Dossiê Victorien Sardou

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Victorien Sardou (1831-1908)


Apresentação O universo literário, simples paixão de muitos, campo de estudo para tantos outros, está longe de se ver inteiramente historiografado. Muito do que se já se fez e muito do que ainda se faz pode não entrar para o rol canônico de interesse ao longo do tempo. O ato de rememorar alguns dos autores e suas vidas poderá nos dizer muito sobre o que é fazer história literária, bem como o que é, em si, consumir literatura com o passar do tempo, em vista das constantes mudanças que as tecnologias da escrita sofrem. O dossiê preparado pelo grupo de pesquisa formado na disciplina de Literatura e Imprensa, durante o segundo semestre de 2014, faz as etapas de rememoração e busca do trabalho literário de Victorien Sardou. O estudo sobre o autor e de suas obras, com o foco em “Fédora”, bem como sua recepção crítica, as encenações da peça no Brasil, dizem respeito não apenas à história de um indivíduo, mas também à de toda uma época, em que vários outros autores estavam presentes, assim como o ambiente social se fazia entrever na literatura. Enfim, esperamos empreender um percurso historiográfico que leve em conta o que aprendemos em sala e o que aprendemos juntas, como pesquisadoras... As autoras.

2


Conteúdo De realismo a espiritismo

Fédora Encenações de Fédora no Brasil Edições: Fédora ao redor do globo O fenômeno da ópera A recepção crítica de Sardou Estudos sobre Fédora e Sardou Adaptação cinematográfica Curiosidades Anexo

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De realismo a espiritismo O escritor de peças francês, Victorien Sardou teve uma carreira literária prolífica e não esteve apenas associado a peças de gosto popular; até mesmo o espiritismo foi objeto de seu trabalho artístico.

V

O livro Fre nch Dramatists of the 19th ictorien Sardou (Paris, 5 de Se-

century, de James Brander Matthews, cita ,

tembro de 1831 - Paris, 8 de No-

quando fala de Eugène Scribe, que o autor

vembro de 1908) foi um célebre dramatur-

francês de peças mais famoso fora de seu

go francês da segunda metade do século

país era, sem dúvidas, Victorien Sardou. Aos

XIX. Sardou cursava Medicina e por ques-

quarenta e seis anos, entra para Academia

tões financeiras viu-se obrigado a abando-

Francesa (a lg o como a Academia Brasileira

nar o curso, e dar aulas de francês, latim e

de Letras), sen-

matemática. Paralelo a isso, Victorien ten-

do

tava ingressar numa carreira literária, ob-

mais jovem até

tendo uma coleção de fracassos em sua jor-

então a nela in-

nada.

gressar.

o

membro

Seu

discurso de re-

Quando finalmente obteve uma estreia no

cepção foi uma

teatro, com a peça La Tave rne des étudi-

homenagem

ants, surg iu uma polemica acerca do seu

Joseph

conteúdo, e devido a isto, ocorreram ape-

a

Autran,

membro da Aca-

nas cinco apresentações antes de ser cance-

demia que ele substituía naquele momento,

lada. Desestimulado e doente, cercado por

junho de 1877.

uma sucessão de fracassos e peças rejeita-

das, Sardou foi resgatado por uma mulher

Escritor de comédias, no geral, Sardou

que morava em seu prédio, chamada Lau-

aparece na cena teatral francesa muitas ve-

rentine de Brécourt (posteriormente viria a

zes como um sucessor de Scribe, mas tam-

ser sua esposa) que tinha contatos no meio

bém como um escritor contemporâneo de

artístico e o apresentou à atriz Virginie Dé-

Alexandre Dumas Filho e Guillaume Victor

jazet, à quem ele deve seus primeiros su-

Émile Augier, aos quais é constantemente

cessos na dramaturgia.

comparado. Quase sempre aparece nas clas 4


sificações das historiografias literárias como um “drama moral”, “drama burguês” ou na “comédia realista”. O teatro considerado naturalista é o grande evento do drama francês no final do século XIX, sendo Sardou considerado um de seus autores, além de

Principais publicações

Roman Rollande, Eugène Brieux, Paul Hervi-

Victorien Sardou teve publicadas mais de

eu e, célebre em seu tempo, Édouard Paille-

80 obras. Por questões práticas, apenas as

ron.

principais serão aqui listadas. Além disso,

Victorien Sardou, de acordo com o livro

escreveu seu primeiro romance filosófico,

de Matthews, esteve estreitamente envolvi-

Carlin, na década de 1850, que foi publica -

do com a política de sua época. Em algumas

do postumamente em 1932.

de suas peças ele acaba atacando o líder do partido Republicano, e o partido em si, principalmente durante a guerra franco -

prussiana (1870-1871), quando a França envolve-se em conflitos. É nesse contexto que também

escreve

suas

peças.

(Matthews, p. 176 e 177). Rabagas, escrita

em 1872 é tida como um ataque direto à Comuna de Paris (1871) e seus revolucionáAlphonse Mucha é um artista francês que, na época em que morava em Paris, criou diversos pôsteres, sendo o pôster de Gismonda, de Sardou um trabalho que lhe rendeu sucesso pelo fato de ter revolucionado o design desse tipo de arte. Ele fez um pôster para La Tosca, além de vá rios outros para Sarah Bernhardt, atriz francesa de grande popularidade.

rios, aos quais Sardou era abertamente contra.

A polêmica com relação à Sardou estende-se também para o campo religioso. O dramaturgo era espírita, amigo e discípulo de

Allan Kardec.

Sardou

frequentou

a

“Sociedade de Estudos Espíritas de Paris”, nas quais tornou-se médium realizando “psicopictografias”, que seria a habilidade de realizar desenhos em transe.

5

http://www.muchafoundation.org/gallery/browse-works/object/21

Sardou


Algumas peças: Nos Intimes (1861)

Em toda sua carreira literária, Sardou obteve diversos sucessos, ao mesmo tempo que fracassos. Merecem especi-

Les Ganaches (1862)

al atenção aquelas peças que tiveram maior repercussão

Les Vieux Garçons (1865)

em sua época. Duas delas, escritas para Sarah Bernhardt

Nos Bons Villageois (1866)

são exemplos ilustrativos disso.

Séraphine (1868) Patrie (1869) Rabagas (1872)

Sarah Bernhardt (1844-1923) foi uma atriz francesa que alcançou sucesso e foi idolatrada em seus tempos co-

Le Roi Carotte (1872)

mo protagonista de inúmeras peças de teatro, não só na

La Haine (1874)

França mas também no Brasil e em diversos outros países

Divorçons ! (1880)

do mundo, por onde quer que passasse com sua trupe.

Fedora (1882) Théodora (1884)

Daniel Rochat (1884)

Retrato de Sarah Bernhardt usando o emblemático chapéu “Fedora”

Tosca (1887) Les Merveilleuses, Thermidor (1891) Madame Sans Gêne (1893)

Spiritisme - Amargo Despertar (1896/1897) La Duchesse d'Athènes Robespierre (1899/1902) Dante (1903) La Sorcière (1904) La Pisie (1905) Le Drame des poisons/L' Affaire des Poisons (1907)

Além de fazer peças como A dama das Camélias, a que causou rebuliço no meio artístico, a Sarah foi escrito La Tosca e Fédora, por Sardou. Com a seg unda, a qual é o foco de estudo que fazemos neste dossiê, ela alcançou êxito e sensação nas duas vezes que veio ao Brasil encená -la.

Cartaz a adaptação de La Tosca, ópera de Giacomo Puccini baseado na peça de Sardou.

Pequeno anúncio no Jornal do Recife , em 10 de junho de 1886.

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Fédora

E São

Sinopse

deseja fazê-lo confessar o assassinato de Wladimiro. No entanto, a princesa se surpreende ao saber que embora culpado do

m

assassinato Ipanoff não havia cometido o crime por questões políticas e sim por vin-

Peters-

burgo,

gança contra Wladimiro que era amante de

Rús-

sua esposa. Ao descobrir que Ipanoff não

sia, a princesa

era um dos revolucionários contra o gover-

Fédora

no Russo Fédora se arrepende de tê -lo en-

Romanoff e o

tregando a polícia através de uma carta que

conde Wladi-

miro vicht, do

enviou ao pai do conde Wladimiro que re-

Andre-

sultou na morte do irmão e da mãe de Ipa-

filho

noff. Ao final, ela confessa sua culpa, mas

diretor

não obtendo o perdão de Ipanoff, comete

geral da polícia, estão secretamente noivos,

suicídio devido ao seu arrependimento.

porém o conde é morto em uma emboscaPersonagens

da. Durante uma rápida investigação descobre-se que o conde havia recebido uma car-

Princesa Fedora Romanoff

ta de uma mulher e que no mesmo dia um

Condesa Olga Soukareff Loris Ipanoff Juan De Siriex Gretch Rouvel Borof Bernardo Tchilef Demetrio Cirilo Doutor Lorech Doutor Muller Wenceslao Lasinki

Wladimiro Andrevicht

homem, que se descobre ser Loris Ipanoff, havia aparecido na casa e provavelmente roubara a carta. Diante dos rumores de que Ipanoff é um niilista que esta contra o czar

Fédora conclui que ele é o assassino e que o motivo do crime fora político. A princesa jura vingança. Meses depois, Fédora e Ipa-

Basilio

noff estão em Paris e mantém uma relação

Dois Agentes De Polícia

próxima. Fédora sabe que Ipanoff a ama e

Gênero

ela também se apaixona por ele, porém

Drama

continua firme em seu plano de vingança e 7


nagens acusados de niilismo são imediatamente julgados sem caráter. Logo no come-

Tempo

ço da peça a conversa entre Bernardo e “Época atual”

Tchilef situa a Rússia em um período de

O Ato I se passa em uma noite.

conflitos, após o assassinato do Czar Ale-

Do Ato I para o Ato II passa-se aproximadamente mais de 2 meses.

xandre II (Ato I, Cena I), onde aqueles que

Durante o Ato II e III se passa uma noite.

tinham relação com o governo estariam em

E o Ato IV acontece 15 dias depois.

perigo – Tchilef comenta que o conde Wla-

Espaço O Ato I acontece em São Petersburgo, Rússia. Durante a Rússia Czarista. Ato II, III e IV: Paris, França. (Lugar onde os russos com “contas pendentes com o governo russo encontram uma boa acolhida”) Cenário Ato I: Casa do conde Wladimiro em São Petersburgo, Rússia. Ato II: Casa da condessa Olga, Paris, França. Atos III e IV: Casa de Fédora, Paris, França.

A peça Fédora é escrita prisma

sob

um dimiro seria um possível alvo dos revolucio-

político,

nários, pois era filho do chefe da polícia.

provando o envol-

vimento de Victo-

O engano que ocorre na peça é conse-

rien Sardou com a política. O enredo tem

quência do falso boato do conde Ipanoff ser

como pano de fundo a questão da oposição

um niilista. O crime de Ipanoff não foi o as-

ao governo russo, na época da Rússia cza-

sassinato, mas sim seu envolvimento com o

rista. Durante as falas é possível perceber

niilismo. Fedora e Siriex perdoam o assassi-

a forte repulsa contra os niilistas conside-

nato quando descobrem se tratar de uma

rados os opositores do governo. Os perso-

vingança por amor. 8


Encenações de Fédora no Brasil

A

s encenações de Fédora no Brasil foram inúmeras e

diversas ao longo das décadas desde sua estreia na França. Contrariando a noção de que o texto não circulava muito no país por conta de não encontrarmos edições aqui da

peça (diferente da ópera, como veremos), desde 1884, apenas dois anos depois de ser encenada pela primeira vez em seu país de origem, Fédora obteve sua estreia com a

Companhia Furtado Coelho, que foi, sem Imagem do jornal Gazeta de Notícias, edição de 7 de julho de 1884.

dúvidas, a que mais encenou Sardou aqui no Brasil. Essa estreia foi no Rio de Janeiro, e posteriormente acompanhada por ence-

italianas que aqui aportavam. Essas,

nações em São Paulo, e em maior quantida-

junto com as montagens portuguesas, foram

de em Pernambuco .

as mais numerosas aqui. De encenações de grupos brasileiros, em si, tivemos notícia

É importante lembrar que Sarah Ber-

apenas a partir do século XX. Além disso, a

nhardt veio para o Brasil com Fé dora em

partir de 1930, começam a aparecer tam-

seu repertório. Em 1886 apareceu no Brasil

bém adaptações para o cinema da peça em

pela primeira vez e foi responsável por um

quatro atos.

rebuliço nacional, tanto em volta de sua personalidade célebre quando por suas en-

Para resumir em alguns dados repre-

cenações aclamadas. Ela voltou para o Bra-

sentativos do cenário com que a peça foi

sil mais uma vez em 1893, com a mesma

aqui recebida, temos que dos 31 momentos

Companhia, a Cia. Franceza.

de apresentação que encontramos em anúncios de jornal e periódicos em geral (1884 -

Ao passar dos anos, muitas Compa-

1930), 13 deles foram de Cias. portuguesas,

nhias encenaram Fédora no Brasil. É impor-

oito foram italianas - duas delas são da ópe-

tante dar especial atenção às companhias

ra, duas francesas (as duas de Sarah Ber9


nhardt) e, após 1917, quatro momentos de

Olhando, portanto, para a presença

encenação por Cias. brasileiras. Em se tra-

do autor na atualidade em relação à perma-

tando dos locais de encenação, 17 deles fo-

nência de seu texto na cena teatral brasilei-

ram no Rio de Janeiro, 4 em São Paulo, 4

ra, podemos observar que após a década de

em Recife, 2 no Maranhão, 2 em Porto Ale-

30, Fédora parece ser de certa forma deixa -

gre, 2 em Curitiba e 1 em Santa Catarina.

da de lado pelas Cias. Teatrais. Apesar de

Uma última organização de dados interes-

termos encontrado um número de momen-

sante é a por décadas. Entre 1884 (primeira

tos de encenação da peça no Brasil ao longo

encenação no Brasil) e 1889 foram oito re-

das décadas (1880-1889; 1890-1899; 1900-

presentações no país de que tivemos notí-

1909; 1910-1019; 1920-1929) relativamente

cia; de 1890 a 1899, foram seis; de 1900 a

homogêneo, não encontramos encenações

1909, o número mais baixo, quatro encena-

sendo feitas a partir desse período (não de

ções; de 1911 a 1919, seis encenações e,

forma significativa como antes) e não obti-

finalmente entre 1920 e 1929, constatamos

vemos notícia de nenhuma encenação re-

sete delas.

cente.

A partir desses últimos números, não constatamos uma diferença muito grande da quantidade de encenações de Fédora, que ocorreu de certa forma homogênea ao

longo das décadas, tendo uma leve queda durante a primeira década do século XX. Quanto à questão das adaptações, fizemos uma certa filtragem em nossa pesquisa pelas encenações nos periódicos, observando prioritariamente os anúncios que diziam respeito à peça e não à sua adaptação para a ópera. Essas imaginamos que também tenham sido numerosas, uma vez

Anúncio do Gazeta de Notícias, dia 27 de junho de 1887, número 178.

que a maior parte das edições que encontramos, não apenas no Brasil, mas em outros países, eram da ópera em sua adaptação italiana e não o drama de Sardou.

10


Tiras de quadrinhos que saiu no jornal O paiz, relativa à vinda de Sarah Bernhardt ao Brasil para a encenação de algumas peças, incluindo Fédora. 11


Edições: Fédora ao redor do globo Fédora, de Victorien Sardou, primeiramente pu-

bibliográficas) e não as edições em si. Assim,

blicado em 1882, obteve, além de várias publi-

as fontes com as quais obtivemos as informa-

cações em diversas línguas, uma adaptação para

ções aqui colocadas são estritamente secundá-

a ópera, que acabou lhe rendendo tanto sucesso

rias, uma vez que nem ao menos a edição origi-

quanto a peça original. A pesquisa dos dados de

nal francesa pode ser acessada.

cada edição original e traduzida, portanto, foi

consultada foi o European Library.

dividida naquelas edições do drama em si, e nas edições da ópera.

Outra fonte

Ainda, temos que salientar que fizemos o

Confeccionamos aqui

levantamento inicial do drama de Sardou e não

gráficos que ilustram o conjunto de publicações,

de sua adaptação para a ópera (muito famosa

nos trazendo informações relevantes para en-

em diversos lugares) e filtramos pelo período

tender a recepção da peça em cada país e sua

que se estende de 1882 a 1914, data da pri-

popularidade por época.

meira publicação e que perfaz o que se consi-

As pesquisas com relação às edições de

dera o século XIX (até 1914, data da Primeira

Fédora tivera m como ba se de da dos o ca tá logo

Guerra Mundial) pelos historiógrafos.

online World Catalog, em que se encontram informações sobre as edições (suas referências

EDIÇÕES EM LÍNGUA ORIGINAL 1.2 1 0.8 0.6

Paris

0.4

0.2 0 1

Neste primeiro gráfico, vemos que as edi-

É um fenômeno curioso esse o da publica-

ções de Fédora em francês ao longo dos anos

ção da peça na França: nas buscas pelas edições,

Foram bem esparsas, sendo a primeira no ano

com muita dificuldade, encontramos dados de

de estreia e publicação inicial da peça e as ou-

apenas uma edição francesa que foi publicada

tras duas em outros países.

em Paris.

12


Chegamos a concluir que, das três edições encontradas em língua francesa, sendo que apenas uma delas foi publicada na França, com relação às editoras citadas nas fontes dos bancos de dados, duas delas constam em revistas —L’illustration —e a primeira delas tem editora indeterminada. Ou seja, não podemos dizer com certeza em que meio foi publicada, se era por uma editora reconhecida, ou mesmo por meio de periódicos.

EDIÇÕES TRADUZIDAS

Edições por língua

Vemos que a quantidade de traduções publicadas em diversas línguas diferentes, durante o período estudado, foi grande se pensarmos que houve apenas três edições publicadas na língua de origem da peça. Em números, vemos que das vinte e cinco edições publicadas em outros países, a maior parte delas saiu em inglês e italiano. Importante lembrar que essas são relativas ao drama: não encontramos edições em português ao não ser da adaptação para a ópera.

13


Edições por Editora Vemos por meio do gráfico ao lado que das edições não francesas publicadas ao redor do mundo, poucas delas foram republicadas pelas mesmas editoras. Fato notável é que aqui destacam -se Jos. R. Vilimek e Knapp, ambas da republica tcheca. Esta última fez muitas edições de peças francesas também de outros autores durante o mesmo período.

Finalmente, temos os gráficos relativos às datas em que foram publicadas as edições traduzidas do drama Fédora. Temos no primeiro gráfico as porcentagens de edições por década do século XIX. A peça ficou mais famosa logo após sua publicação: metade das edições traduzidas se dão na década de 1880. Ao longo das décadas há uma diminuição do interesse por traduzir o drama. O segundo gráfico mostra mais detalhadamente a quantidade de edição por anos, desde sua estréia. Assim, é interessante ver que imediatamente após sua edição na França, Fédora já obteve traduções em outros países. A rapidez com que isso se deu (a maior parte das traduções são de um ou dois anos depois, apenas) mostra que a peça deve ter tido um estouro e tornadose imediatamente popular desde 1882, com Sarah Bernhardt. 14


O fenômeno da ópera Era comum que peças de teatro recebessem adaptações para a Ópera no século XIX. Os italianos eram especialmente notáveis e famosos por fazê-lo com maestria. Esse foi o caso também com Fédora. O que era inicialmente um drama em quatro atos de Victorien Sardou, tornouse uma ópera em três atos, adaptada por Arturo Colautti e Umberto Giordano. Durante a pesquisa nas bases de dados internacionais para a obtenção de informações sobre as edições do drama, encontramos muitas referências à ópera adaptada pelos italianos. Há quase tantas edições do drama quanto da ópera e muitas das traduções relativas a Fédora eram traduções da ópera, a partir do texto de Giordanno e Colautti, e menos do texto de Sardou.

15


A recepção crítica de Sardou

C

ressalva, no entanto, quando se trata da atriz omo pudemos perceber desde o iní-

principal que interpreta o papel da princesa Fé-

cio da busca e pesquisa dos dados

dora, neste caso, interpretada por Lucinda Coe-

sobre Victorien Sardou e suas peças, em especi-

lho:

al Fédora, lemos comentários que indicavam que Victorien Sardou fez muito sucesso com várias

Página do jornal Gazeta de Notícias, no dia 06 de julho de 1884, falando sobre a primeira representação de Fédora. Dá um resumo da peça bem como faz uma crítica de sua encenação pela Cia Furtado Coelho.

de suas peças. O fato de algumas delas estarem atreladas à atriz Sarah Bernhardt, famosa e louvada em seu tempo, fez com que muitas delas tornassem-se verdadeiros emblemas do teatro francês. O que se procura observar agora é como

foi a recepção crítica de Fédora, bem como os comentários sobre a apreciação das encenações em específico, levando em conta os comentários que os críticos faziam sobre a própria peça

em si e à maneira de escrever de Sardou. A recepção crítica das encenações brasilei-

“(...) Nos papéis de outro gênero - e Fédora é

ras

um deles - a atriz tem de violentar a sua nature-

Sobre a reação da crítica à encenação das

za. O que consegue, e consegue muito, é filho

peças que apareceram nos periódicos brasilei-

de um estudo acurado, de um esforço de vonta-

ros da época, as críticas concordavam, de certa

de extraordinário. Acontece, pois, o que é natu-

forma, com relação ao sucesso da maior parte

ral que aconteça: vê muito, mas não vê tudo. O

das encenações feitas no Brasil. Olhando, por

publico que lhe é simpático teve-se em expecta-

exemplo, para a crítica que aparece no Gazeta

tiva nos dois primeiros atos e só começou a

de Notícias, no dia 6 de julho de 1884, data da

aplaudi-la no final do terceiro, para chegar ao

primeira encenação de Fédora no Rio de Janei-

entusiasmo no último.”

ro, feita pela Cia. Furtado Coelho, no Theatro

Lucinda, percebemos uma opinião positiva com

Vemos que apesar de antes a atriz ser tida

relação à técnica dos autores, aos cenários e

como capaz da “mais completa organização ar-

iluminação, bem como figurinos. Há alguma

tística”, nesse papel, a atriz não alcançou sua potência mais feliz, o público “vê muito, mas 16


Há uma crítica, no entanto, positiva da

não vê tudo”. Mais um exemplo ilustrativo é o da crítica

atriz Lucinda Simões, que demostra que não

encontrada também no Gazeta de Notícias, do

apenas tomavam o critério de comparação para

dia 27 de julho de 1885, dizendo respeito à en-

avaliar as interpretações. Aparece n’A Federa-

cenação de Fédora, pela Cia. Dramática Italiana

ção, em Porto Alegre no dia 22 de fevereiro de

feita no Teatro Imperial São Pedro de Alcânta-

1885, falando sobre a encenação feita no ano

ra, neste mesmo mês. Nesse parecer sobre a

anterior, novamente pela Cia. Furtado Coelho,

encenação do grupo italiano, diz-se bem da pe-

desta vez em São Paulo. Nessa crítica em espe-

ça, em si, já que “é justamente nessa inverossi-

cífico, o que aparece de diferente das outras é

milhança que está o grande efeito dramático da

uma apreciação negativa do drama de Sardou,

peça, que tanto agrada ao público de tantos paí-

em si, e não da montagem pela companhia tea-

ses”.

tral. “Conforme

Ainda assim, quando chega a hora de falar

nossa expectativa, Fédora está

dos atores, a atenção se volta para a atriz res-

aquém de seu renome. Nada de novo se vê no

ponsável pela personagem que dá nome ao dra-

festejado drama do Victorien Sardou. O aplau-

ma e é nesse momento em que as críticas são

dido autor dramático aplicou mais uma vez o

mais duras. Dessa vez, a Sra. Duse não é criti-

seu velho processo de muito conhecido e, diga-

cada de forma negativa, inteiramente:

mos, um tanto gasto. Armar o efeito, preparar cenas estupefacientes, provocar a atenção vigi-

“A Sra. Duse tem muito da escola dramática do

lante do espectador, sem cuidado da realidade,

seu país, mas já tem alguma cousa da escola

sem respeito a verossimilhança e muitas vezes

francesa; e tanto assim, que no papel de Fédora

sem logica no encadeamento dos factos e nas

segue geralmente as pisadas de Sarah Ber-

soluções, tal é, em resumo, o velho processo de Sardou.”

nhardt, exceto na cena final, que é feita de mo-

Lucinda

do muito diverso, ainda que muito admissível.”

Simões

aqui

é

tida

como

“magnifica”, sua atuação é “brilhante”. Nas paO sucesso da atriz no papel, portanto, deve-se à

lavras do crítico: “A força de talento e a força

sua semelhança com a escola francesa. Haveria

de tenaz estudo, a exímia artista deu-nos uma

algo da técnica da atuação francesa louvada por

Fédora provocadora de aplausos, notadamente

todos os críticos teatrais da época? O que pare-

nas cenas em que o tipo criado por Sardou

ce ocorrer é que o principal critério observado

aproximava-se da natureza, do mundo real”.

por esses críticos é o quanto os atores, mas

Assim como ela, os outros autores tiveram a

principalmente a atriz que faz o papel principal,

mesma energia para enfrentar cenas de “áspera

assemelham suas atuações ao grupo da Cia.

dificuldade” ou “espinhosíssimo papel”.

Francesa, e à de Sarah Bernhardt. Como a peça

Finalmente, é interessante observar a críti-

foi escrita para ela, acreditava-se que ela, ape-

ca feita à encenação da Cia. Francesa, com a

nas, interpretava com verdadeiro louvor a per-

atriz Sarah Bernhardt, no ano de 1886. O jornal

sonagem que Sardou lhe dedicou.

A Federação publica uma crítica em 16 de junho 17


de 1886 falando sobre a interpretação de Fédo-

século XIX, escreve na coluna DE PALAN-

ra, falando principalmente da atriz principal

QUE, que mantinha no Gazeta de Notícias, no

que havia estreado no primeiro dia do mesmo

dia 03 de junho:

mês, no Rio de Janeiro, no Teatro São Pedro de “Estreia com a Fédora, de V. Sardou, no teatro

Alcântara.

de s. Pedro de Alcântara, do Rio de Janeiro, a celebre atriz francesa Sarah Bernhardt". Eis o que mais tarde se há de ler nas futuras efeméri-

das da nossa história artística. A noite de anteontem ficou sendo uma data (...). Sarah Bernhardt chegou, viu, e venceu, com uma sobranceria realmente cesariana. Desde que lhe vimos o imortal sorriso, exaltado pela musa de Banville. Desde que ouvimos a sua voz essa musica penetrante e suave, com modulações de haras e queixumes de violoncelo, sentimo-nos violentamente, despoticamente subjugados pela força irresistível do seu talento”. A recepção posterior

O papel de Fédora encaixa-se para alguns

Para estudar a crítica de Fédora mais a fun-

críticos, perfeitamente ao gênio de Sarah Ber-

nhardt e o sucesso da atriz no Brasil foi extre-

do, é preciso também olhar para o que se disse

mamente estrondoso, o que explica as compara-

sobre sua encenação nos anos posteriores à sua

ções constantes com ela. Por ser um papel es-

estreia. Temos alguns dados encontrados em

crito PARA a atriz, os críticos vêm as possíveis

jornais e periódicos de 1910 a 1919 que nos di-

lacunas de interpretação das outras atrizes que

zem também algo sobre os espetáculos brasilei-

se atrevem a tentar o papel. De maneira um

ros. As críticas eram geralmente publicadas no

pouco mais enfática, esse texto continua, expli-

dia posterior à encenação da peça e, no geral,

citando a comparação:

não eram assinadas. Listamos aqui algumas dessas críticas, analisando os critérios de avaliação tomados por cada crítico.

Sarah Bernhardt é a Duse-Checchi aperfeiçoada, desbastada de certas asperezas, amadurecida

1a Critica: Jornal Diário da Manhã

por longo tirocínio artístico. Ou melhor - Duse era o embrião de Sarah, esboço de contornos

Referente a encenação realizada no Teatro

incertos e angulosos.

Melpomene em Vitoria, no Espirito Santo, a No mesmo ano, Artur Azevedo, crítico e

critica é pautada na análise do contexto político

escritor de peças famoso no Brasil, durante o

no qual a peça foi produzida, e com a qual, se18


gundo o critico, ela se comunica através de um

ou como os menus selectos dos restaurantes

implícito ataque ao regime francês vigente, du-

baratos.”

rante o período no qual foi escrita: “Obra mais para servir de écho às theorias de uma época

3a Critica: Jornal Pacotilha (Maranhão)

que para reflexão do valor de determinada escola literária(...)”.

Critica referente à encenação realizada pela Companhia

2a Critica: Jornal Diário do Maranhão

Portugueza

Eduardo

Victorino,

provavelmente no mesmo teatro, pois consta no

jornal Pacotilha a mesma data de apresentação (24 de Janeiro de 1911) que consta no Diário do Maranhão.

Nesse texto (contrastando com o

texto do jornal anterior) reaparece a aparente

Texto publicado dia 25 de janeiro de 1911 no Diário do Maranhão, número 11276.

fraqueza de Sardou, que segundo o autor da critica foi afirmada e reafirmada por Emile Zola. O romancista Zola utiliza o argumento, segundo o critico do Pacotilha, de que Sardou contenta-se em satisfazer o publico de maneira medíocre e alimentando-se do sucesso que obtém, permanece no conforto e portanto recicla a mesma estrutura, a mesma formula em, majoritariamente, todas as suas peças, que por não se

arriscarem, se elevarem, não alcançam a alcunha de Obras-primas. Critica referente à encenação realizada no Te-

Fédora, no entanto, é elogiada, mas dessa vez

atro São Luiz, em São Luiz, no Maranhão, no

devido ao desempenho do elenco. O critico ad-

dia 24 de Janeiro de 1911 pela Companhia Edu-

mite o valor da peça através de suas cenas inte-

ardo Victorino. No comentário critico o autor

ressantes, mas alguma decadência no que diz

compara Fédora com as obras anteriores do

respeito a certos exageros nos diálogos. No ge-

dramaturgo Victorien Sardou e as recepções

ral, no que diz respeito a recepção do publico, a

criticas que as abordam, de modo a ressaltar,

tremenda atuação do elenco e certo diferencial

em sua opinião, que Fédora é a melhor por não

com relação às outras do dramaturgo o critico

conter a monotonia, a repetição do formato e a

(o qual o nome não é mencionado no jornal) a

inconsistência presenta nas demais. O critico

considerou uma boa peça.

afirma Fédora como um drama trágico do inicio

ao fim: “Com efeito parece que nas suas peças

4a Critica: Jornal A Rua

em cinco actos Sardou tinha sempre em vista dar ao publico uma função variada, tal como se

“Critica” (na realidade um comentário estendi-

annunciam os espetáculos nos cartazes de circo

do, mas incluído aqui devido a escassez de tex19


tos que analisam o espetáculo) referente a ence-

cam o posterior desaparecimento de monta-

nação realizada no Palace Theatre, em São Pau-

gens e o fato de não encontrarmos nenhuma

lo, no dia 27 de Agosto de 1917 – aparentemen-

recente.

te pela Companhia Dramática de São Paulo.

Os anúncios de encenação

Esse comentário é pautado, majoritariamente,

Só foi possível identificar a recepção crítica da peça com as informações sobre cada espetáculo. Ao todo contamos trinta e um momentos de encenação ao longo dos anos entre 1882 e 1929. Estendemos um pouco o período de busca neste caso na tentativa de encontrar mais dados sobre a popularidade da peça de Sardou e sua adaptação para a Ópera (embora não tenhamos contabilizado os anúncios desta).

no desempenho do elenco no palco, ressaltando a forte presença da atriz Italia Fausta, que aparece em diversos anúncios, com grande desta-

que, nos jornais desse período. 5a Critica: Jornal A Rua “Critica” referente a encenação realizada no teatro São Pedro, em São Paulo, pela Companhia Della Guardia (representado em italiano), no dia 24 de junho de 1918. Temos aqui mais um comentário prolongado sobre a encenação, que adotou como critério de avaliação da qualidade do espetáculo, mais uma vez, o desempenho dos atores, assim como a produção cenográfica, criticada duramente por conta da repe-

tição de mobílias, falta de um cenário apropriado e do “requinte exigido pela peça” segundo o

Anúncio no Gazeta de Notícias, dia 8 de janeiro de 1890.

critico. O desempenho dos atores, em sua maioria, não impressionaram ao redator do comentário, que revelou apenas como destaque a atriz (não mencionada) que interpretou a protagonista do drama de Sardou. 

Diversos comentários estendidos acerca da peça foram encontrados, refletindo repetidamente no desempenho dos atores, que em muitos casos eram frequentemente elogiados, mas que gradualmente passaram

a não serem mais capazes de sustentar a

Anúncio de A federação, dia 25 de novembro de 1920.

atração do publico, e contribuindo lamentavelmente, para o esvaziamento das casas de espetáculo. Esses comentários justifi20


Estudos sobre Fédora e Sardou Muito do trabalho que se encontra

ta o mesmo movimento de pesquisa

nesse dossiê já foi feito por outras pessoas

que nosso grupo tem realizado com o

e Victorien Sardou, bem como sua obra, in-

autor e a peça Fédora, Monteiro reco-

cluindo Fédora também já foram analisados

lhe os dados e analisa os critérios de

por estudiosos de Teoria Literária. Embora

avaliação usados pelos críticos da épo-

escassos ainda, esses estudos mostram que

ca das peças de Sardou.

não está de todo apagado o nome do autor 

dentro da crítica e historiografia literária

FERREIRA, Lacínia Rodrigues. Júlio Cé -

atuais. Ainda assim, vemos que Sardou não

sar Machado Cronista de Teatro : Os Fo-

é um nome de farta atenção no momento

lhetins d’A Revolução de Setembro e

atual.

do Diário de Notícias. Universidade de

Assim, as referências que se seguem, mes-

Lisboa – Faculdade de Letras. Disserta-

mo que poucas, são relevantes para o estu-

ção de mestrado. 2011.

do do autor: 

MONTEIRO, Vanessa Cristina. Retem-

DUGAST, Jacques. “Crise fin-de-siècle

perando o drama : convenção e inova -

et tentation de l'exotisme”. Revue de

ção segundo a crítica teatral dos anos

Littérature

1890. Tese de doutorado defendida em

Junho/2004. P. 239. Fala brevemente

23/04/2010.

[s.n.],

sobre a questão do exostismo e do pa-

2010. – Estudo que analisa um pouco

pel do estrangeiro nas peças de Victo-

da crítica teatral dos autores entre

rien Sardou, em especial em Fédora,

1890 e 1900, entre eles Victorien Sar-

onde o exotismo russo seria ilustrativo

dou, fornecendo uma vasta coleção de

desse papel.

Campinas,

SP:

menções a ele em jornais, com os artigos na íntegra, bem como as menções de suas peças, entre elas, Fé dora. A

autora faz um panorama da recepção crítica de Victorien Sardou no Brasil e fala da encenação de suas peças aqui. O trabalho dela, na verdade, represen21

Comparée.

Abril


Adaptação cinematográfica http://www.unifrance.org/film/34585/fedora

Título: Fedora Idioma: Francês Direção: Louis Gasnier Paris France Films Data: 1934

Título: Fedora

Idioma: italiano Diretor: Camillo Mastrocinque Atores: Amedeo Nazzari, Luisa Ferida, Os-

valdo Valenti, Memo Benassi, Rina Morelli.

Título: Fédora Idioma: Italiano Data: 01 de maio de 1918

Agentes de difusão: Empresa Moura Atriz principal: Francisca Bertini

22


Curiosidades 

O chapéu “Fedora” é um símbolo da

Nos periódicos em que se faz a busca de dados e informações sobre crítica e anúncios a partir de 1900, aproximadamente, era comum encontrarmos referência a cavalos que participavam de corridas competitivas com o nome Fedora. A referência pode ser à popularização do nome por parte do drama de Sardou. Mas isso não se pode dizer com certeza.

Também encontramos um pequeno texto em que alguém fala que escolheu o nome do filho de Wladimiro, pois a esposa gostava de uma das cenas de Fé dora em que a princesa russa gritava o nome de seu falecido esposo. A referência aqui é direta.

cultura popular que parece ter sua origem exclusivamente da encenação da peça de Sardou. A história contada é que Sarah Bernhardt, a grande interprete do papel principal da princesa Fédora, usava um chapéu durante uma das cenas. Este chapéu então passou a ser chamado com o nome da personagem e se popularizou a partir de então.

Jornal do Brasil, 29 de abril de 1891, edição 21.

Imagem tirada de The Argument of Play of Fedora, with Sarah Ber23


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