendo menor porção do território, é situada no
Várias obras de saneamento foram implementadas com
Norte onde está a Serra da Cantareira e os municípios de
o intuito de favorecer as áreas de elite, sendo os esgotos
Cajamar, Francisco Morato, Franco da Rocha, Pirapora e
lançados nos cursos d’água. As terras das várzeas conviviam
Santana do Parnaíba e é uma região montanhosa, com
com as áreas industriais, as vilas operárias e os despejos
vales que facilitam a criação de eixos viários, mas é uma
da cidade. Além disso, até a década de 70, o lixo urbano foi
área menos adequada para o assentamento urbano. Já a
utilizado como material de aterro das várzeas. 2 A cidade de
região do Planalto Paulistano, que abrange grande parte do
São Paulo, diferentemente da maioria das cidades do Estado
Alto Tietê, é permeada por grandes planícies aluviais, local
que se originaram da economia baseada na cultura cafeeira,
onde se desenvolveram de maneira geral os assentamentos
forma-se em um processo de expansão geográfica, onde
urbanos. O desenvolvimento da cidade de São Paulo tem
os bandeirantes exerceram papel de grande importância,
forte influência de seu relevo que, exceto pelas várzeas dos
graças a sua estrutura feudal-militar que conquistou e abriu
rios, é em sua maioria um território acidentado. Desta forma,
caminho para diversas conquistas de território. Esse período
com as várzeas proporcionando terrenos planos e baratos,
de crescimento territorial estende-se até o séc. XVIII, quando
17
[3] [3] Retificação do Rio Tamanduateí em 1914. 18
o ciclo das Bandeiras começa a se enfraquecer, provocando
do século XIX foi fundamental, no período, ao instalar o
um abandono da base material, despovoando o seu território
monopólio da passagem do café por São Paulo e Santos,
e dissolvendo-se seu poder político.... O período seguinte,
através do controle do sistema ferroviário, freando todas
de grande desenvolvimento urbano, deve-se ao ciclo do café
as tentativas de construção de novas rotas ferroviárias
que se estende do início do séc. XVIII até a crise de 1929
que alcançassem a Serra do Mar. Com um crescimento
e tem como principal agente a população. Nota-se que em
demográfico acelerado, por volta de 1810 a população
1934, o ano do Ato Adicional, a população regional era de
de São Paulo era de 20.000 habitantes, espalhados num
330.000 habitantes e já nessa época a monocultura cafeeira
raio de 50 quilômetros a partir do Triângulo Histórico. Em
caminhava do Vale do Paraíba em direção a São Paulo. A
1880, com a instalação da ferrovia - o transporte urbano de
economia colonial e a monocultura do café fizeram de São
1872, até então, era feito principalmente por bonde à tração
Paulo uma cidade próspera. A ocupação das faixas de terra
animal; a primeira linha ligava o Centro ao bairro da Luz -
nos espigões, a localização ferroviária com a indústria e o
o volume demográfico atingiu cerca de 40.000 habitantes
comércio bruto ao longo do trem, bem como a superposição
para uma área de aproximadamente 2 Km2 que crescia,
de reticulados de glebas localizadas entre os espigões e
principalmente, nas direções Oeste e Noroeste. Essas
os rios, assim como na área rural, e ainda a legislação em
características elevaram a cidade à condição de metrópole
função do transporte e de áreas aproveitáveis lindeiras aos
e, com a economia do tipo colonial, se colocara num ponto
rios beneficiaram a sua urbanização. A valorização do eixo
estratégico de passagem para a produção, que partia tanto
ferroviário São Paulo-Santos identificou o centro e a chave
do interior para Santos, como no sentido contrário. Assim,
do seu desenvolvimento. O respaldo da burguesia paulista
vemos que São Paulo, na verdade, nasce como uma
19
[4] Bonde trafegando pela Avenida São João em meados da década de 50. 20
[4]
metrópole. A organização interna da metrópole dá-se com
cidade, nesse período (1900-1915), tem um crescimento
explosões sucessivas de estágios urbanos precedentes,
horizontal acentuado, o que denota uma continuidade do
onde o ciclo exige a contínua atualização, eficiência
tecido urbano de baixa densidade. Isso se explica, mais
e capacidade de exercer sua função de centralidade.
uma vez, através da especulação imobiliária. Enquanto a
Na década de 1890 a 1900, a cidade foi marcada pela
cidade se alastrava e a escassez de infra-estrutura urbana
implantação de várias indústrias, principalmente nos bairros
se acentuava, o centro de São Paulo, entre 1905 e 1911,
novos em formação: Bom Retiro e Brás, com as tecelagens
sofreu várias transformações, desde o aformosamentodo
e Água Branca e Moóca com as cervejarias. Vale ressaltar
Largo do Paissandu e do Largo do Arouche, até a construção
que essas indústrias eram igualmente servidas por um
do Teatro Municipal no núcleo histórico da cidade e ainda
desvio ferroviário e já, nessa época, a cidade sofria com
a remodelação do Vale do Anhangabaú e do Largo da Sé,
a especulação imobiliária. Em 1900, para acolher uma
além de obras de saneamento na Várzea do Tamanduateí.
população de 239.820 habitantes, sua área duplicou. Com
Outro impulso para o rápido crescimento da metrópole foi
a abolição da escravatura e a proclamação da República,
a instalação do primeiro bonde elétrico em 1900. Já, em
a metrópole passa a exercer papel de centro da economia
1905, toda a frota de bonde à tração animal fora substituída,
regional. Houve uma urbanização reticulada e desencontrada
atingindo os bairros de Santana, Penha de França, Ipiranga,
devido ao encontro de diversas malhas de glebas que
Vila Prudente, Bosque da Saúde, Pinheiros e o da Lapa,
foram sucessivamente incorporadas ao núcleo primitivo
em 1914. No início do século XX, houve uma tendência de
e que caminhavam em direção ao espigão da Avenida
compartimentação da cidade, da pequena densidade de
Paulista e a ocupação alinhada ao longo da linha férrea. A
ocupação dos espaços urbanos arruados e da acelerada
21
[5] Sistema Integrado Metrô-Trens de Subúrbio em São Paulo, 1975. 22
[5]
industrialização ao longo do eixo ferroviário, principalmente
Os primeiros cresceram sem nenhuma diretriz e sem
da linha Santos-Jundiaí, no trecho Moóca-Barra Funda e
nenhuma regulamentação urbanística, como, por exemplo,
junto à nova estação Sorocabana.
a Vila Guilherme na várzea do Tietê. Os denominados subúrbio-estação surgem à medida que o desenvolvimento urbano ao longo da ferrovia se acentua e caracteriza-se principalmente por um zoneamento muito simples onde,
É nesse contexto que a vida metropolitana da cidade
junto à estação, concentram-se o comércio e a prestação
industrial pode ser considerada essencialmente moderna,
de serviços e, ao seu redor, a área residencial. No caso dos
pois era uma sociedade ávida por desenvolvimento territorial
subúrbios industrializados emerge uma zona industrial com
voltado para a instalação industrial, para a organização
a construção de vilas operárias próximas às indústrias, como
do mercado consumidor e da classe trabalhadora. Mas,
em São Miguel, São Caetano, Utinga e Santo André.
sobretudo, um modernismo voltado para o impulso
Já os subúrbios-loteamento, não tão polarizados quanto
renovador, fruto do capitalismo industrial. Entre 1915-1940,
estes últimos, possuem os equipamentos comerciais e
surgem os bairros residenciais nas várzeas, os bairros
de serviços ao longo de uma via e o ponto-final constitui-
provenientes do desenvolvimento do transporte urbano que
se como o pólo em potencial, como Piqueri, Butantã,
são denominados subúrbio-estação (ferrovia) e subúrbio-
Vila Formosa e Imirim, entre outros. Diferentemente dos
loteamento (ônibus), assim como os bairros-jardim (o modelo
exemplos anteriores, os bairros-jardim, destinados às
inglês advindo da concepção de Hebenezer Howard), que
classes de nível econômico mais elevado, foram loteados
configuram parte do crescimento urbano de São Paulo.
e receberam regulamentação prévia, dentre eles Jardim
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24
Europa, Jardim América, Pacaembu, Alto da Lapa e Alto de
podemos definir diferentes formas de ocupação dessas
Pinheiros, que foram loteados pela companhia imobiliária
periferias. Uma delas, Santo Amaro, foi definida por
inglesa City. A rodovia também exerceu papel importante
loteamentos residenciais que se desenvolveram graças
para o desenvolvimento metropolitano, servindo de meio
a uma única linha de bonde - Tramway de Santo Amaro -
de transporte supletivo e complementar, auxiliando o
que partia do centro em direção à zona suburbana. Devido
desenvolvimento suburbano processado nas faixas da
a eficiência do transporte, essa área foi rapidamente se
ferrovia. É nesse período que foram criadas linhas de ônibus
vinculando a São Paulo. Com a construção do aeroporto
que tinham como principal função complementar o trajeto
de Congonhas esses laços ficaram ainda mais estreitos.
feito pela ferrovia. Posteriormente, por volta de 1930, o
Outro exemplo são os loteamentos residenciais que se
trajeto, que antes era feito apenas pela ferrovia, passou a
desenvolveram nos domínios da ferrovia. Estes se devem
ser atendido também pelo ônibus. Irrigando e reforçando,
principalmente à facilidade de acesso, à industrialização
dessa forma, a crescente periferia que caminhava ao longo
na orla ferroviária, tanto urbana como suburbana e aos
da linha férrea, formaram-se os subcentros dos bairros
equipamentos de serviços já existentes. Por fim, surgem
periféricos mais expressivos. A alta do valor imobiliário na
os loteamentos residenciais mais próximos da cidade, mas
região central, a formação de uma faixa industrial ao longo
que mantêm-se vinculados a algum bairro periférico. Nesse
da linha férrea, a infra-estrutura de transporte oferecida
caso, a ocupação residencial é relativamente mais escassa
e o preço mais acessível de terrenos e imóveis em áreas
e esparsa. Pode-se citar os subúrbios-loteamento que se
mais afastadas atraem os operários a se estabelecerem na
desenvolviam em função do ônibus, como mencionado
periferia. Nesse contexto e de acordo com a localização,
anteriormente. À época da crise de 1929 e da revolução de
1930 a população chega a um total de 900.000 habitantes
propunha um anel que abarcasse o Parque Dom Pedro II e
ocupando uma superfície de cerca de 130 Km2 . A partir
a Praça da República baseado nos ringsde Paris, Moscou e
desse momento, o desenvolvimento da metrópole começa
Berlim. Já na segunda configuração para o plano, as idéias
a tomar outra forma. O estágio de dependência é superado
praticamente mantêm-se iguais, salvo a adição de rotatórias.
e São Paulo entra numa fase de metropolização mais
Por fim, o plano implantado por Prestes Maia viria a ser
acentuada, com a incorporação de núcleos vizinhos (Santo
uma síntese das versões anteriores, com avenidas radiais
Amaro, ABC, São Miguel, Guarulhos e Osasco) e a migração
e diametrais no sentido Norte-Sul, que mais tarde seria
da população proveniente do interior que, com suas terras
conhecido como Sistema Y.
esgotadas, caminhava ora para o centro urbano, ora para outras áreas em busca de terras produtivas. Dessa forma, a sua ocupação territorial estendia-se até as barreiras naturais como a Serra da Cantareira e a várzea do rio Tietê.6 Logo após esse período, mais precisamente em 1938, enquanto a cidade se expandia, o centro urbano passa por uma
A partir de 1940, a cidade de São Paulo tem um crescimento
reestruturação com a implantação do Plano Avenidas na
acelerado, englobando subúrbios próximos e desenvolvendo
prefeitura de Prestes Maia. Vale a pena ressaltar que os
os mais afastados. Nesse período de metropolização,
estudos para a implantação de avenidas de irradiação, no
a cidade expande o seu domínio urbano, que é dado
centro de São Paulo datam, de 1910, quando Ulhôa Cintra
principalmente pela compactação da área edificada, área
projeta a primeira versão para o Plano de Avenidas, no qual
central e arredores, pela expansão dessa área em direção
25
[6] [6] Edifícios Esther (Álvaro Vital Brasil, 1938), Itália (Franz Heep, 1965), Copan (Oscar Niemeyer, 1951) e Hilton, Praça da República, São Paulo, 1975. 26
aos subúrbios com menor desenvolvimento e também
com uma diversificação funcional e, consequentemente, uma
daqueles significativamente desenvolvidos como o é o caso
maior autossuficiência. Entretanto, esta nova escala urbana
do Parque da Moóca e do Planato Paulista. Logo após a II
da metrópole era tratada de modo ingênuo. A construção
Guerra Mundial, no auge da industrialização paulistana, o
de obras de infraestrutura viária, em 1963, explicita o
território urbano ocupado pela cidade de São Paulo atinge
problema claramente. Primeiro, por acarretar um problema
mais de 400 Km2. Entretanto, esse desenvolvimento deu-
político administrativo uma vez que se tratava da conexão
se por um crescimento sem diretrizes urbanas claras, sem
de vários municípios e diferentes áreas administrativas, e
um traçado de base, fruto de pura especulação imobiliária e
depois, pela ausência de profissionais mais qualificados
onde a ferrovia criou eixos radiais para o desenvolvimento
para o desenvolvimento de tal empreendimento. Assim, o
suburbano e a rodovia que antes exercia papel secundário,
urbanismo da cidade de São Paulo pode ser considerado
com a implantação das indústrias, passa a funcionar como
como modernizador e não modernista, constituindo-se de
um instrumento do processo de urbanização, relacionando-
leis coercitivas de competição do mercado, que provocam
se diretamente com a estrutura interna dos subúrbios.
a busca de medidas organizacionais e tecnológicas,
Por volta de 1950, a cidade possui altos índices de
visando apenas a melhoria da lucratividade dos capitalistas.
compactação com a verticalização do centro e dos bairros
Como indaga Nádia Somekh: ...por que numa cidade tão
próximos. Também a expansão da cidade sobre os núcleos
desigual como São Paulo em que a pobreza atinge limites
suburbanos mais próximos, absorve-os em sua área
crescentes e em que a falta de moradia é uma questão
edificada e faz desaparecer a descontinuidade existente.
central, os urbanistas restringem sua ação a parcelas
Assim, a metrópole conhece um crescimento extraordinário
da cidade sem centrar esforços nas questões sociais?
27
[7] Estação da Luz lotada com a chegada de trens após um problema na rede de energia entre as estações de Pirituba e Perus, na Linha 7 - Rubi Fonte: Apu Gomes 28
[7]
Por que a verticalização no Brasil e em São Paulo, não
totalidade dos aspectos que compõem uma cidade, inclusive
se constituiu numa solução para produção em massa de
aqueles que extrapolam o seu âmbito territorial, a idéia de
habitação popular? Afinal, o ideário modernista do período
plano como limite para o crescimento vertical e a expansão
entre guerras tinha como foco central a questão social e a
horizontal, e, ainda, a idéia de comunidade (unidade de
produção em massa de moradias, fato que não encontrou
vizinhança) como célula básica da cidade.
eco significativo em São Paulo. Atrelada a essa discussão, Raquel Rolnik coloca a questão da densidade urbana definida à época: ... com a verticalização, a possibilidade de reproduzir o solo ...aparecia como a oportunidade de manter uma alta densidade - um alto rendimento econômico do solo - sem gerar superlotação. Um limite para o crescimento vertical a partir do grande boom imobiliário do pós-guerra e o controle da densidade das áreas já verticalizadas dividiu os dois principais nomes do urbanismo paulistano: Prestes Maia e Anhaia Mello. Na era Prestes Maia, vigorou um urbanismo marcado por grandes projetos viários e por uma verticalização densa, propondo edifícios mais altos e apartamentos menores. Já Anhaia Mello, defendia a idéia de um plano abarcador da
29
[8] [8] Mapa da regiĂŁo da lapa, mapeamento 1930, Sara Brasil, Fonte: Geosampa.
30
lapa
A origem do bairro da Lapa remete à época em que São
aproveitamento do barro do rio Tietê que, por sua qualidade,
Paulo ainda era apenas um povoado chamado de São Paulo
favoreceu o surgimento de olarias e ajudou no crescimento
de Piratininga. O primeiro registro que se tem notícia do local
do povoado da Lapa. Era o começo do processo de
é de 1581, quando os jesuítas receberam uma sesmaria
urbanização da região.
(lote de terras) junto ao Rio Emboaçava que, atualmente, é
Com a chegada da metade do século XX, a nossa cidade
conhecido como Pinheiros.
passou a viver o grande apogeu de sua economia, em
Entre os empreendimentos erguidos nessa sesmaria, a
especial, por causa do café. Não é novidade que a produção
partir de meados do século XVII, destacou-se a chamada
saiu do Vale do Paraíba e foi para Campinas. Visando escoar
Fazendinha da Lapa, que ficava próxima aos sítios da Água
esse montante imenso de café, foi fundada a “Association of
Branca, Mandi, Emboaçava e Tabatinguá. No ano de 1743,
the São Paulo Railway Co. Ltda”.
os jesuítas acabaram deixando a região e, cerca de 20 anos
Em 1867 foi inaugurada a famosa estrada de ferro Santos
depois, a região contava com 5 casas e 31 habitantes.
– Jundiaí que passava por SP e, no lado oeste da cidade,
Com a chegada dos do século XIX e o incremento da
a única estação implantada era a Água Branca, local de
produção de açúcar, o movimento do local aumentou. As
cruzamento dos caminhos que ligavam a cidade à Freguesia
rotas que ligavam a Vila de Itu a São Paulo e seu litoral
do Ó, Pinheiros e Campinas. Pouco depois da inauguração,
foram desviadas, em razão das péssimas condições
o trem também passou a fazer uma parada simples, próximo
da ponte sobre o Rio Pinheiros. A ideia era aproveitar a
à ponte do sítio do Coronel Anastácio, para atender a
comodidade e facilidade da ponte oferecida pelo Coronel
população do então incipiente bairro da Lapa.
Anastácio de Freitas Troncoso. É desse período, também, o
31
[9] [9] Mapa da região da lapa, publicação 1988, Vegetação, Fonte: Geosampa.
32
[10] [10] Mapa da regiĂŁo da lapa, ortofoto 2004, MDC, Fonte: Geosampa.
33
[11] [ 11 ] M a p a d a r e g i ã o d a lapa, ortofoto 1930, PMSP RGB, Fonte: Geosampa.
34
Pela morfologia apresentada nos mapas anteriores que mostram a evolução da urbanização na orla ferroviária da região da lapa pode-se perceber que as mudanças foram mínimas levando em consideração a morfologia apresentada em 1930 pelo mapa do Sara Brasil. Nele podemos observar o início do que vemos já consolidado no mapa ao lado, uma urbanização voltada às indústrias principalmente na porção norte cortada pela linha e a presença de lotes pequenos e altamente subdivididos na porção sul do território. Notase um aumento na verticalização entre os mapas de 2004 e 2017, porém a característica macro se mantém a mesma. Pode-se questionar se a linha do trem não tem papel considerável nesta “estagnação” das regiões que a tangenciam, pois apesar de exercer um importante papel como infraestrutura da cidade, também é marginalizada em relação à atração de novos investimentos.
35
[12] [12] Mapa da regiĂŁo da Barra Funda, mapeamento 1930, Sara Brasil, Fonte: Geosampa.
36
barra funda
A história de consolidação da Barra Funda passa,
que começaram a morar por lá, enquanto trabalhavam na
impreterivelmente, pelas fases de crescimento e
chamada “Barra Funda de Baixo”. A divisão do bairro em
desenvolvimento que São Paulo sofreu no século XIX.
“setores” aconteceu graças à construção das linhas de trem
Durante o fim desse período, era comum a ocupação das
que separam as regiões da linha de trem e a marginal Tietê
várzeas dos rios na cidade para o surgimento de novos
(Barra Funda de Baixo) e a localizada entre a linha de trem e
bairros. Na região que hoje compreende a Barra Funda
os Campos Elíseos (Barra Funda de Cima). Durante muitos
era a Chácara do Carvalho, divisão do antigo sítio que era
anos, as duas foram ligadas por porteiras, uma na Rua
do Barão de Iguape e que, além da região citada, ainda
Anhanguera e a outra na rua Assis. Até hoje, graças a essa
abrangia a Casa Verde e a Freguesia do Ó. No começo
separação, a parte de cima possui uma maior infraestrutura e
do século 20, entretanto, o bairro começou a mudar sua
poder aquisitivo do que a região “de baixo”.Diante do grande
configuração. A população antes predominante branca
potencial de mão-de-obra que a região possuía, as primeiras
passou a receber os primeiros negros da região, fato que se
décadas do século XX foram extremamente favoráveis
intensificaria nos anos seguintes. O sistema de transporte da
para a ocupação industrial da Barra Funda. Além das
região foi agraciado, no ano de 1902, com o primeiro bonde
diversas indústrias instaladas na Água Branca, um histórico
elétrico de São Paulo que fazia o trajeto Barra Funda – São
parque industrial foi erguido na década de 20: as Indústrias
Bento. Seguindo o bonde, diversas ruas, como Barra Funda,
Matarazzo.Com uma área de 100 mil metros quadrados,
Brigadeiro Galvão e Anhanguera, tiveram um grande boom
reuniam diversas atividades industriais e empregavam um
comercial, oferecendo diversos serviços aos passageiros
grande número de moradores do bairro. Até uma estação
que usufruíam dessa linha. O desenvolvimento desse polo
de trem da São Paulo Railway foi construída nas mediações
comercial, assim como a proximidade com os bairros de
do parque industrial para o escoamento do que ali era
Higienópolis e Campos Elíseos, atraiu alguns representantes
produzido.
da chamada classe média cafeeira e alguns industriais 37
[13] [13] Mapa da região da Barra Funda, publicação 1988, Vegetação, Fonte: Geosampa.
38
[14] [14] Mapa da regiĂŁo da Barra Funda, ortofoto 2004, MDC, Fonte: Geosampa.
39
[15] [15] Mapa da regiĂŁo da Barra Funda, ortofoto 2017, PMSP RGB, Fonte: Geosampa.
40
Observa-se na região da barra funda um fenômeno próximo ao observado na região da Lapa. Ao realizar a análise dos mapas percebe-se que a morfologia principal da região se manteve próxima de como foi gerada, apesar de que neste caso a verticalização da porção sul do território ganhou mais peso, abrigando até mesmo edifícios de uso residencial. Percebe-se também que a maneira principal de como podemos crizar a linha férrea é o carro, com a presença de dois viadutos construídos desde 1988, este fato evidencia um tratamento voltado mais aos automóveis do que aos pedestres ao logo da cidade toda. Em regiões próximas e cruzadas pela ferrovia este privilégio aos automóveis se torna mais pesado e evidente.
41
[16] [16] Mapa da região dos Campos Elíseos, mapeamento 1930, Sara Brasil, Fonte: Geosampa.
42
campos elíseos
No século XIX, São Paulo ainda era uma cidade com
gerou profundas mudanças na área, que se valorizou. No
características provincianas e uma economia agrícola. Como
final do século XIX, houve investimentos municipais em vias
todos sabemos, essa é a época dos famosos “Barões do
de acesso ao centro, calçamentos e iluminação, instalação
Café”. A vida comercial da cidade acontecia entre as Ruas
de bondes e melhorias no Jardim da Luz, que transformaram
São Bento, Direita e XV de Novembro, o “triângulo” que era
a região em um ponto de encontro das elites. O comércio
conhecido como coração financeiro de SP. Com o crescente
no entorno da Estação da Luz diversificou-se para atender
desenvolvimento da infraestrutura da cidade, em especial
os viajantes com hotéis e restaurantes. Na Rua Mauá,
a construção das ferrovias e da Estação da Luz, algumas
atrás da estação, a partir dos anos 1880, surgiram hotéis
situações começaram a acontecer e a mudar a paisagem
luxuosos, destinados aos viajantes do interior paulista.
urbana do centro e bairros da região. Com o passar do tempo
As ferrovias também favoreceram o desenvolvimento dos
e o desenvolvimento da região, uma nova mola propulsora
bairros próximos como os Campos Elíseos, o primeiro bairro
tomou conta da região: a implantação das estradas de
planejado da capital paulista que atraiu o dinheiro e os
ferro. O propósito dessas ferrovias era ligar os cafezais do
palacetes da elite cafeeira paulistana.Os barões, que antes
este paulista ao porto de Santos e, em 1860, teve início a
viviam no interior, passaram a conviver mais com São Paulo.
construção da ferrovia The São Paulo Railway Company,
Era mais rápido estar aqui para fechar negócios, viajar para
primeira estrada de ferro do estado de São Paulo que foi
a Europa e proporcionar uma educação de qualidade aos
criada pela iniciativa do Barão de Mauá. Anos mais tarde, em
herdeiros. Bairros como Higienópolis e Campos Elíseos
1867, foi erguida a primeira Estação da Luz que redefiniria
começaram a ser construídos com o dinheiro do café.
toda a área central da nossa cidade e se tornando um ponto
Enquanto ganhávamos novos moradores e consumidores, a
chave de ligação para todo o tráfego urbano e comercial de
vida social passava a se aquecer.
São Paulo. A implantação do sistema de transporte ferroviário
43
[17] [17] Mapa da região dos Campos Elíseos, publicação 1988, Vegetação, Fonte: Geosampa.
44
[18] [18] Mapa da região dos Campos Elíseos, ortofoto 2004, MDC, Fonte: Geosampa.
45
[19] [19] Mapa da região dos Campos Elíseos, ortofoto 2017, PMSP RGB, Fonte: Geosampa.
46
Assim como nos outros dois bairros estudados, percebe-se a permanência de uma ordem que foi estabelecida e continua sendo mantida ao longo de grande porção da orla ferroviária paulistana. Porém, podemos observar no caso dos Campos Elísios um fenômeno interessante de abandono do lugar, terrenos que antes abrigavam grandes infraestruturas hoje se veem vazios e abandonados. Outro fator que pode confirmar este fato é o surgimento da ‘favela do moinho’ na porção sudeste do último e penúltimo mapa. Esta ocupação também é decorrente do abandono de uma porção de território que antes abrigava grandes infraestruturas e edifícios. Podese sugerir então, à partir desta análise que o crescente abandono da linha férrea levará a mais terrenos vagos surgindo em seu território? Seria de fato uma condição interessante tendo em vista a discussão que seguirá esta monografia.
47
metodo ope
2.1 48
ologia erativa O seguinte capítulo demonstra a perspectiva do projeto de
arquitetura seguindo os termos explicitados no Dicionário Metápolis de Arquitetura Avançada. Livro que possui o objetivo de catalogar conceitos e definições acerca do campo da arquitetura e reunir projetos contemporâneos que são
criadores destas novas definições ou remodeladores de antigas definições.
A coletânea de definições comentadas que seguirá este texto
tenta, de forma abrangente, envolver os aspectos, desejos, objetivos, curiosidades e discussões que resultarão nos
projetos urbanísticos e arquitetônicos apresentados no fim desta monografia.
49
guia para leitura palavra:
Índice de imagens
epistemologia da palavra Trata da orgem da palavra e da história ou origem das palavras e da explicação do significado de palavras através da análise dos elementos que as constituem.
definição adotada pelo dicionário metápolis Síntese da definição adotada pelo dicionário metápolis de arqtuitetura avançada
Texto
50
Croqui autoral
Imagem/referência
Imagem/referência
Imagem/referência
Imagem/referência
Imagem/referência
51
entediado:
epistemologia da palavra
A palavra entediado deriva do latim TAEDIUM, “cansaço, desprazer”, do verbo TAEDERE, “cansar”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: Nunca estava entediado porque sempre (se) imaginava (em) outras situações. Outras condições. Outras (possíveis) ações.” “Federico Soriano: Não queremos arquitetos sentados, sim arquitetos caminhantes. Enxergar, ver, absorver, roubar talvez. Não nos desejamos impressionar por estarmos sozinhos. Nos disseram que a terra é plana. Mas nós vamos mostrar o outro lado. Vamos trabalhar em situações aparentemente normais. Mas faremos novas perguntas. Questionaremos os limites das coisas. Não temos que fazer o contrário. Não queremos ser originais, mas sim extraordinários da maneira mais banal. Queremos ensaiar um sorriso.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
Observando e transitando pela linha férrea imagina-se outras possibilidades, potências não exploradas, interações ainda não vistas, mudanças de escala e paisagem. Movendo-se pelo tédio das pequenas coisas, do modo como fomos [20] KOOLHAS, Rem; ZENGHELIS, Elia; VRIESENDORP, Madelon; ZENGHELIS, Zoe; Exodus, or the Voluntary Prisoners of Architecture: The Strip (Aerial Perspective), 1972 52
ensinados a perceber e produzir a arquitetura e o urbanismo, constantemente de forma linear e absoluta é desperta esta curiosidade com a qual o projeto é embasado. Nada é absoluto, as possibilidades que serão apresentadas muito menos, assim como Victor Frankenstein, há a possibilidade da criação do que muitos percebem como um monstro.
[20]
53
acoplamentos:
epistemologia da palavra
A palavra acoplamento deriva do Francês ACCOUPLER, “juntar em parelhas”, do antigo Francês COPLE, “dupla”, do Latim COPULA, “ligação, união”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
Manuel Gausa: Tradicionalmente o dualismo ilustrou a divisão conceitual do mundo em categorias: o reconhecimento exato de uma realidade referida a classificações absolutas. Hoje, sem impedimento, as antigas categorias substantivas enfrentam reiteradamente nas condições indisciplinadas de um tempo de mesclas e de deslizamentos que proclama, em todas as suas manifestações, a brutal (e excitante) dissolução daquelas velhas divisões dicotómicas que, durante anos, foram paradigmas de nossa bagagem ideológica e disciplinar.
(GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
Os chamadas acoplamentos expressam esta quebra da dicotomia dita por Gausa, a interação de diferentes interfaces e situações antes não vistas na cidade e na arquitetura. O exterior e o interior, o natural e o artificial, o público e o privado, a ordem e o caos, o determinado e o indeterminado, o formal e o informal, o particular e o geral, o cotidiano e o extraordinário, o aberto e o fechado. Todos são exemplos de ações duais (e ambíguas) que podem se [21] ABRAMOVIC, Marina e Ulay, In Space, 1976. [22] ABRAMOVIC, Marina e Ulay, Relation in time, 1977. 54
fundir para criar operações mistas, que podem atingir um resultado mais fértil e intrigante, acoplamentos e interações nem sempre óbvias e muito menos fadas ao sucesso mas com a intenção de criar esta sensação de inquietude que poderá ressoar em algo novo e único.
[21]
[22] 55
ambiguidade:
epistemologia da palavra
A palavra ambiguidade deriva do latim AMBIGUITAS, de AMBIGUUS, “o que tem duplo sentido, duvidoso, mutável”, de AMBIGERE, feito por AMBI-, “ao redor”, mais AGERE, “levar a, atuar, guiar”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: O espaço unívoco (que admite somente uma interpretação) deixa lugar hoje ao espaço decididamente ambivalente e suas manifestações físicas e virtuais. Não só por não ser predeterminado funcionalmente, mas sim por ser substantivamente híbrido. Categoricamente ambíguo. Em uma realidade multifacetada, polifásica e definitivamente não-essencial, a arquitetura pode criar espaços mais plurais e desta forma, indeterminados. Espaços implicitamente mutáveis e (in)formais. Múltiplos. Multiplicados e multiplicadores. Aquele que, por sua perda de substantividade e categoria, alguns autores entenderiam como a humilhação definitiva do objeto, favorece precisamente a pluralidade e a intriga combinando diversos níveis de informação, de interpretação e de leitura.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
A interação proposta pela sobreposição de condições adversas na cidade: lento e rápido, formal e informal, máquina e homem...; pode ser vista por alguns como uma combinação quase promíscua. Como dito por Gausa, a humilhação definitiva do objeto. Porém, em uma era de conectividade e informação onde a pluralidade se sobressai à monotonia, a hibridez se mostra cada vez mais potente e inevitável. Numa sociedade onde um edifício pode [23] FRANÇOIS & LEWIS, Casas rurais, França, 1997. 56
ser um jardim e um jardim pode ser um edifício, uma barreira pode ser uma ponte e a linha uma cidade.
[23]
57
comensalismo:
epistemologia da palavra
A palavra comensalismo deriva do latim COMMENSALIS, “o que senta à mesma mesa que outro”, de COM, “junto”, mais MENSA, “mesa”.
definição adotada pelo dicionário metápolis “Manuel Gausa: Comensal é aquele indivíduo que vive na casa de outro às expensas deste, como convidado, familiar ou dependente. Esta dependência implícita só é habitual em certos habitats do reino animal, com diversos contratos comensalistas que implicam mútuos benefícios e intercâmbios. O organismo superior assegura o sustento e o inferior proporciona certos serviços não previstos na capacidade operativa daquele.“ (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
O objetivo do comensalismo comentado por Gausa é criar uma relação entre projetos e interfaces que se aproximaria de forma mais clara do conceito de mutualismo ou protocooperação (relação onde ambos os integrantes possuem algum tipo de benefício) do que o comensalismo (relação onde um indivíduo se beneficia e o outro não é beneficiado nem prejudicado) propriamente dito. Este mutualismo é uma procura de qualidades e especificidades entre diferentes organismos que juntas criam uma possibilidade de melhor adaptação dos indivíduos no meio em que estão inseridos. A relação entre a cidade e linha férrea hoje pode ser tratada como análoga à junção do comensalismo e o amensalismo (relação onde um indivíduo não é beneficiado nem prejudicado, porém o outro indivíduo sofre prejuízo), pois a cidade se beneficia do transporte [24] HOLL, Steven,Complexo Residencial Makuhari, Chiba, 1996. [25] HOLL, Steven, Bridge of houses, 1979. [26] NEUTELINGS, Willem Jan, Vivendas Prinsenhoek, Sittard, 1995. 58
e mobilidade trazidos com a linha porém também é prejudicada e marginalizada nos territórios mais próximos a este eixo de mobilidade. Enquanto isso a linha permanece como ser inerte, não é prejudicada e nem beneficiada pois só exerce sua função primária de ligação no tecido urbano. A mudança de uma posição de indivíduo inerte adotada pela linha férrea para um indivíduo ativo que atua e altera a cidade de acordo com as necessidades observadas resultará em uma passagem inevitável de um comensalismo para uma espécie de mutualismo jovem, onde se descobrirão os benefícios gerados por esta relação.
[25]
[24]
[26]
59
distorção:
epistemologia da palavra
A palavra distorção deriva do Latim DISTORQUERE, “virar para um e outro lato”, de DIS-, com ideia de reforço, mais TORQUERE, “torcer, fazer oscilar”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“José Morales: Perturbação ou alteração de um sistema ou pauta de ação. Deformação de seus movimentos durante sua propagação ou evolução.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
O sistema que chamamos hoje de cidade é uma forma clara da atuação da conservação, o sistema se expande, muda minimamente, mas a lógica formadora se conserva ao longo do tempo. A distorção atua neste sentido como a quebra da repetição, dos padrões e da lógica a qual sempre estivemos habituados. O formal é o formal, o informal é o informal, o lento é o lento e o rápido é o rápido, mas quando distorcemos esta lógica, onde o que divide é o que agora une é criada uma perturbação, uma inquietude. Esta perturbação [27] OMA, Très Grande Bibliothèque, Fança, 1989. [28] OMA, Très Grande Bibliothèque, Fança, 1989. [29] A banalização da distorção na arquitetura contemporânea. 60
pode interferir no cotidiano de um usuário deste sistema levando a alterações desejadas e indesejadas, mas que desafiam uma lógica única. Uma distorção única pode não ser suficiente para gerar esta perturbação desejada. Ainda, esta distorção pode ser absorvida, se tornando parte do sistema.
[27]
[28]
[29]
61
ensaio:
epistemologia da palavra
A palavra ensaio tem sua origem no latim tardio como EXAGIUM, “ato de pesar, de testar”, de EXIGERE, “pesar, examinar”, formado por EX-, “fora”, mais AGERE, “medir peso”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Federico soriano: O ensaio pensa seu objeto como descentrado, hipotético, regido por uma lógica incerta, borrada, indeterminada: seu discurso é sempre uma aproximação. Se sacode a ilusão de um mundo simples, no fundo lógico, preestabelecido, regido por uma inexorável necessidade ou vontade. Pelo contrário, o ser diferenciado do ensaio nos mostra em sua espera provisional, neste tempo nunca acontecido, do possível, ao menos, do desejado. E quando sua visão se orienta a um passado relativamente distante, não por isso abandona a ironía que rege sua intenção crítica.”
(GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
O ensaio, palava que compõe o nome desta monografia, exprime toda a intencionalidade que é carregada na raiz da proposta desta discussão sobre projeto e cidade. Há, hoje, uma lógica certa que rege a sociedade e o modo o qual construímos e atuamos em nossas cidades e arquiteturas. O considerado formal e o informal são perpetuados por esta lógica, que determina a quantidade de interações vistas e perpetua uma separação clara entre estes dois conceitos. Ainda que, mesmo muitas vezes sendo gerado de forma não intencional, certas interações entre estas duas esferas da cidade podem ainda ser encontradas. O ensaio é justamente a quebra desta lógica, a apresentação do hipotético, do incerto, com o objetivo máximo de atuar como gerador de
[30] Hipóteses de ocupação da linha ferroviária.
possibilidades outras, não necessariamente melhores ou piores em relação às praticas e soluções encontradas atualmente. O indeterminado desperta este fascínio pelo possível, pelo novo. Assim como este ensaio foi gerado por
62
outros ensaios, espera-se que também possa ser gerador do mesmo
[30]
63
(en)tramados:
epistemologia da palavra
A palara entramado deriva do latim TRAMA, “fio, tecido, trama”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: A ênfase na definição de uma matriz tramada e flexível de suporte caracteriza aqueles dispositivos definidos como tramas evolutivas: se trata, de fato, de estruturas dinâmicas concebidas como aparelhos pautados, organizadores e geradores, suscetíveis a propiciar configurações diversas desde a optimização até a distorção. (En)tramados pois possuem geometrias reconhecíveis ou deformadas mas com capacidade de superar a rígida ordem reticular e proporcionar encaixes de traçados múltiplos, complexos e flexíveis, que mudam a própria definição das grandes redes infraestruturais de articulação territorial: traços mais que traçados.”
(GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
A cidade é uma trama de dinâmicas e interações entre complexos sistemas que se juntam, sobrepõem e coexistem entre si. O sistema viário é uma destas complexas estruturas que são vitais para o funcionamento da sociedade. A cidade de São Paulo, apesar de ter sido uma das primeiras cidades a desenvolver o sistema de ferrovias no Brasil, hoje tem o carro como seu principal meio de transporte, sendo grande parte da cidade [31] OMA, Parc de la Villette, Fança, 1982. [32] OMA, Parc de la Villette, Fança, 1982.
destinada ao uso predominante dos automóveis, em detrimento do pedestre. O tratamento da ferrovia pela cidade evidencia um probelma na interação entre estas três tramas: o viário (carro), a linha (trem) e as calçadas (pedestre). Com as calçadas que a rodeiam e transposições precárias, a linha se torna uma cicatriz no tecido urbano da cidade.
64
[31]
[32]
65
entre:
epistemologia da palavra
A palavra entre deriva do latim INTER, “entre, no meio de, situado entre vários”, do Indo-Europeu ENTER, “entre”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“José Morales: Na arquitetura , o entre concentraria seu significado como aquele que media, que é a arquitetura da relação e da tangência. Seria o urbanismo dos sistemas abertos, a arquitetura sem limites, desprovida de clausuras, aberta às fenomenologías das paisagens, mas também seria a arquitetura da conjunção com o mínimo. Seria a arquitetura que se fortalece com as situações mais apuradas. A tangência é seu lugar preferido. O entre é um espaço permanentemente em fuga, um território próprio, um fronteira feita país. Mais ainda, sería como uma conquista própria entre dois territórios combatentes. Estranho, infiltrado, camuflado.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
Entre, um termo muito utilizado em arquitetura para descrever os espaços residuais, espaços sem atividade definida. Talvez o entre não seja apenas um espaço residual, mas tambem um lugar substancial na arquitetura, um lugar onde a geometria inspira e expira. Como dito por José Morales, o entre se encontra na tangência dos espaços e da arquitetura. Um lugar visto com estranheza, camuflado e de difícil percepção. Os espaços identificados ao longo da linha férrea estudada portanto podem ser classificados como entre-espaços, isolados pela cicatriz gerada no tecido da cidade e esquecidos pela dificuldade de lidar com estes territórios de forma a potencializa-los e não mais isolá-los. Porém, o que temos como hipótese não é a formalização absoluta do entre, mas uma [33] FRIEDMAN, Yona, Spatial City, 1960. 66
espécie de inundação e costura deste lugar com o tecido formal da cidade, uma junção experimental entre a estranheza e formalidade do espaço.
[33]
67
epítome:
epistemologia da palavra
A palavra epítome deriva do Grego EPITOMÉ, “resumo, corte na superfície”, de EPI-, “sobre”, mais TOMOS, “corte”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: O projeto contemporâneo se concebe, em certos casos, como uma síntese a-escalar de uma cidade definitivamente multiescalar. Um epítome de suas próprias dinâmicas básicas mas tambem capaz de provocar um salto de escala na cidade. Permite imaginar dispositivos concebidos como mecanismos de intercâmbio multiescalar virtuais entre o sistema local e um sistema superior (a cidade). Ditas epítomes multiescalares se convertem, portanto, em “mapas de ação” referidos a outros mapas da cidade, que permitem estabelecer uma relação entre a lógica aberta do projeto contemporâneo e a estrutura difusa (inacabada) da cidade.”
(GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
A interação entre as escalas é inevitável em um projeto que se pauta na questão da mobilidade e do cotidiano na cidade. A junção entre o local e o global, um grande sistema viário que conecta e separa dezenas de kilômetros na cidade e seu entorno imediato, local que sofre da forma equivocada de implantação e do tratamento dado a este sistema. Há uma tentativa, por meio de projeto, da união destes dois paradigmas multiescalares, um respeito pela grandeza da escala em que começamos a interferir (linha férrea) e o desejo [34] TSCHUMI, Bernard, Factory 798, Beijing, 2004. [35] TSCHUMI, Bernard, Factory 798, Beijing, 2004. 68
de trazer o local, o cotidiano para potencializar esta intervenção. Um epítome é uma forma literária sumária ou em miniatura; uma instância que representa uma realidade maior, o propósito da intervenção é exatamente este, um resumo de escalas, intenções, propostas, usos e interações em um só local.
[35]
[34] 69
figura-fundo:
epistemologia da palavra
A palavra figura deriva do latim FIGURA, “forma, aspecto”, derivado de FINGERE, “dar forma”. Já a palavra fundo deriva do latim FUNDUS, “vasto, fundo”, “a parte de baixo, alicerce, área de terra”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: Figura e fundo dissolveram, hoje, seus limítes em novos dispositivos que sugerem uma transfusão do projeto contemporâneo com o meio, mas também uma crescente desconfiança em direção a presença objetual de uma arquitetura entendida tão só como peça, volume puro como o fundo da ação. Esta progressiva fusão entre figura e fundo pode ser interpretada como uma renúncia ao protagonismo do edifício, respondendo, na maioria dos casos, a critérios operativos orientados a gerar dispositivos mais agenciados, capazes de reformular as velhas categorías essenciais do urbano (cidade, paisagem, infraestruturas).”
(GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
Esta nova relação proposta por Gausa entre figura-fundo na arquitetura evidenciam uma tendência à criação de novas dinâmicas de cooperação e sinergia entre os projetos, que encaminhariam por sua vez a própria fusão ou dissolução de dicotomias antígas, natural/artificial, território/paisagem e sobre tudo, a uma possível relação entre cheios/vazios. A figura é o objeto formal, puro, uma arquitetura que não necessariamente interage com o fundo. O fundo é tudo que sobra, o meio, o espaço, o entre, aquilo que normalmente não enxergamos pois estamos muito ocupados observando a figura. Pensando a cidade como uma arquitetura, podemos perceber os espaços formais como a Figura, e os espaços informais (como os próprios territórios
[ 3 6 ] P e r f i s / Va s o e x e m p l o d o conceito de figura fundo na psicologia. 70
encontrados entre a linha) como Fundo. O ato de construír no Fundo é fundamentalmente liga-lo à Figura, estabelecendo assim uma relação não mais de Figura e Fundo, mas sim Figura-fundo.
[36] 71
fluxos:
epistemologia da palavra
A palavra fluxo deriva do latim FLUXUS, “o que escorre”, de FLUERE, “fluir, deslizar, escorrer”, mais o Grego GRAMMA, “registro”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: Essa concução emaranhada dos fluxos faz referência a uma série polivalente de nocção e direção: uma possibilidade polivalente de informação receptora e codificada - e em alguns casos subliminar - que se encontra no próprio ambiente da cidade. Tramas de fluxo como sistema de critérios variáveis apresentados lógicamente. Sua condição eidética se revela como a de uma paraconstrução em que o acordo é ao mesmo tempo substância e tempo.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
Os fluxos são uma questão fundamental na discussão aberta pelo tema desta monografia. A interação entre fluxos de diferentes funções (automóveis, trem e pedestres) gera na situação atual encontrada uma lógica que privilegia os [ 3 7 ] A Z P M L , Yo k o h a m a P o r t Terminal, Yokohama, 2002. [ 3 8 ] A Z P M L , Yo k o h a m a P o r t Terminal, Yokohama, 2002. [ 3 9 ] A Z P M L , Yo k o h a m a P o r t Terminal, Yokohama, 2002. 72
automóveis, muito em detrimento do fluxo dos pedestres. A possibilidade estudada busca a inversão desta lógica presente nos dias atuais, criando novos fluxos e requalificando os espaços de passagem, transformando o que antes era apenas usado como espaço de passagem em um local de permanência e diversidade de usos.
[38]
[37]
[39] 73
glocal:
epistemologia da palavra
A palavra glocal deria de uma junção das palavras global e local.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa; Global e local simultaneamente. Fenômeno, registro, dispositivo ou informação capaz de ressoar com o local e o transferir ao global. Capaz, pois, de ser sistema e lugar a um tempo, lógica abstrata e resultado singular. Glocal é todo aquele acontecimento que responde ao particular e interconecta com o geral; que é de um território e de muitos - ou todos - territórios ao mesmo tempo: genérico e específico. Abstrato e concreto. Interessa, então, essa identidade não somente substancial, mas sobre tudo relacional do glocal aplicada a uma possível arquitetura capaz de gerar combinações e transferências multiescalares.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
O objetivo desta hipótese é de que o projeto concilie o global e local, respondendo as necessidades especificas de cada localidade tocada pela linha férrea. No momento parece que uma abordagem única para toda a linha (por exemplo: sobrepor toda a linha com programa) não é a correta, mas um pot-pourri de experimentos, sim, me parece mais acertado, pois as interações entre situações distintas na linha podem sem geradoras de momentos inesperados e inusitados. [40] NEUTELINGS, Willem Jan, modelo de desenvolvimento do anel de Anvers, Belgica, 1986. 74
Não pretendendo regenerar nem redefinir totalmente a realidade da linha, mas sim “ressoar” com o objetivo de reativá-la. Criando um processo aberto, que aceita mudanças.
[40]
75
híbrido:
epistemologia da palavra
A palavra híbrido deriva do Latim HYBRIDA, “mestiço, de raças misturadas”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“José Moralles: A natureza híbrida do projeto contemporâneo alude a atual simultaniedade de realidades e categorias referidas não já a corpos armónicos e coerentes, mas sim a cenários mestiços feitos de estruturas e indentidades em convivência comensalista. Desde a aceitatação sem preconceitos de uma e situação estranha a informações solapadas e interconectadas de uma só vez.”
(GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
O projeto é um híbrido em todos os sentidos, um híbrido entre conexões e fluxos distintos, unindo os principais fluxos da cidade. Um híbrido entre usos distintos, aberto a uma grande gama de usos e possibilidades, possibilitando interações entre usos totalmente distintos. Um híbrido entre formalidade e informalidade. Um híbrido entre natureza e cidade. Esta natureza híbrida dita por José Moralles se faz presente em diversos projetos de arquitetura da atualidade e é um tema crescente em relação à como lidamos com a cidade contemporânea. Cada vez mais nos deparamos [41] NL Architects, Basket Bar, Utrecht, 2000. [42] NL Architects, Basket Bar, Utrecht, 2000. 76
com inusitadas combinaçoes entre usos, que antes pareceriam de certa forma absurdos mas hoje são introduzidos e encorajados por uma gama de arquitetos.
[42]
[41]
77
fatores de ordem:
epistemologia da palavra
A palavra ordem tem origem no Latim ORDO, “arranjo de elementos feito conforme certos critérios”, “exigência de disposição regrada de elementos, comando”, relacionado ao verbo ORDIRI, “ordenar”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: O estudo dos sistemas dinâmicos não lineares e dos fenômenos de intencionalidade caótica tem revelado de modo acelerado, e em um tempo relativamente curto, a possibilidade de outro tipo de ordem mais indeterminada - mais além da ideia da ordem como controle fechado dos processos - fundamental na atual compreensão de nosso universo. Uma ordem que interessa compreender aqui para entender os parâmetros de organização das estruturas a ele associadas que apresentam comportamentos incertos ou genéricos, observáveis na maioria dos processos dinâmicos e evolutivos e que, como no caso das cidades, externam seus efeitos caóticos ao aumentarem os fenômenos de mobilidade e intercambio internos, portanto, ao incrementar o grau de interação entre as diversas informações que neles incidem.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
A busca por uma odem aberta permeia diretamente a noção do processo de criação desta hipótese. Um fator de ordem que busca ser baseado em relações flexíveis mais do que vínculos categóricos. Este fator não se associa à antiga noção absolutista e contínua da composição clássica, nem com a posição moderna. É mais relativa, fragmentada e distanciada, com uma concepção mais aberta da ideia de ordem como disposição. Uma espécie de agenciamento flexível capaz de favorecer um “indeterminismo determinado” entre combinações múltiplas, estímulos e informações diversas. Pensando assim uma ‘lógica-mãe’ que rege a forma de concepção porém se mantém [43] GUALLART, Tourist proposal for Batoutz, Batoutz, 2003. 78
aberta às possibilidades influenciadas diretamente pelas condicionantes específicas encontradas em locais distintos.
[43] 79
infiltração:
epistemologia da palavra
-
definição adotada pelo dicionário metápolis
“José Moralles: Atravessar, abrir passagem, indroduzir-se em um espaço, são ações mais que imagens ou configurações estabelecidas que nos oferecem um conceito de espaço distinto. A ideia do espaço, ligada a ideia de vazio (como carência), aquilo que falta. Fundamentalmente, ligar a ideia de espaço ao conceito de densidade é introduzir no nosso trabalho a gravidade, as sensações do toque, da proximidade, da textura, da superfície ou de metáforas como o espaço flúido. De forma definitiva, todas as contingências que fazem que o espaço seja compatível com tudo que nos rodeia.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
“Não nos colocamos a frente de uma turbina avariada e a inundamos de lubrificante. Pelo contrário, se intodruzem as gotas necessárias naqueles parafusos e juntas estratégicas que são precisas reconhecer.” (BENJAMIN, Walter. Gasolinera) A infiltração é dada como uma reinterpretação/reformulação qualitativa de suas próprias condições. Esta citação de Walter Benjamin exprime de forma provocantemente simples o resultado de diversas possibilidades experimentadas em formas de se ocupar a linha férrea. A conclusão que leva ao objeto projetual se baseia justamente neste método, observando pontos críticos ao longo da extensão [44] CIRUGEDA, Santiago, Andaimes, Sevilha, 1998. 80
da linha e atuando nestes pontos de forma a servir como um começo de um catálogo de intervenções e seus possíveis sucessos/fracassos.
[44]
81
land links :
epistemologia da palavra
-
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: Do mesmo modo que é inviável seguir aceitando o “caos fascinante” da cidade como restrição para o abandono definitivo de um processo exclusivamente aleatório e incontrolável destinado a salpicar o território de modo ilimitado, assim como tentar limitar os processos a programações fechadas, limitadas a pequenas intervenções seladoras, de conjuntura, justificáveis apenas do ponto de vista da lógica administrativa. Hoje se requerem novos dispositivos - sistemas em grande escala - capazes de abordar a dimensão ao mesmo tempo casual e infraestrutural da cidade e do território.”
(GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
Estes chamados sistemas dinâmicos conduzem à uma certa análise da cidade e de processos complexos, incertos e caóticos. Podem ser caracterizados pelo termo comum <in>: incertos, incoerentes, informais, infinitos, instáveis. São sistemas e ensaios que permitem adivinhar certa ordem interna no sistema caótico, caracterizada por uma organização matricial, entrelaçada, sem escala, com grande importância entre a relação vazio-cheio. A intenção deste pensamento é levar a um perspectiva sobre a intervenção na linha do trem que seja ritmada e engrenada ao território, podendo configurarse, assim, com retrações, dilatações, extensões e recortes que respondem às peculiaridades de cada situação onde estarão implantados. Desta forma, criando um esquema básico, misto e aberto a evoluções. Não contrapondo o espaço natural nem o espaço urbano, mas sim estabelecendo uma correlação
[45] ACTAR arquitetos, Plano estratégico territorial, Graz, 1999. 82
entre ambos, sendo um sistema gerador e associador de todos os usos cada vez mais importantes na sociedade atual.
[45]
83
matricialidade:
epistemologia da palavra
A palavra matricialidade deriva da palavra matriz, que por sua vez deriva do Latim MATRIX, “fêmea de animal para reprodução”, de MATER, “mãe”. O significado se relaciona com o ponto de onde algo se origina.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“O Arquiteto de hoje constrói relações. Existem, efetivamente, linhas invisíveis entre as coisas. Relações materiais, campos magnéticos, ondas sonoras, feixes luminosos, linhas de partículas, linhas estruturais, ondas de calor. Existe portanto uma matriz de relações, uma matriz de relações reais e outra de relações virtuais. Uma matriz no cálculo, na telefonia, na genética, nos fractais e no caos. Uma matriz estrutural invisível, solida e eletrónica, cinética e congelada, nano e cósmica. Uma arquitetura de desenhos vetoriais, fios de nylon, circuitos de cobre, linhas telefónicas. É preciso construir a matriz porque a mesma é real e vivemos nela”.
(GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
A sobreposição de diversos sistemas complexos de infraestrutura na cidade gera uma complexa matriz de correlações, barreiras, conexões e [46] OMA, Euralille, Fança, 1989. [47] OMA, Euralille, Fança, 1989. [48] OMA, Euralille, Fança, 1989. [49] OMA, Euralille, Fança, 1989. 84
sobreposições. A matriz encontrada hoje no território estudado possui uma clara perturbação gerada pela interação precária entre os sistemas de transporte. A tentativa de solucionar esta matriz envolve uma simples ação de conexão entre linhas antes existentes, extremamente próximas, porém com pouquíssimas e precárias conexões em suas extensões no tecido da cidade. Estas ligações permitem a criação mais uma camada que se soma à matriz existente.
[46]
[47]
[48]
[49] 85
não-lugares:
epistemologia da palavra
O prefixo a tem origem no grego e representa negação, afastamento. Já a palavra lugares deriva do Latim LOCALIS, “referente a uma posição, a um lugar”, de LOCUS, “lugar”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: Com a terminologia ‘não-lugares’ o antropólogo Marc Augé propunha uma definição para essa nova relação entre ‘cidade-tempo’ e o espaço da mobilidade: os não-lugares identificados por Augé (parques oficinas, estações, aeroportos e estações de trem, centros comerciais) constituiram novos paradigmas de cenários cotidianos ‘arquitetonizados’ e, ao mesmo tempo, esquecidos pela cultura arquitetônica. Não-lugares que apontariam, não obstante, a passagem de um existencialismo ideológico a um existencialismo lúdico, relacionado com a mobilidade e consumo mas também com a valorização do ócio.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
Os territórios identificados ao longo deste estudo, suas potencialidades, suas características comuns e suas condicionantes podem ser observados e descritos de forma muito precisa pelo conceito apresentado como nãolugar. São territórios intrinsecamente ligados a mobilidade, em constante transformação porém deixados de lado quando vistos por uma perspectiva arquitetônica e não estritamente funcional. A associação de diferentes tempos da cidade é uma estratégia de ativação deste espaço, não tratado como uso único, mas sim com grande pluralidade: [50] Viaduto da auto-estrada de Chicago, vista aérea. [51] Vista aérea do pátio de oficinas da Lapa em 2012. 86
unindo o tempo do ócio, do consumo, do morar, do trabalhar e do caminhar. Seria, talvez, o rito de passagem do não-lugar para o lugar, ou um sistema que se encontra ainda entre ambos, assumindo e buscando seu papel na matriz da cidade. Um possível ‘entre-lugar’.
[50]
[51] 87
patchwork city (paisagem) :
epistemologia da palavra
A palavra paisagem deriva da palavra de país. E esta vem do Latim PAGUS, “distrito rural”, originalmente “área demarcada”, relacionada com PANGERE, “apertar, colocar no lugar”, que veio do Indo-Europeu PAG-, “colocar no lugar, unir, tornar firme”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: A forma da cidade tradicional se dissolveu em uma paisagem múltipla. É um processo de escala mundial, em que a cidade deixou de ser um recindo limitado para passar a se manifestar como uma combinação de retalhos, múltipla e fragmentada. Como um patchwork sobre um território, a forma cristalina da cidade primitiva estava, assim, em um leque heterogênio de salpicados e lacunas: um patchwork de realidades entrelaçadas, conflitos, tensões e belezas, favorecidos precisamento pelo potencial da mobilidade, do intercâmbio e do deslocamento.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
A manifestação deste ‘patchwork’ seria, efetivamente, a de uma estrutura definitivamente aberta, inacabada e incompleta. Uma combinação entre áreas edificadas, espaços livres e estruturas de suporte. Assim como os programas de televisão que se determinam pelos próprios telespectadores conforme vão mudando de um canal ao outro, este patchwork realizado na linha férrea se constitui a partir da montagem e associação entre usos peculiares ao espaço e seus usuários e usos genéricos voltados a cidade como um todo. É uma ação de reestruturação de um fragmento urbano que foi deixado de lado por muitos anos na cidade, transformando-o em uma espécie de colche de retalhos em permanente [52] TSCHUMI, Bernard, Parc de la Villette, Fança, 1982. 88
evolução, com cada um de seus fragmentos sendo uma peça específica de um sistema conectado e abrangente.
[52] 89
pontes:
epistemologia da palavra
A palavra ponte deriva do latim PONS, “ponte”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: Fábrica ou dispositivo - habitualmente uma plataforma - destinado a conectar dois territórios separados // Construir uma ponte: criar uma relação física ou virtual. De articulação ou cumpllicidade. Efetuar uma ligação, enlaçar.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
Com a definição de basicamente conectar dois territórios antes separados, as intervenções propostam podem ser entendidas, de forma genérica, como grandes pontes entre territórios que se encontravam divididos pela linha do [53] WMA, Restaurante Ponte, Espanha, 2002. [54] WMA, Restaurante Ponte, Espanha, 2002. [55] TSCHUMI, Bernard, Cidade Ponte, Suiça, 1988. [56] TSCHUMI, Bernard, Cidade Ponte, Suiça, 1988. 90
trem. A intenção é a de, diferente das poucas conexões encontradas atualmente ao longo deste território, que são destinadas exclusivamente à passagem de pessoas ou veículos, possa-se criar com a adição de programas a estas conexões, um espaço tanto de passagem como de permanência. Esta associação amplia o conceito apresentado de uma simples ponte para espaço que pode ser tido como ponte-programa.
[53]
[54]
[55]
[56]
91
preenchimento:
epistemologia da palavra
O prefixo pre tem origem no grego e representa anterioridade Já a palavra enchimento deriva do Latim IMPLERE, “completar, encher muito”, formado por in, “em”, mais PLENUS, “cheio”, do Grego PLÉOS, “cheio”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“José Moralles: Como resultado da densidade de acontecimentos submetidos ao espaço, as vezes mínimamente disponível, a aventura do espaço na arquitetura, quando tivermos preenchido tudo, se centraría no que resta. Não nos resta outro remedio a que ver por trás e surpreender à própria arquitetura. O espaço do ‘molde’ é uma boa analogia para entendermos. É esta mesma noção que provoca que a arquitetura acabe se ‘instalando’ naqueles lugares em que a arquitetura mal se aloja, ligando-se e provocando paisagens inesperadas para novos lugares de intercâmbio entre os sujeitos.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
Nas tramas já consolidadas e saturadas da cidade densa e construída podemos obsvervar o surgimento de novas propostas. Infiltrações táticas de uma nova informação observada. A relação com a velha estrutura preexistente implica no projeto um adaptação para que este se adeque ao espaço a ser ‘preenchido’, muitas vezes este espaço não possuindo características ideiais como um terreno convencional. [57] MVRDV, Central Railway Station, Holanda, 2008. [58] OMA, Très Grande Bibliothèque, Fança, 1989. [59] A banalização da distorção na arquitetura contemporânea. 92
Portanto se tornam intervenções precisas que se agarram às condições existentes e necessitam explorar ao máximo o potencial possível gerado pela condição existente encontrada. Desta forma, a flexibilidade e uma concisão abstrata da forma de intervir no espaço são determinantes para este tipo de preenchimento do vazio.
[57]
[58]
[59]
93
terrain vague :
epistemologia da palavra
O seguinte capítulo demonstra a perspectiva do projeto de arquitetura seguindo os termos explicitados no Dicionário Metápolis de Arquitetura Avançada.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Manuel Gausa: São espaços intersticiais, grandes vazios urbanos, vastas áreas obsoletas que, por sua disposição e configuração particulares, constituem territórios de ensaio ideais para explorar as condições da nova cidade. ‘Zonas estratégicas de fricção’ presentes na maioria das grandes metrópoles em transformação, frequentemente a margem - ou sobre - grandes infraestruturas de transporte ou produção.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
Locais de fábricas antigas, hoje em desuso, lugares em que se assentavam as mais importantes infraestruturas em épocas do passado. Enclaves hoje de uma sobreposição de inúmeros estratos da comunicação e deslocamentos. Terrenos ligados à grandes catástrofes naturais e econômicas. Enfim, são localizações em que se concentram grande parte de questões sobre as cidades e paisagens contemporâneas. Espaços da incerteza e, portanto, do projeto. [60] NL Architects, A8erna, Holanda, 2003. [61] NL Architects, A8erna, Holanda, 2003. [62] NL Architects, A8erna, Holanda, 2003. [63] NL Architects, A8erna, Holanda, 2003. 94
O terrain vague é a relação entre a ausência de uso e o sentido de liberdade. Hoje visto como um terreno vazio, ausente, mas também visto como uma promessa, um espaço do possível e das expectativas. É isto que define a ocupação destes terrain vagues encontrados ao longo da ferrovia, uma coleção de possibilidades e incertezas, mas ao mesmo tempo que carregam consigo uma euforia das possíveis mudanças e novos panoramas.
[60]
[61]
[62]
[63]
95
vazios e cheios:
epistemologia da palavra
A palavra vazio deriva do Latim VACIVUS, “desocupado, vago, desprovido, sem nada”, relacionado ao verbo VACARE, “não ter dono, estar isento de algo, estar sem ocupação”. Já a palavra cheio deriva do Latim PLENUS “cheio, completo”.
definição adotada pelo dicionário metápolis
“Fernando Porras: O espaço urbanoterritorial contemporâneo configura uma estrutura dendrítica de desenvolvimentos intermitentes e sincopados que favorecem o protagonismo dos espaços de omissão: ausências do construído, espaços abertos ou incisões visuais, terrenos residuais, que operam ‘no negativo’; vazios, pois, sucetíveis de propiciar um tratamento - uma instrumentalização - da paisagem mais singular, flexível e eficaz. Estes contratos entre lugares podem se articular, efetivamente, em sucessivas séries positivo-negativo, vazio-cheio, que - bem desenhadas - favoreceriam a diversidade, o contraste e a identidade.” (GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; MULLER, Willy; SORIANO, Federico; PORRAS, Fernando; MORALLES, José. Dicionário Metápolis de arquitetura avançada, Barcelona: Actar, 2001, Tradução livre do autor)
A relação proposta entre os cheios e vazios pode ser realizada de forma análoga entre a cidade (cheio) e a linha férrea (vazio). Tratada desta forma, a ferrovia e seus espaços residuais passa de uma grande cicatriz no tecido urbano a se tornar um conector de possibilidades que já permeia grande parte do tecido da cidade. Sendo assim, da mesma forma em que a linha é um conector em escala macro dos espaços da cidade, é possível que se torne um grande conector em uma escala micro, onde os territórios que a [ 6 4 ] M V R D V, M u s e e P i n a u l t , França, 2001. [ 6 5 ] M V R D V, M u s e e P i n a u l t , França, 2001. 96
tangenciam não seriam mais marginalizados. É a ação de inundar, de forma tática, o vazio com o cheio da cidade, com a ferrovia deixando de ser apenas uma importante ferramenta de infraestrutura para se tornar um articulador entre seus territórios.
[64]
[65]
97
plano urba
3.0 98
ano
O seguinte capítulo apresenta uma visão macro sobre a escala da cidade e o trecho escolhido para ser estudado em forma de plano urbano para a linha férrea. São mostrados os mapas e desenhos que foram geradores dos conceitos iniciais das propostas.
Complementando estes mapas e análises iniciais são apresentadas 3 macropropostas urbanas tendo em vista três áreas selecionadas de acordo com o mapeamento. Explicitando em forma de diretrizes e volumetrias as propostas para cada região.
99
Situação da área de intervenção:
100
Recorte estudado da linha fĂŠrrea:
101
Mapa geral de usos na linha:
Corte esquemĂĄtico do territĂ´rio:
102
103
Recorte da linha em destaque:
104
Áreas focais de intervenção:
105
Situação da área de intervenção:
OPERAÇÃO LAPA
OPERAÇÃO BARRA FUNDA
MAPA GERAL DE OPERAÇÕES
106
OPERAÇÃO CAMPOS ELÍSEOS
107
Sequencia de cortes de estudo para ocupação:
CORTE EM PARQUE ELEVADO
CORTE EM EDIFÍCIO DE PEQUENA ESCALA
108
CORTE EM EDIFÍCIO DE MÉDIA/GRANDE ESCALA
109
3.1 110
lap
pa
A proposta tem como conceito inicial garantir os fluxos que antes eram barrados pela linha férrea e ao mesmo tempo se utilizar do terreno escolhido para a criação de uma estrutura capaz de não ser somente uma “passarela” de conexão entre as ruas, mas sim seu próprio sistema interconectado. Com diferentes tipos de uso ao longo do sistema, é pensada uma estrutura que una todos os edificios e ao mesmo tempo não interfira na qualidade de vida de seu térreo, maximizando a iluminação natural e deixando o térreo como uma grande praça pública. Além disso são criadas duas “fileiras” de vegetação que amenizam o contato brusco e direto com a linha do trem, mas sem a criação de um muro.
111
Situação da área de intervenção:
112
Uso do solo e terrenos escolhidos:
113
Negativo da รกrea recortada:
114
Linha fĂŠrrea destacada do entorno:
115
Fluxos encontrados no local:
116
Fluxos propostos:
117
Croqui inicial da proposta:
118
119
[66]
[66] Perspectiva do observador, Vazio central. 120
Corte perspectivado isomĂŠtrico:
121
camp elĂs 3.2 122
pos seos O projeto é fortemente influenciado pelos terrenos encontrados e as condições existentes do território estudado. A sobreposição da linha cria uma conexão entre dois terrenos antes separados pela linha, ambos possuindo uma grande massa de vegetação
existente. Desta forma a união dos terrenos abre a possibilidade da criação de uma área de circulação / parque que recebe
diferentes tipos de edifício visando um balanço entre o adensamento e a “leveza” do parque. Além disso é proposto
um centro esportivo que se conecta com a favela do moinho, servindo de apoio para os moradores que se encontram isolados
pelos trilhos do trem. Ainda na favela do moinho são propostas
habitações sociais situadas na região ainda não ocupada pelos moradores, visando requalificar e melhorar gradualmente a qualidade de vida das pessoas que lá vivem.
123
Situação da área de intervenção:
124
Uso do solo e terrenos escolhidos:
125
Negativo da รกrea recortada:
126
Linha fĂŠrrea destacada do entorno:
127
Fluxos encontrados no local:
128
Fluxos propostos:
129
Croqui inicial da proposta:
130
131
[67]
[67] Perspectiva do observador, Vista da rua. 132
Corte perspectivado isomĂŠtrico:
133
barra f 3.3 134
a funda O projeto situado na região da barra funda, projeto escolhido
para ter um de seus trechos detalhado em projeto, se
desenvolve de maneira linear ocupando parte do espaço aéreo
deixado vago pela ferrovia. Com a perpção de um terreno situado entre as linhas do trem, é proposta uma ocupação que visa respeitar a condição natural predominante no terreno, são identificadas as maiores massas de vegetação que passam a
serem preservadas e incorporadas no projeto dando origem a um mercado que possui ligação direta com os trilhos do trem
em ambos os lados. A proposta se estende pelo espaço aéro da
linha em forma de um parque / circulação pública que conecta diversas ruas antes sem ligação, tendo como seu usuário
prioritário o pedestre. Por sobre o parque se constroem grandes edifícios que visam adensar porém mantendo a qualidade de vida e de iluminação que acontecem sobre o mercado. Por
fim, se conectando com a estação de trem Barra Funda, surge um edifício destinado à habitação social, se aproveitando da mobilidade trazida pela estação.
135
Situação da área de intervenção:
136
Uso do solo e terrenos escolhidos:
137
Negativo da รกrea recortada:
138
Linha fĂŠrrea destacada do entorno:
139
Fluxos encontrados no local:
140
Fluxos propostos:
141
Croqui inicial da proposta:
142
143
[68]
[68] Perspectiva do observador, Habitação social vistas ista da rua. 144
[69]
[69] Perspectiva do observador, Vista do terraรงo/praรงa. 145
projeto deta
4.0 146
o em alhe 147
148
objetivos
O projeto nasce de um desconforto gerado por uma
pretendem atuar em uma relação de mutualismo com
percepção que permeou grande parte da formação e dos
linha do trem, ou seja, sendo beneficiados pela mobilidade
trabalhos atrelados a esta. A constante presença da linha
atrelada de forma intrínseca a este sistema Infra estrutural
férrea tangenciando grandes porções da cidade de São
e pelo potencial construtivo não utilizado, ao mesmo tempo
Paulo tem como fator comum o precário tratamento de
propiciando uma nova identidade a estes locais onde foram
sua orla, regularmente com calçadas estreitas e grandes
encontrados e buscando trazer vida e outros tempos a este
muros que separam o pedestre da linha de trem. Desta
local. Para tanto, é necessário subverter de certa forma os
forma, e movido pelo tédio gerado por certas produções
fatores de ordem que regem o modo como a cidade lida
arquitetônicas contemporâneas. Buscou-se então ensaiar
com essas infraestruturas atualmente. Hoje, em uma analogia
hipóteses baseadas em uma metodologia aberta e operativa.
com sistema de figura fundo da psicologia a cidade é vista
Não foi pensado o projeto como uma forma de esgotar as
como figura e a linha é vista como fundo. A intenção do projeto
possibilidades de propostas, mas sim como forma de gerar
é inundar este fundo com a figura, criando uma espécie de
discussão e enriquecer o pensamento acerca do tema.
lugar ‘entre’, um híbrido entre cidade infraestrutura, fazendo
Sendo assim, como primeira ação projetual foi feita uma
a ferrovia deixar de ser uma cicatriz no tecido da cidade
extensa análise ao longo da linha e de sua orla mapeando os
e infiltrando-a com programas diversos e novos fluxos.
cheios e vazios, os terrain vagues e terrenos subutilizados.
Essencialmente, seria o ato de acoplar um novo sistema à
A partir desta análise foram encontradas três macro regiões
trama da matriz complexa que compõe cidade atual, criando
para se realizar um estudo projetual, em três diferentes
pontes e preenchendo-as com programas, tornando este
regiões: Lapa, Barra funda e Julio Prestes. As três diferentes
que era antes um não-lugar agora um entre-lugar, capaz de
propostas buscam conciliar aspectos específicos do local
interagir de forma diferente com a cidade e propiciar novas
onde estão implantados juntamente com estratégias de
experiências e possibilidades.
projeto genéricas (globais), buscando assim atingir um projeto com caráter Glocal (global + local). Os objetos propostos
149
150
N
Localização 0
100
200
Diagrama gĂŞnese do projeto:
151
152
N
Situação geral 0
100
200
Situação ampliada 153
Perspectiva isométrica:
Diretriz edifício coorporativo
Diretriz edifício residenc
Conexão Rua Gustav Willi Borghof
Conexão Rua José Benedito Bonelli
Circulações verticais mercado - parque
154
ConexĂŁo A. Auro Soares de Moura Andrade
cial
155
[70]
[70] Perspectiva do observador, Rua JosĂŠ Benedito Bonelli 156
[71]
[71] Perspectiva de dentro do carro, Viaduto Dr. AbrahĂŁo Ribeiro. 157
Planta nĂvel tĂŠrreo:
Legenda:
158
159
[72] [72] Perspectiva do observador, รกrea de restaurantes e jardim interno 160
[73]
[73] Perspectiva do observador, mercado e jardim interno. 161
Planta nĂvel superior:
162
163
[74]
[74] Perspectiva aĂŠrea noturna 164
Perspectiva isométrica explodida: EDIFÍCIO RESIDENCIAL EDIFÍCIO COMERCIAL
LAJE DO PARQUE
VIGAS METÁLICAS
FECHAMENTOS
CONEXÃO MERCADO
CONEXÃO 02
CONEXÃO 01
CONEXÃO 03
PROGRAMA: MERCADO + ÁREA COMERCIAL
165
Planta chave:
166
Corte isométrico circulação 01
Planta chave:
Corte isométrico circulação 02
167
Planta chave:
168
Corte isométrico circulação 03
[75]
[75] Perspectiva do observador, circulação Rua Gustav Willi 169
Corte AA:
170
171
Corte BB:
172
Ampliação corte BB:
173
Elevação 01:
174
Ampliação da fachada:
175
Elevação 03:
176
177
Elevação 03:
178
Elevação 04:
179
Elevação 01:
180
181
Corte perspectivado:
CORTE PERSPECTIVADO TRANSVERSAL
Remoção do muro e construção de guarda corpo permite maior visualização do edifício
Escadas rolantes fazem a principal ligação
e proporciona maior segurança ao pedestre
do mercado com o parque elevado
182
Jardim interno oferece iluminação e
Brise de madeira regula a quantidade de
Passarela / Mirante oferece passagem
preserva a vegetação existente no local
iluminação e proporciona ritmo à fachada
convidativa aos pedestres
[76]
[76] Perspectiva jardim suspenso sobrem mercado. 183
Detalhe de fachada 01:
184
Detalhe de fachada 02:
185
[77]
[77] Perspectiva do observador, Mercado. 186
[78]
[78] Perspectiva do observador, รกrea de restaurantes. 187
188
[79] Perspectiva do usuรกrio no trem.
[79] 189
190
bibliografia Livros: S, M, L, XL – Rem Koolhas
Três textos sobre a cidade – Rem Koolhas Diccionario Metapolis De Arquitectura Avanzada – Manuel Gausa Open(ing): Space-Time-Information & Advanced Architecture – Manuel Gausa sin_tesis – Federeico Soriano O Gosto Do Mundo: EXERCICIOS DE PAISAGEM - Jean-Marc Besse Arquitetura e Disjunção - Bernard Tschumi Territorios - Ignasi de Solà-Morales Fraturas urbanas e a possibilidade de construção de novas Territorialidades metropolitanas: a orla ferroviária Paulistana - Carlos Leite de Souza Links: https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/pedagogia/historia-das-ferrovias-no-brasil/56080 https://pt.wikipedia.org/wiki/Transporte_ferrovi%C3%A1rio_no_Brasil http://www.abpfsp.com.br/ferrovias.htm https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/na-imprensa/resgatando-a-historia-da-ferrovia/
191
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OBRIGADO!
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