Solitud - Um Amor de Cinema

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Solitud UM AMOR DE CINEMA Livro Um Por Graci Rocha


Todos os direitos desta obra são exclusivos da autora pela Fundação Biblioteca Nacional sob o registro: 656.384.


Ano 2000 — Maldito seja! — berrou Cristina, recebendo não mais do que um suspiro pesado como resposta. — Afinal de contas, no que você estava pensando...?


UM Alguns dias antes... Nova York - USA Alex Clark acordou de ressaca, sentindo a cabeça latejar, a boca seca e os cabelos empapados de suor. Olhou ao redor e compreendeu onde estava: Um quarto de hotel barato. Em cima do travesseiro um bilhete com um número de telefone e uma marca de batom, formando os lábios que o beijaram. Observou o ambiente mais uma vez, tentando ajustar os olhos à penumbra. Uma garrafa de vinho de marca duvidável e taças vazias sobre a mesa. Na cama, lençóis revirados. Sorriu consigo mesmo, recordando-se da ruiva a quem oferecera o vinho doce e de mau gosto que o hotel lhe havia assegurado como sendo da melhor qualidade, ao chegarem da Avenue, a “balada” mais arrojada de Chelsea. O vinho podia não ser realmente da melhor qualidade, mas com certeza não era ele que estava provocando aquela maldita dor de cabeça. Alex estava ficando velho, e ainda sentindo-se amargo. Recolheu a garrafa, as taças e os lençóis, relembrando a noite. Estou velho demais para isso! Resmungou, enquanto jogava tudo num canto, atrás da porta do banheiro. Não que a mulher não valesse a pena, tudo havia sido intenso, ele diria. A ruiva, Alisson ou Alice — Alex não fazia ideia do nome da mulher, só se recordava da conversa sedutora na casa noturna, da bebida, das risadas e do sexo banal que haviam feito — tinha sido exatamente como ele esperava, atraente, sexy, voluptuosa. Pela manhã tudo havia voltado ao normal. Estava novamente sozinho em sua vidinha de astro decadente. O Chelsea é um bom bairro de Nova York e seus hotéis costumam ser o que Clark chamaria de razoáveis. Aquele, porém, era modesto, e cabia exatamente no gosto discreto do grande astro de Hollywood. A ideia de não chamar a atenção lhe servia como uma luva. Entrou no banheiro e sentiu os músculos tensos. Apesar da simplicidade, o lugar era limpo e bem cuidado e isso o agradava. Sempre optar por esse hotel, fez uma nota mental, enquanto abria o chuveiro e sentia as gotas quentes começando a tocar a palma da mão. Deixou a água abundante correr por algum tempo, olhando seu reflexo no vidro embaçado do box. Notou uma pequena linha sobre a testa, formando-se sutilmente de um lado e findando-se no outro. Estou mesmo ficando velho, concluiu finalmente, enfiando o corpo atlético sob a água e deixando-a fazer seu trabalho. Fechou os olhos e tentou silenciar os pensamentos.


Mas os pensamentos de Clark não queriam silenciar-se, e rapidamente o transportaram à manhã do dia anterior, quando pegara a crítica de sua última atuação. As palavras poderiam sair de seus lábios instintivamente, como se pulassem com vida própria para o mundo exterior, terrivelmente capazes de inflamar seu sangue: “Mais um fracasso de Alex Clark.” “Não chamaria aquilo de atuação.” “Alex Clark estará em decadência?” Malditos! Esmurrou a parede, sentindo o sangue ferver. Eu não sou um fracasso! Aos 39 anos, Clark havia alcançado o sonho americano. Uma carreira razoável, com prêmios importantes, incluindo a mais desejada das estatuetas. Entretanto, com a conta bancária digna de filmes que encheram bilheterias ao redor do mundo e a constante perseguição dos holofotes, acabou se tornando um típico astro Hollywoodiano, famoso por escândalos com beldades da moda, filmes fracassados e péssimas críticas sobre sua atuação cada vez mais medíocre. Seus pensamentos foram interrompidos pelo toque incessante do celular. Somente uma pessoa insistia daquela forma. Enrolou-se na toalha branca e saiu encharcando o banheiro e o quarto. Revirou os bolsos da calça e o casaco até encontrar o celular. Depois de muitos toques, atendeu. — Espero que seja uma grande notícia, Malcolm. Do contrário, me ligue só depois do meio-dia. — Sorriu ao atender seu empresário. — Por onde você andou, Clark? Há dias que tento falar com você! — A voz do outro lado da linha era empertigada. — Dando umas voltas em Nova York, sabe como é... — O quê? — Malcolm engoliu em seco. — Você é mesmo um grande descarado. Está na cidade e não veio ver o seu velho empresário? — Ora, meu velho, as mulheres têm prioridade... Conrad Malcolm bufou. — Ok! Vamos falar do que realmente interessa. — Malcolm endureceu um pouco a voz, deixando-a mais grave e sóbria. — Aproveite que está na cidade e passe aqui no escritório, tenho algo interessante pra você. — Ah! Acho que não vai dar... Eu... — Escute, Alex, já nos conhecemos há quanto tempo? Vinte anos? Pois, então, lembre que quando digo que tenho algo interessante, é melhor vir.


— Está certo, você é quem manda. Almoço, então? — Pode ser. Conrad Malcolm era um dos grandes agentes americanos, do tipo que consegue o que quer e quando quer, tendo algumas das mais famosas celebridades em seu catálogo. O interessante em sua personalidade e que fez com que a amizade entre ele e Alex perdurasse por tanto tempo foi sua incansável determinação, e principalmente sua peculiar maneira de ser, não se deixando transformar, nem mesmo depois de se tornar um dos homens mais influentes do meio. O que não quer dizer que estaria disposto a arriscar mais algum tempo com um ator decadente que transitava entre uma vida desregrada e excessivos escândalos. Alex jogou-se na cama, a cabeça ainda latejando. Se Malcolm tinha “algo interessante”, iria até ele, mas se fosse mais algum daqueles seus sermões sobre andar na linha... Suspirou. Bom, se fosse ele sabia que teria de ouvir. O homem já vinha aturando-o havia muito tempo e Conrad era o tipo de empresário que um astro de quase quarenta anos não dispensava por má vontade. Respirou fundo e fechou os olhos. Maldita dor de cabeça. Enquanto Alex lutava contra sua dor latejante por trás das têmporas o empresário pensava sobre sua situação. Ao desligar o telefone, Conrad passou a mão sobre o livro que estava a sua frente e sorriu, sabia que acabara de encontrar, mais uma vez, uma mina de ouro. Não fosse por Eileen, ele jamais teria descoberto o que poderia se tornar a salvação de seu mais lucrativo astro. E também a sua salvação. Santa Catarina – Brasil Cristina ligou o aparelho de som e ouviu a voz melodiosa de Joplin respondendo ao seu desanimo. Era como se aquela música soubesse exatamente o que ela estava sentindo. Aos poucos, One Night Stand, em sua batida compassada a fazia entrar num clima um pouco menos entorpecido. Novamente ela era Cristina, dona da cozinha, mãe dos dois furacõezinhos que estavam simplesmente colocando sua sala abaixo. Era novamente ela mesma, a mulher que sentia como se as músicas fossem capazes de impregnar cada partícula de seu corpo, e também a mulher que estava quase incendiando o fogão com aquele molho maluco tirado de um velho e manchado caderno de receitas, encontrado sabe-se lá em que canto do escritório. Correu para o fogão com o pano de prato que Dora havia tão esmeradamente deixado branquinho. Com movimentos frenéticos em direção à panela em chamas, conseguiu diminuir o ardor, tampando-a em seguida para abafar o que poderia se tornar um desastre. Agora o pano estava vermelho e chamuscado. Pelo menos o fogo havia apagado,


concluiu mordendo o lábio em reprovação ao aspecto do pano. Nos últimos dias andava meio avoada. Será que estava voltando? Não. Não estava. Ela nunca mais voltaria a ser a velha Cristina. Nunca mais. Dora entrou na cozinha esbaforida, com seus cabelos grisalhos presos em um coque no alto da cabeça e apenas algumas mechas pendendo na direção dos olhos e das orelhas. O suor correndo pela testa e o nariz brilhando. Lavou as mãos na pia e sorriu consternada ao ver a panela torrada com a tal receita nova que a outra tanto quisera fazer. Cristina sorriu para aquela que deveria ser apenas sua empregada, mas que há anos havia se tornado muito mais do que isso, se fazendo parte fundamental da família. Uma segunda mãe para ela, muito mais presente, complacente e dócil do que a sua própria, com quem não falava já há uns bons meses. Estreitou os olhos pela entrada em forma de arco da cozinha, e na sala viu a filha de seis anos, Lili, ensaiando seu demi-plié em cima do sofá num equilíbrio perfeito, harmônico, enquanto Dudu, contando com seus quatro anos e uma cabeleira arrepiada, avançava com bravura sobre a guarda do outro móvel, já tendo retirado completamente a capa que Dora colocara pela manhã. Como um índio que dá o bote em sua caça, ele avançou sorrateiramente. E o menino comemorou sua presa com o grito dos ancestrais, colocando a mãozinha sobre a boca e dando tapinhas para interromper o som, fazendo uma balbúrdia ainda maior. O que é uma sala diante de uma apresentação de balé e uma caçada indígena? Cristina sorriu, suas manias de arrumação há muito eram coisa do passado. — De onde é que esses dois tiram tanta energia? — comentou Dora com o sorriso estampado. — Queria eu ter esse pique todo — respondeu, enquanto mexia o alho que começava a dourar, acrescentando o feijão em seguida. Os filhos ao menos faziam a vida valer. Esquecer o passado era impossível, e recomeçar sem um motivo também seria, não fosse pelas duas crianças cheias de energia para lhe ocupar os dias. Aos poucos as imagens iam surgindo diante de seus olhos como uma chuva torrencial, uma atrás da outra, sem nenhuma compaixão pela dor que causavam, mas ela não se entregaria assim tão fácil. Respirou fundo e afastou-as de sua mente, uma por uma, como se tivesse em suas mãos um taco, capaz de rebater as lembranças conforme fossem se aproximando.


No fim, restou apenas uma, justamente aquela que lhe atormentava à noite, no meio do sono, e que agora se fixara por trás de um sorriso amarelo. O túmulo. Mas Cristina não era dada a se render àquela lembrança e nem a qualquer outra. Não mesmo. Se aquela maldita imagem queria ficar ali, que ficasse, era mesmo muito bom que ela se lembrasse do que os seres humanos são capazes. Lili invadiu a cozinha aos berros, agarrando-se às pernas da mãe com desespero, logo depois da garotinha, surgiu o indiozinho portando sua arma fatal, uma almofada que deveria abater sua nova e furtiva caça, a irmã. Cristina fez uma carranca para o menino, que saiu da cozinha aos pulos, sorrindo. Depois beijou a ponta do nariz da filha e a dispensou também. Antes que a menina chegasse ao sofá, uma almofada voadora a acertou em cheio e ela tombou, fingindo-se de morta, para alegria do caçadorzinho que iniciou novamente seu grito de índio vitorioso. Mais uma caça abatida. Almoçar ali não seria uma tarefa fácil. A voz melodiosa de Joplin voltou a sobressair-se. Cristina deu uma última espiada na sala para certificar-se de que as crianças estavam bem e voltou sua atenção para o molho torrado, imaginando como salvar aquele desastre culinário. — Dora, você pode preparar as crianças pro almoço, por favor? Hoje vamos comer sem molho. — E sem pano de louça, pelo jeito. — Dora olhou contrafeita para o pano que estava irreconhecível. Saiu resmungando. Cristina não disse nada, deixando a música novamente fazer seu trabalho. O telefone tocou, trazendo-a de volta à realidade com um susto que a fez sobressaltar-se. Pegou o aparelho da parede pensando em como podia ser uma daquelas mulheres antiquadas que ainda tinham telefones de parede. Atendeu um pouco sem vontade. Quem seria àquela hora? A voz que lhe soara ao ouvido era familiar, e ela imediatamente recordou-se da primeira vez que estivera em seu escritório, há muito tempo... Sentia-se como uma menina magricela e desengonçada, que se escondia por trás de uns óculos enormes, uma calça jeans larga e desbotada e uma camiseta que lhe caía muito mal. Ela já sabia que não tinha o menor talento para as coisas das meninas de quinze anos e que não tinha paciência para aquilo. Mas, ali, sentada na elegante sala de espera do recémchegado à cidade, Augusto Leon, proeminente agente literário de São Paulo, sentia uma raiva imensa de si mesma por estar tão malvestida. Como passaria alguma credibilidade àquele homem tão importante? Com aquela cara de criança e roupas de pobretona, como


conseguiria convencê-lo de que seria uma grande escritora? De repente todo o universo parecia estar conspirando contra ela e suas tripas pareciam dar nós. Foi quando olhou para o pai, sentado descontraidamente ao seu lado, com seu jeito de homem simples, a barriga meio largada e as entradas na testa um pouco mais amplas do que ela se lembrava da infância. — Pai, e se eu me sair mal? E se esse tal Augusto Leon não for com a minha cara? — Se ele não for, quem perde é ele. Nós acharemos outro. Quem sabe um ainda melhor — disse, num tom despreocupado, dando-lhe uns tapinhas de leve na mão. Foi quando se lembrou da mãe, reclamando e discutindo na noite anterior com o pai, para não alimentar aquele sonho maluco da filha, falando das implicações para a família, do desperdício de dinheiro que havia sido para conseguir que o homem os atendesse. E, mesmo assim, ele estava ali, com aquele semblante leve, relaxado, como se nada houvesse sido dito ou nenhuma briga tivesse sido travada na noite que antecedia aquele encontro. Cristina decidira naquele momento que nada, nem mesmo sua terrível aparência a impediria de conseguir o que queria. Seria. Não, já era, uma grande escritora, só precisava convencer o tal grande agente disso. Foram chamados ao escritório do Sr. Leon quase uma hora depois de chegarem, a ansiedade tomava conta da menina de quinze anos que fazia um esforço sobre-humano para não tremer quando apertasse as mãos do homem que poderia mudar toda sua vida, e pior, para não derrubar seu original, que era o único que tinha impresso, ou estatelar-se diante dele. Passar vergonha com a roupa era uma coisa, passar vergonha por desabar diante dele era inadmissível. Sentaram-se de frente para um homem enorme, de pele clara e cabelos bem penteados para trás, lambidos como a mãe dela diria, ao estilo James Joyce. Cristina, muito magra e nervosa, ficou tão ereta que parecia estar dura, paralisada. Era exatamente assim que se sentia, travada e dura como uma estátua, os músculos dos ombros tensos e doloridos. Enquanto seu pai transparecia simplesmente a mesma tranquilidade de sempre, como se estivesse diante de algum parente ou vizinho que não lhe fizesse a menor diferença. Seguro de si e seguro do que fazia ali. O coração quase saiu pela boca, quando Augusto pediu que com poucas palavras lhe explicasse sobre o livro. Cristina gaguejou, depois praguejou por não conseguir se explicar, encolhendo-se por completo na cadeira. Finalmente, cerca de dez minutos após o início da conversa, o ocupadíssimo e já sem paciência Augusto Leon, agradeceu a visita e disse que o estilo que a jovem escrevia não lhe interessava e, portanto, não tomaria mais o


tempo deles, além do mais, ela era jovem demais para ser uma escritora; precisava, no mínimo, de muito estudo. Suas últimas palavras enfureceram Cristina: — Quem sabe daqui a alguns anos. Jovens costumam ter algumas limitações quanto a escrever corretamente e transmitir suas ideias... — Escute aqui, seu tal grande agente literário de merda, o senhor fez o meu pai e eu esperarmos por uma hora, nem leu o meu original, e agora nos dispensa dizendo que eu escrevo mal? — Levantou-se furiosa, os olhos verdes faiscando, as pontas dos dedos cravadas na mesa de mogno marcando com suor o polimento refinado. — Eu sou escritora, ninguém precisa me dizer, porque eu sei disso. Ah, só mais uma coisa... — Olhou-o bem dentro dos olhos. — Só pra você saber, eu escrevo muito bem. Vamos, pai, a gente não tem mais nada pra fazer aqui. Dois dias depois, Cristina recebera uma ligação e assinara um contrato para que Augusto pudesse agenciá-la pelos próximos cinco livros que escrevesse, além de um pedido de desculpas e um elogio sobre como ela seria um grande sucesso. Assim os dois continuaram juntos por quinze anos. Ela lhe rendera uma fortuna absurda, se tornando uma das maiores escritoras do Brasil e sendo traduzida pra mais de quatorze idiomas e, ele, consequentemente, se transformara em um grande agente literário, ainda mais imponente do que já era. Agora, porém, ele era seu carma, uma pedra em seu sapato exigindo uma reunião, ordenando que ela fosse ao seu escritório no dia seguinte para uma conversa séria. Uma conversa que ela realmente não queria ter. — Eu tenho muito o que fazer, Augusto. Além do mais, não tenho escrito nada mesmo, então não temos muito o que conversar — enfatizou, fugindo do compromisso. — Não é sobre isso que precisamos conversar. Trate de vir aqui, ainda sou seu agente, você me deve isso! — Augusto... — protestou melancolicamente. — Não. Nem tente essa vozinha mole comigo, já esperei demais, amanhã quero você aqui, precisamos tratar de negócios e tem que ser pessoalmente. Ponto Final, Cristina. — Tudo bem. Amanhã, então — respondeu entre um suspiro pesado, sabendo que pessoalmente seria tudo mais difícil, inclusive dizer não para qualquer que fosse sua proposta. Cristina desligou o telefone tentando não encarar a realidade. Não queria mais pensar em escrever e, principalmente, não queria ver Augusto, pois ele representava tudo


que ela vinha tentando esquecer, tudo de que vinha tentando fugir, mesmo assim havia dado sua palavra, e no dia seguinte teria de encará-lo doesse o que doesse. Nova York – USA Manhattan e seus arranha-céus enormes e assustadores pode ser um bairro difícil para uma garota como Annie Hill. Seu corpo franzino poderia facilmente ser jogado de um lado para o outro pelas pessoas sempre tão apressadas, transitando com seu olhar executivo nervoso entre as ruas 42 e 59, da Quinta com a Sétima Avenida, sempre com seus celulares de última geração e seus muitos aparelhos dos quais não conseguem afastar-se por uma fração de segundo no dia. Os cabelos curtos, pretos, os olhos amendoados e a pele extremamente branca se destacariam ainda mais naquela paisagem de inverno do polo comercial do mundo, não fosse pelo casaco down vermelho1, que cobria bem mais do que o corpo, chegando até a altura das orelhas. Se bem que, mesmo que andasse nua, provavelmente nem seria notada. Com sua timidez e seu jeito de assustada, no máximo seria confundida com uma mendiga louca. Vinte e quatro anos e ainda se sentia uma menininha assustada, principalmente quando o assunto era a avó velha, doente e muito capaz de dizer as piores coisas a seu respeito. Não que Annie alguma vez não sentisse vontade de responder ou de deixar que a velha morresse logo, mas também sabia que era simplesmente incapaz de algo desse tipo. Afinal de contas, a avó sacrificara tudo para criá-la, quando a mãe estava sabe-se lá aonde e com quem. E o pai, bom, quem poderia saber quem era seu pai se nem mesmo sua mãe sabia? A única coisa da qual Annie realmente se arrependia era daquela sensação que parecia acompanhá-la a todo momento. Uma sensação que a jovem não conseguia identificar bem ao certo, mas que por falta de outra palavra chamava de fraqueza. Era isso mesmo, Annie sentia-se uma mulher tola e fraca que jamais saberia o que é viver uma aventura ou um romance que não fosse proveniente de algum livro. Olhou ao redor e entrou naquele estado entre transe e choque, que acontecia quando se deparava com multidões, barulho excessivo e provavelmente nenhuma solução para algum dos seus problemas. Concentração, Annie!, repetiu várias vezes, tentando controlar sua respiração e focar seus pensamentos na tarefa simples que tinha de realizar. Listou-as, repassando uma a uma as tarefas, em mais uma tentativa de esquecer o movimento frenético de Manhattan no 1 Modelo de casaco utilizado pelos norte-americanos devido o rigor do inverno.


horário comercial. Pegar o terno, levar os documentos, trazer a assinatura... Maldito serviço de boy, eu vou morrer aqui. Oh, meu Deus! Colocou as mãos trêmulas que seguravam alguns envelopes sobre os ouvidos, e balançando o corpo para frente e para trás, pouco a pouco, choramingando, foi abaixandose até o chão, encolhendo-se como uma criança acuada, apavorada. De repente podia ouvir os gritos da avó, não apenas os uivos de dor, mas a repreensão maléfica, chamando-a de inútil e de tantas outras coisas. Antes que uma chuva de memórias pudesse cair sobre ela, a jovem atordoada sentiu que mãos suaves tocavam em seus ombros e sobressaltou-se. Assustada, cobrindo a cabeça e os ouvidos, encolheu-se em meio aos passantes, na calçada da Rua 42. As mãos envolveram-na, transmitindo uma sensação de proteção, foi quando Annie permitiu-se abrir os olhos e identificar seu possível agressor. O homem a sua frente deveria ter pelo menos uns trinta anos, era alto e forte, cabelos quase louros e olhos claros. Era um bonito do tipo comum. Do tipo que atrairia as mulheres normais. E ele a observava com um olhar preocupado. — Moça, você está bem? — Sua voz grave se chocou com os ouvidos aterrorizados de Annie. Ela respirou fundo e tentou reorganizar os pensamentos. — Eu sou o detetive Ethan Stwart, e aquela encostada no carro é a minha parceira Johnson — falou apontando para uma mulher que aparentava uns trinta e poucos anos, tinha os cabelos castanhos presos, um rosto levemente quadrado, e um olhar malhumorado. Era uma mulher bonita. — Nós vimos você caída e achei que pudesse estar se sentindo mal. — Nã-ão, tudo bem, detetive, eu já estou me sentindo me-melhor. Muito obrigada. — Tem certeza? Quer que acompanhemos você a algum lugar? Ou que a gente chame alguém? — Não, acho que foi só um mal-estar, estou bem mesmo. Só... — Respirou fundo, puxando o ar até o mais fundo que conseguira, e tentou raciocinar, talvez o metrô, era perto dali. Não, já lhe bastava o susto de andar aquela quadra inteira sem a proteção do seu Mini Cooper, o carro que o chefe havia ajudado a comprar há dois anos, quando recebera um desses notáveis prêmios internacionais, que elevava ainda mais seu nome como empresário de celebridades. Recompondo-se, Annie olhou para o tal detetive que não usava farda e forçou um sorriso amarelo. — Preciso de um táxi, apenas. Obrigada. — Depois se afastou.


Foi até a rua e aproximou-se do movimento frenético de carros, poderia facilmente ser levada pela ventania provocada por aquele tráfego enlouquecido, mas com os olhos arregalados e ainda sentindo as mãos trêmulas e o coração batendo descompassadamente, não ousou esticar o braço para chamar o táxi, mais uma vez o medo a estava dominando. Tentou manter o controle e a respiração compassada. Olhou consternada para o detetive que se aproximou da faixa de pedestres e com facilidade parou um táxi, chamando-a para que embarcasse. Com polidez, Annie agradeceu, sentindo as bochechas imediatamente corarem e as mãos começarem a suar. Repreendeu seus pensamentos e lembrou-se da avó chamando-a de inútil. Santa Catarina – Brasil Sentada, com as pernas entrelaçadas e o notebook sobre o colo, Cristina suspirou diante da tela em branco. Impossível, pensou. Nunca mais vou conseguir escrever uma linha sequer. Suspirou com amargura. — Um cafezinho — falou Dora, com a voz branda de uma velha ama. — Obrigada. — Calma, dona Cristina, uma hora essa tela aí se enche e daí vai doer seus dedos de ficar apertando esses botõezinhos sem parar. Dora era o tipo de mulher que fazia com que Cristina compreendesse a expressão “A esperança é a última que morre”. Viu seu reflexo enegrecido pela tela que começava a entrar no modo economia de energia, desligando-se. 30 anos, dois filhos e uma perda que talvez nunca cicatrizasse. Sentiu uma pontada no peito e engoliu aquilo que poderia se transformar em lágrimas. Hoje ela não estava disposta a chorar. Seus olhos entristeceram-se ao compreender que aquilo que outrora fora uma das grandes paixões da sua vida, agora se tornara um fardo, um maldito e desgraçado fardo que ela não mais conseguia carregar. Nunca mais voltaria a escrever, nunca mais teria um livro exposto numa livraria. Nunca mais conseguiria tirar aquela dor de seu peito. Com os olhos fechados, deixou a chuva de imagens surgir. Primeiro veio o sorriso, depois as lágrimas, tudo numa espécie de flashback que lhe arrancou um sôfrego insuflar de ar. Os olhos dele surgiram como duas amêndoas enormes, emolduradas por um rosto perfeito, quadrado, com um queixo e um nariz que lhe cabiam em perfeição, cabelos curtos, alinhados, barba crescida, mas bem cortada, do jeito que ela gostava. Um típico bom garoto. Para ela, ele sempre seria o homem mais bonito do mundo. Como sempre ela estava


atrasada, e ele estava impaciente na sala, resmungando sobre a hora de dar o remédio à filha, que por essa época não teria mais que dois anos. Cristina deu a dose do xarope cinco minutos antes da hora, para contentar o marido Ricardo. Quando finalmente desceu as escadas, estava deslumbrante, num longo vestido azul escuro que deslizava por seu corpo acentuando as curvas sensuais. Ricardo assoviou ao vê-la, fazendo-a sentir aquele frio no estômago. Nem dava para acreditar que até pouco tempo estava enorme, carregando seu garotinho no ventre e, mesmo assim, ele continuava a amá-la, a deseja-la. Agora exibia novamente o corpo perfeito, o olhar maroto e a sedução que o deixava em suas mãos, ela gostava de ter aquele poder, ou acreditar que o tinha. Ricardo pegou-a com a ponta dos dedos e a fez girar, contemplando-a como quem admira uma bela obra de arte. Ela sabia o que ele diria, que era linda, inteligente e atrasada. Nem mesmo no dia do lançamento dos seus livros era capaz de chegar na hora marcada. Sorriu antecipando as palavras, que viriam em seguida. Uma última espiada nas crianças e os dois podiam finalmente aproveitar o evento que marcaria mais um grande sucesso na carreira de Cristina, ou Cristy, como ela havia adotado para assinar os livros e ter mais acesso ao mercado internacional, por indicação de Augusto Leon, seu velho, impertinente e muito bom agente literário. O evento ocorrera como esperado, sem contratempos com nenhum dos serviços programados, tudo fora um completo sucesso. A galeria de arte, no centro da cidade, lotara. O jogo de luzes e a música escolhida pela empresa que estava cuidando do evento haviam arrancado suspiros dos convidados e deixado a mídia alucinada. Os atores que encenaram um trecho do livro (coisa que Cristina nunca teria ousado fazer, não fosse pela teimosia de Augusto) foram aclamados com palmas calorosas, e finalmente quando ela chegara ao microfone, tímida, com as bochechas coradas, e sentindo as mãos suarem descompassadamente, não se teve nenhuma dúvida, o livro seria mais um Best Seller, um de seus maiores sucessos. E ela fez questão de deixar claro que havia sido escrito para aquele que a observava com olhos atentos na primeira fila de espectadores. O marido. Justamente nele havia se inspirado para criar o protagonista. Um jovem de classe muito pobre que lutara muito para vencer na vida. E que havia vencido, pelo bem. Depois de muitos autógrafos, fotografias, taças de champanhe e incansáveis perguntas de repórteres e fãs, o casal finalmente conseguiu escapar. Já era quase meia-noite e Cristina pensou que nunca vivera um momento como aquele, nem sonhara que um lançamento pudesse tomar tamanha proporção.


Era uma escritora conhecida no Brasil, seus livros vinham ganhando o mercado literário mundial a cada ano, sendo traduzidos para os mais diversos idiomas e rendendo milhares, mas aquele evento marcava um novo patamar, um que nem ela poderia imaginar ser capaz de alcançar e os dois foram embora comemorando, sem ter a menor ideia de qual seria a próxima etapa. Cerca de trinta e cinco minutos depois, um carro esporte descontrolado cruzou o caminho do casal, atravessando a avenida e chocando-se de frente com o veículo dos dois. O motorista vinha completamente alcoolizado. Cristina também havia bebido e dormia na hora, mas o marido Ricardo estava sóbrio. A escritora entrou em coma imediatamente após o choque, levando em torno de vinte e três dias para recobrar os sentidos. Quando o fizera o marido já havia sido enterrado. Ela nunca mais escrevera um livro. Nova York - USA Mais tarde, sentado diante de Conrad Malcolm, estava um Alex Clark com aspecto dos piores. Nem o banho, nem o café, nada havia dado jeito em sua péssima aparência causada pelos últimos dois anos de exageros. Inconformado, o agente lançou um olhar de reprovação para o ator, que o ignorou em completo descaso. — Você está um trapo — crispou Conrad. — Mas que diabos está fazendo com a sua vida, Clark? — Ah! Então era esse o seu grande motivo? — resmungou Clark, esfregando o cabelo que caía sobre os olhos. — Não, claro que não, mas você já se olhou no espelho? Não é à toa que estão falando por aí... — Conrad Malcolm suspirou. — Tudo bem, deixa isso pra lá. Você precisa ver isso — disse, empurrando o exemplar de um livro na direção do ator que o olhou aturdido. — Um livro? Você me trouxe aqui por causa de um livro? Fez todo esse seu discurso de melhor agente do mundo por causa disso aqui? — Sim — respondeu com simplicidade. — Um livro que vai salvar a sua carreira. Alex não disse nada. — As coisas não estão nada fáceis pra ninguém, mas já está na hora de você voltar à ativa.


— E você acha que eu não sei? — Irritado, Alex levantou-se da poltrona e foi servir-se de um uísque. — O que você acha que eu tenho tentado fazer nesses dois últimos anos? — Tem ficado bêbado e feito escândalos. — Oh! Ok, isso também. — Sorriu. — Mas, afinal, como é que esse livro entra no meu grande retorno? — Simples, leia o livro que você entenderá. Enquanto isso vou continuar tentando comprar os direitos. E arrumar um produtor... — Como assim, tentando? Por que não comprou ainda se o livro é tão bom assim? — Aí é que está o problema. A escritora não está nem um pouco interessada em vender, parece que já recusou ofertas bem gordas. Um toque em forma de bip, não muito alto para não deixar os nervos de Conrad ainda mais tensos, alertou-o para o telefone. Era sua secretária, como sempre, num tom de voz cordial, discreto e inseguro, que ele conhecia e já se acostumara havia quase cinco anos. — Eileen está na linha, o senhor vai atender? Ela disse que não é emergência. — Então retornarei depois do almoço. Obrigado. — Conrad desligou o telefone imaginando se não deveria ter atendido. Raramente Eileen lhe telefonava e geralmente ouvir sua voz serena lhe fazia tão bem que o arrependimento foi praticamente imediato. — E como está a pequena Eileen? — Alex sentou-se novamente, percebendo uma linha profunda formar-se na testa de Conrad. — Sempre arranjando motivos pra continuar feliz. — Ela é mesmo uma garota muito forte. — Falando nela, foi a própria que me apresentou o que pode ser a nossa tábua de salvação, acho que ela encontrou numa dessas feiras de quintal. Não sei como ela encontra essas coisas. — Você está novamente falando do livro? — Mas é claro. Alex, reze pra qualquer santo que você conheça, acredite e até os que não, mas, reze, meu amigo, porque se nós conseguirmos que essa escritora maluca venda esse original, vai chover produtores e quem sabe até alguns prêmios. Alex pegou o exemplar meio puído em silêncio e o observou por algum tempo, depois o enfiou dentro do bolso interno de sua jaqueta de couro forrada e deu de ombros. — Tomara que seja mesmo tudo isso. Então, vamos almoçar?


De volta ao hotel, Alex jogou-se no sofá cuja cor ele não conseguiu distinguir entre o branco e o bege, que estava no centro da sala conjugada ao seu quarto. A mesa de centro não tinha poeira, mas o vidro já estava surrado, provavelmente pelos anos que permanecera ali, sendo usado sabe-se lá para quê. Cogitou ligar a televisão, mas a dor latejava na sua cabeça. A Maldita Dor de Cabeça não o deixava em paz. Deitou-se com a cabeça na guarda e deixou um braço pender para o chão. Fechou os olhos, mas não conseguiu dormir. E porque não conseguiu dormir, ficou impaciente. Sentou-se, esfregou as mãos compridas no rosto e estalou o pescoço. Foi quando enxergou sobre a mesinha de vidro o livro que seu agente chamou de salvação. Tudo bem, vamos encarar, o que eu tenho a perder?! A capa não era das piores, estava meio surrada, na certa o livro fora lido uma porção de vezes, o que podia ser um bom sinal. Alex folheou-o um pouco, sentiu a textura do papel e então leu a sinopse. Tratava-se de um homem cuja sorte na vida ele mesmo havia mudado, vindo de uma família miserável e conquistado tudo. Num mundo distópico, cuja realidade era a miséria para a maior parte da população, onde líderes tiranos determinavam o destino de todos, ele assumira outra identidade, ganhando popularidade entre os mais pobres e se tornando um marco na luta pelas massas. Chamava a si mesmo de Arlequim, assumindo a imagem do palhaço da comédia antiga. E lutava contra a mão de ferro de um governo corrompido e mesquinho. Havia amor, drama, sexo, intrigas e suspense. Havia um quê que Alex não soube explicar. Às três e meia da madrugada, completamente fisgado pelas primeiras cem páginas, pegou o telefone e acordou Conrad. — Conrad, alô! Conrad! — Alex estava exultante. — Alex? Aconteceu alguma coisa? Pelo amor de Deus, me diga que você não fez nenhuma burrada... — Não, tudo bem, mas... — Ah... São três da manhã, Alex. — A voz zonza de Conrad adivinhava que o ator estava com o livro, ele mesmo havia passado por algo parecido quando o lera, a pedido de Eileen. Não sabia exatamente que sensação era aquela, e a única palavra que conseguia encontrar, ficava próxima de êxtase. — Algo me diz que você o leu. É isso, não é? — Pelo amor de Deus, por que você não me disse que o livro era tão bom? Mais do que bom até, é, sei lá, como posso dizer? É melhor do que bom... — Alex falava sem


respirar. — Preciso desse papel. E precisamos de um produtor, um bom diretor, e... Ou, quem sabe, nós poderíamos... — Amanhã, Alex. — Temos alguns contatos antigos que poderiam... — Amanhã, Alex. Vá dormir e vê se melhora essa sua aparência. E me deixe dormir. Estou velho demais pra esse negócio. — Bufou. — Ok! Mas dê um jeito, precisamos desse livro. — Eu já sei. Boa noite, Alex. — Boa noite, Conrad. Boa noite. Finalmente Alex sentia que havia descoberto um papel no qual poderia se encontrar realmente. Lançar mão de todo o seu talento há muito deixado de lado, esse seria seu grande retorno. Um retorno espetacular, triunfal. Digno de uma estatueta dourada. Sorrindo, pegou o livro e retomou a leitura, queria aprofundar-se no personagem, nunca mais poderiam dizer que ele havia estragado qualquer filme com uma atuação medíocre. Santa Catarina – Brasil Na manhã seguinte, Augusto Leon enfrentava uma Cristina Levi furiosa, andando de um lado para o outro com os punhos cerrados e os olhos verdes fulminando na sua direção. — Você é muito teimosa. — Crispou Augusto. — Você é um impertinente. Quantas vezes vou ter que repetir que não vou vender esse maldito livro? — respondeu, batendo com os punhos sobre a mesa. — Você nem sequer olhou a proposta! — Eu não quero ver proposta nenhuma, você não entende. Não quero ninguém estragando esse livro. Venda algum dos outros. Esse eu já disse que não! — Eles não querem os outros. Eles querem o Arlequim, esse é o seu melhor livro. — Não! Entenda de uma vez por todas que esse livro não está à venda. — Cristina — ponderou, amaciando o tom de voz —, eu sinto muito pelo que você passou, eu sei que esse livro foi dedicado a ele, mas tenho certeza de que ele ficaria muito orgulhoso de saber que um ator como o próprio Alex Clark iria representá-lo. — Como é? — Os olhos de Cristina arregalaram-se e ela corou de raiva. — Você não tem vergonha? — O quê?


— O cara é uma porcaria de pessoa. Quando foi que ele fez alguma coisa boa pra alguém? Me diz! — Ora, dona Cristina Levi, dona da verdade e da razão, como a senhora pode saber de algo desse tipo? Conhece o Alex por acaso? — E precisa? O que a gente vê por aí é suficiente pra mim. Se ele fizesse algo de bom pelos outros, com certeza seria uma pessoa diferente. — Você está passando da conta. Isso não nos diz respeito. Venda o livro e ponto final. — Não vou vender livro nenhum. — Enfureceu-se ela. — E isso me diz respeito sim, porque o meu marido vivia pra os outros. Ele era a melhor pessoa do mundo, esse cara não chega aos pés dele. — Quer dizer que se ele merecesse, você venderia? — Não... quer dizer... quem sabe... Ora, pare com isso, Augusto. — É você quem está dizendo. — Se ele merecesse, sim, por que não? Mas ele não merece, e duvido que fosse capaz de me fazer mudar de ideia. — Tudo bem. — Encerrou a discussão, tendo instantaneamente uma ideia. — Tudo bem? Como tudo bem? Não vai mais insistir? Simples assim? — Sim. Tudo bem. A discussão acabou. Afinal, você já disse tudo, se o Alex for merecedor, você venderá o original. — Não foi isso que eu disse. — Foi exatamente isso que você disse, Cristina. Disse que se ele for capaz de fazêla mudar de ideia, provar que é uma pessoa boa, digna, que ajuda ao próximo, você venderá os direitos do livro. Cristina não disse mais nada, ele havia vencido em seu joguinho maquiavélico de melhor agente do universo, sabia exatamente o que queria e tinha tudo planejado. Tudo bem, mesmo assim ela não seria convencida, fizesse ele o show que quisesse, o original era seu e assim permaneceria. Foi para casa e se trancou no quarto. Com as crianças na escola poderia se dar ao luxo de dormir o restante da tarde. E estava mesmo se sentindo exausta. Depois que deixou os olhos penderem e conseguiu, finalmente se entregar ao sono, sonhou com o marido. Nova York – USA


Finalmente Conrad recebeu a ligação que tanto estava esperando. Respirou fundo e pensou que aquele momento era, definitivamente, decisivo em sua vida. Com tudo que vinha ocorrendo, se ele fizesse seu jogo do jeito certo, talvez sua vida não fosse de uma vez por todas para o ralo. — Leon, meu velho, tudo certo com o nosso original? A nossa escritora prodígio gostou da oferta? — Nem tanto, Conrad, nem tanto. E que mania era aquela dos brasileiros de chamarem pelo primeiro nome? Será que eles não tinham um sobrenome? — Mas o que poderia haver de errado? Tenho certeza de que fomos bastante razoáveis quanto aos valores negociados. — Não me venha com essa conversa de generosidade, porque você e eu sabemos que esse original vale pelo menos uns dois zeros a mais. — As palavras saíram duras do outro lado da linha, fazendo com que o velho Conrad Malcolm engolisse em seco, então ele estava lidando com uma raposa velha, tão ou mais experiente que ele. Respirou fundo e se preparou para o pior. Augusto continuou: — A questão não é o dinheiro, a questão é que a Cristy Levi não quer vender, ela é, digamos, um tanto temperamental e acha que o seu astro não é tão merecedor... — Você está me dizendo que ela não quer vender porque acha que o Alex não é uma boa pessoa? — questionou com uma expressão que transitava entre a incredulidade e uma vontade imensa de rir, já sabia que artistas eram temperamentais, e que essa tal Cristy Levi era das boas, mas essa iria lhe render umas boas gargalhadas. — Estou dizendo que esse livro tem valor sentimental pra minha escritora, e que o seu ator não fez nada por merecer o papel principal. — A resposta seca de Augusto alarmou o norte-americano mais uma vez. Conrad Malcolm era um homem esperto e aquele tom soava como um sinal de alerta aos seus instintos, empertigou-se na cadeira e entonou a voz: — Entendo. Isso quer dizer que não faremos negócio? — Não. — Não estou entendendo. — Isso quer dizer que eu tenho uma ideia de como fazê-la mudar de opinião, mas vai requerer algum esforço do seu astro. Ele estaria interessado? — É possível, mas isso vai depender da sua ideia, Leon...


— Será preciso provar à Cristina que Alex Clark não vive só de escândalos, mas que ele adora fazer o bem ao próximo... — Ora, isso não será um problema... — Empolgou-se Malcolm. — Podemos organizar eventos, anunciar diversas ações, chamar alguns repórteres... — Não é tão simples... — interrompeu Augusto, elaborando as palavras certas para contar sua ideia.

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