Geografia geograficidade sabor & paisagem à luz de bachelard

Page 1

SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

Lúcia Helena Batista Gratão Geograficidade. v.1, n.1, Verão de 2012.

Mestrado em Geografia da Unimontes (PPGeo) Disciplina “Cultura e Produção do Espaço Profa. Graça Cunha 2014


GASTON BACHELARD


GASTON BACHELARD Filósofo e ensaísta francês, Bachelard viveu entre 1884 e 1962. Lecionou na

Faculdade de Dijon e na Sorbonne. Seus cursos que são muito disputados pelos alunos devido ao espírito livre, original e profundo. Um dos filósofos de maior influência no mundo contemporâneo, Bachelard tem como ponto de partida de suas idéias uma filosofia das ciências naturais, especialmente da física. Originam-se nesse campo suas contribuições à

epistemologia e à poética, para cuja interpretação também se vale dos recursos metodológicos da psicanálise. Dando à ciência um conteúdo exclusivamente metódico, O filósofo é, para Bachelard, aquele que aclara a relação do homem com o seu saber. Este autor destaca ainda o papel unificador da imaginação para o saber e a poesia, o

trabalho e o sonho, e o caráter essencial da linguagem, como suporte objetivo da subjetividade, para a apreensão e análise das contradições humanas.


ALGUNS TEMAS ABORDADOS POR GRATÃO E AUTORES DIVERSOS EM GASTON BACHELARD Segundo o prof. Nichan Dichtchekenian, o livro A Poética do Espaço, trata da

“intimidade” como um lugar da existência humana, um modo de ser e existir. Este lugar tem peculiaridades, características muito especiais que os poetas

ou o modo poético de acompanhar a existência dos lugares no mundo, propicia uma percepção do que está implicado na intimidade e a sua relação com o espaço. Trata sobre “o que é a intimidade em termos de existência

humana”, como ela é vivida, preservada, cuidada e protegida por todos nós. A imagem da casa (espaço da intimidade) é trabalha com 2 registros simultâneos: 1.

Uma imagem do lugar da intimidade, que representa o estar à vontade para ser como puder ser;

2.

Uma realidade vivida por todos nós: estamos à vontade no mundo quando estamos em casa.


ALGUNS TEMAS ABORDADOS POR GRATÃO E AUTORES DIVERSOS EM GASTON BACHELARD Em “A Poética do espaço”, Bachelard compreende a casa como o elemento que conjuga, articula a intimidade com o mundo. A casa oferece ao homem a segurança

da restauração, a segurança do repouso, que não são estados privilegiados e típicos de individualidade, de enclausuramento de cada homem. Fazem parte, sim, dessa

individualidade, mas são um dos momentos em que o próprio ser do homem é cultivado e este momento, em que a intimidade é reencontrada no interior de uma casa, confere ao homem confiança e disponibilidade para ele ser sensível aos

apelos do mundo. Porém, o “abrigo e a proteção que a casa é são uma doação generosa do mundo através da casa. O abrigo e a proteção não são da casa, é o mundo que pode se tornar abrigo e proteção na figura da casa, para o homem que os busca encolhendo-se”. (DICHTCHEKENIAN. O Mundo é a Casa do Homem, 2006).



SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

Lúcia Helena Batista Gratão

Geograficidade. v.1, n.1, Verão de 2012.


ALGUNS CONCEITOS Fenomenologia: • A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. É a ambição de uma filosofia que seja uma

"ciência exata", mas é também um relato do espaço, do tempo, do mundo "vividos".Trata se de descrever, não de explicar nem de analisar . Tudo aquilo

que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual as ciências não poderiam dizer nada. (PONTY, 1994, p. 02 e 03).


ALGUNS CONCEITOS Fenomenologia: • O método fenomenológico é isso: estar atento aos detalhes. É o que Bachelard faz na sua reflexão sobre as imagens poéticas, ele se atem a essência da imagem descrevendo os minuciosos detalhes da imagem e o que

ela reflete em quem a percebe, no caso dele o devaneio. Ele usa a fenomenologia nessa busca da novidade presente na menor variação da

imagem. Joycelaine Oliveira, 2007.


ALGUNS CONCEITOS Fenomenologia: • A Fenomenologia se propõe a habitar as coisas, elas mesmas. Habitá-las é manter-se numa relação de contemplação das coisas. A contemplação é um

habitar as coisas, e fazer com que, através da observação, você vá cada vez mais se aproximando da intimidade delas, e percebendo o modo mais próprio delas serem.

• O que a Fenomenologia coloca é que, desde o primeiro instante, o homem é contato com o mundo, é destinado a ele. O que eu toco e vejo é o mundo na sua versão própria e verdadeira, embora não única. Nós temos acesso

imediato ao mundo, porque somos nele, e o que se mostra ao homem do mundo, é o mundo mesmo.


ALGUNS CONCEITOS Fenomenologia: • Nós somos aquele que mantém as coisas em redor de si. Nós não estabelecemos uma relação ao acaso com as coisas do mundo. Nós somos um centro a partir do qual as coisas estão ao redor. Um centro irradiador de

sentido, em que nós e as coisas do mundo constituímos uma paisagem plena de sentido. • Nós é que constituímos a paisagem: um pedaço do mundo que tem uma

certa ordem e essa ordem já é o homem viver um sentido que as coisas têm. Esse sentido é do mundo, mas é aberto e descoberto pelo homem.


ALGUNS CONCEITOS

Paisagem:

“O que há mais na terra, é paisagem. Por muito que do resto lhe falte, a paisagem sempre sobrou, abundância que só por milagre infatigável se

explica, porquanto a paisagem é sem dúvida anterior ao homem, e apesar disso, de tanto existir, não se acabou ainda”. Levantado do Chão. José Saramago, 19991.

1 Seermann, 2007, p. 52. (...).


ALGUNS CONCEITOS Paisagem: • “a nossa paisagem humana é nossa autobiografia inconsciente,

refletindo nossos gostos, nossos valores, nossas aspirações e até nossos medos de uma maneira tangível, visível. Raramente pensamos na

paisagem desse modo, e assim sendo, o registro cultural que temos ‘escrito’ na paisagem tende a ser mais verdadeiro do que muitas autobiografias porque nós estamos menos auto-conscientes sobre

como descrevemos a nós mesmos”.


ALGUNS CONCEITOS

Paisagem: • A leitura da paisagem, portanto, não é tão fácil como a leitura de um livro, porque no texto da paisagem há páginas que faltam, que estão rasgadas ou manchadas ou não são mais o original por se tratar de

(re)edições publicadas por pessoas com uma caligrafia ilegível” (LEWIS, 1979, p. 12). Seeamann, 2007, p. 55.


ALGUNS CONCEITOS

Geograficidade:

• Expressão cunhada pelo geógrafo francês Éric Dardel, que assinala a relação do homem com a terra como a “cumplicidade obrigatória” e

como modo de sua existência e de seu destino (HOLZER, 2001, p. 111). Seemann, 2007, p. 50


ALGUNS CONCEITOS Geograficidade:

• É a espacialização do mundo vivido ou do intermundo de comunidades

humanas, ou seja, todas as relações que ocorrem entre as pessoas e os lugares, as paisagens e os espaços. (...) Dessa forma, esse termo “encerra todas as respostas e experiências que temos nos ambientes no qual

vivemos , antes de analisarmos e atribuirmos conceitos a essas experiências”, pois “todos devem conhecer lugares, responder aos espaços

e participar da criação (ou destruição) da paisagem, meramente para ficar vivo” (RELPH, 1979, p. 18). Silva, 2007, p. 44.


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

Entrada: sabor ao sonho e devaneio

A menor variação de uma imagem maravilhosa deveria servirmos para sutilizar nossas investigações. A sutileza de uma novidade reanima origens, renova e redobra a alegria de maravilhar-se. Gaston Bachelard (1988a, p. 3)


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

“Sabor & paisagem à luz de Bachelard” é um transcurso que busca explorar o campo geográfico de pesquisa pela perspectiva da imaginação. Uma perspectiva de abordagem que parte da

imaginação à luz do filósofo Gaston Bachelard e se converge na base geográfica existencial do geógrafo Eric Dardel. Nesse transcurso, o que leva ao encontro entre os dois pensadores é o sentido do humano na maneira de ver o mundo, de estar no mundo.


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

A análise de Dardel o conduz a uma posição quase romântica: a sensibilidade torna possível o acordo, a reconciliação, do homem com

o próprio movimento do mundo, expressão de uma alma sempre obrigada ao segredo. Bachelard experimentará mais tarde a mesma

admiração que Dardel diante do poder de impacto da imagem poética, que (...) reúne o mundo e o homem, o homem e o homem, numa brusquidão “flambada” do ser (BESSE, 2011, p. 118).


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD A dimensão do humano está na imagem poética do mundo, na poética do espaço. Esse encontro vai se estabelecer concretamente na paisagem. A paisagem é a geografia compreendida como o que está em torno do homem, como ambiente terrestre. [...]. A paisagem se unifica em torno de uma tonalidade afetiva dominante, perfeitamente válida ainda que refratária a toda redução puramente científica. Ela coloca em questão a totalidade do ser humano, suas ligações existenciais com a Terra, ou, se

preferirmos, sua geograficidade original: a Terra como lugar, base e meio de sua realização (DARDEL, 2011, p. 30-31).


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

Observa-se que “a paisagem não é, em sua essência, feita para se olhar, mas a inserção do homem no mundo. É através da paisagem

que o homem toma consciência do fato de que habita a Terra” (BESSE, 2011, p. 119).


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

Se a paisagem se apresenta como “uma impressão de conjunto”, como totalidade, e se essa totalidade só é acessível aos sentidos e

sentimentos, “o sabor se põe como um traço de extensão entre o homem e a Terra, traço de ligação existencial do homem com a Terra. Como forma de uma “tonalidade afetiva dominante”, como traço de geograficidade, “essa relação concreta que liga o homem à Terra” (DARDEL, 2011, p. 2). p. 31-32.


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

Nesse horizonte, vislumbrado por imagens evocadas em sonhos e devaneios e sobre uma base existencial de sustentação, está uma

geografia enraizada no sabor pelo sentido da paisagem. Uma geografia se faz pela via de exploração do mundo; um dizer do mundo; um sentir do mundo. (...)

(...) Essa seria, então, a geografia que se põe em investigação como um anúncio de exploração teórica, e não como resultado de uma pesquisa empírica. Uma investigação em torno de pressupostos teóricos exploratórios e não como uma metodologia do sabor. P. 31


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

Da mesa à paisagem, da paisagem à mesa: extensão telúrica

Amor ao solo natal ou busca por novos ambientes, uma relação concreta liga o homem à Terra, uma geograficidade (géographicité) do homem como modo de sua existência e de seu destino. Eric Dardel (2011, p. 1-2).


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

O sabor não age apenas sobre nossos receptores oculares, olfativos ou gustativos.

“Há

uma

experiência

concreta

e

imediata

onde

experimentamos a intimidade material da ‘crosta terrestre’, um enraizamento, uma espécie de fundação da realidade geográfica” (DARDEL, 2011, p. 15).

Da mesa à paisagem, da paisagem à mesa é um desdobramento do espaço telúrico cedendo e concedendo ao saber geográfico o lugar que

ocupa o sabor. p. 33.


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD sabor se põe à mesa em forma de paisagem – extensão da Terra. Ao

saborear os alimentos saboreia-se o lugar, a casa, a Terra. Um gesto de retorno; volta à Terra. “Será de admirar que a matéria nos atraia para as profundezas de sua pequenez, para o interior de sua semente, até o princípio de seus germes? [...]. É por se ter tornado um centro de interesse que o centro da matéria entra no reino dos valores” (BACHELARD, 1990, p. 3). Como uma página escrita, impressa, que ao ser lida se desvela e revela, ao

saborear a paisagem, sua essência de sabor se desvela e revela. A paisagem é, ao mesmo tempo, impressão e expressão. Tem (suas) mensagens – cor, cheiro, som, sabor. A paisagem se põe nas relações intersubjetivas. É ela,

produtora de significados. P. 34


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

À mesa com Bachelard – paisagem, memória e imaginário

Antes de ser um espetáculo, toda paisagem é uma experiência onírica. Só olhamos com uma paixão estética as paisagens que vivemos antes em sonho. Mas a paisagem onírica não é um quadro que se povoa de impressões, é uma matéria que pulula. Gaston Bachelard (1989, p. 5)


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD “À mesa com Bachelard” é uma expressão inspirada no título do livro “À mesa com Monet”. (...) Quanta memória resguardada no imaginário

– a paisagem, a casa, a cozinha. Universo que seduz e incita à investigação no campo da imaginação geográfica e da poética do espaço – poética da terra.

Nesse pretexto de encontro e leitura, põe-se “À mesa com Bachelard”, composta por três elementos essenciais que envolvem o sabor –

paisagem, memória e imaginário –, sonhada, imaginada e pensada como um modo de mostrar como esses elementos alimentos se relacionam no universo de investigação. p. 34-35


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

Para Bachelard, a imaginação antecede o pensamento, [pois] não é uma substância derivada nem submetida à razão, constituindo-se uma

situação inversa: “em seu contato com a razão, a imaginação mostra a força inventiva, criadora e aberta” (RODRIGUES, 2005b, p. 55).

À mesa com Bachelard é a volta a casa, o retorno à Terra pelo desdobramento, ressonância e repercussão dos elementos que a compõem. Uma composição que remete à casa onírica. O sabor como

mediação dessa composição é capaz de levar a essa volta. E à mesa serve-se ao espaço concreto de mediação. p. 35


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

O desejo de destinação é explorar um campo geográfico que possibilita transitar pelo universo da imaginação à luz de Bachelard, sustentado

pelo espaço telúrico de Dardel, descerrandose uma geografia que cede e concede a experiência do mundo. Uma geografia que ao mesmo tempo sonha e fixa (finca) o homem no lugar de sua existência. Essa geografia que se faz pela imaginação enraizada na experiência telúrica.p. 36


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD O sabor é essência impregnada de todas estas dimensões que envolvem a paisagem. Memória que brota da terra manifesta do e no imaginário. Que essência é essa capaz de conduzir de volta à Terra? A

paisagem é ela, uma extensão, uma relação entre o lugar e o homem que nela habita – que está nela. p. 36


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD (...) Quando acreditamos estar degustando a paisagem, estamos a saboreá-la. Não é o ato simples de comer que desperta o (nosso) interesse pelo sabor, mas o sentido de paisagem. O sentido de enraizamento que ela carrega no valor à Terra. Não importa qual seja o alimento-elemento,

mas as lembranças despertas. A paisagem reconduzindo a casa, à Terra. p. 37 A paisagem vivida por uma pessoa não emoldura simplesmente as circunstâncias, ela integra-se à sua existência e torna-se parte dela. Ao

reconduzir de volta a casa (pelo sabor), a paisagem vivida por uma pessoa integra-se à sua existência e torna-se parte dela. p. 39


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

Apreciação final – o prazer de sentar-se à mesa e saborear paisagem

O propósito deste texto é uma destinação teórica no sentido de dar ao sabor o lugar que ocupa na imaginação geográfica e na poética da

terra. (...) E já não nos parece um paradoxo dizer como Bachelard (1989b, p. 12), que “o sujeito falante está por inteiro numa imagem

poética, pois se ele não se entregar sem reservas não entrará no espaço poético da imagem. Torna-se claro, então, que a imagem poética proporciona uma das experiências mais simples de linguagem

vivida”. P. 39


SABOR & PAISAGEM À LUZ DE BACHELARD

(...) O que pode proporcionar o prolongamento da paisagem pela via

do sabor? Uma “viagem” de escavação fenomenológica pelo universo da memória e do imaginário. Um trajeto recortado de onirismo para se chegar à casa onírica. (...) [Pois muitas são as] maneiras prazerosas de apreciação do sabor podem levar a conhecer sua história – costumes, hábitos – tudo que envolve a geografia.

E assim, está posto em contexto o estudo dessa essência da terra – o sabor, na perspectiva de fundar um campo de investigação que venha

explorar o devaneio do sabor ou a poética do sabor. Esse é o ensejo que se projeta. p. 39-40



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.