Um passeio pela arte e cultura
rança: Um passeio pela arte e cultura é um livro que se propõe apresentar de maneira prazeroza e cuidadosa os aspectos sociais, culturais e artísticos dessa grande nação que um dia já foi a nossa maior referência cultural e artística. Tudo isso através de um contingente textual que prima pela informação pontual e bem colocda, para que levemos ao leitor dados, fatos históricos e curiosidades que venham agregar conhecimento. Para realizar tal propósito, e servir de fio condutor de cultura e conhecimento, o livro França: Um passeio pela arte e cultura, se faz valer de uma interface moderna e sofisticada, com um forte apelo imagético para que assim possamos transmitir a informação pretendida de uma forma menos cansativa e mais prazerosa, fazendo da prática da leitura, além de um ato enriquecedor, uma experiência agradável.
Os Editores
Franรงa Um passeio pela arte e cultura
Andreia Cristina Rosa Douglas Alves Coimbra Glaucia Dam Gomes Patricia Helena Tavares Kataoka Victor Prado Lopes Vidotti
França Um passeio pela arte e cultura
São Paulo Infinito Multimeios 2009
© Infinito Multimeios Ltda Todos os direitos reservados. Amenos que especificado de outro modo, nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e microfilme, sem permissão por escrito pela Infinito Multimeios.
França: um passeio pela arte e cultura/ Andreia Cristina Rosa... [et al.] . – São Paulo: Infinito Multimeios, 2009. – 168p.: il. ISBN 85-4844-001-7
1. Relações Internacionais: França e Brasil 2. Arte 3. Cultura I. Rosa, Andreia Cristina
CDD 327.44081 CDU 327(44:81)
INFINITO MULTIMEIOS PRODUÇÃO EDITORIAL LTDA. Rua Benedito Guedes de Oliveira, 149 Freguesia do Ó – CEP: 02727-030 Tel.: 11 3989-2885 www.infinitomultimeios.com.br contato@infinitomultimeios.com.br
D
edicatória
“Sem a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva. É por isso que toda a criação autêntica é um dom para o futuro” (Albert Camus). Partindo desse pressuposto, nos revestimos desse conceito para dedicar esse livro a todas as pessoas que lutaram por um mundo melhor, e que acima de tudo, entenderam que a cultura é o único meio possível para que isso aconteça.
A
gradecimentos
Reunir esse contingente de conteúdos variados e que se carregam de um caráter multidisciplinar só foi possível graças à colaboração de algumas pessoas. Primeiramente gostaria de agradecer aos alunos de jornalismo, que junto a nós, fizeram parte dessa empreitada inaugural, nos auxiliando com a confecção de textos e fundamentalmente, fazendo com que tivéssemos uma experiência mais próxima daquilo que vamos encontrar no mercado editorial e nas relações profissionais envolvendo autores e editores. Gostaríamos de agradecer também aos professores orientadores Cleofe Monteiro de Sequeira e Whaner Endo, e a professora Maria José Rosolino que nos auxiliaram em algumas etapas da produção do livro. Por fim, gostaria de agradecer em especial ao professor Luiz Vicente de Lima Lázaro, que nos incentivou e nos apoiou durante todo o processo de produção do livro, nos prestando consultoria nos tramites que envolvem todo o conceito estético e iconográfico.
"FOTOGRAFAR É COLOCAR NA MESMA LINHA DE MIRA, A CABEÇA, O OLHO E O CORAÇÃO." Henri Cartier-Bresson, 1994.
Photographier c’est mettre sur la même ligne de mire la tête, l’oeil et le coeur.
A
utores
Andressa Baccarin Camilo Borges Cibelle Carolina dos SAntos Danielle Santana Douglas Alves Laurence Senelik Marisol Machado Martha Correa Rafael Lopes Renata Cristina Pereira Romero Cruz Tatiana Melim Tatiane Leiser Victor Vidotti
R
evisores
Andreia Cristina Rosa Patricia Helena Kataoka
S
umário
Capítulo 1 - A França dos 5 continentes Área continental A França e suas 22 regiões Departamentos Ultramar Franceses Conflitos sociais nos Departamentos Ultramar A imigração na França Capítulo 2 - Imigrantes: A França multirracial e seus conflitos Imigrantes na França: Mão de obra barata e descartável Um lugar chamado Clichy-sous-Bois Capítulo 3 - Cinema francês: A Nouvelle Vague de Truffault à Godard O cinema francês faz escola O novo cinema na França No Brasil Capítulo 4 - A História das Artes Plásticas na França Fernand Léger: Relações e amizades brasileiras Henri Matisse, o mestre das cores História da Cultura Francesa Movimentos Artísticos Capítulo 5 - Gastronomia Francesa: Entre pães, vinhos e queijos A história da culinária francesa no Brasil França-Brasil A trilogia do prazer Capítulo 6 - Edith Piaf – Entre canções e mitos Sob os holofotes de um poste, nasce uma estrela O voo do pardal – Do anonimato ao estrelato O sucesso da agora Edith Piaf Do reconhecimento ao declínio Quando se fecham as cortinas Capítulo 7 - Um breve relato sobre a Literatura Francesa Realismo – Honoré de Balzac (1799-1850) Realismo – Charles Augustin Sainte-Beuve (1804-1859) Capítulo 8 - Henri Cartier-Bresson Vida e obra de Henri Cartier-Bresson Capítulo 9 - França: Aspectos Curiosos Bon appétit! O francês Dumont Escrita francesa Literatura francesa Brasil nos olhos franceses Conversa pelos dedos O meio ambiente agradece a França É mentira? A arte na França A surpresa do pão francês
17 19 21 26 32 34 39 41 48 53 55 55 57 59 61 62 64 65 71 73 75 76 85 87 90 92 110 112 115 117 117 121 123 129 131 131 132 133 134 134 136 136 137 138
Olha a cobra! É mentira! Acessório masculino Idiomas: Francês / Português Capítulo 10 - A França que existe em nós A França que há no Brasil O Viaduto do Chá A França no Teatro Municipal Casa francesa na Paulista Um controverso Perret em São Paulo Os jardins franceses da Independência Brasileira Mercado Municipal – Muito além do que se compra Capítulo 11 - As Noites Brancas de Paris e a Virada Cultural Paulista Noites Brancas ou Nuit Blanche De Paris a São Paulo – A Virada Cultural e seus dilemas Capítulo 12 - A origem dos Cabarés e o famoso Moulin Rouge A origem e trajetória do gênero Moulin Rouge REFERÊNCIAS
138 139 139 141 143 145 146 147 148 148 149 151 153 154 157 159 160 165
A
presentação
Quando falamos na França, bem como as riquezas culturais que envolvem esse país multifacetado socialmente, temos inúmeros temas que podem ser abordados. Tarefa difícil, pois para falar sobre os aspectos culturais franceses, não podemos deixar de falar sobre a gastronomia ou sobre os diversos artistas nos mais variados campos de atuação que já se incorporaram ao nosso imaginário ao decorrer das décadas. Este livro foi escrito com o objetivo de fornecer informações de forma simples e objetiva de diversas áreas da cultura francesa, proporcionando a você, leitor, um passeio onde evidenciamos aspectos e referências históricas, artísticas e culturais e, a influência dessa cultura em nossa sociedade. Nesse passeio, você verá a influência da França nos quatro cantos do mundo e seus constantes conflitos, bem como seus ciclos imigratórios que conferem ao país um caráter multirracial e uma pluralidade artística e cultural única. No campo cultural poderá conferir a influência que cineastas franceses, como Truffault e Godard, exerceram no cinema mundial, conhecerá um pouco mais da história das artes plásticas francesas, assim como seus principais artistas, e poderá desfrutar de um vasto campo gastronômico, onde são abordados principalmente pães, vinhos e queijos. Ainda falando sobre arte e cultura você vagará pela lúdica história de Edith Piaf, e conhecerá um pouco mais sobre a literatura francesa, bem como os principais nomes que dela participaram. Poderá desfrutar também da vida e obra de Cartier Bresson, fotógrafo mundialmente conhecido. Levantamos aspectos curiosos e fatos relacionados à forte influência exercida pela França em nosso país. Buscamos os lugares, em diversas cidades brasileiras, onde escontramos evidentes características francesas. Por fim você conhecerá as Noites Brancas, evento que influenciou a Virada Cultural que acontece há 5 anos no Brasil, e saberá um pouco mais sobre a história dos Cabarés ao redor do mundo. Obviamente, este livro não é um guia completo. Trata-se de um livro que fará você, leitor, conhecer um pouco sobre a arte e cultura francesa e sua importância social histórica. No entanto, procuramos abranger informações diversas, evidenciando a sua influência no mundo.
Esperamos que você aproveite!
OS EDITORES
CapĂtulo I A França dos 5 Continentes
Intervenção Artística na Fotografia de Christian Caujolle
A
França dos 5 Continentes
Área continental Tatiana Melim
Localizada na parte ocidental da Europa, possui cerca de 675.417 Km2 e 64,5 milhões de habitantes, tem a forma de um hexágono com abertura marítima e é limitado por fronteiras terrestres. A partir da Revolução Francesa, o território passou por modificações geográficas: as velhas províncias do Antigo Regime foram reestruturadas e divididas em regiões, e cada um deles era governado por prefeitos indicados por Paris. Após a 2ª Guerra Mundial, ocorreu um forte êxodo rural, que contribuiu para a recuperação de algumas cidades, proporcionado uma melhora no desenvolvimento da indústria e da economia. Seu território possui quatro áreas litorâneas: ao sul mediterrânea; a sudoeste, atlântica; e a noroeste tem uma abertura para o Canal da Mancha e outra para o mar do Norte. Suas fronteiras terrestres são delimitadas ao sul pela Espanha, onde é formada pela cadeia de Pireneus; a leste, pela Itália e a Suíça, com os Alpes e o Jura; e ao Norte faz fronteira com a Alemanha, Bélgica e Luxemburgo, marcada pelo conjunto de montanhas das Ardenas. O território francês é dividido em 22 regiões e 96 departamentos. As regiões são: Alsace, Aquitaine, Auvergne, Basse-Normandie, Bourgogne, Bretagne,
Centre,
Champagne-Ardenne,
Corse,
Franche-Comté, Haute-Normandie, Île-de-France, Languedoc-Roussillon, Limousin, Lorraine, MidiPyrénées, Nord-Pas-de-Calais, Pays de la Loire, Picardie, Poitou-Charentes, Provence-Alpes-Côte d’Azur, Rhône-Alpes. A França, até meados do século XIX, possuía uma economia essencialmente agrícola. Com a 1ª Guerra Mundial, iniciou-se o processo de implementação
da atividade industrial. Mas foi apenas a partir da 2ª Guerra Mundial que o processo de industrialização foi acelerado e, já na década de 70, a produção industrial teve um crescimento de aproximadamente 33%. A capital Paris, juntamente com Roubaix–Tourcoing, localizada próxima à Bélgica; Lyon, importante centro de comunicação localizada próximo da Itália e da Suíça; e Aix-Marseille, próximo ao Mediterrâneo, exercem forte influência na economia do país, onde está concentrada a maioria da população, das riquezas industriais e das atividades terciárias. Dentre as principais atividades econômicas da França, a produção agrícola de cereais, a produção e exportação de vinhos, a indústria têxtil e o turismo, possuem grande destaque no cenário econômico mundial.
A FRANÇA E SUAS 22 REGIÕES Norte Francês
17 Oeste Francês 11
19
4
Leste Francês
6 12 8
15
18
1
7 5
10
20 14
França Central 3
22
2
16 13 21 Sudoeste Francês Sul Francês 1. Alsácia 2. Aquitânia 3. Auvergne 4. Baixa Normandia 5. Borgonha 6. Bretanha 7. Centro 8. Champanha-Ardenas 9. Córsega 10. Franco-Condado 11. Alta Normandia
12. Île-de-France 13. Languedoc-Roussillon 14. Limousin 15. Lorena 16. Midi-Pyrénées 17. Nord-Pas-de-Calais 18. Pays de la Loire 19. Picardia 20. Poitou-Charentes 21. Provença-Alpes-Costa Azul 22. Ródano-Alpes
9
A
França dos 5 Continentes
A França e suas 22 regiões Tatiana Melim
Basse-Normandie / Haute-Normandie – A região da Normandia é dividida em duas áreas, na Alta e na Baixa Normandia. A principal característica presente é a composição das paisagens com elevadas e peculiares catedrais góticas. Apesar do impacto da 2ª Guerra Mundial, as casas típicas da região foram preservadas, mantendo as paisagem rural. A parte oeste da Normandia, localizada no Departamento da Mancha, é um pouco diferente devido sua formação e construção serem baseadas em pedras e granitos, o que transmite um aspecto mais bretão. A pecuária é um dos destaques, com uma forte produção de queijos. Em Domfort, existe a maior fábrica de queijos do mundo. A Alta Normandia possui uma extensão de 12.300 Km2, com 1,7 milhões de habitantes. A capital Ruão é
Fotosearch
um grande porto fluvial, com forte potencial de crescimento da indústria. Na margem do Rio Sena, próximo ao Canal da Mancha, encontra-se um dos maiores portos da Europa, o Le Havre. Na Baixa Normandia, com uma população de 1,4 milhões de habitantes, a região ocupa uma superfície de 17.600 Km2 e fica a 240 Km de Paris. A capital
Queijo Camembert
Caen foi reconstruída depois dos ataques da 2ª Guerra Mundial. Hoje, além de contar com um forte setor industrial, é onde estão localizados os dois principais mosteiros românicos da região. O famoso queijo Camembert de Normandie O tradicional e mais famoso queijo do mundo, o Camembert de Normandie, significa muito mais para o povo francês do que apenas um produto de exportação. Trata-se na realidade de uma tradição da cultura e herança francesa. Em 2007 foi alvo de disputa entre os pequenos e grandes produtores de queijo Camembert. O fato acabou mobilizando a sociedade e a imprensa francesa. As principais cooperativas, Lactalis e Isigny Sainte-Mère, que juntas produzem 90% do Camembert com leite não tratado, suspenderam sua produção e substituiram o leite não tratado pelo leite pasteurizado, alegando que o Camembert feito de forma tradicional representava um risco à saúde. Porém, uma mobilização da sociedade e de pequenos produtores reivindicava que tal medida era um ataque à tradição culinária francesa, e que essas empresas visavam diminuir o custo de sua produção. Estudos científicos foram divulgados afirmando que o leite não tratado do Camembert era seguro em todos os aspectos. Assim, o famoso queijo Camembert de Normandie continuou sendo produzido com o leite não tratado, o que, segundo os franceses, torna o seu sabor inigualável.
Pays de la Loire/Centre - Loire, o rio mais comprido da França, compreende duas extensas regiões, Pays de la Loire e Centre. Nessas regiões, dentre outros destaques, como a indústria alimentar, estão os famosos castelos, situados a margem do rio Loire. O local para a construção dos castelos, pelos reis da França, foi escolhido por ser um lugar de clima agradável que propiciava a produção de bons vinhos , além das belas paisagens.
23
rança: Um passeio pela arte e cultura
A região de Centre possui 2,3 milhões de habitantes e uma área de 39 mil Km2. Sua capital é Orléans e duas outras importantes cidades são Tours e Burger. Pays de La Loire tem uma extensão de 32.082 Km2, com 3 milhões de habitantes, sendo Nantes a sua capital. As cidades dessas duas regiões são essencialmente rurais e as terras são consideradas as mais produtivas da França.
24
Bretagne - Nesta região – a única celta de toda a França - de 27 mil Km2 de extensão vivem cerca de 2,8 milhões de pessoas. Antes de ser anexada em 1532, a Bretagne foi um ducado independente por cerca de 700 anos. O governo Francês investiu na região dentre as décadas de 60 e 70, incentivando o desenvolvimento da indústria automobilística e eletrônica, o que contribuiu para o retorno do desenvolvimento do comércio marítimo na região. A navegação e a pesca sempre foram uma das principais atividades por ser banhado pelo oceano Atlântico. E hoje, há grandes portos que contribuem para a pesca industrial, como La Rochelle, Lorient, Concarneau, Douarnenez, Dieppe, Boulogne e Frécamp. Dentre as cidades mais importantes estão: a capital Rennes, Brest, Lorient, Quimper, Saint-Beuve, Saint-Malo e Vannes. Île-de-France - Sua área compreende a zona entre os rios Sena, Oise e Marne, a Grande Paris e zonas rurais. Sua superfície possui
Rio Sena - Paris
12 Km2, com uma população de 10,2 milhões de habitantes, sendo 2,1 milhões somente em Paris. No período entre guerras e, principalmente no fim da 2ª Guerra Mundial, houve um forte exôdo rural para a capital Paris, devido ao seu desenvolvimento econômico e de infraestrutura. Hoje, os habitantes que viviam na Grande Paris ocupam boa parte da região da Ile de France. Nesses municípios independentes há grandes bosques e castelos, como o de Versailles, Fontainebleau e outros. Paris, capital da Ile de France, ocupa o posto de principal cidade da França. Com grande desenvolvimento econômico e industrial, a capital conta também com grandes edifícios monumentais que, além de valorizar a cidade, atrai milhares de turistas. Paris, além de ter uma enorme representatividade econômica, possui uma grande referência cultural e artística, não apenas para a França, como também para o mundo todo. Nord-Pas-de-Calais/Picardie - As regiões de NordPas-de-Calais e Picardie foram durante séculos locais de importante cruzamento das rotas continentais. Por Fotosearch
F
França dos 5 Continentes
muito tempo essas regiões foram estratégicas para a indústria pesada do país, mas perderam essa importância com o passar do tempo. Devido a presença do Canal da Mancha nas duas regiões, houve nos últimos períodos, uma recuperação da representatividade mercadológica, porém, jamais conseguiram ter novamente a hegemonia que conquistaram no passado. As duas principais cidades que ocupam papel de destaque para a economia francesa e concentram as principais riquezas e atividades terciárias são Roubaix–Tourcoing, localizadas na região do Nord-Pas-de-Calais, próximo à Bélgica. Com uma população de 3,9 milhões de habitantes, Nord-Pas-de Calais possui um território de 12.000 Km2. O norte da região possui uma zona industrializada e se localiza um pouco acima do nível do mar. Os principais portos da região são: Dunkerque, Calais e Boulogne. Picardie possui uma extensão de 19.400 Km2, com 1,7 milhões de habitantes. Dentre as principais cidades que contribuem para o desenvolvimento dessa região estão a capital Amiens e Chantilly, que possui uma área de floresta de 6.000 hectares. Alsace/Lorraine - São duas regiões diferentes, mas têm em comum o fato de serem os dois territórios que fazem fronteira com a Alemanha. Foram por duas vezes anexadas pelos alemães, de 1871 a 1918, e de 1940 a 1945. Com o fim da 2ª Guerra Mundial, as duas regiões voltaram a pertencer à França. Lorraine, se comparada a Alsace, é considerada uma região mais pobre. No entanto, a parte sul de Lorraine é mais atraente, devido aos lindos bosques e lagos. A região possui um território de 23.500 Km2 e uma população de 2,3 milhões. Sua capital é Metz, porém, Nancy é outra cidade de destaque na região. As províncias da Alsace são divididas pelas longas cadeias de colinas e altas montanhas que chegam até
Lorena. A região possui bosques e alguns declives que servem para a prática de esqui. Sua população ainda tem fortes aspectos e descendências germânicas. Com um território de 8.200 Km2, Alsace tem 1,6 milhões de habitantes, sendo a sua capital Strasbourg. Bourgogne / Franche-Comté - Estas regiões possuem uma forte estrutura agrícola, com poucas indústrias. Bourgogne foi no passado um ducado poderoso e independente. Hoje, concentra algumas das melhores construções de igrejas e castelos, no qual a principal Fotosearch
A
25
Uvas de Bourgogne
obra é a igreja de Taizé, fundada em 1940. A região menor de Franche-Comté é menos notável do que a célebre Bourgogne. Entretanto, a região compreende parte das montanhas do Jura, composta por vales profundos e uma bela paisagem, sendo
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
26
Auvergne/Limousin - Essas regiões compreendem em seus territórios a maior parte do maciço central, concentrado na parte centro-sul da França. Essa área é composta por um vasto relevo de granito ao mesmo tempo plano e elevado, onde se encontram diversos vulcões. Considerada uma das zonas mais silvestre e menos habitada e devido ao inverno rigoroso e a falta de um forte pólo industrial, essas regiões foram por muito tempo quase que isoladas. Atualmente, a região de Auvergne conta com 1,3 milhão de habitantes, numa extensão de 26.000 Km2, e Limousin possui 730 mil habitantes no seus 16.900 Km2. A principal atividade é a agricultura. Estas regiões são as mais pobres da França e sua principal fonte econômica é o turismo, com a prática de esqui. Champagne–Ardenne - Com uma população de 1,3 milhões de habitantes e uma extensão territorial de 25.000 Km2, a região da Champagne–Ardenne possui uma forte representatividade na agricultura, muito em função da sua terra fértil. A base da sua produção está na plantação de cereais e beterraba. Sua capital é Châlons-sur-Marne. Ao norte de Ardenne, encontra-
Fotosearch
muito procurada e frequentada. A capital, Bensançon, é coroada pela cidadela de Vauban. Numa extensão de 16.200 Km2, o território abriga uma população de 1,1 milhão de habitantes. Em 1810, a família Peugeot abriu uma fundição de aço na região que, mais tarde, ampliou-se para uma fábrica de carros. Atualmente abriga um dos maiores centros de produção da Peugeot. Bourgogne possui 1,6 milhão de habitantes e uma superfície de 31.600 Km2. A terra da região é ondulada, florestal em zonas e agricolamente rica. Grande parte de seu território é plano, exceto o agreste Morvan, que possui um maciço de pedra granítica.
se uma paisagem altamente arborizada, chegando até a sua fronteira com a Bélgica.
A Champagne Na área da Champagne são produzidos os mais famoso vinho espumante do mundo, com o mesmo nome da região. Segundo historiadores, foi descoberto pelo monge Dom Pierre Pérignon, na abadia de Hautvillers, na região de Champagne, na França, por volta de 1668. Dom Pérignon observou que os vinhos prontos estocados começavam a espumar depois de um tempo dentro da garrafa. E concluiu que sofriam uma segunda fermentação na garrafa, resultando num produto borbulhante. Mas fora de Champagne também se produzem grandes vinhos espumantes que, apesar de elaborados pelo mesmo método, não podem levar o nome, simplesmente por não estarem dentro dessa região. Fora de Champagne, vinho espumante leva o nome de crémant ou vin mousseux na França.
França dos 5 Continentes
Rhône-Alpes – Depois da Ilê-de-France, a região do Rhône-Alpes é considerada a mais povoada da França, com 5,2 milhões de habitantes, em 43.700 Km2. É nesta região que está a montanha mais alta da Europa, o Monte Branco (Mont Blanc), que tem o seu limite fronteiriço com a Itália. Rhône-Alpes possui uma indústria moderna, principalmente na capital Lyon e Grenoble. Aquitaine/Poitou-Charentes - Aquitaine, uma das grandes regiões históricas da França, possui uma extensão de 41.300 Km2 com 2,7 milhões de habitantes. A capital, Bordeaux e a cidade de Pau, possuem um ponto comercial importante, com indústrias modernas, importantes para o desenvolvimento da região. Aquitaine é conhecida por sua longa faixa costeira, por sua riqueza e diversidade. O clima é quente, porém, bem agradável, e atrai muitos viajantes à região. Mais ao norte, encontramos a região de Poitou-Charentes, que conta com uma população de 1,6 milhões de pessoas, em uma área de 25.800 Km2.
Languedoc possui 2,1 milhões de habitantes e uma superfície de 27.300 Km2. Já a área de Roussillon, ao sul de Languedoc, é onde se encontra a parte francesa da Catalunha. Provence-Alpes-Côte d’Azur - A região da ProvenceAlpes-Côte d’Azur possui 4,1 milhões de habitantes e ocupa uma extensão de 31.838 Km2. Sua principal cidade é Nice, fundada em 350 a.C. Atualmente, Nice compreende um forte complexo hoteleiro, que também é o mais antigo da região. Entre outras cidades da região, Menton é famosa na área da moda, e Cannes, como ponto turístico e Fotosearch
A
27
Além da capital Poitiers, La Rochelle é outra cidade importante. Uma das principais produções da região é o conhecido vinho Cognac, produzido na área que possui o mesmo nome, Cognac. Languedoc-Roussillon/Midi-Pyrénées - Entre as fronteiras de Languedoc-Roussillon e Midi-Pyrénées, encontra-se a província de Languedoc, região coberta por vinhedos e protegida pelas montanhas dos Cévennes. A oeste fica a região do Midi-Pyrénées, com 2,3 milhões de habitantes e uma extensão de 45.300 Km2. Sua capital, Toulouse é hoje um importante centro de tecnologia, entretanto, ela foi no passado a capital medieval da província de Languedoc. Atualmente, a capital de Languedoc é Montpellier, que abriga um antigo centro urbano e uma das universidades mais antigas da Europa na área de medicina. A região de
Escadaria da entrada do Festival de Cinema de Cannes
polo cultural, onde acontece anualmente um dos mais importantes festivais de cinema do mundo. Córsega - É uma ilha situada no Mar Mediterrâneo, com cerca de 261 mil habitantes e 8.680 Km2. É divida em dois departamentos: a Córsega do Sul, ao sul da ilha; e a Alta Córsega, na parte norte.
rança: Um passeio pela arte e cultura
Departamentos Ultramar Franceses Romero Cruz
28
A França mantém os Departamentos Ultramar, conhecido como DOM (Département d’outre-mer, em francês). Esses departamentos são territórios no Oceano Atlântico e no Oceano Pacífico remanescentes da expansão colonial marítima da França. Esses territórios não possuem tanta importância na economia francesa, mas sim como pontos estratégicos em continentes distantes da França, como a Guiana Francesa na América do Sul que mantém um centro espacial que além da França, atende também a União Européia numa das melhores localizações para lançamento de satélites. As ilhas de Guadalupe e de Martinica no Caribe com sua importância turística e a Ilha de Reunião no Oceano Pacífico entre a África e a Oceânia , localizada numa importante rota de navios de cargas. A população desses departamentos são de uma minoria de descendentes dos ex-colonizadores franceses que formam a classe mais elevada economicamente e intelecutualmente e na sua grande maioria de descendentes de escravos que formam as classes mais pobres, ainda temos poucos nativos que vivem na pobreza. Na Ilha de Reunião, a população mantém uma característica mais diferenciada com imigrantes Indianos muçulmanos e Chineses formando uma população mais miscigenada. Os Departamentos não teem autonomia política, sendo governado por políticos indicados por Paris, também dependende economicamente da França com ajuda financeira para serviços básicos e programas sociais. A economia se baseia na agricultura e no turismo, porém insuficiente para manter uma independência econômica. Os cidadãos dos Departamentos teem nacionalidade francesa e gozam de direitos constitucionais iguais aos cidadãos da França continental.
Guiana Francesa - Localizada no norte da America do Sul, a Guiana Francesa é cortada pela linha do Equador, faz fronteira ao norte com o Oceano Atlântico, a oeste com o Suriname e ao sul e a leste com o estado do Amapá. A Guiana Francesa ocupa uma superfície de 86.504 km2 e desde 19 de março de 1946 é um Departamento Francês. A população é de cerca de 210 mil habitantes, a capital e principal cidade é Caiena. Assim como em todos os Departamentos Franceses, a moeda é o euro por fazer parte da França. A Guiana Francesa também faz parte da Comunidade Européia. O comércio é quase exclusivo com a metrópole e a economia é baseada na pesca, madeira e extração de minérios. Durante todo ano a temperatura é alta, em média 30º, um clima quente e úmido totalmente Equatorial. A religião predominante é o catolicismo. Fotosearch
F
França dos 5 Continentes
Fotosearch
A
29
Pôr-do-Sol na Ilha em Guadalupe
A chegada dos Franceses a Guiana é datada em 1644, porém, entre 1809 e 1817 a Guiana esteve anexada ao Brasil. Até 1945 a França deportava para a Guiana, precisamente para a Ilha do Diabo, seus presos comuns e políticos. A população é na maioria formada por crioulos e mulatos, resultado da miscigenação de povos vindo da África, Ásia e do Caribe. Os índios foram exterminados na sua maioria e os poucos que restaram vivem em pequenas tribos ao longo da costa e no interior. Após a criação da União Européia e implantação do euro, a Guiana vive sofrendo uma grande onda de imigração ilegal de brasileiros, haitianos e surinameses em busca da possibilidade da renda em euro. Por esse motivo têm surgido pequenos conflitos isolados contra imigrantes ilegais. Por estar bem na linha do Equador, a Guiana é local ideal para o lançamento de satélites. Em 1968, a agência espacial européia construiu o Centro Espacial
de Kourou, o que trouxe um grande desenvolvimento tecnológico e econômico para a região. O sistema de transporte na área litorânea é sofisticado e conta com o aeroporto internacional de Rochambeau, perto de Caiena. Guadalupe - Departamento ultramarino Francês localizado no Caribe é formado por dois grupos de ilhas. Ao sul as duas ilhas de Basse-Terre e GrandeTerre junto com algumas pequenas ilhas, ao outro grupo de ilhas ao norte junto com São Bartolomeu e São Martinho. A fronteira de Guadalupe se dá com Dominica, Montserrat, Antigua e Barbuda e Antilhas holandesas. Todas pequenas ilhas caribenhas ex-colônias britânicas, espanholas e holandesas. A capital de Guadalupe é Basse-Terre, mas a cidade de maior importância econômica é Pointe-à-Pitre onde está o Port Autonome de La Guadeloupe.
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Fotosearch
A ilha de Guadalupe foi descoberta por Cristovão Colombo em 1493, tornou-se colônia francesa em 1635. Em 1946 a ilha é definida como Departamento Ultramarino seguindo a política Francesa para territórios do além mar. A população na sua maioria é de descendentes de escravos deixados na ilha após a libertação. Hoje a população é de 451 mil habitantes. A economia da ilha é totalmente dependente da metrópole, que precisa suprir a ilha de produtos manufaturados. A pequena economia local é formada por pequenos produtores, algumas fábricas e na sua maioria por funcionários públicos. Assim como em outras ilhas caribenhas, Guadalupe também sofre quando começa a estação de furacões e tornados. Em
30
Ilha de Martinica
1995, os furacões Luis e Marilyn causaram grande destruição à ilha. A destruição da moradia de sete mil imigrantes ilegais, a maioria de haitianos, foi usada como motivo para a deportação desses imigrantes. A sociedade Guadalupense sofre uma desigualdade muito grande, a grande maioria da população vive de subempregos e precisam de ajuda do governo francês, mas para os que estão de forma ilegal em Guadalupe tudo é ainda mais difícil. Por tanta dependência econômica da França, não foi difícil entender porque a população votou em um referendo em 7 de dezembro de 2003 sobre a autonomia da ilha. Na ocasião, 72% dos guadalupenses preferiram continuar como um Departamento Ultramar Francês.
França dos 5 Continentes
Martinica - Localizada também no caribe, Martinica é colônia francesa desde 1635, exceto por três curtos períodos de dominação estrangeira. Os franceses expulsaram os índios, levaram para a ilha escravos negros para servir de mão-de-obra. As mercadorias produzidas em Martinica são: cana de açúcar, café, rum e cacau. O comércio de Martinica é quase exclusivamente com a França, os moradores de- Ilustração da Ilha de Reunião pendem da ajuda econômica que a metrópole nutre. Os produtos manufaturados e bens de consumo também são importados da França. A maior parte dos empregos está no setor de serviços e no setor administrativo. Nos últimos anos o setor de turismo tem trazido crescente importância em relação à agricultura, porém Martinica sofre com os fortes furacões e tornados da região caribenha e a concorrência com o dólar de menor valor das outras ilhas caribenhas. A capital Fort-de-France abriga 25% de toda população da ilha. A taxa de desemprego na ilha é de 20%. Em 29 de novembro de 2007, Martinica foi atingida por um terremoto de 7.4 na escala Richter que foi sentido até no Brasil.
Fotosearch
A
escravos negros para a ilha para servir como mão-deobra. Porém, na ilha de Reunião aconteceram muitas revoltas de escravos, eles fugiram para o interior e formaram vários povoados. Após o fim da escravatura, a ilha enfrentou uma grande crise por falta de mão de obra e conflitos sociais. A solução encontrada foi de trazer mão de obra hindu modificando assim a composição demográfica da ilha. Hoje a população da ilha é formada por proprietários franceses, camponeses bretões, descendentes de africanos, trabalhadores indianos e comerciantes chineses. Em Reunião o principal cultivo é de milho e açúcar, outro ponto forte da economia local é o artesanato. A autoridade maior da ilha é um prefeito nomeado pelo governo
Reunião - Departamento Frances no Oceano Ín-
Frances, a comunidade é representada na Assembléia
dico, Reunião fica a leste de Madagascar. Sua capital
Geral Francesa por três senadores e cinco deputados.
é Saint-Denis. A ilha de Reunião teve a presença de
A ilha de Reunião tornou-se departamento Frances
Europeus, Árabes e Polinésios. Em 1644 a Compa-
após a II guerra mundial. Existem reivindicações pe-
nhia Francesa das Índias Orientais reclamou para a
los partidos de esquerda e parte da população por
França a posse da ilha, mas só em 1764 a ilha passou
maior autonomia política da ilha.
a ser território Frances oficialmente. Os franceses, assim como em seus outros territórios, trouxeram os
31
A FRANÇA E SEUS DEPAR Ilha de Guadalupe
Nome Oficial: Guadaloupe Capital: Basse-Terre População: 449 mil habitantes Moeda: Euro PIB: 8,32 bilhões Idioma: Francês
Ilha de Martinica
Guiana Francesa
Nome Oficial: Martinique Capital: Fort-de-France População: 401 mil habitantes Moeda: Euro PIB: 6,117 bilhões Idioma: Francês
Nome Oficial: Guyane Capital: Caiena População: 209 mil habitantes Moeda: Euro PIB: US$ 3,52 bilhões Idioma: Francês
RTAMENTOS ULTRAMAR
Ilha de Reunião
Nome Oficial: Réunion Capital: Saint-Denis População: 700 mil habitantes Moeda: Euro PIB: 4,3 bilhões Idioma: Francês
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Conflitos sociais nos Departamentos Ultramar Danielle Santana
Guadalupe e Martinica são departamentos ultramarinos da França e parte integrante da União Européia. No início de 2009 vários conflitos aconteceram nesses territórios. A insatisfação na estrutura social precária já é uma constante nos Departamenos Franceses que acusam Paris de continuar com as antigas políticas colonialistas deixando a população desses departamentos sem oportunidades de desenvolvimento. Os Departamentos Ultramarinos são antigas colonias francesas do século XX, elas receberam o mesmo status das divisões administrativas localizadas na metrópole. A população desses territórios reclamam da política neocolonial que persiste nos dias atuais. Após a criação da união Européia, esses territórios passaram a fazer parte dos privilégios do comércio Europeu, porém, a participação da população nas decisões que incidem diretamente na vida das pessoas da ilha continua a ser tomadas a oito mil quilômetros de distância. A estrura neocolonial nos territórios ultramar não mudou muito desde a abolição da escravatura nessas colonias. A riqueza se concentra nas mãos de poucos brancos e a maior parte da população que são de negros vive na pobreza. Em 2003, Guadalupe promoReprodução
34
veu um referendo e a população optou por continuar a pertencer ao estado francês. Mas, pediu uma maior política social para a região. Os políticos locais divergem entre si e a grande maioria da população não tem representatividade nas decisões. Fazer parte da União Européia representou para muitos habitantes a oportunidade de trabalhos na Europa, exportar para outros países, mas também o agravamento do quadro social. Com a nova moeda, o euro, a renda da população caiu de maneira drástica, os produtos da agricultura local passaram a sofrer concorrência dos países da união européia e para piorar a situação a falta de investimento social, como educação, fez com que vários habitantes perdessem oportunidades de trabalhos para os franceses da metrópole. As poucas empresas que investem na região, não encontram mão de obra especializada, precisando com isso, buscar trabalhadores de fora para atender as suas necessidades. No início de 2009, mais de 24% da população estava desempregada, a política social continuava a desejar. A população, que teve seu poder de compra reduzido pela implantação do euro, tem sua situação agravada pelo alto dos produtos industrializados vindos da França. Com todos esses sérios problemas, os sindicatos decidem se organizar em varias frentes de greves e protestos para chamar a atenção do governo de Paris sobre a situação. Os protestos começaram na Ilha de Guadalupe, se extendendo até a ilha de Martinica e a Ilha da Reunião no Oceano Índico, tendo estradas fechadas, lojas, repartições públicas e restaurantes queimados e em alguns pontos conflitos armados, resultando na morte de um lider sindical, e varias prisões. Com
França dos 5 Continentes
um quarto da população sem emprego, a grande maioria impossibilitada de comprar bens de consumos básico importados da França e o difícil acesso da população a saúde e educação, era previsível que mais cedo ou tarde haveria um colapso social. Os manifestantes elaboraram uma lista de 62 revindicações, entre elas, aumento salarial de 200 euros para operários de baixa renda, a criação de empregos com investimentos na economia local, a redução de 20% nos preços dos produtos Insulto à Nicolas Sarcozy, pichado no muro de primeira necessidade e a facilitação do acesso da população a educação e saúde com noindustria e no comércio) surtiam efeitos numa popuvas políticas sociais. lação que até os 30 anos o desemprego chega a 45%, O presidente da França, Nicolas Sarkozy, promee em bairros pobres, como o Lacroix aux Abymes, teu ajudar os departamentos ultramarinos e fazer uma atinge os 70%. Essa situação de caos social provocou visita assim que a situação se acalmar para conhecer o êxodo de jovens profissionais com diplomas a busde perto os problemas dos territórios. O envio imecarem na França uma oportunidade de trabalho não diato de 580 milhões de euros para atender parte das encontrada em Guadalupe. revindicações resultou na paralização da greve geral e A desigualdade social só aumentou, tendo de um o envio de tropas federais na diminuição da violência. lado funcionários públicos e empregados das grandes O presidente declarou: “Hoje, temos o dever de esempresas bem remunerados e do outro lado muitos cutar nossos compatriotas, mas também de trazer de operários de empresas menores em subempregos volta a paz civil o mais rápido possível. “A liberdade ou Jobeurs (trabalhadores sem registro) e a grande dos Guadalupenses e dos Martinicanos está cerceada, maioria de desempregados. Esse choque de interese isso deve acabar”. Mas os problemas dos territóses entre o mundo sindical e o patronal resultou na rios ultramarinos não serão resolvidos com políticas insatisfação da maioria da população que ganhanimediatistas, pelo contrário, só através de uma atendo força se levantou para reivindicações ambiciosas ção maior por parte da metrópole que precisa adotar que atinge a vida social e econômica que se originam ações de longo prazo para a população que carece de desde os tempos de colônia. Alguns patrões avaliam melhorias sociais consistentes. como: “exigências irrealistas e extravagantes que não O Presidente Nicolas Sarkozy, realmente não conmobilizarão muita gente”. Entre as exigências estão: seguirá resolver de imediato uma situação que se ardesenvolvimento, emprego, formação, saúde, meiorasta desde a época do colonialismo, a miséria chegou ambiente, cultura, organização do território, alto cusa pontos intolerantes, nem os programas sociais RMI to de vida, discriminação, os desrespeitos ao código (renda mínima de inserção, CAF (caixa de alocações de trabalho e as relações sociais provenientes do pefamiliares) e Assedic (associação para o emprego na ríodo colonial.
Reprodução
A
35
rança: Um passeio pela arte e cultura
A imigração na França Romero Cruz
36
A França é o país europeu que mais recebe imigrantes na Europa junto com Espanha e Itália. Hoje o assunto é discutido com muita preocupação por entidades dos direitos humanos e governos. A maneira como vivem e estão sendo tratados os imigrantes ilegais na França fere as leis dos direitos humanos, traz uma roupagem de racismo e xenofobia. A história da imigração francesa tem origem em dois importantes acontecimentos da história além da localização estratégica da França na Europa: o início e fim das Colônias Francesas na África e Ásia e a explosão do capitalismo na Europa. A revolução industrial, iniciada na Inglaterra, trouxe os mesmos efeitos para outros países europeus. Com o crescimento industrial acontece um êxodo rural, levando multidões de pessoas dos campos para trabalharem nas fábricas das grandes cidades. Temos com esse fenômeno o surgimento das periferias em Paris, local de pessoas pobres vinda do campo e sem uma política de infra-estrutura e falta de saneamento e condições de higiene, sem o olhar cuidadoso do estado. Nesse período começam a surgir os primeiros imigrantes atraídos não por uma melhor educação, mas por trabalho. Na II grande guerra mundial tivemos o acontecimento de um fenômeno, muitos franceses fugiram da ameaça nazista e foram morar nas diversas Colônias Francesas na África e na Ásia. Por outro lado, muitos soldados desertaram das suas tropas e cidadãos de outros cantos da Europa permaneceram após a guerra na França. A situação das periferias que já era precária no pós-guerra, piora com a crise
econômica deixada pela destruição da guerra. Porém, antes desse período é importante ressaltar que entre 1850 a 1900 a população francesa não aumentou na mesma proporção que outros países europeus que teve sua população triplicada. Até 1917, para quem desejasse viver e trabalhar na França era necessário apenas uma declaração da prefeitura local. Com essa declaração o estrangeiro poderia se fixar na França e trabalhar legalmente. Com a crise econômica de 1929 e o pós a 2ª Guerra Mundial, as primeiras pessoas a serem atingidas com o desemprego foram os imigrantes. Eles passaram a sofrer restrições de trabalhos, como por exemplo, a medicina só poderia ser exercida por franceses e os operários franceses tinham prioridades de conseguir trabalho diante dos estrangeiros. Tem início mecanismos para diminuir o fluxo de imigrantes e pela primeira vez foi criado leis Reprodução
F
França dos 5 Continentes
Divulgação/ Sony Pictures Classics
A
Cartaz de divulgação do filme Entre os Muros da Escola
de extradição. As restrições só aumentavam, até que em 1940, o estrangeiro na França passa a ser submetido a uma forte vigilância na França, não tem mais o direito a livre circulação além de perder os benefícios da legislação trabalhista local. Em 02 de outubro de 1945 o Governo Francês cria a ONI (Office National d’Immigration) órgão que passaria a tratar dos assuntos referentes à imigração. A ONI passa a distribuir vistos de permanência temporária de um, três e dez anos a imigrantes, privilegiando áreas demograficamente menos populosas, mão-de-obra especializada visando à reconstrução da França pós-guerra e a liberação da nacionalidade francesa para imigrantes. Durante os anos do pós-guerra
surgem os movimentos de independência das colônias francesas na África e na Ásia. Muitos cidadãos franceses que foram morar nessas coloniais voltam para a França e junto temos uma crescente imigração dos povos colonizados identificados pela cultura e pela língua. A frança passa a ser invadida também por imigrantes da África Saariana. Imigrantes da Argélia, Marrocos, Costa do Marfim, Mali entre outros países africanos buscam na França uma nova oportunidade de vida. Esses imigrantes fogem de regimes de ditaduras, da guerra entre tribos e da fome. Nesse primeiro momento da imigração os governos socialistas franceses criaram políticas para refugiados e imigrantes com benefícios sociais, tais como: ajuda a moradia CAF (caixa de alocações familiares) e emprego RMI (renda Mínima de Inserção). Ao mesmo tempo, tem início ondas nacionalismo e xenofobismo na sociedade francesa. Nas décadas de 80 e 90 a França passou por um período político de acirradas disputas entre o partido socialista e partidos de direita e extrema direita. Os partidos de direita e extrema direita apoiavam abertamente políticas nacionalistas, entre elas a limitação de imigrantes no estado Francês. Em 2002, o Ministro do Interior, Nicolas Sarkozy filho de imigrantes húngaros, começa a travar uma luta contra a imigração ilegal na França. Em outubro de 2005, moradores do subúrbio Francês, na sua grande maioria de imigrantes e filhos de imigrantes, estabeleceram uma onda de protestos violentos que ficou conhecido como “revolta dos subúrbios”, após a morte de dois jovens eletrocutados acidentalmente numa subestação de energia elétrica quando estes fugiam da perseguição de policiais. Foram vinte e um dias de protestos contabilizando um morto, 10.000 carros in-
37
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
38
Divulgação/ Sony Pictures Classics
cendiados, 233 prédios públicos atingidos por bombas caseiras, 126 policiais feridos e 4.700 prisões. Foi uma grande demonstração de força de jovens excluídos da sociedade francesa. Esse episódio despertou o governo para o perigo da mobilização desses imigrantes ilegais e fez com que aumentasse o controle para quem tentasse entrar no país de forma ilegal. Em 2007, Nicolas Sarkozy se elegeu presidente e em seu discurso estava à bandeira contra a imigração. Em seus discursos o presidente usa o lema da “Identidade Nacional” e frases como: “A França, ou a Europa, não vão aceitar toda a miséria do mundo”, em mais um discurso nacionalista. Os Ministérios da Imigração e do Interior trabalham com metas para expulsar imigrantes da França. Em 2007 foram 23,2 mil e em 2008 29,7 mil estrangeiros que viviam de maneira irregular superando a meta que era de expulsar 26 mil estrangeiros. O governo lançou leis
Cena do filme Entre os Muros da Escola
anti-imigração, como a que obriga os empregadores a indicar seus empregados sem documentos, sob a ameaça de pena de multa de 15 mil euros e cinco anos de prisão e posteriormente a promessa de conceder residência a imigrantes ilegais para quem denunciasse empresários que contratam imigrantes ilegais. Quando assumiu a presidência temporária da União Européia, Sarkozy, propôs sua política anti-imigração para os demais países da União Européia. No ano em que comemoramos o Ano da França no Brasil, o número de brasileiros que foram barrados tentando entrar na França cresceu 55% se compararmos os primeiros bimestres de cada ano. De 177 em 2008 o número subiu para 274 em 2009. As autoridades francesas alegam falta de “documentos”, mas quem retorna do país europeu reconhece que essa é o endurecimento da política contra imigrantes ilegais. Já o número de brasileiros deportados mais
A
França dos 5 Continentes
que dobraram de 285 em 2006, para 674 em 2008. E no primeiro bimestre de 2009 já se constata uma alta de 25% em relação ao primeiro bimestre de 2008. O filme Francês Entre os Muros da Escola (Entre lês Murs, em Francês) do diretor Laurent Cantet, lançado em 2007, retrata bem o “choque de civilizações” que vive internamente na França. O filme mostra um professor de Francês na periferia de Paris tendo que ensinar a alunos de realidades muito diferentes, na sua
maioria filhos de imigrantes que mantém fielmente sua cultura local. No filme o professor parece querer implantar um “processo civilizador” para alunos enraizados em culturas diferentes da francesa. Mostra bem o conflito social que os filhos de imigrantes vivem na França na atualidade. São vários países com seus costumes e culturas dentro da França caminhando para uma intolerância étnica.
39
CapĂtulo II Imigrantes: A França multirracial e seus conflitos
Intervenção Artística na Pintura "A liberdade guiando o povo" de Eugènne Delacroix
I
migrantes: A França Multirracial e seus Conflitos
Danielle Santana
A imigração na França sempre sofreu erros de análise, em parte, pelo esquecimento da História de toda a formação dessa sociedade alienada, que segue firmemente com seu discurso contra a miscigenação e que mascara a real intenção do começo das concessões de rotas migratórias dentro do país. A partir desse pensamento, surge esse artigo para reconstruir parte desse passado até chegarmos à escolha de Nicolas Sarkozy para candidato presidencial. No século, XIX a França era economicamente sustentada pela agricultura e atividades artesanais. Quando vieram os transportes, no começo do século XX, o desenvolvimento das indústrias torna o país um dos mais ricos e poderosos. Entretanto, o pós-Segunda Guerra tornou o momento mais difícil e acabou com a poderosa economia desenvolvida principalmente na década de 30, sendo conhecida como “trinta gloriosos”. Foi então que as pressões econômicas forçaram o país a atrair cada vez mais estrangeiros, tanto em detrimento do pós-guerra, quanto ao déficit demográfico. A grande demanda de saídas migratórias começou na segunda metade do século XX e os países alvo dessa emigração intraeuropeia eram os mais industrializados: França, Alemanha, Luxemburgo e mais tarde a Suíça. Esse tipo de abertura para os estrangeiros trouxeram indivíduos de países que não possuíam bom desenvolvimento econômico, em alguns casos, provinham de regiões de atividade agrícola onde havia poucas oportunidades de emprego. Assim como regiões que sofriam com guerras internas, como a África. Um dos motivos para que essa abertura fosse muito discutida foi à preocupação dos demógrafos com
a compatibilidade cultural e étnica. Seria necessário elaborar um filtro para que estrangeiros não misturassem sua cultura a identidade do país. Essa discussão foi rapidamente descartada quando os economistas se posicionaram a favor da mão-de-obra para o crescimento da economia, independente de onde viessem. Os principais imigrantes vinham da Espanha, Itália e Portugal, reduzindo a emigração para países transoceânicos. Apesar de não ter necessariamente algo a ver com os limites territoriais ao norte pela Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, Suíça; ao Leste com a Itália; Mônaco a Sudeste; e Espanha do Sul (nas demais áreas é banhado pelo Mar Mediterrâneo), parte da explicação para a entrada de imigrantes na década de 60 são as rotas de mercadorias pelo país, que além do maior número de espanhóis e portugueses, crescia a entrada de argelianos, tunisianos, além dos que provinham da áfrica subsahariana. 43 Reprodução
Imigrantes na França: Mão de obra barata e descartável
Nicolas Sarkozy, presidente da França
rança: Um passeio pela arte e cultura
Reprodução
F
44
Sem o controle das rotas migratórias, em 1945, foi criado o Office National d’Immigration, que não funcionou efetivamente. Muitos trabalhadores entravam ilegalmente e se regularizavam a “posteriori” – aproveitando essa liberdade de se fixarem no país quando (ou se) quisessem. O ONI também perdeu força quando foi assinado o Tratado de Roma, para a livre-circulação entre países membros da União Européia. A Argélia, um dos poucos países do continente africano colonizado pela França, também possuía entrada livre após o Tratado de Evian, em 1962. Em 1968, aumenta a ocorrência da falta de moradia e diversos casos de violência racial, o xenofobismo se apresenta a suas vítimas e as manifestações estudantis surgem em resposta a esses atos. Relacionado ou não a essa retórica, os argelianos são expulsos do país e privados do direito de livre-circulação dois anos depois do tratado. Os protestos continuam e a organização de trabalhadores, que no século XIX era considerada classe “perigosa”, volta a ser vista como tal, principalmente pelo aumento da visibilidade política dos estrangeiros participantes. Assim, o mundo e todas as associações favoráveis a imigração se voltaram para a França, então o governo começa a desencorajar as tentativas de
entrada no país e intensifica o controle daqueles que permaneciam ilegais. Enquanto em 1917 os imigrantes só precisavam de uma declaração de residência para se fixarem no país e exercer uma profissão, 25 anos depois todos que viviam há mais de 15 anos na França foram extraditados. Por volta de 1970, os descendentes desses estrangeiros, que já faziam parte da mão de obra no país, receberam o direito à residência permanente e o “reagrupamento familiar”, uma forma que as associações de defesa dos trabalhadores imigrantes conseguiram para possibilitar a vinda de seus familiares. Essa década foi marcada pela queda do muro de Berlim e a identidade nacional começa a ter maior espaço no cenário mundial. Conflitos raciais por todos os países, guerras internas, como na Iugoslávia, os atentados de skin heads na Alemanha, são eventos simultâneos a ideia da globalização – o fim das fronteiras. Incluso nesses conflitos de identidade, a França, em 1972, começava o que chamavam de “imigração zero”, dois anos depois as fronteiras são fechadas para a imigração de trabalho, que durou cerca de três anos. A liberação para as famílias de estrangeiros no país foi feita logo em 1975, e abalada após a crise petrolífera que atingiu todos os países europeus. As fronteiras foram fechadas e o visto se tornou necessário, mesmo para os familiares. Ainda sem solução, quase no final da crise (1978), uma série de especulações e leituras da constituição francesa possibilitou às famílias sua entrada no país, isso devido ao Preâmbulo da Constituição de 1946, onde é direito de todos os indivíduos dentro da França, terem uma vida familiar normal, sendo assim, eles
I
migrantes: A França Multirracial e seus Conflitos
Reprodução
teriam o direito de trazer seus cônjuges e filhos. Ao lado da globalização também se firmavam legislações mais rigorosas aos movimentos migratórios, principalmente em países de economia capitalista desenvolvida, onde casos de manifestações racistas e xenófobas aconteciam em proporções cada vez maiores. Os atos eram justificados pela impossibilidade de aceitação da diferença cultural e étnica – motivo também para que a fronteira fechasse na década de 70.
Cartaz de manifestação do Groupe d’Information ET de Soutien Immigrés
O ativismo imigrante também crescia e muitos movimentos pediam por mais segurança e a defesa por seus direitos. Cada vez mais organizados, essas manifestações da população, antes chamadas de classes “perigosas”, passam a ser mencionadas como classes “laboriosas”, com imigrantes da ‘segunda geração’ (imigrantes árabes das antigas colônias francesas, conhecidos como beurs) que contam com
o Groupe d’Information ET de Soutien Immigrés (Gisti), um dos mais influentes grupos de apoio aos imigrantes, fundado na mesma década do movimento “imigração zero”. A visibilidade da parte composta por imigrantes aumentou após a “Marcha pela igualdade e contra o racismo”, organizada pelo movimento Beur, que tinha como reivindicação o direito ao voto local, a proteção contra a expulsão, a adoção de políticas sociais e a revisão da política de nacionalidade francesa. Surge após a Marcha, o SOS Racisme, uma das organizações mais importantes do movimento imigrante, com mais de 18 mil filiados, na década de 80. O presidente socialista Françoise Miterrand, eleito em 1981, introduziu um programa radical de reformas sociais e aprovou vários orçamentos com o objetivo de baixar a inflação e reduzir o desemprego. O ativismo foi impulsionado principalmente nesse governo que prometia a concessão de voto para os imigrantes em eleições municipais, direito que poucos países concediam. Seria uma forma de ‘agradar’ parcialmente com base no direito à cidadania, mas não foi aprovada, pois a sociedade francesa já acreditava que foram invadidos pelos estrangeiros e que toda a sua cultura seria de fato perdida. O governo Miterrand, em relação aos imigrantes, limitou-se a aprovação dos direitos civis e sociais, mas liberou vários orçamentos com o objetivo de baixar a inflação e reduzir o desemprego que se estendia desde a crise do petróleo. Com a saída do primeiro-ministro Pierre Mauroy, assume Laurent Fabius, uma provocação direta a parcela comunista que também aprovava a vitória de Miterrand. Entre 1985 e 1986, o desemprego volta a crescer para 2,5 milhões, e a tensão racial aumenta nas periferias, pois esses imigrantes ‘tomam’ o emprego que deveria ser dos franceses, pensamento que ainda hoje é disseminado. Em 1972, com o surgimento do partido Frente
45
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Reprodução
Nacional, aumenta a ideia de que a imigração deve ser considerada um atentado contra a cultura e economia francesa. O FN cresce juntamente com as associações imigrantes ao longo de 1980 e a política francesa tem o assunto em primeiro plano. Quando Jacques Chirac surge como primeiroministro, a contragosto de Françoise Miterrand, inicia-se um novo programa de dessocialização, que incluía reformas educativas e econômicas. A criação de uma comissão, composta por 16 “sábios” para analisar o código da nacionalidade, não é bem aceito por outros republicanos e os tradicionalistas acreditavam que as mudanças eram tímidas em face da invasão sofrida pelo país. A História da imigração na França ronda por inú-
46
meras controvérsias: é possível que o bloqueio da entrada de imigrantes, em 1974, seja um dos motivos para a estabilidade das famílias estrangeiras e a redução de imigrações, basicamente, uma forma de ampliar a densidade demográfica no país, assim como alguns previam. Entretanto, há afirmações quanto ao começo em 1945, alguns acreditavam que o deslocamento desses indivíduos fosse provisório, então os trabalhadores entrariam como mão de obra e volta-
riam para seu país em breve – um pensamento que desqualifica ainda mais o posicionamento do país contra os imigrantes após tantas manifestações. As políticas internas lançam uma profusão de questionamento quanto à legalidade de estrangeiros no país e os policiais, mal vistos por jovens da émeuter, são liberados a interpelar qualquer estrangeiro, gerando mais desconfiança da sociedade em torno de todos os imigrantes. O governo resolve tornar obrigatório para o francês um certificado para cada estrangeiro que partisse de suas casas, uma medida polêmica que possui interpretação diferente para as organizações de defesa e proteção dos imigrantes. A ideia era prover um banco de dados com informações de todos os franceses que recebem estrangeiros, se caso esse obtivesse um visto provisório e solicitasse um permanente poderia impossibilitar que esse francês receba outro estrangeiro. Assim, não somente a liberdade dos estrangeiros era questionada como a dos próprios anfitriões. Devido aos atos de “violência urbana”, os imigrantes começam a ser vistos como “incapazes de se integrar”, de “respeitar a lei comum” e os preceitos da “República”. Abre-se espaço para o desenvolvimento das émeuters – grupo de jovens das periferias, basicamente filhos de imigrantes, que se manifestam frente ao homicídio de qualquer pessoa da comunidade. Ainda hoje é visto como vandalismo, mas seus atos não são de violência física e menos ainda gratuita, geralmente são manifestações de resposta à morte brutal de um dos jovens da periferia e que, por vezes, os policiais estão envolvidos direta ou indiretamente. Esses jovens também são parte das justificativas para o aumento das leis opressoras, que fizeram o
I
migrantes: A França Multirracial e seus Conflitos
deputado Jean-Pierre Philibert elaborar uma série de medidas, com receio de a extrema direita conquistar o interesse das pessoas. Todas aprovadas:
Dentre as medidas do relatório Philibert estão: exigir o seguro saúde para dar os vistos de curta duração; criar um banco de dados digital dos requerentes; dar ao Estado o direito de discordar do OFPRA quanto à concessão do estatuto de refugiado; só dar ajuda médica para o estrangeiro em caso de doença contagiosa ou de urgência; dar à polícia judiciária o direito de entrar nos locais de trabalho e consultar o registro de pessoal; fazerr o empregador pagar o repatriamento de trabalhadores dores imigrantes ilegais; retirar a nacionalidade francesa ancesa daquele que a adquiriu se ele empregar mão-de-obra de-obra ilegal, se ele for um estrangeiro retirar seu visto, isto, e se ele for um francês privá-lo de seus direitos cívicos por cinco anos; os menores delinqüentes ntes devem ser repatriados e o custo da repatriação deve cair sobre seus próprios ios bens; a retenção administrativa poderá rá ser de 30 dias. O relatório, redigido do por Sauvaigo, é aprovado pela Co-missão sobre Imigração Clandestina por 26 votos (RPR e UDF) contra 4 (PS e PC) (Le Figaro, 1996). Com tantas mudanças na legislação um grupo crescia cada vez mais na Fran-ça, os chamados sans-papiers – pessoass que mesmo legalmente no país tornam-se ilegais com as mudanças na legisla-
ção francesa – que nem podem ser expulsos, sequer legalizados. São em geral africanos – 100 crianças e 200 adultos sem o direito a regularização a “posteriori”, de 1945. Sem muito esforço, meios eram encontrados para que não houvesse ao menos expulsões. A legislação é falha e uma das possibilidades de permanecer no país seria se uma pessoa tivesse filhos nascidos neste território, pois mesmo desempregado, que pela legislação de 1993 perderia o direito de renovar o seu visto, ainda sim, poderia permanecer no país, já que pela Declaração dos Direitos Humanos não é possível a separação de uma família. A entrada de crianças com 10 anos de idade tinha o direito, perante g a legislação anterior, ao visto de p permanência, com a Lei Pasqua, a idade muda para 6 e essas crianças passam a ser consideradas sans-papiers. De qualquer forma 47
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
não serão expulsos devido ao mesmo artigo que defende o “reagrupamento familiar”, apesar disso nunca conseguirão se regularizar. As leis Pasqua também impossibilitavam a nacionalidade de crianças nascidas no país com pais estrangeiros, impediam todos que tivessem dupla nacionalidade argelina e francesa – direito dado depois da tentativa de acordo com a Argélia, em1960 – de servirem ao exército, assim como o aumento no prazo para conseguir a nacionalidade ao cônjuge de franceses, de seis meses para dois anos. Perderia também a nacionalidade, qualquer um que realizasse serviço militar fora da França. Como não foi possível proibir o casamento de franceses com estrangeiros, uma lei proibiu a imediata liberação de nacionalidade. Os dois anos necessários fez muitas famílias temerem por sua permanência, já que ainda estariam em situação irregular, até que fosse comprovada pelo tempo de vida conjugal, a veracidade da união. Isso nada mais fez do que tornar muitas famílias, mesmo as mais estáveis, em imigrantes ilegais, que discriminados e totalmente desolados com a situação buscam cada vez mais seus direitos com inúmeras manifestações vistas até hoje. As leis Pasqua foram elaboradas com o intuito de Reprodução
48
respeitar a identidade nacional com a integração de “associados” por sua origem e “qualidade” – essa é parte da justificativa que segue do começo ao fim. Esse conjunto de leis vai contra os direitos humanos e assume o posicionamento do Front National, contra a ameaça de invasão estrangeira em território francês. Os legisladores tentam argumentar seu posicionamento em cada lei aprovada para encobrir a exclusão das minorias. Somente após invasões em igrejas de Paris e greves de fome, com o intuito de gerar alguma solução do governo para esses problemas, conseguem visão e espaço político.
A medida mais polêmica do projeto foi a que instaurava os controles de identidade preventivos nas ruas, com base em qualquer característica que pudesse identificar uma pessoa como estrangeiro, menos a raça. A partir de então, a polícia estava autorizada a exigir a documentação de qualquer indivíduo que não pareça francês, e a detê-lo para averiguação caso ele não apresente seus documentos de identificação (Le Quotidien de Paris, 1993). Contra a poligamia, também há uma lei que impossibilita a entrada de pessoas com esse tipo de cultura, pois atitudes assim levam as pessoas à incapacidade de assimilação, algo que o desqualifica para entrar no país. Em suma, as políticas de imigração e nacionalidade francesas só revelam a opinião de partidos de direita, com total liberdade de convencimento e adesão
I Reprodução
migrantes: A França Multirracial e seus Conflitos
das ideias do Front National. Já os movimentos de apoio aos sans-papiers auxiliam na existência de equilíbrio, onde mesmo o governo sente-se obrigado a não cumprir suas próprias determinações até o fim. Acontecem duas hipóteses: ou o governo surge com um novo conjunto de leis que não seguem uma linha e podem ser desqualificados por leis antigas, ou simplesmente os direitos humanos são ‘lembrados’ e torna-se impossível expulsar esses imigrantes. Em 1997, os socialistas são eleitos com plataforma de mudanças nas políticas imigratórias. As poucas mudanças elaboradas pelo partido trouxeram mais temor aos imigrantes, pois sabiam que o partido de direita, FN, já conquistava mais interessados por seu plano de política e atuação. A palavra segurança também começava a atingir grande parte da população com medo de atentados terroristas por parte dos estrangeiros que não teriam qualquer identificação com a nação, então não se importariam de fato com o bem estar dos franceses. A França também temia com a perda da cultura e integridade física de seu povo As manifestações de todo o povo beur (imigran-
tes) irritava particularmente o então primeiro ministro, Nicolas Sarkozy, tanto que em 2005, quando concorreu à presidência chamou todos os imigrantes de escória e entre as primeiras medidas de “combate à desordem” determinou a expulsão sem julgamento de todos os estrangeiros suspeitos de envolvimento nas manifestações. Os processos de globalização ampliaram esse pensamento de invasão cultural e provocou uma necessidade de limites raciais, processo que desencadeou atos xenofóbicos e políticas contra a miscigenação. A imigração, apesar de desencadeada por pressão econômica, espontaneamente ou por fuga de seus países por motivos políticos e sociais, é aceita até onde pode oferecer algo útil à França, do contrário se tornam desnecessários e o esquecimento – parte da condição humana – transforma toda essa ‘mão de obra’ em “escória”, invasores e marginais. Sarkozy consegue chegar ao poder devido a sua campanha eleitoral, reforçando a preocupação com a segurança nacional. Todo esse espaço destinado à consolidação dessa plataforma aumentou o preconceito contra uma raça, intensificada com os atentados nos EUA, e alavancou o medo pela sociedade, que acredita na imigração como uma ameaça transnacional. Com isso, percebe-se que os movimentos na França são impulsionados pelo próprio governo que, ao invés de determinar melhores condições à sua população, resolve se indignar as diferenças raciais e culturais. É inaceitável para o país que os filhos de imigrantes franceses disseminem a cultura aprendida em casa por toda a sociedade.
49
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Um lugar chamado Clichy-sous-Bois Renata Cristina Pereira
50
Reprodução
Paris é considerada a capital mais exuberante do mundo marcada pela arte, pela moda, pelos belos perfumes, porém, em meio a tanto glamour, a cidade apresenta outro paradoxo: suas banlieues. As banlieues são as periferias de Paris, onde ficam imigrantes de origem árabe, africana e asiática. A grande maioria é jovem entre 20 e 25 anos, que vivem a falta de oportunidade no mercado de trabalho e são discriminados por suas etnias. Diferente de cidades como o Rio de Janeiro, onde as favelas estão por toda parte, em Paris a periferia realmente está em torno do centro. São locais esquecidos pelo próprio governo e escondidos dentro de
Conjunto habitacional da periferia de Clichy-sous-Bois
uma cidade de beleza arquitetônica. Uma das periferias mais problemáticas de Paris é Clichy-sous-Bois, que está localizada na parte oriental do país e tem uma área de 395 hectares. Habitam 28.700 pessoas, cuja maioria é formada por imigrantes originários, principalmente da Argélia, Marrocos e da Tunísia, metade da população tem menos de 25 anos. A periferia de Clichy-sous-Bois é formada por enormes conjuntos habitacionais que abrigam minorias étnicas marcadas pela discriminação, exclusão e falta de oportunidade, e se tornou uma verdadeira bomba pronta para explodir a qualquer momento e espalhar seus efeitos por toda Europa. Em 2005 Clichy-sous-Bois foi o epicentro de uma grande onda de revolta que se espalhou pela França e pelos países europeus vizinhos após a morte acidental de dois garotos, que ao serem perseguidos pela po-
I Reprodução
migrantes: A França Multirracial e seus Conflitos
lícia acabaram caindo em uma subestação de energia. As conseqüências visíveis dessa violência foram carros, ônibus, escolas e lojas incendiadas, 1.320 pessoas presas por incitarem a violência ou participarem diretamente de atos violentos e 4.700 carros foram incendiados. Com a exclusão social que já sofrem, essa foi à forma que os moradores dessa periferia encontraram para protestarem contra a exclusão, a injustiça e gritarem: Eu existo! Na época Sarkozy negou aos jornais que os garotos estivessem sendo perseguidos pela polícia, porém, um jovem sobrevivente desmente a versão de Sarkozy e garante que estavam sim sendo perseguidos por policiais, mesmo sem terem feito nenhum ato ilegal, apenas fugiram com medo. O governo francês tem fechado os olhos para essa situação e outras semelhantes, ao invés de incentivar esses jovens o governo trata os moradores das periferias como lixo humano. Segundo um relatório do próprio governo, nestes bairros o fato de ser jovem, mulher ou imigrante aumenta o risco de ficar desempregado. Tudo isso pesou para que os jovens se envolvessem em atos violentos. Até nas escolas localizadas
próximas das banlieues, crianças e jovens, só convivem com pessoas que também são de origem imigrante. Não há nenhum mix cultural ou social. O desemprego é um dos fatores mais preocupantes de Clichy-sousBois. Lá quase 40% dos jovens enfrentam a falta de oportunidade no mercado de trabalho. Esse índice é alto devido a vários fatores, como a falta de empresas localizadas nessas áreas, o despreparo dos candidatos a um emprego e a discriminação envolvendo os jovens descendentes de imigrantes. Mesmo os que têm nível superior acabam arrumando empregos que oferecem baixos salários se comparar com a sua qualificação. O governo francês tem tomado iniciativas para solucionar o problema de desemprego nessas regiões e para inserir os jovens imigrantes na sociedade francesa. Porém essas iniciativas não têm dado certo, já que as pesquisas revelam que o número de desempregados na periferia francesa aumenta a cada ano. Outras propostas do governo são construir centros culturais, de esporte e lazer, onde os jovens possam encontrar um meio de se ocuparem, mas essas propostas também têm falhado. Quando Villepin, na época Primeiro Ministro da França estava no poder, descobriram que as verbas destinadas a programas sócias para jovens não estavam sendo usadas. Para amenizar os acontecimentos violentos em Clichy, Villepin anunciou a volta das verbas para os programas sociais e se recusou a comentar os excessos verbais do ministro do Interior Nicolas Sarkozy invocando o interesse de união do governo para combater a violência. Outros problemas encontrados em Clichy são o racismo e a xenofobia que rodeiam a sociedade euro-
51
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Reprodução
péia por conta de todo contexto histórico, e na França esses dois elementos se infiltram dentro do país, imigrantes, sobretudo os árabes ou pessoas de aspecto orientais são vítimas de atitudes racistas. Os jovens que vivem nas banlieues sempre se revoltam com a forma absurda com que são tratados. Sofrem com a crise de identidade mesmo recebendo a nacionalidade francesa, não são vistos como franceses. São discriminados pelas ruas e principalmente pelo governo que dispensa projetos sociais para ajudar os moradores das banlieue. Com a maioria jovem, Clichy tem se tornado um estádio de guerra sustentada pelo ódio, raiva das pes-
52
texto, ele ainda usou termos inadequados para mais uma vez ofender os jovens de Clichy. Durante um discurso Sarkozi chamou de “ralé”, os jovens das regiões afetadas. A declaração do governo fez com que o incêndio aumentasse em Clichy. Sarkozi expôs que os jovens, que fatalmente vão morar nas banlieus não fazem parte do lema “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”. As ondas de revolta de Clichy relembram as manifestações da juventude ocorrida em maio de 1968. Porém, os manifestantes eram estudantes de classe média, que por várias semanas não participavam das aulas como forma de protesto contra o seu conteúdo reacionário e a presença de policiais que se infiltravam dentro das Universidades sem uniforme. Com isso, a polícia francesa usou gás lacrimogêneo e cassetetes para atacar os jovens e realizou prisões em massas. Esse foi o estopim para que a sociedade se revoltasse, levando o conflito para as ruas e para várias universidades espalhadas pela França durante vários dias. Os estudantes denunVista dos arredores de um conjunto habitacional da periferia de Clichy-sous-Bois ciavam não apenas a brutalidade e a repressão policial, mas também a guerra soas que vivem lá. Enquanto isso a burguesia francesa do Vietnam e as políticas imperialistas do governo fica amedrontada com a possibilidade de um ataque Francês e Americano. O Partido Francês Comunista terrorista vindo dos imigrantes que os cercam. (PCF) e a Confederação Geral do Trabalho (CGT), o Próximo dos dias em que Clichy se revoltou, as sindicato que era politicamente dominado pelo parforças de segurança ofenderam os imigrantes lançantido stalinista PCF, acusava os estudantes de aventudo uma bomba de gás lacrimogêneo dentro de uma reiros e delinquentes. Até mesmo organizaram mamesquita durante um ritual religioso. nifestações contrárias e mandaram representantes Sarkozy elogiou a utilização de métodos repressido movimento da juventude stalinista para desviar e vos e a política de “tolerância zero”. Dentro do con-
I
Reprodução
migrantes: A França Multirracial e seus Conflitos
bloquear as ações estudantis. Em seguida, todos os sindicatos, exceto o CGT, entraram em greve para também protestar contra as ações repressoras das policias francesas. Após 37 anos depois, jovens imigrantes se espalham pelas ruas e destroem carros, escolas, bens materiais, para mostrar ao governo que é preciso construir uma sociedade mais justa, com direitos iguais para todos que ali vivem e nascem. A revolta que ocorreu na região, conhecida como “Novembro 2005”, levou a um prejuízo de 150 milhões. A região de Clichy é desconhecida pelos turistas que passam por Paris. Nessa região onde reina a pobreza, a juventude tem um único objetivo: conquistar a paz, conseguir um emprego e poder garantir uma renda. Atualmente, com a crise financeira mundial, as periferias francesas são novamente atingidas por uma onda feroz. Alguns imigrantes já estão voltando para o seu país de origem, os jovens que ainda estão lá fazem protestos e manifestações para pedir uma solução ao governo Até quando estas periferias ficarão esquecidas na França? Quando haverá melhorias na área educacional, na saúde e em outros serviços que são de direito a
todos que ali nascem? Que país é esse que discrimina os mesmos que abriga? Será que só com violência o país vai olhar para Clichy? Estas são as perguntas que circundam na cabeça de vários jovens que estão construindo sua vida por lá. Os problemas podem ser solucionados se tiver um sistema de política que olhe para todos que estão alojados no mesmo país e que preste mais atenção nos problemas periféricos. As pessoas não vivem nos conjuntos habitacionais, distantes do centro por que querem, e sim, pelo custo de vida ser menor, já que a população não encontra trabalho a altura para sustentar uma casa situada no centro de Paris. O ódio é sustentado por diferenças étnicas, ou seja, essa revolta nos subúrbios só acabará quando “derrubarem o muro que construíram” entre franceses e descendentes de imigrantes. A violência se tornou a voz do povo que mora nessas regiões, por meio desses atos, muitas pessoas, tanto moradores da França quanto pessoas de todo o mundo, puderam enxergar o problema que estava ali o tempo todo, mas que se escondia atrás da beleza do cartão postal da Torre Eiffel.
53
C
inema Francês: A Nouvelle Vague de Truffault à Godard
55
Capítulo III Cinema Francês: A Nouvelle Vague de Truffault à Godard
Intervenção Artística na cena final do filme "Jules et Jim" de François Tuffault
inema Francês: A Nouvelle Vague de Truffault à Godard
O cinema francês faz escola Camilo Borges
Falar de cinema é falar de um retrato imaginário, de um recorte histórico, daquilo que poderemos ver e rever sempre que o desejo aguçar nossos olhos e nossas lembranças. Quem nunca se pegou revendo um filme de sessão da tarde, mesmo que este tenha sido reprisado algumas dezenas de vezes? Quem nunca assistiu a um filme alugado e de tão bom, tornou a vê-lo? Quem nunca se achou um cinéfilo e arriscou palpites sobre um título? E quem nunca se perguntou: será tudo isso verdade? O cinema nasceu no final do século XIX e teve seu desenvolvimento acelerado. Ainda no início do século XX, Itália e França já eram, disparadas, as potências mundiais numa arte incipiente e timidamente chamada de cinema. Com a 1º Guerra Mundial, essas potências estavam arrasadas, enquanto do outro lado do oceano, nascia Hollywood, com a embrionária ideia do que hoje conhecemos como indústria do cinema. Mas nos anos seguintes à 2º Guerra, países como França, Espanha, Alemanha e Itália já dispunham de condições para desenvolverem novas estéticas cinematográficas, como o cinema impressionista francês e o expressionismo alemão.
tigada pela guerra. A mentira começava a cair. Para a professora de Mestrado em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi, Sheila Schvarzman, “a grande virada que o neorrealismo significa é à saída do estúdio e a saída da mentira, sendo que estúdio vai significar essa mentira”. Na França esse movimento ecoa e surge, através dos críticos do Cahiers du Cinema, a principal revista de critica de cinema, uma nova estética, uma nova temática, a Nouvelle Vague em O Acossado, de Jean-Luc Godard, 1959, as criticas dessa produção falavam de um Divulgação/Impéria
C
57
O novo cinema na França Como toda a arte produzida na Europa, o novo cinema europeu também foi fortemente marcado pela política. Destaca-se o neorrealismo italiano, que se contrapunha ao regime fascista, influenciado pelo cinema francês, produzido até então. Rompeu com a ordem e manutenção dos valores propostos pelo regime totalitário de Mussolini. Os diretores neorrealistas estavam dispostos a filmar não apenas uma nova realidade, mas a real sociedade italiana e europeia cas-
Cartaz do filme O Acossado, de Jean-Luc Godard
filme inovador, com uma narrativa fragmentada. Tratava-se de um dos primeiros exemplos da Nouvelle Vague. Claude Chabrol, Eric Rohmer, Jaques Rivette, Jean-Luc Godard e François Truffaut renovaram o cinema francês e desenvolveram a “política dos autores”, onde o filme deveria ser uma produção livre
58
individual do autor. As produções de Godard não são diferentes: com uma trilha envolvente e suas tomadas invejáveis, O Acossado (A Bout de Soufle) traz uma temática simples, mas sem ser simplista. Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo conseguem criar um clima favorável a esse novo conceito de cinema. Há quebras de paradigmas e o nascimento de novas observações, sob velhas linguagens. O roteiro, a cargo de François Truffaut, conduz a um final surpreendente, e não menos inesperado. “O cinema que mostra o eu é o cinema, diz Sheila Schvarzman. Uma produção mais próxima do cinema tradicional, com tomadas elaboradas e não tão “incômodas” como as de Godard, Jules e Jim Jean-Paul Belmondo no filme O Acossado (Jules et Jim) de Truffaut conseguiu com o roteiro transpor as cortinas do cinema francês da época. Criou o “Hino à Vida” e com a canção Turbilhão da Vida, fez com que este se se tornasse um dos mais célebres filmes do amor e das relações humanas. Para Luis Carlos Merten, crítico de cinema de O Estado de São Paulo, “Jules e Jim é um filme sobre cinzas. Sobre a saudade das cosias mortas e ainda vivas”. O filme Noite e Neblina, de Alain Resnais, 1955 é o terceiro a ser enfocado neste texto. Para Sheila Schvarzman, elaborar um dialogo entre as duas obras acima e Noite e Neblina é delicado, pois o trabalho de Resnais foi único. Em comemoração aos 10 anos do fim da guerra propôs uma sequência de imagens do holocausto que foi classificada de pornográfica por Truffaut. Com um texto belíssimo, foi amado e odiado em toda a Europa por várias gerações. Também
renomado diretor da Nouvelle Vague, Resnais não traz apenas um documentário sobre os campos de concentração da 2º Guerra Mundial. Mais do que isso, o diretor faz um resgate da crueldade humana, sob um olhar atento. Para o crítico de cinema Alexandre Figueira Noite e Neblina, de Alain Resnais trata-se de um documento histórico inquestionável. Embora seja exibido como documentário, trata-se de uma produção de Resnais. Para o Professor Paulo Cunha, da UFPE, a máxima do documentário é “como a dor pode ser representada, sem - que haja a diminuição dessa dor e Resnais teve sensibilidade para isso”. O documentário traz uma composição de imagens de arquivo, versus imagens coloridas captadas em 1955. É esse contraste de imagens que tornam a produção importante. Com texto de Jean Cayrol, para Paulo Cunha o documentário é “uma lição de montagem, uma lição de narração documental”.
Cartaz do Filme La Mariée Etait en Noir
Divulgação/TVR Comunicação e Marketing Ltda
rança: Um passeio pela arte e cultura
Divulgação/Play Enternainment
Divulgação/Impéria
F
C
inema Francês: A Nouvelle Vague de Truffault à Godard
No Brasil
Reprodução
Na análise de Sheila Schvarzman, o Cinema Novo e as influências da Nouvelle Vague segue um raciocínio: “Tudo estará ligado, de certa forma, ao neorrealismo italiano e, por sua vez, a Nouvelle Vague. Gradativamente, você encontra um novo cinema no Japão, pois também há um pós-guerra japonês. Encontramos movimentos cinematográficos nos países tidos como socialistas e, consequentemente no Brasil. O cinema se mexe!” Aponta ainda, que essa reverberação da estética italiana e francesa é constituída por questões ligadas às mudanças socioeconômicas de cada país. Há em Glauber Rocha uma série de diretores consa-
Rubens Edwald Filho afirma que a Nouvelle Vague foi influência não só no Brasil, mas no mundo todo e até em Hollywood. Deu valor ao cinema americano, criou a figura do autor, como Coppola, Scorsese, e Spielberg. “Neste sentido o cinema brasileiro adotou essa vertente, fez filmes de autor, com câmera na mão, mas também porque não tinha alternativa, era pobre demais para outra coisa. Fez tanto e com tanta liberdade, que o cinema novo também influenciou o resto do mundo, com sua poética, sua garra ‘a força e energia brasileira que outros cinemas e povos não têm’. Com a ruína de uma etapa, surgem outras ainda mais fortes, vibrantes e verdadeiras. A estética da verdade. A estética do real.”
59
Cineasta Glauber Rocha
grados e que fizeram escola, mas a chamada estética da fome, o cinema indigesto é calcado em mudanças naturais. “Há um momento em que a cultura começa a ganhar espaço. Nos EUA surgem museus de arte moderna ainda durante a Guerra Fria e isso é disseminado pelo mundo”, aponta a professora.
A
História das Artes Plásticas na França
61
Capítulo IV A História das Artes Plásticas na França
Intervenção Artística na pintura "No Terraço" de Pierre Auguste Renoir
A
História das Artes Plásticas na França
Fernand Léger: Relações e Amizades Brasileiras Andressa Baccarin
em 1923, a mostra inaugural do Museu de Arte Moderna em 1949, e as três primeiras edições da Bienal em 1951, 1953 e 1955, onde receberam o Grande
A exposição Fernand Léger: relações e amizades brasileiras abre o calendário cultural na Pinacoteca do Arnold Newman
Estado que homenageia o Ano da França no Brasil.
Prêmio, alguns dias antes de morrer. Depois de sua morte novas gerações de colecionadores brasileiros começam a adquirir obras do artista
Um dos princi-
francês. Entre eles podem-se destacar os casais Pau-
pais artistas do sé-
lina Nemirovsky e José Nemirovsky, com a litografia
culo XX, o francês
Composição com dois personagens de 1920, adqui-
nascido em 1881,
rida em Paris no início da década de 80 juntamente
manteve
com livros e álbuns ilustrados pelo artista.
vínculos
com o Brasil, es-
Férnand Léger foi um artista francês que desco-
tabelecendo fortes
briu a vontade pelas artes logo cedo e se destacou
laços de amizade
pela sua criatividade e maneira de relacionar paixão e
com os modernistas
trabalho. Em 1900 ingressou na Escola de Artes de
brasileiros que se tornaram grandes admiradores. A
Paris e dez anos depois pintou Nus no Bosque, pri-
mostra enfoca a diversidade e o interesse de suas pes-
meiros indícios do impressionismo. Anos depois co-
quisas plásticas, que rumam em direção à arquitetura,
nheceu os pintores cubistas Pablo Picasso e Georges
decoração, fotografia e ao cinema.
Braque, que o inspiram a seguir artisticamente para o
Fernand Léger
Léger nunca esteve pessoalmente no Brasil, mas
cubismo. Em 1945 filiou-se ao Partido Comunista e
conseguia retratar e passar emoção em suas obras,
começou a pintar o trabalhador e o proletariado, fa-
como se estivesse pintando aqui. Sempre esteve en-
zendo uma integração entre homem-máquina. Musée National - Biot / França
volvido com artistas brasileiros de grandes responsabilidades, tal como Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Paulo Prado, Olívia Guedes Penteado. De todos os artistas que tiveram contato com Léger, foi Tarsila quem mais se contagiou por suas idéias estéticas. Durante o ano de 1923 ela freqüenta o ateliê de Léger, quando pinta Estudo. Em 1924 e 1925 as telas da fase pau-brasil, como Carnaval em Madureira, tem como referência em seus trabalhos. Trabalhos marcantes estiveram expostos em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife ao longo do século XX, como a I Exposição Moderna organizada pela Sociedade Pró-Arte Moderna
63
Cena de Circo - Fernand Léger
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Musée National - Biot / França
das como a famosa pintura Nature morte au Magnolia (1941) e Nu Rose Assis (1935-36) estarão presentes na Pinacoteca de São Paulo. Para o Diretor da Pinacoteca Marcelo Araújo, expor as obras de Matisse sempre foi um sonho e agora está sendo realizado graças ao Ano da França no Brasil “Vinha procurando essa possibilidade desde 2005. Sempre admirei as pinturas de Matisse e essa mostra cosegue dar uma apurada visão de suas obras e a trajetória do artista, registrando inclusive particularidades em seu ateliê”. A obras foram escolhidas devido a seu caráter emblemático e significativo para o conjunto dos periodos artísticos de Matisse, como as paisagens da juventude, a fase de criação do fauvismo, a série de odaliscas e os
Argentan - Fernand Léger
Entre suas pinturas mais famosas pode-se destacar A Grande Parada de 1954, que é considerada a síntese de sua arte, monocromia cortada por faixas
Life
64
papéis colados. Cada local da exposição trata de um assunto específico de uma forma cronológica. A mostra será acompanhada por trabalhos de outros seis artistas franceses comtemporâneos Adel Abdemessed, Cécile Bart, Christophe Cuzin, Frédérique Lucien, Pierre Mabille e Philippe Richard, que dialogam ativamente com o universo de Matisse, com relação de
fortemente coloridas, ligando estranhas e poéticas figuras humanas. Léger consegue separar a cor e o desenho de tal maneira que suas figuras mantêm uma identidade marcada por linhas pretas. O artista se preocupa mais com o aspecto sensorial do tema do que com a rigorosa análise cubista da relação espaçoobjeto, o que lhe torna diferente dos demais artistas, o dinamismo. Henri Matisse, o mestre das cores
Depois de 55 anos de sua morte, o Brasil será homenageado com as obras do ilustre mestre das cores Henri Matisse em uma exposição exclusiva titulada Matisse Hoje. Importantes coleções públicas e privaHenri Matisse
A
História das Artes Plásticas na França do a tratar a cor como um elemento de composição. Matisse foi um pintor fauvista que além de explorar o sensualismo das cores fortes como os demais artistas, foi o único a evoluir ao equilibrio entre cor e traço, em composições planas sem profundidade. Fez muitas exposições importantes na França, Nova Iorque, Berlim e Moscovo, mas foi em 1918 que se destacou expondo suas obras com o artista Pablo Picasso. Além de pintar obras como Interieur à Nice (1922) e Nature Morte (1941), que mais pra frente seriam expostas em Museus da arte ocidental em Moscovo. Matisse também foi escultor. Entre 1948 e 1951 dedicou-se integralmente na decoração do interior da Musée National - Biot / França
cores, linhas e ao tratamento especial a pintura. O artista plástico francês Henri Matisse nasceu em 1869 e percorreu uma história de grandes conquistas e realizações para a cultura francesa. Ele não tinha vergonha de usar cores berrantes, brincar com objetos e frutas em suas pinturas e como ninguém usava curvas e desenhos simples para representar a fase fauvista. Viajou muito para países desconhecidos, mas foi em Marrocos e Tângia, entre os anos de 1910 e 1912 que descobriu o gosto pelas artes e começou a expor suas obras como profissionais. Daí em diante suas obras ficaram muito conhecidas, principalmente por se mostrar um descendente direto de Cézzane em busca do equilíbrio das massas o levan-
Sala Vermelha - Henri Matisse
65
rança: Um passeio pela arte e cultura
capela do Rosário em Saint-Paul, no sul da França. Fez importantes esculturas de bronze como Jeannette na década de 30. Em 1927 Matisse recebeu o prêmio da Carnegie International Exhibition, em Pittsburgh e 1952 é inaugurado o Museu Matisse em La Cateau. No ano seguinte em Paris o artista fez sua última exposição de recortes de sua vida e esculturas em Londres. Morreu em 1954.
História da Cultura Francesa
66
Durante todo o século XIX Paris foi considerada a capital mundial da arte e hoje mesmo depois de turbulentos fatos, como a Revolução Francesa e a Segunda Guerra Mundial, continua sendo um dos países mais ricos em cultura, devido a grandes marcos históricos. Movimentos artísticos e pintores também ajudaram na formação cultural francesa. A pintura da primeira metade do século XIX depois da Revolução Francesa mostrava o conflito entre neoclassicismo e o romantismo. Mais tarde Napoleão líder da Revolução nomeou Jacques Louis David como pintor oficial do país. Foi considerado o principal artista francês, conhecido por pintar belos quadros de nudez e pintura do Ditador Revolucionário Marat, morto numa banheira. Os expoentes do romantismo foram Théodore Gericalt, que pintava cavalos e Eugéne Delacroix, que foi considerado o melhor artista da pintura francesa por décadas. Manet foi o precursor do grupo impressionista, fundado em 1870 por Claude Monet e Auguste Renoir. Suas telas retratavam mulheres em locais rurais sempre
usando cores quentes e formas sensuais. O século XX foi marcado pelas pinturas fauvista e cubista. O líder do movimento fauvista e da arte moderna foi Henri Matisse e pintores consagrados como George Braque e Maurice de Vlaminck contribuíram para que esse estilo ganhasse espaço entre os artistas. Fernand Léger foi representante do cubismo, cujo interesse em suas artes era retratar o dia a dia nas fábricas. No fim da década de 80, o panorama artístico francês foi enriquecido com a chegada de imigrantes do Leste Europeu, como Marc Chagall, que pintava o avançado estilo luminoso e sensual da fantasia. Monumentos construídos desde a época Medieval são considerados marco histórico e atraem cada vez mais turistas estrangeiros. No século XX, o Ministro das Finanças de Luis XIV, Colbert, fundou importantes academias de arquitetura e ciência, impulsionou o Louvre como Museu e criou o Comédie Française, o teatro nacional mais antigo do mundo. Colbert apoiava a criação de maisons, centros culturais que apoiavam a arte, e deveriam apresentar trabalhos de qualidade, difundindo a cultura de Paris, voltado principalmente para a classe burguesa. A idéia inicial de criar maisons era de tornar a
O Jardim de Monet em Giverny - Claude Monet
Museu Marmottan Monet
F
História das Artes Plásticas na França
Reprodução
A
Catedral de Notre-Dame - Paris/França
França a primeira nação cultural. O investimento destinado era de apenas 1% do orçamento geral do Estado. Em 1960, André Malraux, teve a idéia de transformar as maisons em grandes centros voltados às classes trabalhadoras, para que eles também possam assistir peças de teatro e exposições, numa tentativa de aproximar cada vez mais a cultura no seu cotidiano e não apenas no da burguesia. As maisons não foram mais construídas depois que Malraux deixou seu posto na década de 70. Hoje existem apenas doze espalhadas pela França em Rennes, Amiens e Grenoble. Na década de 80 muita coisa muda em relação à cultura francesa, que começa a ser valorizada. As grandes cidades como Paris já possuem política cultural própria e ganham apoio de 10% do orçamento municipal. A partir daí a cultura foi considerada uma questão de orgulho local, um símbolo de hierarquia, tão importante como o futebol e carnaval são aqui no Brasil. Em 1981 o Ministro da Cultura, Jack Lang, fundou o museu da banda desenhada em Angolema, o
museu do Trago no Louvre, uma escola de fotografia em Arles e uma escola de circo. Além disso, investiu na cultura musical, abrindo espaço para grupos de jazz e rock, estilos muito apreciados pelos franceses. Lang ficou no poder até 1988.
Movimentos Artísticos Gótico - O estilo gótico surgiu na França durante a Idade Média, entre os séculos XII e XV e expandiuse pela Europa Ocidental até a Renascença do século XIV. O estilo gótico designa uma fase da história que possui características próprias, relacionando contexto social, político, econômicas e religiosas. Em suas obras podemos encontrar relação dos valores filosóficos e estéticos, que surgem como resposta à severidade ao estilo romântico. Sua definição partiu originalmente da arquitetura eclesiástica na forma de catedrais, monastérios e igrejas. Os renascentistas
67
F
chamavam esse tipo de arte como “uma arte da antiguidade clássica” e para eles as catedrais góticas elevam-se para o céu como se fosse uma oração e transmitem ao homem uma procura ao além. Entre outras características temos o Arco de Ogiva, uma estrutura de formato arredondado geralmente representada em portas, janelas, pontes e entradas de catedrais. É considerado um componente de decoração, permitindo brincar com as cores e tamanhos, sendo a identidade do estilo estético do movimento gótico. Sua estrutura arquitetônica se estendeu da zona de Île-de-France a outras regiões. Destaca-se a fachada da Catedral de Chartres, a Catedral NotreDame de Paris e as fachadas de Amiens, uma cidade no Norte da França localizada a 120 km de Paris. As pinturas tentavam atingir as emoções das pessoas ao retratar a leveza espiritual, com cores claras, toques simbolistas e naturais. Nas paredes, tetos e vitrais era muito comum artistas usarem cores como o dourado, técnica que representa a vitalidade e a luz. O francês Guillaume Guillet foi considerado um dos principais artistas do movimento, por buscar a beleza ideal. Participou de importantes eventos como na Igreja de Notre-Dame de Royam, em 1954 e na Exposição de Bruxelas, em 1968.
simples e cotidiano, por optar pelo estilo alegre e delicado do povo francês. Com o tempo conseguiu identificação própria e fugiu do princípio italiano de somente ostentar o luxo e a beleza. Foi no reinado de Francisco I, que o estilo renascentista ganhou espaço e artistas conhecidos como Leonardo Da Vinci e Benvenuto Cellini, Rosso Fiorentino e Franceso Primaticcio começaram a retratar a França de diferentes aspectos. Considerada uma das principais obras renascentista está à escultura de bronze Perseu segurando a cabeça da Medusa, que está exposto ao público em Florença, na Itália. Francisco I construiu o Louvre em Paris, um dos museus mais ricos e belos do mundo. Nesse período o povo francês estava muito interessado na cultura e deslumbrados com a perfeição da arquitetura de igrejas, castelos, monumentos e museus, com isso houve um progresso na arte de escultura e um avanço da arquitetura. Palácios como o de Chambord e de Fontainebleau foram construídos para exibir a arte renascentista baseada, principalmente, no luxo. O centro de arte mais importante foi o de Fontainebleau, elegante e luxuoso a escola combina escultura, pintura e arquitetura num único ambiente, representado como marco para o desenvolvimento do maneirismo.
Renascença Francesa - Inspirada nos modelos italianos, o movimento da Renascença se mostrou
Barroco e Romantismo - O movimento Barroco surgiu na metade do século XVI até o século XVIII e Reprodução
68
rança: Um passeio pela arte e cultura
Palácio de Chambord - Chambord/França
História das Artes Plásticas na França
Grecia esta em Ruina de Missolonghi - Eugène Delacroix
expressa exuberância, através de metáforas por uma volta das questões espirituais. É uma tendência que se manifesta em obras plásticas, na música e no teatro. Ao contrário do movimento Renascentista que pregava a razão sobre os sentimentos, o barroco excede em sentimentos de uma forma dramática e triste procurando envolver emocionalmente as pessoas. A arquitetura barroca se tem num período em que a Igreja Católica tenta recuperar o espaço perdido com a Reforma Protestante, que atingiu países como a França. Ela busca conciliar a emoção e a espiritualidade da Idade Média. A sociedade daquela época é marcada por tristeza e melancolia, portanto, é caracterizada num eterno jogo de poderes, entre o divino e o humano. Outra característica marcante da pintura barroca em geral é o efeito de ilusão comum nos artistas. Manifesta-se claramente nas pinturas feitas
nas igrejas e castelos. Os artistas pintam degraus e escadas que dão uma incrível ilusão de movimento e ampliação de espaço, dando impressão que a pintura é a realidade. O movimento romancista expressa uma paisagem tranquila com a intenção de despertar nas pessoas o imaginário romântico. A França foi um dos últimos países a receber influência desse movimento do século XVIII. Foram artistas como Byron, Walter Scott, Schiller e Shakespeare quem retratavam essas obras, mostrando o drama humano, amores trágicos e desejos incontroláveis. Eugene Delacroix é considerado o principal pintor do romancismo francês.Sua primeira pintura foi a obra, A Barca de Dante, e gostava de retratar temas políticos e polêmicos do momento. Delacroix foi contratado em 1833 para decorar o palácio do Rei Luxemburgo em Paris e a biblioteca de Saint-Sulpice. Em 2008 o artista ficou mundialmente conhecido, depois que a banda Coldplay lançou o album “Viva La Vida Or Death And All His Friends”, cuja capa, é a obra mais conhecida do pintor, A Liberdade Guiando o Povo.
69
MoMA - Nova Iorque/EUA
Musée des Beaux-Arts - Bordeaux / França
A
As senhoritas de Avignon - Pablo Picasso
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
The Art Institute of Chicago - Chicago / EUA
Diferente dos demais movimentos o cubismo do século XX, rompe com a perspectiva da arte ocidental tendo influência mais ampla em suas obras. Surge em Paris com a tela, Les Demoiselles d’ Avignon, o artista plástico Pablo Picasso, mostrando o impacto da arte africana num quadro pré-cubista. Retratavam formas geométricas e se limitavam as cores preto, cinza, marrom e ocre, retratando todas as partes de um único objeto por diferentes ângulos e formatos. O cubismo é um estilo influenciado pelo pós-impressionista Cesto de Maçãs - Paul Cezanne
francês Paul Cézanne, que alterava as obras para ressaltar o volume e peso dos objetos. Usava for-
70
Impressionismo - Criado entre 1870 e 1880 em Paris, o movimento impressionista se aproxiam de uma nova realidade visual, captando as passagens de luz e sombra existentes ao nosso redor. Para o artista o tema é o mais importante, por isso pintavam o que realmente enxergavam, despertando curiosidade e emoção. Claude Monet e Auguste Renoir foram os criadores do movimento e mais tarde Camille Pissarro e Alfred Sisley também fazem parte do grupo impressionista. Em 1874, o grupo organizou sua primeira exposição de arte, mas foi rejeitada pelo Salão da Academia Francesa. Eram guiados pelas descobertas científicas de que a cor não pertencia diretamente ao objeto, mas que dependia diretamente de luz para existir.
mas simples como a esfera, o cilindro e o cone. É autor de quadros que representam a natureza morta tipicamente compostas por maçãs e figuras humanas, como por exemplo, o quadro Rideau, Cruchon et Compotier. O movimento Dadaísta surgiu nos anos de 1916 e 1922 com um grupo de artistas durante a Primeira Guerra Mundial. O nome Dadaísmo é francês e significa cavalo de balanço para crianças, mas artisticamente não tem um significado próprio. Os principais artistas do movimento foram Hugo Ball, Hans Arp, Tristan Tzara e Kurt Schwitters, cujas obras abrangem as áreas de fotografia, música, teatro e artes plásticas. O dadaísmo é caracterizado pela ingenuidade radical, pelo pessimismo irônico, potesta contra a loucura da
Fauvismo, Cubismo e Dadaísmo - O fauvismo
guerra e tinha como princípio denunciar as barbáries
é um movimento francês do século XX, que assim
que ali aconteciam. Em Paris, por exemplo, a explora-
como o estilo Romancista retrata emoções e alegrias
ção do irracional viria a acontecer movimentos surre-
sem intenção crítica, totalmente independente do
alistas importantes como o Pop Art, Expressionismo
real, já que a combinação de cores não era a exigência
Abstrato e a Arte Conceitual.
dos artistas. Para o pintor Henri Matisse o Fauvismo “pretendia dar equilíbrio, pureza e serenidade, fugindo de temas perturbadores ou sofridos”.
Surrealismo - O surrealismo foi um movimento artístico dos anos 1920 que surgiu primeiramente em
A
História das Artes Plásticas na França
Paris, influenciado pelas teorias psicanalistas de Sigmund Freud. Tinha como propósito criticar a cultura Européia e sua condição humana, com representação do irracional e do subconsciente. Suas inspirações vieram do movimento dadaísta de deixar o mundo real para integrar no irreal. Artistas como René Magritte e Salvador Dali pintavam de forma abstrata e
figurativa as imagens da realidade mais internas do ser humano. A fantasia, a tristeza e melancolia foram inspiração e se aproximam do movimento romântico do século XVIII. Em 1924, André Breton publica o Manifesto do Surrealismo, que marcou o surgimento oficial do surrealismo como arte.
71
CapĂtulo V Gastronomia Francesa: Entre pĂŁes, vinhos e queijos
Intervenção Artística na fotografia de Auguste Fertel
G
astronomia francesa: Entre pães, vinhos e queijos
A História da Culinária Francesa no Brasil Marisol Machado
Que a gastronomia francesa é considerada a melhor do mundo, ninguém contesta, mas o que muita gente nem imagina, é o porquê de toda essa fama. Chamada de Patrimônio Francês, a gastronomia e seus chefs são praticamente embaixadores do saber gastronômico, por uma razão a cozinha faz parte da cultura francesa, até mesmo para quem não é chef. A culinária francesa influenciou quase todas as demais do mundo ocidental, tornando-se base da cozinha internacional, contudo, sem perder suas raízes regionais, além de ser um país farto de recursos naturais e agrícolas. Para melhor entender sobre a arte da cozinha francesa, dividiremos seus princípios em 5 pilares da excelência gastronômica, chamando-os de “o Pentágono do Prazer”, onde cada lado desse pentágono representa a mescla que há entre a origem, a cultura, a maneira de ser e ações objetivas que fazem a França um país tão rico gastronomicamente. Os cinco pilares sustentam a maneira de ser e de fazer. São eles: a noção de Terroir, a valorização das origens, a busca do frescor e do natural, o amor ao saber e a paixão pelo prazer. Todos interagindo e interferindo uns aos os outros de forma decisiva para essa arte.
Fotosearch
A noção de Terroir - A noção de terroir é o primeiro e crucial pilar de qualidade dentre todos. Significa todo o passado dos alimentos, ou seja, a condição de solo, o clima, as condições atmosféricas como, sol, chuva, água, ar, a temperatura, a biologia microscópica que ali se desenvolve. Mas o que também é cru-
cial para o desenvolvimento não só dos vegetais, mas também dos animais, é a interferência humana, a técnica, a cultura, a tradição. Segundo o dicionário Le Nouveau Petit Robert (edição 1994), terroir designa “uma extensão limitada de terra considerada do ponto de vista de suas aptidões agrícolas”. Essa noção de terroir é o que influencia na preparação dos pratos. É essa noção que os Chefs tentam nos explicar, quando dizem que o Terroir é o conjunto das qualidades que torna cada local do mundo único. Quanto mais globalizado é o mundo, mais importantes são os seus protagonistas menores, particulares e diferenciados, ou seja, apesar de toda essa tecnologia, todas as máquinas que utilizamos em nosso dia a dia na cozinha, o preparo correto de uma plantação, ou do cuidado que se tem com um animal a ser abatido, é fundamental para esse sucesso da gastronomia francesa. Os franceses são extremamente patriotas quando nos referimos à gastronomia, valorizando muito a cozinha de cada região. Viajando por diferentes lugares e paisagens da França, podemos encontrar em cada uma das províncias, inúmeros produtos respectivos a cada local: azeitonas, manteiga, vinhos, creme de leite, frutos do mar (peixes de água salgada e doce), carne de vaca e de cordeiro. Tais comidas foram naturalmente associadas às bebidas que também são resultados do terroir. Daí temos a “gastronomia do terroir”, ou “gastronomia regional”, integrando o comer e beber. A valorização das origens - O segundo pilar de qualidade, que resulta do primeiro, é a valorização dada à origem de cada objeto gastronômico, sejam eles pratos regionais, ingredientes, matérias-primas, vegetais e animais, derivados e produtos elaborados. A valorização dos terroirs se dá àqueles que demonstram evolução ao longo do tempo. Essa valorização pode ser consagrada pela sociedade como um todo, pelo domínio público do conceito ou suas origens serem protegidas. Entretanto, ainda dentro do mesmo espírito de valorização de terroir de origem, a preservação da exclusividade são estabelecidas e reconhecidas através de órgãos públicos como o sistema de Denominação de Origem Controlada – DOC, na França, Appellation d´Origine Controlée (AOC). O que significa que os produtos, para
75
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Fotosearch
põem o queijo. Quando se fala nas origens dos alimentos, os franceses necessitam saber de todo e qualquer processo pelo qual esses alimentos até que cheguem em suas mesas. Essa busca incessante pelo frescor dos alimentos nos faz chegar ao terceiro pilar de excelência gastronômica. A paixão pela Gastronomia - Numa terra em que todos são praticamente gourmets, podemos entender o porquê de tanta excelência em sua cozinha. Todo francês é gourmet, se não por formação acadêmica, mas por tradição de seus antepassados. Ser gourmet não é considerado “profissão” na França, e sim uma arte vocacional, pois num país em que comer e beber bem são tão importantes quanto respirar, não há como não deixar a gastronomia entrar em suas veias. Trata-se claramente da paixão pela culinária, sobretudo pelo ato de apreciar e degustar seus alimentos. A era da praticidade e da rapidez ainda não faz parte da gastronomia francesa. Tudo o que se põe na mesa é apreciado com calma, para que cada paladar descubra segredos inimagináveis a cada mordida ou a cada gole de vinho.
passarem nesse controle, são submetidos à comprovação da condição de qualidade da matéria-prima e de baixa produtividade (visando a melhor qualidade). Após esse controle os produtos ganham o direito de ostentar a denominação em suas embalagens, promoção e publicidade. Esse é o segundo pilar da excelência gastronômica. A busca do frescor e do natural - O francês tem verdadeira paixão por produtos frescos, valorizando tudo o que é “feito na hora”, por isso, os franceses vão à feira para comprar verduras e legumes fresquinhos, que vai além do hábito. Por isso a preferência por produtos que veem direto do campo, da granja e da mata, entre outros que sejam naturalmente colhidos. Para os franceses o frescor é o primeiro fator que faz com que se interessem por determinado alimento. Em função disso há uma grande luta para a regulamentação de frescor do queijo. O que eles mais querem é que não haja pasteurização, interrompendo a fermentação natural dos fungos que com-
O saber - Os chefs franceses sempre estão em constante aprendizado. O festejado saber fazer dos franceses, a competência profissional, o conhecimento, a prática das regras de cortesia, tudo está ligado na gastronomia e, o chef, sempre busca o melhor. Por várias razões a França é o país do saber, e é esse conhecimento que liga todos os pilares do nosso pentágono gastronômico. Fotosearch
76
astronomia francesa: Entre pães, vinhos e queijos
França - Brasil
Fotosearch
G
Fotosearch
Sabemos que os brasileiros adoram comer e apreciam uma boa mesa com variados tipos de comida. Por essa razão vamos entender de onde vem a influência francesa dentro da nossa gastronomia. O que podemos perceber ao longo de pesquisas é que não só o brasileiro adaptou suas receitas ao modo francês, mas os chefs franceses também vêm ao Brasil em busca de novas ideias e ingredientes exóticos que só o nosso país tem. A influência da gastronomia francesa em São Paulo começou no final do século XIX. A cozinha francesa, nos anos 60 sofreu uma revolução chamada Nouvelle Cuisine e contou com Chefs como Paul Bocuse, Claude Troigrois dentre outros chefs que mostraram a gastronomia francesa com outra visão e com outro gosto. Ao longo do tempo os cardápios foram se transformando com o uso dos vinhos e do champanhe, dos patês de foie gras e dos queijos, fazendo com que a cozinha local fosse substituída pela requintada refeição à francesa, em que os pratos são servidos de forma individual e sucessiva. O chef Paulo Machado, professor especializado em cozinha francesa, do curso de Gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi, nos mostra que a principal mudança influente da gastronomia francesa não se dá não apenas para o prato em si, mas principalmente para o pré-preparo de seus ingredientes. Há a percepção da importância do cuidado para o cultivo dos vegetais, legumes e carnes, que influenciam o resultado final da receita. A herança que os franceses nos deixam é a paixão pela cozinha, onde podemos perceber que nossos ingredientes são muito bons e que temos que valorizar a cultura de cada região do nosso país. Descobrimos o quanto o saber é importante para uma bela gastronomia, conhecer melhor nosso país através de pratos e bebidas regionais, descobrindo um novo mundo. Iniciamos aqui a Trilogia do Prazer. Vamos conhecer três das maiores paixões dos franceses: pães, vinhos e queijos. Prepare-se para entrar num mundo das delícias.
77
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
A Trilogia do Prazer
78
Fotosearch
Pães - Não é difícil ver em uma mesa tipicamente francesa, vários tipos de pães como: baguetes, croissants, brioches, entre outros, que são considerados essenciais para um bom restaurante na França, e até mesmo nos tradicionais restaurantes franceses, localizados em São Paulo. Nós brasileiros, influenciados pela cultura francesa, exigimos boa qualidade em nossos pãezinhos, afinal não são apenas os franceses que sabem apreciar um bom pão. Os pães como conhecemos hoje, podem ser preparados a partir de inúmeros cereais, como milho, aveia, soja, entre outros, mas sua base universal e principal é o trigo e o fermento, pois sem eles o pão jamais tomaria tantas formas e sabores como hoje é encontrado no mundo todo. Tudo começou quando o homem primitivo espa-
lhou alguns grãos de trigo pelo chão, que foram molhados pela chuva e incharam. Após esse processo os grãos tornaram-se uma pasta, fácil de ser consumida, sem precisar mastigar. O aperfeiçoamento do processo foi inevitável, uma acidental fermentação determinou o crescimento da massa. O passo seguinte foi o cozimento, o que resultou em uma surpreendente combinação de sustento e bom paladar. Passados alguns séculos, o pão de trigo chegou à França e era considerado um alimento da elite. Em 1789, se os operários quisessem consumi-los todos os dias, teriam que dar 88% de seu salário para degustar um pãozinho. Esse foi um grande motivo para uma “Revolução”, principalmente pela célebre frase que Maria Antonieta, mulher de Luís XVI, teria dito: “Se o povo não pode comer pão, que coma brioches!”, assim o lema da Revolução francesa, “liberdade, igualdade, fraternidade”, chegou ao pão. Em 1793, devido à lei de igualdade entre os cidadãos, a corte autorizou a venda de apenas um tipo de pão. Obviamente não demoraram os protestos, pois os famosos boulangers, ou padeiros, logo saíram às ruas para defender os direitos do pão: “É o mesmo que enjaular o espírito francês!”, os comparavam. Já no Brasil, antes de usarmos o nosso famoso pãozinho, em tempos coloniais, o que usávamos era o biju de tapioca no almoço; já no jantar usávamos apenas a farofa, mas a atividade de panificação no Brasil cresceu devido aos imigrantes italianos. Mas foi em Minas Gerais que surgiram os pioneiros da indústria dos pães. Claro que existem várias histórias sobre esse alimento tão venerado em inúmeras culturas, mas não há como dizer ao certo qual é a verdadeira. O que sabemos com certeza é que não podem faltar pães nas refeições, não somente nos restaurantes franceses, mas também nos italianos, árabes, brasileiros e em muitos outros. Mas como estamos falando da gastronomia francesa no Brasil, vamos tentar entender um pouco mais da atual preparação dos pães e qual a importância deles nos restaurantes franceses de São Paulo.
astronomia francesa: Entre pães, vinhos e queijos
O pão, por Henri Chaëffer Hoje é possível saborear os pães assim como fazem os franceses, ou seja, pães feitos com fermentos naturais, com inúmeros tipos de recheios refinados e tratados como supremas obras de arte, isso porque os franceses acham que o pão, por si só, já é uma refeição. Segundo o chef e Patissier (confeiteiro) francês Henri Chaëffer, o pão tem vida própria. Na boulangerie (padaria, em francês) do Grupo Le Vin, em São Paulo, onde trabalha, diz que para fazer o verdadeiro pão é preciso seguir etapa por etapa, por isso, no restaurante o chef produz até o fermento e diz que é preciso fazê-lo com cuidado e respeitar seu tempo, já que o mesmo demora sete dias para ficar pronto. “Usamos maçã, água e farinha para produzi-lo”, confessa. Chaëffer conta que a fermentação dos pães é de aproximadamente 18 horas e que podem consumidos sozinhos ou como acompanhamento de saladas, peixes, ostras ou carne vermelha, mas para ele, o melhor jeito de saborear o pão é com um pedaço de queijo e uma taça de um bom vinho. Na década de 60, os franceses comiam cerca de 900 gramas de pão por dia, já hoje, essa quantidade diminuiu para 175 gramas. Ele nos conta que naquela época o pão era a base da alimentação de toda a França, ou seja, era considerado um alimento completo. O chef alerta que o pão em si, não é caloricamente prejudicial à saúde, mas engorda quando a ele se acrescentam queijos, manteiga ou geleias. Porém, na França, o costume é comê-lo puro, é uma tradição como a nossa feijoada. Mas não precisa de cerimônia para saborear seu pãozinho, pode-se cortá-lo com a mão e deliciá-lo “sem-medo de ser feliz!”. O chef Henri nos conta que na França, a farinha é feita em moinhos de pedra, já aqui a moagem é industrial e esse é o diferencial dos pães comuns feitos nas padarias. O fermento usado nas padarias também é diferente, o que influencia no produto final. Nos conta ainda que a massa muda, pois no Brasil a massa é mais branca e o miolo é mais compacto. Já na França é mais ama-
relado e o miolo é aerado, com a casca mais dura; era essa casca que, antigamente, ajudava a conservar o pão. Ele lembra que na infância, sua família comprava um grande pão redondo que durava de quatro a cinco dias, e que como um tipo de ritual, quem sempre partia o pão era seu pai, a família se reunia em volta da mesa, tornando a refeição do pão uma refeição extremamente familiar. Toda essa nostalgia está dando força às boulangeries e ao consumo de produtos de panificação caseira. O consumidor quer resgatar lembranças de infância, já que vivemos em um mundo de comfort food, ou como diria Chaëffer, o famoso microondas tirou esse gosto da gastronomia, as pessoas optam pelo mais prático. O que os chefs fazem é resgatar as técnicas tradicionais de panificação e essa é a razão do sucesso das padarias francesas. Já no Brasil a história não muda muito, pois temos verdadeira adoração pelos pães, e buscamos cada vez mais qualidade e frescor, principalmente no período da manhã e da tarde, onde é comum para alguns sentar à mesa, apreciar um café e degustar um delicioso pão com manteiga, geleia, entre outras delícias. Mas todo esse ritual que é realizado em volta da mesa, fica cada vez mais difícil devido ao ritmo acelerado de São Paulo, mas procuramos na maioria das vezes resgatarmos esses princípios nos reunindo com entes queridos para uma prática antiga conhecida como “repartir o pão”. Afinal, desde os tempos mais antigos é comum essa partilha e, porque não trazer de volta aos tempos modernos essa prática?
79
Fotosearch
G
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Vinhos - Se a França tem mais de 400 queijos e uma extensa gama de culinária, imaginem a quantidade de vinhos que existe por lá, por isso, não é um exagero classificar a França como o melhor país vinícola do mundo, afinal, nenhum local possui tantos vinhos de excepcional qualidade.
nho, com a sommelier Carina Cooper, em uma entrevista exclusiva.
O vinho, por Carina Cooper Porque os vinhos franceses são considerados os melhores?
Fotosearch
“Por mais raro que seja, ou mais antigo, só um vinho é deveras excelente: Aquele que tu bebes, docemente, com teu mais velho e silencioso amigo” Mario Quintana
80
Os vinhos franceses são ícones. A qualidade dos vinhos depende muito de onde eles vem, e determinados locais da França, por exemplo, Bordoux, Borgonha, foram agraciadas com um solo extremamente bom, ou seja, o vinho para ser bom é derivado de um conjunto de fatores como o solo, o clima, quantidade de sol e de chuva por ano. Tudo isso faz com que as uvas tenham uma qualidade superior aos outros, mas é claro que não só na França se faz vinhos muito bons. Em alguns lugares de Portugal e da Espanha também são fabricados ótimos vinhos, mas a França sempre se impôs comercialmente no mercado de vinhos e conseguiu vender para o resto do mundo. Alguns vinhos franceses são extremamente caros, por serem produzidos em menor quantidade, ou seja, quantidade não é qualidade, por isso, ao comprar um vinho é preciso verificar não apenas a quantidade e sim a qualidade que é o mais importante. Porque os brasileiros veem somente os vinhos franceses como bons vinhos?
A história do vinho é antiga, que vem evoluindo juntamente com a civilização. Desde os tempos mais primórdios sabemos que o vinho faz parte da mesa do homem. Vamos entender o porquê de todo esse sucesso. Abordaremos nesse capítulo, a arte chamada vi-
Eu acho que vem de um desconhecimento. A maioria dos brasileiros não conhece a cultura e os vinhos a fundo. Acreditam que todos os vinhos franceses são os melhores, ou seja, as pessoas que não conhecem muito bem os tipos de vinhos acabam escolhendo os que estão na moda por serem caros ou venderem mais. Espero que chegue o dia que o brasileiro não olhe mais tão para “fora” de nosso país e valorize nossos produtos, que são tão bons ou melhores que os importados. Mas não é culpa do povo, pois antigamente não existiam exportações aqui no país. Sabendo disso, a indústria brasileira de vinho, que não tinha concorrentes estrangeiros, não se preocupava, pois o brasileiro teria que comprar vinhos nacionais. Hoje em dia é diferente, pois a partir do momento em que há concorrência, a tendência é melhorar cada vez mais.
astronomia francesa: Entre pães, vinhos e queijos
Como é feita a arte da degustação do vinho? A degustação de vinhos é feita visual, olfativo e gustativamente. Os vinhos franceses são complexos de entender por terem muitos aromas e muitos sabores. Vinhos de guarda, o que quer dizer que são vinhos que evoluem de acordo com o tempo, quanto mais velhos melhor. O grande problema é que hoje em dia, é difícil ver vinhos que fiquem guardados por tanto tempo, pois o clima está mudando e com isso, vem à mudança nos vinhedos. A França é o local que mais vai sofrer com as mudanças climáticas. Há alguma combinação que case perfeitamente com os vinhos? O vinho, não apenas na França, mas em toda a Europa, é uma cultura de mesa. É considerado um alimento e não apenas uma bebida, e está presente em todos os momentos, comemorações ou não. Um exemplo dessa prática é que na Europa um refrigerante é mais caro que um vinho comum. Você tem alguma dica de vinhos franceses acessíveis ao público, que sejam bons, mas não muito caros? Duas opções são: o Barão de Arenhaque e JPchene. Na França esses vinhos são dois dos mais vendidos, e aqui no Brasil a faixa de preço é de aproximadamente R$ 30,00. Muitos vinhos franceses são raros e exclusivos de colecionadores, que vão para leilão, e não são vendidos aqui no Brasil. Esses dois que citei são vendidos aqui há muito tempo e tem um preço bem acessível. Há muita diferença na preparação dos vinhos franceses para os brasileiros? Sim, pois na França eles foram agraciados por uma condição meteorológica diferente, solos diferentes, águas diferentes. Talvez por isso, eles não tenham que investir tanto nessa preparação, é algo mais natural. Aqui é diferente, pois temos que preparar todo o solo para o vinhedo, preparar as máquinas e todo esse processo para obtermos uvas melhores. O maquinário que nós temos aqui, não existe em alguns
países, pois a tecnologia e o dinheiro que nós investimos são superiores aos da França que, por exemplo, usa materiais artesanais e métodos mais antigos para a fabricação do vinho. O Brasil consegue obter vinhos tão bons quanto os franceses? Mesmo com toda essa tecnologia para termos vinhos à altura dos franceses, não conseguimos superálos na fabricação de vinhos. O sabor do vinho reflete a terra. Nenhum grande vinho é feito igual em dois países, essa é a graça do vinho, o fato do vinho refletir o local, o país e a sua cultura. É como se você viajasse para vários países através da degustação dos vinhos. Dê uma dica para quem não entende sobre vinhos e quer comprar ou presentear alguém. O tem que levar em conta em primeiro lugar? Os vinhos franceses são divididos em regiões, como Champagne, Borgonha, Bordoax e cada um têm uma espécie de endereço, ou seja, uma região. Por isso, quanto menor for esse endereço escrito no rótulo, mais caro o vinho será. Outra dica é descobrir o estilo que você deseja no vinho, pois cada vinho tem um estilo diferente. Sabendo essas informações dá para comprar um ótimo vinho para cada ocasião. Uma dica é pesquisar mais sobre os vinhos em livros ou até mesmo na internet, as regiões de cada produtor e descubra qual o seu estilo de vinho. Fotosearch
G
81
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Fotosearch
Queijos - Fechando a trilogia do prazer, vamos falar de outra iguaria que os franceses entendem e muito: Queijos. De leite de vaca, de cabra ou de ovelha, na França é mais que costume ter na mesa o trio: queijo, vinho e pão. Mas vamos entender a partir de agora, um pouco mais sobre esse laticínio tão adorado no mundo todo.
elemento fundamental para a fabricação do queijo, é uma substância extraída do quarto estômago dos bezerros não desmamados. Em sua formação também há fermento e bactérias apropriadas para produzir odores, texturas e sabores desejados, além do sal e alguns corantes. Como é feito há muito tempo, a produção do queijo tem seis fases fundamentais e, como todos sabem, a maioria dos queijos são produzidos a partir do leite pasteurizado que é elemento obrigatório em muitos países, já em regiões demarcadas onde a produção do leite atende as exigências mínimas de higiene, esse processo é descartado.
Classificação dos queijos
Fabricação do queijo O que as pessoas não imaginam é que o coalho, o
1. Cremosos Requeijão cremoso, Petit-Suisse, Boursin (queijos preparados à base de ricota, requeijão cremoso, especiarias). 2. Moles
● Não maturados (no popular, não amadurecidos): Minas frescal, Ricota fresca, Quanirolo, Requeijão fresco.
Fotosearch
82
Os queijos já existem desde o início das civilizações, nada menos que há 12 mil anos antes de Cristo, num período conhecido como paleolítico superior e segundo a lenda, o queijo teria sido descoberto por um dos filhos de Apolo, Aristeu, Rei da Acardia. O nome queijo tem origem no latim popular “Caseu”. Já o nome Fromage como é chamado em francês, vem de “Fromaticus”, queijo em forma. Obtido através da coalhada, o queijo toma forma quando a principal proteína do leite se acumula após-sofrer a ação de um agente coagulante. O início, o queijo se deu com a tentativa de conservação do leite, mas exposto ao sol, transformouse em coalhada. Segundo se sabe, os primeiros tipos de queijos foram descobertos ao acaso, na tentativa de modificar ou adaptar certos queijos de diferentes regiões. A França é considerada um local ideal para a fabricação de ótimos queijos, em função do clima favorável e das ricas pastagens que permitem as melhores condições de criação de animais – vaca, ovelha e a cabra; que fornecem o leite para a produção da arte da queijaria.
Fotosearch
Os queijos se dividem em oito tipos. São eles:
G
astronomia francesa: Entre pães, vinhos e queijos
● Maturados e com o mofo na superfície: Brie, Camembert, Coulommier e Valençay, Chabichou (ambos de cabra da região do Vale do Loire).
7. Processados (pasteurizados) Fundidos em geral, são uma mistura balanceada de diversos tipos de queijos, adicionados ou não de água, manteiga, ou creme, além de saborizantes que permitem que sejam oferecidos em dois tipos de queijos fundidos: em blocos e cremosos, sendo comercializados em fatias, porções, em copos (quando espalháveis) ou em versões pré-preparadas para fondue.
3. Semi-Moles Maturados e com microorganismos na superfície: Port-Salut, Limburgo, Saint-Paulin (Alemão), Tilsit. ● Maturados e com mofos no interior: Roquefort, Gorgonzola, Danablu, Bleu D’auvergne, Bresse-Bleu.
Fotosearch
●
8. Outra classificação de queijos é: ● Queijos leves/suaves: Estepe, Reino, Minas, Requeijão, Tilsit.
Fotosearch
● Maturados com leite tratado: Gouda, Itálico, Esférico, Estepe, Edam.
Maturados sem tratamento: Prato, Minas prensado, Minas curado. ●
Fotosearch
4. Semi-Duros
83
● Com olhaduras típicas: Gruyère, Ementhal, Comté, Reino, Colônia, Uruguaio.
● Queijos médios: Camambert, Gruyére e Sainte-
Maure, Valençay (de cabra e de cheddar).
● Sem olhaduras: Cheddar, Provolone, Colônia Gaúcho.
Fotosearch
Parmesão, Pecorino, Sardo, Sbrins, Grana, Romano.
6. Filados Mussarela, Provolone, Cacio Cavalo, Provola.
Fotosearch
5. Duros
Queijos fortes: Port Salut, Limburgo Gorgonzola, Brie, Provolone, Ementhal. ●
Conservação dos queijos: O queijo é considerado um alimento vivo, e é assim que devemos tratá-lo, com a temperatura ideal: muito elevada acelera sua transformação, muito baixa diminui “a afinação”. Para a espera do consumo, um local ideal para guardar o queijo é um lugar fresco, sombreado e arejado e uma boa dica é guardá-los na gaveta dos legumes na geladeira, onde o frescor fica concentrado em um local só, gelando o queijo por inteiro. Mas para consumo, o melhor é tirar o queijo uma hora antes da geladeira para que eles fiquem macios e tenham o seu aroma de volta.
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Para melhor consumo: Os queijos podem ser apreciados todos os dias do ano, mas há certos tipos de queijos que tem época certa para melhor degustação. Os queijos se desenvolvem melhor, com aroma e gosto em determinadas épocas do ano. No inverno e na primavera: Os queijos frescos de ovelha, os “meios salgados”, os Vacherins da Jura e de Savoia, os queijos suaves. Na primavera e no verão: Os queijos frescos de cabra, o Reblochon, e o Bresse azul (tipo gorgonzola). No verão e no outono: Os queijos “cinzentos” (tipo Valençay, bem maduro) os queijos azuis, o Saim-Nectaire, Roquefort, o “queijo da Savoia da montanha (serra). No outono, inverno e primavera: Os grandes clássicos: Brie, Camembert, Livarot. Fotosearch
84
Melhores combinações: O queijo por si, já é considerado alimento para os franceses. Comê-lo entre uma refeição e outra já faz parte da rotina de muitos, mas há sempre aqueles alimentos que casados com o sabor do queijo fazem sua refeição ser ainda melhor. Abaixo está uma tabela com dicas: QUEIJOS ACOMPANHAMENTOS Cremosos
Nozes, avelã, pistache, gergelim, alho, rabanete
PÃO Sueco
VINHO Branco leve
Torrada Branco seco
Brancos frescos
Azeite, azeitona, orégano, ameixa preta
Branco
Brie, Camembert
Maçã, amêndoas, agrião
Integral
Tinto leve Pepino, tomate salada, Branco seco Feta, Minas e melancia, cenoura ralada Integral Meia cura Tinto leve mais coro ralado Tomate maduro, alcaparras, Mozzarella orégano, mangericão, azeite, Italiano Tinto azeitona Ementhal Maçã, pêssego Baguette Chardonnay Integral Branco azeite, azeitona, castanha de leve Cabra fresco frutado caju, salada Baguette Vollkorn Nozes, pecan, pêra, figo Brot Tinto seco Requeijão fresco ou seco Centeio Sueco Tinto Cabra Maçã, amêndoas, agrião Integral frutado fermentado leve Italiano Tinto
Baguette Italiano Provolone
Gorgonzola Roquefort
Durante todo o ano: Os queijos brancos frescos, os azuis, os queijos de massa dura e semi-dura (Emmenthal, Comté, Cantal, Saint-Nectaire), os de massa fundida (queijos fundidos).
Blue
Manteiga, avelã, damasco seco
Integral forte Centeio Integral
Pêra, ameixa preta, azeite, acelga, salsão ou
Centeio
Frutas secas, pecan, bananas Integral sem sal
Tinto encorpado Tinto envelhecido, Porto, Branco encorpado
Parmesão Grana Padano
Integral forte Nozes, macadâmia, salada
Centeio
Pecorino Italiano Cantal
Tinto envelhecido
astronomia francesa: Entre pães, vinhos e queijos
Para encerrar a famosa “Trilogia do Prazer”, vimos o quanto é importante não apenas para os franceses, o queijo, o vinho e o pão. É claro que nem só de pão, queijo e vinho vive a França. Há também doces, sopas, salgados entre inúmeros pratos deliciosos. Mas com o que falamos nessas páginas dá para ter uma grande ideia de como é a gastronomia francesa. Vamos falar de duas pessoas entendedoras dessa arte chamada gastronomia francesa, e nas próximas páginas, você caro leitor, irá descobrir dois grandes Chefs. Um é francês de nascimento, o outro é brasileiro, que nutre uma paixão incondicional pela França.
Grandes chefs
Marisol Machado
Paulo Machado Esse jovem Chef, nem sempre quis cozinhar como profissão. Formado em Direito e Pós-graduado em Direito Ambiental pela PUC-SP, resolveu mudar da “água para o vinho”, literalmente. Após quatro anos de sua formação como advogado, decidiu seguir os passos para torna-se Chef de Cozinha, iniciando seus trabalhos no salão do restaurante paulistano Julia Cocina e, posteriormente, na cozinha do Empório Siriúba. Já em 2005, Paulo ingressa no curso de Gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi. Em 2006, surge a oportunidade de fazer uma viagem para se especializar em gastronomia francesa e estudar no Institut Paul Bocuse, em Lyon, na França, onde teve uma das maiores experiências de sua vida. Aprendeu, não só a língua francesa, mas viu de perto o modo como os franceses vivem a gastronomia. Além de aprender sobre esse país tão fascinante, Paulo aprendeu como valorizar a cozinha brasileira e os ingredientes exclusivos do Brasil. Paulo passou em sua carreira por diversos estágios em cozinhas nacionais como Carême Bistrô, coman-
dado pela chef Flávia Quaresma, no Rio de Janeiro; Casa Europa, comandado pelo chef Raúl Fuentes, em São Paulo e internacionais Season – IPB, em Lyon, na França, Martin Berasategui (três estrelas Michelin), San Sebastián, na Espanha, Bar Uriarte, comandado pela chef Julieta Oriolo, em Buenos Aires, na Argentina. Em junho de 2008, concluiu o curso de Gastronomia na Universidade Anhembi Morumbi e também participou do I Concurso Colavita e Anhembi Morumbi que foi inspirado na culinária da região da Toscana. Juntamente com a aluna também de gastronomia Vera Lúcia de Almeida, Paulo ganharam o 1º lugar. Atualmente trabalha fazendo pequenos eventos como personal chef e mantém o blog www.chefpaulo.zip.net. Além de tudo isso, leciona as matérias “Cozinha Brasileira e Cozinha das Américas” e é Supervisor de Pesquisas em Gastronomia Brasileira da Universidade Anhembi Morumbi, sob coordenação do Prof. Dr. Ricardo Maranhão. Chef Henri Schaëffer Francês, o chef diz que não escolheu o Brasil, mas que nós brasileiros o escolhemos. Atual pâtisserie do restaurante Le Vin, localizado em São Paulo, diz que a gastronomia está em sua essência. Desde pequeno acompanhava sua mãe na cozinha, sempre muito atento a tudo o que ela fazia. Quando pôde escolher o que faria na vida, não teve dúvidas, afinal, cozinhar sempre foi sua paixão. Schaëffer, que tem 10 anos de experiência profissional em restaurantes franceses estrelados como Les Delices de Daudet, L´oustau de Baumaniere, Cabro D´or, Pâtisserie Boitel e Pâtisserie Au Pierrot Blanc, nos conta que aqui no Brasil, as pessoas de menor poder aquisitivo ficam assustadas ao olharem a vitrine de sua pâtisserie, mas que ao entrarem descobrem preços acessíveis a qualquer um: “Esse é o segredo, a doceria é para todos os bolsos, não tem frescuras, é simplesmente doce e amor”, finaliza.
85
Reprodução
G
Capítulo VI Edith Piaf Entre canções e mitos
Intervenção Artística na fotografia "Edith Piaf" do fotógrafo Gjon Mili
E
dith Piaf: Entre canções e mitos quase cinematográfica, nos fazendo pensar no velho
Sob os holofotes de um poste, nasce uma estrela
dilema, será mesmo a vida que imita a arte, como nos Douglas Alves
dizia Oscar Wilde? De fato, tudo que será relatado a partir de agora,
Em 19 de dezembro de 1915, paradoxalmente sob
não tem nenhuma amarra cientifica, e nenhum com-
a luz de um poste como dita a lenda, na Rue de Belle-
promisso com uma verdade mais lógica e engrava-
ville 72, no 20º distrito de Paris, nascia Edith Giovan-
tada, o contrário sim, minha única missão ao deitar
na Gassion, mais conhecida como Edith Piaf. Lenda,
aqui a pouco que sei sobre essa diva, é diluir com as
aliás, que permeou toda a trajetória dessa cantora in-
certezas das pessoas que nunca duvidam, e acreditam
crível, cujas canções atravessaram gerações e encon-
sempre no lado possível das estórias. Se procurares a
tram eco, nos dias de hoje, nas vozes de uma nova
verdade, te digo logo, aqui só vai encontrar a inven-
safra de cantoras francesas talentosas.
ção, a lenda, e tudo aquilo que pode ter sido na falta
Reprodução
de certeza de saber o que realmente foi. Edith Piaf nasceu num bairro de classe média trabalhadora e sua infância foi pobre e solitária. Filha de Louis Alphonse Gassion, que ganhava a vida como acrobata de rua, e como todo artista de rua, passava a maior parte do tempo se dedicando ao oficio, e de Line Marsa, pseudônimo usado por sua mãe para se Life
89
Rue de Belleville - Paris/França
Talvez se configure impossível falar sobre Piaf sem ser acometido pela dúvida e a incerteza do que foi e do que representa essa artista que viveu uma vida Edith Giovanna Gassion - 1920
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Reprodução
apresentar como cantora nos cabarés, onde passava também a maior parte do dia e da noite, deixando a pequena Piaf aos cuidados da avó argelina, Aicha Kabyle. Reza a lenda, que essa avó, alimentava muito mal a menina, chegando a ponto de misturar vinho tinto a mamadeira da garota. Logo veio a Primeira Guerra Mundial, afastando ainda mais o já ausente Alphonso, depois foi à vez de a mãe abandonar a menina a sua própria sorte para ganhar a vida cantando nas esquinas antes que a guerra acabasse. Assim viveu por dois anos a pequena garota que anos mais tarde se consagraria como uma das maiores cantoras francesas de todos os tempos, largada ao esmo, vivendo com outras crianças na mesma condição que ela. Depois de dois anos, voltando da guerra, o pai resolveu mandar a pequena para a Normandia, nas pro90
Santa Teresa Lisieux
ximidades da cidade de Bernay, onde a avó paterna
na qualidade de vida que passava a ter morando com
Mme. Louise dirigia um bordel.
sua avó no bordel. Piaf em sua nova casa passava a
E foi justamente nesse ambiente, onde Edith vi-
se alimentar bem e a frequentar a escola, no entanto,
venciou dias melhores, mas como todas as trajetórias
um problema começava a preocupar sua avó Mme.
e vidas que nos remetem a um enredo cinematográ-
Louise. A menina em fase de crescimento, começava
fico precisam de mais emoções e problemas, uma in-
a escutar e entender o que acontecia no bordel.
flamação na córnea, chamada ceratite, tirou-lhe par-
Foi a partir disso, dessa preocupação, que Mme.
cialmente e temporariamente a visão. Depois de che-
Louise, aconselhada pela cura local, convenceu
garem a um diagnóstico, os médicos recomendaram
Aphonse a retomar a guarda da filha.
que a menina se alimentasse melhor e que passasse a
Obrigada a retornar a Paris, Piaf teve que abando-
cuidar mais da higiene pessoal, para que assim, esses
nar um mundo, pelo qual, passava a tomar gosto, por
esforços e cuidados somados ao passar do tempo, pu-
ser essa nova vida mais condizente com o universo
dessem lhe curar.
vivenciado por meninas da mesma faixa etária.
A cura para a cegueira de Piaf veio depois de al-
A velha agrura e solidão que norteou a vida da
guns anos, de forma espontânea, porém, as pensio-
pobre garota e que havia ido embora, voltava a fazer
nistas de Mme. Louise acredita e credita a cura a San-
parte de seu cotidiano. Acompanhando o pai nos es-
ta Teresa Lisieux, que segundo elas, teria operado um
petáculos de rua, a menina recolhia as moedas que
milagre devolvendo a visão à pequena Piaf.
lhes eram oferecidas ao final de cada apresentação.
O único fato concreto que permeia essa passa-
Nesse ciclo vicioso impróprio para uma criança
gem da vida da garota é uma melhoria significativa
daquela idade, a menina atravessou o país inteiro du-
E
dith Piaf: Entre canções e mitos
Life
ciente para lhes conceder uma vida confortável, pelo contrário, o que conseguiam através de seus ofícios mal dava para pagar o aquecimento. Para piorar a situação, embora os três não dispusessem de condições financeiras nem para o próprio sustento, no ano de 1933, Piaf engravidou de sua primeira filha, a quem deu o nome de Marcelle, apelidando-a mais tarde de Cécelle. Pouco tempo depois, Edith e Louis se separam, e o pai levou a criança, deixando Piaf novamente apenas aos cuidados Momone, essa separação somada a uma depressão decorrente de uma vida marcada pelo sofrimento e pela solidão, fez com que ambas pensassem em se matar. Reza a lenda que no ano de 1935, numa noite em que Momone e Piaf pensavam em acabar com as próprias vidas, reapareceu como que enviado dos céus para evitar tal tragédia P’tit, evitando que o pior Simone Berteaut
rante dois anos, que deixariam marcas profundas na adulta que viria se tornar posteriormente.
acontecesse. Mas infelizmente, tudo que permeia a vida de Piaf vem carregado de uma carga no mínimo dra-
Quando completou 15 anos, começou a perceber
mática, e a volta de P’tit Louis não se configurou
o talento e a belíssima voz da qual dispunha, então
única e exclusivamente bem vindoura. Louis retor-
abandonou seu pai nas apresentações de rua e, pas-
nava trazendo uma notícia triste e preocupante, mas
sou a se apresentar em dupla com sua nova amiga
que por ironia do destino, fez com que Piaf tirasse
Simone Berteaut, mais conhecida como Momone.
forças do âmago da alma, para lutar por uma de suas
E foi justamente essa amiga, conhecedora de todos
paixões, a filha.
os meandros que envolvem a vida noturna da Paris
A pequena Cécelle estava quase a morrer, acometida
marginal, que arrastou Piaf para as ruas, onde passa-
por uma forte meningite, acabou não resistindo, e mor-
ram juntas a ganhar a vida com as poucas moedas que
reu enquanto Edith corria com a menina a caminho do
lhes eram atiradas pelas janelas quando os moradores
hospital. Cécelle morreu com 2 anos e cinco meses de
ouviam a bela voz da agora jovem Edith Piaf.
idade, e a já vivida Piaf, recebeu a morte de sua primeira
Ao completar 17 anos, em 1932, Edith se apai-
filha com apenas 19 anos e seis meses de vida.
xonou por Louis Dupont, também conhecido como
Dizem que Piaf, para pagar o funeral da filha, ten-
P’tit Louis em Belleville onde instalou em meio às di-
tou e se submeteu a prostituição, porém, o cliente sen-
ficuldades financeiras Piaf e Momone num quartinho
sibilizado com a situação de uma mãe desesperada e
de hotel barato.
angustiada, apenas ofereceu a quantia sem exigir nada
O dinheiro que ganhavam não se configurava sufi-
em troca.
91
rança: Um passeio pela arte e cultura
Reprodução
F
O vôo do Pardal Do anonimato ao estrelato Em sua primeira apresentação no cabaré Le Gerny’s, vestindo um simples e despretensioso vestidinho preto, do alto de seus 1,47 de altura, Piaf encantou a todos com sua poderosa voz e com sua interpretação carregada de emoção e beleza. A partir de então, passava a ser conhecida como “La Môme Piaf ”, que significa, na gíria, pardalzinho, apelido esse criado por Leplée, por ver em Piaf uma equação envolvendo a fragilidade física e a voz poderosa típica da ave. Com a morte de Cécelle, Edith Piaf voltou a cantas nas ruas, nos cafés e praças nas proximidades de Belleville, e paulatinamente, em locais próximos aos cabarés de Pigalle, quando numa tarde de outuno,
92
ainda em 1935, enquanto cantava na esquina da Rua Troyon com a Avenida Mac Mahon, próxima à Place de l’Étoile, em meio a vento forte e a muito frio, o destino colocou mais uma vez na vida da cantora um Louis, só que dessa vez, Louis Leplée, diretor do elegante cabaré Le Gerny’s, situado na rua Pierre Charron, 54, na famosa Champs Elysées. Impressionado com a belíssima voz que emanava daquela criatura pequena ornada de fragilidade, Louis Leplée, que era sobrinho de Polin, um cantor de sucesso da época, e tinha certo prestígio na vida noturna parisiense, de imediato convidou Piaf para passar por um teste como cantora. A grande chance enfim surgira, e o nervosismo tomava conta de Piaf, embora cantar fosse a única coisa que ela acreditava saber fazer bem na vida. Depois de uma hora de atraso, hesitante e nervosa, acabou soltando a sua voz e conquistando Leplée que a contratou por 40 francos por noite.
La Môme Piaf, inaugurou uma nova fase na música francesa, levando as canções de rua para os cabarés, e fazendo com que a elite se apaixone por suas músicas, Life
Rua Troyon com Avenida Mac Mahon
E
dith Piaf: Entre canções e mitos
Life
aplaudindo de pé, uma mulher que a bem pouco vivia nas ruas. Foi por intermédio dela também, que a música de rua, passava a ocupar espaço nas rádios de todo o país. A primeira a tocar a música de Piaf, foi a Rádio Cite, a convite de Jacques Canetti, a nova sensação da música francesa, cantava ao vivo e era também entrevistada. A sofrida Piaf, finalmente encontrava um pouco
sempre, a alegria que se instaurou em sua nova vida,
de paz, e se realizava fazendo aquilo que fazia de me-
se fez valer também do ditado, indo embora com a
lhor, cantar. Era o inicio de uma nova vida, diferente
morte de Leplée, seu amigo, e principal incentivador.
de tudo que havia presenciado até então. Começava
Sim, a tristeza e as dificuldades de se viver pare-
a ser apresentada a pessoas conhecidas no meio ar-
ciam ter achado recanto na vida de Piaf, que teve que
tístico, como o poeta Jacques Bourgeat, com quem
se acostumar com mais essa perda.
passou a ter uma relação muito boa.
La Môme Piaf, como Leplée a chamava, tinha ago-
Leplée começava a fazer com que La Môme Piaf
ra que prestar contas a polícia, pela morte do amigo,
ficasse conhecida no meio artístico, decidiu apresentá-
que como tudo indica, tenha sido assassinado, e a
la também as gravadoras e no ano de 1936, saia “Les
motivação do crime talvez tenha sido passional suge-
Mômes de la cloche”, título do seu primeiro álbum
rida pela sua homossexualidade.
em 78 RPM, que em português significa “Os cantos do passarinho”. Depois desse trabalho, muito bem recebido e elogiado por todos, seguiram os seguintes discos:
Semanas a fio a imprensa não saia do encalço de Piaf, que passava a ser centro das atenções não por sua belíssima música, mas sim pelo escândalo que envolvia a morte de Leplée.
“Lês hiboux”, “La fille et le chien”, “Reste”, “Je
Desde a primeira apresentação no Lê Gerny’s, até
suis mordue”, “Mon amant de la coloniale”, de
a morte de Leplée, já haviam se passado seis meses,
Raymond Asso e Marguerite Monnot e “La jolie
onde Piaf deixara para trás uma vida de moleca de
Julie”, entre outros.
rua, para se transformar em notícia.
Tudo acontecia em perfeita harmonia, como num
Com vinte anos de idade, a jovem cantora acos-
conto de fadas, Piaf passeava por uma vida diferente,
tumada com as dificuldades em seu caminho, acabou
onde o infortúnio não lhe dava bom dia todas às ma-
superando o escândalo e, em poucos meses, retomou
nhãs, mas assim como não há tristeza que dure para
sua carreira musical, desta vez com o apoio de Ray-
93
F
rança: Um passeio pela arte e cultura Life
mond Asso, um ex-legionário que decidira se aventurar no universo das canções francesas e que de imediato, se impressionou e se encantou pelo cantar
94
A primeira coisa que Raymond Asso fez, agora trabalhando com Edith Piaf, foi tentar melhorar a maneira de se apresentar em público, a postura e o figurino da desajeitada moleca da periferia de Belleville. Raymond Asso No âmbito musical, foi também Raymond Asso em parceria com a compositora Margueritte Monnot, os responsáveis pela autoria do primeiro grande sucesso de Piaf, a canção “Mon Légionnaire”, que antes de ser gravada por Edith, já fazia parte do repertório de Marie Dubas. Se de um lado, Raymond Asso puxava Piaf para um profissionalismo que ela não conhecia até então, fazendo-a estudar, ensinado-a ler, escrever, se movimentar e a falar, de outro lado, quebrava todas as regras do bom profissionalismo e da ética se apaixonando por Piaf e fazendo com que essa paixão atrapalhasse no relacionamento dos dois.
O sucesso da agora Edith Piaf No ano de 1937, Piaf com a carreira já consolidada, abandona o nome artístico “La Môme Piaf ”, herança do falecido Leplée, e passa a se apresentar como Edith Piaf. Nesse mesmo ano as gravações de novos discos lhe rendem cada vez mais sucesso e alçam seu trabalho a um novo patamar, cantando no Lê Bobino, famosa casa parisiense, ao lado de nada mais nada menos que Jean Granier, cantor consagrado da época. A parceria com Raymond Asso, fez com que
La Môme Piaf - 1937
ela conquistasse o Rive Gauche, e chegasse até o “ABC”, o music hall parisiense de maior prestígio, proporcionando um sucesso e um conhecimento por parte do público, que passava a comprar seus discos, fazendo com que o mercado cultural passasse a girar em sua órbita. Convites para o cinema, onde apareceu em “La garçonne”, programas de rádio, apresentações em palcos parisienses e até mesmo uma turnê pela Bélgica, tudo conspirava a favor de Edith Piaf, que via sua carreira decolar de forma surpreendente. Mesmo com todo o glamour que se criava em torno de sua aura artística, era no palco que cantando sem microfone que Edith Piaf continuava a brilhar, a seduzir e encantar com sua voz terna Cartaz do Filme La Garçonne e melancólica, com seus graves, agudos e vibratos que pareciam não emanar daquele corpo tão delicado e pequeno. No mês de setembro de 1939, a guerra se instaurava e Raymond Asso era convocado para servir a seu país. Ainda nesse ano a canção “L’accordéoniste”,
Franco London Films
Reprodução
do pardalzinho.
E
dith Piaf: Entre canções e mitos
sucesso imediato assim que foi gravada, é entregue por Michel Emer, jovem que ela conheceu quando se apresentava na rádio Cite.
L’Accordéoniste (tradução) Edith Piaf Composição: Indisponível A dama da noite é bela Na esquina da rua abaixo Ela tem uma clientela Que completa suas necessidades Quando seu trabalho acaba Ela se vai por sua vez Procurar um pouco de sonho Num baile do subúrbio Seu homem é um artista É um pequeno rapaz alegre Um acordeonista Que sabe tocar a java Ela escuta a java Mas não dança Ela nem mesmo olha a pista E seus olhos amorosos Seguem o jogo nervoso E os dedos finos e longos do artista Lhe penetram na pele Por baixo, por cima Ela sente vontade de cantar É físico Ela está toda tensa Seu fôlego é suspenso É uma verdadeira louca pela música A dama da noite está triste Na esquina da rua abaixo Seu acordeonista Se tornou soldado Quando ele voltar da guerra
Eles terão uma casa Ela será a caixa E ele, será o chefe Como a vida será bela Eles serão verdadeiros paxás E todas as tardes para ela Ele tocará a java Ela escuta a java Que ela cantarola baixinho Ela revê seu acordeonista E seus olhos amorosos Seguem o jogo nervoso E os dedos finos e longos do artista Lhe penetram na pele Por baixo, por cima Ela sente vontade de chorar É físico Ela está toda tensa Seu fôlego é suspenso É uma verdadeira louca pela música A dama da noite está só Na esquina da rua abaixo Os homens não querem garotas Que pareçam infelizes E pior se elas ‘morrem” Seu homem não volta mais Adeus a todos os belos sonhos Sua vida se acabou Não obstante suas tristes pernas A conduzem a uma espelunca Onde um outro artista Toca a noite inteira Ela ouve a java Ela escuta a java Ela fecha seus olhos Os dedos secos e nervosos Vão até sua pele De baixo para cima
95
F Ela deseja gritar É físico E para esquecer Ela começa a dançar A girar ao som da música Parem! Parem a música! L’Accordéoniste Edith Piaf
96
La fille de joie est belle Au coin de la rue là-bas Elle a une clientèle Qui lui remplit son bas Quand son boulot s’achève Elle s’en va à son tour Chercher un peu de rêve Dans un bal du faubourg Son homme est un artiste C’est un drôle d’ p’tit gars Un accordéoniste Qui sait jouer la java Elle écoute la java Mais elle ne la danse pas Elle ne regarde même pas la piste Et ses yeux amoureux Suivent le jeu nerveux Et les doigts secs et longs de l’artiste Ça lui rentre dans la peau Par le bas, par le haut Elle a envie de chanter C’est physique Tout son être est tendu Son souffle est suspendu C’est une vraie tordue de la musique La fille de joie est triste Au coin de la ru là-bas Son accordéoniste
rança: Um passeio pela arte e cultura Il est parti soldat Quand il reviendra de la guerre Ils prendront une maison Elle sera la caissière Et lui, sera le patron Que la vie sera belle Ils seront de vrais pachas Et tous les soirs pour elle Il jouera la java Elle écoute la java Qu’elle fredonne tout bas Elle revoit son accordéoniste Et ses yeux amoureux Suivent le jeu nerveux Et les doigts secs et longs de l’artiste Ça lui rentre dans la peau Par le bas, par le haut Elle a envie de pleurer C’est physique Tout son être est tendu Son souffle est suspendu C’est une vraie tordue de la musique La fille de joie est seule Au coin de la rue là-bas Les filles qui font la gueule Les hommes n’en veulent pas Et tant pis si elle crève Son homme ne reviendra plus Adieux tous les beaux rêves Sa vie, elle est foutue Pourtant ses jambes tristes L’emmènent au boui-boui Où ‘y a un autre artiste Qui joue toute la nuit Elle écoute la java... ...elle entend la java ...elle a fermé les yeux ...et les doigts secs et nerveux...
dith Piaf: Entre canções e mitos
Ça lui rentre dans la peau Par le bas, par le haut Elle a envie de gueuler C’est physique Alors pour oublier Elle s’est mise à danser, à tourner Au son de la musique... ... ARRÊTEZ! Arrêtez la musique!...
Life
No ano seguinte, em 1940, conhece Paul Meurisse, ator francês elegante e reservado. Logo se apaixonou e passou a ter um romance com Paul que lhe ensinava a se portar em sociedade e deu um requinte sofisticado a sua educação. E foi com ele que Edith dividiu seu primeiro apartamento, visto que até então sempre havia morado em hotéis, na Rua Anatole de la Forge, 10, viveram por dois anos, até o fim do romance.
Paul Meurisse
A trajetória de Edith, de uma simples moleca de rua, transformada agora na “queridinha da elite intelectual francesa”, passava também pelas habilidosas mãos de Jean Cocteau, famoso dramaturgo e diretor
de cinema francês, que escreveu para ela e para Paul Meurisse, “Lê bel indifférent”, espetáculo que revelou o enorme talento que Piaf tinha também para o palco. Dessa parceria envolvendo Cocteau, Piaf e Paul Meurisse, surgiu também o filme “Montmartre sur scène”, protagonizado por Piaf e Meurisse, e foi justamente nos sets de filmagem que teve fim o romance dos dois. Findado o relacionamento com Meurisse, Piaf logo em seguida começou a namorar Henri Contet, jovem compositor talentoso, que já havia escrito diversas músicas para que ela interpretasse, das quais podemos destacar a belíssima canção “C’est merveilleux”. O jovem compositor, que era também assessor de imprensa e jornalista contratado do “Paris-soir” e do “Cine Mondiale”, conheceu Piaf ainda nos sets de filmagem de “Montmartre”. Em 1942, devido a Ocupação, Edith Piaf se mudou junto com Momone para a Rua Villejust 5, onde Madame Billy instalara em 1941 o “L’Etoile de Kleber”, uma famosa e discreta casa de rendez-vouz, Edith permaneceu residiu no local por dois anos, e manteve relacionamento com um pianista judeu chamado Nobert Glanzberg, e reza a lenda que ela fez isso apenas para provocar Henri Contet. Já em 1944, aos 29 anos, no auge da fama em seu país, ela começou a se fazer valer do prestígio e da posição que ocupava, para impulsionar a carreira de novos talentos da música francesa, e nesse mesmo ano conheceu Yves Montand, jovem cantor de Marselha, que a encantou através do seu charme tranquilo, e do jeito de astro de cinema.
97 Life
E
rança: Um passeio pela arte e cultura
Life
F
Yves Montand
Life
Passou então a se dedicar à carreira do jovem cantor, lapidando-o e submetendo Montand aos mesmos processos que fizeram dela não só uma grande cantora, mas também uma artista capaz de dominar todas as nuances que envolvem a postura de palco. Montand e Piad juntos estrelaram o filme “Etoîle sans lumière”, se transformando numa das duplas de atores mais famosas da obra de Marcel Bilstène. Bup Française
98
O tempo foi passando, e as canções de Piaf tinham perdido o fulgor de outrora, e o sucesso já não vinha com a mesma facilidade e velocidade de antes, o que fez com que a Edith trocasse a gravadora Polydor pela Pathé. Junto com o sucesso, foi embora também o encanto que a fazia gostar de Montand, culminando assim no fim do romance. A troca de gravadora fez bem para a carreira de Piaf, pois, foi através da Pathé que ela conheceu o grupo “Les Compagnons de la Chanson”, com quem gravou as seguintes canções: “Dans les prisons de Nantes”, “Lê roi a fait battre tambour” e “Les trois cloches”, músicas essas que obtiveram um sucesso imediato, vendendo milhares de discos em toda a França.
Grupo Les Compagnons de la Chanson
A parceria se estendeu quando Piaf convidou seus novos amigos e parceiros musicais para acompanhála em sua primeira turnê pelos Estados Unidos, no ano de 1947. Um ano antes dessa turnê, Piaf havia gravado uma série de canções que ficariam gravadas para sempre na história da música francesa, mas em especial, uma canção que seria a marca maior de sua carreira, a belíssima “La vie em rose”, composição de Piaf em parceria com Louiguy. Etoile Sans Lumiére, filme estrelado por Edith Piaf
E La Vie En Rose Edith Piaf
dith Piaf: Entre canções e mitos
Quando ele me toma em seus braços ele me fala baixinho
Des yeux qui font baiser les miens, Un rire qui se perd sur sa bouche, Voilà le portrait sans retouche De l’homme auquel j’appartiens [Refrain] Quand il me prend dans ses bras Il me parle tout bas, Je vois la vie en rose. Il me dit des mots d’amour, Des mots de tous les jours, Et ça m’fait quelque chose. Il est entré dans mon coeur Une part de bonheur Dont je connais la cause. C’est lui pour moi, Moi pour lui dans la vie, Il me l’a dit, l’a juré Pour la vie. Et dès que je l’apercois Alors je sens en moi Mon coeur qui bat
Vejo a vida cor-de-rosa Ele me diz palavras de amor Palavras de todos os dias E isso me toca Entrou no meu coração Um pouco de felicidade Da qual eu conheço a causa É ele pra mim, eu pra ele Na vida, ele me disse Jurou pela vida E desde que eu percebo Então sinto em mim Meu coração que bate Noites de amor que não acaba mais Uma grande felicidade que toma seu lugar Os aborrecimentos e as tristezas se apagam Feliz, feliz até morrer
Des nuits d’amour à plus finir Un grand bonheur qui prend sa place Des ennuis des chagrins s’effacent
Quando ele me toma em seus braços
Heureux, heureux à en mourir.
Eu vejo a vida cor-de-rosa
La Vie En Rose (tradução) Edith Piaf
Ele me fala baixinho
Ele me diz palavras de amor Palavras de todos os dias E isso me toca
Olhos que fazem baixar os meus Um riso que se perde em sua boca
Entrou no meu coração
Ai está o retrato sem retoque
Um pouco de felicidade
Do Homem a quem eu pertenço
99
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Da qual eu conheço a causa´ É ele pra mim, eu pra ele Na vida, ele me disse Jurou pela vida
ra, finalmente ela podia se gabar de ser uma cantora conhecida dos dois lados do Atlântico. Piaf passou a fazer turnê nos Estados Unidos com certa frequência, e foi justamente em uma de suas apresentações que ela conheceu o boxeador Marcel Cerdan, por quem se apaixonou. Life
E desde que eu percebo Então sinto em mim
Life
Meu coração que bate
100
Superado o momento de declínio, Piaf partiu em turnê em território americano onde não obteve o sucesso esperado, apesar do sucesso na França, o estilo melancólico da cantora que não foi prestigiada como se esperava em suas primeiras apresentações no cabaré Playhouse em Nova York. Mesmo depois desse revés, desanimada e descontente com a repercussão do seu espetáculo em solo americano, Piaf não optou por voltar para Europa, onde o status e o sucesso a chamavam, tudo graças a uma matéria que saiu em um jornal nova-iorquino, onde o jornalista fazia uma crítica bastante positiva sobre suas apresentações e sobre seu trabalho. O sucesso não demorou a chegar, contratada por uma semana pelo Versailles, um cabaré elegante de Manhattan, ela conseguiu a rendição do público quando interpretou “Milord”, no estilo americano de se cantar, despertando o interesse do público em geral, e fazendo com que diversas celebridades e fossem assisti-la, nomes como: Charles Boyer, Henry Fonda, Bette Davis, Orson Wells e muitos outros. O que era pra ser uma semana se estendeu por quatro meses, e um dos sonhos de Piaf se concretiza-
Marcel Cerdan
Marcel Cerdan era casado e tinha filhos, fatos esses que constrangiam Piaf, que tentava perante o público manter o romance apenas na esfera da amizade, no entanto, a mídia sensacionalista se encarregou de divulgar o relacionamento de dois usando a seguinte manchete: “Rainha da música Francesa e Rei do Ring”, para os jornais um romance perfeito. Essas afirmações dos jornais da época, não encontravam eco na opinião do irmão e do treinador de Cerdan, ambos acreditavam que Piaf fazia mal a vida familiar do cantor e principalmente, a carreira esportiva, pois os padrões de vida da cantora, não condiziam com os padrões de vida que um esportista deve ter. Logo os jornais sensacionalistas aproveitaram esse viés, quando Cerdan sofreu sua primeira derrota, atri-
E
dith Piaf: Entre canções e mitos
Life
buindo à culpa da mesma a vida desregrada que o lutador passou a ter ao lado de Piaf. Apesar dessas opiniões tendenciosas dos jornais, que se pautavam mais na polêmica do que na razão, a carreira de Piaf seguia inabalável, bem como a carreira de Cerdan, e ambos eram tidos pela população como o casal perfeito. De um lado o gentil e soberbo campeão arrancado pela glória do seu Marrocos para ganhar o mundo, e de outro lado a pequena e frágil garota que vivia a correr pelos subúrbios de Paris, e que agora conquistava o mundo com uma voz linda e sedutora. Piaf estava perdidamente apaixonada por Cerdan, e via nele uma segurança que jamais havia encontrado em outro homem, e esse amor fez com que ela dedicasse a ele um de mais belas canções “L’hynne à l’amour”, canção Edith Piaf e Marcel Cerdan essa escrita em parceria com a compositora francesa Margueritte Monnot. A canção foi apresentada pela primeira vez no Versailles, e se mostra carregada de um tom premonitório.
Hymme a l’amour Edith Piaf Le ciel bleu sur nous peut s’effondrer Et la terre peut bien s’écrouler Peu m’importe si tu m’aimes Je me fous du monde entier
Tant qu’l’amour inond’ra mes matins Tant que mon corps frémira sous tes mains Peu m’importe les problèmes Mon amour puisque tu m’aimes J’irais jusqu’au bout du monde Je me ferais teindre en blonde Si tu me le demandais J’irais décrocher la lune J’irais voler la fortune Si tu me le demandais Je renierais ma patrie Je renierais mes amis Si tu me le demandais On peut bien rire de moi Je ferais n’importe quoi Si tu me le demandais Si un jour la vie t’arrache à moi Si tu meurs que tu sois loin de moi Peu m’importe si tu m’aimes Car moi je mourrais aussi Nous aurons pour nous l’éternité Dans le bleu de toute l’immensité Dans le ciel plus de problèmes Mon amour crois-tu qu’on s’aime Dieu réunit ceux qui s’aiment Hino ao amor Edith Piaf O céu azul sobre nós pode desabar E a terra bem pode desmoronar Pouco me importa, se tu me amas Pouco se me dá o mundo inteiro Desde que o amor inunde minhas manhãs Desde que meu corpo esteja fremindo sob tuas mãos Pouco me importam os problemas
101
rança: Um passeio pela arte e cultura
Meu amor, já que tu me amas. Eu irei até o fim do mundo Mandarei pintar meu cabelo de louro (ou: Me transformarei em loura) Se tu me pedires Irei despendurar a lua Irei roubar a fortuna Se tu me pedires Eu renegarei minha pátria Renegarei meus amigos Se tu me pedires Bem podem rir de mim Farei o que quer que seja Se tu me pedires
102
Se um dia a vida te arrancar de mim Se tu morreres, se estiveres longe de mim Pouco me importa, se tu me amas, Porque eu morrerei também Teremos para nós a eternidade, No azul de toda a imensidão No céu não haverá mais problemas Meu amor, acredite que nos amamos. Deus reúne os que se amam. Piaf estava fardada mesmo ao infortúnio no que tange a vida amorosa. Sempre atravessada pelos duros golpes do destino, a cantora se via sempre subtraída quando passava a gostar de alguém, ou quando a felicidade parecia ter feito as pazes com ela. No fatídico ano de 1949, Piaf estava na cidade de Nova York, e Marcel, depois de ter participado de uma série de lutas em beneficio dos pugilistas inválidos, iria voltar para encontrá-la, no entanto, não foi bem isso que se sucedeu. Solitária e ansiosa a espera de seu amor, Piaf pediu para que Marcel viesse de avião, mesmo porque,
a viagem de navio duraria uma semana, tempo demais para se esperar quando a saudade é imensurável, segundo ela. A princípio, Marcel relutou, mas acabou aceitando o pedido de Piaf e resolveu voltar de avião. Essa foi a última vez que se falaram. O avião que transportava Marcel e sua equipe, um Costellation, caiu nas proximidades de Açores, pondo fim prematuramente a uma carreira brilhante, e a um romance cujo roteiro se assemelha muito a uma telenovela. Reprodução
F
Poucas horas antes de subir no palco do Versailles para o que prometia ser mais uma de suas magníficas apresentações, Piaf recebeu a triste notícia. Logo que subiu ao palco, a plateia fervorosa foi silenciada com um simples gesto de Piaf, que apenas repetiu o que já havia antecipado para seus amigos mais próximos: “Hoje à noite canto para Marcel Cerdan, em sua memória, unicamente para ele”. O show se seguiu carregado de dor e apreensão, e ao final da quinta canção, Piaf, não aguentando mais a situação, desmaiou. O sentimento de culpa passou então a povoar a já abalada Piaf, que se viu bombardeada mais uma vez pela imprensa sensacionalista, e por um forte remorso que a desestruturava a partir de então. A incalculável e insuportável dor da perda, que afetava seu sentido lógico de raciocínio, somada a uma
dith Piaf: Entre canções e mitos
dor física descomunal, provocada pelo reumatismo, que se manifestava pela primeira vez, em decorrência de uma reação orgânica devido à brutalidade do choque que acabará de sofrer, fez com que Piaf se recolhesse, deixando de se apresentar nos espetáculos marcados no Versaille nos dias seguintes. A equipe médica que cuidava da saúde de Piaf, incapacitados de remover a causa, tentou ao menos combater os efeitos, prescrevendo o que se havia de mais poderoso em termos de anestésicos e calmantes. Tratada com morfina, reza à lenda, que foi essa a enganosa motivação que fez com que muitos percebessem em Piaf, um aspecto semelhante às pessoas drogadas da época, e esse fator ganhou mais força, quando a cantora passou a fazer uso indiscriminado da substância, ora por ignorância, ora por necessidade física. O grande fato que norteia esse momento difícil da vida da talentosa Piaf é que, ela jamais se recuperou dessa perda, embora a subtração de ente queridos já fizesse parte de sua vida desde ainda muito pequena, pois foi Marcel Cerdan o grande amor de sua vida. As repetidas doses de morfina, misturada a um sentimento de culpa frequente, era o combustível que alimentava a esperança de ver novamente Cerdan, e essa necessidade, fez com que Piaf passasse a frequentar sessões espíritas, e depositasse sua dor e fé nas mãos de pessoas inescrupulosas que queriam apenas tirar proveito de sua condição financeira. Suas atitudes tempestivas e inesperadas, beirando o radicalismo total, revelavam o furacão que lhe açoitava a alma. Reza a lenda, que no auge da confusão mental que lhe acometia, Piaf se trancou no banheiro, sem se preocupar com as pessoas que lhe queriam bem, e ficou por lá durante um longo período, e ao sair, com um visual diferente e de mau gosto, apenas um topete de caracóis curtos no alto da cabeça, proferiu a seguinte
frase: “Assim, nunca mais serei como antes”. A culpa, que Piaf carregava, a levou a hospedar a mulher de Cerdan, Marinette Cerdan, e seus filhos no palacete Boulogne. A recuperação nunca se deu de forma plena, mas um ano após a morte de Cerdan, Piaf começava a vislumbrar uma vida mais parecida com a que vivia antes do acidente. A famosa casa de espetáculos Salle Pleyel, foi o primeiro palco para a sua volta ao mundo que lhe é tão intimo e apropriado, e foi justamente nesse palco em que conheceu Charles Aznavour, talvez um dos cantores de maior destaque da música francesa depois de Piaf. Life
E
103
Charles Aznavour
Na ocasião, Charles Aznavour ainda era um jovem cantor em ascensão, mas que posteriormente viriam a se tornar dois grandes parceiros musicais. Enquanto Piaf conseguia os primeiros contatos para o cantor, alçando sua carreira para um novo patamar, Azsnavour compunha para Piaf sucessos como “Jezebel” e o lendário “Plus bleu que tes yeux”. Plus bleu que tes yeux Edith Piaf Mais azul que teus olhos Quando eu levanto os olhos Eu encontro o céu E eu me digo: “Meu Deus,
F Mas é sensacional, Tanto azul.” Quando eu elevo os olhos Eu encontro teus olhos E eu me digo: “Meu Deus, É verdadeiramente maravilhoso, Tanto azul.” Mais azul que o azul dos teus olhos, Eu não vejo nada de melhor, Mesmo o azul dos céus. Mais louro que teus cabelos dourados Não se pode imaginar, Mesmo o louro dos trigais. Mais puro que teu hálito tão doce, O vento, mesmo no mês de agosto, Não pode ser mais doce. Mais forte que meu amor por ti, O mar, mesmo em fúria, Dele não se aproxima. Mais azul que o azul de teus olhos, Eu não vejo nada de melhor, Mesmo o azul dos céus. 104
Se um dia tu tiveres que te ir E me deixar, Meu destino mudará repentinamente, Completamente. Mais cinza que o cinza de minha vida Nada será mais cinzento, Nem mesmo um céu de chuva. Mais negro que o negro de meu coração, A Terra em suas profundezas Não teria o mesmo negrume. Mais vazio que meus dias sem ti, Nenhum abismo sem fundo Deles se aproximará. Mais longa que minha mágoa de amor, Mesmo a eternidade Perto dela será curta. Mais cinza que o cinza de minha vida Nada será mais cinzento, Nem mesmo um céu de chuva. Não temos razão de pensar, eu bem sei, Nos dias seguintes.
rança: Um passeio pela arte e cultura Para que se complicar a vida Já que hoje... Mais azul que o azul dos teus olhos, Eu não vejo nada de melhor, Mesmo o azul dos céus. Mais louro que teus cabelos dourados Não se pode imaginar, Mesmo o louro dos trigais. Mais puro que teu hálito tão doce, O vento, mesmo no mês de agosto, Não pode ser mais doce. Mais forte que meu amor por ti, O mar, mesmo em fúria, Dele não se aproxima. Mais azul que o azul de teus olhos, Eu só vejo os sonhos Que me trazem seus olhos.... Plus bleu que tes yeux Edith Piaf Lorsque je lève les yeux Je rencontre le ciel Et je me dis: “Mon Dieu”, “Mais c’est sensationnel” “Tant de bleu” Lorsque je lève les yeux Je rencontre tes yeux Et je me dis: “Mon Dieu”, “C’est vraiment merveilleux” “Tant de bleu” Plus bleu que le bleu de tes yeux Je ne vois rien de mieux Même le bleu des cieux Plus blond que tes cheveux dorés Ne peut s’imaginer Même le blond des blés Plus pur que ton souffle si doux Le vent même au mois d’août Ne peut être plus doux Plus fort que mon amour pour toi La mer même en furie
Ne s’en approche pas Plus bleu que le bleu de tes yeux Je ne vois rien de mieux Même le bleu des cieux Si un jour tu devais t’en aller Et me quitter Mon destin changerait tout-à-coup Du tout au tout Plus gris que le gris de ma vie Rien ne serait plus gris Pas même un ciel de pluie Plus noir que le noir de mon coeur La terre en profondeur N’aurait pas sa noirceur Plus vide que mes jours sans toi Aucun gouffre sans fond Ne s’en approchera Plus long que mon chagrin d’amour Même l’éternité Près de lui serait court Plus gris que le gris de ma vie Rien ne serait plus gris Pas même un ciel de pluie. On a tort de penser, je sais bien, Aux lendemains A quoi bon se compliquer la vie Puisqu‘aujourd’hui… Plus bleu que le bleu de tes yeux Je ne vois rien de mieux Même le bleu des cieux Plus blond que tes cheveux dorés Ne peut s’imaginer Même le blond des blés Plus pur que ton souffle si doux
dith Piaf: Entre canções e mitos Le vent même au mois d’août Ne peut être plus doux Plus fort que mon amour pour toi La mer même en furie Ne s’en approche pas Plus bleu que le bleu de tes yeux Je ne vois que les rêves Que m’apportent tes yeux… Após o caso de Aznavour, muitos outros casos de curta duração se seguiram, todos tratados pela imprensa de forma desdenhosa, como se fossem apenas passa-tempo na tediosa e melancólica vida de Piaf. Todos os homens com quem a cantora passava a se relacionar eram chamados pela imprensa de “Monsieur Piaf ”, exemplo disso, o cantor iniciante Eddie Constantine, e um atleta do ciclismo também, fora os casos não oficiais na qual Piaf se aventurava. Life
E
Ator Françês Eddie Constantine
Entre altos e baixos Piaf seguia sua carreira, sempre tendo a espreita a infindável série de tragédias que surgiam em sua vida quando ela menos esperava. Duas dessas tragédias aconteceram ainda em 1951, quando a cantora francesa sofreu dois sérios acidentes automobilísticos, dos quais escapou não se sabe como. Para reduzir a fratura que sofrera com os acidentes Piaf foi submetida a um processo cirúrgico onde lhe foram aplicada duas injeções de morfina para sedá-la,
105
rança: Um passeio pela arte e cultura
o que somado ao uso cada vez mais continuo de álcool, acabou por causar-lhe um mal físico e mental desproporcional. No ano seguinte, em 1952, casouse com o cantor francês Jacques Pills, em cerimônia simples na cidade de Paris, sem tempo para festejos, embarcaram em voo para os EUA, onde a esperavam para sua quinta turnê. Mais tarde, já na cidade de Nova York, Piaf realiza seu grande sonho, e casa na igreja numa cerimônia grandiosa. Junto com Pills, Edith compôs Casa de Espetáculos Carnegie Hall - Paris / França grandes sucessos como “Je t’ai dans la peau” e “BraSe de um lado temos uma Edith Piaf, afundada vo por lê clown”, músicas essas que desafiavam e exino uso de drogas e com a saúde física e mental cada giam todo o potencial vocal dessa magnífica cantora vez mais debilitada, de outro lado, temos como que Life
que não perderá o talento em momento algum. 106
Casamento de Edith Piaf com Jacques Pills
Embora a carreira continuasse em ascensão, a vida particular de Piaf ia de mal a pior, com o uso excessivo de drogas e de álcool, que minavam a já abalada e frágil saúde da cantora. O vício em álcool e morfina levou Piaf a uma internação forçada, para que assim pudesse ser desintoxicada, para se libertar desse mal que tanto lhe causava danos irreversíveis.
aparte de tudo isso, a cantora e sua voz inabalável, penetrante e fascinante que seguia com sua magia única e inigualável. Tanto é, que no ano de 1955, ela apareceu triunfante num show magnífico e que entrou para a história de uma das casas mais imponentes de Paris, o L’Olympia, onde apresentou uma voz arrebatadora, que fez com que o público se rendesse a sua majestade, e aplaudisse de pé suas canções e seu jeito único de transmitir as emoções que sente através da música. Ainda no mesmo ano, Piaf iniciou nova turnê americana, que teve como ápice uma memorável apresentação de gala, no Carnegie Hall, na cidade de Nova York. Lugar esse, conhecido como “Templo da música clássica”, e que nunca tinha recebido uma cantora que cantava música popular como Piaf. Em maio de 1956, voltando a Paris se apresentou novamente no Olympia, onde apresentou dois novos sucessos: “L’Homme à la moto” e “Lês amants d’um jour”.
Life
F
E
dith Piaf: Entre canções e mitos
Les amants d’un jour Edith Piaf
C’est corps contre corps Qu’on les a trouvésÂ…
Moi, j’essuie les verres Au fond du café J’ai bien trop à faire Pour pouvoir rêver Et dans ce décor Banal à pleurer Il me semble encore Les voir arriverÂ…
On les a trouvés Se tenant par la main Les yeux refermés Vers d’autres matins Remplis de soleil On les a couchés Unis et tranquilles Dans un lit creusé Au coeur de la ville Et je me rappelle Avoir refermé Dans le petit jour La chambre d’hôtel Des amants d’un jour Mais ils m’ont planté Tout au fond du coeur Un goût de leur soleil Et tant de couleurs Que ça me fait mal, Que ça me fait malÂ…
Ils sont arrivés Se tenant par la main L’air émerveillé De deux chérubins Portant le soleil Ils ont demandé D’une voix tranquille Un toit pour s’aimer Au coeur de la ville Et je me rappelle Qu’ils ont regardé D’un air attendri La chambre d’hôtel Au papier jauni Et quand j’ai fermé La porte sur eux Y avait tant de soleil Au fond de leurs yeux Que ça m’a fait mal, Que ça m’a fait malÂ… Moi, j’essuie les verres Au fond du café J’ai bien trop à faire Pour pouvoir rêver Et dans ce décor Banal à pleurer
Moi, j’essuie les verres Au fond du café J’ai bien trop à faire Pour pouvoir rêver Et dans ce décor Banal à pleurer Y a toujours dehorsÂ… La chambre à louerÂ… Les Amants D’un Jour (tradução) Edith Piaf Eu, eu esfrego os óculos Um fundo de café Tenho muito o que fazer
107
F Poder sonhar E nesta decoração Banal a chorar Ele sempre parece de novo a mim Lhes ver chegar... Eles chegaram Segurados pela mão O ar pasmo De dois querubins Levando o sol
108
Eles perguntam Em uma voz calma Algo para gostar de si Ao coração da cidade E eu me lembro Que eles assistiram em uma ar aficionado Num quarto de hotel Aos papéis amarelados E quando Fechei-lhes a porta Havia sol demais ali Ao fundo de seus olhos Que até me fez mal, Que até me fez mal... Eu, eu esfrego os óculos Um fundo de café Tenho muito o que fazer Poder sonhar E nesta decoração Banal a chorar Corpos contra corpos Aquilo se achou... Se achou Sendo segurado pela mãos
rança: Um passeio pela arte e cultura Os olhos fechados de novo Verso outras manhãs Cheias de sol Que os coloca Unidos e calmos Em uma cama aconchegante Ao coração da cidade E eu me lembro de Ter fechado de novo Em um singelo dia No quarto de hotel Dos amantes de um dia Mas eles plantaram-me No fundo do coração O gosto do seu sol E tantas cores Que até me fizeram mal, Que até me fez mal... Eu, eu esfrego os óculos Um fundo de café Tenho muito o que fazer Poder sonhar E nesta decoração Banal a chorar Lá fora tem sempre Um quarto a alugar No final desse mesmo ano, passou por um novo processo de desintoxicação, e foi a partir desse que Piaf se absteve para sempre do uso de álcool. A vida amorosa da cantora voltava à tona, através de um rápido romance com o jovem pintor americano Douglas Davies, que acabou com mais um acidente sofrido por Piaf, evidenciando mais uma vez sua fragilidade, além do uso de morfina, o que fez com que Douglas Davies sumisse de vez da vida da cantora.
E
dith Piaf: Entre canções e mitos prejudicando ainda mais a já fragilizada saúde de Piaf. Depois de passar por mais uma cirurgia, por ter desmaiado em uma de suas apresentações numa casa de espetáculos de Nova York, foi aconselhada pelos médicos que abandonasse a vida de cantora e o palco. Piaf não considerava essa hipótese, deixar de cantar representava para a cantora, a morte, e assim seguiu se apresentando nos palcos do mundo inteiro, em meio a desmaios recorrentes e ao reconhecimento de seu talento. Dois anos mais tarde, em 1960, já com um novo parceiro amoroso, Charles Dumont, Piaf e seu novo amor compõem juntos, a canção que viria a ser o maior sucesso da carreira da cantora francesa, “Non, je ne regrette rien”, onde Piaf, através de uma belíssima letra, faz uma reflexão sobre sua própria vida tangenciada pelas agruras e felicidades que o amor e a canção lhe trouxeram. Life
Life
Ainda nesse ano, começou um novo romance com o compositor francês Georges Moustaki, que além de novo parceiro amoroso de Piaf, estendeu a parceria para o campo musical e compôs muitos sucessos para a cantora, entre eles “Millord”, canção feita em parceria com Marguerite Monnot, eterna e leal amiga de Piaf.
Georges Moustaki
O sucesso passava a ser uma constante, e Piaf já tida como uma cantora consagrada no mundo inteiro, apenas colhia os frutos merecidos por possuir um talento ímpar na estória da música francesa e mundial. Consagrada, e conhecida mundialmente por ser dona de uma voz belíssima, passava a ser conhecida também pelos inúmeros desastres que se faziam presente ao decorrer de sua vida, e isso só veio a ser reforçado com mais um acidente automobilístico. Piaf e sua inseparável amiga Monnot sofreram mais um acidente em setembro de 1958, o que acabou
Charles Dumont e Edith Piaf
Non, Je Ne Regrette Rien Edith Piaf Non... rien de rien... Non... je ne regrette rien
109
110
rança: Um passeio pela arte e cultura
Ni le bien qu’on ma fait, Ni le mal - tout ça m’est bien égal!
Está pago, varrido, esquecido Não me importa o passado! (2)
Non... rien de rien... Non... je ne regrette rien C’est payé, balayé, oublié, Je me fous du passé!
Com minhas lembranças Acendi o fogo (3) Minhas mágoas, meus prazeres Não preciso mais deles!
Avec mes souvenirs J’ai allumé le feu, Mes chagrins, mes plaisirs, Je n’ai plus besoin d’eux!
Varridos os amores E todos os seus temores (4) Varridos para sempre Recomeço do zero.
Balayé les amours Avec leurs trémolos Balayés pour toujours Je repars à zéro...
Não! Nada de nada... Não! Não lamento nada...! Nem o bem que me fizeram Nem o mal, isso tudo me é bem igual!
Non... rien de rien... Non... je ne regrette rien Ni le bien qu’on ma fait, Ni le mal - tout ça m’est bien égal!
Não! Nada de nada... Não! Não lamento nada... Pois, minha vida, pois, minhas alegrias Hoje, começam com você!
Non... rien de rien... Non... je ne regrette rien Car ma vie, car mes joies, Aujourd’hui, ça commence avec toi! Non, Je Ne Regrette Rien (tradução) Edith Piaf Não! Nada de nada... Não! Eu não lamento nada... Nem o bem que me fizeram Nem o mal - isso tudo me é igual! Não, nada de nada... Não! Eu não lamento nada...
Ao cantar a canção pela primeira vez, Piaf colocou toda a emoção que poderia haver, como se ela esquecesse tudo e todos, e servisse a ela, tão somente o presente, que apesar da enfermidade que a acompaLife
F
E
dith Piaf: Entre canções e mitos
nhava, lhe era próspero. A casa de espetáculos Olympia, e o público que ouvia extasiado a apresentação, jamais voltaria a ouvir algo tão belo, quanto a interpretação verdadeira que Piaf deu a canção. Em 1961, conhece Theophanis Lamboukas, um jovem cabeleireiro grego, que trabalhava num salão onde senhoras cortavam seus cabelos. Edith sempre se atraiu por rapazes que possuíam uma sensibilidade mais feminina. Nesse mesmo ano, ao final do inverno, a cantora internada com broncopneumonia, recebeu a vista de Théo, que a presenteou com uma boneca grega. Deixando o hospital, Edith Piaf começou a ensinar a Théo como se cantava, tentando fazer dele um cantor. A juventude de Théo, que ela carinhosamente apelidou de Sarapo, que significa “eu te amo” em grego, fez com que Piaf se animasse. Pouco tempo depois, gravaram juntos “A quoi ça sert l’amour”,
L’amour ça sert à quoi ? A nous donner d’ la joie Avec des larmes aux yeux... C’est triste et merveilleux ! Pourtant on dit souvent Que l’amour est décevant, Qu’il y en a un sur deux Qui n’est jamais heureux... Même quand on l’a perdu, L’amour qu’on a connu Vous laisse un goùt de miel. L’amour c’est éternel ! Tout ça, c’est très joli, Mais quand tout est fini, Il ne vous reste rien Qu’un immense chagrin... 111
A Quoi ÇA Sert L’amour Edith Piaf A quoi ça sert l’amour ? On raconte toujours Des histoires insensées. A quoi ça sert d’aimer ? L’amour ne s’explique pas ! C’est une chose comme ça, Qui vient on ne sait d’où Et vous prend tout à coup. Moi, j’ai entendu dire Que l’amour fait souffrir, Que l’amour fait pleurer. A quoi ça sert d’aimer ?
Tout ce qui maintenant Te semble déchirant, Demain, sera pour toi Un souvenir de joie ! En somme, si j’ai compris, Sans amour dans la vie, Sans ses joies, ses chagrins, On a vécu pour rien ? Mais oui ! Regarde-moi ! A chaque fois j’y crois Et j’y croirai toujours... Ça sert à ça, l’amour ! Mais toi, t’es le dernier, Mais toi, t’es le premier ! Avant toi, ‘y avait rien, Avec toi je suis bien !
F C’est toi que je voulais, C’est toi qu’il me fallait ! Toi qui j’aimerai toujours... Ça sert à ça, l’amour !...
Tudo isso é muito lindo Mas quando acaba Não lhe resta nada Além de uma enorme dor
A quoi ça sert l’amour (tradução) Edith Piaf
Tudo agora Que lhe parece “rasgável” Amanhã, será para você Uma lembrança de alegria
Pra que serve o amor? A gente conta todos os dias Incessantemente histórias Sobre a que serve amar? O amor não se explica É uma coisa assim Que vem não se sabe de onde E te pega de uma vez
112
rança: Um passeio pela arte e cultura
Eu, eu escutei dizer Que o amor faz sofrer Que o amor faz chorar Pra que se serve amar? O amor, serve pra que? Para nos dar alegria com lágrimas nos olhos É uma triste maravilha No entanto, dizem sempre Que o amor decepciona Que há um dos dois Que nunca está contente Mesmo quando o perdemos O amor que conhecemos Nos deixa um gosto de mel O amor é eterno
Em resumo, eu entendi Que sem amor na vida Sem essas alegrias, essas dores Nós vivemos para nada Mas sim, me escute Cada vez mais eu acredito E eu acreditarei pra sempre Que é pra isso que serve o amor Mas você, você é o último Mas você, você é o primeiro Antes de você não havia nada Com você eu estou bem Era você quem eu queria Era de você que eu precisava Eu te amarei pra sempre E a isso que serve o amor.
Do reconhecimento ao declínio Celebrada por todos, Piaf que era um grande sucesso de público, recebeu também dos críticos franceses o título de “Prix du disque de l’Académie Charles-Cros”, por sua importantíssima contribuição a música francesa.
dith Piaf: Entre canções e mitos
Life
Divulgação/Fox Filmes
No ano de 1962, estava de volta ao Olympia de Paris, para o que viria a ser a sua última série de shows naquela casa.
Cartaz do filme O mais longo dos dias
Alguns meses depois, no dia 25 de setembro, compareceu como convidada de honra, à estreia internacional do filme The Longest Day, título em português “O mais longo dos Dias”, e foi justamente nessa ocasião em que realizou um grandessíssimo espetáculo, cantando seus maiores sucessos, e sendo reverenciada por uma plateia toda composta por pessoas importantes nas mais variadas esferas sociais. Dias depois, casou-se com Théo, numa cerimônia ortodoxa, na ocasião Piaf tinha 46 anos de idade, enquanto Théo acabara de completar 23. Essa diferença de idade, era um prato cheio para a imprensa sensacionalista, que não acreditavam no romance do casal, e viviam alfinetar Piaf, com perguntas capciosas acerca do envolvimento dos dois, até que um dia, a cantora respondeu da seguinte forma: “Aí está: com frequência, fui censurada por estar mal penteada. Uma vez me apaixonei por um rapaz cabeleireiro, eu não ia perder tal oportunidade”... E concluiu: “Não se pode
exigir que Piaf siga determinada lógica. Amo Théo, Théo me ama, nós nos amamos, esta é a única lógica que eu conheço, é o único verbo que sei conjugar de cor em todos os tempos, e é por isso que vamos nos casar”. Em seu último casamento, com Théo, a realidade era diferente, já não havia mais o amor panfletado por Edith à imprensa, ela pensou em recuar e desistir do casamento, mas alguns fatores fizeram com que ela abandonasse essa ideia. Primeiro a imprensa. O que pensaria a imprensa dessa atitude? Segundo, ela já havia arrastado Théo para esse desfecho, não poderia desmarcar tudo, assim do nada, e deixar o jovem sem entender o motivo de tal desistência. No mês de março de 1963, havia mudado algo na conjectura cultural francesa, principalmente no cenário musical. Os novos compositores agora, não queriam mais compor para os cantores mais antigos, dando prioridade total para uma nova safra de cantoras que nasceram e se criaram com o caminho aberto por Piaf. Life
E
113
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Life
Começa ali o declínio de Piaf, que percebendo isso, começava a provocar os jornais sensacionalistas da época, dizendo que venderia o direito de transmissão de sua morte, assim, ao vivo, para que quisesse ver. Nos últimos dois dias do mês de março de 1963, ela junto com Théo, conhecido artisticamente como Sarapó, se apresentaram no famoso palco da Ópera de Lille, e de maneira triste, encerrou ali sua carreira musical, para um público pequeno, e desanimado.
114
sejo de rever pessoas que fizeram parte de sua vida, como numa espécie de despedida. Henri Contet, Raymond Asso, Jacques Bourgeat, Michel Émer e Charles Aznavour, todos de prontidão atenderam o chamado de Piaf. Todos sabiam também, tanto amigos como equipe médica, e até mesmo Edith, que uma cura, estava fora de questão, o fígado de Piaf estava enfraquecido demais, em decorrência do álcool que consumira durante anos. Nessa altura da vida, a cantora que já havia sido conhecida como o pardalzinho, tanto pelo porte físico, como também pelo seu afinado canto, pesava apenas 34 quilos, e embora, tivesse apenas 48 anos de idade, aparentava ter mais de 60, tudo graças a uma vida desregrada, marcada pelo sofrimento e pelas perdas que o destino lhe impôs. Numa quarta feira, 9 de outubro, dia em que comemorava o aniversário de casamento com Théo, vertigens e calafrios obrigaram-na a ficar na cama até a hora do almoço, descendo para almoçar e subindo logo em seguida, para nunca mais voltar a descer.
Quando se fecham as cortinas Eu não poderia terminar esse apanhado de devaneios de outra forma, não poderia eu negar o extraDe volta a Paris, o médico prescreveu descanso, mas a saúde de Piaf estava debilitada demais, e no dia 10 de abril, chegou inconsciente à Clínica Ambroise, mergulhada em um coma hepático. As semanas que se seguiram foram desanimadoras, Piaf entre a vida e a morte entoava as canções antigas, dos áureos tempos de quando ainda era conhecida como La Môme Piaf. Depois de uma melhora no seu quadro clinico, mas ainda distante do melhor de sua saúde, Piaf ciente de sua difícil condição, manifestou um imenso de-
ordinário a vida dessa cantora que primou tanto por essa virtude. Algumas pessoas se esforçam para alcançar na vida o que em Piaf se deu de forma tão natural, o talento, autodidata, sem amarras com as escolas de canto, sem regras senão o apelo à emoção, imorredoura e continua de se fazer ouvir. A dor permeou a vida de Edith Piaf, andando atrelada a beleza de sua voz, como se esse canto tão doido, fosse uma resposta a vida que fazia questão de lhe ser tão severa.
E
dith Piaf: Entre canções e mitos
Por isso, para escolher entre os possíveis fins que
ela própria, um destino marcado pela dor, e pela ne-
teve a magnífica Edith Piaf, eu tomo a liberdade de
cessidade de ser feliz, de amar e de ser amada, pelo
narrar para vocês o que melhor se adequou as minhas
simples prazer de existir. Quando anunciaram a morte da cantora, muitas
necessidades, e a homenagem que presto a essa diva
pessoas se mobilizaram, e embora, não fosse decre-
da canção mundial. No dia 10 de outubro de 1963, às duas e meia da
tado luto popular pelas autoridades, o povo assim o
manhã, quando a enfermeira se aproximou vagarosa-
fez, e de forma espontânea saiu às ruas para prestar
mente da cabeceira da cama de Edith Piaf, percebeu
a última homenagem a Edith Piaf, uma mulher que
em seu semblante uma calma há tempos perdida, pa-
viveu a vida tendo como máxima “Non, je ne regrette
recia dormir, a respiração compassada, e a pele cor de
rien”, “Não me arrependo de nada". Life
marfim escondia o sangue, que parecia não circular em sua pálida face. Tateando com cuidado, na tentativa de vestir o corpo que estava nu, a enfermeira percebeu uma mancha escura na altura do baço. Hemorragia interna. O médico cha-
115
mado às pressas não podia fazer mais nada. Resignados, os médicos tentavam reviver Piaf a todo custo, tirar de um estado de “morte” que já perdurava a mais de dez horas, até que as 13:30 horas, de forma milagrosa, a cantora abre os olhos, e na última tentativa de viver, recai novamente morta. Edith Piaf morreu duas vezes, fazendo dessa existência, algo que ultrapassa os roteiros mirabolantes dos filmes, das novelas e dos romances. Escrevendo Túmulo de Edith Piaf - Paris / França
CapĂtulo VII Um breve relato sobre a Literatura Francesa
Intervenção Artística na pintura "Voltaire 1736" de Maurice Quentin de la Tour
U
m breve relato sobre a Literatura Francesa
Realismo - Honoré de Balzac (1799-1850) Victor Vidotti e Amdreia Rosa
Considerado o autor que propicia a transição entre a corrente romântica e a realista, é acompanhado por Stendhal, Gustave Flaubert e Prosper Mérimée.
“A infelicidade tem isto de bom: faz-nos conhecer os verdadeiros amigos.”
Musée National
Nasce em 20 de Maio de 1799, na cidade de Tours, situada no departamento de Indre-et-Loire, França. A produção literária de Honoré de Balzac inaugura a escola realista e passa pela prosa, poesia e teatro. No entanto observa-se que é uma fortíssima influência do romantismo francês devido a essa transição. Balzac é considerado o retratista de uma época, e não é à toa. Trabalha o psicológico social, com rigor científico. E troca, suas personagens fictícias e reais, pela exigência de detalhes, ganha cara de “Registro Civil”.
Honore de Balzac in his Monk's Habit - Louis Boulanger
Destaca-se dentre suas obras uma miscelânea chamada La Comédie Humaine (A Comédia Humana), de contos, crônicas, feita de novelas e romances. No total são oitenta e oito obras retratando a vida
burguesa da França em sua época, a maior parte romance e contos e encontra-se em domínio público. Uma das lendas em torno de sua imagem é a respeito do itinerário de sua produção literária que beirava o interrupto. Isso graças à força do hábito. Consumidor de cafeína acostumado a muitas chávenas, Balzac escrevia em torno de quinze horas por dia. Morre aos 51 anos, em Paris, no dia 18 de Agosto de 1850.
Realismo Charles Augustin Sainte-Beuve (1804-1859) Considerado o melhor crítico francês e especialista em sociologia e psicologia literária.
“Em certa idade da vida, se sua casa não se encher de crianças, ela se encherá de manias e de vícios.” Nasceu no dia 23 de Dezembro de 1804, em Boulogne-sur-Mer na França. Crítico visceral de Balzac, Baudelaire e Stendhal, o escritor francês Charles Augustin Sainte-Beuve é considerado o melhor crítico literário de sua época. Não era incomum todavia que tivesse sua lucidez contestada. Principalmente nos jornais quando ousava criticar Balzac e outros realistas para tecer elogios a autores menos conhecidos. Estudos provam que a ideologia das gerações posteriores a ele teve enorme influência de seu senso crítico. As teorias e concepções de Saint-Beuve foram retomadas por ninguém menos que Jean-Paul Sartre e por tanto ajudou o filósofo a semear a gênese do existencialismo. Segundo Sainte-Beuve, a literatura seria um sinônimo de compromisso e o autor estaria ligado a sua obra de corpo e alma. Ele Publicou ensaios, romances, poesias e novelas. A maior parte de seus escritos são estudos críticos, como a obra Retratos Contemporâneos (1846 até 1869-71), em cinco volumes, dentre outras matérias de Retratos. Em 1852, se reuniu ao Império Francês. Sua obra principal, Port-Royal (1840-1859), tem grande importância histórica porque segundo historiadores, registra o começo, o meio e o fim, da renova-
119
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Life
tes explorados pelos pensadores da vanguarda européia. Para que eles fossem descobertas revolucionárias correntes filosóficas revezaram tempo e espaço na Europa. O Dadaísmo e o surrealismo explodiram como movimentos de vanguarda. André Breton e uma conjuntura extensa de poetas se rebelaram contra a arte tradicional em prol do Surrealismo. E no século XX, outros romancistas marcaram época e são estudados até hoje. Saint-Exupéry é best-seller com o Pequeno Príncipe, e sua importância é recíproca tanto para sua geração como para a atualidade, e não seria possível teorizar Semiótica se Saint-John Perse não fosse poeta e escritor. Os acadêmicos e a juventude devem muito de seus estudos aos célebres escritores franceses e a suas visões particulares de mundo. Idade Média
Charles Augustin Saint-Beuve
ção da história religiosa francesa na Abadia de PortRoyal des Champs. Este feito lhe rendeu homenagens da Academia de Lausanne. Seguiu a carreira política entrando para as assembléias do Senado, onde permaneceu até o ano de sua morte em 1869.
120
Reprodução
Século XX Passando pelo século XX, um dos melhores romances À Procura do Tempo Perdido de Marcel Proust, é francês. Os autores franceses, gênios como Romain Rolland, Jean Giraudoux, Roger Martin du Gard, entre outros, propõem a independência do pensamento. E mostraram talento e individualidade. A arte moderna, a vida em sociedade, e poética da psicologia, foram alguns dos novos horizonMarcel Proust
O francês, o bretão e o clássico são os três grupos que representa os primórdios da poesia no século XI. As Canções de Gesta que são divididas foram os primeiros textos em francês. O imperador Carlos Magno muito citado nessas formas prematuras de poesia, está em A Canção de Rolando, poema épico intrinsecamente religioso, em que é tratado como o herói do cristianismo. Renascimento O francês Joachim du Bellay foi quem iniciou o Classicismo, e o mais importante poeta do Renascimento foi Marurice Scève. O Humanismo ganhou um novo conceito no século XVI. O humanismo erudito de Michel de Montaigne e os escritos de François Rabelais trouxeram vivacidade ao movimento Renascentista. Pierre de Ronsard foi o mestre do grupo de poetas responsável pelo apogeu do movimento. Chamava-se La Pléyade. Período Clássico O classicismo vingou com a participação de duas mulheres influentes. Uma delas, a Marquesa de Maintenon e outra a Marquesa de Rambouillet. A última
U
fundadora do Preciosismo, confabulou as teorias de François de Malherbe, principal figura do período na Academia Francesa em 1635. Jean de la Fontaine é considerado um dos maiores fabulistas de todos os tempos enquanto a melhor roJean de la Fountaine mancista da época foi Madame de La Fayette pela psicologia bem trabalhada das personagens.
este tipo de transição com o seu estilo clássico. Outros vieram depois com Gustave Flaubert, Stendhal e Prosper Mérimée. Coincidentemente são criticados pelo compatriota Sainte-Beuve, considerado um grande crítico francês, especializado em sociologia e psicologia e autor de ensaios históricos.
Voltaire encarna o espírito dos iluministas que se juntam para colaborar na criação da primeira enciclopédia moderna, editada por Jean le Rond-d’Alembert e Denis Diderot em 1772. O iluminismo mudou a forma como o homem enxergava o mundo, fazendo-o atingir um grau de amplitude muito superior. A primeira enciclopédia contou com a ajuda de iluministas como Montesquieu, autor da obra O espírito das leis. François de Salignac de la Mothe Fenélon, Bernard le Bovier O Filósofo Illuminista Voltaire Fontenelle e Pierre Bayle foram outros precursores do iluminismo do Século XVIII. Romantismo Madame de Staël antecipou o Romantismo da geração seguinte, de Vitor Hugo à Charles Nodier, um dos muitos grupos literários oriundos do século das luzes, que chegaram até o século XIX
121
Parnasianismo e Simbolismo Uma releitura do Classicismo, pode ser considerada a gênese do pensamento parnasiano de de Lisle, Sully Prudhomme e José de Heredia. Não tanto ousados na mesma época, quanto os simbolistas, considerados “decadentes”, mas influenciados por Baudelaire. Paul Verlaine, foi o poeta mais importante do Simbolismo, e o artista mais influente foi o prodígio Arthur Rimbaud, exímio antes dos 19 anos, quando escreveu seus melhores poemas. Os destaques na prosa simbolista foram por conta do crítico literário Remy de Gourmont, Édouard Dujardin e o poeta Henri de Régnier.
Realismo Dentre os autores que representam o elo entre o romantismo e o realismo, Honoré de Balzac fundou O poeta Arthur Rimbaud
Reprodução
O Século das luzes
O naturalismo, proeminente no final do século XIX, vinga sobre a tutela de Hippolyte Taine e dos irmãos Edmond e Jules de Goncourt. Adotado pelo escritor Émile Zola e em curtas narrativas pelo escritor Guy de Maupassant e exerceu in- O escritor Guy de Maupassant fluência sobre os demais romancistas da época nas mãos do crítico e historiador Ernest Renan. Quem o diga Pierre Loti, Maurice Barrès e Anatole France.
Reprodução
Naturalismo
Reprodução
Reprodução
m breve relato sobre a Literatura Francesa
CapĂtulo VIII Henri Cartier-Bresson
Intervenção Artística na fotografia de Henri Cartier-Bresson
H
enri Cartier-Bresson
Vida e obra de Henri Cartier-Bresson Victor Vidotti e Patricia Kataoka
‘’Fotografar é colocar na mesma linha de mira, a cabeça, o olho e o coração’’
Life
Henri Cartier-Bresson nasceu em 22 de agosto de 1908, em Chanteloup, Paris. É descendente de uma família proeminente da indústria têxtil. A família o queria nos negócios, mas Bresson nasceu artista. Foi caçador, soldado do exército francês, fotógrafo e mais tarde dono da Magnum, esta uma agência fotográfica.
Henri Cartier-Bresson
Estudou pintura sob a orientação de Cotenet de 1922 a 1923 e com André Lhote de 1927 a 1928, artista ligado ao cubismo, e mais tarde em Cambridge, onde concluiu seus estudos de Pintura e Filosofia.
Afirmou ser fator crucial para educar sua visão, e absorveu a atitude de revolta do movimento de André Breton. Interessou-se pela fotografia ao conhecer a obra do francês Eugène Atget e do americano Man Ray. Henri Cartier-Bresson começa a sua carreira como fotógrafo em 1931, aos 22 anos, após-ter frequentado a Ecole Fénélon e o Lycée Condorcet em Paris. Participou de uma expedição etnográfica ao México, onde começou a trabalhar como fotógrafo independente. Trabalhou como fotógrafo para quase todos os grandes jornais e revistas internacionais, entre eles as revistas Life, Vogue e Harper’s Bazaar, entre outras. Juntamente com Robert Capa, David “Chim” Seymour e George Rodger, fundaram a agência Magnum. Era requisitado no mundo todo, e algumas de suas viagens levaram-no à India, Birmânia, Paquistão, China, Indonésia, Cuba, México, Canadá, Japão e a então União Soviética. Em 1931, viajou para a África, onde permaneceu por um ano, equipado com uma pequena câmera e um bloco de notas. Viveu na selva e contraiu malária, na primeira de uma série de viagens que o levou para todas as partes do mundo. Ganhou a vida de diversas formas: como vaporeiro, vendedor de bugigangas e carne salgada que ele mesmo caçava e preparava. Lá também adquiriu a sua primeira câmera fotográfica de segunda mão feita por Krauss. Mas todos os filmes que fotografou lá foram deteriorados pela umidade. Apesar de todos esses acontecimentos, esta viagem mudou sua vida. Quando voltou à Paris, imediatamente comprou uma Leica, que o acompanhou por toda a vida. Nesta época, foi então publicada na edição anual da Revista Photographies, a famosa foto de Munkasci, que deu novo rumo à sua carreira. A partir daí, saiu para fotografar o mundo, congelando o momento decisivo que ele define como o momento certo para apertar o disparador e tentar captá-lo. “Para mim, a fotografia é um reconhecimento simultâneo, numa fração de segundo, do significado do acontecimento, bem como da precisa organização das formas
125
rança: Um passeio pela arte e cultura
Henri Cartier-Bresson
F
126
Henri Cartier-Bresson
que dá ao acontecimento sua exata expressão’’, diz. Entre 1932 e 1934, Cartier-Bresson fez algumas de suas melhores fotografias e sua primeira exposição individual, na galeria de Julien Levy. Apesar de ter começado olhando para os despossuídos e oprimidos, principais temas do fotojornalismo, estas fotos impressionaram a França, Espanha, Itália e México,
como arte muito mais do que como reportagem. Em 1935, partiu para o México e Nova York, onde permaneceu por um ano. Fez filmes com Paul Strand e documentários na Espanha, familiarizou-se com a fotografia cinematográfica através de Paul Strand, tendo trabalhado depois como assistente de câmara para Jacques Becker e André. Retornou em 1936 para Paris, onde trabalhou até 1939 com o cineasta francês Jean Renoir, filho do pintor Renoir, fazendo filmes. Nesse intervalo, em 1937, produziu um documentário sobre a guerra civil espanhola. A Segunda Grande Guerra tinha começado. Bresson foi prisioneiro dos alemães por 3 anos em 1940, no estado de Baden-Württemberg. Tentou fugir três vezes conseguindo escapar em 1943. No ano de sua fuga, aderiu ao MNPGD, um movimento de resistência francês. Dois anos depois, em 1945, dirigiu o filme Le Retour, um documentário sobre os campos nazistas e a volta dos prisioneiros de guerra e deportados à França. Mas sua falta de controle no processo de colaboração na produção de filmes, finalmente fez Bresson voltar para a fotografia.
enri Cartier-Bresson
Henri Cartier-Bresson
H
127
rança: Um passeio pela arte e cultura
128
Entre 1948 e 1950, gastou a maior parte do seu tempo na Índia, Burma, Paquistão, China e Indonésia. Fotografou o fim do domínio britânico na Índia e o assassinato de Mahatma Gandhi. Na China fotografou os primeiros meses de Mao Tse Tung. Este período estabeleu sua reputação como fotojornalista de incomparável sensibilidade e habilidade. Suas fotos capturaram os novos acontecimentos da época e a vida cultural dos países que fotografou. Seguindo o cenário independente, produziu muitos livros ilustrados com suas fotografias Produziu o livro Images à La Sauvette. Essas imagens, segundo Peter Galassi, são imagens tiradas rapidamente sem premeditação. Relutando, Cartier-Bresson fez um prefácio com suas ideias sobre fotografia, com o título de L’instant Decisif. Na edição americana do livro, de Dick Simon da Simon & Schuster Editora, o prefácio com o título agora famoso, passou a ser o título do próprio livro, The Decisive Moment (1952). Isto mudou para sempre o rumo das pequenas máquinas fotográficas de 35mm. O retrato era o que achava mais difícil, mas adorava fazê-lo. Ficava horas na frente da pessoa até conseguir captar seu silêncio e não sua expressão. No retrato não há normas, a relação é direta. Continuou fotografando pelo mundo, mas na metade da década de 60, voltou insatisfeito com seu trabalho. Foi para a Agência Magnum com a intenção de destruir tudo. O editor de fotografia e escritos, Romeo Martinez, convenceu Bresson a permitir que o editor Robert Delphire o o printer Pierre Gassman, editassem um trabalho com suas melhores fotos. Esta foi aparentemente a segunda vez em que ele tentou destruir suas fotos. A primeira foi na época da guerra, quando teria destruído as fotos e pedido ao pai para guardar os negativos em uma lata e depositar em um cofre no Banco. Em 1966, Bresson retirou-se da
Magnum, mas permitiu que a Agência continuasse a distribuir suas fotos. Em 1970, com 62 anos, casou-se com a fotógrafa Martine Frank. A partir daí, parou de fotografar profissionalmente, dedicando-se somente à pintura e ao desenho. Na época da retrospectiva de 1979 no International Center of Photography em Nova York, Cartier-Bresson recousou-se a dar entrevistas, embora abrisse excessão para alguns poucos diretores. Até o dia de sua morte manteve este procedimento. Ele era a consciência da fotografia, sem precisar falar. Cartier-Bresson tem certo prazer no conflito, modela na filosofia visual algo de contraditório. Nem fotojornalistas conseguem expressar o significado de sua obra, que são consideradas como o resultado de uma experiência poética e sempre apaixonada por tudo. O fundamental para ele é o absoluto prazer que o trabalho lhe dá. James Thrall Soby disse que "a câmera de Cartier-Bresson não é franca, é encantada". Sua influência na fotografia mundial, além de não ter precedentes, formou o pensamento dos fotógrafos durante décadas. A ideia de que a foto é o que se Henri Cartier-Bresson
Henri Cartier-Bresson
F
enri Cartier-Bresson
Henri Cartier-Bresson
H
129 vê num exato momento em que nosso instinto deve estar preparado para captar, foi incutido por ele. E para isto temos que estar na rua, fotografando e experimentando. Foi, talvez, o fotógrafo mais hábil a criar imagens belas retratando a essência do momento e do local exato. Colhidas no calor dos acontecimentos, as fotos de Cartier-Bresson, humanas e espontâneas, ajudaram a dar ao fotojornalismo a categoria de arte. A fotografia por si só não o interessava, somente a reportagem fotográfica, onde há a comunicação entre o homem e o mundo. A geometria das formas é uma tônica em suas imagens, talvez por isto tenha influenciado muitas pessoas e conquistado inúmeros admiradoresno mundo inteiro, por este espírito tão dinâmico e sem-medo.
É considerado um dos maiores gênios da fotografia francesa do século XX. Procurava o que chama de “momento decisivo”, aquele flagrante do mundo cotidiano que não pode ser construído em estúdio. A arte de Cartier-Bresson, marcada pela espontaneidade, foi objeto de numerosos livros e exposições célebres. Suas imagens únicas têm forte apego ao inusitado. Bresson parece estar sempre no lugar certo e na fração de segundo exata do acontecimento para registrálo. De fato é notável que suas fotos tivessem arranjos técnicos rigorosos, e é isso o que confere expressão e significado à sua obra. Henri Cartier-Bresson morreu em Céreste (Vaucluse), na França, em 3 de agosto de 2004.
Capítulo IX França: Aspectos Curiosos
Intervenção Artística na fotomontagem "autor deconhecido" - Rerodução site: culturabrasilpro.com.br
rança: Aspectos Curiosos
Bon appétit! Tatiane Leiser
Reprodução
Quando se fala em culinária francesa a boca já enche de água e a imaginação nos faz pensar em uma comida fantastique. Neste livro já falamos sobre a proximidade da língua portuguesa e da língua brasileira, mas é necessário considerar que dentro da culinária estão muitas das palavras francesas que não só se parecem com as portuguesas, como foram incorporadas ao idioma. O mousse, a baguete, o crepe, o croissant, o suflê, o escargot, o brioche, o patê. E para completar, nos vários bistrôs existentes em São Paulo localizamos ainda algumas outras palavras, como o menu, o maître, o garçom. Segundo dados da Associação Brasileira de Alta Gastronomia, ABAGA, o primeiro restaurante francês em São Paulo foi inaugurado em 1935, nomeado Freddy. Já o primeiro bistrô genuinamente francês, que carrega consigo o clima parisiense e o cardápio típico francês, foi fundado em 1954 pelo casal Roger e Fortunée Henry, que o chamaram La Casserole.
derado o pai da aviação, Alberto Santos Dumont. Filho do engenheiro Henrique Dumont e de Francisca de Paula Santos, Alberto começou seus estudos no Brasil, mas ainda jovem foi para Paris estudar. Lá recebeu influencia do escritor francês Júlio Verne. Reprodução
F
133
Santos Dumont
Salão do Bistrô La Casserole
São dezenas de bistrôs, padarias e cafés franceses que podemos encontrar pela grande São Paulo, que nunca perde seu lado parisiense.
O francês Dumont Em 20 de julho de 1873 nasceu na cidade de Santa Luzia do Rio das Velhas, o homem que seria consi-
Foi em Paris que Dumont passou a demonstrar interesse pela construção de balôes, fazendo com que em 1898 vários deles subissem aos céus. Três anos depois, atingiu a grande vitória de partir de um ponto e retornar ao mesmo local a bordo de um balão, fato que causou muita repercussão e que foi motivo de ser oferecido a Dumont a Ordre National de la Légion-d’Honneur (Ordem Nacional da Legião de Honra), uma condecoração honorífica francesa, que o brasileiro recusou. Santos Dumont também participou de diversos eventos relacionados ao voo com balões e ganhou muitos prêmios franceses. Pouco a pouco uma “aliança aérea” foi sendo formada entre Brasil e França por intermédio do aviador brasileiro. Em 1906 Dumont voou com o seu inesquecível 14-Bis, o primeiro avião da história que carregava um motor Peugeot, empresa francesa, dentro de um projeto de uma mente brasileira.
rança: Um passeio pela arte e cultura
Reprodução
F
Vôo do avião 14-Bis, de Santos Dumont
Escrita francesa A caneta é um objeto presente no dia a dia de todos. Se perguntarmos a pessoas de diferentes idades e de diferentes regiões do Brasil, qual o primeiro nome de marca de caneta que lhes veem a cabeça é quase unanime a resposta, “BIC”. A grande curiosidade é que se perguntarmos a estas mesmas pessoas qual a nacionalidade desta marca ou se elas sabiam que se trata de uma marca francesa, a resposta também é quase sempre a mesma “não fazia ideia”. Ou até mesmo comentam “não é brasileira?”. As canetas BIC chegaram ao Brasil em 1956, mesmo ano em que a empresa lança a caneta M10 Clic retrátil, mas
a história da entidade começou uma década antes disso, em 1945 na França. Foi Marcel Bich quem percebeu o grande potencial das canetas esferográficas. Bich já havia sido gerente de produção de um fabricante de tintas francês quando decidiu comprar uma fábrica fora de Paris e deu início a empresa junto ao sócio Edouard Buffard fabricando peças de canetastinteiro e lapiseiras. Em 1973 surge então os isqueiros BIC Lighter, e em 1975 os barbeadores descartáveis. Poucos anos depois a BIC comprou a empresa de Tabur Marine, formando a BIC Marine, que em 1985 se transforma na BIC Sport. Do início até os dias atuais, muito outras foram às aquisições da BIC. Quase todos os produtos da marca podem ser Tatiane Leizer
134
Esta aliança entre Brasil e França no setor aeronáutico ainda perpetua através da empresa francesa Air France que realiza voos com partida no Brasil. Mas o auxílio de Dumont em aproximar a França ao Brasil não ocorreu somente pelos ares. O aviador é considerado um dos primeiros responsáveis pelas importações de produtos franceses ao nosso país, por ter presenteado seu irmão em 1898 com um Phaéton Type 15, movido a gasolina e com motor de 3.5 HP que possuia uma estrutura que lembrava uma carroça.
F
rança: Aspectos Curiosos
encontrados pelo Brasil e talvez este seja o motivo da grande lembrança que as pessoas têm da marca, mesmo que dentre as empresas francesas mais lembradas pelos consumidores brasileiros (Dados Instituto Gerp/2007) a marca não esteja entre os dez primeiros colocados. Para quem ainda tem alguma dúvida em relação a origem da empresa, vai ver em alguns produtos que a fabricação foi no Brasil ou mesmo em outro país da América Latina Porém, no caso de ter em casa uma daquelas canetas de quatro cores da BIC vai perceber que enquanto uma face diz BIC, a outra diz “Made in France”.
Literatura francesa
Reprodução
Encontrar títulos franceses não é tarefa difícil em São Paulo. Em 25 de julho de 1947 o engenheiro Paul Monteil realiza seu sonho de tornar-se livreiro e funda a Livraria Francesa em São Paulo, mais precisamente no 4º andar do nº 275 da Rua Barão de Itapetiniga, mudando-se mais tarde para o andar térreo onde se encontra até hoje. Atualmente a Livraria é dirigida por Silvia Monteil
e Aguinaldo Rosendo da Silva, e é encontrada em dois pontos da cidade de São Paulo, sendo um no centro e outro localizado na Vila Olímpia. Segundo informações do site da empresa, a Livaria importa e fornece material didático e livros de diferentes áreas, com mais de 110 mil títulos a disposição dos clientes. Também de origem francesa, mas com um princípio diferente da Livraria Francesa, se encontra no Brasil desde 1999 a Fnac. Após comprar o Atica Shopping Cultural, a Fnac abriu simultaneamente suas duas primeiras lojas fora do continente americano, que se localizam no Brasil. Foram elas a do Shopping Metrô Tatuapé e a de Pinheiros, que foram as duas primeiras das oito lojas que hoje exitem no país, conforme informações da Assessoria de Imprensa da empresa. Uma das diferenças entre a Fnac e a Livraria Francesa está no público consumidor. Enquanto na primeira encontramos livros, na segunda estão disponíveis desde livros até equipamentos eletrônicos. Segundo informações da Revista França Brasil de número 291 dos meses de março e abril de 2009, a Fnac mantém no Brasil a mesma disposição e decoração de suas lojas na França, em sua sede em Paris, aproximando assim as relações entre os dois países.
Fachada da Livraria Francesa - São Paulo/Brasil
135
F
rança: Um passeio pela arte e cultura reeleição e suicídio de Getulio Vargas e a construção de Brasília na gestão de Juscelino Kubistchek.
Brasil nos olhos franceses
Jean Manzon
Cibelle dos Santos
Life
Guardar situações vividas pelo povo brasileiro como tradições, roupas e costumes, fizeram com que o fotógrafo francês Jean Manzon registrasse esses momentos impossíveis de serem recordados se não fosse através da imagem fotográfica.
136
Jean Manzon olhando através de um par de binóculos
Manzon nasceu em Paris no ano de 1915, presenciou guerras, conflitos e chegou ao Brasil na década de 40 fugindo da Segunda Guerra Mundial. Como já havia trabalhado em vários veículos de comunicação francesa como o Jornal L’Intransigeant e a Revista Vu, conseguiu emprego na revista O Cruzeiro. Foi então que se tornou amigo do jornalista David Nasser, e juntos formaram uma parceria de sucesso, além de revolucionar o fotojornalismo com sua criatividade, persuasão e técnica de fotografar diferentes das usadas na época. Como todo grande fotógrafo, Manzon não perdeu a oportunidade de registrar os acontecimentos que a sociedade brasileira nos anos de 1940 e 1950 teve que enfrentar como a Crise do Estado Novo, governo,
Contendo 200 das 20 mil imagens que foram fotografadas, o livro “Jean Manzon – Retratos Vivos da Grande Aventura” revela as transformações que o Brasil sofreu. As fotografias foram selecionadas pela Aprazível Edições e Cepar Consultorias e divididas em quatro perspectivas: Anonimato e Personalidade, Rústico e Industrial, Sagrado e Profano e Tradição e Modernidade. Esse trabalho foi realizado através dos olhos franceses interpretando os brasileiros de formas e ângulos renovadores na fotografia nacional. Talvez Manzon quisesse apenas mostrar como nosso Brasil iria chegar ao que conhecemos hoje e como eram as pessoas que viveram naquele período quando ele chegou aqui.
Conversas pelos dedos O francês Valentin Hauy criou em Paris no ano de 1784, o Instituto Real dos Jovens Cegos para ajudar as pessoas com deficiência visual a ler. A leitura era feita a partir dos caracteres comuns feitos com linhas
rança: Aspectos Curiosos
Louis Braille, pintura em marfim por Lucienne Filippi
em alto-relevo. Um jovem chamado Louis Braille sofreu um acidente quando tinha três anos de idade que provocou uma infecção que o deixou cego. Seu pai, tendo conhecimento do instituto de Valentin Hauy, levou o menino para desenvolver a capacidade tátil da leitura. A técnica aplicada no instituto apenas permitia a interpretação da leitura para os cegos e não a capacidade de comunicação individual. Louis Braille usou a criação militar de Charles Barbiér para aprimorar a comunicação dos cegos. O oficial do exército da Marinha Francesa criou códigos para a comunicação noturna com seus comandantes no período de guerras. Os doze sinais eram compreendidos em linhas e pontos salientes, representando sílabas na língua francesa. Mas o invento não obteve sucesso.
Foi então, que Barbiér levou esses sinais militares para o instituto de Hauy, onde Louis desenvolveu letras e números que se tornaram o conhecido Sistema Braille, que é mundialmente utilizado para a comunicação das pessoas sem-visão. O sistema conta com seis pontos em relevo, dispostos em duas colunas que possibilitam a formação de 63 símbolos diferentes. Essa técnica foi estendida não apenas para a leitura, mas também no desenvolvimento de outras aprendizagens como música, ciência, matemática e informática. No Brasil, a primeira escola para cegos usando o Sistema Braille foi o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, criado em 1854, no Rio de Janeiro. Hoje, ele é conhecido como Instituto Benjamin Constant. Os deficientes visuais brasileiros contaram com a criação da Campanha Nacional de Educação dos Cegos em 1973, substituída pelo Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) que apoia a aprendizagem através dos sinais criados pelo jovem francês. Além disso, a Secretaria de Educação Especial se responsabilizou pela inclusão e melhor atendimento dessas pessoas nas atividades rotineiras no Brasil.
137
Cibelle dos Santos
Musée Louis Braille - Coupvray / França
F
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
O meio ambiente agradece a França
138
Reprodução
O Brasil acrescentou ao seu calendário o Dia Mundial Sem Carro - 22 de setembro - há pouco tempo. No ano de 2001, cidades como Belo Horizonte (MG), São Luís (MA), Belém (PA), Porto Alegre (RS), Vitória (ES), Cuiabá (MT), Goiânia (GO), Pelotas e Caxias do Sul (RS), Piracicaba (SP) e Joinville (SC) foram as primeiras adeptas. Em 1997, a França criou o Dia Mundial Sem Carro para dar uma atenção especial aos problemas ambientais que esse luxo causa ao planeta. O dióxido de enxofre liberado pelos veículos causa alteração no ar, contamina a atmosfera além de provocar doenças respiratórias pela fumaça que é produzida, entre outras. Em seguida, a União Europeia ingressou na ação e promoveu uma jornada internacional reunindo mais de 750 cidades, que serviu como base para a criação, da “Semana Europeia da Mobilidade”, em 2002.
Cartaz de incentivo ao Dia Mundial sem Carro
A capital da economia brasileira, São Paulo, oficializou essa data com a ajuda da Secretaria do Verde e Meio Ambiente em 2007. Essa atitude tomou impulso não apenas com o apoio do governo, como também do movimento Nossa São Paulo: Outra Cidade, que havia sido criado em maio desse mesmo ano. Essa conscientização mundial foi apoiada por outras cidades como o Rio de Janeiro e Ubatuba.
É mentira ? Apesar de existirem várias versões sobre a criação do Dia da Mentira, há uma história que os historiadores acreditam ser a mais verdadeira. Até quase a metade do século XVI, o Ano Novo na Europa era comemorado por causa da chegada da primavera entre os dias 25 de março e 1º de abril, com duração de uma semana. Mas o Rei da França, Carlos IX acabou provocando a mudança da data festiva
rança: Aspectos Curiosos
Reprodução
para o dia 1º de janeiro, no momento em que instituiu o calendário gregoriano como o oficial. Essa alteração causou confusão na França e na Europa, pois a comunicação naquela época era muito lenta e deixou as pessoas desatualizadas sobre o novo calendário. Além disso, os franceses tradicionais não se adaptaram a nova data e permaneceram com os antigos costumes.
Esse período foi marcado pela força que tinha a presença de Deus e a religiosidade e causou uma renovação nas formas da arte, caracterizada pela verticalidade e por maior exatidão em seus traços, com o objetivo de expressar a harmonia divina. A arte francesa foi se espalhando por toda a Europa e com isso sofreu alterações. Os italianos renascentistas consideravam a Idade Média como a idade das trevas e chamavam o povo bárbaro, o mais conhecido na época de godos. Assim, utilizaram a expressão gótica para nomear essa arte, já que acreditavam que o povo bárbaro lembravam as caracteristicas fortes desse estilo de movimento cultural. A primeira catedral que teve em sua estrutura a aplicação da arte gótica foi a Saint-Denis em Paris. Mas, a cidade também tinha a Catedral de Notre Dame que é muito conhecida até pelas pessoas que nunca foram à França. No Brasil, esse tipo de arquitetura não é encontrada exatamente da mesma forma que existe na França, Reprodução
F
Esses dois motivos são os possíveis provocadores das dúvidas sobre qual seria a data certa para seguir e, a partir de então, as mentiras começaram a existir. As pessoas aproveitavam para enviar convites e presentes falsos, caçoavam das pessoas perdidas e rebeldes e criaram várias brincadeiras para confundir a veridicidade da comemoração. Depois de toda essa confusão, o Ano Novo teve sua data permanente no dia 1º de janeiro e as brincadeiras de fazer mentiras tiveram uma data estipulada: dia 1º de abril. Esse costume francês não tem um registro certo para afirmar a adaptação brasileira, a única coisa que se sabe é que todo início do mês de abril, uma mentirinha nova é criada.
A arte na França A arte francesa foi desenvolvida em meados da Idade Média e é reconhecida por ser a arte das catedrais. Esse reconhecimento foi o resultado de uma série de transformações com o apoio do movimento cruzadista, que o país sofreu no século XII, provocando o fortalecimento da cultura religiosa e a preservação do papel da Igreja na sociedade. Catedral da Sé - São Paulo / Brasil
139
rança: Um passeio pela arte e cultura
mas a Catedral da Sé em São Paulo e a Capela do Parque do Caraça, em Minas Gerais, são exemplos da presença da arte neogótica. Essa arte é a mistura do medieval da arte gótica com os estilos clássicos que vieram na história da arte.
A surpresa do pão francês
140
Reprodução
Quem nunca acordou cedo para tomar o seu delicioso café da manhã e encontrou o pãozinho francês ao lado da manteiga e do café com leite? Peça para qualquer pessoa descrever o seu desjejum adequado. Com certeza o pão francês estará entre as variadas guloseimas. Os historiadores acreditam que o pão foi criado há 12 mil anos na Mesopotâmia, sendo assado sobre pedras ou embaixo de cinzas. Por volta de 7000 a.C, o Egito desenvolveu o pão assado no forno de barro, mais próximo do que conhecemos hoje.
A receita do pão que era feito por esses antepassados chegou na Europa, mas especificamente na França, no século VXII. A partir desse período, o país desenvolveu a prática de fabricação desse alimento e se tornou mundialmente conhecido pelos pães. No Brasil, acredita-se que o alimento chegou por volta do século XX, após a Primeira Guerra Mundial. No começo, os cozinheiros brasileiros fabricavam pães que não eram saboreados pelos consumidos por serem duros e secos. A receita mudou depois que as familias ricas que voltavam da Europa descreveram o pão: com miolo mole, casca dourada e formato da baguete, era feito na naquela região. Foi então que o pão “francês” brasileiro começou a ter as características que conhecemos. Algumas adaptações tiveram que ser feitas como a incorporação da gordura e do açucar na massa para ficar mais próximo do que as pessoas gostavam de comer. Não há uma explicação muito clara sobre o motivo que levou o pão brasileiro a ser chamado de pão francês, mas como esse alimento foi criado a partir da receita dos franceses, nada como homenagear os participantes dessa invenção de um dos alimentos mais consumidos pelo país tropical.
Olha a cobra! É mentira! Chega o mês de junho e as festas juninas são os eventos mais falados em todo o Brasil. As comidas como paçoca, milho, pipoca, cuscuz entre outras deixam a comemoração mais diversificada. Mas o momento mais esperado é a quadrilha, onde as pessoas se caracterizam com roupas caipiras e deixam a Reprodução
F
F
rança: Aspectos Curiosos
dança mais atrativa. Essa dança típica brasileira teve a influência da Europa. No século XVIII, os franceses criaram a dança aristocrática com seis passos chamados pas- d’éte, poule, pastourelle, pantalon, boulangère e galop, que foram influenciadas pelas antigas danças folclóricas da Inglaterra. No ano de 1820, essa tradição chegou ao Brasil através dos mestres de orquestras de danças francesas. Muitas mudanças aconteceram nos ritmos, roupas, público e os dançantes da quadrilha fizeram com que os passos sincronizados fossem tendo mais participantes e acabasse sendo uma dança popular.
Acessório masculino
Reprodução
Os casamentos sempre contaram com o sofisticado vestuário usado pelos presentes na cerimônia. Os homens vestidos de terno e gravata ficam elegantes. E é claro que todo esse “chiqué” tem origem francesa. A gravata, um acessório masculino, mas que às vezes pode ser encontrado nas vestimentas femini-
nas, teve origem no século XVII, mas precisamente no ano de 1618. Os franceses tiveram a ideia de criar a gravata no momento em que os croatas passaram por Paris durante a Guerra dos Trinta Anos, usando um lenço no pescoço que parecia um cachecol de linho e musselina que servia para refrescar o pescoço no verão e aquecer nos dias menos amenos de inverno. Houve uma sofisticação e os franceses criaram uma gravata no formato fino e comprido feito de linha ou renda, com um nó no meio e duas pontas. O Rei Luis XIV foi o primeiro a lançar essa nova tendência em Paris que acabou conquistando todo o público masculino. O nome gravata vem do cravate, que significa “croata” em francês. No Brasil, esse acessório foi ganhando espaço no guarda-roupa dos homens brasileiros. Tornou-se um acessório indispensável na vestimenta de empresários e executivos. Uns dizem que a gravata tem os dias contados para não acompanharem os trajes masculinos, mesmo assim, os homens continuam a usá-la e permanecem “chiques” com esse detalhe no pescoço.
Idiomas: Francês / Português As duas línguas francesa e portuguesa tiveram a mesma origem, o Latim e são consideradas línguas neolatinas. Os brasileiros não aportuguesaram exatamente alguma palavra francesa, mas adaptaram ao vocabulário. Quem nunca ouviu falar em abajur (Abat-jour) ou sutiã (soutien)? E ainda em uma profissão que até virou música: “... garçom (garçon), aqui nessa mesa de bar...”. Muitas estão em nosso dia a dia e nem ao menos percebemos que são estrangeiras. A globalização e o capitalismo foram responsáveis por essa mescla de idiomas que acontece em vários países. Aqui no Brasil não foi diferente. Veja a seguir mais algumas palavras adaptadas em nossa língua: Alô (Allô), Carnê (Carnet), Chofer (Chauffeur), Langerie (Lingerie), Champanhe (Champagne), Conhaque (Cognac), Perfume (Parfum), Conduta (Conduite).
Capítulo X A França que existe em nós
Intervenção Artística na fotografia de Vicente Sampaio
A
França que existe em nós
A França que há no Brasil Tatiane Leiser
du
o
çã
Reprodução
ro
Capa do Catálogo da exposição da Semana de Arte Moderna em 1922
p Re
São Luís do Maranhão é a única cidade brasileira que foi construída por franceses, mas na Grande São Paulo é impossível passar despercebida a influência da França na arquitetura, nas artes, na culinária. O coração econômico do país tem toque francês. Nas várias Alamedas que cercam a Avenida Paulista, pelas ruas da Vila Madalena, na Vila Olímpia, ou na Lapa. Bistrôs franceses não faltam na imensa São Paulo. Dentre os artistas e arquitetos que construíram as casas e escolas de arte neste Estado, muitos buscaram sua inspiração na Cidade Luz. Em referência a uma São Paulo do século passado, em palestra a alunos da Universidade Anhembi Morumbi, a diretora da Aliança Francesa, Lígia Ferreira diz que “São Paulo é afrancesada não no visual, mas na forma de viver que era afrancesada. As pessoas conheciam a língua, a cultura.” Lígia, que morou durante treze anos na França, trabalhando como professora de português ressalta que a cada dia aumenta número de franceses que
querem trabalhar no exterior, e o Brasil está entre os destinos. Com a chegada da família real, há pouco mais de dois s é c u l o s, houve a influencia da cultura francesa no Brasil. Os costumes e as tradições foram fazendo parte do cotidiano do povo brasileiro. Em São Paulo, em 1922 ocorreu às portas do Theatro Municipal, a Semana Vista aérea da cidade de São Luis do Maranhão de Arte Moderna. Foi possível perceber a influência cultural francesa nos artistas brasileiros. 145 Fernand Léger, artista francês que nasceu em 1881 e que nunca esteve no Brasil foi um dos grandes influenciadores de pintores como Tarsila do Amaral. Léger teve relação de amizade com artistas e intelectuais brasileiros como Oswald de Andrade, Paulo Prado, Tarsila e Olívia Guedes Penteado, os quais conheceu através de um amigo inseparável, o poeta franco-suíço Blaise Cendrars. Atualmente, Léger se faz presente no Brasil através de obras compradas por colecionadores que fazem permanecer vivo seu trabalho na terra em que tanto influenciou. São Paulo passa a sofrer várias transformações no âmbito econômico e social, resultado que surge a partir de meados do século XIX através do cultivo do café, a “Elite Paulistana”. A população cresce aceleradamente com o aumento dos imigrantes. O café trouxe a riqueza e consequentemente, os Barões do Café. Os Barões acreditavam na importância da cultura francesa e por isso enviavam seus filhos a Paris para que estudassem o idioma e entrassem em contato com a cultura e com a arte francesa. Em entrevista à Revista “França Brasil” (Edição
rança: Um passeio pela arte e cultura
Palácio Construído pelos Barões do Café - Vassoura / Rio de Janeiro / Brasil
146
291 março/abril 2009), o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Carlos Lemos, fala que a riqueza gerada pelo café no estado de São Paulo foi também responsável pela vinda de arquitetos franceses para o Brasil, que eram trazidos para construir Palacetes para os Barões do Café. Dentre os arquitetos brasileiros houve aqueles que tiveram grande influência da França, como é o caso de Ramos de Azevedo, responsável por muitas das construções afrancesadas encontradas em São Paulo. Até a década de 60 o francês fazia parte do currículo escolar obrigatório dos brasileiros, tamanha era a influência no Brasil. Depois disso perdeu espaço para o inglês que se tornou o idioma global. Mesmo assim, segundo informações da Câmara de Comércio França-Brasil, o francês é a terceira língua mais buscada pelos brasileiros perdendo apenas para o inglês e o espanhol. Segundo o órgão, o aumento ocorre devido ao crescimento dos investimentos franceses no país. Tal interesse não se faz presente só em adultos como também em crianças e adolescentes, o que parece reforçar a presença francesa no país. No ano de 2009, do dia 21 de abril ao dia 15 de novembro comemora-se o ano da França no Brasil. O projeto foi um acordo entre os presidentes da
República do Brasil e da França como uma mutualidade ao Ano do Brasil na França que ocorreu em 2005. A ideia dessa iniciativa é de proporcionar à França a oportunidade de apresentar nas diversas regiões brasileiras, as diferentes formas de sua cultura. A intenção é que todas as capitais sediem, pelo menos, um grande evento de música, teatro, dança, circo, dentre outros.”, como explica a Assessora de Imprensa da Livraria FNAC, Monica Pestana. O que se percebe de fato através da ajuda inclusive deste evento, é que todo ano é um ano de França no Brasil. Life
Reprodução
F
Ramos de Azevedo
França que existe em nós
Reprodução
A
147
Viaduto do Chá - São Paulo / Brasil
O Viaduto do Chá Em novembro de 1892 foi inaugurado em São Paulo seu primeiro viaduto, o Viaduto do Chá. O projeto que foi idealizado pelo francês Jules Martin e levou 15 anos para ser concluído. Foi preciso convencer os paulistanos da necessidade de ligar a Rua Direita ao Morro do Chá, lugar onde se encontrava a chácara dos barões de Tatuí e onde havia plantações de chá. Sua inauguração, como típico da Terra da Garoa foi interrompida por uma chuva.
De acordo com o monitor do Museu do Theatro Municipal, Ivan Chiarelli Monteiro, pelo Viaduto sempre passaram pessoas refinadas que tinham como destino os cinemas e lojas da região e, posteriormente, o Theatro Municipal, que foi inaugurado em 1911. Lá também foi o ponto de vários suicídios acontecidos em São Paulo. Por ter sido construído de metal com assoalho de madeira o Viaduto não suportou por muito tempo e, em 1938 foi necessário destruí-lo. Foi reconstruído então, um novo viaduto feito de concreto armado e com o dobro da largura.
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
A França no Teatro Municipal Rafael Lopes
Reprodução
Arquitetura - O Theatro Municipal de São Paulo, projetado em 1902, pelo conhecido arquiteto Ramos de Azevedo em parceria com dois Italianos, Cláudio
Fachada do Teatro Municipal em 1920 - São Paulo / Brasil
Reprodução
148
Rossi e Domiziano Rossi, tem em sua arquitetura elementos característicos dos estilos franceses. Inspirado na Ópera de Paris e em algumas partes no Palácio de Versailles, o Theatro inaugurado no
dia 11 de setembro de 1911 apresenta um rico interior com colunas neoclássicas e muitas obras de arte como bustos, bronzes, medalhões e vitrais. No exterior há também traços do barroco o que mostra bem o grande estilo eclético muito utilizado pelo o arquiteto. Um lugar do Theatro onde a França é bastante representada é o Salão Nobre, com uma decoração toda em dourado, baseia-se na galeria de vidro do Castelo de Versailles. Ramos de Azevedo nasceu em 1851 em São Paulo. Aos 24 anos foi para a Bélgica estudar Engenharia e Arquitetura, retornou em 1879 sendo um discípulo do estilo eclético europeu. Em 1886 mudou-se de Campinas para São Paulo e começou a receber encomendas do governo e da elite da cidade, o que o transformou, nas duas primeiras décadas do século XX, o mais importante construtor da nova imagem de São Paulo. O estilo eclético utilizado por Ramos foi muito expressivo na Europa e têm uma característica da mistura de estilos arquitetônicos anteriores para criar um novo. Esta arte se desenvolveu na Escola de Belas Artes (École des Beaux-Arts) de Paris e é mostrada em alguns importantes monumentos franceses como a Ópera de Paris.
Fachada atual do Teatro Municipal - São Paulo / Brasil
A
França que existe em nós
Reprodução
Espetáculos - No dia de sua inauguração o Theatro Municipal apresentou a ópera Hamlet do compositor francês Ambroise Thomas, um professor do Conservatório de Paris. A exibição da peça contou com a presença do barítono italiano Titta Ruffo. Porém, antes da peça iniciar houve um concerto exibindo um trecho de O Guarani, do brasileiro Carlos Gomes, mostrando como era grande a interação das duas culturas na época. Externamente, a inauguração fez com que 20 mil pessoas se aglomerassem, o que acabou gerando também o primeiro congestionamento da cidade de São Paulo. Reprodução
Casa das Rosas - São Paulo / Brasil
Vista interna do Teatro Municipal - São Paulo / Brasil
Segundo o monitor do Museu do Theatro Municipal, Ivan Chiarelli Monteiro, nem sempre o Theatro Municipal apresentou peças de fama internacional. Várias pequenas companhias francesas estrearam aqui antes de sair para o mundo. Para que essas artísticas conseguissem sair da Europa tinham que fechar várias turnês em diversos países, pois o custo era muito alto. "Era muito comum fazer esse tipo de coisa e gastava-se no tempo que eles traziam o próprio material, ou se não, o cenário já montado, eles traziam até figurinos" comenta Chiarelli.
Casa francesa na Paulista Se há um edifício que se diferencia na Avenida Paulista este é o espaço Haroldo de Campos, mais conhecido como a Casa das Rosas. Este casarão de arquitetura inspirada no padrão francês renascentista destoa toda a tecnologia empregada nos prédios ao seu lado, principalmente pelo o jardim de rosas que
chama a atenção de quem passa pela famosa avenida. Tombada em 1985 como Patrimônio Público, a Casa das Rosas foi projetada em 1928 também por Ramos de Azevedo, que viveu de 1851 a 1929 e foi o mais importante profissional do período áureo da economia cafeeira em São Paulo. A arquitetura externa do casarão é baseada em um estilo francês cheio de detalhes dos períodos clássicos. O jardim todo em formato geométrico imitando o do Palácio de Versailles, na França. Porém, nos detalhes internos da casa há elementos de toda a Europa: decorações inglesas, mármores italianos, pedras portuguesas e pisos belgas. Segundo o coordenador de Programação Visual da Casa, Carlos Fernando, o que a faz se destacar ainda mais na Av. Paulista são os prédios dos anos 70 e 80 que estão em sua volta. Para ele os novos projetos são tão “mediócres” que ajudam a arquitetura do início do século ser recordada com saudosismo pelos arquitetos modernos. Lembra ainda que é preciso mais do que boa vontade e financiamento para manter uma antiga estrutura, “há uma burocracia paralisante” que dificulta ainda mais o trabalho dessa conservação. O Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura é o primeiro espaço público destinado a poesia do país, e está aberto ao público de terça a sexta, das 10h as 22 e aos sábados e domingos das 10h às 18h. O Espaço tem como função oferecer cursos sobre literatura e poesia além de dinâmicas de grupo e fóruns. Todos eles são ministrados dentro dos quartos do casarão que ainda conta com toda a sua estrutura funcional, desde a cozinha para o uso dos funcionários até os banheiros com as peças originais para os visitantes.
149
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Um controverso Perret em São Paulo
Reprodução
A arquitetura francesa tem uma importância histórica de destaque nos projetos brasileiros. Muitas das plantas que eram desenhadas aqui apresentavam claros sinais da europeização dos arquitetos. Porém, em São Paulo há uma edificação que desde sua construção não foi reconhecida oficialmente como parte das obras de um arquiteto originalmente francês. O projetista Auguste Perret ainda não tem um reconhecimento oficial como um participante da construção do Museu de Belas Artes, ou mais conhecido Prédio da Fundação Armando Álvares Penteado, a FAAP.
Segundo a historiadora de arquitetura da Escola de Arquitetura de Yale, Karla Britton, o resumo da história é que Dygat foi contratado para desenhar o prédio do Museu em parceria com Auguste Perret e Paul Tournon. Porém, Dygat morreu antes de conseguir desenha-lo, e então, Perret assumiu. Considerado uma obra de Perret, o prédio pode ser visto como a última planta deste famoso arquiteto, apesar da planta do Museu de Belas Artes de São Paulo ter sido finalizada em 1949 e a morte de Auguste Perret ser apenas em 1954, o francês nunca pode ver a construção da obra finalizada porque o término da edificação foi somente concluído vinte anos mais tarde.
Os Jardins Franceses da Independência Brasileira
Fachada da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) - São Paulo/Brasil
Perret teve sua importância como um dos arquitetos mais renomados da história do século 20. Nascido na Bélgica em 1874 estudou na École Beaux-Arts em Paris e, fundou na França a empresa Perret Frères juntamente com seus dois irmãos, Gustave e Claude. Nesta empresa ele conseguiu emplacar dois importantes projetos arquitetônicos, sendo um a garagem da rua Ponthieu, em 1905 e o outro teatro ChampsElysées, em 1910. A construção do Museu de Belas Artes de São Paulo não tem efetivamente um arquiteto que seja oficial. Há indícios e versões de quem seria o planejador. Segundo a FAAP, instituição dona do edifício, o crédito se dá a Armando Álvares Penteado, um bonvivant do inicio do século 20, que junto com sua mulher Annie, foi fundador da faculdade que carrega seu nome. Porém, há outro projetista que pode ser incluído entre os planejadores da construção, esse é o polonês M. Dygat, um grande admirador de Perret.
Reprodução
150
Perto de um monumento construído para lembrar a Independência do Brasil e assim formar a imagem de nação, existe um jardim à francesa. O Jardim do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, ou mais conhecido Museu do Ipiranga, é uma estrutura criada pelo paisagista Arsenius Puttemans. Os desenhos, com repuxos e alamedas em declive, que expõem fontes e cascatas em forma de degraus, mostram todo o estilo francês implantado. Cheios de topárias de buxos e azaleias delimitando os canteiros de rosas, de palmeiras e de ciprestes, as alamedas unem o Museu aos outros prédios ao lado, fechando todo o pátio frontal com a concepção barroca francesa, como os dos jardins de Versailles.
Parque da Independência - São Paulo / Brasil
A
França que existe em nós
Formados inicialmente entre 1908 e 1909, os jardins sofreram duas intervenções posteriores. A primeira em 1922 ampliou o jardim em 1500 m², fazendo que ele chegasse ao início da Avenida Dom Pedro I. A segunda foi na década de 30, rebaixando a área em frente a fachada. Reprodução
Mercado Municipal Muito além do que se compra
As fontes e chafarizes iniciais também são mudanças posteriores. Entre as décadas de 30 e 50 foram feitas instalações no meio do jardim e de frente ao edifício histórico, de fontes e chafarizes inspirados também em estilo francês. O conjunto comporta 850.000 litros de água distribuídos em piscinas, tanques e chafarizes que formam cortinas e canhões-d’água. O Museu que o Jardim envolve um edifício de 6,3 mil m², demorou 10 anos para ficar pronto e foi concluído em 1895. O arquiteto italiano Tommaso Bezzi projetou o prédio que seria um estabelecimento científico da Universidade de São Paulo (USP), mas com o acervo pessoal do coronel Joaquim Sertório, doado ao prédio iniciou uma transformação do edifício em um museu. Com mais de cem anos, o Museu do Ipiranga e seus jardins ainda é um dos locais mais visitados no país, segundo o jornal Folha de São Paulo do dia 24 de outubro de 2008. Segundo eles foram cerca de 369 mil pessoas em 2007 visitando um acervo de mais de 125 mil itens e apreciando a beleza de um lindo jardim à moda francesa sem precisar ir até a Europa.
Reprodução
Fontes e chafarizes do Parque da Independência - São Paulo / Brasil
Não é apenas o brioche, o petit four ou o pão que é francês no Mercado Municipal de São Paulo. No Mercado está mais uma das obras de influência francesa de Ramos de Azevedo. Localizado na Rua da Cantareira, próximo ao metrô São Bento, o Mercado Municipal Paulistano foi construído com o objetivo de substituir o mercado velho que existia na Rua 25 de março, onde os comerciantes vendiam seus produtos ao ar livre. De uma mistura da característica afrancesada de Ramos de Azevedo e do italiano Felisberto Ranzini, surgiu o mercado que hoje é um ponto turístico em São Paulo. Também chamado como Mercadão, o Mercado Municipal é um marco no comércio de especiarias e produtos alimentícios dentro do município. Com seus 12600 m², o edifício que fica às margens do Rio Tamanduateí mostrava a grandiosidade da cidade de São Paulo no inicio do século 20, época em que tinha um milhão de habitantes. Mas nem sempre ele deu espaço para o armazenamento de produtos civis. Antes de ser aberto ao público, o Mercado de São Paulo também foi um local onde armas da guerra entre o Estado de São Paulo e o Governo Federal eram guardadas. Essa disputa, conhecida pelos os historiadores por Revolução de 1932, teve em sua primeira marcha a estréia da bandeira atual do Estado. Ramos de Azevedo que morreu em 1928 não pode ver a conclusão desta obra, que foi inaugurada ao público apenas em 25 de janeiro de 1933. Porém, todos que vierem a São Paulo podem apreciar a obra que apresenta uma mistura de estilos, mas que não deixa de ter seu toque francês.
Mercado Municipal - São Paulo / Brasil
151
CapĂtulo XI As Noites Brancas de Paris e a Virada Cultural Paulista
Intervenção Artística na fotografia de Dayvid Lemon
s Noites Brancas de Paris e a Virada Cultural Paulista
Noites Brancas ou Nuit Blanche Douglas Alves
Reprodução
Paris é uma cidade que respira cultura e arte, possuindo uma tradição histórica envolvendo a produção artística e a maneira como o povo assimila e consome os artistas locais. Talvez por ser a França um país multifacetado racialmente, essa produção cultural e artística francesa se apresenta plural e rica, se fazendo valer das misturas e referencias de grandes artistas franceses ao longo da história.
significa passar uma noite acordado, passar uma noite em branco em oposição à escuridão do fechar de olhos, só que de maneira espontânea. A expressão nos remete também a iluminação que toma conta da cidade de Paris, a claridade proveniente das luzes acesas que se espalham pelas ruas da cidade durante essa festividade, conferindo a Paris ainda mais vazão ao título que ostenta de cidade luz. O que acontece nessas iluminadas noites de Paris é uma miscelânea cultural envolvendo diversas exReprodução
A
Noites Brancas - Paris - França Espetáculo de luzes de Ryoji Ikeda, nas Noites Brancas de Paris
Reprodução
Essa série de elementos que fazem de Paris um lugar diferenciado no que se refere à cultura e arte, ganhou mais um ingrediente todo especial a partir do ano de 2002. Todo primeiro sábado do mês de outubro acontece as “Nuit Blanche”, que em português significa as Noites Brancas, instituídas pelo prefeito Bertrand Delanë para marcar o fim do verão. A expressão tanto em português como em francês,
Noites Brancas - Paris / França
pressões artísticas: música, dança, teatro, poesia, intervenções e exposições, tudo se prolifera através dos bares, museus, restaurantes, boates, teatros e cabarés, e até mesmo das belíssimas ruas da cidade que passa abrigar não só a nata artística francesa, mas também artistas de rua, fundindo pessoas e expressões artísticas sem-que para isso se faça uma segregação racial ou social. Essa necessidade de se expressar, e ao mesmo tempo contestar, caracteriza com bastante clareza o povo francês, que vindo de uma revolução francesa num passado remoto, passou ainda pela revolta estudantil de 1968 e chegando ao mais recente episódio em 2006, quando milhões de jovens foram às ruas protestar contra a CPE, lei do primeiro emprego, encontra eco também nas expressões artísticas contemporâneas. A artista Sophie Calle, demonstrando o quão contestador é o espírito dos cidadãos franceses, resolveu em uma das edições da Nuit Blanche, protestar até mesmo contra o significado das festividades. Sophie Calle instalou um quarto de dormir no
155
alto da Torre Eiffell, símbolo maior do país, e convidou os visitantes para sussurraremlhe histórias ao ouvido para fazêla dormir, indo contra o conceito proposto pela festividade. Outra intervenção que chamou bastante a atenCartaz de exposição de Sophie Calle ção dos visitantes aconteceu na edição de 2005. Grégory Chatonsky instalou cabines telefônicas que acendiam luzes ao ritmo do toque. Atendendo ao telefone, a pessoa escutava a voz de um desconhecido do outro lado da linha. Esse desconhecido dizia seu nome, e contava algo sobre sua vida. Ao final da mensagem, uma voz surgia com a seguinte pergunta: “Quem é você?”. É nesse ponto que podemos perceber a interação, pois, a pessoa que até o instante permanecia passiva, começa a partir disso, a fazer parte da instalação, deixando um pouco de si ali, para que outros possam ouvir, e assim interagir. Em suma, o lema principal das Noites Brancas de
Reprodução
156
rança: Um passeio pela arte e cultura
Noites Brancas - Paris / França
Paris, consiste na promoção do encontro das diferenças sociais e culturais, tudo permeado de muita cultura e arte, fazendo dessa experiência algo enriquecedor para todos que fazem parte dessa festa onde, artistas e expectadores se misturam.
De Paris a São Paulo A Virada Cultural e seus dilemas Qualquer discussão que se estabeleça acerca do assunto Virada Cultural se apresenta carregada de uma série de dilemas típicos de nosso país. Inspirada nas Noites Brancas de Paris, a festividade brasileira tem como objetivo propiciar, durante 24 horas seguidas, uma infinidade de atividades culturais para toda a população brasileira. Reprodução
Reprodução
F
Virada Cultural - São Paulo / Brasil
Fazendo parte do calendário de festividades desde o ano de 2005, a Virada Cultural chega em 2009 a sua quinta edição, trazendo como tema justamente o país que a inspirou, a França. O Brasil, em resposta a comemoração do Ano do Brasil na França de 2005, comemora em 2009 o Ano da França no Brasil, promovendo diversas apresentações de artistas contemporâneos franceses, e estreitando os laços culturais e econômicos entre os dois países. Assim falando, tudo se carrega de maravilhosas intenções, no entanto, se faz necessária uma análise mais profunda acerca dos meandros que envolvem as festividades. Configura-se difícil falar em promoção e acessibilidade a bens culturais a população mais carente, quando milhões de pessoas morrem de fome, assim como se configura difícil falar em preços de espetáculos culturais num país que possui um dos piores índices de analfabetismo funcional como o nosso, e principalmente, se mostra impossível a viabilização em território nacional, do sonho parisiense de se promover o encontro entre as diferentes classes sociais de nosso país. Um exemplo dessa apartheid social, teve com
s Noites Brancas de Paris e a Virada Cultural Paulista
Parque da Luz - Virada Cultural - São Paulo / Brasil
Reprodução
início o ano de 2007, na terceira edição da Virada Cultural, quando ainda as apresentações visavam propiciar o acesso irrestrito a cultura, bem como a promoção de um encontro entre as classes com o fim único de celebrar a diversidade e a riqueza do nosso país. Até esse ano, a configuração dos principais palcos, tinha como critério inicial a mistura entre os diferentes estilos e classes sociais, mas graças a uma combinação perigosa envolvendo uma população jovem mal instruída e bastante alcoolizada, e uma força policial insuficiente e despreparada, o que se viu foi um desastre, uma espécie de batalha campal, onde polícias e jovens nos deram um exemplo bem claro de como é feita a nossa política de emancipação cultural e social.
Conflito na Virada Cultural 2007 - São Paulo / Brasil
Na quarta edição, no ano de 2008, pode perceber com maior clareza o resultado dessa condição iniciada no ano anterior. Os artistas que falavam mais diretamente a periferia de São Paulo tiveram seus espaços e público reduzidos, tendo eles que se apresentar nas periferias da cidade, em locais onde se apresentam com certa frequência. Nesse ínterim, o utópico sonho francês de pro-
mover o encontro de classes, para que as camadas menos favorecidas economicamente tivessem acesso a bens culturais diversos e intangíveis até certo ponto, foi deixado de lado, como foi deixada de lado também, a ideia de que, a cultura não tem que ser levada de uma classe à outra, mas sim, tem que fornecer ferramentas para que ela brote não só das elites, mas também das classes sociais inferiorizadas economicamente. Tudo isso, em prol de um sonho capitalista, que viu na Virada Cultural, não uma festividade feita para o povo, e sim um método de se promover o turismo e vender a imagem de uma São Paulo que não existe. Reprodução
Reprodução
A
157 Show de encerramento da Virada Cultural 2009 - São Paulo / Brasil
Por fim, em 2009, a quinta edição da Virada Cultural, que trazia como apelo maior a comemoração do Ano da França no Brasil, apoiada na crise econômica mundial, calou ainda mais a voz desses artistas, deixando-os de fora devido à corte na verba para a realização do evento, para que nada, pudesse sair do controle, e assim como no carnaval, pudéssemos exportar mais uma vez a enganosa imagem de um país feito de belezas naturais, mas que esconde o choro dos que morrem num ciclo de eterna pobreza.
Capítulo XII A Origem dos Cabarés e o famoso Moulin Rouge
Intervenção Artística na fotografia de David Monniaux
Origem dos cabarés e o famoso Moulin Rouge Reprodução
A origem e trajetória do gênero Lawrence Senelik
A palavra Cabaré tem sua origem no espanhol (cabaretta ou casa de diversões). Posteriormente, foi incorporada pelo francês (cabaret ou taverna). O gênero Cabaré indica um espetáculo de entretenimento em pequena escala, por vezes improvisado, no qual são apresentadas canções, esquetes, sátiras e discursos, cujo teor costuma ser um comentário sobre as condições sociais, políticas ou artísticas. Um acontecimento estritamente urbano, o cabaré surgiu como uma forma de diversão pioneira para uma audiência seleta, passando a ser apresentada, posteriormente, para um público mais amplo e genérico.
Reprodução
Início Em 1878, Emile Goudeau fundou um clube no Le Sherry Cobbler, em Paris, onde poetas liam suas próprias produções. Foi, porém, no Chat Noir (nome tirado do conto "O gato preto", de Edgar Allan Poe) que deu origem ao termo genérico "cabaré artístico" a programas apresentados em cafés e bares. Ele foi fundado em 1881 pelo pintor Rudolphe Salis, que lhe deu o nome de cabaré porque as canções e esquetes se sucediam como os pratos de um menu. Ilustração de Emile Goudeau feita por Jean Coleteaux O local que ocupavam em Montmartre - com 60 lugares e projetado em estilo Luís XIII - era palco não somente de leitura de poesia nas noites de sexta-feira, bem como de complexos jogos de sombra, para os quais renomados artistas escreviam os textos e elaboravam os projetos, além de fazerem o acompanhamento musical. Quando o Chat Noir mudou-se para um prédio novo e elegante em 1885, a sua sede antiga abrigou o Le Mirliton, de Aristide Bruant, um dos muitos cabarés de Montmartre por ele inspirados. A atmosfera acolhedora permitiu que muitos artistas, como Yvette Guilbert, desenvolvessem uma forma nova e sutil de atuação e tratassem de assuntos naturalistas.
Cabaré Chat Noir
Exibicionismo Na Alemanha, o primeiro verdadeiro cabaré foi o Überbrett (Superpalquinho), criado pelo barão Ernst von Wolzogen e Otto Julius Bierbaum, em 1901, para oferecer uma forma mais elevada de espetáculos de variedades. O seu afetado exibicionismo artístico levou Alfred Kerr a criticá-lo por desprezo à arte. No mesmo ano, o jovem Max Reinhardt e atores do Deutsches Theater inauguravam o Schall und Rauch (Barulho e Fumaça) de Berlim, e Frank Wedeking cantava ao violão seus poemas macabros no Elf Scharfrichter (Onze Carrascos). Os escritores e artistas vinculados ao jornal satírico Simplicissimus apresentavam-se no cabaré homônimo de Kathi Kobus, em Munique. Esses cabarés artísticos misturavam baladas, canções, peças em um ato, dança, teatro de marionetes e música instrumental em um programa cuja coesão era mantida por um mestre de cerimônias. O objetivo primordial era divertir e difundir novas tendências literárias.
161
Reprodução
A
rança: Um passeio pela arte e cultura
Semelhança
162
Reprodução
Propostas semelhantes eram apresentadas no Els Quatre Gats (Os Quatro Gatos), em Barcelona e no Zielony Balonik (O Balão Verde) na Cracóvia, nascidas de encontros de pintores. Na Rússia, as associações eram mais ligadas ao teatro. O Letuchaya Mysh (O Morcego) foi criado por Nikita Baliev e a partir das hilariantes Festas do Repolho promovidas pelo Teatro de Arte de Moscou, rapidamente transformou-se em um teatro em miniatura apresentando peças e cenas baseadas na literatura clássica russa e no folclore. Após a revolução, tornou-se mundialmente famoso como Le Chauve-Souris. O Krivoe Zerkalo (O Espelho Curvo), fundado em 1908, em São Petersburgo, era, sob a direção de Nicolai Evreinov, uma casa que se destacava pela paródia e formas experimentais, tais como o melodrama. O mais literário desses cabarés era o Brodyachaya Sobaka (O Cão Vadio, 1913-1915), refúgio de futuristas. Ele foi sucedido pelo Prival Komediantov (Repouso dos Comediantes, 1916-1919),
um teatro aconchegante que tinha na presidência Vsevolod Meyerhold. Dissidência O mais radical desses parques de diversão artísticos foi o Cabaret Voltaire, em Zurique (1916-1917), Reprodução
F
Cabaré Voltaire - Zurique / Suiça
onde Hans Arp e Tristan Tzara deram os primeiros passos do dadaísmo, que não demoraria a expandir-se como um movimento artístico independente. Após a Primeira Guerra-Mundial, os cabarés alemães, especialmente em Berlim, tornaram-se mais políticos, solo fértil para a dissidência. Podem ser citados: Wilde Bühne (Palco Selvagem, 1921), de Trude Hesterberg; Kabarett der Komiker (Cabaré do Comediante, 1924); o antifascista Katakombe (Catacumbas, 1929), de Werner Finck; e Tingel-Tangel (1930), de Firederich Hollaender. Antes de 1935, os nazistas baniram os cabarés e alguns artistas, como Finck, foram mandados para campos de concentração; outros emigraram e mantiveram cabarés itinerantes, como o PfefferMühle (Moinho de Pimenta), de Klaus e Erika Mann e Therese Giesche (1933). Renovação O cabaré pós-guerra na Alemanha, tanto oriental como ocidental, esforçou-se para renovar sua ativiCabaré Els Quatre Gats - Barcelona / Espanha
Origem dos cabarés e o famoso Moulin Rouge
Reprodução
Reprodução
A
Cabaré Die Schaubude - Munique / Alemanha
anos 60, quando o Second City (Segunda Cidade), de Chicago, deu ênfase à improvisação e elaborou esquetes diante do público. Ele deu origem a uma grande quantidade de imitações, como The Premise (O Local), de São Francisco, e The Propositiom (A Proposta), de Boston, ambos organizados por grupos estudantis. Após a temporada de grande sucesso da peça de teatro de revista "Beyond the fringe", "The Establisment" (O Estabelecimento, 1961), um clube noturno londrino, procurou manter o ar irreverente. Tendências
dade política. Havia uma tendência que visava programas cuidadosamente estruturados e encenação precisa no Schaubude (Palco de Curiosidades), de Munique; Komödchem (A Pequena Comédia), de Düsseldorf; e Die Lach und Schiessgesellsweine (A Sociedade do Riso e do Tiro), de Munique. Eles, porém, bem como o Stachelschweine (Porco-espinho, fundado em 1949), de Berlim Ocidental, tiveram dificuldades em competir com a televisão. Já os cabarés de Berlim Oriental tiveram que direcionar sua sátira exclusivamente para alvos internacionais. Em tempos de agitação política, eles se revelaram menos mordazes do que o teatro de rua e os grupos agit-prop. Improvisação No mundo de língua inglesa, os cabarés foram equiparados a clubes noturnos até os
Cabaré Vaudeville - Berlim / Alemanha
163
Reprodução
Cabaré Second City - Chicado / EUA
Tendências recentes incluem os clubes de comédia, nos quais artistas inexperientes se apresentam perante um público pouco exigente por um cachê reduzido este fenômeno já havia sido previsto no Cabaré dos Anônimos, em Berlim, em 1926, onde amadores faziam papel de bobos. A natureza casual do empreendimento contrasta com as intenções programáticas do cabaré artístico. Mais de acordo com a tradição de vanguarda foi o Vaudeville da Nova Onda, uma mistura musical maluca originária do rock punk.
F
rança: Um passeio pela arte e cultura
Moulin Rouge Martha Correa
Reprodução
Durante muito tempo o nome Moulin Rouge tornou-se sinônimo e se relacionou diretamente com a palavra prazer em todas suas possíveis conotações. Paris do século XIX era considerada a capital dos prazeres proibidos, reino de belas e desinibidas mulheres que se exibiam no cabaré Moulin Rouge, cobertas de seda e jóias espetaculares ao lado de seus ricos amantes.
164
Cabaré Moulin Rouge - Paris / França
O cabaré Moulin Rouge era o coração do grande mito erótico de Paris na época maliciosa, livre e desinibida, cheia de froufrou, música, champanhe, amor, risos, escritores, poetas e pintores boêmios. Mas até mesmo o que parecia se reverter de uma aura imorredoura tem um fim, a época dourada do Moulin Rouge durou apenas 5 anos. La Goulue, a rainha do cancan, dançarina sensual, com sua arte cheia de erotismo primitivo e seu cabelo vermelho natural assumiu rapidamente o lugar de prima-dona do cabaré e se tornou famosa em todos os cantos de Paris. Era a mais famosa cortesã da época.
Origem dos cabarés e o famoso Moulin Rouge
Reprodução
A
Cabaré Moulin Rouge - Paris / França
Ela era tão irreverente que, em dada ocasião, dirigiu-se ao príncipe de Gales, um dos seus “amantes” , gritando-lhe no meio do cabaré. No final de 1892, Lá Goulue passou a trabalhar em circo, dentro de uma jaula de leões e, alguns anos depois, gorda e prematuramente envelhecida caiu no ostracismo e num ciclo de eterna miséria. Passando fome e sobrevivendo de maneira indigna nas ruas de Paris, a mulher que conheceu dos prazeres o sumo, e propiciou em igual teor as delí-
cias das quais provara, ficou marcada como signo de uma cidade que passava a perder o glamour paulatinamente, e começava a conhecer a cara da miséria e do infortúnio. Sobre esse mundo dissoluto de Paris, o escritor Max Nordau, publicou o livro Degeneration, que como o próprio nome já evidencia, relata o processo recente de degeneração dos costumes parisienses nesta época. O livro se tornou um sensacional best-seller! Holllywood também retratou este mundo no filme Moulin Rouge estrelado por Shirley MacLane no papel da bailarina e José Ferrer no papel do grande pintor Toulouse Lautrec. Tanto no filme, quanto na vida real, o mais famoso dos Cabarés do mundo, se perde num infindável entrelaçar antagônico evidenciando o quanto o mundo do glamour se alimenta do universo da pobreza, e o quão belo isso pode parecer aos nossos olhos desatentos e que só enxergam o que se veste de beleza e luxo, deixando de lado os entraves do mundo real, em prol de uma felicidade fugaz e ilusória. 165
R
eferências
AQUINO, Celine; SOUKI, Letícia. A França e os imigrantes: uma questão atual. O Mundo: comunicação internacional, [s.l.], out. 2007. Disponível em: <http://www.dcs.pucminas.br/coreu/omundo/index. php?page=noticias/a-franca-e-imigrantes>. Acesso em: 18 abr. 2009. ARANTES, Paulo Eduardo. Um departamento frances de ultramar. São Paulo: Paz e Terra, 1994. AUTÊNTICA cozinha francesa. São Paulo: Manole, 1995. BOCUSE, Paul. A cozinha de Paul Bocuse. Rio de Janeiro: Record, [19--]. BOSCOV, Isabela. Cartier-Bresson, o olho do século XX. Veja, São Paulo, ano 37, n. 32, p. 116-117, ago. 2004. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais. Educação Superior: cursos e instituições. Como escolher um curso e uma instituição de ensino superior. 2009. Disponível em: <www. educacaosuperior.inep.gov.br>. Acesso em: 03 abr. 2009. BRITO, Alice. Banlieues. Setúnal: o portal do destrito. 2005. Disponível em: <http://www.setubalnarede.pt/ content/index.php?action=articlesDetailFo&rec=336>. Acesso em: 12 abr. 2009. CAMPOS, Shirley de. A história do queijo: queijo, esse fiel amigo. 2008. Disponível em: <http://www.drashirleydecampos.com.br/noticias/23873>. Acesso em:18 abr. 2009. CANELLA-RAWLS, Sandra. Pão: arte e ciência. São Paulo: SENAC, 2005. CARTIER-BRESSON, caçador de imagens. Vouge Brasil, São Paulo, n. 314, p. 67-70, 2004. CORREA, Mônica Cristina. A conexão brasileira de Sant-Exupêry. Entrelivros, São Paulo, Ano 2, n. 14, p. 56-59, jul. 2006. DAHAN, Olivier. Piaf: um hino ao amor. [DVD]. França, Europa Filmes, 2007. 1 dvd, 140 min. DAMÁSIO, Roberta Hundzinski. O percurso da imigração na França. Espaço Acadêmico, n. 66, nov. 2006. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/066/66damasio.htm>. Acesso em: 18 abr. 2009. DESEJO profundo de mudança social. Le Monde Diplomatique Brasil, [s.l.], mar. 2009. Disponível em: <http://diplo.uol.com.br/2009-04,a2831>. Acesso em: 7 abr. 2009. EDITH Piaf. Terra: letras de música. <http://letras.terra.com.br/edith-piaf/>. Acesso em: 10 abr. 2009. EDITH Piaf. Wikipédia: a enciclopédia livre. 2008. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89dith_ Piaf>. Acesso em: 05 abr. 2009.
167
EDITH Piaf: o fim. 2001. Disponível em: <http://www.bibi-piaf.com/piaf_j.htm>. Acesso em: 5 abr. 2009. GUIANA Francesa. Wikipédia: a enciclopédia livre. 2009. Disponíevl em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Guiana_Francesa>. Acesso em: 3 abr. 2009. GUIANA Francesa: países da América da Sul: história e geografia. BEPELI: produções artísticas. 2007. Disponível em: <http://www.bepeli.com.br/educacional/paises_am_sul/bepeli_paises_guianafrancesa.html>. Acesso em: 14 abr. 2009. KULCZYNSKI, Viviane. A Paris dos gauleses: a capital francesa exibe vestígios da civilização que ficou conhecida graças às histórias em quadrinhos de Asterix, Obelix e Idealix. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. v1, 6-11, 26 set. 2000. LAPOUGE, Gilles. Verdades e mentiras à mesa francesa. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p.D6, 21 fev. 2004. LEAL, Maria Leonor. A história da gastronomia. São Paulo: SENAC, [19--]. OLIVEIRA, Fernando. Recepção Francesa: coletiva em São Paulo mostra por que a França volta a ter papel decisivo na geopolítica da arte. Bravo!, São Paulo, ano 9, n. 104, p. 82-89, abr. 2006. PAULISTANA há sete décadas: de um modestop prédio no centro de São Paulo, a Aliança Francesa prossegue divulgando a cultura e o idioma francês em mais de 13 endereços na cidade. França – Brasil, São Paulo, p. 5053. fev./mar. 2004. 168
PINTO, Manuel Costa. A tradição francesa do romance de idéias. Entrelivros, São Paulo, ano 2, n. 18, p. 4448, out. 2006. PITTE, Jean-Robert. A gastronomia francesa: história e geografia de uam paixão. [s. l.]: L&PM, 1993. ROEGIERS, Patrick. Morre na França Henri Cartier-Brwesson. Folha de S. Paulo, São Paulo, p. A20-21, 05 ago. 2004. SCHILLING, Voltaire. Edith Piaf: o rouxinol da França. Terra: educação. 2009 Diponível em: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2003/10/16/000.htm>. Acesso em: 8 abr. 2009. TRAÇADO com referência: a presença francesa revelada em algumas das mais importantes construções da capital paulista. França – Brasil, São Paulo, p. 20-24, fev/mar. 2004.
Tipologia Papel CTP e Impressão Tiragem
Garamond Couché Brilho 150g Prol Grafica e Editora Ltda. 2000 exemplares
Andreia Cristina Rosa Graduando em Comunicação Social, habilitação em Produção Editorial pela Universidade Anhembi Morumbi. Atua como Bibliotecária Junior na Faculdade de Enfermagem do Hospital Israelita Albert Einstein. Graduada em Biblioteconomia pela Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).
Douglas Alves Coimbra Graduando em Comunicação Social, habilitação em Produção Editorial pela Universidade Anhembi Morumbi, graduado no curso de Administração de Empresas pela Faculdade Flamingo e Técnico em Contabilidade pelo Colégio das Américas. Atua como microempresário no ramo de prestação de serviços.
Glaucia Dam Gomes Graduando em Comunicação Social, habilitação em Produção Editorial pela Universidade Anhembi Morumbi. Realizou curso Técnico de Artes Gráficas com habilitação em Pré-Impressão na Escola Senao Theobaldo de Nigris.Atua como coordenadora de Pré-Impressão em uma gráfica.
Patricia Helena Kataoka Graduando em Comunicação Social, habilitação em Produção Editorial pela Universidade Anhembi Morumbi, atua como coordenadora de Marketing e Eventos, com sólida experiência no planejamento e organização de eventos diversos e assessoria na área administrativa-financeira.
Victor Prado Vidotti Graduando em Comunicação Social, habilitação em Produção Editorial pela Universidade Anhembi Morumbi.
“Ouvi Edith Piaf num concerto no Cultura Artística. Pequena, simplezinha, vestida de preto, dava impressão que ia limpar o piano. Depois dela cantar, senti que ela lavou toda a dor que envolvia meu coração ingênuo” Jorge da Cunha Lima - Poeta
“Henri Cartier-Bresson, sinônimo de fotografia no século 20. Contra sua vontade, ele fundou uma escola e um estilo. A teoria do “instante decisivo”, a opção pelo preto-e-branco, a Leica, a recusa ao uso do flash - tudo isso constituiu uma mitologia em torno do homem que elevou a fotografia à condição de arte” Luiz Zanin - Colunista do Jornal O Estado de S. Paulo
“Matisse não tinha bandeiras políticas, não queria disseminar conceitos, ideias. O que mais impressiona em seu trabalho é que ele fazia arte pela arte, e com sua arte foi indispensável, é considerado o pintor de seu século”
“François Truffaut foi o autor que fez do cinema o espaço de transfiguração de uma das mais sublimes experiências humanas: o amor ao próximo. Faz falta”
Taiá Rocha - Jornalista e Colunista do Jornal do Brasil
Ricardo Cota - Crítico de Cinema do Jornal do Brasil