Homenagem - João Xavier de Almeida

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Homenagem JoĂŁo Xavier de Almeida

Depoimentos / Entrevistas / Registos FotogrĂĄficos


João Xavier de Almeida

Homenagem

O HOMEM DE BEM, “Tem fé em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na sua sabedoria; sabe que nada acontece sem a sua permissão e submete-se, em todas as coisas, à sua vontade.” - O Evangelho segundo o Espiritismo -

Abril de 2014 Associação de Divulgadores de Espiritismo de Portugal 2 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


Prefácio As atitudes das pessoas revelam quem são. Uma árvore boa dará inevitavelmente bons frutos, dizia Jesus, a quem nosso João Xavier de Almeida tanto gosta de se referir. O João Xavier espelha de forma cristalina esse facto e, quando me vejo a dispor da honra de prefaciar esta homenagem a fim de que perdure em forma de livro, ao falar dele, que tem a idade que teriam meus pais se ainda estivessem deste lado da vida, acentuam-se no imo do ser os sentimentos bons que o João Xavier reparte e esbanja no melhor sentido com toda a gente, em toda a parte. Isso ocorre de forma tão habitual que não resisto a partilhar o sentido de humor do Lucas. Ele costumava dizer que o nosso João tem de dizer umas “carvalhadas” de vez em quando, caso contrário nem conseguirá parar no céu, passa adiante, quando desencarnar... Entretanto, operoso companheiro que nunca regateia esforços no fito de auxiliar quem quer que seja, contamos com ele nas nossas atividades. Sócio honorário da Associação de Divulgadores de Espiritismo de Portugal, beneficia-nos com a disponibilidade e colaboração constantes.

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Se as palavras podem até convencer, nalguns casos, o João Xavier vai mais além e deixa inúmeras mensagens construtivas com o seu exemplo diário a frutificar entre todos os que convivem com ele. Esta homenagem não padece da pequenez humana, num jogo de aparências. É a declaração fraterna de apreço e afeto pelo nosso João, de cujas palavras sábias beneficiamos e cujo exemplo de vida demonstra que a grandeza de qualquer ser reside nas suas atitudes. Estas falaram ontem por ele, falam hoje e farão também isso amanhã, em qualquer dos planos de vida em que nos movamos. Obrigado, João! Jorge Gomes

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José Lucas Tive o privilégio de conhecer o João Xavier de Almeida quando ele fazia parte da Federação Espírita Portuguesa, sendo uma pessoa muito afável, simpática, carinhosa e sorridente. Aquando da sua eleição para presidente da Federação Espírita Portuguesa, convivi mais profundamente com ele, pois também fazia parte dos Órgãos Sociais da FEP. Logo no 1º dia após a sua eleição, a FEP teve de mudar da sua sede provisória (fomos despejados) e, somente o seu carisma, permitiu que fôssemos acolhidos numa casa da D. Raquel Duarte Santos, esposa do Tenente Isidoro Duarte Santos, que fora presidente da FEP. Foram momentos riquíssimos, doutrinário e humano.

do

ponto

de

vista

João Xavier era naturalmente um líder, sem se querer impor, no entanto, nunca se demitia da sua condição de defensor da doutrina espírita.

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Caluniado, mal-entendido, boicotado e traído, muitas vezes por alguns dirigentes espíritas e, perante a minha irreverência juvenil, sempre punha água na fervura e, sempre desculpava aqueles que o perseguiam ou não o entendiam. Para todas as falhas alheias arranjava uma desculpa e, sempre comparava as situações com as que Jesus de Nazaré passou. Homem notável, desprendido dos bens materiais, chegou a investir todo o dinheiro que tinha num projecto livreiro espírita (Livresp). Passou muitas dificuldades na presidência da FEP, com um carro velho que andava sempre avariado e algumas vezes não tinha dinheiro sequer para o essencial, recusando sempre que fosse a FEP a pagar as despesas de deslocação em serviço do espiritismo, como seria justo. Com o João Xavier aprendi que é possível neste mundo ser um Homem bom, um Homem de Bem, como refere o Evangelho Segundo o Espiritismo de Allan Kardec. Obrigado por me ter ensinado a aprender a amar, a ser tolerante, compreensivo. Um dia, sê-lo-ei. José Lucas – Abril de 2014 – Jornadas de Cultura Espírita – Óbidos, Portugal

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Maria José dos Santos Cunha O João Xavier de Almeida é um amigo de longa data. Uma pessoa a quem muito prezo e respeito. É um companheiro constante – afirmo-o! Tem a rara capacidade de saber escutar, acompanhar e estar presente junto de quem precisa. Conheço variadas pessoas a quem, no silêncio e em privado, atendeu. Sem alarde ou pedidos de contrapartidas de qualquer espécie. São pessoas de várias idades e nacionalidades. Por elas não mediu tempo nem esforço, quer físico, quer imaterial e, em todas elas, pude constatar bons resultados. No movimento Espírita português, tem também outra rara qualidade: a do conhecimento das Escrituras com as quais apreende a Doutrina Espírita nos seus múltiplos aspectos. Muito antes de se falar em globalização, ele já era um homem global e multicultural.

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De entre a multiplicidade de casos por mim testemunhados, ressalto, a título de exemplo, um acontecimento que envolveu o meu pai. Materialista convicto e ateu na prática estando ele hospitalizado e em coma. Esta é uma história curta, mas que aqui se torna longa, contudo exemplo vivo, do poder da palavra, da oração e do amor, tal e como nos explicam os Espíritos. Talvez porque seja uma pessoa avessa ao espectáculo e adepta da descrição, não foi, em minha opinião, devidamente valorizado no Movimento Português. Continua desaproveitado, porque o João Xavier é um espírita muito para além de palestrante. Joãozinho, meu amigo, sinto muitas saudades das nossas prosas. Continuo à espera da sua próxima visita. Combinados? Que Deus o abençoe. Guarapari/ES - 20.III.2014

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Jorge Gomes Lembro-me de quando vi o nosso João Xavier de Almeida pela primeira vez. Creio que terá sido no verão de 1978. Havia uma conferência de Divaldo Pereira Franco nessa noite no Cineteatro de Rio Tinto, nos arredores da cidade do Porto. O tema exposto era reencarnação, muito bem abordado, aliás. Nessa altura João vivia na Póvoa de Varzim. O tempo passou. Só um par de anos depois o conheci mais de perto. Nessa época tínhamos constituído a Juventude Espírita Meimei em Águas Santas, Maia, e ali perto, em Rio Tinto, Terroso Martins, fundador e dirigente com José Fernandes Pereira da Comunhão Espírita Cristã, muito simpático, convidavame e a minha mãe para visitarmos e palestrarmos nessa associação. João Xavier era ali, nessa altura, um colaborador muito respeitado. Todos lhe reconheciam as características de um homem de bem, culto, sabedor, sensato, imensamente tranquilo e operante. 9 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


João Xavier teve entretanto de se mudar para Lisboa. Nessa altura depressa foi requisitado para o Conselho Diretivo da Federação Espirita Portuguesa. Quem diria, um dia chegou a vez de eu também ser chamado, precisamente numa altura em que João era presidente. Foi nessa época – nos anos 90 – que mais aprendi com ele. Ele dava, particularmente nas assembleias gerais da FEP, exemplos de uma paciência notável, ao manifestar-se exalava sabedoria e bondade de uma forma singular, que lhe é tão peculiar. Hoje, encontramo-nos regularmente, sobretudo nas reuniões da ADEP. Residimos em cidades unidas pelo rio Douro – ele na margem Sul, eu na margem Norte. É sempre uma alegria o reencontro, infalivelmente com aquele abraço!

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celebrado


Terroso Martins, Rio Tinto «Em boa hora conhecemos o nosso Xavier. Não tenho em memória as datas, mas sei que as primeiras referências do Xavier me foram dadas pelo nosso saudoso José Fernandes Pereira, isso na década de 1970. Depois dos primeiros encontros, quando convidado para fazer palestras na Comunhão Espírita Cristã (CEC), de Rio Tinto, verificamos não só que se tratava de um bom palestrante como também de alguém interessante pelos seus conhecimentos doutrinários. Nasceu entre nós uma sólida amizade. Nessa altura, conhecemos sua companheira, e dela nos lembramos com saudade. Foi a partir daqui que começaram os nossos contactos, passando pouco tempo depois a trabalhar connosco. Lembro o tempo em que ele vivia na Póvoa de Varzim e, nem por isso, faltava aos seus compromissos.

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Sempre muito sereno, calmo e confiante nos princípios que professava, estudioso profundo da Doutrina dos Espíritos, foi um amigo que nos ajudou na CEC nos momentos em que foi necessária a sua colaboração. É um amigo sincero, leal, em quem sempre confiamos. Foi com certa tristeza que o vimos partir para Lisboa, creio que na década de 1980. Sentimos um grande vazio, mas sabíamos os motivos e desejamos-lhe boa sorte no seu novo caminhar. Foi com grande alegria e satisfação que mais tarde o vimos como presidente da Direção da Federação Espírita Portuguesa (FEP), num momento em que movimento espírita mais precisava. Depois de dois mandatos na FEP, voltou à cidade do Porto, e de novo ao nosso convívio, abraçando o trabalho com a humildade que lhe é peculiar. Nasceu a Associação Cultural Espírita Fernando de Lacerda, em Rio Tinto, há meia dúzia de anos, e de novo o Xavier a dizer presente, sempre com a mesma alegria e boa vontade em colaborar. Hoje, ele é, o nosso conselheiro doutrinário. Com ele aprendemos muito, e continuamos a aprender».

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Julieta Marques João Xavier de Almeida, a pessoa mais íntegra que conheço dentro do Movimento Espírita em Portugal. Homem de grande conhecimento da Doutrina Espírita, sua postura tem sido sempre de muita dignidade, simplicidade e com um toque especial de humildade, o que o torna diferente dos demais que conheço. Ao privar com João Xavier sentimo-nos ao lado de um irmão, de um amigo. Trabalhador sempre disponível a servir onde quer que o convidem. Senhor dos Congressos conforme o chamaram certa vez, pois que sendo Presidente da F.E. P. por dois mandatos consecutivos realizou dois Congressos. Sua Presidência na Federação foi das que marcaram uma época pela positiva. Como espírita e trabalhadora dentro do movimento amiga incondicional de nosso João como carinhosamente o chamamos, deixo aqui meu mais vivo reconhecimento pela postura de grande dignidade com que se tem mantido, muito embora por vezes situações dolorosas em que o tentaram colocar. João Xavier de Almeida será sempre uma referência pela positiva nas fileiras da Doutrina Espírita em Portugal e além-fronteiras. 13 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


Conceição Araújo Em conversa com uma amiga e falando sobre as jornadas disse que sentia um grande carinho pelo Sr. Xavier de Almeida. Depois de lhe contar a razão desse carinho ela pediu-me que escrevesse e aqui vai! Há uns anos uma das minhas filhas foi para o Algarve de férias com o marido e filhas. Um dia ligou-me muito preocupada pois a pequenina não estava nada bem, tinha três anos na altura. Umas horas depois foram com a menina ao centro de saúde local. Como não ficou melhor com o tratamento tiveram que ir para o hospital de Faro. As horas passaram e eu fui sempre orando pela minha netinha e pedindo a Deus e aos espíritos amigos ajuda para a minha menina. Como a idade não perdoa, entretanto adormeci! Então sonhei que estava numa sala, junto a uma mesa, onde estavam várias pessoas, entre elas o Sr. Xavier de Almeida e o meu pai (desencarnado). Os dois falavam um com o outro e olhando para mim sorriram e disseram para não me preocupar com a menina. Por volta das duas da manhã acordei com o som duma mensagem no telemóvel, era a minha filha a dizer que a menina estava muito melhor!

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Penso que não é preciso dizer muito mais, quem acredita percebe! Agradeço todos os dias a Deus por ter tido esta família, tanto a de sangue como a outra, aquela que eu encontrei um dia quando comecei a frequentar o centro espírita onde trabalho. Obrigada Sr. Xavier de Almeida, Deus lhe pague!

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Amélia Reis Devido à distância a que nos encontramos, embora já o conheça há largos anos, pouco tenho convivido com o Xavier, mas, de cada vez que estamos juntos é como se nunca nos deixássemos de ver. Para além da contagiante simplicidade, alegria e modéstia, encanta-me nele o saber profundo que irradia de um modo incrivelmente natural, quase infantil, pois, tal como as crianças, desarma pela ternura e absoluta certeza do modo como vê as coisas e ajuíza delas. No dia em que o conheci passei a tarde só com o Xavier e, nesse dia, aprendi com ele o significado da Lei de Causa e Efeito vista pelos olhos de um homem bom e com uma fé profunda. Explicou-me ele que, sendo Deus justo e aquela lei ser autêntica, eu, se nem tudo me corre bem, em consciência tenho o dever de pensar que alguma causa existe para isso, mas...se Deus é justo, e se eu daqui para a frente só fizer coisas boas, também tenho o direito de pensar que, de futuro, muitas coisas boas virão, ou então a Lei falha.

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Nunca mais me esqueci disto e bem que precisava ouvir. Conselho sábio! Quem seria que lhe disse que a minha vida era, naquela altura, uma amargura permanente? E fica a pergunta: Será que o Xavier, à força de ter aplicado debaixo de tais parâmetros a força da citada Lei, já atingiu a fasquia do real entendimento da vida e é por isso que ele parece volitar no mundo?

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ENTREVISTAS

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Esta entrevista para o Focalizando, o Trabalhador Espírita, foi realizada pelo português Nuno Emanuel, ora residindo no Brasil. A ele o nosso profundo reconhecimento. Nela, iremos conhecer um pouco da vida e da obra de João Xavier de Almeida que, naquela então colónia portuguesa, travou seus primeiros contactos com o Espiritismo nas reuniões que se realizavam na clandestinidade para fugir das perseguições da ditadura que só foi derrubada a 25 de abril de 1974. A partir do ano de 1976 em Portugal, João Xavier passou a integrar o movimento espirita que ainda vivia sob os efeitos da ditadura salazarista, acompanhando sua trajetória de expansão com ajuda de brasileiros como Divaldo Pereira Franco e Chico Xavier. A entrevista resgata lances históricos como o do esbulho dos bens da Federação Espírita Portuguesa pela ditadura - ainda objeto de disputa judicial - e excelentes respostas de conteúdo doutrinário à luz do Espiritismo codificado por Kardec. Pode-nos falar um pouco de si? Muito obrigado eu, pela deferência de me ouvirem. Nasci em Angola, em 1932. O meu pai, angolano, filho de uma angolana e de um indiano, de Goa, era perito contábil, formado em Portugal; minha mãe, de S. João da Pesqueira, Portugal, doméstica, era profundamente católica. Finda a instrução primária, frequentei por seis 19 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


anos o seminário diocesano de Luanda, concluindo o primeiro ano de filosofia. No início dos anos 60, já na vida profissional (Serviços de Fazenda Pública de Angola) fiz os exames do antigo sétimo ano do ensino secundário oficial (curso complementar dos liceus); em 1976 frequentei com aproveitamento um semestre do primeiro ano de ciências jurídico-administrativas da Universidade de Luanda, mas logo a seguir abandonei Angola. Após desistir do seminário, em 1949, continuara católico praticante e militante; sentia no entanto muitas dúvidas e resposta insuficiente a certas questões doutrinais, desde a mais tenra idade. Em 1959 essa inquietação atingiu foros de quase paroxismo e, muito confuso, rompi com a religião da infância. Como foi seu primeiro contacto com o Espiritismo? E quando se tornou Espírita? O meu encontro consciente, não ainda com o Espiritismo mas com fenómenos mediúnicos, ocorreu em 1960, junto de uma médium afastada do Racionalismo Cristão. Sem noção alguma sobre mediunidade, pude observar com os próprios olhos coisas que nunca vira, e da referida médium ouvi algumas elucidações. No mesmo ano, a amizade de um colega profissional ensejou-me a leitura de um livro de seu pai: “Racionalismo Cristão”, por Luís José de Matos; e tive ocasião de frequentar reuniões clandestinas de um grupo racionalista cristão (em Angola, então colónia da ditadura portuguesa só derrubada em 20 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


1974, no tocante a religião vigiava-se implacavelmente tudo que não fosse católico romano). Era muito difícil o acesso a leituras que o obscurantismo da omnipresente polícia política rotulasse de subversivas (até obras de psicologia e de yoga eram apreendidas nas estações de correios, nas livrarias, em residências particulares). Mas leitura furtiva não deixava de se conseguir e pude aprofundar um pouco o conhecimento espiritual, sem ainda distinguir entre Espiritismo e Racionalismo Cristão. Durante uma estadia de dez meses em Portugal, em 1964-65, o providencial contacto com Eduardo Fernandes de Matos e a sua “Fraternidade” (mais tarde Associação de Beneficência Fraternidade) vinculou-me de vez ao Espiritismo; em 1971, esse vínculo foi reforçado solidamente pela primeira e marcante visita de Divaldo Franco a Angola, a qual ajudei a organizar. Qual foi a sua trajetória no movimento espírita português? Deixando Angola em fins de Outubro de 1976, fixei-me em Portugal, acolhido por familiares. O movimento espírita lusitano emergia com dificuldade da era “das catacumbas” e do desmantelamento infligido pela ditadura, a cujo derrube (25 de Abril de 1974) sobreviveram bolsas de surda e sinistra influência. Ainda hoje, após quase quatro décadas, e empreendidas tantas diligências de foro administrativo e judicial, a Federação Espírita Portuguesa, FEP, não logrou reaver os bens 21 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


imóveis e outros, de que nos anos 60 fora indignamente espoliada pelo despotismo fascista. Já em 1998 (em plena democracia!) esse esbulho vergonhoso teve um “coroamento” adequado: uma escritura sorrateira forjada em cartório notarial dos arredores de Lisboa (nula em direito, mas parece que aceite por uma Conservatória de Registo Predial lisboeta!) passava, do nome da FEP para o de um terceiro, a posse de valiosa propriedade imóvel onde, em área nobre da Capital, funcionara a sede da mesma FEP!… Esta, ainda em 1998, casualmente teve conhecimento do sucedido e procedeu judicialmente contra a má-fé da bizarra escritura e dos seus outorgantes; no mandato seguinte, por estratégia jurídica, a diretoria da FEP desistiu do processo e introduziu-o em novos termos, perdendo a causa; recorreu para 2ª instância, e, no momento em que respondo à entrevista, aguarda a sentença. Quando cheguei a Lisboa, em 1976, o movimento espírita fazia por se reestruturar e reorganizar. Recebeu grande impulso de Divaldo Franco e dos irmãos Gasparetto, cautelosamente iniciado nos últimos anos da ditadura salazarista: o estudo e prática do Espiritismo foram por eles muito estimulados e em 1976 já se iam formando grupos em vários pontos do País; na região do Porto, o Núcleo Espírita Cristão tornou-se autêntico foco gerador de novos agrupamentos e um deles foi o embrião do que se tornou a Comunhão Espírita Cristã, em Rio Tinto.

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Inexperientes no conhecimento espírita, amadurecíamos com o apoio inestimável do Brasil, já mencionado; e em 1980-81, Joaquim Alves (Jô), espírita de ouro, modesto e discreto mas operosíssimo, demorou-se largos meses em Portugal e aqui desenvolveu uma atividade muito valiosa em formação doutrinária, colhendo muitas amizades e respeito pelo aprumo irrepreensível do seu convívio. Que cargos e que encargos teve e tem neste momento? A partir de 1977, frequentei como colaborador espírita (melhor dizendo: “aprendiz”) o grupo de Rio Tinto que se tornou em 1980 a Comunhão Espírita Cristã. Em 1982 mudei-me para Lisboa, onde obtivera um emprego; lá aderi a um grupo de estudos, dominical, do Centro Espírita Perdão e Caridade, até ser convidado por D. Maria Raquel Duarte Santos, em 1984, para integrar uma lista por ela encabeçada, candidata aos corpos sociais da FEP, a qual venceu essas eleições. Participei desde então na diretoria da FEP em mandatos sucessivos, como tesoureiro; em 1991-92, como vicepresidente; e de 1993 a 1998 como presidente. Ao mesmo tempo, frequentava um grupo em Linda-a-Velha, arredores de Lisboa: o Grupo Espírita Estrela do Mar, que continua a funcionar no mesmo local, recebendo e espalhando bênçãos. Nele fiz parte, em 1997, do núcleo de fundadores do Grupo Espírita Batuíra, com sede em Algés; fui igualmente co-fundador do Cenáculo Espírita 23 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


Isabel de Aragão, em Queluz, localidade também situada na área suburbana de Lisboa. Regressado à região do grande Porto em 2002, servi até 2009 em várias agremiações espíritas da zona (Centro Espírita Caminheiros da Luz, Porto; Comunhão Espírita Cristã e Associação Cultural Espírita Fernando de Lacerda, Rio Tinto). Atualmente colaboro na ADEP e seu jornal bimestral. Desloco-me a instituições espíritas do País, quando convidado para proferir palestras. Do tríplice aspeto da doutrina há algum que o sensibilize mais? Talvez o religioso, pela sua natureza intrínseca enaltecida por Emmanuel e Bezerra, sem o mínimo desdouro pelo científico e o filosófico: os três mutuamente se robustecem e se disciplinam. Mas cuidado: Deus nos livre de fazermos do Espiritismo uma religião de certezas instituídas, sem análise, desenvolvimento, aprofundamento; uma confraria de “verdades” intocáveis, hostil a diferenças de perspectiva; fundamentalista, rígida - enfim, com os tiques criticados noutras correntes espiritualistas, mas que por vezes tendemos a acolher na nossa. O Codificador frisou que não deixava dita a última palavra sobre Espiritismo; e que, se a ciência provasse a falsidade dum ponto da doutrina, deveríamos ir com a ciência e deixar esse ponto (a doutrina espírita foi, ela mesma, compilada com metodologia científica: é uma 24 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


ciência, não reconhecida formalmente pelo preconceito académico). Kardec esclareceu em que sentido entendia o Espiritismo como religião: no sentido estritamente filológico e filosófico do termo, e jamais conotado a mitologias, folclore, opulência ritual de culto externo, hierarquia. A meu ver, em nenhuma das suas três vertentes o Espiritismo se reclama proprietário da Verdade: dá-se por feliz como um roteiro para ela. Para o seguirmos em busca dela, propõe trabalho, disciplina, perseverança: ninguém a serve a ninguém ou contra ninguém, pois compete a cada um atingi-la intimamente e em paz. A infeliz expressão “verdades do Espiritismo”, ouvida por vezes, parece-me uma subconsciente e típica ancestralidade religiosa de triste memória. Conhece(u) o movimento espírita brasileiro? Que vivências tem dessa sua experiência? Conheço-o não muito, até pela imensidão territorial da encantadora pátria brasileira. Tenho tido contactos pontuais úteis e benéficos, dado o elevado grau de experiência e conhecimento que o pacífico gigante sulamericano, em seu conjunto, alcançou no domínio espírita; possui grande quantidade e qualidade de valores humanos individuais, do passado e do presente, em todas as áreas da atividade espírita: autores, divulgadores, investigadores, expositores, médiuns idóneos - valores de cujo mérito incontestável beneficia o Mundo inteiro. 25 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


Que outros momentos destaca no movimento espírita internacional? O fenómeno demográfico da omnipresença brasileira no Mundo, levando a toda a parte uma cultura bemhumorada e muito criativa, comunicativa, com múltiplas áreas de atividade, transportando o filão de uma entranhada espiritualidade - incluindo a bem específica do Espiritismo, do qual o Brasil se tornou naturalmente pátria ubérrima e possante locomotiva mundial. Quais os eventos (congressos, seminários) em que participou que mais e melhor recorda? Os oito congressos espíritas mundiais, trienais, com exceção do 3º e do 7º, de que não pude participar. Entre eles, destaco dois por razões diferentes: o 2º (1998, realizado em Lisboa pela FEP e promovido como todos pelo CEI, Conselho Espírita Internacional), de alta qualidade e produtividade doutrinárias, com quase 3000 participantes, dos quais 800 brasileiros. E o 4º, em Paris, 2004, onde a imensa alegria de sempre dum encontro mundial de espíritas, foi toldada pela indiferença da comunicação social da Cidade Luz, ante tão significativo evento e a efeméride notável por ele evocada: o segundo centenário do nascimento de Allan Kardec, celebrado no País onde ele veio ao Mundo e presenteou a Humanidade com a obra grandiosa da codificação espírita. Que recordações tem do 2º Congresso Nacional de Espiritismo em Portugal em 1994? Gratíssimas. Foi a primeira grande e condigna afirmação pública do Espiritismo em Portugal, depois da melancólica 26 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


“era das catacumbas”. Com quase 500 participantes, a novidade atraiu ao Hotel Méridien, em Lisboa, toda a comunicação social (imprensa, rádio, TV), vivamente surpreendida pelo elevado padrão cultural que testemunhou. Sentiu a perseguição aos espíritas durante o regime ditatorial? Perseguição explícita, quase não. Mas muito, o peso opressivo do preconceito social e religioso, além do político, bem assim a amarga sensação de impotência para expor dignamente as nobres propostas e pontos de vista do Espiritismo. Ainda sente alguma descriminação em relação aos espíritas na sociedade portuguesa atual? E desinformação? Ambas, em grau ocasionalmente ainda elevado, mas com tendência muito acentuada para decrescer, graças à influência de diversos fatores: um, a gradual disseminação da informação correta nos meios sociais; outro, o incremento das tecnologias de comunicação, cada vez mais utilizadas no movimento espírita (pela FEP e algumas instituições federadas). Na área das tecnologias de comunicação, destaca-se a excelente e multímoda produtividade da ADEP: ministra há anos cursos on line de doutrina espírita a mais de dois mil aderentes de Portugal e do exterior (África, Europa, 27 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


Austrália, Japão…). É interessante registrar, nesses cursos, algumas inscrições semianónimas que, perante o valor e seriedade intelectual das sucessivas lições, acabam por revelar, satisfeitos, a identidade até aí semioculta. Entre os alunos on line, figuram todos os graus de formação escolar, incluindo o superior. De notar ainda, na atividade da ADEP, as suas intervenções públicas na comunicação social: pertinentes, oportunas, formativas e informativas. Quais as personalidades (inter)nacionais mais marcantes no início da divulgação da doutrina espírita em Portugal? Sem dúvida, destaca-se incomparavelmente a de Chico Xavier pela altíssima qualidade didática e literária da sua grandiosa obra mediúnica, aliada a um perfil cristão modelar; assim como numerosas outras figuras exemplares do movimento espírita brasileiro, do presente e do passado. Em Portugal, granjearam grande respeito e gratidão dos seus concidadãos, os “consagrados” do pós 25 de Abril: Isidoro Duarte Santos, Casimiro Duarte, Jorge Raimundo, Eduardo Fernandes de Matos, José Cabrita, Ivone Sousa, Ferdinando Pestana Marques. E as grandes figuras da primeira metade do século XX, sobressaindo entre elas Fernando de Lacerda e Fernando Couto; posteriormente, as de Joaquim António Freire, António Lobo Vilela, Acácio Velho, Maria O’Neil, Maria Veleda, Firmino Teixeira, coronel Faure da Rosa - e peço vénia 28 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


por nomes respeitáveis que involuntariamente esteja a omitir no momento. Como acha que está o movimento espírita em Portugal? Vem crescendo numericamente em adeptos e agrupamentos, por todo o território. Sem menosprezo pelo trabalho das instituições e abnegação de muitos companheiros nossos, precisamos de definir estratégias de mais união, coordenação, senso de unificação e integração. Tais fatores, ainda pouco implantados mas com tendência manifesta para crescer, por certo incrementarão os padrões qualitativo e quantitativo do movimento, e com isso o influxo benfazejo da mensagem espírita na nossa sociedade.

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Xavier de Almeida: “pelo fruto se conhece a árvore” João Xavier de Almeida é um experiente companheiro de ideal. Incansável e fraterno ativista da divulgação da doutrina espírita, com o seu saber faz palestras um pouco por toda a parte. Muito deu do seu tempo e qualidades pessoais à Federação Espírita Portuguesa nas duas derradeiras décadas do século passado. Hoje, quando tantas pessoas abordam o movimento espírita em busca de orientação face à sensibilidade mediúnica que aparece de supetão nas suas vidas, resolvemos colocar-nos nesse mesmo lugar e dirigir-lhe algumas perguntas.

- Temos deparado com alguns casos de pessoas que de repente começam a ver entidades espirituais, o que é algo novo para elas. Ficam na dúvida se estarão loucas e com frequência nem com a família se sentem à vontade para falar. O que diria a alguém nessa situação?

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João Xavier de Almeida – Procuraria tranquilizar essa pessoa, informando-a da natureza (e naturalidade) do fenómeno, da frequência com que ocorre em toda a parte, do amplo acervo de estudos sobre tal matéria; indicar-lheia o centro espírita mais conveniente (pelos horários, localização, etc.), para aprender a dominar a situação e dar-lhe utilização correta, segura. - A mediunidade é outro tipo de doença diferente da loucura? João Xavier de Almeida – Não é, em si, loucura nem qualquer tipo de patologia clínica, embora possa ocorrer simultaneamente com alguma ou algumas. Abundam estudos de nível académico sobre a questão, no Brasil; por exemplo, do professor Sérgio Filipe Oliveira. Em Portugal, a Fundação Bial tem patrocinado bolsas para investigar sobre o caráter patológico, ou não, da mediunidade. - Como pode alguém com o mediunidade ter uma vida normal?

afloramento

da

João Xavier de Almeida – Com estudo e disciplina, para entender o fenómeno, o poder educar, controlar e dele obter benefícios para si e para a sociedade. Nunca é por acaso, ou sem um sentido superior, que o dito fenómeno ocorre com alguém.

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- A mediunidade só aparece quando se estuda a doutrina espírita? João Xavier de Almeida – De modo nenhum: pode manifestar-se em quaisquer pessoas, independentemente de idade, sexo, religião, condição social ou qualquer outra. - Tem ideia de como a medicina lida com alguém que tenha essas faculdades mediúnicas? João Xavier de Almeida – Já existem pelo Mundo médicos e instituições médicas a lidar com a mediunidade muito naturalmente, com conhecimento e êxito; ainda constituem escassa minoria. É enorme a acumulação de factos e estudos credíveis, altamente competentes e até com autoridade académica, sobre mediunidade e fenómenos correlatos; mas sobre ela é também enorme o preconceito religioso e científico. - Mediunidade perturbações?

e

obsessão:

como

prevenir

João Xavier de Almeida – Dum modo geral, pelo conhecimento (estudo sério e persistente: condição muito importante) e por hábitos de vida espiritual, rectidão e disciplina pessoal.

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- Há um amplo leque de faculdades mediúnicas. Pode explicar quais são e entre elas quais são as mais frequentes? João Xavier de Almeida – Longe de ser uma autoridade na matéria, limito-me a sugerir o estudo (mais do que simples leitura) de “O Livro dos Médiuns” e obras sobre o mesmo. Recomendaria “Nos Domínios da Mediunidade” (André Luiz) e textos do Projeto Manoel Philomeno de Miranda sobre a matéria. Para quem deseje maior aprofundamento, outros dois livros de André Luiz: “Mecanismos da Mediunidade” e “Evolução em Dois Mundos”; e ainda “Técnica da Mediunidade”, de Carlos Torres Pastorino, esgotadíssimo, circulando em fotocópia. O próprio estudo, teórico e prático sugerirá a cada um outras obras, das muitas existentes a respeito. - Que conselho daria a quem esteja interessado em educar a sua mediunidade? João Xavier de Almeida – Fazê-lo metodicamente em grupo espírita bem orientado, com leituras ali recomendadas; estas, por sua vez e segundo o interesse específico de cada um, facultarão novas pistas a explorar. Útil ouvir e ler médiuns insuspeitos (“pelo fruto se conhece a árvore”). E, até por prevenção psico-imunitária, nunca descurar algo fundamental no Espiritismo: o mandamento maior, amar-nos uns aos outros e a Deus sobre todas as coisas. 33 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


REGISTOS FOTOGRテ:ICOS

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João Xavier cumprimentando Nilson e Divaldo, com Isaías Sousa, Pereira Luz e outros dirigentes.

João Xavier de Almeida com José Galvão, obtendo um autógrafo de Divaldo Franco, em 2009, na Escola de Beneficência Caridade Espírita, em São João-de-Ver. 35 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


Jo達o Xavier em 1997

Jo達o Xavier quando presidente da FEP em 1998 36 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


João Xavier na CEC de Lisboa aos 19-7-2011

João Xavier na Comunhão Espírita Cristã, em Lisboa

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Revista de Espiritismo, Nยบ 25, 1994

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Revista de Espiritismo Nยบ 26

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1995


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X JORNADAS DE CULTURA ESPÍRITA

26 e 27 de Abril de 2014 Óbidos 43 | ADEP | http://adeportugal.org/adep


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