Livro Colecao PNAIC Volume 7

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Ministério da Educação Universidade Federal de Mato Grosso Secretaria de Educação Básica Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa Reitora

Myrian Thereza de Moura Serra Vice-Reitor

Evandro Aparecido Soares da Silva Coordenadora de Formação

Sandra Regina Franciscatto Bertoldo Formadoras Estaduais

Anabela Rute Kohlmann Ferrarini Tânia Maria Magalhães Assessora Técnica

Maria Claudenir Lima Pavan Comissão de Avaliação (Formadores regionais)

Ana Lucia Nunes da Cunha Vilela Andreia Cristina Santiago Carvalho Angela Rita Christófolo de Mello Carla Melissa Klock Scalzitti Dulcilene Rodrigues Fernandes Edvaldo Bernardino de Farias Eliane Aparecida Martins Estela Inês Leite Tosta Jane Iris Araújo Cabrera Penasso Janíbia Fernanda Costa de Oliveira Luci Gomes da Mata Lucineia Jonat Lourenco Marcia Ormonde Portela dos Santos Maria do Socorro Castro Soares Neures Batista de Paula Soares Rosimeire Dias de Camargo Sandra Regina Braz Ayres Simone Marques Lima


Nos passos do PNAIC em Mato Grosso: a chegada da Educação Infantil/ Pré-Escola e do PNME Volume 7

Sandra Regina Franciscatto Bertoldo Anabela Rute Kohlmann Ferrarini Organizadoras

Rondonópolis, MT 2019


© Sandra Regina Franciscatto Bertoldo, Anabela Rute Kohlmann Ferrarini (Organizadoras), 2019.

A reprodução não autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98. Os textos desta coletânea são de inteira responsabilidade de seus autores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Dados Internacionais de Catalogação na Fonte. (CIP) N897

Nos passos do PNAIC em Mato Grosso : a chegada da educação infantil/pré escola e do PNME / Sandra Regina Franciscatto Bertoldo, Anabela Rute Kohlmann Ferrarini, organizadoras. – Rondonópolis: [s. n.], 2019. 206 p. : il. ; 22 cm. – (Coleção PNAIC de Mato Grosso: memórias de alfabetização; v. 7) 1. Alfabetização – Mato Grosso. I. Bertoldo, Sandra Regina Franciscatto. II. Ferrarini, Anabela Rute Kohlmann. III. Título. IV. Série. CDU 372.4(817.2) Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte.

Organização, Revisão e Normalização Textual:

Sandra Regina Franciscatto Bertoldo Anabela Rute Kohlmann Ferrarini

Capa, Editoração, Ilustrações e Projeto Gráfico:

Candida Bitencourt Haesbaert

Impressão:

Gráfica Print

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa/MEC - Mato Grosso Campus Universitário de Rondonópolis/UFMT Rodovia Rondonópolis-Guiratinga (MT 270), Km 006 CEP 78735-901 – Rondonópolis - MT


Em memória da Profa. Márcia Silvério Salles, Orientadora de Estudo do município de Juara, que nos ajudou a escrever a história do PNAIC em Mato Grosso.


Às professoras e aos professores de Mato Grosso, por seu incansável trabalho. Não sei bem se escrevo um poema ou uma prece, mas desfio este Rosário, revestida de uma gratidão sem medida, que muito me enternece, pelos professores de Mato Grosso, que são um e são multidão! Que vêm de Araguainha e Nova Mutum, de Colíder e Comodoro, em busca de formação. Ah, Mato Grosso! Terra Nova dos emigrantes, terra antiga dos Bororo, Caiapós, Parecis e Xavantes. Berço dos Apiacás, destino dos Bandeirantes teus professores são como Água Boa que irriga a terra e fortalece o Campo – Verde, Novo do Parecis... Isso, garanto, é bem verdade, juro pela Santíssima Trindade: “Meninos, eu vi!” Vi cada professor e cada professora por esse Mato Grosso a fora a ensinar muito mais que o be-a-bá. Ao nosso chamado, chegam eles à cidade verde, Cuiabá, armados de sonho, fé e esperança empunhando livros, canetas, lápis e giz para que cada criança desse imenso País tenha o direito de aprender e o direito de ser feliz. Rogo a Nossa Senhora do Livramento, protegei nossos Nobres professores, dai-lhes temperança e Sorriso no rosto, para que suas mãos e suas mentes eduquem nosso maior Tesouro: meninos e meninas de Confresa e Feliz Natal Alta Floresta, Denise e Cocalinho Rondolândia, Barão de Melgaço e Acorizal Vila Rica, Sinop e Ribeirãozinho. Dai-lhes, meu Bom Jesus, a bênção de trabalhar dignamente. Concedei-lhes Guarita em cada canto dessa terra de beleza infinda, da Barra do Garças ao Alto Boa Vista da Chapada dos Guimarães ao Monte Verde dos Campos de Júlio à Várzea Grande do Vale de São Domingos à Serra Nova Dourada. Dai-lhes, São José (dos Quatro Marcos, do Rio Claro, do Xingu e do Povo)


segurança na travessia, no rio, no ar e na estrada, seja noite ou seja dia, no ônibus, no carro ou na Jangada, a caminho de casa ou da escola, na zona rural ou urbana, da cidade, do campo ou quilombola, em cada pedaço desse chão: Arenápolis, Carlinda e Canarana Barra do Bugres, Rondonópolis e Castanheira Alto Taquari, Campinápolis e Araguaiana. Oh, Santo Antônio (Novo, do Leste, do Leverger) que cada professora seja respeitada em seu saber, valorizada em sua competência, na Primavera e no inverno no verão e no outono, nos recônditos dessa Querência! Que ela não sofra com o abandono, que nada nem ninguém lhe faça mal, que ela seja pela comunidade querida em Alto Araguaia, Vera e Sapezal Indiavaí, Lucas do Rio Verde e Rio Branco Santo Afonso, Aripuanã e Reserva do Cabaçal, para que assim ela conserve a paz de seu coração, o riso aberto e franco, o prazer da brincadeira, a alegria de ensinar e aprender e de “carregar água na peneira”. Porque não importa o percalço ela segue, firme e guerreira, nas salas de aula de Tapurah e Brasnorte, Araputanga, Alto Garças e Juscimeira, Pontal do Araguaia, Alto Paraguai e Colniza, debaixo de sol e chuva, sereno e doce brisa. Valei-nos, Santa Carmem Santa Rita Santa Terezinha Conservai nossa União do Sul ao Norte e de Oeste a Leste, para que cada Conquista seja um Salto [no] Céu, um céu de cores vivas, sob o qual cada Maria, Ana e Cláudia (de Lambari, Figueirópolis e Glória d’Oeste) Teresa, Catarina, Sandra, Débora e Sílvia (de Barra do Garças, Tabaporã e Nova Olímpia) Carolina, Tânia, Rosa, Cecília e Jaciara (de Cáceres, Matupá e Marcelândia) Mariana, Lúcia, Eliana, Joana e Kátia (de Cotriguaçu, Nova Maringá e Nortelândia) Ângela, Júlia, Poliana, Diva e Luciára (de Itanhangá, Jauru e Marilândia) Cada João, Ricardo, Augusto e José (de Ribeirão Cascalheira, Itaúba e Curvelândia)


Eduardo, Fernando, Mateus e Damião (de São Pedro da Cipa, Torixoréu e Nova Nazaré) Carlos, Davi, Antônio, Expedito e Tomé (de Diamantino, Poxoréo e Brasilândia) Gabriel, Felipe, Pedro, Miguel e Sebastião (de Porto Alegre do Norte e Planalto da Serra) seja aluno ou professor, adulto ou criança, possa construir no seu quintal um forte que abrigue Ipiranga e Guarantã do Norte, pra brincar no barro, na água e na grama, e construir um castelo sobre uma Pedra Preta e uma Ponte Branca, rumo a um Novo Horizonte, onde se põe, ao fim do dia, o Sol. Santa Helena, São Félix e São Joaquim, guardai os professores e as crianças de Dom Aquino, General Carneiro e Mirassol. Que sob as nuvens transborde a Poesia e sob as árvores frondosas floresçam a História, a Matemática, a leitura e a escrita, (em Nova Canaã do Norte e Guiratinga), as Ciências, a Geografia, a Dança e a Literatura, (em Canabrava, Santa Cruz do Xingu e Paranatinga), a Filosofia, as Artes Visuais e a Música, (em Itiquira, Paranaíta e Juruena). Que quem avistar uma professora, com os braços carregados de cadernos, dela sinta orgulho, jamais pena! Porque o que ela vai carregando são sonhos - os dela, os meus, os seus, os nossos -. Por onde ela anda, nas ruas de Juara, Pontes e Lacerda e Nova Xavantina, nos corredores das escolas, em Poconé, Peixoto de Azevedo, Porto dos Gaúchos e Juína, nas avenidas, em Nova Lacerda e Tangará da Serra, nas praças, em Nova Ubiratã e Porto Esperidião, seus pés sustentam um coração, onde se ancora, qual barco a vela, a certeza da contínua formação. Nesse coração, belo Porto Estrela, um brilho do olhar se junta ao outro e forma-se poderosa constelação. De mãos entrelaçadas, sujas de giz e tinta, caminham professores e professoras, criando, dia a dia, um Novo Mundo, onde a aprendizagem brilha forte e onde o ensino é fecundo! Professores e professoras, esta gaúcha do Sul saúda Gaúcha do Norte! Chego, então, ao fim deste poema - que afinal, se tornou uma prece desejando, como quem reza e agradece, que lhes alcance o sucesso e a boa sorte! Anabela Rute Kohlmann Ferrarini Formadora Estadual PNAIC-MT


Apresentação A Coordenação de Formação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa apresenta, com alegria e gratidão, três novos volumes da “Coleção PNAIC de Mato Grosso: memórias de alfabetização”. No volume 5, que tem por título “Nos passos do PNAIC em Mato Grosso: a formação sob diferentes olhares”, apresentamos artigos e relatos de autores que atuaram no Programa em 2016, ano em que foram inseridos novos perfis de coordenadores: o Coordenador Estadual, o Coordenador UNDIME, os Coordenadores Regionais e os Coordenadores Pedagógicos. A participação destes últimos veio contemplar uma antiga solicitação das Universidades feita ao Ministério da Educação (MEC), uma vez que acolhiam os apelos das redes no sentido de que seria fundamental que o Coordenador Pedagógico recebesse a formação, juntamente com seus professores Orientadores de Estudo. A então Coordenadora Geral do PNAIC/MT, Profa. Dra. Sílvia de Fátima Pileggi Rodrigues, esteve à frente de uma equipe composta por duas Coordenadoras Adjuntas, quatro Supervisoras, um apoio técnico e 14 Professores Formadores, responsável pela formação ofertada a um Coordenador Estadual, Coordenador Undime, 15 Coordenadores Regionais, 141 Coordenadores Locais e 303 Orientadores de Estudo e 939 Coordenadores Pedagógicos, que, posteriormente, replicavam a formação a 6207 Professores Alfabetizadores. As ações do Programa foram desenvolvidas, no âmbito desta edição, no intuito de formar, em nível de extensão, os professores que atuam nos três anos do ciclo de alfabetização, bem como os seus gestores, tendo como foco a leitura, a escrita e a matemática, oferecendo suporte para o planejamento das aulas e disponibilizando materiais e referências curriculares e pedagógicas para subsidiar o trabalho dos docentes. O Volume 6, intitulado “Nos passos do PNAIC em Mato Grosso: aprendizagem e mudança”, e o Volume 71, denominado “Nos passos do PNAIC em Mato Grosso: a chegada da Pré-escola/Educação Infantil”, trazem artigos e relatos de autores que ocuparam diferentes perfis nesse Programa de formação continuada, na sua edição de 2017. São relatos de experiência e discussões de pesquisa que consolidam a importância do PNAIC nas ações em prol da alfabetização e nos enchem de esperança de que a semente foi plantada com 1 Os textos deste Volume pertencem, em sua primeira parte, ao segmento Educação Infantil/Pré-escola e, na segunda, ao segmento PNME. Tal organização se deve ao fato de ambos os segmentos terem sido incluídos no PNAIC na edição de 2017.


responsabilidade e dedicação, e que os cursistas fizeram, fazem e seguirão fazendo a diferença nas salas de aula onde atuam. O ano de 2017 teve uma edição diferente! A proposta de trabalho com foco na apropriação da leitura, da escrita e da alfabetização matemática se manteve, contudo, o grupo se expandiu para olhar, também, para as crianças da Pré-Escola/ Educação Infantil e propiciar uma rede de apoio aos professores participantes do PNME (Programa Novo Mais Educação). Outra mudança bastante expressiva diz respeito ao novo formato do PNAIC, articulado pelo MEC, Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). A Coordenação do Programa foi desmembrada em Coordenação de Gestão e Coordenação de Formação. Em nosso Estado, fortaleceu-se o papel do Comitê Gestor Estadual para a Alfabetização e o Letramento, que definiu que a formação continuaria sob a responsabilidade da UFMT, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Educação do Campus Universitário de Rondonópolis (PPGEdu/CUR). A Coordenação de Gestão ficaria a cargo da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e da Undime-MT. Desse modo, sob a coordenação da Profa. Dra. Sandra Regina Franciscatto Bertoldo, essa edição trabalhou com docentes de três segmentos: Pré-Escola (Educação Infantil), 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental e PNME, totalizando: duas Formadoras Estaduais (uma para a Educação Infantil, e outra para o grupo de alfabetizadores dos anos iniciais); doze Formadores Regionais (anteriormente denominados Professores Formadores) atuantes no segmento de 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental, os quais atenderem a 240 Formadores Locais (nova denominação dos Orientadores de Estudo); sete Formadores Regionais no segmento de Pré-Escola/Educação Infantil, para ofertar formação continuada a 120 Formadores Locais; e dois Formadores Regionais para atender a 100 Mediadores de Aprendizagem do PNME. Com oferta de formação em rede, como é prática no PNAIC desde o seu início em 2013, chegou-se a um total de 8.878 Professores, 220 Coordenadores Pedagógicos e 100 Articulares de Ensino atendidos diretamente nos municípios de Mato Grosso; 21 Formadores Regionais, 460 Formadores Locais e duas Formadoras Estaduais, sob a tutela de uma Coordenadora de Formação. Um grande grupo de professores para um grande desafio! Com o cenário de formação se constituindo, uma dúvida, porém, insistia em tomar nossa reflexão: como dinamizar as discussões de apropriação da escrita e da leitura na Pré-Escola? Como pensar, planejar e desenvolver atividades do PNME na perspectiva do PNAIC? As respostas foram chegando aos poucos pelo estudo, pela leitura e pela pesquisa (assim como se constroem


todos os conhecimentos). Da mesma forma, ao longo do planejamento da Equipe de Formação e durante a organização do percurso que deveríamos ter para atingir os objetivos pretendidos, as questões foram ficando claras, sem, no entanto, dirimir nossa angústia em fazer tudo acontecer e colher bons frutos dessa empreitada. Estávamos certas que os professores chegariam até nós com as mesmas preocupações, mas, ao mesmo tempo, tínhamos a perspectiva de receber um grupo de docentes dinâmicos, competentes e sabedores de sua importância no desenvolvimento do projeto maior: A alfabetização na idade certa! Do princípio das discussões junto à equipe da SEDUC até o início das formações com os professores Formadores Locais foi um caminho de muito planejamento, negociação, preocupação, desistências e aceites, e muitas tomadas de decisão. Sabíamos qual caminho deveríamos percorrer, mas não tínhamos clareza de quantas pedras encontraríamos nesse caminhar. Mesmo assim, fomos! E não fomos sozinhas! Tivemos o apoio de todos aqueles que, como nós, acreditam que uma educação só pode transformar vidas se for assumida por todos e acreditada por todos. Por isso, fomos e seguimos apesar de: apesar de todas as angústias, apesar de todos os conflitos, apesar de todos os percalços. Esse caminhar conjunto e um pouco dessa trajetória poderão ser conhecidos por meio das escritas dos professores colaboradores que compõem esse livro, afinal, eles estiveram conosco nesse percurso, conheceram e vivenciaram as nossas aflições e partilharam das suas; lutaram pela manutenção do PNAIC, insistiram pela participação presencial nas formações, se mobilizaram e acreditaram na continuidade da proposta de formação oferecida pela equipe da UFMT/PNAIC. A esses educadores que labutam diariamente por uma educação acessível e de qualidade para todos, nosso reconhecimento! Desejamos, por fim, que os textos aqui apresentados, mesmo que representem uma parcela mínima de professores envolvidos no PNAIC, possam contribuir para novos projetos, para instigar o estudo e a produção escrita dos professores como condição para estimular nossas crianças a fazerem o mesmo e, especialmente, para evidenciar que os docentes que estão comprometidos com a alfabetização no Mato Grosso reconhecem a importância de suas práticas para a mudança de realidades. Boa leitura! As Organizadoras Rondonópolis-MT, outono de 2019



A semeadura Sílvia de Fátima Pilegi Rodrigues

Tendo a Kátia saído de casa, naquele dia, estava assentada na sala do Programa de Pós-Graduação em Educação, na UFMT, Câmpus de Rondonópolis. E a Sílvia juntou-se perto dela, de sorte que estavam a sós e trocando muitas ideias e sonhos. Kátia falou-lhe de muitas coisas, dizendo: “Eis que eu fui chamada para coordenar o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa em Mato Grosso e gostaria que você participasse junto comigo.” Naquele momento, final de 2012, Kátia e Sílvia não tinham a dimensão clara da extensão e demandas da semeadura, mas saíram a semear. Logo no início do processo, foram se cercando de muitos outros semeadores, pois a messe era grande e os operários, poucos. E, quando semeavam, uma parte da semente caiu ao pé do caminho, no caminho da burocracia, das mudanças de rumo dos projetos políticos, dos oportunistas de plantão... e vieram as aves vorazes e comeram-na. Devoraram propostas em andamento, excluíram pessoas comprometidas com o Pacto, suprimiram verbas... E outra parte caiu em pedregais, nos pedregais da falta de compromisso e solidariedade, da descontinuidade de projetos e propostas de políticas públicas, da aridez da desesperança, onde não havia terra bastante, compromisso suficiente, e logo nasceu, porque não tinha terra funda. Mas, vindo o sol, queimou-se e secou-se, porque não tinha raiz, nem a utopia, a esperança e a garra necessárias. E outra caiu entre espinhos do desestímulo, do desinteresse e falta de companheirismo dentro da escola, os espinhos dos afazeres escolares que se sobrepõem a tantos projetos e propostas, que comprometem a continuidade do trabalho, e cresceram e sufocaram-na. E outra caiu em boa terra, foi acolhida e cultivada com estudo e trabalho comprometidos, com a convicção de que toda criança tem o direito de ser alfabetizada, e deu fruto: - um a cem, nas escolas e redes comprometidas com a formação e valorização dos seus profissionais; com gestores que acreditam que uma outra escola é possível (mais dinâmica, democrática, inclusiva e de qualidade para todos); com professores que entendem que um bom trabalho deve ser feito


coletivamente, envolvendo os demais colegas, que os aprendizados construídos no Pacto devem se refletir no cotidiano da sala de aula, que acreditam e trabalham pela aprendizagem de todos os seus alunos. - outro a sessenta, pois nem sempre é possível envolver a escola coletivamente em um projeto de formação e prática docente, as famílias dos estudantes muitas vezes não se responsabilizam com a vida escolar dos seus filhos, os alunos também precisam se envolver com a própria aprendizagem... - outro a trinta, pois os desafios são muitos e as descontinuidades políticas colocam-se como obstáculos, pedregais e espinhos em nossos sonhos e propostas, as resistências e comodismos tentam nos imobilizar e acreditar que é mais fácil desistir e deixar que o joio sufoque o trigo... Mas é preciso lutar, resistir e acreditar no sonho possível, nas potencialidades dos sujeitos e colocar-se no caminho e semear... Semear a mancheia e cultivar com carinho, respeito, compromisso, estudo e participação para não sermos devorados pelas aves oportunistas, nem sufocados pelas ervas daninhas ou secarmos na aridez da desesperança e da frustração. Temos clareza de que não tem sido fácil o trabalho diante de tantos desafios, mas é preciso acreditar que quem tem ouvidos para ouvir, ouviu; quem tem coragem para enfrentar e lutar, continuará na luta; quem ama e batalha diariamente pela Educação pública e de qualidade para todos, não se entregará jamais! Cuiabá, 09 de maio de 2018. A Parábola do Semeador é uma das parábolas de Jesus, encontrada nos três Evangelhos (Mateus 13:1-9, Marcos 4:3-9 e Lucas 8:4-8) e no Evangelho de Tomé.


Sumário Educação Infantil (Pré-Escola) Ler escrever na Educação Infantil: discutindo concepções e implicações para as Práticas Pedagógicas.....................................................................17 Ana Lúcia Nunes da Cunha Vilela – Formadora Regional – Educação Infantil

O PNAIC e a Educação Infantil.................................................................................... 33 Carla Melissa Klock ScalzittiFormadora Regional – Educação Infantil

PNAIC da Educação Infantil: caminhos para a formação de professoras, crianças leitoras e escritoras.......................................................................................... 39 Dulcilene Rodrigues Fernandes Formadora Regional – Educação Infantil

Memórias da infância: a determinação de sentidos e a (des)construção da “criança” no PNAIC/2017..........................................................51 Edineth FrançaFormadora Regional – Educação Infantil

PNAIC Educação Infantil: um breve relato de uma Formadora Regional....................... 63 Maria do Socorro Castro SoaresFormadora Regional – Educação Infantil

As ações do PNAIC na Educação Infantil no município de Nova Ubiratã-MT................ 67 Amanteia Amanda Marques Soliani – Formadora Local de Nova Ubiratã-MT

Formação continuada dos professores de Educação Infantil.......................................... 73 Ana Paula Machado LocatelliFormadora Local de Sorriso-MT

A Educação Infantil experienciada e vivida nas propostas do PNAIC............................. 83 Claudia Aparecida do Nascimento e Silva Formadora Local de Rondonópolis/MT

PNAIC: desafios e possibilidades na perspectiva de uma nova prática pedagógica..........91 Eliane Conceição Gomes de Alvarenga – Formadora Local de Curvelândia-MT

Interações, brincadeiras, leitura oral e leitura escrita: considerações enquanto Formadora Local para professores da Educação iInfantil................................ 97 Evakeila Pereira Santana de Sousa – Formadora Local de Nova Xavantina/MT

O PNAIC na Educação Infantil: espaços para a reflexão e o (re)fazer docente..............103 Jaqueline Aparecida Falco Walderrama – Formadora Local de Várzea Grande/MT

Para uma Educação Infantil de qualidade: relatos de uma docente..............................109 Juliane Soares Montessi – Formadora Local de Alta Floresta/MT

PNAIC 2017 - Educação Infantil: percurso formativo................................................... 117 Lia Carla Lopes de Oliveira – Formadora Local de Cuiabá-MT

Formação de professores da Educação Infantil no PNAIC-MT......................................125

Lucinéia Aparecida Pereira dos Reis – Formadora Local de Colíder-MT PNAIC – Educação Infantil: espaço para experiências, vivências e muito aprendizado..... 131 Neide Figueiredo de Souza – Formadora Local de Rondonópolis-MT

Desafios, conquistas e aprendizagens nas formações do pnaic da Educação Infantil........ 137 Odete Selva Formadora Local de Campo Verde-MT

Um Pacto pela Educação Infantil.................................................................................149 Silvana Nunes Viana Paiva – Formadora Local de Sapezal-MT

Reflexões sobre livros infantis: acervos, espaços e mediações.......................................157 Solange Antunes KarpinskiFormadora Local de Aripuanã-MT


Programa Novo Mais Educação/PNME PNME e o PNAIC: formação docente continuada permeada por desafios e expectativas....................................................................... c169 Edvaldo Bernardino de Farias Formador Regional – PNME

Reinventar a escola: novas perspectivas para alfabetização a partir do Novo Pacto.....177 Neures de Paula SoaresFormadora Regional – PNME

Inclusão do PNME na formação continuada do PNAIC: um desafio............................187 Erni Inez L. Battirola Formadora Local – PNME Alta Floresta-MT

Experienciando o PNAIC pelo viés do PNME..............................................................193 Milene Paula GracianoFormadora Local – PNME Rondonópolis-MT

A formação do PNAIC para o PNME: novas perspectivas para o atendimento às dificuldades dos alunos...............................................................................................201 Silvia Mori Pizzatto – Formadora Local – PNME – Nova Mutum-MT


Ler e escrever na Educação Infantil: discutindo concepções e implicações para as Práticas Pedagógicas Ana Lúcia Nunes da Cunha Vilela Formadora Regional – Educação Infantil Departamento de Ensino e Educação Escolar Instituto de Educação - UFMT

O presente trabalho versa sobre as concepções de linguagem escrita dos docentes que atuam na Educação Infantil e suas implicações para as práticas pedagógicas. Refere-se a parte do trabalho realizado em uma turma do curso de “Leitura e escrita na Educação Infantil” do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC – Educação Infantil, em Mato Grosso. Tem como objetivo analisar as concepções de leitura e escrita na Educação Infantil que emergiram em uma situação de simulação de atividade de leitura e escrita, por trinta docentes participantes do curso, e seus desdobramentos no cotidiano da Educação Infantil. A atividade foi realizada no início do estudo do caderno 5 “Crianças como leitoras e autoras” com o objetivo de conhecer as concepções dos professores e confrontá-las com as concepções propostas no material e fundamentadas teoricamente em Teberosky, Ferreiro, Colomer, Vygotsky, Bakhtin, entre outros. O texto inicia-se com um breve panorama da leitura e da escrita na Educação Infantil ao longo das últimas décadas e depois apresenta as visões sobre a linguagem escrita na Educação Infantil e algumas questões para a prática pedagógica dos docentes participantes do curso em pauta. O objetivo do estudo proposto no caderno foi “apresentar reflexões que levem o professor a compreender como práticas significativas e dialógicas em torno da cultura escrita se relacionam às apropriações das crianças, como situações desafiadoras possibilitam análises e reflexões das crianças, ampliando seus conhecimentos sobre a linguagem escrita” (MEC/SEB, 2016, p. 09). Conclui com algumas considerações que ressaltam a necessidade da Educação Infantil ampliar as experiências culturais das crianças, socializando os seus saberes e conhecimentos ampliando-os e valorizando as diferentes linguagens a partir da sólida formação de professores leitores e autores de textos e de suas práticas pedagógicas.


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Revisitando a teoria Ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. (VYGOTSKY, 1991, p. 119)

Alfabetização e educação infantil constitui-se em uma questão polêmica e fundamental para os docentes dessa etapa da educação básica. Dessa forma, discutir sobre o que significa leitura e escrita na Educação Infantil é fundamental e está presente em diferentes espaços educativos (seminários, cursos, congressos e nas próprias instituições de educação infantil) propiciando reflexões sobre as concepções dos professores e suas implicações para a prática pedagógica. A Educação Infantil deve ensinar a ler e escrever? A partir de que idade? O que abordar sobre a leitura e escrita na Educação Infantil? E como abordar? A Educação Infantil é lugar de preparação para a alfabetização, ou lugar de alfabetização? E a brincadeira como fica na alfabetização? Hora de brincar e hora de aprender são distintas na Educação Infantil? Existem pré-requisitos para se aprender a ler e escrever? Que trabalho pedagógico relativo à leitura e a escrita deve ser assegurado nessa etapa de ensino? Uma breve retrospectiva histórica sobre a alfabetização realizada por Brandão e Leal (2011) aponta os caminhos que a educação Infantil tem tomado em relação à leitura e a escrita e suas implicações para as práticas docentes. O primeiro caminho denominado “obrigação da alfabetização”, defende que as crianças concluam a Educação Infantil dominando certas associações grafofônicas, copiando letras, palavras e pequenos textos, bem como lendo e escrevendo algumas palavras e frases. Essa concepção fundamenta-se na “ideia de que a aquisição da leitura e da escrita corresponde à aquisição de um código de transcrição da escrita para o oral e vice-versa, bastando que a criança memorize as associações som-grafia para ser alfabetizada” (BRANDÃO E LEAL, 2011, p. 16). A opção por esse caminho resulta em uma prática pedagógica centrada no desenvolvimento de habilidades perceptivas e motoras seguida por um trabalho exaustivo com letras, iniciando-se pelas vogais e após as consoantes e famílias silábicas. O segundo caminho “O letramento sem letras” caracteriza-se pela ênfase dada pela Educação Infantil, a outros tipos de linguagem, como a corporal, a musical, a gráfica, banindo a linguagem escrita do trabalho com as crianças pequenas. Nessa perspectiva, a prática docente não aborda a linguagem por

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NOS PASSOS DO PNAIC EM MATO GROSSO: a chegada da educação infantil/Pré-Escola e do PNME

considerá-la um “conteúdo escolar” e, portanto, “não combina com as crianças pequenas” (ARAÚJO, 2017, p. 348). As práticas pedagógicas dos “docentes que optam por esse caminho limitam-se a atividades de socialização e exercícios de caráter perceptivo-motor mantendo as crianças “assepticamente afastadas” do contado com a língua escrita (FERREIRO, 2001, p. 39). Dessa forma, as crianças são impedidas de aproximar-se da língua escrita na escola tornando-a opaca e invisível (paradoxalmente fora dos muros da escola a criança vive imersa no mundo social onde a escrita circula amplamente!). Pode-se denominar esse caminho como o da negligência do ensino da linguagem escrita na Educação Infantil”. Negando esses dois caminhos, Brandão e Leal (2011) propõem “Ler e escrever com significado na Educação Infantil” como o terceiro caminho para o trabalho com a linguagem escrita nas turmas na fase inicial da educação básica. Esse caminho inspira-se, por um lado, nas ideias de Ferreiro e Teberosky sobre o processo de alfabetização e no impacto que essas ideias trouxeram para se pensar a alfabetização passando também sobre o papel da Educação Infantil nesse processo e, por outro lado, na perspectiva sociointeracinista que alerta para o papel da escola na inserção das crianças na cultura escrita desde a mais tenra idade. Não se trata, nesse nível, nem de adotar as práticas ruins da escola primária, seguindo este ou aquele método de ensinar a ler e a escrever, nem de manter as crianças assepticamente afastadas de todo o contato com a língua escrita. Esta é uma falsa dicotomia que se expressa na famosa pergunta: deve se ensinar a ler e a escrever na pré-escola ou não? Minha resposta é simples: não se deve ensinar, porém deve-se permitir que a criança aprenda... Permitir-lhe que entre em contato, que interaja com esse objeto (FERREIRO, 2011, p. 30, grifo da autora).

Para Ferreiro, a pergunta de se devemos ou não alfabetizar na Educação Infantil é, assim, uma pergunta mal formulada, porque está centrada no ensino e deve ser substituída por outra centrada na aprendizagem. Proibir a presença da linguagem escrita no ambiente escolar é impor que os docentes funcionem como se não fossem pessoas alfabetizadas. E alerta: Há crianças que chegam à escola sabendo que a escrita serve para escrever coisas inteligentes, divertidas ou importantes.

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Essas são as que terminam de alfabetizar-se na escola, mas começam a alfabetizar-se muito antes, através da possibilidade de entrar em contato, de interagir com a língua escrita. (FERREIRO, 2011, p. 23)

Nessa mesma esteira Solé (2003, p. 75) propõe que cabe a escola tratar simplesmente “tornar natural o ensino e a aprendizagem de algo que coexiste com as crianças, que interessa a elas e que está presente em sua vida e não tem sentido algum ignorar”. Não se trata, nessa ótica, de fazer da Educação Infantil uma “antessala” ou de “preparação” para o Ensino Fundamental adiantando conteúdos dessa etapa de escolarização e, tampouco, impossibilitar o desenvolvimento das crianças, apartando-as do mundo da cultura escrita que participa. É preciso restituir a língua escrita seu caráter de objeto social, propõe Ferreiro (2011), permitindo que as crianças tenham interação com essa língua, nos mais variados contextos: ouvindo o que o professor lê em voz alta e descobrindo como a língua se organiza; explorando textos buscando semelhanças e diferenças; antecipando significados a partir do contexto; vendo as letras que usamos para escrever; brincando de ler e de escrever. É preciso reintroduzir a escrita como sistema de representação da linguagem. Temos uma imagem empobrecida da criança que aprende: a reduzimos em um par de olhos, uma mão que pega um instrumento para marcar e um aparelho fonador que emite sons. Através disso há um sujeito cognoscente, alguém que pensa, que constrói interpretações, que age sobre ele para fazê-lo seu. (FERREIRO E TEBEROSKY, 1985, p. 17)

Vygotsky, já na década de 1930, criticava as formas de intervenção no processo de alfabetização escolar, ao afirmar que a ênfase do processo recai sobre o ato mecânico de ler e escrever, em detrimento da linguagem escrita. Dessa forma, “até agora, a escrita ocupou um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento cultural da criança. Ensina-se as crianças a desenhar letrar e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. (VYGOTSKI, 1991, p. 119). Comparando o processo de ensinar da língua escrita pela escola com o ensino de piano, onde se desenvolve a destreza dos dedos, a leitura e execução da partitura, sem, entretanto, ensinar-se música, Vygotsky afirma que a escola tem se preocupado em desenvolver uma habilidade técnica, mecânica e exter-

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ne ao sujeito, desprezando o aspecto cognitivo que envolve essa aprendizagem. Afirma, ainda, que a escola deve ensinar as crianças a linguagem escrita e não apenas a escrita das letras, levando-as a uma compreensão interior da escrita, ao longo de um processo que não é linear e no qual acontecem muitas transformações. Discute o papel fundamental que a escrita desempenha no desenvolvimento cultural infantil e chama a atenção para o lugar estreito que ocupa na prática escolar. E conclui: A escrita deve ter significado para as crianças, uma necessidade intrínseca deve ser despertada nelas e a escrita deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a vida. Só então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá como um hábito de mãos e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem. (VYGOTSKI, 1991, p. 133)

Nessa perspectiva, o papel do professor é fundamental, para mediar esse objeto cultural com todas as suas possibilidades e diversidade, criando condições didáticas para que as crianças possam se aproximar da linguagem escrita em situações reais e significativas, instigando-as a pensar no escrito e sobre o escrito. Escreve-se para um interlocutor, sobre algo (assunto, tema) e com determinado objetivo (comunicar, entreter, informar, ensinar, não esquecer) e não para o professor ver se a criança sabe escrever e/ou comprovar suas hipóteses classificando-as em níveis.

Concepções dos professores de Educação Infantil Qual o papel da Educação Infantil no processo de apropriação da linguagem escrita pelas crianças? Ensina-se somente as letras? Começamos pelas vogais? E depois as consoantes? É preciso trabalhar o alfabeto todo? É preciso trabalhar a escrita de letras cursivas ou só “caixa alta”? Qual é o melhor método? Essas e outras questões fervilharam no início do Pacto Nacional para a Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) – para os professores que atuam na Educação Infantil. Para discutir o trabalho desenvolvido com a leitura e a escrita nessa primeira etapa da educação básica utilizei problematizações para permitir que as práticas pedagógicas dos docentes cursistas viessem à tona e para que, com isso, houvesse o confronto entre elas e as teorias que as subsidiavam. Problematizei as concepções de infância, criança, leitura, escrita, aprendizagem e de educação escolar das crianças da Educação Infantil. O presente 21


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trabalho apresenta, analisa e discute duas das atividades realizadas: exercício de simulação da escrita e a leitura de textos em variadas línguas. A atividade de simulação visava revelar as crenças implícitas das professoras sobre a capacidade de aprender das crianças e sobre suas concepções de linguagem escrita que guiavam o trabalho na Educação Infantil. O exercício de simulação foi aplicado em trinta professores e teve o seguinte enunciado: “Redija um conto de fadas como se fosse uma criança de quatro anos de idade e descreva como é a criança que escreveu este texto”1. Quadro 1 – Concepções dos cursistas do PNAIC 2017 resultantes da simulação Frequência Concepções

Absoluta

Relativa

Desenho da história

12

40%

Desenho e letras

08

26,7%

Garatujas

01

3,3%

Garatujas e desenhos

03

10%

Só letras aleatórias

04

13,3%

Escrita de histórias

02

6,7%

30

100%

TOTAL

Fonte: elaborado pela autora.

Destaca-se que os resultados obtidos permitem agrupar os docentes em dois grupos: a) um, quase majoritário (93,3%), que considera a criança uma tábula rasa, que nada sabe sobre a linguagem escrita antes de chegar a escola e que espera passivamente que alguém lhe apresente essa linguagem, em doses homeopáticas, primeiro as letras, depois as sílabas, palavras e finalmente os textos; e b) outro grupo, minoritário (%), que considera a criança capaz de produzir linguagem escrita, recontando uma história, tendo o professor como escriba. O primeiro grupo composto por 28 docentes (93,3%) que atuam na Educação Infantil, e participaram da atividade de simulação de escrita de um texto narrativo, representa as crianças de 4 anos de idade como se fossem incapazes de “escrever” um conto de fadas conhecido, por considerar que escrever “é codificar, é grafar letras, palavras e textos”. Esse grupo faz opção pelo caminho da “obrigação da alfabetização” na Educação Infantil, sugerido por Brandão e Leal (2011). Nas palavras de Ferreiro (2011) essa concepção considera que o primeiro passo na aquisição da língua escrita é a “aquisição de uma técnica de codificação/decodifica1 Essa proposta foi realizada por Teberosky (1992) em cursos de capacitação de professores.

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ção” gerando uma prática pedagógica centrada em atividades e exercícios de discriminação visual das formas gráficas, cópias de grafismos, cobrir letras pontilhadas, dentre tantas outras similares. Evita-se a todo custo que a criança entre em contato com a língua escrita em sua plenitude manifestada nos contos de fadas, poemas, parlendas, quadrinhas, fábulas, lendas e tantos outros da literatura infantil. Assim, coerentes com essa concepção, os professores compreendem que as crianças desse grupo não conseguem recontar um conto e representam suas produções por: a) desenho (40%); b) garatujas e desenhos (10%); c) letras e desenhos (26,7%); d) só garatujas (3,3%); e) só letras preferencialmente tipo impresso maiúsculas (13,3%). Essas representações justificam-se pelas capacidades não desenvolvidas pelas crianças nas escolas, assim elas não conseguem recontar uma história porque não conhecem e não dominam o alfabeto, portanto, o trabalho inicia-se com o ensino das letras (primeiro as vogais depois as consoantes) seguindo das famílias silábicas, palavras e finalmente os textos (preferencialmente curtos). Nas salas de aula as professoras não trabalham com a leitura e a escrita de textos reais porque precisam ensinar primeiro a codificação e a decodificação. Os docentes assim justificavam suas representações no momento da socialização da atividade entre os elementos da turma: “desenhei porque as crianças não sabem escrever, agora que estão aprendendo as letras; algumas crianças estão aprendendo a escrever o nome próprio por isso algumas fazem garatujas parecidas com letras e outras já grafam corretamente as letras do alfabeto”. Durante a realização dessa atividade foi possível observar os comentários dos docentes sobre essa tarefa. “Como é possível que uma criança de quatro anos escreva um conto de fadas? Só se for superdotada.”; “Professora, é para escrever ou desenhar?”; “Professora, mas essa criança já está na escola? Em que série? É escola pública ou particular?”. Esses comentários demonstram preconceitos com relação ao trabalho e a clientela das escolas públicas e privadas. Exemplos das representações do primeiro grupo:

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Figura 1 – Desenhos

Fonte: acervo da autora.

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Figura 2 – Garatujas e desenhos

Fonte: acervo da autora.

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Figura 3 – Letras e desenhos

Fonte: acervo da autora.

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Figura 4 – Só garatujas

Fonte: acervo da autora.

Figura 5 – Só letras

Fonte: acervo da autora.

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O segundo grupo, composto por dois docentes (6,7%), considera a criança capaz de produzir linguagem escrita, mesmo sem ler e escrever convencionalmente, optou pelo caminho “ler e escrever com significado na Educação Infantil” (Brandão e Leal, 2011). Os docentes que optaram por esse caminho procuram restituir à linguagem escrita o seu caráter de objeto cultural, e não meramente escolar, convertendo- a em um objeto de ação e não de mera contemplação. A prática pedagógica dos docentes é repleta de atividades de leitura e de escrita de textos reais “pra ler”, e não de materiais artificiais elaborados especificamente para aprender a ler e a escrever, caracterizando a linguagem escrita. Assim sendo, a sala de aula é um ambiente de cultura escrita onde circulam variados gêneros discursivos (contos, fábulas, receitas, noticiais...) em variados suportes ou portadores de textos colocados à disposição das crianças sob a orientação de um professor competente que domina o objeto cultural que apresenta e conhece as características das crianças com que trabalha. Exemplo da representação da produção de escrita do segundo grupo: Figura 6 – Produção escrita

Fonte: acervo da autora.

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Os docentes que escreveram contos de fadas justificaram que “as crianças recontaram oralmente a história e a professora assumiu o papel de escriba registrando o texto na lousa”. Cabe ressaltar que apesar das professoras registrarem o texto ditado pelos alunos, reconhecendo sua capacidade para produzir texto, não assumem seu papel de mediadoras da linguagem escrita, demonstrando não ter domínio da escrita do gênero discursivo proposto (contos de fadas) e, por subestimar a capacidade dessa mesma criança em recontar a história conhecida. Para o professor que realiza frequentemente essa atividade de ser escriba de textos elaborados por crianças que tem uma considerável imersão na leitura, a história reescrita demonstraria conhecimentos essenciais sobre a língua escrita. Ouçamos Maria (2009, p. 55): Tratando-se da aquisição de conhecimentos sobre a escrita, podemos afirmar que a leitura de histórias, além de enriquecer extraordinariamente o vocabulário, também proporciona à criança uma outra descoberta: a de que os textos da linguagem escrita têm uma estrutura diferente da linguagem falada e que – no caso dos textos literários – a história escrita tem uma qualidade estética que a criança, mesmo sem ter o domínio do código, mesmo sem estar alfabetizada, já é capaz de perceber.

E conclui: É real e possível: uma criança que ouve histórias lidas, histórias cuja estrutura sintática seja a da escrita – ainda que em textos decorados por alguém -, é capaz de se familiarizar com formas que são quase exclusivas da escrita e de apropriar-se delas, incorporando-as ao seu discurso. A pouca idade não impede essa compreensão, a criança ouve, compreende e incorpora à sua linguagem, usa corretamente. (MARIA, 2009, p. 55).

Algumas questões A realização da atividade sobre as concepções de linguagem escrita dos docentes que atuam na Educação Infantil revelou/desvelou que suas práticas pedagógicas se fundamentam na perspectiva associacionista que considera a leitura e a escrita como codificação e decodificação da escrita. Nesse sentido, primeiro se forma as letras, depois silabas, palavras e finalmente se aprende a “escrever de verdade”. 29


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Assim sendo, a leitura e a escrita de variados textos só ocorrem após o domínio do sistema notacional da escrita, “ensinado” na/pela escola. Desconsideram que ao fazer a leitura de histórias, usando texto escrito, estamos proporcionando, mesmo as crianças que ainda não leem convencionalmente, uma convivência com as particularidades da escrita e favorecendo uma apreensão mais rápida da sua estrutura, da sua sintaxe. Ao ler histórias, e, a cada história lida amplia-se o universo de referências, acrescentando detalhes, explicações, consulta a outros livros, tudo isso é o que se pode esperar que aconteça durante a educação infantil. Se a escola tem como meta formar leitores – e essa é uma meta que o século XXI está cobrando –, as classes de educação infantil precisam de estar povoados por livros de literatura infantil. E será uma maravilha quando os professores dessas turminhas, sedentas de descobertas, se convencerem de que quem lê com uma criança ilumina para ela um mundo: alarga sua visão da realidade e enriquece sua imaginação. (MARIA, 2009, p. 59)

Desse modo, argumentamos sobre a necessidade de fomentar, nos cursos de Pedagogia e nos cursos de formação continuada para professores de Educação Infantil, a discussão sobre as concepções da linguagem escrita e suas implicações para as práticas pedagógicas. Não se trata simplesmente de somar informações novas às precedentes, mas de mudar radicalmente os modos de perceber os objetos culturais e os modos de atuar sobre eles, confrontando-os com suas concepções. Essa abordagem proporcionaria a descoberta da necessidade do docente sentir-se apoiado para agir em conformidade com as novos concepções.

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Referências ARAUJO, L. Ler, escrever e brincar na Educação Infantil: uma dicotomia mal colocada. Revista contemporânea de Educação. Vol. 12, nº 24, mai/ago de 2017, p. 344-360. BRANDÃO, A. C. P; LEAL, T. Alfabetizar e letrar na Educação Infantil: o que isso significa? In: BRANDÃO, A. C. P.; ROSA, E. C. de S. (org.) Ler e escrever na Educação Infantil: discutindo práticas pedagógicas. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011, p. 13-31. BRESCIANE, A. L. Alfabetização e educação infantil: relações delicadas. Revista Avisalá, nº 12, p. 37-39, jan. 2004. CORSINO, P. Professora educação infantil e suas visões de letramento: tensões da prática. In: KRAMER, S.; ROCHA, T. C. (orgs.). Educação Infantil: enfoques em diálogo. 3ª ed. Campinas: Papirus, 2011. p. 241-257. ____________; NUNES, M. F. R.; BAPTISTA, M. C.; NEVES, V. F. A.; BARRETO, A. R. Leitura e Escrita na Educação Infantil: concepções e implicações pedagógicas. In: Ministério da Educação, Secretária de Educação Básica. Crianças como leitoras e autoras. Brasília: MEC/SEB, 2016. p. 13-57 FERREIRO, E. Com todas as letras. Tradução: Sandra Trabricco Valenzuela. 17ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. ______; TEBEROSKY, A. Psicogêneses da língua escrita. Tradução: Diana Myriam Lichtenstein. Porto Alegre: Arts Médicas, 1985. MARIA, L. O clube do livro: ser leitor – que diferença faz? Rio de Janeiro: Editora Globo, 2009. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Secretária de Educação Básica. Crianças como leitoras e autoras. Brasília: MEC/SEB, 2016. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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O PNAIC e a Educação Infantil Carla Melissa Klock Scalzitti Formadora Regional – Educação Infantil Prefeitura Municipal de Várzea Grande – Mato Grosso

Neste texto buscamos refletir sobre a formação que aconteceu no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, doravante PNAIC, e sobre o papel da educação infantil e a formação dos professores nesta etapa do ensino. No ano de 2013, inicio como Professora Formadora no PNAIC, Programa ofertado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), no qual os professores Orientadores de Estudo, denominados de OE, recebiam as formações diretamente da Universidade e as multiplicavam para os professores dos seus municípios. As discussões eram abordadas pela teoria sócio construtivista, trazendo consigo relatos de experiências sobre práticas bem-sucedidas entrelaçadas com eventos de letramento e práticas de letramento envolvendo a linguagem oral e escrita. Em 2014, embora o PNAIC continue discutindo a linguagem oral e escrita, a ênfase de formação recai na matemática e o entrelaçamento com a teoria e a prática acontecem de maneira dinâmica e concreta, fazendo referência às pesquisas na área e sobre o fazer pedagógico que emerge em sala de aula. No ano de 2015 as discussões perpassam para corroborar com o envolvimento das demais áreas do conhecimento e, desta forma, significando de maneira interdisciplinar os fazeres que envolvem os eventos de alfabetização e letramento e práticas de alfabetização e letramento propositando assim a interdisciplinariedade. Todos esses subsídios teóricos, que foram surgindo a partir das leituras e discussões nas formações e da experiência como formadora, nem entrelaçamento com a prática da sala de aula da educação infantil, me fizeram elaborar o projeto de pesquisa “Sensibilização Fonológica na Educação Infantil: efeitos sobre a qualidade das escritas iniciais” e ingressar na pesquisa do doutoramento. As discussões sobre a linguagem oral e escrita referentes aos anos iniciais do ensino fundamental, levaram-nos a refletir sobre o trabalho com tais bens culturais, ler e escrever, na educação infantil em diálogo com os principais eixos garantidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI, o brincar e as interações e, desta forma, o


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experienciar a cultura escrita ocorra de maneira reflexiva, sem que apareça como um fazer preparatório e muito menos compensatório para o ingresso no ensino fundamental. Já em 2016, o PNAIC levanta questões sobre o contato das crianças da educação infantil, ou seja, de zero a cinco anos, com o mundo da linguagem oral e escrita, envolvido nos fazeres da educação infantil de maneira lúdica e significativa. Com as leituras do material fomos constatando que o mesmo é fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), de caráter mandatório, dispostas na Resolução do Conselho Nacional de Educação/Comissão de Educação Básica (CNE/CEB) de número 5, de 2009, e reforça as práticas pedagógicas voltadas para as interações e brincadeiras, garantindo experiências que: [...] II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos; [...]. (BRASIL, 2009).

Desta forma, a educação infantil entra na roda do PNAIC e, em 2018, recebo, novamente, a oportunidade de participar como Formadora Regional do segmento Educação Infantil (Pré-escola). Infelizmente, iniciei minha atuação somente no final da formação, por estar em outro Estado. Vale salientar que a formação começou em outubro de 2017 e foi finalizada em maio de 2018. Assim sendo, participei de dois momentos formativos, ou seja, dos dois últimos encontros, cujos temas foram: Currículo e linguagem na educação infantil, caderno 6; Livros infantis: acervos espaços e mediações, caderno 7; e Diálogos com as famílias: a leitura dentro e fora da escola, caderno 8. Apesar de participar de dois encontros, as discussões foram enriquecedoras e nos fizeram perceber a essencialidade de planejar situações que elas, as Formadoras Locais, vivenciam nas suas práticas. As discussões sobre currículo trouxeram inúmeras questões que o tempo escasso nos deixaram, ainda, a refletir. A grande discussão perpassa como registrar e documentar as atividades em que as crianças brincam de maneira livre e espontânea. Isso significa, para a família e a escola, que no momento 34


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da brincadeira e com o brinquedo, seja ele construído, inventado ou industrializado, a criança está aprendendo inúmeras ações e também criando conexões com o que já foi aprendido e, desta forma, novas possibilidades de aprendizagem se estabelecem. Neste sentindo, o PNAIC vem apontar, no que se refere ao currículo e à documentação pedagógica, algumas alternativas para um fazer da e na educação infantil com pleno significado para as crianças, envolvendo as famílias, e que considere a participação das crianças na construção da prática pedagógica, como protagonista, e também suas reações, o que aprendem, como aprendem e o que lhes interessa aprender. Desse modo é possível discutir tais aspectos do currículo, o que propor para a criança pequena experienciar, como efetuar o registro destas experiências sem que fiquemos presos a papéis sem significado para as crianças e que esses registros não sejam desgastantes também para nós, professores, no sentido de evitar que fiquemos longos períodos colando papéis nos cadernos ou montando portfólios. Tais registros não devem desconsiderar as necessidades relativas ao desenvolvimento e vivências da infância – tanto no momento em que acontecem as experiências propostas pelo professor como a participação da criança em situações variadas em que adultos e crianças mais experientes possibilitem o contato com objetos da cultura. Devem, antes, buscar estimular o desenvolvimento das múltiplas linguagens que perpassam a educação infantil, para que, de fato, o professor seja o adulto disponível, com olhos e ouvidos atentos para os acontecimentos em que um grupo de crianças sejam convidadas a se inserirem em um movimento coletivo, um fazer juntas coisas que nos ajudem a refletir sobre práticas culturais e, inegavelmente, ampliar os arcabouços culturais que trazem à escola.

Os cadernos e as reflexões que trouxeram Os textos dos cadernos trazem discussões pertinentes, mas resumidas. Temas que demandariam mais tempo e um maior mergulho nas leituras e autores. Estamos em um momento em que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) está estruturando as práticas na educação infantil, trazendo as concepções que perpassam sobre infância/criança/educação infantil e uma maior reflexão sobre os fazeres nesta etapa da educação básica e sobre como entrelaçar as práticas do cuidar e educar respeitando a infância, sempre considerando a participação da criança que está inserida na instituição – a qual chamamos de escola. 35


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Sabemos que a BNCC, no momento em que os cadernos de formação do PNAIC foram produzidos, ainda não estava aprovada, mas torna-se pertinente a formação a partir das DCNEI, agora englobando também a BNCC, que traz novas nomenclaturas e, consequentemente, novas discussões e conceitualizações, como os campos de experiência. Percebemos que a discussão sobre o trabalho com os gêneros textuais se restringe à literatura. Claro que é vasto e rico este gênero textual e que o trabalho com a literatura deve acontecer, pois, entendemos que as narrativas colaboram para que as crianças consigam ampliar o seu léxico, controlar e entender emoções, para ordenar e dar sentido à experiência. Contudo, existem outras narrativas, igualmente importantes para a formação de crianças. No momento das discussões sobre o currículo trouxemos a experiência com vários gêneros textuais como, por exemplo, textos injuntivos ou instrucionais, o como fazer uma receita, construir ou montar um brinquedo, ouvir histórias que documentam a memória coletiva, que apresentam crônicas do cotidiano, histórias rimadas, enfatizando que o trabalho com vários tipos de textos deve se constituir em uma ação pedagógica planejada e com intencionalidade pedagógica, não para que a criança escreva ou saiba na ponta da língua definir os gêneros textuais mas que perceba que inúmeros textos fazem parte da sua vida, diariamente. Neste sentido o professor deve selecionar previamente o texto a ser trabalhado, pensar na melhor estratégia para apresentá-lo ao grupo, formular perguntas, dar informações complementares, sugerir experiências que podem ser integradas e que complementem a leitura do texto. Nas discussões, chegamos a inúmeras conclusões, mas a que ressalto aqui foi a importância da roda de conversa, de sua inserção na rotina da sala de aula e na rotina da instituição, para que aconteça o momento de contação ou leitura de histórias também coletivamente, com todos da instituição e não somente com o grupo da sala de aula. Consideramos, ainda, a participação das crianças, contando histórias, piadas, charadinhas e que este momento é um momento de aprender coisas, sem que isso as distancie de uma experiência lúdica e agradável. Lembrando, todavia, que o professor deve ter o cuidado pedagógico de não deixar que se torne uma experiência reducionista, que subordina qualquer ação pedagógica a uma função pragmática, utilitarista ou conteudista. E a participação das crianças em situações abarcando vários tipos de textos e com seus gêneros perpassando o fazer pedagógico na educação infantil nos fez refletir sobre o papel da brincadeira no desenvolvimento da linguagem oral. Dessa maneira, ligamos a construção mental de textos coletivos, sendo, para tanto,

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o professor o escriba e, ainda, como as crianças se apropriam, manipulam e pensam sobre a língua enquanto brincam de ouvir, contar e construir textos. Quando cantamos músicas e cantigas de roda; ou recitamos parlendas, poemas, quadrinhas; ou desafiamos os colegas com diferentes adivinhações; estamos nos envolvendo com a linguagem de uma forma lúdica e prazerosa. Da mesma forma, são variados os tipos de jogos que fazem parte da nossa cultura e que envolvam a linguagem. Quem nunca brincou, fora da escola, do jogo da forca, ou de adedanha (também chamada de animal, fruta, pessoa) ou de palavras cruzadas; dentre outras brincadeiras? (LEAL; ALBUQUERQUE; LEITE, 2005, p. 117-118, grifos das autoras).

Também é fundamental salientar, nos encontros, a importância de nos atentarmos, durante a ocorrências das brincadeiras encenadas, de modo especial, ao “modo de falar” e ao “modo de se portar” das crianças, observando se elas simulam uma brincadeira de sala de aula, de médico ou de escritor, bem como se, nesses momentos, as crianças recriam a vida cotidiana, vivenciando, assim, situações imaginárias, mas, naquele instante, reais para elas. Tais discussões enriquecem a formação, ancoradas em vários autores, no que tange ao pensar e ao falar sobre a língua. Leal, Albuquerque e Leite (2005), que entendem a brincadeira como uma atividade sociocultural; Wajskop (1995) reconhece o papel do adulto como intensificador e apoiador da brincadeira infantil (BRUNNER, 1976); o conceito de zona de desenvolvimento proximal, em que encontra-se a zona de desenvolvimento real e potencial, em outras palavras, que se referem à distância do que a criança sabe ao que pode saber ou passar a saber (VYGOTSKY,1984). É preciso nos atentarmos a estas manifestações linguísticas; as crianças demonstram que existem variações no modo de falar ao exercer estes diferentes papéis sociais.

Conclusão Para concluir as reflexões até aqui realizadas, reafirmamos que o tempo não se colocou como aliado nesta política pública, sendo exíguo para que pudéssemos nos dedicarmos mais profundamente às teorias que perpassam os fazeres na educação infantil porque acreditamos que para que os princípios éticos, estéticos e políticos sejam respeitados, a infância e a criança devem ser protagonistas no processo. Nesse sentido, se faz necessário que as concepções de criança, infância, aprender na educação infantil, brincar e 37


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brincadeira sejam abordadas a todo momento, e, portanto, refletidas, porque são estas concepções que norteiam as escolhas e a maneira de criar contextos significativos para as crianças. Dessa forma, o professor assumirá o papel de mediador, o mais experiente mas não o que mais sabe, e estará disponível a ser observador durante todo o processo, refletindo sobre as experiências propostas, uma vez que pretendemos alcançar o máximo de desenvolvimento das capacidades das crianças, como recomendado por Martins e Arce (2007, p. 59), quando enfatizam a necessidade de “[...] assegurar condições pelas quais desenvolva nos alunos aquilo que lhes falta para a consolidação das funções psicointelectuais superiores, ferramentas imprescindíveis para que os homens sejam, de fato, sujeitos de sua história”.

Referências ARCE, Alessandra; MARTINS, Lígia Márcia (Orgs.). Quem tem medo de ensinar na educação infantil? Em defesa do ato de ensinar. Campinas, SP: Alínea, 2007. 218 p. BRASIL, Ministério da Educação. Currículo e linguagem na educação infantil / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. - Brasília: MEC/SEB (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 7). ______. Livros infantis: acervos, espaços e mediações / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016 (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 8). _______. Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016 (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 9). BRUNER, J. Uma nova teoria da aprendizagem. Rio de Janeiro: Bloch, 1976 KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Brinquedos e materiais pedagógicos nas escolas infantis. Educ. Pesqui., 2001, vol. 27, n. 2, p. 229-245. LEAL, Telma; ALBUQUERQUE, Eliana B.C.; LEITE, Tânia Maria R. Jogos: alternativas didáticas para brincar alfabetizando (ou alfabetizar brincando?). In: Morais, Artur; ALBUQUERQUE, Eliana B.C.; LEAL, Telma F. Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabética. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1984. WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 1995. WOOD, D.; BRUNER, J.; ROSS, G. The role of tutoring in problem solving. Child Psychol. Psychiat., Vol. 17, p. 89-100. Pergamon Press. Printed in Great Britain, 1976.

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PNAIC da Educação Infantil: caminhos para a formação de professoras, crianças leitoras e escritoras Dulcilene Rodrigues Fernandes Formadora Regional – Educação Infantil Secretaria Municipal de Educação de Rondonópolis – Mato Grosso

Introdução O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), é um compromisso formal e solidário assumido pelos governos Federal, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, desde 2012, para atender à Meta 5 do Plano Nacional da Educação (PNE), que estabelece a obrigatoriedade de “Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental”. No ano de 2017, o PNAIC passa a compor uma política educacional sistêmica que parte de uma perspectiva ampliada de alfabetização, trabalhando a Alfabetização na Idade Certa, a melhoria da aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática no Ensino Fundamental, bem como a inclusão da Educação Infantil (EI) garantindo as perspectivas e as especificidades do trabalho de leitura e escrita com as crianças. A Formação para as professoras e tutores da EI tem como objetivo o desenvolvimento com qualidade do trabalho com a linguagem oral e escrita, em creches e pré-escolas.

Meu percurso profissional no PNAIC Ao iniciar a primeira etapa da formação do PNAIC em 2013, trazia comigo dúvidas, questionamentos e inquietações acerca do que o mesmo poderia contribuir para o meu trabalho enquanto formadora. Nessa expectativa, iniciamos o trabalho regado de muitas leituras, estudos, discussões, trocas de experiências e consequentemente as formações foram evoluindo cada vez mais garantindo maior autonomia e segurança em minha prática enquanto formadora regional.


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Participei do PNAIC desde a sua implantação em 2013, como formadora, discutindo a alfabetização. Em 2017, tive a oportunidade de continuar no programa, agora, como Formadora Regional do PNAIC da Educação Infantil e, com isso, me vi diante de um grande desafio que foi o de trabalhar com um grupo novo de professoras formadoras locais para discutir e refletir sobre a educação de crianças pequenas de 4 e 5 anos. Uma discussão totalmente diferente que até então fazíamos na alfabetização, uma vez que a ideia posta no Programa é a de que não se alfabetiza na EI, pensamento esse que vem em conformidade com o que eu também compreendo, acredito e compartilho sobre a EI. Alfabetizar é tarefa do Ensino Fundamental, trago essa concepção porque foi essa a grande discussão do primeiro seminário, pois boa parte das Formadoras Locais (FLs) chegaram com os anseios das professoras de seus municípios que o PNAIC iria concretizar a ideia de que as crianças da Pré-Escola deveriam começar a serem alfabetizadas ainda nesta etapa. Quando começamos a estudar as concepções de infância, de cultura, de letramento, de planejamento para a educação infantil, foi que muitos paradigmas foram quebrados, poderia até arriscar em dizer, passamos a construir e entender o que é a Educação Infantil. Muitas FLs tiveram que desconstruir conceitos diferentes sobre essa etapa para assumir a concepção de quem é, como aprende, como educa, como brinca e como as crianças pequenas aprendem. Nos seminários as professoras FLs, relataram a importância desta formação para os trabalhos em seus municípios, também relataram sobre a mudança e reflexão de suas práticas pedagógicas. Logo depois de conhecer as professoras formadoras do meu grupo, percebi que eram extremamente curiosas e interessadas em saber mais sobre as teorias e as metodologias para uma prática diferenciada e específica para o trabalho com os pequenos. Quero destacar o trabalho com a leitura e com a formação dos pequenos leitores, nesta discussão refletimos sobre o papel da professora nas turmas da pré-escola com o letramento e os registros das crianças. Para começo de conversa tínhamos que saber primeiro qual a relação que cada FL, posteriormente estas saberiam de suas professoras, as quais tinham com a leitura. Foi constatado que a maioria não estava lendo nenhuma narrativa, e algumas justificaram que não sobrava tempo para ler, outras poucas, pelo contrário disseram que não conseguiam ficar sem uma boa leitura. Foi proposto então que refletissem e escrevessem sobre a sua história de leitura, sobre a

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contação de histórias na infância. Neste exercício, vimos que a maioria tinha tido a experiência com bons contadores de histórias, algumas tiveram acesso a livros, e outras tiveram contato com livros somente na escola. A proposta a partir daí foi a de estudarmos e discutirmos os cadernos com um olhar especial para a importância da leitura na formação dos pequenos leitores. Como sugestão, levei para o grupo a discussão sobre a leitura do Histórico referente ao PNAIC desde 2013 e a grandeza desta temática para entender o que fazer e o que é leitura para crianças da EI. Todos nós sabemos que o gosto pela leitura é tarefa a ser ensinada pela escola. É nesta que as crianças colocam em jogo toda a sua imaginação, brincadeiras, curiosidades, isto é o letramento. No PNAIC da Educação Infantil tivemos a oportunidade de discutir com professoras formadoras de muitas regiões desse grande Estado do Mato Grosso. Falamos de ler literatura, leitura deleite para crianças pequenas que não liam convencionalmente, crianças da Pré Escola. As professoras Formadoras Locais do PNAIC Educação Infantil traziam relatos de que todos estavam lendo, muitas escolas estavam fazendo Projetos de Leitura, munícipios envolvendo todos da modalidade da EI em um grande projeto de Literatura. Estávamos todas extasiadas com o poder e a magia da literatura sobre nós mesmas, sobre as crianças, pais e outros tantos que acabavam seduzidos pelos encantos da leitura. No caderno 5, “Crianças como leitoras e autoras”, destacamos a seguinte reflexão: É na linguagem que as crianças desenvolvem sua experiência vital, que dão sentido ao seu entorno e a si próprias. Devido a isso, alguns especialistas enfatizam que o desenvolvimento da linguagem não é apenas mais um aspecto do desenvolvimento infantil e o consideram como a própria base da aprendizagem (HALLIDAY, 1993 apud SEPÚLVEDA e TEBEROSKY, 2016, p. 61).

Ficou muito clara, nos debates, a importância das professoras na formação dos pequenos. “Na minha unidade as crianças chegam com um reportório de poucas palavras, com três meses já sentimos a diferença, falam frases complexas, contam e recontam histórias”, foi o que nos disse a FL Cinderela2, sobre as crianças da unidade de EI onde é Coordenadora Pedagógica. 2

Os excertos aqui apresentados foram retirados dos relatórios das Formadoras Locais. A fim de preservar a identidade das participantes, elas sãos nomeadas como personagens de contos infantis.

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Nos seminários do PNAIC, os momentos mais marcantes foram os relacionados às concepções das professoras em relação ao planejamento dos encontros com as crianças. Decidimos, juntas, que não planejaríamos aulas para a EI, e sim encontros, a intenção era a de distanciar o máximo da ideia de aula, de alfabetizar, de não correr o risco de privar as crianças de vivenciarem as delícias da infância. Foi nos estudos dos textos dos cadernos da coleção “Leitura e escrita na Educação Infantil” que paradigmas foram quebrados, se a criança nesta fase está se apropriando de outras linguagens, então a professora, que é a sua parceira mais experiente, precisa pensar em boas possibilidades para os encontros com os pequenos. A discussão sobre as boas razões para formação leitora das professoras e das crianças gerou uma série de eventos de literatura tanto nos seminários do PNAIC, em Rondonópolis e em Cuiabá, quanto nos municípios. Os momentos de leitura deleite foram sempre destacados pelas professoras, não somente pelas FLs, mas por todas aquelas com as quais tivemos a oportunidade de conhecer e trabalhar no PNAIC, desde o seu nascimento, em 2013, até 2016, período em que somente o primeiro ciclo de alfabetização era contemplado. Tornou-se evidente que a Literatura tem o poder de aproximar as pessoas, de ajudar nas mudanças de atitudes tanto das crianças, quanto das professoras. E hoje temos, nas Unidades Escolares da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, um acervo de alta qualidade que foi disponibilizado pelo PNAIC, pelos Governos do Partido dos Trabalhadores. O Ministério da Educação (MEC) enviou às escolas os acervos de livros de literatura infantil para o trabalho com as crianças pequenas da Pré-Escola e para as crianças de seis, sete e oito anos de idade. O PNAIC ajudou as escolas a tirarem os livros das caixas e dos armários para dar vida ao trabalho com as professoras e, consequentemente, com as crianças, de modo que leitura se fez rotina no interior das salas de aula. No contexto dos planejamentos, tínhamos claro que precisávamos investir na formação de professoras leitoras e autoras, elas, as professoras, tinham que sentir o prazer da boa leitura, de uma linda literatura. Como professora e leitora, aqui me expressando como Formadora Regional, lembro que tive uma professora inspiradora, amante da literatura, principalmente da Literatura Infantil: a professora Kátia, como carinhosamente todos chamam a professora Cancionila Janzkovski Cardoso, que fez e parte de minha formação, inicial e continuada, assim como de tantas outras professoras de Rondonópolis e do Mato Grosso. A forma como ela lia para

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nós, durante a graduação em Pedagogia e, mais tarde, nos planejamentos do PNAIC, me marcaram profundamente. Assim inspirada, desejei e procurei repassar para as professoras esse aprendizado e esse exemplo, com a intenção de que elas próprias, ao se tornarem leitoras, influenciassem a todas as crianças envolvidas no PNAIC. Nessa mesma linha de pensamento, Cecilia Goulart (2006) diz sobre a entrada no mundo da escrita: A entrada no mundo da escrita: aprender a ler, lendo. Leitura e escrita como processos de construção. Práticas de leitura e formação do leitor. A leitura compartilhada: leituras dos professores e de outros adultos para as crianças e leituras das próprias crianças. de ser leitor. A biblioteca, o espaço de leitura na sala de aula, o texto em seus diferentes gêneros. Leitura e escrita na vida e na escola. Os diversos espaços sociais de leitura e escrita. Práticas sociais de leitura e de escrita de diferentes textos socialmente referenciados (GOULART, 2006, p. 9).

Assim, nos seminários do PNAIC, falamos muito sobre a formação de professores e alunos leitores e o papel de cada um neste trabalho. Foram muitos depoimentos de que as formadoras e as professoras estavam lendo, bem como as crianças estavam mergulhadas nos livros. As crianças estavam lendo mesmo sem saber ler convencionalmente, o Letramento estava acontecendo ao discutir sobre os livros, desenhando, brincando, folheando, descobrindo as obras literárias. Para ilustrar o meu dito, vejamos o relato de uma professora Formadora Local (FL) ao relatar que: Fico sempre numa grande expectativa em relação às sugestões das Literaturas que teremos nos seminários, pois estas têm sido maravilhosas. O sucesso, por exemplo, da deleite “Maria vai com as outras”3, do suporte que a professora Dulcilene confeccionou e nós reproduzimos em nossos munícipios, foi muito encantador. Foram momentos de aprendizagem e inspiração, tudo ficou mais fácil e prazeroso. É um prazer estar com alguém assim como você, dinâmica e criativa. Hoje eu posso dizer que gosto mais de ler (FL Aurora, 2017).

3 Livro de autoria de Sílvia Orthof, publicado pela Ática.

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Figura 1 – Suporte leitura deleite “Maria vai com as outras”

Fonte: acervo da autora.

A importância do relato dessa professora nos leva a retomar o caderno 5, que teve como objetivo levar reflexões para que pudéssemos entender como práticas significativas e dialógicas em torno da cultura escrita se relacionam às apropriações das crianças, como situações desafiadoras possibilitam análises e reflexões das crianças, ampliando seus conhecimentos sobre a linguagem escrita. Ainda falando deste caderno, veja como ele está estruturado: Na Unidade 1, “Leitura e escrita na Educação Infantil: concepções e implicações pedagógicas”, as coordenadoras do projeto “Leitura e escrita na Educação Infantil” trazem alguns pressupostos para se pensar a leitura e a escrita numa perspectiva dialógico-discursiva. Na Unidade 2, “As crianças e as práticas de leitura e de escrita”, Angélica Sepúlveda e Ana Teberosky argumentam sobre a importância da produção de linguagem escrita das crianças e apresentam possibilidades de trabalho junto às crianças de quatro e cinco anos, dialogando com práticas pedagógicas realizadas em turmas de pré-escola da cidade de Barcelona, na Espanha. Na Unidade 3, “As crianças e os livros”, Teresa Colomer proporciona uma reflexão sobre livros e leituras na EI, dando elementos para a escolha de livros a serem lidos com e para as crianças e para práticas de leitura na escola tem sido frequente considerar que, nas práticas escolares, a finalidade de leitura é compartilhada naturalmente pelo professor e o seu grupo de estudantes.

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Conforme López (2016), a leitura, a literatura e os vínculos amorosos formam uma trilogia que merece reflexão e pensamento. Para ela, a narração constitui a principal fonte de entrada para a linguagem. Fala ainda que narramos para sobreviver, para compreender o significado das coisas que acontecem ao nosso redor, para organizar o tempo. Desde o primeiro seminário do PNAIC em 2017 tivemos momentos de discussões sobre o trabalho e os objetivos da leitura com crianças tão pequenas, que não leem convencionalmente. Este trabalho merecia uma atenção muito especial por parte do planejamento dos estudos dos cadernos e, consequentemente, com o planejamento dos encontros com as crianças com as leituras, com a literatura. Como já dito acima, tínhamos que criar urgentemente laços amorosos no ato de ler, de contar uma boa história. Os seminários foram permeados por momentos riquíssimos de leituras de poesias, contos, recontos – de livros das escolas que as professoras levavam, de suportes maravilhosos feitos pelas formadoras. Tudo isso evidenciou o amor que se tornou explícito entre as professoras e a literatura estava. Entre as FLs, havia as que destacavam na contação de histórias, outras nas poesias, outras na dramatização, nas músicas etc. Figura 2 – FL Bela, em um momento de contação

Fonte: acervo da autora.

Nessa compreensão, o PNAIC, mais especificamente, o da Educação Infantil, proporcionou o aprofundamento em relação aos direitos de aprendizagens das linguagens, deixando claro que os direitos das crianças em relação aos eixos da oralidade, da leitura e da escrita são indispensáveis para a formação dos pequenos leitores e autores. Com esses direitos trabalhados desde

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a EI, a apropriação do Sistema de Escrita Alfabética (SEA), será concebido pelas crianças com mais tranquilidade ao entrarem no Ensino Fundamental. O movimento literário nos seminários de estudo e planejamento abriu espaços para o prazer de ler, de escutar, de escrever sobre as pessoas envolvidas no PNAIC. A trajetória da formação das Formadoras Locais no Programa mostrou mudanças nas práticas pedagógicas em relação ao trabalho com a literatura. Alguns depoimentos, como já foi dito, revelam o envolvimento de todas as FL e das professoras da EI de diferentes municípios. A FL Jasmim contou sobre o projeto de leitura denominado “Baú de histórias”, desenvolvido a partir da formação do PNAIC, que envolveu todas as professoras deste segmento do seu município. Vejamos: Figura 3 – O “Baú de histórias” de Jasmim

Fonte: acervo da autora.

Projeto “Baú de Histórias”: num primeiro momento, levei a proposta aos professores participantes do curso PNAIC da turma de Educação Infantil e, junto com a coordenadora de Educação Infantil do município e a Secretaria de Educação, houve uma aceitação geral de todos, onde iniciamos a organização do projeto. Comprei um baú confeccionado em madeira, medindo 01 metro de comprimento, por 45 cm de largura e 47 cm de altura, com 02 alças, 04 rodinhas. Foi levado para a Secretaria de Educação para a Coordenadora da Educação Infantil fazer a decoração do baú e colocar os itens que iriam conter no mesmo como: um fichário de relatos de atividade desenvolvida em cada instituição por que passasse, um álbum para se colocar as 46


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imagens dos momentos das atividades, alguns livros do PNAIC próprios da faixa etária, uma cortina de histórias, alguns adereços e fantasias para que fossem utilizados nos momentos oportunos. Elaboramos um cronograma com datas para que cada Centro Municipal de Educação Infantil ou escola pudesse se organizar para a chegada do mesmo. A Secretaria Municipal de Educação se responsabilizou para fazer a logística do Baú entre as Instituições. Foram contempladas 09 escolas da rede municipal que possuem pré-escola e 02 escolas da rede estadual que possuem pré-escola sendo, 05 escolas urbanas e 06 escolas do campo e 05 Centros Municipais de Educação Infantil, totalizando 49 turmas de Educação Infantil, e mais de 980 alunos de 0 a 5 anos, participantes do projeto. O tempo estimado para fazer todas as visitas nas escolas foi de 60 dias. Em média, o “Baú de Histórias” permanecia de 02 a 05 dias em cada Instituição de Ensino, dependendo da quantidade de turmas do local. Após a inserção do relatório e fotos, ele era levado para outra instituição. O baú percorreu mais de 400 quilômetros, esteve em todas as instituições de ensino que ofertam a EI, urbanas e do campo. Para enriquecer o projeto e dar vida ao mesmo, cada escola deveria colocar objetos que utilizaram na contação de histórias, assim contribuindo com as próximas instituições que receberiam o “Baú de Histórias”. Ao iniciar as atividades, todas as professoras se caracterizavam de personagens diversos e faziam roda de música para aguardar a chegada do baú na escola, e deveriam adotar uma prática diferente, encantando para contar. O material lúdico aqui evidenciado despertou o interesse dos alunos, de maneira prazerosa, os mesmos eram estimulados a participar das histórias, tornando-se protagonistas neste processo, em que a imaginação determina a ação e cada personagem; cada criança pode se fazer ouvir e aprender a compartilhar sentimentos e ações, conhecimento e reconhecimento das próprias emoções e das dos colegas, desenvolvendo capacidades importantes como: a atenção, a imitação, a memória, a imaginação e a linguagem, entendendo que a criança necessita de estímulo para tais capacidades, compreendendo que servirão de base para o desenvolvimento pedagógico desse aluno em sua totalidade e maturidade no processo de ensino-aprendizagem. No relatório feito pela professora VEOG, sobre a aplicação do projeto, ela cita: “Avaliando a experiência, não podemos deixar que a rotina da Instituição, nem as práticas do dia a dia tornem nossos contos sem encantos para nossa educação infantil. A cada ano, deveríamos adotar uma prática diferente, “encan-

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tando para contar”. Demonstra, através deste relato, o êxito na aplicação do projeto, que fez com que as professoras envolvidas pudessem refletir sobre sua prática pedagógica e traçar novas ações que favoreçam um melhor ensino aos alunos. Em outra instituição de ensino, a professora AB relata que o “Baú de Histórias” foi e está sendo algo inusitado para professores e alunos. Estávamos todos muito ansiosos à espera do Baú, cada professora planejando qual seria a melhor forma e a melhor história que elas poderiam contar e chamar atenção e alegrar os alunos. Mal sabiam que, quando o Baú chegasse, elas deixariam de ser as protagonistas do momento, e os olhares e aplausos estariam voltados para o grande e mágico Baú, tão lindo, tão cheio de cores e vida!”. Podemos perceber que a chegada do “Baú de Histórias” provocava euforia, antes e depois, algo diferente, fazendo a diferença por onde fosse (FL Jasmim, 2017). Figura 4 – Cortina de histórias, de Jasmim

Fonte: acervo da autora.

A formadora assim resume a formação do PNAIC: Quando conhecemos pessoas especiais, sabemos que existem pessoas especiais por trás dela. Obrigada pelos suspiros, obrigada pelo carinho, obrigada pelo encantamento. Ouvi na palestra a palavra “semeadora”, e foi tudo isso que resume a formação. Semeamos e semeamos, e colocamos um carinho especial, pois você, Dulci, permitiu isso a todas nós (FL Jasmim, 2017).

Sigo com as minhas conclusões finais, ao perceber a importância que foi a formação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade certa e o PNAIC da Educação Infantil, compreendo que as políticas públicas precisam considerar

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as necessidades formativas dos docentes, levando em conta o fazer docente no contexto da sala de aula, criando condições para ajudar as crianças a serem leitoras e construtoras do seu processo de ensino e aprendizagem.

Referências BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Crianças como leitoras e autoras. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 6/Caderno 5). GOULART, Cecilia. Letra viva: práticas de leitura e escrita. Boletim 09 do Programa Salto para o Futuro. Brasília: MEC/SEB, 2006. LÓPEZ, María Emilia. Os bebês, as professoras e a literatura: um triângulo amoroso. In: BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Bebês como leitores e autores. 1. ed. Brasília: MEC / SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 5/Caderno 4). SEPÚLVEDA, Angélica; TEBEROSKY, Ana. As crianças e as práticas de leitura e de escrita. In: BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Crianças como leitoras e autoras. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 6/Caderno 5).

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Memórias da infância: a determinação de sentidos e a (des)construção da “criança” no PNAIC/2017 Edineth França Formadora Regional – Educação Infantil Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso

Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. [...] Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores que as outras pedras do mundo. [...] Eu estava a pensar em achadouros de infâncias. [...] Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos. (MANOEL DE BARROS)

Este texto remonta a um trabalho de leitura e interpretação acerca de sentidos historicamente determinados que constituem, no jogo entre memória e discurso, um imaginário comum às crianças que passam a integrar o espaço escolar. Como efeito, essa imagem unívoca passa a determinar e institucionalizar práticas sócio-culturais nas relações estabelecidas entre o professor, as crianças – já inseridas em uma cultura de escrita –, a Educação Infantil e a produção de linguagem, isto é, de cultura. Como referenciais, tomamos alguns cadernos formativos (BRASIL, 2016) do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC/2017) Educação Infantil, como material de linguagem, e situamos a memória na relação com o discurso. Vale dizer, que a noção de discurso aqui apresentada se insere em um campo disciplinar que extrapola o horizonte da palavra e/ ou frase e o coloca na ordem da linguagem em funcionamento, na relação da língua com a história. Nosso intuito é tecer reflexões que possam pôr em nuance tanto as condições de produção do sujeito-criança no processo de aquisição sistemática da linguagem, no espaço escolar, o que nos remete ao que formula Mota (2016, p. 08, grifo da autora): “a escola, ‘célula’ constitutiva das relações políticas e ideológicas”, quanto aos efeitos de sentidos que sustentam a atuação do


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professor da Educação Infantil (EI), notadamente e não por acaso, a professora, justamente pelo fato de que esse sujeito é afetado por funcionamentos ideológicos que, a partir da imagem formulada a respeito da criança/aluno, constituem sua prática educativa, isto é, discursiva. Para tanto, contamos com contribuições teórico-metodológicas da Análise do Discurso (AD) franco-brasileira, mais especificamente, lançamos mão de estudos de Pêcheux (1969, 1984, 1999), Orlandi (1999), Achard (1999), Indursky (2001, 2010), Maldidier (2003) e Mota (2016). A escolha por esse campo teórico tem a ver com o fato de considerá-lo como uma teoria que, ao tomar aspectos sócio-históricos ideológicos, se ocupa, especialmente, da relação sujeito, língua e sentido. Embora tenhamos selecionado alguns cadernos do PNAIC/2017 como fundamento, e apesar de mobilizar conceitos e procedimentos de análise e interpretação, próprios da AD, nosso foco não é tecer uma análise do corpus em questão, mas consiste em suscitar uma discussão, sobretudo, acerca do papel da memória numa correlação com a educação escolar da criança. Ao que, de modo ousado, podemos definir como uma espécie de “metalinguagem”, tendo em vista que recorremos à memória de um trabalho formativo desenvolvido junto ao PNAIC/Educação Infantil (2017) para tecer uma reflexão sobre memória na “Coleção PNAIC de Mato Grosso: memórias de alfabetização”.

Memória: uma matriz de sentidos Certamente, em uma discussão como esta que ora propomos, cabem questionamentos do tipo: o que é memória? Como se dão os registros na memória? Como se constitui o que é memorizável, passível de registro? Qual a relação do passado memorizado com as práticas sociais da atualidade? Frente a esses e a outros tantos questionamentos dessa natureza, que podem ser suscitados, torna-se necessário apresentarmos o modo como tomamos a memória neste texto, dada a relação que esta estabelece com a produção discursiva do sentido. Dito de outro modo, é a noção de que os sentidos dão a ler o funcionamento de uma determinada memória social. Com base em Pêcheux (1999), tratamos de memória não na ordem da repetição, do rememorável, mas de uma memória que tece uma regularização entre o histórico e o linguístico, em um jogo que se concretiza no discurso. Trata-se de uma memória que, segundo o autor, precisa ser compreendida na ordem do que abriga o acontecimento que fica registrado, o que escapa à inscrição, que não chega a se inscrever e o que passa a constituir-se como se nunca tivesse acontecido. 52


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Tanto Pêcheux (1999) quanto Achard (1999, p. 14) ressaltam que a memória só pode ser acessada pelo discurso, visto que “o passado, mesmo que realmente memorizado, só pode trabalhar mediando as reformulações que permitem reenquadrá-lo no discurso concreto face ao qual nos encontramos”. Já Orlandi (1999, p. 31), discute a memória em relação ao discurso como interdiscurso, isto é, como ela mesma define, na ordem de um já dito, uma espécie de memória discursiva, “é tudo o que o sujeito já assimilou, guardou esquecido na memória que vem à tona e determina o que ele irá dizer. É através da memória discursiva que o sujeito busca no seu interdiscurso o já dito e se apropria dele”. Partimos das contribuições de destes três autores para questionar se é possível relacionar a prática educativa do professor que atua na Educação Infantil a um imaginário social referente à criança. Sendo assim, quais os efeitos que se impõem ao mensurar todas as crianças que integram o espaço escolar da EI, vinculadas a uma imagem única? O sentido atribuído à criança na posição-sujeito aluno é dado em relação a outros já estabelecidos, ou seria, pois, um estatuto independente de memória? Para a AD, a memória relaciona e mobiliza-se na relação do discurso, isto é, dos sentidos, visto que o discurso é um efeito de sentido entre interlocutores (PÊCHEUX, 1999), e, à medida em que se estrutura, constitui uma memória que tanto é efeito quanto produz e institui sentidos outros. Com base nesses pressupostos, situamos a memória na ordem do já-dito, o já-significado para produzir novos sentidos a partir da relação sócio-histórica que envolve os sujeitos, em determinadas posições sociais, espaços, e em dada relação de tempo que só pode ser acessada em um agora, atualizado pelo discurso. Esse é, portanto, o papel da memória, tal como afirma Pêcheux (1999). Vale ressaltar que o professor ocupa um lugar social e que é a partir desse lugar, um espaço discursivo, que ele produz sentidos. E, se hoje, por um lado, temos a noção, já quase que saturada de que o professor precisa conhecer os alunos, por outro lado, também é preciso considerar que o professor, particularmente o da Educação Infantil, reproduz, em sua prática educativa, efeitos de mecanismos de funcionamento da memória e de um imaginário da criança. De modo semelhante, também é preciso considerar que cada criança que compõe o espaço escolar é interpelada por uma memória. Cabe ao professor entender que cada estudante tem suas condições de produção, dada a relação que estabelece com a memória, mobiliza, atribui sentidos, produz interpretação. Seja na relação com a leitura e a escrita ou em quaisquer outras formas de manifestação da linguagem. 53


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É a partir de seus lugares sociais e no âmbito da escola, instituída geograficamente como parte da “cena” (MOTA, 2016), que professor e aluno, adulto e criança, aproximam-se na produção de conhecimento, diretamente interpelados por seus contextos sócio-históricos, políticos, econômicos e culturais. Isso reverbera sentidos no modo como aprendemos e ensinamos. Esta abordagem também é pontuada, ainda que com base em outros autores e estudos, na coleção “Leitura e Escrita na Educação Infantil”, material utilizado como referencial formativo para os professores no Programa de formação em tela. Portanto, também é sob a ótica do material produzido para a implementação do PNAIC Educação Infantil que nos dispusemos a refletir sobre as questões elencadas até aqui. De todo modo, ainda que o material aponte discursivamente para a verticalização de práticas sócio-culturais de leitura e escrita que, antes de tudo, problematizem o sentido de leitura e de escrita, organicamente temos uma teia discursiva movediça, opaca, ou mesmo invisível, por tratar-se diretamente de “memória social inscrita em práticas” (PÊCHEUX, 1984, p. 262), tal como propõe o material, e, dado o modo como os professores envolvidos produzem sentido a partir desse material.

Educação Infantil no PNAIC O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), um programa vinculado ao Ministério da Educação (MEC), através da Secretaria de Educação Básica (SEB), lançado em 2012 e instituído pela Portaria 867/2012/ MEC, constituiu-se com o objetivo principal de reiterar a responsabilidade assumida desde 2007, via Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, e tornar efetiva a alfabetização das crianças até, no máximo, os oito anos de idade e final do 3º ano do Ensino Fundamental. Documentos oficiais apontam o “pacto” como um compromisso “formal e solidário assumido pelos governos Federal, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios” (BRASIL, 2017, p. 03). Tal pactuação entre os entes federativos foi firmada como medida estratégica de implementação do Plano Nacional de Educação (PNE4) também aprovado em 2012, especificamente, no que tange à Meta 5: “Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o 4 Conforme relatório emitido pela redação oficial do Senado, o projeto do PNE foi enviado pelo Governo Federal ao Congresso em dezembro de 2010 e só foi aprovado pela Câmara dos Deputados quase dois anos depois, em outubro de 2012, através do PLC 103/2012. No Senado, passou por três comissões, durante pouco mais de um ano de tramitação e retornou à Câmara. Em 2013 o Conselho Nacional de Educação emitiu uma Nota Pública acerca do PLC n. 103/2012, exigindo, entre outras coisas, a celeridade na tramitação e aprovação do PNE. Em 2014, através da Lei n. 13005/2014, o PNE finalmente foi aprovado.

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final do 3º (terceiro) ano do Ensino Fundamental”. (BRASIL, 2014, p. 85). O papel do PNAIC frente à garantia da alfabetização, apontada ainda em 2012 como estratégia para alcançar outras metas estabelecidas no PNE, começou a sofrer alterações na medida em que o movimento em prol da necessidade de assegurar a alfabetização desde a primeira etapa da Educação Básica passou a compor lugar de destaque na ordem de prioridades educacionais do país. Sendo assim, o PNAIC também passou a integrar, no ano de 2017, medidas e ações de elaboração e reformulação de políticas educacionais voltadas à alfabetização na Educação Infantil. Vale ressaltar que, apesar de diversos estudos, embates e especulações, a discussão em torno da alfabetização na Educação Infantil carrega em si o dilema dos “prós e contras”, o que inclui ainda concepções divergentes entre os que são a favor e os que são contra, isso, sem contar a problemática em torno da questão de instituir ou não a obrigatoriedade. É nesse cenário de transição que se estrutura o Novo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. A Educação Infantil no Pacto foi uma novidade, dentre outras perspectivas de reestruração, apontadas, inclusive, num plano de evidência instaurado na nomeação da versão que o Programa passa a ter após três anos de execução: “Novo Pacto”. Diante disso, temos outra estrutura organizacional: PNAIC/Educação Infantil, PNAIC/Alfabetização e PNAIC/Programa Novo Mais Educação e as ações em prol da alfabetização e formação continuada de professores tornam-se mais amplas no sentido de assegurar a alfabetização como um direito e não apenas pela relação de obrigatoriedade. Daí a preocupação em integrar crianças da Educação Infantil e estudantes do 4º ao 9º ano que necessitam de “acompanhamento pedagógico”, ou seja, que não foram alfabetizados na “idade certa”. Sabemos que o processo de alfabetização, que deveria ser progressivo, na maioria das vezes é centrado apenas no 3º ano do Ensino Fundamental, desse modo, é comum a dificuldade de estabelecer, entre os estudantes, de modo geral, uma equidade, a inclusão e a igualdade de oportunidades. Consequentemente, o resultado, expresso em avaliações oficiais como a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), Prova e Provinha Brasil, têm mostrado cada vez mais a necessidade de centrar forças em favor da evolução dos níveis de aprendizagem dos estudantes. Conforme o Documento Orientador do Novo PNAIC (BRASIL, 2017), no contexto de melhoria da qualidade do ensino, entre os anos 2013/2015, a Diretoria de Currículos e Educação Integral (DICEI), juntamente com a Secretaria de Edu-

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cação Básica (SEB), departamentos específicos do MEC, firmaram um contrato com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a fim de que fosse produzido um material voltado para a leitura e escrita em creches e pré-escolas. Com base em estudos, seminários, pesquisas e parâmetros oficiais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), foi produzido o material. Estruturado em oito cadernos de estudos e um caderno de apresentação, publicados em 2016 pela Coordenação Geral de Educação Infantil/SEB/MEC, a coleção “Leitura e Escrita na Educação Infantil” contou também com a colaboração de profissionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), e passou a compor o conjunto de materiais que sustentariam a implementação do PNAIC/2017. Desde o Caderno de Apresentação, temos um convite para que o professor que atua na EI situe-se sócio-historicamente e produza uma reflexão, primeiro, sobre o universo da infância, o percurso formativo trilhado até chegar a ser um profissional na EI e, depois, sobre sentidos cristalizados que institucionalizam uma imagem da criança que chega ao espaço escolar das creches e pré-escolas, e afetam diretamente a prática educativa desenvolvida por eles no processo de integração da criança à cultura escrita. O discurso predominante nos cadernos que compõem a coleção alerta para o fato de que atribuir à criança uma forma estável e estática– ao que o material chama de “a criança” –, é o efeito de dado funcionamento ideológico que impõe sentidos e nega a criança como sujeito que é, que sente e que produz linguagem. Dito de outro modo, a escrita do material traz a contribuição de diferentes teorias que se entrecruzam com o intuito de tencionar sentidos historicamente instituídos sobre a noção de criança e a formatação produzida como efeito do processo de generalização, comum no espaço escolar. De acordo com a coleção, “a criança” não existe, e corporificá-la é produzir um efeito de igualdade que nivela individualidades e anula especificidades. Ao passo que tal generalização reduz a observação, dada a ilusão da igualdade, e sem observar as crianças, não tem como aprender sobre elas e, consequentemente, se não aprende, as condições para contribuir com a aprendizagem serão cada vez mais limitadas. É possível afirmar que o material aponta uma relação direta entre o que aprendemos sobre as crianças, no cotidiano do espaço escolar, e o efeito de sentido que isso produz no modo como as ensinamos. Sendo assim, faz-se necessário, também, problematizar a forma pela qual sido dado o acesso das

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crianças à cultura escrita e a sua formação como leitores na EI, bem como a noção de leitura e escrita e como a escola significa o material de leitura e a produção das crianças. As contribuições dos estudiosos que compõem a Coleção nos levam a pensar a relação da formação profissional das professoras5 da Educação Infantil como condição para o respeito à especificidade de cada criança. Para tanto, introduz algumas reflexões sobre profissão e formação docente frente à promoção de acesso da criança, sobretudo, à cultura escrita. A partir da articulação entre conhecimentos teórico-científicos, manifestações artístico-culturais e o cotidiano na Educação Infantil, com um projeto gráfico editorial que contou com a colaboração de autores e ilustradores de referência no campo da literatura infantil, notadamente, a coleção “Leitura e Escrita na Educação Infantil” demarcou aquilo que, parafraseando Manoel de Barros (2003), podemos chamar de “achadouros de infância”, e estabeleceu insistentemente o convite para que todos os professores da EI se dispusessem a buscar vestígios da criança que foram e que permanece em cada um, constituída na e pela memória.

Formação continuada: um lugar de compreensão e produção de sentidos Compor a equipe de Formadores Regionais da Educação Infantil no PNAIC/2017, em Mato Grosso, foi, de certo modo, a oportunidade de participar de um momento importante na história da educação no País, por nos permitir refletir coletivamente acerca das políticas educacionais, especialmente, no âmbito da alfabetização e Educação Infantil, que, historicamente, têm seguido sob constantes desafios e fragilidades. Os encontros formativos, especificamente os seminários I, II, III e IV, realizados no período de novembro de 2017 a março de 2018, constituíram-se como espaço de partilha de saberes e (des)construções de sentidos sobre criança, prática educativa, percurso formativo, dentre outros, mediadas pelo jogo estabelecido no funcionamento da memória em relação ao discurso. Vale ressaltar que, conforme Maldidier (2003, p. 96), “o sujeito não é a fonte do sentido; o sentido se forma na história através do trabalho da me5

O Volume 2 da coleção, Ser Docente na Educação Infantil: entre o ensinar e o aprender, apresenta um panorama histórico, político e cultural que leva à compressão da atuação da mulher no exercício do magistério, bem como os efeitos de sentido a partir de representações e concepções que impõem e regulam a prática profissional predominantemente realizada por mulheres.

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mória, a incessante retomada do já-dito; o sentido pode ser cercado, ele escapa sempre”. E nessa relação de construção e determinação de sentidos, como pontua a autora, cientes de que a memória discursiva da infância, do percurso formativo e da criança afetam e constituem o sujeito-professor, procuramos tecer as reflexões em torno de leitura e escrita na EI, no decorrer das formações do PNAIC. A estrutura de formação definida no Programa parte da relação direta estabelecida entre a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) e Secretarias Municipais de Educação (SME), sob a coordenação de um Comitê Gestor, responsável por viabilizar as ações de formação, composto por Coordenador Estadual, Coordenador da União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (Undime), Coordenador de Gestão e Coordenador de Formação. Como já mencionado neste texto, a formação do PNAIC/2017, mantendo o foco na alfabetização dos estudantes como um direito, além dos professores e coordenadores pedagógicos do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental, ampliou o atendimento a professores da pré-escola e coordenadores pedagógicos da EI; bem como aos articuladores e mediadores de aprendizagem das escolas, vinculados ao Programa Novo Mais Educação (PNME). Os municípios tiveram um prazo de adesão ao Programa até agosto daquele mesmo ano e, a partir daí, foram planejados e executados os seminários formativos, tendo sido necessário estender as ações de formação até meados de 2018. Destacamos que as discussões suscitadas aqui partem de memórias produzidas no âmbito das relações estabelecidas entre Coordenação de Formação, Formadores Regionais e Formadores Locais no PNAIC Educação Infantil, especificamente no contexto de planejamento dos cinco seminários e participação direta na realização de quatro deles. Durante os seminários, e à medida que o discurso, presente na coleção “Leitura e Escrita na Educação Infantil”, convocava o professor a produzir leitura, também fomos instigados, na posição-sujeito de Formador Regional e Formador Local, a empreender reflexões, tecer questionamentos e nos apropriamos das atividades do curso como possibilidade de buscar, pelo exercício da memória, revisitar a criança que fomos, como premissa para a compreensão dos estudos e teorias difundidos no material pedagógico. A nosso ver, o material em questão constitui-se como relevante parâmetro para efetivação de novas práticas educativas na primeira etapa de educação escolar, por reiterar a necessidade de uma educação atrelada ao universo da

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infância, mediante ações críticas e transformadoras e que compreendem as crianças como sujeitos, dotadas de conhecimentos e constituídas na e por uma memória tecida na relação da língua com a história, isto é, em todas as suas práticas discursivas e em um universo da infância que precisa ser considerado. Podemos dizer que os seminários do PNAIC/2017, no exercício de formação continuada com Formadores Locais da Educação Infantil, possibilitaram um ambiente próprio para a produção de reflexões sobre ciência e a vida, dando-lhes condições para apreender e difundir novas diretrizes para a Educação Infantil, em seus respectivos espaços de atuação.

Breves considerações: um Pacto pela Alfabetização na Idade Certa é um pacto pela infância, é uma narrativa às avessas Tomados pela desestabilização produzida a cada seminário de formação do PNAIC/2017, nos dedicamos a assumir outra posição-sujeito e, instaurados no lugar de aluno, ou melhor, de criança, percebemos que os saberes não se dão atados a uma linearidade e que o universo da infância imputa condições de produção, como resultado da relação que a criança estabelece com o conhecimento e sua vivência social e histórica. É desse lugar social que pedimos licença a você, leitor, para apresentarmos um pouco daquilo que guardamos como memória dos nossos (des)encontros no PNAIC/2017, cujas impressões ganharam corpo em um texto enviado para os Formadores Locais, na ocasião de encerramento das atividades junto ao Programa e que contraria qualquer tentativa de ser mensurado, tanto que, optamos por denominá-lo como narrativa às avessas. Ao passo em que pedimos licença para essa quebra de protocolo, também o convidamos a fazer essa leitura com os olhos da criança que há em você, ainda que, para isso, tenha que buscá-la em “achadouros de infância”. Iniciemos a leitura:

PNAIC – uma narrativa às avessas Caros formadores, Com o intuito de, em breves palavras, agradecer a cada um pela caminhada que trilhamos juntos no PNAIC, comecei a pensar na “história dos meus sapatos” no decorrer dessa jornada. Entre as idas e vindas de Confresa a Rondonópolis, e, por fim, a Cuiabá, transitei entre sorrisos, olhares acolhedores, entre carinho e 59


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cuidado, entre humanos e “professores”. Também vi algumas “caras e bocas” e gestos de reprovação, mas o mais importante de tudo foi o profissionalismo compartilhado, as ideias sendo ampliadas a partir dos diálogos, nossas convicções sendo confrontadas para dar lugar a novas possibilidades de práticas educativas e novo olhar para a Educação. No ritmo da teoria e no embalo das discussões, voltamos a ser criança, fizemos um passeio em nossa própria infância, para pensar a educação, para fugir do utilitarismo e de meros fundamentalismos que (em) formam as nossas ações. Tivemos que rememorar como o mundo se apresentava aos nossos olhos de criança e, assim, revisitamos nossos quintais, as brincadeiras na rua... Tivemos uma “Aula” com Roland Barthes sobre o dom cheio de zelo que as crianças têm com as pedrinhas e os fios de lã. Conversamos com Walter Benjamin, com Vygotsky e com Bakhtin, para entendermos um pouco melhor sobre a linguagem e as crianças como produtoras de cultura. Para isso, nos olhamos no espelho das pinturas de Maria Magdalena e nas imagens da “Menina que Desenhava”. Foi muito divertido todo o trajeto por onde trilharam nossos “sapatos” nesses cinco meses de trabalho colaborativo junto à equipe de formação do PNAIC de Mato Grosso. Por tudo isso, deixo aqui registrada minha grata satisfação. Se houve algum contratempo, alguma intempérie, já nem me lembro. Prefiro a lembrança da nossa última viagem: a mais inusitada, desde o momento da escolha do destino – nosso alvo era a Disneylândia, ou melhor, a Disney, dada a nossa intimidade. O carro não era dos melhores, nem a melhor condução (tendo em vista a distância, as circunstâncias da viagem e o número de passageiros). Passamos por Várzea Grande, por Chapada dos Guimarães... Lembro bem que algumas colegas não puderam ir nessa viagem e, inclusive, fizeram muita falta. Os demais, todos a bordo. Foi a maior diversão! Em uma das paradas, próprias de uma longa viagem, conhecemos um “bêbado culto” e nos apaixonamos por seu vozeirão; comemos pêssego, pera e ameixas no pomar; brincamos de jogos de linguagem e, nessas brincadeiras, aprendemos que a falta de sentido própria dos nonsenses

é, justamente, o que faz mais sentido para as crianças. Creio que seja pelo mesmo zelo que elas têm com as pedrinhas e os fios de lã. 60


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Essa viagem foi maravilhosa, sobretudo, porque não chegamos ao destino traçado. Então, fica a possibilidade de manter na imaginação a fantasia da chegada, a diversão inevitável que, supostamente, a Disney proporcionaria. Infelizmente, nossa viagem foi interrompida abruptamente por um marco temporal cronológico, seguido das palavras – “tempo esgotado” – e sucessivas frases de despedida e agradecimentos pela realização de mais uma etapa do PNAIC. A viagem durou o tempo suficiente para descobrirmos alguns dos “cristais” que precisamos abandonar nas próximas viagens e também para que eu pudesse me ver fortemente afetada e agradecida por ter aprendido com cada gesto, cada memória socializada, cada saber compartilhado. Aprendi em meio a olhares cativantes, amores “geográficos” espalhados nas travessuras, nos lanches deixados sobre a mesa... e me tornei grande a partir da grandeza que há na singularidade de cada um do nosso grupo. Umas tão espertas, levadas e ladinas, mas extremamente verdadeiras. Umas diplomáticas e outras que teimam em não se encaixar nas grades do utilitarismo. Uma pluralidade de saberes que me possibilitou ficar mais sábia, mas... nem tanto! Haja vista que escrevi essa narrativa às avessas, que não se encaixa em uma carta, não é conto e nem um pobre poema... Só sei que é uma história de amor. E história de amor não acaba, se esconde dentro da gente.

Referências ACHARD, Pierre. Memória e produção discursiva do sentido. In: ACHARD, Pierre et al. (Org.). Papel da Memória. Tradução e introdução José Horta Nunes. Campinas, SP: Pontes, 1999. BARROS, Manoel de. Memórias Inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003. BRASIL. Documento Orientativo – Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa. - Brasília: MEC/SEB, 2017. ______. Caderno de apresentação. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1.ed. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v.1). - Brasília: MEC/ SEB, 2016. ______. Ser Docente na Educação Infantil: entre o ensinar e o aprender. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. - 1.ed. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 2/Caderno 1). Brasília: MEC/SEB, 2016.

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______. Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024/Linha de Base. Ministério da Educação. Brasília, DF: INEP, 2014. INDURSKY, Freda. Estudos da Linguagem: língua e ensino. In: Organon – Revista do Instituto de Letras da UFRGS – vol. 24, n. 48, 2010. ______. Da heterogeneidade do discurso à heterogeneidade do texto e suas implicações no processo da leitura. In: ERNST-PEREIRA, Aracy; FUNCK, Susana B. (orgs.). A leitura e a escrita como práticas discursivas. Pelotas, RS: EDUCAT, 2001. MALDIDIER, Denise. A inquietação do discurso – (Re)ler Michel Pêcheux hoje. [trad.] Eni P. Orlandi. Campinas: Pontes, 2003. MOTA, Ana Luiza Artiaga R. A Posição-sujeito Leitor e o Mercado de Trabalho. Revista Interfaces. Vol. 7, n. 3, dez/2016. Guarapuava-PR: UNICENTRO, 2016. ORLANDI, Eni Pulcineli. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 1999. PÊCHEUX, Michel. Papel da Memória. In: ACHARD, Pierre [et al.] (Org.). Papel da memória. Tradução e introdução José Horta Nunes. Campinas, SP: Pontes, 1999. ______. L’analyse automatique du discours. Paris, Dunot, 1969. Trad. Bras.: Mariani, B. [et al.]; GADET & HAK (org.). Por uma Análise Automática do Discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux – 3 ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997. ______. Rôle de la Memoire. In: ACHARD, Pierre et al. (orgs). Histoire et Linguistique. Paris, Ed. de la Maison des Sciences de l’ Homme, 1984.

PNAIC Educação Infantil: um breve

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relato de uma Formadora Regional Maria do Socorro Castro Soares Formadora Regional – Educação Infantil Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso

A edição de 2017 do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) foi a primeira de que participei, como Formadora Regional do segmento Educação Infantil. O primeiro encontro que tivemos já proporcionou uma grande vontade de continuar e, de certa forma, poder contribuir com o entusiasmo e expectativa daquelas professoras, que traziam em suas almas uma vontade enorme de somar experiências às tantas ali existentes. Cada uma a sua maneira, ao seu modo e ao seu tempo. Positivamente, posso afirmar que só o compartilhamento de vivências ali presenciados já valeria, por si só, o esforço ali desempenhado por todos. E, quando digo “todos”, são “todos, mesmo”. Coordenação, equipe de apoio, cursistas, formadores, enfim, todos que direta ou indiretamente estiveram envolvidos com a projeção, elaboração e execução desse Pacto. Portanto, diante do esforço e comprometimento de todos, foi possível perceber um saldo positivo de conhecimentos teóricos, práticos e vivenciais, uma vez que experiências e orientações teóricas foram somadas e contextualizadas às realidades locais. À equipe gestora, meus sinceros agradecimentos, por não ter medido esforços no sentido de atender às demandas que iam surgindo no percurso da realização dos trabalhos. Quanto às dificuldades e aspectos não satisfatórios encontrados, mas que também não se constituíram em obstáculos, destaco o remanejamento de cursistas, pois, embora os planejamentos tenham sido realizados por perfil, há que se considerar que metodologias e práticas pedagógicas são elementos próprios de cada profissional. Remanejamentos ocorreram até o último encontro e, mesmo não havendo prejuízo aos cursistas, não deixaram de trazer algum transtorno, senão ao aproveitamento, mas, com certeza, à logística do trabalho. Quanto a outras observações necessárias, aponto a continuidade do PNAIC, como elemento proporcionador da integração e possibilitador de práticas inovadoras e fomentadoras ao impulso do bom desenvolvimento da Educação Infantil brasileira. Em relação às discussões realizadas com os Formadores Locais (FL), elejo como destaque uma citação de Nóvoa (1992), que suscitou discussão


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acalorada ainda no primeiro encontro e que, por isso mesmo, proporcionou um amadurecimento e reflexão nas práticas pedagógicas até então utilizadas: Para a formação de professores, o desafio consiste em conceber a escola como um ambiente educativo, onde trabalhar e formar não sejam atividades distintas. A formação deve ser encarada como um processo permanente, integrado no dia a dia dos professores e das escolas, e não como uma função que intervém à margem dos projetos profissionais e organizacionais (NÓVOA,1992, p. 29).

Tomo como premissa esta citação porque, a partir dela, foi possível compreender o espaço escolar como “eixo estruturante” não só do fazer pedagógico, mas também do fazer humano, onde individualidades socioculturais distintas convivem, devendo ter suas especificidades, suas convicções, seus tempos e suas diferenças fundamentados no respeito, intermediados não só pela ação docente, mas por todo ambiente escolar. Os demais encontros sempre convergiram para essa compreensão, aliás, de forma muito positiva, pois, houve relatos de FLs que, após essas discussões, evidenciaram mudanças de atitudes profissionais em relação aos seus papéis enquanto professoras da Educação Infantil (EI). A FL A6 compartilhou com o grupo o seu pensamento pessoal e sua prática docente em relação ao papel da escola e da profissional, afirmando que “...à escola não compete saber da vida particular da família ou o modo como vivem. E à professa [...] ora compete alfabetizar.”. Após sua participação no PNAIC, afirma ela, esse pensamento mudou. Já enxerga a escola e a si mesma como elementos que só se completam através do intercâmbio com as famílias, e, principalmente, dando um protagonismo à criança enquanto sujeito de todo esse processo. Nesse viés, vários relatos contribuíram e enriqueceram as discussões dos cadernos de estudo, da coleção “Leitura e Escrita na Educação Infantil”. Contudo, entre eles, um particularmente chamou a atenção, como narrado pela FL B7, quando se discutia sobre a importância de a professora conhecer a criança, reconhecer seus “sinais” emocionais etc. A FL contou que uma colega de trabalho cometeu suicídio (fato inclusive bem noticiado na mídia) e que a filha dessa colega era sua aluna. Por várias vezes a criança a procurou 6 Professora municipal efetiva, atua com EI há sete anos, participante do PNAIC pela primeira vez em 2017. 7 Professora municipal contratada, primeira participação no PNAIC.

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em sala de aula como se quisesse aconchego, amparo, como se quisesse lhe dizer algo. Porém, por conta de suas atividades coletivas com a sala de aula, não encontrou tempo e nem se ateve a esse “pedido de socorro” da criança. Após a tragédia, a professora ficou sabendo, pela própria criança, que a mãe há dias não estava bem e já havia tentado suicídio algumas vezes, mas pedia que a filha não contasse a ninguém. Esse relato causou grande comoção a todas nós, nos mostrou que realmente a nossa atividade fim é a criança. A ela deve ser dado o protagonismo de todo o processo da EI. Quanto à FL B, a mesma afirmou ter refletido muito acerca de suas práticas pedagógicas e que, quando percebe qualquer “sinal” emocional diferente procura visitar as famílias. Assegurou que a sua participação no PNAIC Educação Infantil tem contribuído substancialmente para agir com muito mais segurança na elaboração e execução do seu trabalho como professora da EI. Dentre a literatura trabalhada, com especificidade, no Caderno 8, intitulado “Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola”, Cruz (2016) chamou a atenção para o seguinte aspecto: A apropriação da leitura e da escrita pelas crianças é um dos vários desafios para as escolas e as famílias. Isso acontece porque, na sociedade contemporânea, a capacidade de ler e escrever tem um valor muito grande, e a escola é a instituição responsável pela educação formal dos integrantes da sociedade. (CRUZ, 2016, p.15).

A celeridade tecnológica, que conduz ao mundo globalizado, termina impondo à sociedade uma crescente necessidade de qualificação, para que as pessoas possam, cada vez mais, produzir e conseguir sobreviver sob os ditames de um capitalismo selvagem e perverso. Nessa perspectiva, o domínio da leitura e da escrita se apresenta como elemento possível de mobilidade social. Esse imaginário se personifica na figura da escola como veículo capaz de fazer a travessia entre a ignorância e o saber, entendendo aqui o saber como passaporte ao “fantástico” mundo da globalização. Entretanto, a cobrança da sociedade em relação à escola para que alfabetize (com a leitura e escrita) o mais cedo possível suas crianças, desconsidera o lúdico e o cuidar como elementos fundamentais no processo de desenvolvimento de habilidades e competências. Ainda no Caderno 8, Cruz (2016) ressalta o trabalho compartilhado entre família e escola: 65


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Na Educação Infantil, conforme explicita o artigo 7º das DCNEI (BRASIL, 2009a), uma das formas de garantir que as propostas pedagógicas cumpram plenamente sua função sociopolítica e pedagógica é assumir “a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias”. Talvez por ser uma relação mais frequente e intensa, tem sido permeada por colaboração e apoio, mas também por tensões e conflitos (CRUZ, 2016, p. 20).

Essa aproximação entre escola e família se constitui como imprescindível para o próprio desenvolvimento moral, afetivo e cognitivo da criança, uma vez que tanto o espaço doméstico quanto o escolar fazem parte do cotidiano da criança, sendo, portanto, fundamental que ações, valores e cuidado estejam em constante intercâmbio. Embora, como salienta a autora “[...] a pré-escola seja vista, principalmente, como uma preparação para o Ensino Fundamental” (CRUZ, 2016, p. 20). Ao chegar ao final dessa etapa do PNAIC, desejamos que possa haver a sua continuidade. Todavia, independentemente das vontades políticas dos setores com poder de decisão, é possível afirmar, até aqui, que o Programa foi de importância extrema para todos os participantes, uma vez que proporcionou a discussão e o debate, socializou experiências em diferentes níveis de complexidade e, principalmente possibilitou a reflexão e a avaliação de práticas e procedimentos pedagógicos. Deixa como consequência a vontade e o compromisso, de cada participante, a responsabilidade de buscar superar as fragilidades de suas ações em nome de uma Educação Infantil que promova valores intelectuais, morais e, principalmente, humanos.

Referências BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 9/Caderno 8). CRUZ, Silvia Helena Vieira. Aprender a ler e a escrever: as expectativas das famílias e da escola. In: BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 9/Caderno 8). NÓVOA, A. (Org). Os professores e a sua formação. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1992.

As ações do PNAIC na Educação 66


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Infantil no município de Nova Ubiratã-MT Amanteia Amanda Marques Soliani Formadora Local de Nova Ubiratã-MT

“O principal objetivo da Educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras gerações fizeram.” (PIAGET, 1982).

Acreditar num processo educativo que parta de uma concepção de criança como cidadã, capaz de investir na construção de valores e atitudes como solidariedade, cooperação, autonomia e respeito ao bem comum, contribui para a consolidação de uma pedagogia atual, preocupada com as circunstâncias e situações do cotidiano e das relações em que estão envolvidos educadores, crianças e famílias. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), nesse sentido, vem ao encontro deste anseio, uma vez que defende que a criança precisa ser vista como criança, ser que constrói sua identidade, que pensa, que brinca e aprende brincando. O presente relato tem por finalidade explicitar o que representa o PNAIC colocado em prática na Educação Infantil (EI) no Município de Nova Ubiratã, Mato Grosso, uma experiência nova e impactante, principalmente para mim, como Formadora Local (FL), mas também para os Professores da rede municipal de ensino e que atuam nessa etapa da Educação Básica. Figura 1 – Formação em Cuiabá, na turma da Profa. Ana Lúcia

Fonte: acervo da autora.

Com base na citação de Piaget (1982), que abre este texto, compreendo 67


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que esta experiência como FL da Pré-Escola (Educação Infantil) do referido Programa, marcou minha prática, sobretudo no que diz respeito ao aprendizado quanto à Educação Infantil, uma novidade para mim, pois sempre trabalhei ministrando aulas no Ensino Fundamental. Sendo assim, posso afirmar que esta formação significou um marco divisor em minha carreira, pois pude compreender melhor o universo infantil. O trabalho no município foi realizado com 20 professoras, que estiveram sempre dispostas e dedicadas ao estudo dos Cadernos, das práticas e aplicações pedidas. Foi tudo um grande aprendizado para mim também. Conforme a formação recebida em Cuiabá, nos Seminários, trabalhei com atividades que realmente visam o desenvolvimento integral da criança, ou seja, em seus aspectos psicológico, físico, intelectual e social, oportunizando aos professores a ampliação de seus conhecimentos, objetivando contribuir para o aprendizado da leitura e escrita, como preconiza o Pacto. O Programa contemplou a formação continuada dos professores. Vários coordenadores seguiram o formato do Programa e aplicaram, dentro da formação, a transposição didática, em que a teoria é colocada em prática e desenvolvida com as crianças. Froebel8, após analisar crianças de diferentes idades em situações envolvendo brinquedos, previu uma educação que ao mesmo tempo treina as habilidades que elas já possuem e as que surgem, através da exteriorização do mundo interno e interiorização das que vêm de fora. Isso precisa ser compreendido pelos profissionais de educação que atuam com a primeira infância, para que tenham conhecimento e se tornem capazes de proporcionar diferentes conteúdos às crianças, de forma lúdica. Dessa maneira, ela irá assimilar e aprender principalmente as competências que estão contidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A cada encontro, o grupo discutiu e trocou informações e experiências pautadas no dia a dia, nas dificuldades existentes em cada unidade escolar, suas angústias e anseios, enfim, sentindo e compreendendo a necessidade de vivenciar experiências de aprendizagem que se constituem por meio de um processo de atuação compartilhada, em que se entrelaçam conhecimento e prática, reflexão e ação. A formação do PNAIC no segmento Pré-Escola (Educação Infantil), com 8

Friedrich Wilhelm August Froebel (1782-1852), pedagogo alemão com raízes na escola Pestalozzi. Fundou o primeiro jardim de infância. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Fr%C3%B6bel Acesso em: 20 jun. 2018.

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suas sugestões e possibilidades, foi incorporada à rotina das nossas escolas de EI. O estudo dos cadernos trouxe maior vivacidade ao trabalho já exercido pelas professoras, que se mostraram sabedoras da importância da música, da literatura, do faz de conta, enfim, de tudo que representa o universo infantil, seu simbolismo, sua cultura e todos os gêneros tão importantes para a formação integral dessa criança. Nessa direção, foi dada maior ênfase ao fazer pedagógico, com a utilização das leituras deleite e das sucatas – material imprescindível, hoje, ao bom profissional da EI. Ser docente, nesta etapa, requer refletir sobre o ensinar e o aprender. Essa se torna, portanto, uma tarefa constante de um bom profissional de educação, pois a EI é o primeiro processo e acesso da criança neste universo tão vasto de aprendizagens. Nesse processo, o agente principal é o professor, que tem como papel fundamental a tarefa de conduzir as crianças pela fantástica viagem do conhecimento de mundos a ser desbravados, tendo a leitura como ponte entre a fantasia e a realidade. Como todos somos educadores, fomos apenas dando mais sentido ao porquê de o sermos e a importância que cada um de nós assume na vida de tantas crianças que compõem a EI. Por isso o cuidado do professor com a rotina diária, os estudos, as cargas extra sala, enfim, um investimento em si mesmo, em busca de tantas respostas, em busca de formação. A escola, como instituição educativo-pedagógica, revela-se como espaço privilegiado para as crianças viverem, de diferentes modos, a sua infância, criando encontros entre criança-criança, crianças-adultos, adultos-adultos e adultos-crianças e familiares, que compartilham tempos e espaços no dia a dia educativo. A infância é um tempo social de singularidades, de modos pessoais de viver o ser criança e que se manifestam, no cotidiano institucional, de maneiras diversas e expressivas. Ao realizarmos as leituras dos Cadernos de Educação Infantil disponibilizados, fomos adquirindo importantes conhecimentos e, a partir deles, procurando promover o desenvolvimento pleno da criança, do ser humano e suas competências, pensando e repensando a ação pedagógica na Educação Infantil. Ao proceder dessa maneira, estimulamos a ampliação do repertório cultural das crianças, tendo como base principal os campos de competências da BNCC, que permeiam as interações e as brincadeiras, através do uso das linguagens musical, oral e escrita, matemática e corporal, sempre no sentido de desenvolver atividades desafiadoras para e com as crianças. Entre estas atividades, devem ser privilegiadas aquelas que as desafiem

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a fazer narrativas, descrições, comparações, relações, construção em várias dimensões, explorando diferentes espaços e materiais; atividades que as provoquem a pensar, decidir e resolver problemas; atividades que explorem os espaços coletivos de Educação Infantil, onde a criança realmente é criança. Sempre pensando em melhorar nossa prática, analisamos a cultura da escrita, como parte da expressão da cultura, das interações das crianças e adultos e suas produções, o que vem desde os primórdios da humanidade até os tempos atuais, sempre destacando os teóricos e fazendo uma retrospectiva do que mudou. A cada caderno estudado foram desenvolvidas, com as crianças, atividades pertinentes ao tema e aplicação prática através de atividades, jogos e brincadeiras, sempre no coletivo, com para o sentido real de aprendizado. Assim, as propostas incluem atividades de leitura e reescrita, pois trata-se de uma faixa etária de 04 e 05 anos. Nesse sentido, é necessário analisar e propor práticas que sejam significativas para o desenvolvimento da imaginação, como as leituras infantis, a exemplo dos contos e das histórias do cotidiano infantil. Animados pela formação recebida no Seminário e reproduzida no município, fizemos a semana de contação de histórias, com caracterização dos personagens. Foi uma experiência única e prazerosa, tanto para as crianças como para os professores. Isso vem confirmar que as escolas de Educação Infantil estão tomadas de vínculos, afetos e aprendizagens nas mais diversas atividades que compõem o cotidiano escolar. Este cotidiano precisa, então, estar organizado para que elas ampliem seus conhecimentos. O professor é quem vai pensar a organização do espaço e do tempo na escola, com o propósito de desafiar a criança a toma a iniciativa, levando em consideração a faixa etária, o número de alunos da turma, as necessidades e interesses do grupo, as possibilidades de interação com os colegas e os espaços físicos disponíveis. Outro aspecto relevante é que o brincar na EI é, para a criança, uma forma de descobrir o mundo, de exercitar a atenção, a criatividade e a imaginação, lidar com emoções e iniciar os primeiros relacionamentos nos espaços de convivência. Portanto, é necessário que o brincar, coordenado pelo adulto, seja uma constante no processo educativo, para que crianças, de diferentes idades, brincando juntas, desenvolvam-se e aprendam. Assim, o ato de brincar deve fazer parte da metodologia que orienta todo o trabalho na EI. A brincadeira é uma atividade social em que se desenvolvem os conceitos de área (tempo-espaço-grupo), pois “no brinquedo a criança cria uma situação imaginária”. (VYGOTSKY, 1999, p. 123). Também é importante

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criar rotinas para o cotidiano, definir horários e locais para determinadas tarefas. Isso não apenas ajuda na organização de referenciais para a criança, dá ao professor a chance de observar os hábitos e atitudes infantis, e qual a melhor forma de interferir, quando for necessário. Tivemos a oportunidade de conhecer as políticas públicas do livro e da leitura, em especial, o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), e os processos de seleção dos títulos destinados à Educação Infantil. Discutimos a importância da “diversidade de gêneros literários e de tipos de texto, de formatos de livros, de autores e ilustradores, assegurando o que se tem chamado de “bibliodiversidade” (BRASIL, 2016, p. 12); de organizar e utilizar diferentes espaços dentro das instituições de Educação Infantil, visando explorar adequadamente a potencialidade dos atos de leitura. Surgiram muitas ideias de como resgatar os livros que ora estavam guardados, ora ninguém sabia o seu real. O ponto mais importante é a consciência que esse material nos trouxe de que é possível que a criança se torne leitora mesmo antes de “aprender a ler”. De todos os assuntos tratados o que, mais chamou a atenção foi a relevância da parceria da família, por exemplo, contando histórias às crianças, lendo, e acompanhando os trabalhos que são propostos, ativamente. O ser humano, segundo Ullmann e Bohnen (1986), é responsável pela educação de seus filhos, e do ponto de vista psicológico, a relação mãe-filho-pai é extremamente importante para a sua educação. Desse modo, para que ocorra uma aprendizagem significativa, a família deve colaborar no processo de ensino aprendizagem. A família é o primeiro ambiente onde a criança recebe estímulos para aprender e se relacionar com o mundo. Com texto familiar se dão, também, os primeiros contatos com a leitura. O conhecimento adquirido no seio familiar refletirá no seu desempenho escolar. Partindo desse pressuposto, as atividades que as professoras desenvolveram e que contaram com o envolvimento da família, foram fundamentais para o desenvolvimento intelectual e afetivo das crianças. Para que isso acontecesse, usamos as escutas, as histórias, os contos e tantas outras linguagens presentes no cotidiano da EI, um universo amplo e rico, como forma de garantir, para nossas crianças, um desenvolvimento pleno. O PNAIC nos fez ver que para que as nossas propostas pedagógicas sejam válidas e nos façam realmente cumprir nosso papel de educadores, devemos estar em constante busca profissional para atuarmos da melhor forma, com propostas significativas e que irão marcar a vida de nossas crianças. Para Bondia (2002, p. 20) “A experiência é o que nos passa, o que nos

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acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece”. Diante do exposto, temos que ter um olhar voltado para a primeira infância onde tudo deve ser mágico, cheio de cores, formas e saberes. Na Educação Infantil, a imaginação deve correr solta, igual aos pés que brincam livremente. Só assim teremos crianças felizes, sadias e, com certeza, belos autores e leitores da sua própria história!

Referências BOHNEN, A.; ULLMANN, R. A. Educação: incumbência da família, da igreja e do Estado. São Leopoldo: UNISINOS, 1986. BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras. Educ. [online]. 2002, n. 19, p. 20-28. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2017. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Introdução. Livros Infantis: acervos, espaços e mediações / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 8/Caderno 7). FRIEDRICH FRÖBEL. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2017. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/w/index. php?title=Friedrich_Fr%C3%B6bel&oldid=48616727 Acesso em: 21 abr. 2017. PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. VYGOTSKY, Lev. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Formação continuada dos 72


professores de Educação Infantil Ana Paula Machado Locatelli Formadora Local de Sorriso-MT

Refletir sobre a formação continuada dos professores de Educação Infantil (EI) se faz necessário, na atual conjuntura política em que se encontra o nosso País, por isso não hesitei quando fui convidada pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC) do Município de Sorriso, Mato Grosso, para ser formadora. Tenho uma caminhada de 12 anos na EI, parte desta, como coordenadora pedagógica ou diretora de instituição de educação. Como educadores que somos, há anos pensamos e solicitamos formações voltadas especificamente ao público de Educação Infantil. Com a chegada da EI ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), vi a oportunidade de conhecer e fazer parte de um Programa escrito e organizado para estas professoras, que são sedentas por conhecimento. São muitos os documentos norteadores da educação preveem a formação continuada como direito do professor, devendo ser oferecida pelas instituições com o intuito de aperfeiçoamento em trabalho. No contexto da EI, isto significa, como afirmam Chiare e Rausch (2012, p. 3-4) “oportunizar aos profissionais espaços de avaliação e discussão entre as demais atividades desenvolvidas nas instituições, para que a formação aconteça como um processo contínuo e integrado ao cotidiano, configurada não somente como necessidade, mas como direito”, de modo a ofertar uma Educação Infantil de qualidade. A formação é necessária não apenas para aprimorar a ação do profissional ou melhorar a prática pedagógica. A formação é direito de todos os professores, é conquista e direito da população, por uma escola pública de qualidade. Podem os processos de formação desencadear mudanças? Sim, se as práticas concretas feitas nas creches, pré-escolas e escolas e aquilo que sobre elas falam seus profissionais forem o ponto de partida para as mudanças que se pretende implementar (KRAMER, 2005, p. 224).

Com este intuito de aprimoramento, fui para a formação em Rondonópolis, Mato Grosso, com grandes expectativas de aprendizagem e aquisição de novos conhecimentos a ser agregados a minha bagagem e minhas expec-


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tativas foram realmente atingidas, até superadas, pois conhecemos o material disponível para a formação em Educação Infantil, com toda a temática voltada para “A leitura e escrita na Educação Infantil”. De modo geral, toda a formação foi muito significativa e todos os cadernos me fizeram sair com grandes angústias sobre como iria trabalhar com as cursistas no Município, pois o material era rico em informações teóricas e tínhamos que articular a formação de tal forma que ela fosse significativa e repercutisse de fato nas práticas pedagógicas, pois, como disse nossa Formadora Regional, Profa. Ana Lucia Vilela, “Precisamos estudar e entender as teorias, pois boas práticas só acontecem se tivermos um bom embasamento teórico”. Apresento, a seguir, registros de alguns momentos de formação com minha turma de cursistas: Figura 1 – Estudando os Cadernos de formação

Fonte: acervo da autora.

Como afirma Paulo Freire “ensinar não é transferir conhecimentos” (1996, p. 52), porque o conhecimento precisa ser vivido, ou seja, é no dia a dia nas unidades que são proporcionadas às crianças vivências e interações com seus pares e professores, e isso exige do professor muito conhecimento, no sentido de formular, reformular e avaliar as suas práticas pedagógicas diárias. Nesse sentido, o material disponibilizado pelo Programa nos subsidiou com muitas teorias para embasar um bom trabalho. Ao longo do curso, estudamos oito cadernos, dos quais me dedicarei a 74


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falar, neste texto, de três, sendo os dois primeiros, isto é, o caderno “Leitura e escrita na Educação Infantil: Apresentação”, chamado caderno “Zero”, e o caderno 1, “Ser docente na Educação Infantil: Entre o ensinar e o aprender”, e o caderno 5, “Crianças como leitoras e autoras”. Estas obras me trouxeram novamente o amor que sinto em ser professora da EI e como todos os aspectos podem interferir no processo de aprendizagem dos alunos. Mais do que isso, relembrei que na EI as “aprendizagens” devem acontecer por meio de vivências e interações, que devo valorizar esses momentos em minhas aulas. Pude observar a formação e as atividades sugeridas provocaram um movimento dentro das unidades escolares com o objetivo de realmente efetivar as teorias estudadas e discutidas. Fiquei encantada por todos os cadernos, particularmente, o Caderno 5, que tratou da formação de crianças leitoras e autoras. As contribuições de Bakhthin sobre a importância da comunicação, postas em discussão durante os encontros de formação, me fizeram pensar os tipos de leitura que levamos para a sala de aula e como elas se comunicam com a aprendizagem dos alunos, como os nossos alunos têm se apropriado da linguagem e, sobretudo, como nós, professores, estamos fazendo as intervenções, pois a linguagem, as leituras, levam ao mundo da escrita, estimulando o aluno a se tornar produtor de textos, a colocar suas ideias no papel. Houve muita contação de histórias e leitura deleite durante os encontros formativos, como estes que apresento abaixo: Figura 2 – Contação de histórias

Fonte: acervo da autora.

Para para que esse processo aconteça, precisamos nos conscientizar e passarmos a dar mais significado a essas práticas e realmente incorporá-las aos planejamentos didáticos. Precisamos entender que: Uma prática pedagógica é uma prática social realizada entre sujeitos, constitui-se na e com a linguagem em todas as suas formas verbais, não verbais, multimodais: palavras, contra75


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palavras, ditos, presumidos, silêncios, imagens, gestos e expressões. A partir das escutas, os interlocutores – professoras e crianças – organizam respostas possíveis, conforme as condições que cada contexto enunciativo dispõe e possibilita. É possível e necessário planejar as propostas pedagógicas, pela própria natureza intencional da educação. Entretanto, é no campo das interações, no espaço relacional que se institui em cada ato enunciativo, que são tecidos os sentidos e estabilizados significados partilhados (CORSINO et al., 2016a, p. 20).

Portanto, os planejamentos devem sempre levar em consideração a criança, que é o sujeito da aprendizagem, e, para que as práticas sejam realmente efetivadas com sucesso, precisam ser avaliadas permanentemente. Tendo em vista que as aprendizagens devem acontecer através das interações e brincadeiras, vamos, então, brincar! Brincar com as palavras! Neste sentido, gostaria de mencionar alguns trabalhos realizados com as cursistas – que depois se converteram em práticas maravilhosas –, durante o estudo do Caderno 1, principalmente da unidade 1, “Docência e formação cultural”, da autora Sandra Richter, que nos trouxe uma reflexão sobre a profissão docente e como a mesma está relacionada à cultura, que ambas caminham juntas, pois um docente carrega consigo diversas culturas, bem como os seus alunos, cada qual traz uma cultura. Nessas interações, as culturas se multiplicam. O texto também nos provocou a respeito da arte e do poder criativo da linguagem, fazendo-nos compreender o quanto a linguagem é importante no nosso dia a dia. Para ela, linguagem talvez seja a arte mais bonita que podemos praticar. Pensando a linguagem enquanto arte, a atividade solicitada às professoras foi realizar uma degustação de poesias com seus alunos, pois, entre as mais variadas maneiras que entendemos e vemos a escrita, a poesia tem toda uma estética, tanto na leitura quanto na forma escrita de se apresentar. O resultado foi espetacular, tivemos uma semana poética nas unidades e algumas cursistas, além de apresentar o gênero poesia e fazer a sua declamação, também realizaram uma sequência de atividades com as mesmas, o que nos permite identificar a pertinência da formação e do incentivo para observar os alunos, como eles interagem e mergulham na cultura. Segue a declaração da Professora Léia:

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Ana, eu realizei a atividade, li para os meus alunos a poesia Borboletas, de Vinicius de Moraes; mas, para falar a verdade, eu não gostei da atividade, porque achei que meus alunos não iriam entender nada, afinal, poesia nem eu gosto, e pensei, bem capaz que eles, que são pequenos, irão gostar. Mas tive uma surpresa, porque logo depois que li, fomos para fora da sala, para o refeitório e, quando passavam pelo corredor, percebi que alguns pararam e olharam o cartaz da outra professora que também trabalhou a mesma poesia e começaram a falar assim: “Borboletas pretas gostam de escuridão, as azuis de luz”. Fiquei surpresa e ao mesmo tempo encantada e então voltei para a sala, dei significado ao trabalho, escrevi a poesia com eles no cartaz e, após, recitamos novamente, e eles produziram borboletas para colocar no cartaz. Realmente a atividade superou todas as minhas expectativas (Cursista Léia, 2016).

Só a mudança de postura dessa professora já deu sentido ao curso de formação, pois, além de ela mudar dentro da sala de aula, também expôs isso diante das demais colegas, demonstrando que os planejamentos didáticos na EI podem e devem sofrer alterações quando percebemos os nossos alunos têm interesse por determinada temática; mais do que isso, é ser capaz de possibilitar aos alunos um conhecimento novo e, ao mesmo tempo, dar espaço para que eles se expressem sobre o que gostam. Além dos três cadernos que destaquei como mais interessantes para mim, é pertinente falar sobre o estudo do Caderno 3, “Linguagem oral e linguagem escrita na Educação Infantil: práticas e interações”. Este é um caderno extremante teórico, que traz aprofundamentos sobre assuntos muito importantes, e que devem ser analisados no contexto escolar, principalmente no que se refere ao trabalho do coordenador pedagógico, de auxiliar o professor nesse processo de apresentação da escrita para os alunos, para ser uma prática condizente com a teoria, que aconteça de uma maneira gostosa e tranquila, sem ser ‘dolorosa’. Enfatiza que não nos precipitemos com a alfabetização na pré-escola, mas que as pré-escolas sejam lugares de oportunidades para que os alunos se familiarizarem com as diversas modalidades de como a cultura escrita se apresenta na sociedade. Nessa direção, houve uma grande e produtiva discussão acerca de como nossa rede trata os alunos de pré-escola, partindo da seguinte afirmação:

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Necessário lembrar que o objetivo da Educação Infantil não é a alfabetização stricto sensu. Embora crianças da pré-escola possam se alfabetizar por interesse particular a partir das interações e da brincadeira com a linguagem escrita, não cabe à pré-escola ter a alfabetização da turma como proposta. Na Educação Infantil, muito mais importante do que, por exemplo, ensinar as letras do alfabeto é familiarizar as crianças, desde bebês, com práticas sociais em que a leitura e a escrita estejam presentes exercendo funções diversas nas interações sociais; é dar-lhes oportunidade de perceberem lógicas da escrita tais como sua estrutura peculiar (não se fala como se escreve), sua estabilidade (as palavras não mudam quando a professora lê uma história) e os múltiplos papéis que desempenha nas sociedades contemporâneas (utilitário e estético). (BRASIL, 2016c, p. 20).

Analisamos como vemos a pré-escola e como devemos ver, como devemos orientar as nossas professoras para que os trabalhos sejam de qualidade. Diante do exposto, passei, como tarefa, que elas trouxessem o planejamento de uma professora da EI para o próximo encontro, para fazermos uma análise. No encontro subsequente, como combinado, cada uma trouxe e apresentou o planejamento de uma de suas professoras. Depois, em pequenos grupos, avaliaram as atividades presentes no planejamento, a fim de verificar se havia mais atividades que visavam a alfabetização propriamente dita ou mais atividades que contemplavam os eixos norteadores da EI, ou seja, brincadeiras e interação. Foi possível verificar que, na maioria das unidades, as atividades tinham exclusivamente o objetivo de alfabetização, nas quais eram trabalhadas as letras do alfabeto ou até mesmo o nome dos alunos, mas de maneira isolada, dando ênfase a uma única letra de cada vez, por exemplo, a letra inicial do nome da criança. Alguns planejamentos até previam brincadeiras, o uso de músicas, cantigas, livros de literatura e outros, mas como parte de uma sequência de atividades com o objetivo de escrita. Os momentos de brincadeiras até apareceram, mas previstos sempre como brincadeiras livres e sem objetivo, como ir ao parque ou à quadra de areia. Dificilmente se observava, nos planejamentos, menção a brincadeiras planejadas, com objetivos e observação e interação entre crianças e professoras. A partir dessa reflexão, elas deveriam reavaliar as concepções do que querem para as pré-escolas, reunindo o grupo de professores para estudar e

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analisar as práticas pedagógicas com o intuito de tornar o trabalho menos doloroso para os alunos. O caderno em estudo lembra que: Vygotsky (1998, p. 144) nos apresenta a linguagem escrita como uma forma nova e complexa de linguagem. Critica a maneira como em geral essa linguagem é ensinada às crianças. O autor destaca a importância de o trabalho com a escrita ser realizado de modo que a escrita (e o conhecimento, de um modo geral) se torne necessária às crianças, já que apresenta significado importante para elas. Por meio da necessidade, as crianças passam a ter o desejo de aprender essa nova forma de linguagem (VYGOTSKY, 1998, p. 143). Vigotski destaca que a escrita seja ensinada como uma atividade cultural complexa, “relevante à vida”, para utilizar a expressão do autor, na mesma página recém-citada. A escrita deve ser cultivada com as crianças, em vez de treinada (BRASIL, 2016b, p. 54, grifo do autor).

Tomando por base essa citação, temos que valorizar o processo de escrita e mostrar o quão ele é importante para a criança e todos na sociedade em que vivemos, apresentando, desde a primeira infância, diferentes textos escritos. Assim, incentivaremos o desejo e o interesse por essa modalidade, que é complexa, porém, quando valorizada como um processo cultural e não apenas como um processo obrigatório, se torna mais fácil e prazerosa para os alunos. Nesse ponto, podemos ver o quão a formação enquanto processo de pensar e avaliar os nossos trabalhos se faz importante no contexto escolar, pois nos faz repensar nossas práticas, embasadas teoricamente em materiais e autores que nos dão o suporte para poder discutir e até mesmo, sugerir e instituir mudanças. Para mostrar como inserimos a leitura nas nossas salas de aula, passo a falar de dois trabalhos distintos que realizamos usando os livros de literatura que chegam às unidades escolares e que, por vezes, não são utilizados da melhor maneira possível. Quando estudamos a unidade II do Caderno 5, “As crianças e as práticas de leitura e de escrita”, fizemos uma relação dos livros e analisamos a qualidades deles referente aos seguintes aspectos: as ilustrações, como elas auxiliavam ou não na leitura os tipos de letras e os gêneros textuais presente nas obras. Depois, em duplas, as cursistas escolheram um livro para trabalhar em sala de aula com uma sequência de atividades didáticas que levassem em consi-

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deração os eixos norteadores da EI, interação e brincadeiras. As propostas foram muito boas, com atividades criativas e principalmente com sugestões de ouvir os alunos para a continuidade do trabalho. Em um segundo momento, para entender o que elas estavam pensando sobre a escrita, realizamos a atividade do livro que propõe a reescrita dos alunos, elas contaram uma história para os alunos e na sequência eles reescreveram a história. Não dei muitas explicações sobre a tarefa, apenas enfatizei que elas deveriam ler e contar a história por mais de uma vez, fazer uma roda de conversa com os alunos e, depois que eles soubessem recontá-la oralmente, fariam a reescrita da história segue modelo de atividades realizadas. A seguir, apresento duas atividades de reescrita desenvolvidas, uma, a partir da leitura/contação do conto “Chapeuzinho Vermelho”, a outra, do livro “Feito Bicho”, de Gabriela Brioschi: Figura 3 – Reescrita do conto “Chapeuzinho Vermelho” e do livro “Feito bicho”

Fonte: acervo da autora.

Foi muito gostoso ouvi-las narrar a respeito desse processo, como os alunos ficaram encantados com a história e queriam escrever sobre ela, foi uma escrita espontânea, porque os alunos queriam e não porque a professora os obrigou a copiar palavras previamente escritas. O desenvolvimento desse trabalho veio ao encontro do que estabelece e orienta o material estudado. Leitura e escrita são processos complementares, porém distintos, pois exigem diferentes habilidades. É possível saber ler e não saber escrever. Ser um leitor competente não significa, necessariamente, ser um bom produtor de textos. Mas quem

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escreve deve ser capaz de ler o que escreveu, caso contrário, teria feito uma cópia ou um traçado de letras, e não uma produção de autoria (CORSINO et al., 2016a, p. 21).

Sendo assim, a leitura e a escrita precisam acontecer na escola, e cada uma tem espaço privilegiado nos planejamentos, que devem ser feitos com muita responsabilidade. Foi pensando na importância da leitura, conforme o que já estudamos, sobre os tipos e possibilidades de leituras a serem realizadas na unidades, que colocamos em prática a leitura deleite nas unidades de educação infantil, pois fiz um levantamento e percebi que eram poucas as professoras que realizavam essa modalidade de leitura; algumas liam livros ou contavam histórias quando sobrava tempo. Diante dessa constatação, propus como tarefa que, durante 15 dias, elas teriam que contar histórias e organizar uma pasta ou caixa, enfim, um suporte para acomodar os livros para a leitura deleite em sala de aula. Como resultado, houve momentos de contação lindos, embora muitas tenham relatado dificuldades para inserir esse momento na prática, porque os alunos não estavam acostumados. Todavia, com o passar dos dias, eles já ficavam ansiosos para saber qual livro seria lido. Algumas professoras fizeram rodas de leitura e permitiram que os alunos escolhessem que livros queriam ler eles mesmo. Encerro a formação com gosto de nostalgia, porque realmente vimos o crescimento do grupo, seja na hora das leituras e estudos dos textos na formação, seja no empenho demonstrado na ocasião de colocar em prática as aprendizagens, sempre recorrendo aos conhecimentos teóricos para subsidiar a prática.

Referências

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Crianças como leitoras e autoras. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016a. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 6/Caderno 5). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Linguagem oral e linguagem escrita na educação infantil. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016b. (Caderno 3) BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Ser docente na Educação Infantil: Entre o Ensinar e o Aprender. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016c. (Caderno 1) CHIARE, Lidiane Gonzaga; RAUSCH, Rita Buzzi. Formação Continuada na Educação Infantil: uma experiência em construção. Anais da IX Anped Sul. Caxias do Sul: Universidade Federal de Caxias do Sul (UCS), 2012. 81


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CORSINO, Patrícia et al. Leitura e escrita na Educação Infantil: concepções e implicações pedagógicas. In: BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Crianças como leitoras e autoras. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016, p. 13-57. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 6/Caderno 5). FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. KRAMER, Sonia. Profissionais de Educação Infantil: gestão e formação. São Paulo: Ática, 2005.

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A Educação Infantil experienciada e vivida nas propostas do PNAIC Claudia Aparecida do Nascimento e Silva Formadora Local de Rondonópolis/MT

Introdução O trabalho desenvolvido nesta edição do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) em que houve a inclusão da Educação Infantil certamente deixa marcas em todos os professores e professoras participantes (cursistas, formadores locais e/ou regionais), não somente pela consistência das informações trazidas, mas também pela riqueza do conteúdo e pela pertinência das sugestões apresentadas reiteradamente ao final da cada unidade, ora pelos textos e livros sugeridos, ora pelos documentários compartilhados que asseguraram [...] muitas oportunidades de dialogar com livros de literatura, textos informativos, filmes, desenhos animados, jogos, imagens, sites, blogs, etc., o que esperamos que contribua para a ampliação da formação cultural tão necessária à docência. (BRASIL, 2016, p. 14)

O projeto “Leitura e Escrita na Educação Infantil”, que se materializou no âmbito de todo o país na forma de PNAIC, veio ao encontro dos anseios dos docentes que atuam nesta etapa da educação básica, pois contempla uma lacuna antiga que tem perturbado os profissionais compromissados com o desenvolvimento integral das crianças em instituições de Educação Infantil. Diante desse panorama, é preciso construir referenciais teóricos e práticos consistentes para discutir sobre o que significa ler e escrever na Educação Infantil e assegurar as conquistas teóricas e legais do campo. Princípios tais que o brincar como cultura da infância e modo próprio de as crianças pequenas aprenderem, bem como da escrita como prática social à qual as crianças têm direito e pela qual se interessam desde cedo, precisam ser assegurados ao se pensar sobre as práticas de leitura e escrita na Educação Infantil. (ARAÚJO, 2017, p. 346)


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Parar para refletir e pensar a prática pedagógica nessa etapa importante da escolarização é uma oportunidade para os profissionais docentes que atuam na primeira infância, desempenhando um papel fundamental no processo de desenvolvimento da criança em seus primeiros anos de vida e na constituição de sua subjetividade, exercendo o compromisso ético e político de contribuir de forma intencional e planejada para um bom relacionamento das crianças com a cultura escrita desde a mais tenra idade, respeitando, de forma particular, os eixos norteadores de todo o trabalho desenvolvido na Educação Infantil, que são as interações e a brincadeira preceituadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI). Frente ao exposto, apresento esse relato de experiência que foi sendo construído ao longo das formações e constitui um panorama do trabalho realizado no âmbito do PNAIC para os professores da Pré-Escola (Educação Infantil).

Seminários de formação – múltiplas experiências Os Seminários de Formação realizados com os Formadores Regionais foram fundamentais para o desenvolvimento de todo o trabalho com os professores cursistas que atuam diretamente com as crianças. Um aspecto positivo percebido neste movimento é a riqueza das trocas de experiências entre os professores Formadores Locais. Um grupo constituído por diferentes profissionais, com diversos níveis de formação e com experiências distintas. Tais diferenças enriqueceram e ampliaram o repertório teórico-prático da turma. E por falar na turma, era àquela em que eu participei como cursista era constituída por profissionais docentes de, no mínimo, vinte e dois municípios do estado de Mato Grosso, dentre eles: Primavera do Leste, Alto Taquari, Várzea Grande, Juína, Araguaiana, Tapiacás, Canarana do Norte, Porto Alegre do Norte, Denise, Santa Cruz do Xingu, Tangará da Serra, Nova Xavantina, Campos de Júlio, Sapezal, Conquista d’Oeste, Sinop, Acorizal, Pontes e Lacerda, São José do Rio Claro, Rosário Oeste e Rondonópolis, além da capital do estado, Cuiabá. Considerando a dimensão territorial do estado, a riqueza cultural e até mesmo o desenvolvimento educacional, pode-se inferir que as trocas foram de fato fundamentais para a constituição da identidade do grupo. Nesta perspectiva, as múltiplas interações evidenciaram uma identidade educacional em construção. Assim como no Brasil, a Educação Infantil no estado de Mato Grosso pode ser considerada ainda jovem, inclusive do ponto de vista legal. São muitos os desafios a serem superados. Dificuldades 84


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no cumprimento da legislação, questões relacionadas à formação docente, demandas estruturais, dentre outros. Entretanto, em meio a todos os desafios, professores e crianças têm conhecimentos e experiências que precisam ser consideradas. Assim, os textos apresentados em cada um dos cadernos, buscam estabelecer o diálogo com os sujeitos envolvidos, mobilizando conhecimentos prévios e contribuindo para a potencialização das práticas existentes, avançando conceitualmente e influenciando a constituição de cada profissional docente. Os relatos de experiências pronunciados pelos professores Formadores Locais se constituíram em ricas oportunidades para a ampliação de conhecimentos práticos, permitindo o estabelecimento da confiança entre os pares. É importante registrar também as limitações financeiras pelas quais a maioria dos cursistas passou pela falta de apoio nos seus respectivos municípios. Em meio a aprendizados e trocas, a limitação financeira aparece como um empecilho estrutural que precisa ser analisado com atenção. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é um compromisso formal assumido pelos governos federal, do Distrito Federal, dos estados e municípios e, portanto, A partir da confirmação da adesão, o município reafirma seu comprometimento e sua responsabilização com a alfabetização, o letramento e a aprendizagem de todas as crianças de sua rede escolar na idade adequada. Para isso, assume a responsabilidade por implementar os cursos de formação continuada na rede municipal de ensino. (BRASIL, 2018, p. 1)

Garantir a participação dos professores, coordenadores pedagógicos e articuladores nas atividades de formação, e custear o deslocamento e a hospedagem desses profissionais, sempre que necessário é tarefa dos municípios e se mostra como indispensável à participação efetiva desses profissionais. Se uma das partes não cumprir o que lhe cabe, toda a estrutura do PNAIC fica comprometida e os resultados não serão verificados, efetivamente, nas escolas e unidades que atendem a essas crianças.

Os cadernos do PNAIC – Educação Infantil A formação continuada no âmbito do PNAIC leva em conta o respeito ao protagonismo do professor para que tenha plenas condições de refletir criticamente e aperfeiçoar sua prática. Assim sendo, o Projeto Leitura e Escrita na Educação Infantil apresentou como objetivo geral: 85


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A formação de professoras de Educação Infantil para que possam desenvolver, com qualidade, o trabalho com a linguagem oral e escrita, em creches e pré-escolas. A complexidade dessa tarefa levou-nos a estruturar o curso em oito cadernos, destacando, em cada um deles, determinado tema, sempre tratado em suas inter-relações com os dos demais cadernos. Os cadernos são compostos por três textos, escritos por diferentes autores, o que permite ampliar o diálogo sobre teorias e práticas que informam e dão concretude ao trabalho docente. (BRASIL, 2016, p. 29)

O material apresentado e recomendado pelo o PNAIC traz para o cerne das discussões conteúdos pertinentes ao debate atual, a saber: teorias, conceitos, resultados de pesquisas. Elementos que precisam ser conhecidos e explorados, podendo apresentar reflexos positivos nas práticas desenvolvidas nos espaços escolares. Os volumes apresentados pelo PNAIC/Educação Infantil foram organizados na forma de livros denominados Cadernos, afora o Caderno 0, que apresenta detalhadamente todo o Projeto, foram disponibilizados mais oito cadernos, sendo: Caderno 1 – “Ser docente na educação infantil: entre o ensinar e o aprender”, o qual suscita a reflexão sobre as especificidades do fazer docente na Educação Infantil, considerando as relações entre docência, linguagem e cultura na primeira infância (em especial a cultura escrita); Caderno 2 – “Ser criança na Educação Infantil: infância e linguagem”, em que a atenção é dirigida à linguagem da criança, propondo a discussão sobre as concepções de infância, de linguagem e de cultura e suas repercussões na prática pedagógica; Caderno 3 – “Linguagem oral e linguagem escrita na Educação Infantil: práticas e interações” apresenta a cultura escrita, as relações linguísticas, sociais e culturais entre oralidade e escrita, ajudando-nos a refletir sobre diferentes possibilidades nos espaços da Educação Infantil; Caderno 4 – “Bebês como leitores e autores” expõe as especificidades do trabalho com os bebês, e como os vínculos precoces com o adulto são fundamentais nesse processo, explicitando a importância das primeiras aproximações dos bebês aos livros, na construção da subjetividade; Caderno 5 – “Crianças como leitoras e autoras” o tema leitura e escrita com crianças de três a cinco anos de idade é discutido sob diferentes concepções teóricas, evidenciando processos e contextos que favorecem o desenvol86


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vimento da linguagem escrita, acolhendo os livros infantis e tudo o que eles propiciam: experiências estéticas, imaginação, e conhecimento; Caderno 6 – “Currículo e linguagem na Educação Infantil” propicia a análise das relações entre pressupostos teóricos, práticas pedagógicas, planejamento, organização do cotidiano e avaliação na Educação Infantil, evidenciando o lugar da oralidade, da cultura escrita e das práticas da leitura; Caderno 7 – “Livros infantis: acervos, espaços e mediações” são apresentadas as políticas públicas do livro e da leitura, em especial o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), e os processos de seleção dos títulos destinados à Educação Infantil. São elucidadas formas de organização e de utilização de diferentes espaços dentro das instituições, visando explorar adequadamente a potencialidade dos atos de leitura. Caderno 8 – “Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola” discute práticas sociais de leitura e escrita conduzidas em famílias refletindo sobre as potencialidades da articulação entre essas práticas e as desenvolvidas no contexto escolar.

Quefazeres com professores cursistas O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) – Educação Infantil, ganha vida na escola, quando é de fato transformado em prática pedagógica junto às crianças. Entre essas crianças e o currículo está a mediação docente. Os encontros com os professores cursistas são permeados de vida, histórias e fatos autênticos experienciados no dia a dia das crianças nas instituições. São momentos recheados de significados, lembranças e depoimentos vividos nos espaços educacionais. Assim, compreendendo a educação infantil como espaço único e que deve garantir as especificidades do trabalho com crianças, tendo como ponto de partida e ponto de chegada as interações e as brincadeiras em qualquer contexto, é que reforçamos a importância dessa partilha de vivências e experiências na docência nesse grupo. Nesse sentido, no decorrer do curso foi propiciado ao professor/à professora da educação infantil autonomia para o uso competente das estratégias e dos recursos didáticos que lhe permitiriam trabalhar as questões relacionadas à leitura e escrita com as crianças, de forma competente e segura, compreendendo que:

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Se a linguagem escrita diz respeito às crianças e lhes interessa, se elas aspiram aos conhecimentos que dizem respeito a sua cultura, a questão é, então, refletir sobre como apresentar a linguagem escrita respeitando a cultura da infância, os modos próprios de as crianças aprenderem, propondo situações nas quais ler e escrever tenha sentido para elas, de forma sistemática, planejada e intencional. (ARAUJO, 2017, p. 349)

Os professores e professoras que tivemos a oportunidade de conhecer por ocasião do curso em âmbito municipal demonstraram familiaridade com os temas abordados, de forma particular com o tema trabalhado no segundo caderno, no qual a atenção é dirigida à linguagem da criança. Conversar sobre linguagem e cultura é falar das coisas com que nós, professores, lidamos no dia a dia da Educação Infantil. Afinal, desde a creche, a criança, no processo de descoberta do mundo, constrói e é construída pela linguagem, seja nos gestos, no olhar, nos sons, na fala, nas diferentes entonações, nos ditos e não ditos, nos lugares de que mais ou menos gosta, nas brincadeiras, nas histórias que inventa, nos pares com que se identifica, nas relações que estabelece, nas preferências que manifesta. (BRASIL, 2016, Caderno 2, p. 9).

Neste sentido, destaca-se também o sexto caderno, que discute em linhas gerais, o currículo, a organização do cotidiano e avaliação na educação infantil: O currículo compreende assim não apenas aqueles momentos ou situações formais de ensino, mas coloca professores, gestores e demais profissionais da escola a planejar situações de aprendizagem para além do momento da “atividade dirigida”: o modo como o alimento é servido no refeitório, as possibilidades de brincadeiras e interações do pátio, a relação com a cultura da comunidade, a seleção dos jogos a serem comprados, os livros disponibilizados na biblioteca, etc. todos são movimentos que instigam as crianças e transmitem conhecimentos, portanto fazem parte de um currículo. (BRASIL, 2016, Caderno 6, p. 23-24)

Nessa perspectiva, faz-se importante destacar que a turma com a qual atuamos, em termos de conhecimento teórico, experiência e formação, não havia grandes divergências entre os cursistas, pois o trabalho com a Educação Infantil, no município de Rondonópolis, tem se despontado em todas as 88


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esferas pelo seu olhar para o currículo da forma como sublinharam Maria Carmen Silveira Barbosa Zilma Ramos de Oliveira, no Caderno 6 (Idem). Apesar disso, o curso trouxe novas perspectivas, novas experiências e possibilidades, ampliando a bagagem teórica, prática e cultural de cada um de forma individual e também coletiva.

Considerações finais O projeto “Leitura e Escrita na Educação Infantil” proposto na edição do PNAIC de 2017 nos permitiu trazer elementos para pensar a prática pedagógica desenvolvida no interior das escolas infantis e, sobretudo, chamar a atenção para a importância de se trabalhar todas as linguagens nesta primeira etapa da educação básica, inclusive a linguagem oral e escrita, que por motivos diversos tem sido negligenciada em determinadas instituições de educação infantil. Cabe aos professores e professoras que atuam nesta primeira etapa da educação básica dar o devido lugar a essa forma de linguagem, tão presente, nesta sociedade grafocêntrica em que vivemos, fazendo com que seja significativa para as crianças, tendo em vista seus modos singulares de elaborar saberes. Diante do exposto, é possível afirmar que o brincar pode e deve ser tomado como eixo do trabalho com a linguagem escrita na instituição de Educação infantil, por meio de estratégias de aprendizagens que respeitem as características da infância. Há que se ressaltar que não é na Educação Infantil que a criança inicia sua alfabetização. Esse processo começa fora das instituições escolares e, muitas vezes, antecede a entrada da criança nessas. Também não é nessa etapa educativa que a alfabetização se completará. Neste complexo cenário é importante lembrar que a Educação Infantil é, por excelência, o território do brincar na vida dos seres humanos e, também nessa direção caminhou o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) – Educação Infantil, pois pôs em relevo o valor da literatura como arte da palavra, para a ampliação das experiências humanas, para a formação do professor e para o trabalho docente nessa etapa tão importante da criança. Várias experiências bem-sucedidas são apresentadas, explicitando-se concepções teóricas e reflexões sobre as práticas docentes que as fundamentam, dando sentido às experiências permitidas no decorrer do curso. Como uma última apreciação PNAIC – Educação Infantil, qualifico este curso como altamente formativo e preparativo para as situações e contextos de encontros com as crianças da primeira infância, especialmente na Rede municipal de educação de Rondonópolis onde me vínculo. 89


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Referências ARAUJO, Liane Castro de. Ler, escrever e brincar na educação infantil: uma dicotomia mal colocada. In: Revista Contemporânea de Educação, vol. 12, n. 24, 2017, p. 344-36. BAPTISTA, Mônica Correia. A linguagem escrita e o direito à educação na primeira infância. Perspectivas Atuais, Belo Horizonte, 2010. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Bebês como leitores e autores. 1. ed. Brasília: MEC / SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 5/Caderno 4). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Caderno de apresentação. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 1/Caderno 0). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Crianças como leitoras e autoras. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 6/Caderno 5). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Currículo e linguagem na educação infantil / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. 128 p. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 7/Caderno 6). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 9/Caderno 8). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Linguagem oral e linguagem escrita na Educação Infantil. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 4/Caderno 3). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Livros Infantis: acervos, espaços e mediações / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 8/Caderno 7). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Ser criança na educação infantil: infância e linguagem / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. 112 (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 3/Caderno 2). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Ser docente na Educação Infantil: entre o ensinar e o aprender. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 2/Caderno 1). RANKE, Maria da Conceição de Jesus; MAGALHÃES, Hilda Gomes Dutra. Breves considerações sobre fruição literária na escola. Entreletras: Revista do Curso de Mestrado em Ensino de Língua e Literatura da UFT/nº3/Set. Tocantins, 2011, p 47-61.

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PNAIC: desafios e possibilidades na perspectiva de uma nova prática pedagógica Eliane Conceição Gomes de Alvarenga Formadora Local de Curvelândia-MT

“Por trás da mão que pega um lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa.” (Emilia Ferreiro).

A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Universitário de Rondonópolis (CUR), vem trabalhando para garantir o cumprimento do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), compromisso assumido entre Governo Federal, Estados Municípios e Distrito Federal no âmbito da administração, planejamento e execução da formação de professores nos municípios do estado de Mato Grosso, para atingir o objetivo proposto pelo Ministério da Educação (MEC), que é compreender a leitura e a escrita na Educação Infantil (EI), iniciativa esta que reuniu professores das Universidades Federais de Minas Gerais, Rio de Janeiro e demais profissionais que compõem a Coordenação Geral de Educação Infantil, pertencentes à Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC. Nesse sentido, tomaram consciência da importância da professora de EI, que desempenha papel fundamental no processo de desenvolvimento da criança em seus primeiros anos de vida. Sabemos que a formação continuada é a ação fundamental do PNAIC, sustentada por meio de materiais didáticos e livros, que ajudam a compreender os temas abordados durante o estudo. Para compreender melhor a complexidade dos aspectos emergentes no cotidiano das instituições de EI, o PNAIC propõe a formação com base na reflexão coletiva, entre pares nos municípios e subsidiada administrativa e pedagogicamente pelas Instituições de Ensino Superior. A formação de 2017 foi muito produtiva, tendo em vista que os Formadores Regionais são excelentes, possuem conhecimento sobre os assuntos abordados e dominam sua execução. Participar do PNAIC Educação Infantil foi uma oportunidade de refletir sobre a minha prática pedagógica bem como fazer uma análise em relação aos meus saberes, isso me ajudou a mudar o


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meu modo de desenvolver meu trabalho com meus alunos, possibilitando enxergar novas estratégias didático-pedagógicas para melhor desempenhar meu papel perante a comunidade escolar. A participação nos Seminários de Formação dos Formadores Locais representou um espaço de reflexão sobre a responsabilidade que nós, educadores da infância, temos no que tange à promoção de uma educação de qualidade. Os conteúdos abordados em cada seminário foram muito pertinentes ao aprofundamento de meus conhecimentos teóricos. As estratégias indicadas para trabalhar as atividades e a valorização da leitura e do trabalho interdisciplinar são os pontos positivos, bem como os relatos de experiências, as trocas de saberes, que possibilitaram uma bela reflexão sobre a teoria e a prática no contexto escolar. Em relação ao tempo dedicado para as formações, considero que foi muito reduzido, além do fato de ter começado no final do ano, uma vez que, naquele período, os municípios estavam em estado de contenção de gastos e, muitas vezes não possibilitaram ao formador participar das formações realizadas pela equipe do PNAIC. Acredito que as maiores dificuldades encontradas no decorrer das formações foi o excesso de atividades nas escolas, sobrecarregando os cursistas, que muitas vezes se sentiram desmotivados com a formação, considerando, também, o tempo foi muito curto para que as mesmas desenvolvessem algumas atividades sugeridas pelo Programa para serem executados em sala de aula. O curso “Leitura e escrita na Educação Infantil” tem como objetivo a formação de professoras da EI para que possam desenvolver, com qualidade, o trabalho com linguagem oral e escrita no cotidiano das creches e pré-escolas. Sabemos que o intuito do MEC era oferecer um curso que garantisse uma formação de qualidade, em que a teoria e prática, fossem permeadas por experiências inovadoras de educadores que fizeram e fazem a diferença na educação. Uma educação que vise assegurar os direitos de aprendizagem das crianças, ou seja, agora os educandos estão aprendendo de forma mais sistemática e articulada, uma vez que a formação dos professores tem priorizado a qualidade ao ensinar a criança de educação infantil, notadamente na apropriação da linguagem oral e escrita. Desse modo, os cadernos de estudo foram elaborados utilizando uma linguagem acessível, de fácil compreensão e de maneira reflexiva, contemplando as teorias sobre leitura e escrita na EI, sendo trabalhados a partir dos eixos interações e brincadeiras, elencados para esta etapa da Educação

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Básica. Trataram das concepções de infância, de linguagem e de cultura e suas repercussões na prática pedagógica, bem como reconhecer a qualidade das interações das crianças entre si e com os adultos, nas quais afeto e conhecimento se entrecruzam como elemento fundamental para o desenvolvimento da linguagem. Nesse contexto as crianças são vistas como produtoras e consumidoras de cultura no mundo contemporâneo, por isso, é muito importante refletir sobre os usos da produção cultural (literatura, música, dança, teatro, cinema, televisão, brinquedos etc.) e como as diferentes mídias podem contribuir para que nosso trabalho torne as experiências infantis nas creches e pré-escolas mais significativas. As contribuições de Bakhtin e Vygotsky sobre os usos da linguagem no cotidiano das relações sociais entre adultos e crianças, conforme Jobim e Souza (2016), nos remetem para uma compreensão crítica do papel das trocas verbais na constituição de valores sociais e da subjetividade da criança. Para Vygotsky (apud JOBIM E SOUZA, 2016, p. 29), tudo aquilo que pronunciamos “na vida cotidiana possuem algum tipo de subtexto, isto é, um pensamento oculto por trás delas”. Com base na teoria de Vygotsky, podemos compreender que o papel da instituição de EI é de criar condições culturais de ampliação e aprofundamento da inserção das crianças no mundo da cultura escrita. Sendo a escrita uma convenção, seu aprendizado não ocorrerá sem intervenção de atividades de ensino. O brincar também desempenha papel importante no processo de aprendizagem da escrita e, muitas vezes, isso não é percebido por aqueles que trabalham com as crianças de EI. É preciso pensar que Tudo o que me diz respeito, a começar por meu nome, e que penetra em minha consciência, vem-me do mundo exterior, da boca dos outros (da mãe etc.), e me é dado com a entonação, com o tom emotivo dos valores deles. Tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a formatação original da representação que terei de mim mesmo (BAKHTIN, 2003, p. 373 apud JOBIM E SOUZA, 2016, p. 30-31).

Escutar a criança nos permite olhar e pensar, de forma crítica, sob o ângulo dela, o mal-estar da nossa cultura. Ainda para Brasil (2016, p. 18), a “infância, entendida com base na abordagem teórica aqui adotada, não é algo que possa ser compreendido antes da linguagem ou fora dela, pois é na 93


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linguagem e pela linguagem que a criança se constitui para si, para o outro e para o mundo da cultura”. Ao compreendermos a infância em articulação com a linguagem, entendemos que esta não é apenas uma etapa cronológica, a ser vencida e estudada, e que a criança é um ser que participa da criação da cultura, ao usar criativamente a linguagem na interação com seus pares, adultos e crianças, com as coisas e objetos que a rodeiam. Entre todos os grandes desafios para a Educação Infantil, nenhum foi mais estratégico e decisivo do que garantir o pleno desenvolvimento da criança no processo de ensino aprendizagem da apropriação da leitura e da escrita. Um dos recursos para superar este desafio é, justamente, o investimento na formação de seus professores. O começo da formação do PNAIC representou um grande impacto no interior da escola e de toda a rede de ensino, uma vez que estávamos iniciando uma nova formação com grande expectativa e anseio por parte de todos os envolvidos. Percebemos, com as atividades desenvolvidas no PNAIC, a importância de planejar em equipe. As atividades sugeridas nos cadernos e as literaturas disponibilizadas pelo MEC fizeram com que as leituras deleite fossem realizadas sempre nas salas de aula, proporcionando, assim, o interesse pela leitura e a capacidade de ouvir histórias, tanto por parte dos alunos como dos professores. Nesse contexto, a linguagem se mostra importante para o desenvolvimento da criança, porque, para ela, a aprendizagem da linguagem possibilita sua inserção no convívio familiar e no contexto social, pois é por meio da linguagem que ela se comunica, expressa sentimentos, emoções, estabelece diálogos, interpreta o mundo e representa a realidade. No processo de aquisição da leitura e escrita da criança de educação infantil, temos que considerar que as estruturas mentais da criança não amadurecem de uma vez, por isso que as fases do desenvolvimento da criança são necessárias para organizar o pensamento e adquirir conhecimentos. Portanto, é no processo de aquisição da leitura e escrita que a criança cria hipóteses e constrói seu conhecimento. Nessa perspectiva, é imprescindível que ao ser inserida na instituição de educação infantil a criança encontre todos os meios necessários para a aquisição da linguagem, como a dança, a música, teatro, brincadeiras etc., visando estimular o processo de aquisição do conhecimento. Desse modo, pensar na escrita articulada com a infância não é uma tarefa fácil, porque, para algumas crianças, aprender a escrever é a saída da infância, já para outras, a

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escrita ocupa lugar especial na infância, constituindo uma possibilidade de exercício de autoria. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) propôs um novo olhar sobre a educação Infantil, pressupondo um novo tempo, em que os alunos da Educação Infantil passam a ser vistos como protagonistas do processo de ensino aprendizagem, vislumbrando possibilidades de práticas educativas inovadoras que podem transformar a sala de aula. Sabemos que em cada fase do desenvolvimento a criança vai construindo sua autonomia, e cada etapa percorrida abre inúmeras possibilidades de expressão e atuação. Por isso, é muito importante que a instituição de EI esteja organizada no sentido de favorecer o desenvolvimento dessa autonomia no cotidiano educacional. Para tanto, é necessário que o ambiente e os materiais estejam disponíveis às crianças, para que elas possam fazer escolhas, desenvolvendo atividades individualmente ou em grupos. As professoras devem atuar de maneira a incentivar essa autonomia, respeitando a subjetividade da criança, sem deixar de estar atentas para a interação, apoiando as crianças em todo o processo. Faz-se necessário, então, levar em consideração que o seu planejamento deve contemplar atividades variadas, que explorem o espaço disponível e utilizem os materiais pedagógicos oferecidos pela instituição, criando possibilidades de aprendizagens. Em nosso município, os professores alfabetizadores definem o PNAIC como fonte de informações concretas, uma formação que promove ações voltadas para uma prática pedagógica com oportunidades de inovação. As mudanças observadas durante e execução do Programa em Sorriso, dizem respeito, principalmente, à preocupação das professoras em relação à aprendizagem das crianças, visando resultados no ensino. Para finalizar, posso afirmar que o PNAIC proporcionou mudanças na organização do trabalho pedagógico, fortalecendo um planejamento pensado em equipe, de maneira organizada e integrada, onde a mobilização dos saberes e a clareza de incluir o aluno no processo de ensino aprendizagem assegura o direito de aprender de todos.

Referências JOBIM E SOUZA, Solange. Infância e linguagem, In: BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Ser criança na educação infantil: infância e linguagem / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC / SEB, 2016. p. 13-43 (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 3/Caderno 2).

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Interações, brincadeiras, leitura oral e leitura escrita: considerações enquanto Formadora Local para professores da Educação iInfantil Evakeila Pereira Santana de Sousa Formadora Local de Nova Xavantina/MT

O presente texto tem por objetivo trazer um breve relato de experiência como Formadora Local do Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa – PNAIC – da Educação Infantil, no município de Nova Xavantina, Mato Grosso. Esse curso de formação continuada teve seu início no mês de outubro de 2017 e finalizou no mês de maio de 2018, tendo a equipe da UFMT de Rondonópolis à frente das formações dos Formadores Locais, de modo a contribuir no desenvolvimento de um trabalho direcionado às questões da linguagem oral e escrita nas turmas de Educação Infantil do município. Esse texto, portanto, se dedica a relatar as trocas de experiências, reflexões e informações importantes sobre a prática pedagógica dos docentes que atuam nas salas de intervenção de crianças de 0 a 5 anos de idade. Foram realizados mais de 15 encontros de estudo com os livros, no seu formato digital, disponibilizados pelo PNAIC. Os encontros de formação contaram com a participação de 17 professores da rede municipal escritos no programa e mais 8 professores ouvintes, tendo, ainda, o auxílio e a presença da coordenadora local em todos os encontros. Assim, dentre as estratégias pedagógicas utilizadas nesses encontros de formação, destacaram-se: momentos de leituras deleite, ritmo/música, leituras de estudo dos textos referentes aos cadernos de cada seminário, dinâmicas de estudo, avaliação da prática pedagógica, estudo dirigido, atividades realizadas nas salas de intervenção da Educação Infantil e socializadas na formação, com trocas de experiências. Todos os encontros de formação proporcionaram aos educadores não somente um novo olhar, mas sim uma reflexão sobre a especificidade da docência na educação infantil, visão de criança e a interação com seu meio e o reconhecimento de que as crianças são sujeitos criativos, ativos e estão sempre em movimento, sendo capazes de interagir com os outros a sua volta e com direito à educação desde pequenos. Nesse sentido, cada formação


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aplicada no município foi planejada para que se desenvolvesse um trabalho que viesse a proporcionar reflexão do ser docente da creche e na pré-escola, como bem destacou uma professora do Jardim II – cursista do PNAIC: “O Pacto me ajudou a observar essas mudanças e agir de forma correta na sala de aula como: modo de contar história, planejamento, trabalhar música, leitura e dinamismo”. Todos os temas estudados no caderno tiveram total relevância para a formação desses professores. Faz-se necessário sublinhar que essa etapa da educação básica é a única na qual se permite respeitar o tempo de ser criança e de chamá-la a para brincar; a estrutura da Pré-escola se sustenta na proposta pedagógica da educação infantil, a qual entende que as interações e brincadeiras são essenciais e o foco, portanto, não recai na alfabetização. Esse momento visa familiarizar nossas crianças a práticas sociais de leitura e escrita, mostrando sua função social e apresentando certas peculiaridades que promovam a inserção desse grupo às múltiplas facetas da linguagem: Em primeiro lugar, é preciso sempre lembrar que a escrita é apenas uma das linguagens com as quais a criança se relaciona, na maior parte dos lugares da sociedade contemporânea, desde que nasce. Ao lado dela, encontram-se, entre tantas outras, a oralidade, a música, a dança, as artes visuais, as linguagens corporal, audiovisual, digital, matemática, entre outras (GALVÃO, 2010).

Com o foco no eixo que propõe o trabalho na Pré-Escola, os espaços de intervenção da Educação Infantil que acompanhei realizaram um belíssimo trabalho, focando na ludicidade de modo que as crianças de 0 a 5 anos pudessem vivenciar momentos de leitura e contato com os livros. Figura 1 – Espaços lúdicos preparos pela creche e pela escola atendidas pela FL:

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Fonte: acervo da autora.

Nesta jornada, o PNAIC proporcionou aos professores o desenvolvimento de novas ideias, ajudando-os na construção de uma postura crítico-reflexiva e criativa no momento do planejamento, visando sempre a criança nas experiências vividas nos espaços de intervenção. O curso era almejado e desejado pelos professores da educação infantil, pois no nosso município nunca houve uma formação específica para essas turmas; esse sonho concretizado, porém, não diminuiu o anseio e as expectativas, ao contrário, eles foram aumentando a cada nova formação: “Gostei muito! Aprendi, me diverti, sorri e fiz novos amigos!” (Professora Jardim I). Para a pedagoga atuante no Maternal I, a formação continuada proporcionada pelo PNAIC promoveu “ótimas trocas de experiências, motivação, criatividade. Foi tudo de bom”. Figura 2 – Momentos de formação

Fonte: acervo da autora.

As principais mudanças observadas e relatadas a cada encontro de forma99


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ção foram em relação ao planejamento, criação e organização de cantinhos de leitura nos espaços da educação infantil; realização de contação de histórias, oferta da maleta viajante para a interação família e escola, estabelecimento de rotina, desenvolvimento de novas metodologias. As brincadeiras estiveram presentes nos planejamentos; o uso de materiais não estruturados fez os professores avaliarem com atenção os recursos utilizados em sala e, assim, contribuíram para o estabelecimento de um processo de ensino-aprendizagem de qualidade para as crianças. Vale ressaltar, que os estudos dos Cadernos do PNAIC direcionados à Educação Infantil atenderam a todas as etapas da criança (desde o bebê), pontuando acerca da importância da comunicação e dos signos linguísticos dessa etapa da vida, os quais vão se formando com a interação com todos aqueles que circundam essa criança. Ainda, os textos desses cadernos apontam para a importância de o educador dialogar seus pensamentos com as crianças e interagir com elas no momento em que estão brincando. Também, destaca-se, nos estudos do Caderno 2, a afirmativa de Solange Jobim e Souza, quem sublinha que: Quanto mais a criança fala e expressa suas ideias, tanto melhor as formula para si própria no interior do seu pensamento e, consequentemente, para o outro. Daí a importância de escutarmos com atenção o que as crianças dizem, bem como de estimulá-las ao uso da linguagem nas diferentes oportunidades que temos, quando estamos interagindo com elas, na escola, em casa ou na rua. (JOBIM E SOUZA in BRASIL, 2016, p. 26).

Na perspectiva do “ouvir a criança” apontada por Jobim e Souza, a discussão da temática “criança, sujeito de cultura, interação e o brincar” foi dinamizada a partir das vivências dos professores; dessa forma, para melhor compreensão deste estudo, partimos da dinâmica de desenhar e socializar no grupo memórias da infância dos cursistas, trazendo presente o lugar onde moravam e com quem brincavam. Foi emocionante esse momento compartilhado pelos professores, sensibilizando-os a compreender melhor o processo de desenvolvimento da criança que estão sob seus cuidados. Essa proposta atende às discussões propostas pelo Caderno 2, o qual propõe entender a criança como sujeito de cultura.

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Essa concepção, à qual nos associamos, entende a cultura como produção humana socializada por meio da qual construímos nosso pertencimento a uma sociedade, a uma época, a um modo de perceber o mundo e às linguagens que construímos para percebê-lo e transformá-lo cotidianamente. A cultura é ao mesmo tempo o mundo que se apresenta para nós e a forma como esse mundo nos diz quem somos nós. (PEREIRA in BRASIL, 2016, p.49)

Nós nos construímos por essas relações que estabelecemos com a nossa cultura e com a cultura do outro. E assim também são as nossas crianças, por isso, precisamos nos refazer assim como a estação do outono que deixa para trás as folhas secas e permite o nascimento de novas folhas e galhos. Nós, professores, encontramos nesses momentos de formação do PNAIC espaço para o refazer, para deixar para trás o que antes era visto como Educação Infantil preparatória e obrigatória e fazer um movimento de inserção das crianças em um contexto de estímulo à oralidade e à construção da escrita. O PNAIC nos proporcionou, com os estudos dos Cadernos, uma ampla reflexão para a chegada da estação da primavera, com folhas renovadas, novas cores e flores, com novos olhares, buscando visualizar, no planejamento da sala de aula, metodologias que priorizem a interação, a brincadeira e o conhecimento numa relação em que essas questões se entrecruzam como condição para o pleno desenvolvimento das nossas crianças. Os seminários de formação com os Formadores Regionais foram de fundamental importância para a concretude da formação diretamente no município; as trocas de experiências com as colegas Formadoras Locais advindas de outros municípios enriqueceram nosso trabalho. Percebemos que nossas angústias são comuns e que nossas expectativas e alegrias se aproximam, por isso, sentiremos saudades desses momentos em que formamos laços de amizade. Contabilizados 5 anos de participação no PNAIC, antes na condição de Orientadora de Estudo (OE) e, agora, como Formadora Local, aprendi muito com meus pares. As formações são a base para meus estudos e para a realização dos meus sonhos de mudança na educação das crianças. Eu fiz parte desta história do PNAIC; enfrentei vários desafios de mudar o que antes era tido como bom para sala de aula, com muita reflexão voltada para a avaliação da prática pedagógica e muito estudo dos cadernos. O chão das nossas salas hoje tem reflexos de mudanças positiva, tornando nossas

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experiências docentes mais dinâmicas, com momentos de leituras deleite, interação e partilha. Ainda precisamos de mais, principalmente o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa para a Educação Infantil! Temos muito a estudar, temos mais para compreender e conhecer sobre o processo de escrita e de aquisição da linguagem nas/das crianças de 0 a 5 anos. Formação profissional para educadores contínua e de qualidade. É isso que nós experimentamos e agora seguimos almejando: a sequência de um curso como este para que haja um compromisso dos profissionais da área da educação pública, de modo que eles tenham condições de oportunizar melhorias na qualidade do nosso ensino e garantir os direitos de aprendizagem das crianças.

Referências BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Editora 34, 2002. GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História das culturas do escrito: tendências e possibilidades de pesquisa. In: MARINHO, Marildes; CARVALHO, Gilcinei T. (Org.). Cultura escrita e letramento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. PEREIRA, Rita Marisa Ribes. Uma história cultural dos brinquedos: apontamentos sobre infância, cultura e educação. Teias, Rio de Janeiro, v. 10, n. 20, 2010. Disponível em: <http://goo.gl/aVsL82>. Acesso em: 03 de junho de 2018.

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O PNAIC na Educação Infantil: espaços para a reflexão e o (re)fazer docente Jaqueline Aparecida Falco Walderrama Formadora Local de Várzea Grande/MT

Os estudos da Formação do PNAIC para Educação Infantil aconteceram de forma prazerosa e muito bem organizada em todos os seminários. O conhecimento foi mediado a nós Formadores Locais com competência e estratégias diversificadas pela Formadora Regional, o que nos motivou a aproveitar ao máximo esses momentos de estudos nos seminários, registrando e participando de forma ativa das discussões que aconteceram, nas quais tivemos a oportunidade de acrescentar ao conhecimento prévio novos conceitos teóricos e informações relevantes e significativas para a prática pedagógica e também para mediar os estudos com as cursistas dos municípios. Alguns pontos relevantes contribuíram, em alguns momentos, para o aparecimento do cansaço em algumas aulas, como a distância e alguns locais de estudo não muito confortáveis nos primeiros seminários de formação. Mas no decorrer dos encontros, essas questões foram amenizadas e resolvidas, ocorrendo os seminários da melhor forma possível. Além disso, a riqueza dos cadernos de estudo, especialmente o material para trabalhar o PNAIC na Educação Infantil, e sua importância para a melhoria da prática pedagógica, exigiriam um tempo maior de leitura e discussão – tempo esse que, pelo próprio formato de trabalho da edição do programa em 2017, não ocorreu e limitou um estudo mais detalhado e aprofundado dos temas, tanto nos seminários com os Formadores Regionais como nos encontros de repasse às alunas cursistas. Contudo, apesar desses limitadores, os estudos dos cadernos foram dinâmicos, permitindo ótimas reflexões e discussões sobre os conceitos apresentados pelos autores nos Cadernos para auxílio do professor da Educação Infantil. Falar em professores da Educação Infantil, me leva a pensar na importância do seu papel no processo de desenvolvimento da criança; refletir sobre suas origens é pensar sobre a nossa formação docente, a necessidade das reflexões sobre as nossas próprias ações, afinal: “A reflexão permite ao profissional criticar a compreensão tácita subjacente, a avaliação e o julgamento de uma situação.”. (BRASIL, 2016-A, p.22)


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A formação profissional está ligada ao percurso de vida, sendo a formação além da aquisição de habilidades e de competências. O ser criança na Educação Infantil merece atenção significativa entre os educadores, portanto realizamos discussões sobre concepções de infância, de apropriação da linguagem oral, escrita e de cultura, pois é durante a infância que a criança constrói o seu ser adulto e vivencia experiências que lhe servirão para a vida toda. Ao escutarmos as crianças temos a oportunidade de enxergar a partir de seu ângulo, observando como se dá as interações entre seus pares e com os adultos. Solange Jobim e Souza (BRASIL, 2016) nos leva a essa reflexão no Caderno nº 02 quando trata do tema sobre “Infância e Linguagem” de forma maravilhosa, com uma linguagem fácil e bem pontuada. De modo geral, os estudos dos cadernos levantaram entre nós, formadoras locais, inúmeras discussões importantes. Uma delas foi sobre o professor e sua responsabilidade docente ao ampliar os horizontes de experiências de vida no cotidiano da Educação Infantil para a construção da pessoa-ser da criança. Cabe ao professor o papel de proporcionar situações, experiências e vivências às crianças para que possam ter a possibilidade de vivenciarem a infância com seu amadurecimento de estruturas biológicas e pertencimento social também. Estabelecer e oferecer pontes para o trânsito entre o que nós, adultos, sabemos e fazemos e o que as crianças sabem e fazem é alcançar chaves para cruzar fronteiras nos modos de interpretar e compreender nosso tempo. É apostar em uma mediação capaz de inserir valores e hábitos da cultura, mas que também autoriza e habilita a experiência da renovação. Essa “chave” é o poder criativo e inventivo da linguagem. Em outras palavras, uma mediação que considere o duplo sentido de formação cultural como pertencimento e renovação. (RICHTER in BRASIL, 2016 - B, p. 35)

O trabalho docente na Educação Infantil possui desafios, expectativas e grandes questionamentos com necessidade de, ainda, fazer profundas mudanças. Outro tema bastante relevante é a leitura literária entre as crianças e o professor. Este tema levantou inúmeras discussões pertinentes considerando as professoras como agentes fundamentais na formação de leitores. Para tanto, precisamos de professores leitores proficientes, que façam da leitura literária hábitos diários da sua vida cotidiana, ressaltando dessa for104


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ma a importância de ser leitor da literatura para o exercício da docência na Educação Infantil, para fazer com que as crianças tenham uma participação ativa em práticas de leitura. Nesse sentido, durante os encontros de formação continuada, realizamos em sala o levantamento dos livros lidos e que tipo de leituras era mais feito entre as professoras cursistas. Foi proposto realizar nas escolas projetos de rodas de leitura literária entre os professores, para o incentivo à leitura pelo simples prazer do deleite da leitura pessoal. Destaco, mais uma vez, que muitos são os desafios enfrentados nas Instituições de Educação Infantil e isso veio à tona durante os estudos realizados com as alunas cursistas pelos questionamentos: sobre o que ensinar na Educação Infantil? Como ensinar as crianças? O que as crianças podem aprender na Educação Infantil? Entre outros... Compreender as implicações para a prática pedagógica da professora da Educação Infantil é nos levar a entender a importância do seu papel e da escola na vida da criança. Muitas dúvidas surgiram em relação à aproximação das crianças à cultura escrita, não esquecendo que a Educação Infantil é uma etapa da Educação Básica e que o brincar e as interações sejam tomados como eixo de trabalho do currículo e da prática do professor. A partir da compreensão do papel da Educação Infantil o educador poderá explorar uma diversidade de manifestações e possibilidades para aproximar cada vez mais a criança da cultura escrita em espaços de Educação Infantil, propondo atividades que deem sentido social à escrita que irá se produzir, pois: “O avanço das crianças nos seus processos de aprendizagem depende muito da compreensão e do respeito por seus modos próprios de brincar e ler o mundo, pelo jeito como falam, representam, estabelecem relações e criam sentidos para o mundo.”. (GOULART e SANTOS DA MATA in BRASIL, 2016-C, p. 46). Realizamos reflexões importantes entre as professoras cursistas sobre o Currículo e a Educação Infantil, pois como não pensar em currículo quando pensamos em o que ensinar às nossas crianças. A partir dessas discussões realizamos estudos dos textos fazendo a interlocução entre a teoria e a prática em sala de aula. Ao discutirmos Currículo fizemos um levantamento prévio do conceito de currículo das cursistas e daquilo que é realizado atualmente nas escolas. Muitos são os conceitos, mas em quase todos os casos encontramos conteúdos isolados da realidade das crianças e de seus contextos escolares da Educação Infantil.

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O Currículo é entendido como um percurso que queremos realizar, sendo um processo não estável, ele está permeado de conhecimentos que se transformam com o tempo e com o momento cultural que está inserido, bem como, no contexto a ser trabalhado. Falar sobre Currículo significa falar sobre a identidade do trabalho com a Educação Infantil e, portanto, cabe ao professor o papel de observar, registrar, documentar, planejar e agir perante a responsabilidade em selecionar os conhecimentos sistematizados que serão trabalhados com as crianças e que estejam contextualizados na realidade das escolas em que se inserem. O Currículo envolve o planejamento do professor e a forma como esse professor avaliará a aprendizagem das crianças durante o processo de construção do conhecimento. Outra temática que suscitou muitas discussões foi sobre a forma como nossas crianças estão sendo avaliadas nas instituições de Educação Infantil. Que tipo de avaliação usamos atualmente? Será que já não está na hora de refletirmos em uma maneira diferente de pensar a avaliação com nossos pequenos?! Muito ainda temos que realizar para que a infância seja vivida na sua totalidade por nossas crianças, que seja possibilitado a elas o direito de ser criança, e de vivenciar e interagir com o mundo. A Educação Infantil é um período de transformação que tem o papel de complementar a ação da família e da comunidade, visando o desenvolvimento integral da criança até 05 anos, em seu aspecto físico, psicológico, intelectual e social. Através dos estudos dos cadernos do PNAIC para Educação Infantil realizados com as cursistas, percebe-se o quanto o professor necessita de formação de qualidade que venha atingir sua prática pedagógica de forma significativa, trazendo-lhes reflexões sobre seus ideais na sua profissão. Essa profissão de caráter tão importante para a formação de um ser humano. Precisamos que a Educação Infantil seja olhada e cuidada com mais esmero e com a preocupação que estamos lidando com crianças em plena formação, cabendo à família e ao professor garantir subsídios para a construção da identidade da Educação Infantil, ressaltando suas características e peculiaridades próprias dessa etapa. Necessitamos de profissionais com formação adequada para sua área de atuação e de formações contínuas como esta do PNAIC que trouxe e trará ainda muitas contribuições e reflexões para a prática do professor da Educação Infantil e a partir desse pensamento transformaremos o olhar da sociedade para a infância, que deverá ser respeitada e valorizada na sua totalidade.

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A Educação Infantil vem sendo enriquecida pelo conhecimento acumulado na área e na luta de movimentos sociais, entidades e profissionais que defendem os direitos das crianças e têm se expressado em vários instrumentos legais para orientar a prática pedagógica. Uma das maiores contribuições dessa produção é fornecer subsídios para a construção da identidade da Educação Infantil, ressaltando, ao lado das características que compartilha com outras etapas da educação básica, as suas peculiaridades. [...] (CRUZ in BRASIL, 2016-D, p. 28)

Referências BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Caderno de apresentação. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1.ed. Brasília: MEC, SEB, 2016-A. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v.1) BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Ser docente na educação infantil: entre o ensinar e o aprender. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1.ed. Brasília: MEC, SEB, 2016-B. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v.2) BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Ser criança na educação infantil: infância e linguagem. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1.ed. Brasília: MEC, SEB, 2016-C. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v.3) BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Linguagem oral e linguagem escrita na educação infantil: práticas e interações. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1.ed. Brasília: MEC, SEB, 2016-C. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v.4) BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1.ed. Brasília: MEC, SEB, 2016-D. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v.9).

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Para uma Educação Infantil de qualidade: relatos de uma docente Juliane Soares Montessi Formadora Local de Alta Floresta/MT

A Educação Infantil está passando por um momento de mudanças, inovações e reflexões no processo de ensino-aprendizagem e, nesse movimento, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) se soma e insere no programa, pela primeira vez, os docentes da Pré-Escola visando, a partir da reflexão de uma nova proposta de trabalho, contribuir com a formação dos professores que buscam renovar suas práticas pedagógicas e ampliar as possibilidades de desenvolvimento das crianças. Durante as formações realizadas em Rondonópolis e Cuiabá, foi possível levar os anseios das professoras do nosso município e refletir com as demais colegas de turma as preocupações que se repetem nas salas e nos espaços de intervenção das cidades do nosso estado, reconhecendo que partilhamos das mesmas angústias e aflições. Nessa troca de informações e experiências, aprendemos que a teoria e a prática andam juntas e, por isso, há a necessidade de se estar em constante estudo e buscar novos caminhos para aprender e ensinar. No anseio pela melhoria contínua no processo de ensino-aprendizagem, aprimoramos nosso olhar para essas práticas pedagógicas, tendo as crianças como nosso ponto de chegada e nosso ponto de partida nos ambientes educacionais. Apesar do despertar para a mudança gerado pela formação continuada, o tempo marca a necessidade de acelerar esses processos e limita o espaço para a reflexão: há falta de tempo para estudar cada um dos Cadernos dedicados à Educação Infantil, para retornar aos municípios e, especialmente, para fazer nosso encontro com as professoras cursistas e acompanhar os resultados nas salas de aula. O tempo foi um dos motivos para a desistência das alunas na formação no nosso município de Alta Floresta; ainda, a falta de reconhecimento do curso na atribuição de aulas fez com que algumas delas não dessem continuidade aos estudos. Na contramão dessa realidade, àquelas que conseguiram permanecer na formação do PNAIC foram levadas a refletir sobre a importância de um trabalho mais dinâmico e diferenciado, da necessidade de ler novos conteúdos, deixando para trás o tradicionalismo e procurando o novo com respeito à


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criança na sua individualidade e no seu tempo; também, ficou claro que é necessário à professora da Educação Infantil compreender que é possível aprender brincando e, assim, assegurar os direitos de aprendizagem das crianças. Um ponto muito questionado ao longo das formações no munícipio foi a participação das professoras que atendem as crianças de 0 a 3 anos de idade nas Unidades de Educação Infantil (creches), apesar de o PNAIC estar direcionado à formação dos docentes da Pré-Escola. Como esse grupo precisa também de um olhar atento e de um trabalho que auxilie na realização de atividades, visando o pleno desenvolvimento das crianças, o município de Alta Floresta se comprometeu a organizar um estudo específico para os educadores atuantes nas creches, com vistas a melhorias na sua atuação docente. Em relação às formações, elas foram tranquilas e bem proveitosas; utilizamos os Cadernos propostos pelo PNAIC, textos e livros adicionais tanto nos seminários com os Formadores Regionais, quanto nas nossas formações no município. Os Cadernos formulados para o trabalho com a Educação Infantil são de excelente qualidade, com linguagem clara e de fácil compreensão; orientaram-nos e nos fizeram refletir sobre teoria e prática dentro da sala de aula. Nesses materiais a leitura é ponto de destaque, tanto na preparação do professor, quanto no trabalho diretamente realizado com as crianças, pois: A leitura, embora ação corriqueira nos dias de hoje, sobretudo nas regiões urbanas, não é natural. Não lemos comemos, respiramos ou dormimos. Para tanto, precisamos aprender o código escrito, socialmente aceito e a ter domínio sobre ele em todas as suas modalidades, quer práticas (como propagandas, receitas, notícias, informações, anotações) quer estéticas (como narrativas e poemas). (AGUIAR, 1996, s/p).

A leitura é uma prática social, onde o ser humano está submerso no mundo da linguagem e da escrita, fazendo-se necessária a compreensão desses símbolos para formar um ser crítico, pensante e culto. Nesse sentido, o PNAIC resgata essa prática de leitura em nossas professoras da Educação Infantil, apresentando alternativas diferenciadas para fazer disso uma ferramenta necessária a ser levada para dentro da sala de aula. Este ato de leitura não significa que a criança precisa ser alfabetizada com quatro ou cinco anos, mais sim despertar o interesse dela para se inserir neste mundo da leitura e da escrita através das brincadeiras, contação e leitura de histórias, parlendas e outros. 110


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Freire (1994, p.11), ressalta que a “leitura precede a palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente”. Desta maneira, é necessário respeitar a cultura do leitor, sua realidade e suas vivências. Pensando nessa criança há que se considerar que o professor, na maioria das vezes, é o único ponto de referência que ela tem para desenvolver e adquirir hábitos e práticas de leitura. Assim, cabe a este profissional proporcionar um ambiente que chame a atenção e o interesse da criança de estar ali, observando e aprendendo novos conhecimentos através da leitura das imagens e das palavras. Da mesma forma, é importante que a comunidade escolar mantenha a mesma postura diante da leitura e de que todos participem deste processo de conhecimento. As autoras Koch e Elias (2008) destacam que a leitura está além de apenas ocupar um importante espaço na vida do leitor. Para elas, o ato da leitura possibilita um contato eficaz com elementos significativos do texto, fazendo com que o leitor consiga, através das palavras, perceber o sentido que elas formam. Além disso, a leitura precisa ser compartilhada; é através da troca de ideias, diálogos; criar um leitor exige que primeiramente compreendamos como sou como leitor, quais minhas referências de leitura dentro de sala de aula. Para esclarecer um pouco mais Grazioli e Coenga (2014) afirmam que: Partilhar é o termo ideal, porque antes de tudo, leitura é uma experiência que envolve a troca, o diálogo e a interação. Muito se ouve falar que os alunos não leem. Há uma questão, no entanto, que deve anteceder a essa: como o professor enfrenta o desafio da leitura? Nesse sentido, o professor que deseja formar leitores e promover em sala de aula precisa se perguntar antes: Como me tornei leitor? Como descobri o interesse pela leitura? Qual a experiência de leitura que eu tenho que partilhar com os outros? (GRAZIOLI E COENGA, 2014, p. 191).

O professor da educação infantil precisa criar um olhar acolhedor e assumir a missão de levar a leitura de maneira diferenciada, criativa e expressiva para seus alunos. A criança precisa ser contemplada neste universo da leitura e escrita desde de bebê, com oportunidades para conhecer este mundo de maneira agradável e envolvente, causando curiosidade e encantamento quando submetida a estes momentos.

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Levar a leitura para dentro da sala de aula exige uma postura de compromisso: se não tenho a prática da leitura com minhas crianças, como irei cobrar delas que gostem e se interessem pela leitura? Nesse viés, é necessário excluir dos nossos planejamentos diários as práticas tradicionais de leitura e incluir novas metodologias de ensino. Ainda, precisamos ser modelos de leitores a serem seguidos por essa nova geração de crianças que está a cada dia mais distantes dos livros, devido ao uso inadequado da tecnologia e da informação. É necessário, também, que o professor assuma este papel de leitor e leve para estas crianças um novo caminho a seguir, envolvendo e apresentando estas práticas importantes para a comunicação da nossa sociedade. Os Cadernos do PNAIC, como destacado acima, propõem um rico trabalho com a leitura como condição para o desenvolvimento da linguagem nas crianças. O estudo dos temas e textos que compõem este material suscitaram muitas dúvidas entre as professoras cursistas: como mudar o que já vem acontecendo nas escolas? Como levar estas informações ao se deparar com a resistência das colegas de profissão, que usam o mesmo caderno todos os anos e alegam que “sempre deu tudo certo”? Como mostrar para gestão da escola que precisamos mudar nossas metodologias, criar um olhar mais acolhedor e uma escuta sensível com nossas crianças se estas acreditam que o tradicional dá menos trabalho? Primeiro foi necessário despertar esta necessidade de mudança nas professoras que participaram das formações, apresentar a elas a importância de levar um conteúdo atualizado, tendo como ponto de chegada e nosso ponto de partida a criança, respeitando a cultura e a faixa etária de cada aluno. A Educação Infantil não é um ambiente para alfabetizar e sim inserir para inserir as crianças em um novo mundo de trocas de conhecimento e informações. Figura 1 – Estímulo à leitura pela contação de história

Fonte: acervo da autora.

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Os estudos teóricos já conhecidos por todas as professoras despertaram um anseio de levar adiante estes conhecimentos e informações, sendo necessária a continuidade dos estudos dos Cadernos no município de Alta Floresta – MT, e multiplicando este novo olhar a um maior número de professoras da Educação Infantil, de modo a facilitar a compreensão e a necessidade de levar a leitura e a escrita para dentro da sala de aula. Para que haja a mudança precisamos estimular uma mudança dentro das escolas, preparando nossas professoras com argumentos embasados nas teorias que, muitas vezes, são ignoradas nas práticas diárias. Ser criança, ser professor na Educação Infantil, olhar para a criança que há em si para poder trabalhar com a criança que está diante de si. Nesse sentido caminharam as formações desde o primeiro encontro, as quais – pelas discussões e estudos – buscaram resgatar a criança que cada professora foi; os estudos foram sendo construídos de maneira que cada uma precisava ter o olhar da criança, como ela gostaria de estar dentro da sala de aula, o que fazer para proporcionar um ambiente acolhedor e cheio de magia e encantamento? Partimos da necessidade de estudar e discutir as teorias apresentadas em cada Caderno, e sempre foi dado o direito de cada professora expor sua experiência ou angústia relacionada com o tema estudado; buscamos leituras e brincadeiras que ajudassem a compreender a importância de um novo olhar dentro da sala, olhar a teoria e a prática de maneira aconchegante para as crianças, lembrando que os planejamentos devem ser feitos para as crianças e não para o professor. Diante destes conteúdos estudados várias discussões foram feitas, onde as próprias professoras se conscientizaram que na maioria das vezes estão desmotivadas e desanimadas para realizar uma nova prática; muitas acreditavam que era preciso ter todos os dias cópias com atividades, fazer leitura do alfabeto, deixando de lado as brincadeiras e o lúdico, pois os pais estavam satisfeitos em ver que o filho foi para escola estudar e não brincar. Outra parte desse grupo de professoras já possuía um olhar mais atento e compreendia que a criança da Educação Infantil precisa ter acesso a outra metodologia de ensino, deixando de lado as cadeiras enfileiradas e começando a trabalhar em grupos. Ainda, os planejamentos eram feitos, por esse grupo, incluindo brincadeiras que facilitavam a compreensão da turma. Durante a formação uma atividade mudou nossa percepção para a organização dos espaços escolares. Fizemos o teste de sentar em fileiras, não podíamos comentar nada do que estava sendo apresentado, deixando a aula sem vida, sem sentido. Depois, nos sentamos em círculo e a cada texto estu-

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dado era feita uma apresentação em grupo para a troca de experiências e conhecimentos. Aos poucos as professoras foram compreendendo que estavam no lugar de seus alunos e como elas eram dentro da sala de aula, como eram suas práticas pedagógicas. Este momento propiciou reflexão e uma faísca de mudança começou a surgir em parte do grupo; muitas conseguiram compreender que a formação não era uma receita pronta, com métodos a seguir, e sim que cada uma tinha sua forma de trabalhar e caberia a essa professora fazer diferente em sua prática. Neste momento nos deparamos com algumas colegas professoras que foram resistentes e não concordaram com os objetivos do PNAIC, desistindo da formação por achar que o correto seria continuar com suas práticas como o fazem há 15 anos. Na concepção delas, “sempre deu certo, então não poderiam mudar, que as crianças precisam ser alfabetizadas na Educação Infantil para não ter dificuldades nas séries iniciais”. Ao deparar-se com essas reflexões, as professoras compreenderam a necessidade de repassar as informações adquiridas, mostrando que seríamos diferentes após a formação porque acreditamos em uma educação que valoriza os princípios e valores culturais das nossas crianças. Os encontros de formação trouxeram várias propostas de ações pedagógicascoletivas e todas as cursistas realizaram com determinação e vontade; as atividades desenvolvidas na escola demonstraram o entusiasmo, envolvimento, curiosidade e a vontade de participar das crianças. E, por fim, a professora compreendeu que precisava escutar seu aluno e observar seus anseios e vontades, colocando como seu objetivo principal apenas a criança. Várias atividades foram desenvolvidas, porém a que mais chamou a atenção foi a de confecção de um livro (conforme pode ser visto na imagem abaixo): cada professora recebeu uma parte de uma história e caberia a ela ilustrar esta página; ao final, coletivamente, as professoras precisavam montar as páginas a seu modo, dando vida a uma nova história. Esta atividade proporcionou compreender a importância de trabalhar em grupo, todas na mesma sintonia e com o mesmo objetivo, respeitando as diferenças, habilidades e a imaginação de cada uma.

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Figura 2 – Produção de um livro coletivo a partir das contribuições individuais

Fonte: acervo da autora.

Diante de tantos estudos feitos nas formações ofertadas pelo PNAIC, foi possível despertar e adquirir novas perspectivas de práticas pedagógicas das professoras cursistas, porém nossa trajetória de estudos não finalizou aí, percebemos a necessidade de levar o conhecimento para mais professoras e, por isso, ficou decidido que haveria continuidade das formações – apesar do término do programa oficial, levando este novo olhar para a Educação Infantil e proporcionando um ambiente agradável e diferenciado onde a criança é o começo e o fim de todas as práticas desenvolvidas na escola.

Referências AGUIAR, Vanda T. O leitor competente à luz da teoria da literatura. Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 124, v. 5/6, p.23-34, jan./mar. 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Indicadores da qualidade na Educação Infantil. Brasília: MEC, SEB, 2010. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 29. Ed. São Paulo: Cortez, 1994. GRAZIOLI, Fabiano T.; COENGA, Rosemar E. Literatura Infanto Juvenil e Leitura: novas dimensões e configurações. Erechim: Habilis, 2014. HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. KOCH, Ingdore V.; ELIAS, Maria V. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2008.

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PNAIC 2017 - Educação Infantil: percurso formativo Lia Carla Lopes de Oliveira Formadora Local de Cuiabá-MT

Introdução O presente relato tem por objetivo descrever o processo formativo implementado em 2017-2018, por meio do Programa Nacional pela Alfabetização na Idade Certa PNAIC, que é um programa do Governo Federal, institucionalizado por meio da portaria nº 826 de 07 de julho de 2017, onde se lê que as suas ações de formação terão também como foco os estudantes da Pré-Escola. Em Mato Grosso, tais ações foram coordenadas pela Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Rondonópolis (UFMT/CUR). As ações do PNAIC iniciaram-se no final de outubro de 2017 e foram concluídas em maio de 2018. Em 2017, minha turma iniciou com 23 cursistas, e, em 2018, este número se manteve. Em 2017, a turma era composta, em quase 90%, de professoras contratadas. Em 2018, essa estatística se repetiu, todavia, uma vez que a maioria das professoras inicialmente inseridas, era de contratadas, apenas uma professora e uma coordenadora efetivas permaneceram na turma em 2018, assim como quatro das contratadas. As outras 19 professoras que compunham a turma, no regresso da formação, em março de 2018, eram contratadas naquele ano, como exposto no quadro 1: Quadro 1 – Composição das turmas em 2017 e 2018 Número de cursistas 2017

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Efetivas

Contratadas

Efetivas

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Fonte: elaborado pela autora.

Esses dados revelam uma quebra da continuidade do atendimento às professoras ao longo da formação do Programa, entre 2017 e 2018, pois muitas das professoras contratadas são novatas na Rede Municipal de Cuiabá, Mato Grosso, e, por essa razão, não participaram dos três primeiros encontros de formação, que ocorreram de outubro a dezembro de 2017. A organização do trabalho pedagógico com as cursistas, ou seja, a metodologia empregada para ministrar os encontros formativos, primou pela


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fundamentação teórica dos cadernos de estudo da “Coleção Leitura e escrita na Educação Infantil”. Serão apresentados a descrição, análise e resultados das ações do PNAIC 2017/2018 levando em consideração os seguintes aspectos: • Aspecto 1 – Participação nos seminários de formação realizados com os Formadores Regionais (FR) da Equipe de Formação da UFMT/PNAIC; • Aspecto 2 – Em relação ao estudo dos cadernos e/ou materiais indicados pelos FRs; • Aspecto 3 – Quanto ao trabalho com os professores cursistas que compõem o grupo do Formador Local (FL).

Aspecto 1 – participação nos seminários de formação realizados com os Formadores Regionais da equipe de formação da UFMT/PNAIC A potencialidade dos encontros formativos é intensa e, para mim, concretizou-se sobretudo no sentido de troca de experiências com professoras de outras regiões do Estado e com as formadoras da UFMT, significando muita aprendizagem e crescimento profissional. O tempo para a formação em grupo foi insuficiente, digo isso pela extensão e riqueza dos cadernos a serem aprofundados, além disso, senti falta dos cadernos em mãos, pois, são uma obra-prima.9 Os encontros formativos foram recheados de experiências exitosas e de identificação de dificuldades comuns a quem atua na Educação Infantil (EI). Mesmo sendo públicos diferentes por região, muitos enfrentamentos são semelhantes, e o diálogo com os pares acabou por fortalecer a compreensão do processo educacional na EI.

Aspecto 2 – em relação ao estudo dos cadernos e/ou materiais indicados pelos Formadores Regionais Nos estudos, foram sempre abordadas as especificidades próprias da docência na Educação Infantil, mas mereciam mais aprofundamento teórico e/ou epistemológico em relação às teorias de Bakhtin e Vigotsky presentes nos cadernos de formação. 9 A impressão dos cadernos não foi autorizada pela Universidade Federal de Minas Gerais, responsável pela sua criação. Os volumes foram disponibilizados online.

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Foram interessantes as discussões das contribuições de Walter Benjamim, trazendo à tona a beleza da primeira infância. Fomos desafiados a pensar as práticas educativas no momento atual, principalmente por concebermos a criança como sujeito histórico cultural, estudando e observando suas linguagens e os modos como ela se apropria da cultura escrita. O único caderno não discutido na formação presencial foi o 4, Só fiz a leitura do caderno 4, chamado “Bebês como leitores e autores”. No entanto, me dediquei à leitura do mesmo, como dos demais, pois os cadernos são riquíssimos. Por se tratar dos bebês, expõe recursos teóricos pertinentes, revelando que a primeira leitura que o bebê faz na vida, é a do rosto da mãe. Quanta riqueza nessa abordagem! Vale ressaltar as contribuições de Bakthin, que abordam com profundidade as interações verbais, dizendo que “a língua atravessa a vida e a vida é atravessada pela língua. Língua e vida são indissociáveis!” (BAKHTIN apud CORSINO et al., 2016, p. 19). Várias reflexões aconteceram em torno da discussão: como crianças pequenas aprendem? Foram muito pertinentes os estudos e discussões acerta do currículo na Educação Infantil, e, animada pela formação recebida da Formadora Regional, lancei o desafio, as minhas cursistas, de pensarem na organização de um currículo tendo como eixo as interações e as brincadeiras, conforme orientações presentes nos documentos oficiais orientativos da Educação Infantil, que muitas professoras não conheciam. Nas formações finais, sobre os livros infantis, tivemos uma grata experiência criativa, proposta pela nossa FR, de confeccionarmos um livro infantil. Grandes talentos foram revelados! Essa atividade também realizei com minhas cursistas, elas apreciaram bastante e se revelaram e se mostraram grandes artistas e escritoras. Ao estudarmos o último caderno, o Caderno 8, “Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola”, foram desencadeadas reflexões pertinentes quanto à participação e contribuição das famílias nos processos educativos da criança pequena. Por fim, saliento que os materiais de apoio sugeridos pelos Cadernos e pelas FRs, como textos, leituras deleite (literatura), vídeos e filmes, contribuíram muito para subsidiar o processo formativo.

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Aspecto 3 – quanto ao trabalho com os professores cursistas que compõem o grupo do Formador Local Como Formadora Local do PNAIC Educação Infantil, percebo minha enorme responsabilidade nas ações formativas com as professoras, principalmente pelo desafio de estudar teorias e práticas da leitura e escrita na EI no atual contexto brasileiro. Tivemos várias discussões teóricas, práticas e reflexões acerca dos encaminhamentos e atividades que realizadas com as crianças da EI. Figura 1 – Turma 2017 Professoras da EI em formação

Fonte: acervo da autora.

Perceberam as professoras que Vigotsky é um teórico a ser lido e estu120


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dado, ou seja, seus livros devem se tornar obras de cabeceira para a prática profissional de qualidade. Para elaborar o material das formações, trabalhei em conjunto com as demais FL. Entre as fontes de apoio estavam os cadernos do PNAIC, as leituras deleite, artigos, vídeos e músicas sugeridos pela professora Formadora Regional, além de minhas próprias pesquisas. Figura 2 – Turma 2017 Atividades

Fonte: acervo da autora.

Algumas professoras se sentiram desafiadas a sair da zona de conforto, a mergulhar num universo de possibilidades nas ações educativas na EI, e, principalmente, a enxergarem, ouvirem e sentirem seus alunos como sujeitos históricos e culturais, detentores de direitos, pois o desafio do educador da infância é passar a considerar o conhecimento prévio da criança na construção da cidadania e do conhecimento. Foi proposto às professoras cursistas da turma de 2017, ao final do ano, um “Piquenique literário”, com leituras de textos poéticos escolhidos por elas. Foi uma tarde maravilhosa, com delícias a degustar, com poesias a nos embalar e uma viagem no tempo das brincadeiras e brinquedos da nossa infância. Inesquecível. 121


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Para as professoras cursistas da turma de 2018, ao final da formação, foi proposta a produção artística de uma releitura das capas dos oitos cadernos e um “Amigo livro”, ou seja, troca de livros. Emocionante. Figura 3 – Turma 2017 Professoras da EI em formação

Fonte: acervo da autora.

Figura 4 – Turma 2018 Atividades

Fonte: acervo da autora.

As professoras cursistas tiveram participação efetiva nos encontros e nas atividades propostas, tanto individuais como coletivas. O caderno de memórias, ou seja, a “Ata”, foi produzido pelas cursistas, sendo que, a cada encontro, uma das professoras o fazia, a sua forma, descritiva, poética e até cantada. Tudo isso encheu nossos dias de alegrias e contentamento, pelo privilégio de fazer parte deste grupo de formação PNAIC.

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NOS PASSOS DO PNAIC EM MATO GROSSO: a chegada da educação infantil/Pré-Escola e do PNME

Considerações finais Foram oito cadernos e muitas viagens no universo infantil, na prática profissional, na beleza da infância e nos desafios da Educação Infantil, encontros marcados por amizades, trocas profissionais Acredito que o melhor resultado das ações PNAIC Educação Infantil foi a possibilidade dos momentos formativos, as trocas de experiências, a ampliação epistemológica das professoras e minha, e, sobretudo, a ressignificação de padrões do modelo de atuação pedagógica, que se assemelhava muito com as práticas de alfabetização do Ensino Fundamental, conforme relatos e pontuações das professoras cursistas, ou seja, emergiram novas possibilidades estimuladas pelo PNAIC para que os alunos da Educação Infantil sejam protagonistas dos processos educativos. Agradeço pela oportunidade de participar deste Programa e faço votos de que ele continue e seja implementado em 2019.

Referências BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Crianças como leitoras e autoras. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 6/Caderno 5). CORSINO, Patrícia et al. Leitura e escrita na Educação Infantil: concepções e implicações pedagógicas. In: BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Crianças como leitoras e autoras. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016, p. 13-57. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 6/Caderno 5).

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Formação de professores da Educação Infantil no PNAIC-MT Lucinéia Aparecida Pereira dos Reis Formadora Local de Colíder-MT

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa 2017/2018 (PNAIC) foi de grande importância para todos, pois precisamos nos aperfeiçoar, melhorando a nossa prática. O PNAIC transmitiu conhecimentos e apresentou experiências que renovaram a prática pedagógica. A formação continuada do professor se faz necessário, sendo assim, o PNAIC Educação Infantil, trouxe uma formação de qualidade, em que estudamos muitas concepções e um significativo aporte teórico, um quantitativo expressivo de novas práticas e saberes a serem aplicados continuamente nas salas de aulas. Considero que não houve aspecto insatisfatório, uma vez que nós profissionais precisamos estar preparados para os imprevistos, enfrentar as dificuldades durante a formação também são importantes para nos aperfeiçoar e aprender a lidar com as diferenças e as adversidades. Compreendo que diante dos desafios toda a equipe se mobilizou para que o trabalho fosse realizado da melhor maneira possível dando ênfase aos direitos de aprendizagem que toda criança tem. Ressalto o compromisso e a responsabilidade que devemos ter para que, de fato, o aluno desenvolva as competências inerentes a cada ano de escolarização. Todos os assuntos abordados nos cadernos de Educação Infantil foram ao encontro do trabalho desenvolvido pelos professores do nosso município. Cabe destacar, entre os assuntos estudados, a antecipação da alfabetização na Educação Infantil, abordado no Caderno 6, intitulado “Currículo e linguagem na Educação Infantil, Avaliação e Educação Infantil. O texto esclarece que “A avaliação das crianças na Educação Infantil não deve se vincular ao currículo do primeiro ano do Ensino Fundamental” (MORO; SOUZA, 2016, p. 101). As discussões foram de maneira pontual, durante os encontros, lembrando que existe uma dificuldade de compreensão entre os profissionais sobre a maneira correta de trabalhar e entender os eixos do currículo, alertando que o professor não pode se tornar omisso tanto com relação ao seu trabalho como ao desenvolvimento das crianças. O referido Caderno deixa bem claros esses eixos: os eixos norteadores do currículo na Educação Infantil, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais


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da Educação Infantil (DCNEI), são as interações e as brincadeiras (BRASIL, 2009 apud BRASIL, 2016). Para contemplá-los, [...] as diversas relações sociais nas quais as crianças se envolvem nas diferentes vivências a elas propostas, devem ser priorizadas, em especial as interações que estabelecem com seus companheiros de mesma idade nas atividades que acontecem na escola, o que lhes possibilita negociar os motivos e os sentidos que emprestam ao mundo e a si mesmos, apropriar-se de conhecimentos e, nesse processo, desenvolver-se como pessoas (BARBOSA; OLIVEIRA, 2016, p. 29).

Consideramos que, atualmente, a brincadeira está se perdendo na sociedade. A Educação Infantil torna-se diariamente cada vez mais parecida com o Ensino Fundamental, e isso acontece devido à grande ênfase na alfabetização. É exigido das crianças, muitas vezes, que sejam capazes de se sentar em uma cadeira, diante de uma mesa e completar uma tarefa usando lápis e papel, que antes não era exigido das crianças desta idade, que ainda não apresentam habilidades motoras e nem a capacidade de concentração para tais exigências, pois as mesmas ainda estão condicionadas a terminar para depois poderem brincar. O sistema escolar tradicional tem produzido crianças desinteressadas pela escola. Para Barbosa e Oliveira (2016), Toda proposta pedagógica na Educação Infantil precisa guiar-se, segundo as DCNEI (2009), pelos seguintes princípios: Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais. (BARBOSA; OLIVEIRA, 2016, p. 29).

Para colocar em prática as DCNEI, é preciso repensar a instituição em seu todo: nos tempos, nos espaços e na relação que estabelecemos com o conhecimento e com as crianças. É fundamental que as unidades escolares, sejam públicas ou particulares, através de uma gestão democrática, escutem todos os sujeitos (famílias, profissionais e crianças) e se comprometam com a proposta. Esse diálogo é essencial para que as Diretrizes possam ser pra126


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ticadas, conhecer mais as crianças e buscar propostas que respeitem suas singularidades, os hábitos familiares, além de contribuir para a reflexão de cultura da infância na comunidade, valorizando suas descobertas sem que esteja ligada à mera transmissão ou à quantidade de atividades produzidas. No tocante ao último Caderno, denominado “Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola”, as discussões se centraram na ideia de que a escola precisa criar projetos envolvendo a família, pois como pontua a Lei n° 9.394/96 (LDB), no Art. 29, a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, a criança assume o papel de cidadão de direitos e que necessita, portanto, de um trabalho intencionalmente organizado para garantia de um atendimento de qualidade: “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. As famílias precisam conhecer o papel das instituições de Educação Infantil, que é tratar o cuidado e a educação de forma indissociável, priorizando o desenvolvimento integral das crianças, além de assegurar o acesso às diferentes aprendizagens e a interação com outras pessoas, garantindo, assim, seus direitos. Essas ações podem transformar o olhar das famílias em relação à escola, tanto mais diante das atuais configurações familiares, algo muito complexo. Não cabe à escola qualquer julgamento, pois não há mais aquele modelo de família nuclear, onde o pai era o mantenedor da casa e a mãe cuidava dos filhos e zelava pelo lar. Visualizamos uma diversidade de famílias e respeitar esses modelos faz parte do papel de cada educador. A educação, em casa e na escola, assume papéis complementares, que também implicam compartilhar responsabilidades: “Quando a relação escola e família acontecem, ganhamos grandes avanços na aprendizagem e convivência de crianças e jovens, que também passam a valorizar mais a escola e seus aprendizados”, aponta Beatriz Ferraz (2016), gerente de Educação Infantil da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Outro aspecto muito bem explanado durante as aulas foi a importância da leitura na Educação Infantil, pois ela tem a capacidade de formar cidadãos ativos na organização de uma sociedade mais consciente e crítica. Logo, desenvolver o hábito da leitura desde a infância é fundamental, e a influência de pais e educadores, nesse momento, é importantíssima. A apropriação da leitura e da escrita é um desafio para as escolas, já que ela precisa ser introduzida de forma natural no dia a dia das crianças, não devendo ser, de forma alguma, imposta. Essas ações levam tempo e muita dedicação profissional.

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Durante o desenvolvimento das crianças, há fatores que influenciam no estágio de leitura em que ela se encontra: seu desenvolvimento psíquico, afetivo e intelectual e também seu conhecimento sobre os mecanismos de leitura. Esses fatores dirão como a criança está em relação à leitura, e o professor, diante desses fatores, deve propiciar esse contado aperfeiçoando a leitura. Belmiro e Galvão (2016) consideram que As crianças que vivenciam momentos de leitura compartilhada no âmbito familiar têm possibilidades de ampliar seu desenvolvimento afetivo, cognitivo e social, uma vez que essas interações permitem uma diversidade de conversas que vão desde os comentários sobre os personagens e as ilustrações até complexas reflexões e discussões sobre o tema, os conflitos e o desfecho das narrativas (BELMIRO; GALVÃO, 2016, p. 49-50).

O trabalho desenvolvido com os professores cursistas foi ao encontro das expectativas deles, os conteúdos abordados trouxerem esclarecimentos e orientações para seus planejamentos e práticas pedagógicas, muito se falou sobre como as crianças de antigamente são diferentes das crianças de hoje, que as crianças tinham uma educação mais rigorosa, na qual o respeito pelos pais, pelos mais velhos, era o que prevalecia. As crianças eram educadas para obedecer, seja aos pais ou aos professores. Atualmente, os pais estão deixando seu papel para a escola, devido à correria do dia a dia com a jornada de trabalho e novos valores que constituem a sociedade. Durante o curso, as professoras refletiram sobre as diferentes habilidades que são vivenciadas por meio da literatura, entre elas a linguagem, que contribui para ampliar o vocabulário, a criatividade; o faz de conta. O adulto favorecer esse processo, mediando-o por meio da literatura, da linguagem escrita. Ler, contar e ouvir histórias propicia às crianças a chance de conhecer diferentes formas de falar e viver diferentes das suas. A Educação Infantil é, em larga escala, responsável por resguarda e organizar um repertório de histórias, ouvidas em diferentes lugares, uma vez que essas histórias são rica fonte de informação. O acesso à boa literatura desperta o prazer pela leitura. Nossas aulas foram repletas de memórias, a formação nos proporcionou momentos de compartilhar, relembrar e reelaborar novas ações a serem desenvolvidas em sala de aula. Por mais que que tenham existido algumas dificuldades, enfrentadas pelos participantes, sobretudo referentes ao aspecto financeiro (fim do pagamento 128


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da bolsa, determinado pelo MEC); o material que não foi impresso, o intervalo de um ano para o outro, parte da formação ocorreu em 2017, parte em 2018; o calendário das formações nos municípios e até mesmo o grande número de desistentes. Todos esses pontos negativos não foram suficientes para desanimar o grupo, pois o desejo de aprender e terminar o curso, permaneceu, conforme é possível observar nos depoimentos seguintes: Sempre quis fazer o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, principalmente o da Educação Infantil, por isso tenho como positivo o fato de estar aqui, pois considero esse curso de muita importância para a formação de todo professor. (Raquel, Cursista de Colider, 23 mai. 2018). Este curso nos permitiu autoavaliar, realizar uma reflexão de nossas ações enquanto leitores. (Cristiane, Cursista de Colider, 24 mai. 2018). Considero que o PNAIC teve muitos pontos positivos durante os encontros realizados e uma formação de grande valia para todos os professores que dela participam, as formações do PNAIC facilitam nossa prática pedagógica de modo lúdico e dinâmico. Durante os encontros, aprendi muito ouvindo os relatos das experiências dos colegas e acredito que contribuí com as minhas experiências, que já realizei na minha sala de aula. Também coloquei em prática algumas experiências contadas pelos colegas de outras escolas. (Rosa, Cursista de Colider, 23 mai. 2018). A formação do PNAIC, oferecida pelo Ministério da Educação com o apoio da UFMT, me apoiou nos planejamentos das aulas. Além disso, pude ainda acompanhar de modo mais eficaz o desenvolvimento do projeto leitura dos alunos e do acompanhamento das famílias. Diante de tantas conquistas, a partir deste processo formativo, o PNAIC, todos estão conscientes de que fizeram o melhor possível e que ainda é preciso continuar aprendendo e ensinando cada vez melhor (Edna, Cursista de Colider, 23 mai. 2018).

Termino este relato agradecendo a todos os profissionais que fizeram 1com que o PNAIC Educação Infantil tivesse uma conclusão tão especial. Que as forças de todos vocês sejam renovadas e que o resultado desse trabalho possa ser evidenciado nos próximos anos nas atividades de cada criança.

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Referências BARBOSA, Maria Carmen Silveira; OLIVEIRA, Zilma Ramos de. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Currículo e linguagem na educação infantil / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. 128 p. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 7/Caderno 6). p. 15-45. BELMIRO, Celia Abicalil; SOUZA, Cristiene de Leite Galvão. Literatura e Família: interações possíveis na Educação Infantil. In: BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 9/Caderno 8). BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9.394, 20 de dezembro de 1996. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Currículo e linguagem na educação infantil / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. 128 p. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 7/Caderno 6). FERRAZ, Beatriz. Confiança entre família e escola é base para a educação infantil. Por Marina Lopes. Porvir: inovações em Educação. Publicada em 30 de junho de 2016. Disponível em: http://porvir.org/confianca-entre-familia-escola-e-base-paraeducacao-infantil/ Acesso em :30/05/2018. MORO, Catarina; SOUZA, Gizele de. Avaliação e Educação Infantil. In: BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Currículo e linguagem na educação infantil / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. 128 p. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 7, Caderno 6). p. 83-122.

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PNAIC – Educação Infantil: espaço para experiências, vivências e muito aprendizado Neide Figueiredo de Souza Formadora Local de Rondonópolis-MT

O programa Pacto Nacional pela Alfabetização na idade Certa (PNAIC) nos foi apresentado por uma equipe comprometida e competente de formadoras, sendo uma oportunidade de repensarmos sobre as nossas ações docentes juntos às crianças da Pré-Escola. O estudo teve como tema central “Leitura e Escrita na Educação Infantil” e veio suprir as necessidades formativas dos docentes que atuam nesta etapa da Educação Básica, pois, pela primeira vez fomos contemplados pelas políticas públicas com um programa de formação que, com certeza, contribuirá de forma significativa para o aprimoramento da nossa prática junto às crianças atendidas nas nossas Unidades. O nosso material de estudo, cabe ressaltar, de excelente qualidade, foi elaborado com embasamento nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, enfatizando sempre que os eixos norteadores para a prática docente na etapa Educação Infantil devem estar pautados em interações e brincadeiras, garantindo experiências que: [...] II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos; [...] (BRASIL, 2009).

Iniciamos os nossos estudos pontuando sobre a profissão docente, a trajetória de constituição da mesma nos levando a refletir sobre a importância da formação constante desse profissional. Para a formação de professores, o desafio consiste em conceber a escola como um ambiente educativo, onde trabalhar e


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formar não sejam atividades distintas. A formação deve ser encarada como um processo permanente, integrado no dia a dia dos professores e das escolas, e não como uma função que intervém à margem dos projetos profissionais e organizacionais. (NÓVOA, 1992, p. 29)

O curso foi organizado por temáticas diferenciadas, compondo oito cadernos, cujos assuntos sintetizados são apresentados a seguir: O material “Leitura e escrita na Ed. Infantil” teve como pressuposto fundamental as DCNEI e do Parecer 20/2009, do CNE/CEB em que elucida como deve ser a proposta curricular, considerando primordialmente experiências variadas com a linguagem. Partimos da reflexão acerca da profissão e formação docente, ancorados em questões alusivas aos tempos, espaços destinados a repensar o trabalho pedagógico. Centramos os estudos diante da temática “Ser docente na Educação Infantil entre o ensinar e o aprender” que teve por objetivo pensar as relações entre a docência na Educação Infantil, linguagem e cultura escrita relações estas que primam pela responsabilidade docente por meio de ações culturais e visam ampliar os horizontes de experiência de vida das crianças da Pré-Escola. Dialogamos sobre os desafios de construir uma dinâmica pedagógica articulando com as histórias de interações das diferentes expressões culturais, intercruzando percepções de diferentes naturezas como experiências estéticas, poéticas e literárias. A leitura literária entre professores e crianças foi outra temática levada à discussão e fundamentada nas ideias Marisa Lajolo e Ludmila Tomé de Andrade, chamando a atenção dos cursistas no sentido de que estes sejam leitores proficientes e atuantes na cultura letrada,de modo a compreender o trabalho com a literatura como ação permanente na Pré-Escola, ampliando experiências humanas para sua formação. Trabalhamos também à luz das autoras Rita Ribes Pereira e Maria Cristiana Soares de Gouvêa a temática Infância e linguagem, amparada em teóricas como Solange Jobim e Souza Walter Benjamim, Vygostky, Mikhail Bakhtin, dinamizando um diálogo direcionado para a reflexão a respeito do lugar que as crianças ocupam no processo de transformações, nos modos de produzir e fazer circular a cultura. Neste sentido, diversificamos os encontros com atividades como a socialização de acervo bibliográfico. Motivamos as discussões levantando sugestões articulada com a concepção de infância encorajando os profissionais para o comprometimento 132


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pedagógico que assegure o movimento de deslocamento com práticas de leituras que primem por dialogar, opor, questionar, desconfiar, desaprender, abrindo espaços para a experiência do encontro com as crianças. Realizamos um passeio literário elevando os aspectos que são importantes e devem ser considerados nas escolhas dos livros para trabalhar com as crianças, atentando sempre se os livros que lhes oferecemos possuem qualidade que responde aos pré-requisitos para um trabalho prazeroso e que potencialize as discussões junto às crianças. O estudo com o Currículo e linguagem na Educação Infantil foi outro ponto de reflexão no sentido de observá-los como um conjunto de práticas sociais e linguagem a serem experienciadas pelas crianças como condição para a promoção da aprendizagem e do desenvolvimento. Nesta perspectiva, articulamos tal temática ancorada legalmente no parecer 20/09 da Resolução 05/09, do CNE/CEB e, na oportunidade, refletimos a respeito do planejamento como recurso para organizar o cotidiano e abrir espaço para a expressão das crianças; discutimos práticas de observação, documentação e organização do trabalho com bebês e crianças de até cinco anos; pontuamos sobre a importância da avaliação na Educação Infantil, trazendo situações concretas do cotidiano e de práticas. Nesse momento, enfatizamos a importância dos registros diários para que o docente acompanhe o desenvolvimento de sua criança e também reflita sobre a sua própria prática, apresentando propostas de ação que ganhem contornos palpáveis pelo entrelaçamento dos documentos legais e dos exemplos vividos em creches e pré-escolas. Também refletimos junto aos professores cursistas os diferentes lugares e materiais, ainda que simbólicos, que a prática da escrita ocupa na vida de cada um, de modo a ampliar os olhares sobre a ação docente. Buscamos entendimento histórico em Platão, nos primeiros registros, séc. IV A.C e os impactos que a escrita provocou em paralelo à contemporaneidade. O contexto histórico gerou uma discussão foi fecunda acerca das relações entre as crianças, à cultura do escrito a as instituições de educação Infantil. Outro debate muito proveitoso ocorreu a partir das concepções e implicações pedagógicas quanto aos processos de leitura e escrita. Concluímos nossos encontros de formação discutindo a temática “Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola”. Nesse Caderno, refletimos sobre as situações em que a escola pode contribuir para a formação de pais e crianças leitores, e em que as famílias podem contribuir para a formação das crianças como leitoras.

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Foi um momento de socialização de práticas que ocorrem nas Unidades com o objetivo de envolver as famílias no universo da leitura. Esse material contou com o apoio teórico de Silvia Helena Vieira Cruz, Célia Abcalil Belmiro, Cristiene de Souza Leite Galvão, Mônica Batista, Angela Rabelo Barreto, Patricia Corsino, Vanessa Ferraz Almeida Neves, Maria Fernanda Resende Nunes. Foram discutidas as expectativas das famílias com relação à aprendizagem da leitura e da escrita na Educação Infantil, a luz dos documentos normativos como os artigos 7° e 8° das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEIS) (BRASIL, 2009). Por fim, o envolvimento com as discussões sucitou manifestações trazidas da realidade e que evidenciam as convergências e divergências no que concerne à interação das famílias nas questões escolares dos filhos. Face ao exposto, há que se considerar que os textos apresentados em cada um dos cadernos buscam estabelecer o diálogo com os sujeitos envolvidos, mobilizando conhecimentos prévios e contribuindo para a potencialização das práticas existentes, avançando conceitualmente e influenciando a constituição de cada profissional docente. Assim, no decorrer da formação, inúmeros relatos de experiências foram partilhados e se constituíram em ricas oportunidades para a ampliação de conhecimentos práticos dos docentes participantes, permitindo o estabelecimento da confiança entre os pares e uma ação-reflexão necessária. É importante registrar, também, as limitações financeiras pelas quais a maioria dos cursistas passou pela falta de apoio nos seus respectivos municípios. Em meio a tanto aprendizado, tantas trocas, esse fator aparece como um entrave que precisa ser superado, uma vez que é de muita relevância a formação constante do profissional docente e havia um compromisso formal estabelecido entre os órgãos ofertantes do programa (governo nacional, estadual e municipal) que deixou de ser cumprido na sua totalidade, inviabilizando a participação de muitos professores. Todos os encontros podem ser avaliados como muito proveitosos para nossa vida profissional, tendo em vista que as temáticas foram propícias para aprimoramento das nossas práticas docentes fazendo importante reflexão do quanto é possível ampliar nossos conhecimentos, buscar outras possibilidades, aprimorar ações que dão certo, enfim, sempre há aprendizado e de forma coletiva nos proporciona entender a multiplicidade de práticas que tem tudo para ser produtiva e significativa para as crianças.

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Ao colocar a proposta do PNAIC em ação deve-se considerar que a mesma ocorra através de situações significativas, estruturadas por eixos com as diversas formas de linguagem, interações, com organização espacial e temporal e inclusão constante de brincadeiras. A linguagem evidencia-se em todos os momentos, nas variadas situações do cotidiano e deve ser trabalhada de forma que a criança interaja e se construa por meio das experiências orais e escritas nos diversos gêneros textuais. Ainda, deve-se oportunizar espaço para o pleno desenvolvimento da linguagem nas suas diferentes modalidades e possibilidades, podendo manifestar suas opiniões, aprimorar-se numa estua atenta e na interação contínua com os pares.

Referências BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Bebês como leitores e autores. 1. ed. Brasília: MEC / SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 5/Caderno 4). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Caderno de apresentação. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 1/Caderno 0). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Crianças como leitoras e autoras. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 6/Caderno 5). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Currículo e linguagem na educação infantil / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. 128 p. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 7/Caderno 6). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 9/Caderno 8). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Linguagem oral e linguagem escrita na Educação Infantil. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 4/Caderno 3). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Livros Infantis: acervos, espaços e mediações / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 8/Caderno 7). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Ser criança na educação infantil: infância e linguagem / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. 112 (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 3/Caderno 2). 135


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BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Ser docente na Educação Infantil: entre o ensinar e o aprender. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 2/Caderno 1). NOVOA, António (Coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

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Desafios, conquistas e aprendizagens nas formações do PNAIC da Educação Infantil Odete Selva Formadora Local de Campo Verde-MT

Este texto tem como objetivo relatar o trabalho desenvolvido junto ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, Educação Infantil, no período 2017/2018, quando assumi a função de Formadora Local e participei das formações realizadas em Rondonópolis e Cuiabá, bem como, realizei os encontros de formação no município de Campo Verde. Das formações em Rondonópolis/Cuiabá, sempre considerei como uma oportunidade ímpar de troca de experiências bastante significativa, enriquecedora e muito proveitosa. Nestas formações nos era oportunizado conhecer melhor os livros, explorando cada texto com diferentes estratégias. Participávamos de momentos de partilha de saberes e de enriquecimento, com muita reflexão sobre a prática pedagógica nos diferentes grupos, com pessoas de diferentes municípios, onde tínhamos uma visão geral de como o PNAIC da Educação Infantil vem sendo desenvolvido no Estado. Em muitos desses momentos colocávamos nossas angústias e conquistas e nos identificávamos enquanto grupo. Os encontros propiciaram boas reflexões e aprofundamento acerca dos conceitos de leitura e escrita, que fazem parte do nosso cotidiano escolar e que carregam muitas incompreensões e dicotomias no nosso fazer pedagógico principalmente sobre o trabalho com a “cultura do escrito” na Educação Infantil. Adentramos nas discussões sobre as práticas de leitura, o desenvolvimento da oralidade, a cultura, a avaliação na Educação Infantil a qual foi muito significativa para o grupo. Esses encontros resultaram em muita troca de atividades e sugestões de estratégias para realizarmos com nosso grupo de cursistas no município e, assim, modificar realidades pela intervenção e reflexão. A formadora regional, Dulcilene, se mostrou sempre muito compromissada com a formação e nos apresentou técnicas de contação de histórias, dinâmicas para esclarecer conceitos, leituras deleite, análises de obras de


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autores renomados, filmes, músicas, teatros, imagens, textos, socialização dos estudos em grupo, apresentações de seminários e atividades lúdicas. Sem dúvidas, esses encontros contribuíram muito para minha formação tanto como formadora local como professora alfabetizadora, pois os espaços de discussão, com capacidade de ouvir o outro e intervir, quando necessário, me fortaleciam ainda mais para que eu pudesse atuar com mais segurança no meu grupo de cursistas ao retornar para o meu município. Em um empenho coletivo, atento e comprometido, tive a oportunidade de participar de todos os seminários de formação e repassá-los aos professores do munícipio numa força conjunta de fazer dar certo e de melhorar a qualidade de ensino ofertada em Campo Verde. Assim, não há como deixar de pontuar (e, por conseguinte, agradecer) as pessoas que se envolveram nessa coletividade – tão fortemente marcada nas discussões do PNAIC – em busca de mudar realidades preocupantes: a Secretaria de Educação Municipal, que viabilizou transporte e recursos financeiros para que eu pudesse participar de todas as formações propostas, dispensando-me do meu trabalho diário no Centro Educacional Amerecilda, instituição em que atuo como coordenadora pedagógica; UFMT (coordenação e equipe de Formadores/as Estaduais e Regionais) também honraram seus compromissos e realizaram os encontros previstos nos oportunizando esta formação tão importante para o desenvolvimento do nosso trabalho nos municípios; as professoras cursistas que se organizaram e foram dispensadas das horas-atividades para participarem com mais empenho e, dessa forma, ficaram mais livres para se dedicar exclusivamente a formação do programa. Considero tudo isso como aspectos positivos, bem como um privilégio e um direito ao mesmo tempo, pois quando falamos em formação continuada assumimos uma responsabilidade muito grande em relação à educação geral do nosso município e da nossa formação pessoal. Planejar e desenvolver um curso de formação continuada é assumir uma postura importante no processo de desenvolvimento profissional de uma equipe e, na própria construção pessoal, pois quando caminhamos nesta direção, comprometemo-nos a estudar e a fazer o melhor que podemos, averiguando as possibilidades de intervenções e relações com o contexto, positivando as ações e fazeres possíveis na educação. Sabemos que um dos objetivos mais marcantes na vida do professor é a formação continuada, contudo, é preciso considerar que o PNAIC é um programa de formação forte, consolidado e que expressa esse objetivo com uma qualidade considerável. 138


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Assim, pensar a formação na perspectiva do programa requer considerar também alguns apontamentos que não foram tão satisfatórios e que, talvez por causa deles, os resultados não foram tão inovadores e que se pudesse efetivamente marcar um tempo de inovação pedagógica para meu município: o pouco tempo para o estudo de cada caderno com as cursistas da Educação Infantil do município; o fato de o início da formação ter sido no final do ano letivo de 2017 e o término da formação no início de ano letivo de 2018, tempos de muita agitação nas unidades escolares; o não fornecimento dos livros impressos completos e coloridos para todas as cursistas; a não disponibilidade de nós, Formadores Locais, sermos de dedicação exclusiva do PNAIC para acompanhamento dos professores cursistas nas escolas, pois assim não conseguimos ter certeza de que, na prática, a formação foi aplicada. Dessa forma, na ausência de uma política pública de formação oferecida pelo poder público de forma sistematizada, articulada e contínua, as escolas terminam realizando ações mais isoladas e descontextualizadas com poucos momentos reflexivos, de análise e acompanhamento contínuo da aprendizagem. O campo de interlocução, de diálogo e de fazeres da formação em Campo Verde é pautado necessariamente no PNAIC, sendo que este foi o único programa de formação existente no nosso município nos últimos anos, especialmente na modalidade da Educação Infantil. Neste cenário, é inconcebível que um material tão riquíssimo como este que o Pacto traz para nossa realidade fique esquecido, engavetado, sem uma preocupação em dar continuidade ou até mesmo oferecer a formação para outros grupos que fazem parte da Educação Infantil e que não puderam fazer o curso por não estarem em salas de Pré II. Precisamos dialogar com as lideranças da Secretaria de Educação para que o estudo deste material continue. A maior dificuldade que encontrei na realização das formações no meu município foi a questão do tempo para planejar e estudar, pois quando desempenhamos uma função de coordenação de um Centro Educacional, como no meu caso, sempre há muitos afazeres na instituição, os quais não me permitem estudar de forma mais profunda e contínua, bem como preparar materiais para serem usados nas estratégias escolhidas para uma melhor compreensão das temáticas dos livros. Precisava me organizar aos finais de semana para estudar e preparar os detalhes dos encontros com as cursistas ou tomar o tempo da escola para isso. A formação continuada é gratificante, porém não é fácil. Soma-se a isso a necessidade de estarmos em Cuiabá durante dois ou

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três dias. Esse tempo é precioso e muitas vezes temos que nos organizar com muitas dificuldades para garantirmos essa participação. Mas fizemos todo o esforço para estar presente em todas as formações, pois entendemos esse movimento como algo imprescindível para nossa formação. Também no ano de 2017 foi muito difícil conseguirmos realizar o trabalho no nosso município com o tempo que foi disposto, pois logo entramos de férias e tivemos que atropelar as formações. Muitas cursistas desistiram das formações por questão das datas e horários noturnos dos encontros. No entanto, não pudemos nos deixar abater e desesperar; tivemos que nos desafiar, nos organizar, distribuindo as atividades no tempo e espaço disponíveis e envolver o grupo de forma intensa para garantir o estudo, a participação e a aprendizagem. Não foi nada fácil, mas conseguimos realizar todos os encontros com empenho e a participação da maioria das cursistas. Uma dificuldade grande que senti foi em relação ao apoio da Secretaria de Educação; penso que esta precisaria ser mais exigente na forma de cobrar das escolas a prática da metodologia que o PNAIC traz, bem como dar um suporte maior de acompanhamento nas escolas dos professores que participam desse programa, pois se não há este acompanhamento, não há como mensurar se os resultados e a eficiência buscada pelo programa foram alcançados. Em relação ao estudo dos Cadernos e/ou materiais indicados pelos Formadores Regionais, aconteceram muitas discussões pertinentes e que merecem destaque. Da mesma forma, olhares enviesados para as propostas e sua organização nos apresentaram o desafio que é vivenciar o PNAIC em todas as suas instâncias. No nosso primeiro contato para esclarecer as dúvidas e dar todas as informações do quanto à formação (materiais necessários, datas dos encontros, o não pagamento de bolsas, listas de presença, dispensa das horas atividades, o certificado, as tarefas a serem realizadas e o contrato didático com a turma) não foi muito amistoso. O olhar desconfiado das professoras nos incomodava, parece que estavam sendo obrigadas a participar do curso e que era nossa a responsabilidade de o programa ser realizado naquele momento, no final do ano, em que todas estavam muito cansadas e desmotivadas. Não senti que este curso era tão esperado por elas. Então, lembrei ao grupo o quanto desejávamos por um curso na Educação Infantil e que devíamos reunir nossas forças para aproveitar bem os estudos e as experiências que iam ser compartilhadas. A Coordenadora Local, parceira desse processo,

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elucidou essas questões e deixou o grupo livre para que se manifestassem se não queriam participar das formações. Pontuou sobre o compromisso assumido pelo município e principalmente com a educação, afinal, o PNAIC só acontece, de fato, se todos se unem em torno dos seus objetivos como força de concretização e visualizam o direito das crianças em terem um/a professor/a que as considere como sujeitos de direitos; um/a professor/a que vai além de práticas tradicionais, que seja a ponte entre as crianças e o conhecimento; que lhes possa apresentar ao extraordinário mundo das letras, da cultura, da arte, proporcionando interações e brincadeiras conectadas com seu mundo real, tornando-os crianças mais felizes e colaborando para que sejam homens e mulheres a frente do seu tempo. Assim, nessa perspectiva, preparamos o primeiro encontro com os textos do Caderno 0 – Caderno de apresentação e organizamos tudo com muito carinho; propusemos várias atividades diferentes para que a formação fosse bem suave, com novidades, mas com muita profundidade nos textos. E, começamos com muito entusiasmo e alegria. No estudo do Caderno de apresentação - “Profissão e formação docente: introduzindo algumas reflexões”, fizemos leitura coletiva e discussão. O grupo participou ativamente desse momento e destacou o papel das mulheres na história da educação até a formação de sua identidade como professora de Educação Infantil. Realizamos muitas dinâmicas para reflexão sobre o tema e o encontro fluiu com a leveza e a participação que esperávamos. O Caderno 1, “Docência e formação cultural”, foi bastante debatida a relação que existe entre docência, linguagem e cultura e que o professor precisa ser a ponte que liga os tempos do adulto e da criança, ambos como seres culturais. Realizamos uma dinâmica de separação de grupos pelo nome do Estado em que nasceu e ao som da música “É bem Mato Grosso” deveriam formar os grupos por Estado e prepararam uma apresentação com uma manifestação cultural. Muito rica e divertida as apresentações realizadas pelos grupos. Nesta atividade os cursistas puderam perceber que somos seres constituídos de cultura e nos sentimos parte de uma sociedade através da cultura, que não é nem melhor ou pior que outra, mas diferente e única e precisamos respeitar. Percebemos que dessa forma, colocando o grupo para ler, apresentar e explicar é a melhor forma para se aprofundarem mais nos textos tendo uma maior compreensão e participação de todos. Às vezes queremos correr para dar conta de tudo o que é proposto, devido ao pouco tempo, e queremos nós mesmos dar tudo muito pronto, privando os cursistas

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de uma boa leitura dos textos. Resolvemos seguir nessa dinâmica de leitura dos textos, mais demorada, porém muito mais produtiva. O grupo deu a ideia de montar um livro e guardar todos os materiais produzidos nos encontros para fazermos um dia de seminário e exposição no final do curso com fotos. A ideia foi aprovada por todos e assim terminamos mais um encontro, com gostinho de quero mais. No estudo do Caderno 02, “Ser criança na Educação Infantil: infância e linguagem”, providenciamos uma exposição das obras que compõe o Caderno, que ficou disposta logo na entrada da sala para iluminar nosso encontro e para apreciação das cursistas. Para nossa tristeza, percebemos que ninguém foi apreciar as obras espontaneamente, apesar de estar bem na entrada da sala e termos dado um tempo maior antes de iniciar o encontro. Realizamos a leitura deleite, dinâmicas de divisão de grupos, elaboração de cartazes com conceitos referentes aos textos. A participação foi muito intensa nestas atividades. Sentiram muito prazer em realizar e apresentar. Percebemos com estas atividades que somos e pensamos conforme a nossa participação nas ações culturais ao longo de nossa vida, e que pensamos e agimos de forma diferente. No estudo do texto “Infância e Linguagem” apresentamos as ideias dos teóricos Walter Benjamin, Lev Vygotsky e Mikhail Bakhtin bem como o esforço das crianças para tornar os sons em palavras. Fizemos uma leitura silenciosa e ao terminarem, formamos no centro da sala uma grande roda de conversa e no centro dessa roda maior formou-se uma roda menor para o grupo apresentar as ideias do texto como numa conversa de amigos. Essa estratégia da roda de conversa foi muito produtiva, pois oportunizou que todos falassem, mesmo os mais tímidos, porque não estavam a frente, dando uma segurança maior e muito mais confortável para quem estava apresentando. Realizamos a dinâmica do desenho, que consiste em expressar artisticamente as “Lembranças que guardo da minha infância, cuja cultura está influída em mim”, tendo como fundo na tela as obras de Ivan Cruz “Crianças na praça”. Propusemos um tempo para apreciação das obras presentes na sala. Fizemos uma reprodução de 12 obras de Ivan Cruz, identificando e executando cada brincadeira. Para finalizar a exploração e apreciação das obras deste artista, propusemos uma releitura de muitas de suas obras em grupos. Esta atividade foi realizada com muito prazer por todos do grupo, pois muitas relataram que nunca haviam tido a oportunidade de fazer uma releitura de obras e nem sabem apreciar, pois não desenvolveram esta habilidade. Chegaram à conclusão que não haviam desenvolvido seu olhar estético, da fruição, da

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imaginação, da apreciação do belo e que também não se sentem preparadas para oportunizar aos alunos tais experiências e que por este motivo gostariam de outras vezes terem esta experiência para desenvolverem esta capacidade. Nesse encontro, as atividades foram intensas e cheias de significado e reflexões. Como atividade de conclusão foi oportunizado compartilharem suas lembranças da infância que foram despertadas pelos objetos antigos expostos que trouxeram de casa. Foram histórias lindíssimas e carregadas de cultura, fantasia e sentimentos. O encontro foi muito proveitoso, dinâmico e produtivo, me senti realizada. As cursistas saíram muito satisfeitas com a promessa de ninguém desistir para o próximo ano, pois encerramos o ano de 2017 com os estudos do Caderno 3. Ao retornarmos os encontros em 2018 começamos a desenvolver o Projeto de Leitura que elaboramos com o grupo para o incentivo à leitura do próprio grupo de cursistas. Com este projeto, em cada encontro, conforme o cronograma por escola, as cursistas que faziam parte da escola eram responsáveis em apresentar e organizar um momento de leitura, podendo ser de uma história, apresentar um autor, um livro que estavam estudando ou uma leitura interessante que estivessem fazendo na escola. Como produto final deste projeto cada escola, no Seminário Final, apresentou uma dramatização de uma história. Iniciamos os estudos do Caderno 3, “Crianças e cultura escrita”, o qual foi intenso e cheio de discussões e divergências de ideias. Acredito que este caderno seja um marco para a busca de respostas às muitas indagações dos professores de Educação Infantil em relação à velha e atual pergunta: “Alfabetizar ou não na Educação Infantil?”, discussão que não tem fim! Neste caderno, foram proporcionados muitos momentos de leitura de diferentes gêneros textuais, sempre confeccionando algo para dar sentido ao que lemos e compreendemos através das leituras deleite como “O livro da escrita” de Ruth Rocha; o Bárbaro, filmes, músicas e poemas. Estes momentos são muito apreciados pelas cursistas, de muitos significados e boas lembranças. O que foi mais marcante neste caderno foram as discussões acerca do processo de ensino e aprendizagem da escrita e da leitura na Educação Infantil. Através das leituras e discussões dos textos ficou evidenciado o papel dos professores nos espaços coletivos de Educação Infantil, pois isso exige de nós, professoras, muito “conhecimento, reflexão, escuta e sensibilidade, mas também escolhas e tomada de posição”. (SMOLKA et al, 2016, p.11). E, ainda, como afirma Ana Luiza Bustamante Smolka, quando dizemos

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que “as crianças adquirem, absorvem, assimilam o conhecimento, que elas aprendem, constroem, apropriam-se do conhecimento, [...] cada um desses termos indica nuances conceituais importantes em diferentes perspectivas teóricas”. Lembrei-as que precisamos pensar sobre os conceitos que usamos, pois eles revelam nossas impressões sobre o que fazemos. Este caderno nos convida a conhecer as perspectivas, entender as nuances para ir tecendo nossas escolhas. Com relação à linguagem oral e à linguagem escrita, quais os termos que tenho empregado para me referir aos processos das crianças? Em que acreditamos: se os indivíduos recebem a língua pronta para ser usada, ou penetram na corrente da comunicação verbal como afirma Bakhtin. O Caderno 5 foi tão discutido quanto o caderno 3. Trouxe à luz das nossas discussões o que mais nos preocupa e que mais existe dicotomias no fazer pedagógico. Percebemos o que cabe à Educação Infantil “ampliar as experiências culturais das crianças, socializando os seus saberes e conhecimentos e disponibilizando outros, favorecer a expressão das crianças em todas as formas, valorizando as diferentes linguagens”(BRASIL, 2016, p.11); e o que não cabe à Educação Infantil é ter como objetivo a sistematização formal desse processo de apropriação no coletivo das crianças. Todas ficaram pensativas e sensibilizadas quanto a nossa responsabilidade diante das crianças que temos em nossas mãos. Puderam perceber que o grande diferencial entre Pré-escola e Ensino Fundamental é justamente o espaço de liberdade e de possibilidades de expressão, pois tudo precisa passar por nossa invenção ou reinvenção para se tornar verdadeiro e ter sentido. Nesse encontro, pensamos e discutimos muito em relação ao paradigma do desenvolvimento por etapas a serem percorridas que está presente ainda nas nossas práticas sobre a criança: um ser de falta, de incompletude, de dependência, de improdutividade, pois ainda pensamos a Educação Infantil como uma fase de preparação para a vida produtiva. Foi bem debatida esta visão que ainda temos, bem como a questão das implicações que teriam para a prática docente se fôssemos capazes de nos aproximar das crianças tendo como ponto de partida o paradigma da competência e suas possibilidades de construção do mundo e da própria infância. Por onde começaríamos a construir o paradigma da competência ao assumir as crianças como: “agentes sociais plenos, cujo agir modifica as estruturas sociais, dando-lhes outro sentido; com suas produções singulares, criativas e imprevisíveis, podem apresentar diferentes processos tanto individuais quanto culturais; são sujeitos sócio históricos; são dotados de potência, de capacidade, de inteligência”.

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Percebemos que tomar a competência como parâmetro para as interações só é possível pela experiência do encontro, de nos transformar em vista de um bem maior para o outro. Estamos conscientes que somos nós, professores, “o sujeito da experiência, aquele que está disposto a se alterar pelo outro, a se transformar numa direção desconhecida” e isso exige: conhecer as crianças ou ter conhecimentos de diversas áreas sobre elas e seus processos, renunciar a “toda vontade de saber, de poder e de controle, se aproximar da presença enigmática da infância e se deixar transformar pela verdade que cada nascimento traz consigo” (LARROSA, 1999, p. 196). Enfim, a discussão deste caderno perdurou por três encontros para trabalharmos bem intensamente cada texto, por acharmos que era muito importante a leitura na íntegra de cada um dos materiais para elaborarmos nossa proposta de trabalho a partir das sugestões destes textos. O trabalho com o Caderno 6 já foi mais tranquilo, porém não menos reflexiva e dinâmica. Trabalhamos um texto por encontro por percebermos a necessidade do grupo. No texto 1 percebemos o quanto nos preocupamos tanto com a prática e deixamos de lado os estudos e aprofundamentos nas teorias e leis que regem nosso próprio trabalho. Não tínhamos conhecimento do Parecer CNE/CEB n. 20/09 e a Resolução CNE/CEB n.05/09. As coordenadoras comprometeram-se a estudar tais leis nas escolas com seu grupo de professores. Refletimos sobre o currículo que temos o qual foi caracterizado como uma lista de conteúdos disciplinares e que precisamos mudar isso urgentemente. Vários exemplos foram citados sobre o conceito de currículo oculto, estudado por Michael Apple (1982), evidenciando que: O currículo não é constituído apenas por aquilo que os professores conscientemente dizem e escrevem em seus planos que vão ensinar, mas é também composto pelo modo como os mesmos professores se relacionam com seus alunos, pela maneira como disponibilizam os materiais, ordenam o espaço, atribuem valores, elegem os conhecimentos, elaboram estratégias, decidem normas, pelos silêncios, etc. (BARBOSA e OLIVEIRA in BRASIL, 2016, p. 21).

As discussões desse texto despertaram para o cuidado que se precisa ter com as práticas pedagógicas desenvolvidas na sala de aula, pois, às vezes, agimos até inconscientemente, principalmente em relação à discriminação de raça, sexo e classe social e ideologias que não condizem com a verdade e a qualidade da nossa prática docente, que estão presentes nos nossos modos de 145


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trabalho, na nossa forma de organizarmos, de receber as crianças, na forma como falamos e nos comportamos diante das situações cotidianas. Ouve uma discussão muito acalorada em relação ao currículo prescritivo e currículo narrativo, onde muitos professores ainda estavam confusos em qual destes currículos nós devemos nos pautar, pois sabemos que na prática o que prevalece é o conceito prescritivo. Concluímos que para que haja uma mudança na nossa forma de conceber a criança e o currículo precisamos acolher as necessidades, os desejos e as manifestações das crianças; compreender suas histórias de vida, saber da realidade de suas famílias e do contexto no qual estão inseridas; termos a prática diária de observar e a documentar as interações das crianças, o que fazem, dizem, assim como seus silêncios e olhares. Precisamos assumir as crianças como “produtoras de cultura, como aquelas que inventam o mundo, com uma história e uma cultura a serem partilhadas”. No texto sobre avaliação aproveitamos para fazer a relação do texto do caderno comparando com o texto da nossa Proposta Pedagógica Municipal da Educação Infantil, com nossa prática de relatórios e apresentação do novo modelo de avaliação criado pela Secretaria de Educação a pedido do Tribunal de Contas da União. Foi bastante discutida cada questão proposta. Quanto aos Cadernos 7 e 8 fizemos apenas um encontro para cada um deles. Foi bem tranquilo por serem assuntos que fazem parte do nosso cotidiano e bem compreendidos por todos. Os textos foram divididos por grupos, com dinâmicas de apresentação, leituras deleite, músicas e muita troca de experiência, onde cada escola teve oportunidade de compartilhar como é seus contextos de leitura, suas bibliotecas, seus projetos de leitura que desenvolvem com toda escola, bem como seu relacionamento com as famílias. Esses dois encontros foram bem prazerosos, pois quando falamos de nossa realidade e de como acontece a dinâmica do dia-a-dia temos mais autoridade e segurança. O seminário final foi realizado conjuntamente com a turma do Ensino Fundamental e, nele, houve relatos de experiência das duas modalidades, apresentação de dramatização de histórias com a turma da educação infantil e presença e fala de autoridades. Enfim, concluímos as formações do PNAIC e saímos com vontade de dar continuidade a esse trabalho por se tratar das últimas pesquisas e autores renomados que abordam as questões de leitura e escrita, assuntos muito presentes, atuais e muito debatidos, os quais ainda suscitam muitas incompreensões

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e merecem um estudo atento. Sabemos da necessidade de este material ser conhecido por toda a rede, de modo a tomarmos uma decisão de oferecer às escolas paridade e igualdade de oportunidades; por isso, dar continuidade ao trabalho do PNAIC no nosso município – apesar do término das formações obrigatórias – nos fará ampliar as possibilidades de oferecer uma Educação Infantil de qualidade.

Referências BARBOSA, Maria Carmen Silveira; OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Currículo e Educação Infantil. IN: BRASIL. Secretaria de Educação Básica. In: Currículo e linguagem na educação infantil / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. 128 p. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 7/Caderno 6). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Bebês como leitores e autores. 1. ed. Brasília: MEC / SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 5/Caderno 4). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Caderno de apresentação. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 1/Caderno 0). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Crianças como leitoras e autoras. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 6/Caderno 5). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Currículo e linguagem na educação infantil / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. 128 p. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 7/Caderno 6). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 9/Caderno 8). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Linguagem oral e linguagem escrita na Educação Infantil. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 4/Caderno 3). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Livros Infantis: acervos, espaços e mediações / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 8/Caderno 7). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Ser criança na educação infantil: infância e linguagem / Ministério da Educação, Secretaria de 147


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Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. 112 (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 3/Caderno 2). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Ser docente na Educação Infantil: entre o ensinar e o aprender. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 2/Caderno 1).

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Um Pacto pela Educação Infantil Silvana Nunes Viana Paiva Formadora Local de Sapezal-MT

Ao longo dessa caminhada junto ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) - Educação Infantil, foram desenvolvidas várias atividades da formação continuada. Os estudos, que iniciaram em outubro de 2017, se deram de forma bastante positiva, apesar das dificuldades enfrentadas pela instituição organizadora e pelos Formadores Regionais e Locais. Era perceptível o comprometimento dos educadores envolvidos neste processo. As atividades previstas foram realizadas satisfatoriamente, a despeito de alguns problemas, como os prazos estabelecidos para entrega de relatórios e execução dos encontros no município, que coincidiam com outras atividades advindas da Secretaria Municipal de Educação que, por vezes, dificultaram a realização dos encontros para os estudos. Destacamos, positivamente, o bom nível e o compromisso demonstrado pelos educadores, que revelaram um potencial promissor para a execução das ações formativas do PNAIC Educação Infantil. Por outro lado, manifesto a minha imensa tristeza – e de todos os cursistas – pela morte prematura desse Programa de formação continuada, que, de um modo específico e muito subjetivo, contribuiu significativamente nas ações desenvolvidas nos espaços pedagógicos da Educação Infantil (EI). As concepções abordadas pelo PNAIC Educação Infantil nos possibilitaram uma reflexão sobre a importância da formação continuada para nós, professores, e nos instrumentalizaram para a construção de um ambiente educacional coerente com as necessidades interativas da criança em seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. Durante essa caminhada, assumimos o papel de pesquisadores e pesquisadoras, tanto do desenvolvimento infantil quanto de como se dá o processo de aprendizagem da criança desde o seu nascimento. Os caminhos que percorremos, com o aporte dos Cadernos de estudos do de EI, causaram reflexões sobre a necessidade de se trabalhar coletivamente e de respeitar os diferentes saberes e a diversidade cultural dos sujeitos, a importância das trocas de experiências. Nossos estudos integraram o brincar e a linguagem escrita na instituição de Educação Infantil, revelando um contexto de divergências, conflitos e diferentes formas de se pensar a criança, o ensino, a escrita e o brincar no


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processo de aprendizagem e, principalmente, o espaço que deve ser dado à linguagem e às crianças na educação infantil. Compreendemos que assim como a criança precisa ter garantidas diferentes experiências de exploração e de linguagem, o professor também precisa ter experiências diversificadas. Deste modo, na perspectiva de uma educação com qualidade social, entendemos a necessidade de um processo formativo que atenda aos princípios básicos da educação infantil, interação e brincadeiras. Quanto ao trabalho que tem sido realizado na EI, especificamente no que concerne ao eixo da linguagem oral e linguagem escrita, enfatizamos que a linguagem da criança deve ser estimulada a fim de que o seu repertório vocabular esteja suficientemente desenvolvido, de modo que ela emita, receba mensagens e ainda seja uma boa produtora de linguagem. Bakhtin (1988), afirma que a “língua não se transmite; ela dura e perdura sob forma de um processo evolutivo”. Nossa consciência de seres sociais é formada por essa linguagem viva, carregada de sentidos, por meio da qual aprendemos a falar e nos tornamos partes atuantes da história e da cultura do país em que nascemos e dos locais que habitamos. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) esclarece que: O trabalho com a linguagem se constitui um dos eixos básicos na educação infantil, dada sua importância para a formação do sujeito, para a interação com as outras pessoas, na orientação das ações das crianças, na construção de muitos conhecimentos e no desenvolvimento do pensamento. Aprender uma língua não é somente aprender as palavras, mas também os seus significados culturais, e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio sociocultural entendem, interpretam e representam a realidade (BRASIL, 1998, p. 116).

Assim os espaços da Educação infantil têm um papel preponderante na inserção das crianças no mundo da cultura escrita, pois a função desses espaços é criar condições culturais de ampliação do desenvolvimento da linguagem escrita, esses ambientes devem oferecer situações em que a criança possa manifestar as suas habilidades pessoais. Os momentos de conversa, em que parte do grupo ou todas as crianças se reúnem, deve ter um “espaço” garantido na rotina da EI. De acordo com os embasamentos teóricos é importante ressaltar, que os professores devem permitir a aproximação das crianças à cultura escrita de 150


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forma lúdica, eficaz, como: explorar diferentes tipos e gêneros de material de leitura; manusear livros, jornais e revistas, ouvir a leitura de contos, poemas, crônicas, notícias, instruções de jogos, brincar de ler e escrever, participar de jogos e brincadeiras que utilizem a leitura e a escrita. Além do contato com este material escrito é preciso que as crianças tenham oportunidades de observar, entender e reelaborar suas concepções sobre como se constitui o processo da linguagem escrita. Para que isso ocorra, é preciso planejar situações que possibilitem a participação das crianças em práticas autênticas de leitura e de escrita no cotidiano da sala de aula. A linguagem escrita não deve ser desvinculada de outras atividades que ofereçam à criança oportunidades de se expressar livremente. Conforme as DCNEI, o período de vida atendido pela Educação Infantil caracteriza-se por marcantes aquisições: a marcha, a fala, o controle esfincteriano, a formação da imaginação e da capacidade de fazer de conta e de representar usando diferentes linguagens. As Diretrizes anunciam que: Embora nessas aquisições a dimensão orgânica da criança se faça presente, suas capacidades para discriminar cores, memorizar poemas, representar uma paisagem através de um desenho, consolar uma criança que chora etc., não são constituições universais biologicamente determinadas e esperando o momento de amadurecer. Elas são histórica e culturalmente produzidas nas relações que estabelecem com o mundo material e social mediadas por parceiros mais experientes. Assim, a motricidade, a linguagem, o pensamento, a afetividade e a sociabilidade são aspectos integrados e se desenvolvem a partir das interações que, desde o nascimento, a criança estabelece com diferentes parceiros, a depender da maneira como sua capacidade para construir conhecimento é possibilitada e trabalhada nas situações em que ela participa. Isso por, na realização de tarefas diversas, na companhia de adultos e de outras crianças, no confronto dos gestos, das falas, enfim, das ações desses parceiros, cada criança modifica sua forma de agir, sentir e pensar (BRASIL, 1998, p. 86).

Por conseguinte, cabe a nós, enquanto educadores da EI, estimular a curiosidade da criança, a independência e a manipulação de tudo que a cerca, para que ela assuma uma atitude de experienciar diferentes situações. Para Vygotsky (1984) o conhecimento é uma construção do indivíduo e do seu grupo social, por isso, contextualizado nessas experiências sociais. 151


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Essa construção é um processo contínuo, em que o sujeito busca desenvolver suas capacidades psicológicas mais complexas: memória, atenção, vontade consciente. Partindo desses pressupostos, uma prática sistematizada da linguagem escrita na EI, baseada em um modelo de alfabetização de concepção tradicional, sustentada pelos métodos analíticos, sintéticos, mistos e pelos testes de maturidade, não garante a participação em práticas sociais de leitura e escrita, já que tais métodos de ensino estão centrados apenas no domínio do sistema da escrita. De acordo com este modelo, a escrita é concebida como mera representação da fala, isto é, como um código de transcrição da linguagem oral. As atividades de linguagem escrita na educação infantil devem favorecer a participação das crianças de modo que elas atribuam um sentido àquilo que aprendem. O trabalho com a linguagem escrita deve permitir à criança assumir um papel importante na formação de usuários competentes do sistema de escrita, respeitando-a como produtora de cultura. Desse modo, o docente precisa oferecer a criança o contato com material gráfico impresso, dando-lhe a oportunidade de descobrir os princípios básicos de organização da escrita, suas convenções e funções, favorecendo atividades de expressão, seja por meio do desenho, do gestual ou do brincar. Ao longo do processo da vida humana, o que mais motiva o desenvolvimento na infância, ampliando o conhecimento do mundo para o sujeito, é o brincar, constituído, basicamente, pelo faz de conta, pois permite a experimentação de inúmeras outras atividades que descortinam o mundo dos objetos, da natureza e da cultura, oferecendo momentos favoráveis ao desenvolvimento da linguagem. No ato de brincar, a criança organiza seu pensamento, fala, discute, enfrenta problemas, dialoga, argumenta e, consequentemente, desenvolve a linguagem. Vygotsky (1984) enxergava no brincar uma contribuição para o desenvolvimento da língua escrita, já que nele ocorre uma representação do significado da atividade simbólica, pois é através dela que a criança irá chegar a novas formas de comportamento e compreensão da realidade. Nós, professores, precisamos nos alfabetizar nas diferentes linguagens infantis, pois, como diz Loris Malaguzzi, “A criança tem 100 linguagens, mas nós roubamos 99”, assim precisamos voltar a pensar como crianças, entender e respeitar esse sujeito para garantir a apropriação de seus direitos. A garantia desses direitos avança na ideia de um educar e cuidar não como uma forma de assistencialismo, de filantropia, com o sentindo de profundo amor, desprendimento, generosidade para com outrem.

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Humberto Maturana (2016), o cientista que consegue ver o ser humano pelas lentes do amor, nos diz que: O amor nos dá a possibilidade de compartilhar a vida e o prazer de viver experiências com outras pessoas. Essa dinâmica relacional está na origem da vida humana e determinou o surgimento da linguagem, responsável pelos laços de comunicação e que inclui ações, emoções e sentimentos. (MATURANA, 2016, n.p.).

Em uma de suas parábolas, Jesus fala do camponês lançando sementes ao solo. Algumas caem nas pedras e são comidas pelas aves, outras caem num solo árido e resistem por pouco tempo. Mas há aquelas que encontram boa terra e crescem vigorosas. A Educação Infantil precisa de solo acolhedor para que as crianças possam se desenvolver integralmente. Devemos olhar as nossas crianças com esse olhar, considerando-a como protagonista do seu processo de aprendizagem, sujeito cognoscente, de direitos, produtor de cultura, capaz de ressignificar o mundo à sua volta. A formação continuada oferecida pelo PNAIC Educação Infantil foi a abertura para os educadores buscarem novas reflexões no processo educativo, para que possam vivenciar as transformações de forma a beneficiar suas ações, com novas formas didáticas e metodológicas no processo ensino-aprendizagem, o professor é um instrumento de enfoque motivador desse processo. Os estudos nos permitiram compreender que as crianças já nascem banhadas em linguagem, pois suas ações as constituem como pessoas vivas e críticas, não recebem a língua pronta para ser usada, mas penetram na corrente da comunicação. Quando nascemos, o mundo que nos é apresentado já possui sentidos e significados, e aprendemos na convivência com outros esses significados, e, ao mesmo tempo, produzimos cultura. Comunicamo-nos através do corpo, da fala, da escrita, da música, da arte, da visão e da matemática. As diferentes linguagens (corporal, oral, escrita, plástica, visual, musical) são manifestadas em lugares diversificados e a escola é um desses lugares. Nesse sentido, a Educação Infantil torna-se um espaço privilegiado de convivência, interação, conhecimento e, portanto, de vivência das diversas linguagens. Percebemos que a cultura escrita não é homogênea, somos todos produtores de cultura e estamos inseridos nos diferentes níveis de produção, aproximação e participação. É através das interações e das brincadeiras que o desenvolvimento da criança se consolida, por meio de situações, de vivências

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e de experiências que ampliam as possibilidades de linguagem das crianças. O papel do educador, neste processo, é um elemento essencial, educar é ajudar a criança a tomar consciência de si mesma e da sociedade, é oferecer várias ferramentas para que a criança possa escolher caminhos, ampliando suas experiências culturais, socializando os seus saberes e conhecimentos, disponibilizando, para tanto, outros, favorecendo suas expressões em todas as maneiras, valorizando suas diferentes linguagens. Estes elementos foram enfatizados nesta formação de modo esclarecedor e muito reflexiva a cada educador. Fomos levados em uma viagem sobre as concepções de criança, infância e educação, aprofundando-nos na linguagem escrita, compreendendo como a criança dela se apropria. A criança, desde muito cedo, se interessa pelo funcionamento dessa linguagem. Os estudos da psicogênese da leitura e da escrita, de Ferreiro e Teberosky (1985) nos mostraram como as crianças formulam hipóteses para explicar o funcionamento desse sistema, sobretudo porque elas se interessam em conhecê-lo e desejam dele se apropriar. Crianças que ainda não dominam o sistema de escrita alfabética brincam imitando a escrita, criando histórias a partir de textos verbais e visuais. Figura 1 – Cenas de nossa viagem formativa

Fonte: acervo da pesquisadora.

Entendemos que não é preciso que a criança compreenda as relações entre fonemas e grafemas para construir sentidos ao escutar a leitura de uma história ou ao elaborar narrativas a partir de um livro de imagens, por

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exemplo. As crianças formulam hipóteses, criam histórias, inventam sentidos, atestando, assim, seu protagonismo em relação ao processo de construção de conhecimentos sobre a linguagem escrita. O trabalho com a leitura e a escrita precisa ser coerente com o universo infantil, com a forma lúdica da criança construir significados para o que faz para o que vê e para aquilo que experimenta. O direito de ter acesso ao mundo da linguagem escrita não pode descuidar do direito de ser criança. Refletimos sobre a participação e a escuta das crianças que implica em reconhecê-las como sujeitos históricos e sociais de pleno direito, que se desenvolve nas interações, relações e práticas cotidianas a ela disponibilizadas e por ela estabelecidas, a participação das crianças pode ocorrer durante as práticas cotidianas, quando os profissionais planejam e organizam meios de observação e escuta atenta, e não necessariamente em um momento formal e específico para isso (BRASIL, 2009). A sua escuta, a participação, o respeito aos seus desejos, necessidades e opiniões colaboram para uma formação humana, social e política. Ferreira (2008, p. 147) justifica a escuta das crianças: “trata-se de levar a sério a voz das crianças, reconhecendo-as como seres dotados de inteligência, capazes de produzir sentido e com direito de se apresentarem como sujeitos de conhecimento ainda que o possam expressar diferentemente de nós adultos”. O PNAIC Educação Infantil, mas a nossa luta continua, em defesa dos direitos das crianças. Essa formação nos fez defender a ideia de que “A criança é um sujeito ativo que deve ser escutado. Temos que tentar a todo custo assegurar essa escuta”, como pondera Iride Sasssi, de Reggio Emilia. Sempre lutaremos por uma educação onde as crianças tenham voz e vez, focando em práticas pedagógicas e na relação professor criança, observando de perto, conhecendo, compreendendo suas diferenças, demonstrando interesse por eles, conhecendo suas dificuldades e incentivando suas potencialidades.

Referências BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988. BRASIL. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC, 1998. FERREIRA, Manuela; SARMENTO, Manuel Jacinto. Subjectividade e bem-estar das crianças: (in)visibilidade e voz. Revista Eletrônica de Educação, v. 2, n. 2, nov. 2008. Artigos. ISSN 1982-7199. Programa de Pós-Graduação em Educação. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/55637056.pdf Acesso em: 20 jun. 2016.

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MALAGUZZI, Loris. História, ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999. p.59-104. MATURANA, Humberto. Humberto Maturana e a importância do amor. Entrevista a Cecília Reis, em 20 dez. 2016. Casa.com.br. Bem Estar. Disponível em: https://casa. abril.com.br/bem-estar/entrevista-humberto-maturana-e-a-importancia-do-amor/ Acesso em: 20 jun. 2018. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

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Reflexões sobre livros infantis: acervos, espaços e mediações Solange Antunes Karpinski Formadora Local de Aripuanã-MT

Introdução O programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) tem como objetivo garantir que todas as crianças estejam plenamente alfabetizadas ao final dos três primeiros anos do Ensino Fundamental, considerando que esse processo começa na Educação Infantil. Por isso é que, em 2017, a Educação Infantil (EI) foi incorporada à formação que vem sendo oferecida desde 2013. A cada encontro de formação, tanto na formação de Formadores Locais quanto na formação desenvolvida com os professores de EI no município de Aripuanã, Mato Grosso, foram debatidas temáticas estabelecidas pelo Programa de formação, fundamentadas em Cadernos de estudo, dentre elas, podemos citar: Ser docente na educação infantil: entre o ensinar e o aprender (Caderno 1), Ser criança na educação infantil: infância e linguagem (Caderno 2), Linguagem oral e linguagem escrita na educação infantil: práticas e interações (Caderno 3), Bebês como leitores e autores (Caderno 4), Crianças como leitores e autores (Caderno 5), Currículo e Linguagem na educação infantil (Caderno 6), Livros Infantis: acervos, espaços e mediações, e por fim (Caderno 7), Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola (Caderno 8). Figura 1 – Formação

Fonte: acervo da autora.


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O presente texto tem como foco o caderno 7, que nos apresentou situações de aprendizagens e projetos que buscaram dinamizar a leitura nas escolas, utilizando os livros do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e ainda conhecemos diferentes espaços de leitura para a Educação Infantil. Esses assuntos proporcionaram, além do exercício, oportunidade de repensar sobre a prática alfabetizadora, para que o professor desenvolva ações voltadas ao debate sobre os direitos de aprendizagem.

Educação Infantil: entre sabere e fazeres Iniciamos o texto trazendo o conceito de Educação Infantil e sua finalidade, que é o compartilhamento do cuidado e da educação das crianças até os cinco anos de idade com as famílias e a comunidade. Isso implica o desenvolvimento de ações fundamentadas em conhecimento aprofundado sobre a criança e seu meio, sobre a sociedade, sobre o papel das interações entre adultos e crianças, entre as crianças e entre estas e o ambiente natural e social, para o seu bem-estar, desenvolvimento e participação na cultura. (OLIVEIRA E SILVA, 2016, p. 63).

Para um bom desenvolvimento da criança é preciso de uma proposta pedagógica que contemple os objetivos descritos no Art. 8º, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil que preveem: [...] a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças (BRASIL, 2009, n.p.).

Uma proposta pedagógica assim concebida trata de maneira indissociável as funções de cuidar e de educar, considerando igualmente importantes os cuidados com a saúde, as brincadeiras e a apropriação/construção de conhecimentos. Essa forma de conceber a Educação Infantil e de orientar a elaboração de propostas pedagógicas para essa etapa reflete análises de especialistas sobre as características das crianças pequenas e da vivência da infância em nossa cultura, salientando que brincar, interagir e aprender são ações entrelaçadas 158


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nos processos de cuidar e educar bebês e crianças pequenas (MARANHÃO, 2011; KISHIMOTO, 2010 apud OLIVEIRA E SILVA, 2016, p. 68).

A prática docente, em qualquer etapa educacional, deve assumir características que se relacionam às suas finalidades e às características dos educandos. No caso das crianças, desde o seu nascimento até os cinco anos, é preciso considerar suas formas de interação, comunicação e de aprendizagem. Conceituada a Educação Infantil e sua finalidade, veremos a seguir como essas teorias podem ser aplicadas na prática, descrevendo, particularmente, as etapas da formação do Caderno 7 com as professoras e sua aplicabilidade em sala de aula.

Encontro da formação do caderno 7 – livros infantis: acervos, espaços e mediações Este texto foi construído a partir do encontro entre a Formadora Local e os professores ocorrido no mês de abril de 2018, a fim de discutirmos o Caderno 7, Livros Infantis: acervos, espaços e mediações, com objetivos de discutir sobre a trajetória das políticas públicas do livro e da leitura no Brasil, compreendendo como ocorre o processo de seleção dos acervos pela PBNE e, enfim, conhecer os acervos constituídos para a Educação Infantil. No Brasil, as ações incentivo e acesso à leitura são promovidas pelo Ministério da Educação (MEC). A partir dos anos 80, essa questão ganhou mais destaque nas políticas públicas, embora ainda não fosse entendida como prioridade. Fizemos uma linha do tempo para que os cursistas compreendessem o processo das ações que antecederam o PNBE e mereciam ser mencionadas: - Programa Nacional Sala de Leitura (PNSL) – 1984 a 1987; - Proler – 1992; - Pró-Leitura na Formação do Professor – 1992 a 1996; - Programa Nacional Biblioteca do Professor – 1994 a 1997; e - Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) – 1997. O principal objetivo do PNBE é democratizar o acesso a obras de literatura infantis e juvenis, brasileiras e estrangeiras, e a materiais de pesquisa e de referência a professores e alunos das escolas públicas brasileiras. Ao longo da história desse programa, a distribuição dos li-

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vros de literatura tem sido realizada por meio de diferentes ações (PAIVA, 2016, p. 21).

Desde então, ao longo dos anos, os acervos foram enviados para as bibliotecas escolares, compostos por obras representativas da literatura para seus familiares. Vale ressaltar as ações de 2004, pois algumas cursistas se identificaram com algumas delas. Por exemplo, temos professores formados no período do Pró-Leitura na Formação do Professor, no período de 1994 a 1997; professores que conhecem alguns livros do acervo do PNBE. O grupo entendeu a importância de conhecer as lutas por uma educação de direitos buscando qualidade na educação pública. Em seguida, partimos para uma reflexão sobre os critérios de seleção dos acervos: No decorrer de sua história, o PNBE vem modificando suas ações, buscando adequar-se às necessidades educacionais e às especificidades dos segmentos que atende. As alterações em relação aos destinatários, à forma de seleção e ao tipo de obras selecionadas buscam ampliar significativamente o campo de ação do PNBE. As especificidades de cada edição do programa são determinadas por meio de publicação de edital que define critérios e normas para a seleção dos livros que comporão cada acervo. (PAIVA, 2016, p. 25).

No tocante à Educação Infantil, discutimos sobre as categorias do livro, que foram divididas em duas: Creche e Pré-Escola. Categoria 1: para as instituições de Educação Infantil – etapa creche: Textos em verso – quadra, parlenda, cantiga, trava-língua, poema; Textos em prosa – clássicos da literatura infantil, pequenas histórias, textos de tradição popular; Livros com narrativa de palavras-chave – livros que vinculem imagens a palavras; livros de narrativas por imagens – com cores e técnicas diferenciadas, como desenho, aquarela, pintura, entre outras. Categoria 2: para as instituições de Educação Infantil – etapa pré-escola: Textos em verso – poema, quadra, parlenda, cantiga, trava-língua, adivinha; Textos em prosa – clássicos da literatura infantil, pequenas histórias, teatro, textos da tradição popular; Livros de narrativas por imagens. (PAIVA, 2016, p. 27-28, grifos nossos).

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Para seu uso, os livros deverão ser adequados à faixa etária das crianças da EI e serem produzidos em material atóxico (papel, cartonado, tecido, EVA, plástico), para que as crianças de quatro e cinco anos os manuseiem. Também podem apresentar diferentes tamanhos e formatos. Ressaltamos que as obras que confeccionadas em cartonado, tecido, EVA, plástico ou outro tipo de material, devem ser certificadas pelo Inmetro. Infelizmente, poucos professores presentes tinham conhecimento acerca do PNBE, e não sabiam dizer se na escola onde atuavam havia coleções oriundas do Programa. Daí surgiu também a questão de que as escolas municipais de Aripuanã não possuem biblioteca, no máximo têm uma sala de leitura, com alguns poucos livros na prateleira. Essa realidade contraria o preconizado nos cadernos para a EI, ou seja, que [...] as crianças tenham contato permanente com esses bens culturais que são os livros de literatura, para que se familiarizem com eles de modo a interagir com a linguagem literária – nos textos e nas ilustrações –, preparando-se para compreender também esses usos sociais da escrita. Todo o trabalho com o livro de literatura, se feito de maneira adequada quando as crianças iniciam sua trajetória escolar, pode despertar o gosto pela leitura e o interesse por livros, e pode ainda contribuir consideravelmente para a etapa posterior, quando a criança aprenderá a ler e a escrever, pelo fato de já ter participado de situações escolares de leitura. Mas, para que isso ocorra, essas experiências precisam ser bem-sucedidas, de modo a aguçar a vontade de ler mais e conhecer outros livros que compõem o grande acervo de obras da cultura escrita endereçado a crianças. (PAIVA, 2016, p. 40-41).

Outro levantamento feito entre os cursistas revelou que dentro da sala de aula não existe um cantinho ou uma prateleira com livros disponíveis, o chamado cantinho da leitura, que pode ser utilizado pelo professor regente como escriba, ou como momento de interação aluno livro. Diante dessas constatações, foi firmado, nesse encontro, que os cursistas se organizariam para confeccionar o cantinho da leitura em suas salas, onde pudessem promover momentos de leitura dentro de sala de aula, com livros do PNBE, se possível, e de acordo com a faixa etária das crianças. Uma semana após a formação, os resultados já começaram a aparecer, pois, em visitas às escolas, pude me deparar com algumas salas já organizadas, em preparação para receberem os livros que estavam sendo procurados na 161


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escola para compor os acervos das salas, configurando-se como um lugar colorido, chamativo, próprio para crianças da EI. Figura 2 – Momento de leitura

Fonte: acervo da autora.

Os cursistas se mobilizaram para levar, aos outros docentes das Escolas, a proposta do PNAIC de oferecer aos alunos da EI momentos de leitura com o intuito de incentivar o gosto pela leitura. Lembremos que estamos falando de espaço escolar, porque acreditamos que a voz do docente não pode ser isolada. Todos são mediadores de leitura. As professoras de uma determinada escola resolveram trabalhar o projeto “É de pequeno que se aprende a gostar de ler”, com o objetivo de seduzir a comunidade escolar para que todos se tornassem mediadores de leitura. Desse modo, os alunos da Educação Infantil recebiam uma pasta com um livro dentro para levarem para casa e lerem com a família. Acompanhando o livro, havia questões de interpretação da história, para que a família as respondesse, às vezes, deveriam produzir, juntos, desenhos a respeito da narrativa. Interessante que o projeto envolveu a família, tema discutido no Caderno 8 do PNAIC, que trata do diálogo com as famílias como forma de fomentar a leitura dentro e fora da escola. A possibilidade de convívio com os livros deve extrapolar as paredes da sala de aula e o desenvolvimento sistemático da sua escolarização. A criança, ao ouvir uma história, se informa e se diverte, imagina situações e desenvolve a criatividade, uma vez que as histórias permitem fantasiar, imaginar, o que é fundamental na faixa etária em que ela se encontra. 162


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Concluímos, então, que não se forma bons leitores se eles não têm um contato íntimo com os textos. Há inúmera maneiras de fazer isso. O importante é que o material escrito apresentado aos alunos seja interessante e desperte a sua curiosidade. É urgente, portanto, que as escolas as aproximem [...] dos livros de modo aberto – seja na livraria ou na biblioteca... Se a criança é a única culpada nos tribunais adultos por não ler, pede-se o veredicto inocente... Mais culpados são os adultos que não lhe proporcionam esse contato, que não lhe abrem essas – e outras tantas – trilhas para toda a maravilha que é a caminhada pelo mundo mágico e encantado das letras... (ABRAMOVICH, 2006, p. 163).

Atualmente, a Educação Infantil está passando por um momento importante, de renovação e reflexão sobre seu papel na formação dos pequenos, processo em que a literatura infantil tem grande e positiva influência.

Minha experiência enquanto formadora do PNAIC Quando recebi o convite para participar como Formadora Local da Educação Infantil tive receio em não atender as expectativas dos Formadores Regionais, mas aceitei o desafio com olhar de experiência e crescimento profissional. Superado este primeiro momento, aprendi a utilizar novos recursos, fiz reflexões sobre minha prática pedagógica, e trabalhar com os professores da EI foi muito gratificante. Durante as formações, salientei que a educação infantil é uma etapa da educação básica com objetivos próprios e precisa atender as especificidades da infância, oferecendo um ambiente alfabetizador, sem enfatizar a alfabetização das crianças. As formações trouxeram um novo olhar sobre as metodologias de alfabetização, auxiliando os docentes em seu trabalho em sala de aula, juntando teoria e reflexão crítica as suas práticas. Freire (2009) corrobora: Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 2009, p. 29).

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A formação continuada de professores nos proporciona discutir ideias, nos permite ser mais criativos e reflexivos, pensando sempre no aluno e no seu desempenho em sala de aula e fora dela. A cada tarefa executada pelos professores, concretizávamos um dos objetivos do PNAIC: a valorização dos diferentes saberes na experiência docente. Isso fica claro na fala de uma professora que participou pela primeira vez do Programa: “O PNAIC me trouxe vários pontos positivos, como os cursos de formação e os materiais didáticos, que dão condições para nós, educadores, desenvolvermos nossas aulas de forma lúdica e dinâmica, potencializando a educação”. (Professora DHM). No município de Aripuanã, houve um comprometimento de todos os envolvidos na formação, através das socializações das experiências, nos relatos dos professores alfabetizadores. Os encontros presenciais contribuíram para a formação profissional e pessoal dos docentes alfabetizadores. Foi notória a satisfação com a formação do PNAIC. Entre as variadas dinâmicas utilizadas na formação, destacam-se: as trocas de experiências que foram compartilhadas, reflexão da teoria relacionando às atividades práticas, metodologias variadas, trabalhos em grupo e individuais, muita leitura e produção escrita, como expõe o relato de uma professora que nos anos anteriores participou do PNAIC dedicado ao ciclo de alfabetização. Ela afirma: Durante os encontros tivemos a certeza da necessidade de repensar as técnicas, a didática e também a organização curricular que nos proporciona priorizar conceitos e conteúdos reais que realmente contribuam para uma aprendizagem compartilhada e significativa para os alunos (Professora MTK).

Pudemos observar que as principais mudanças entre os professores seguiram uma sequência de rotina, motivação no planejamento, variação metodológica e uma constante avaliação dos materiais utilizados. Vencidas as preocupações e as incertezas iniciais, fica a certeza de que contribuímos para o enriquecimento educacional de nosso Munícipio bem como para o fortalecimento das práticas pedagógicas dos educadores, tornando o ato de educar mais gratificante e significativo, tanto para quem ensina como para quem aprende.

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Referências ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 5. ed. São Paulo: Scipione, 1997. BRASIL. Ministério da Educação. CNE/CEB. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, 2009. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Diálogo com as famílias: a leitura dentro e fora da escola. 1. ed. Brasília: MEC/SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 9/Caderno 8). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Livros Infantis: acervos, espaços e mediações / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 8/Caderno 7). BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Ser criança na educação infantil: infância e linguagem / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. 112 (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 3/Caderno 2). FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2009. OLIVEIRA E SILVA, Isabel de. Docência na Educação Infantil: contextos e práticas. In: BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Ser criança na educação infantil: infância e linguagem / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. p. 59-83. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 3/Caderno 2). PAIVA, Aparecida. Livros infantis: critérios de seleção. As contribuições do PNBE. In: BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica. Livros Infantis: acervos, espaços e mediações / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1. ed. Brasília: MEC /SEB, 2016. p. 15-50 (Coleção Leitura e escrita na educação infantil; v. 8/Caderno 7).

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Programa Novo Mais Educação/PNME

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PNME e o PNAIC: formação docente continuada permeada por desafios e expectativas Edvaldo Bernardino de Farias Formador Regional – PNME Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica

Por se tratar de uma experiência nova no âmbito do Pacto para Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), o Programa Novo Mais Educação (PNME) veio carregado de um grau imenso de desafio. O PNME está orientado por uma política que, muitas vezes, fica relegada a um segundo plano no contexto das secretarias e nas próprias escolas, fazendo com que o mesmo seja reportado com diferentes variantes, mesmo que tenha um documento que norteia seus encaminhamentos da instalação de sua prática nesses espaços. Em se tratando da formação originada através do PNAIC/PNME, encontramos total apoio por parte da Coordenação de Formação, dando as instruções necessárias e promovendo as mais diversas possibilidades para que pudéssemos fazer uma atuação que atendesse as perspectivas de formação a que estava endereçada. Os desafios foram os mais variados, desde as distâncias a serem percorridas nos deslocamentos para se fazer presente nas preparações das formações, até as questões mais simples como adequação de materiais e logísticas. Os momentos foram diversos nesse percurso e, por isso, tentaremos retratar aqui o que tomamos por base como satisfatório no empreendimento a frente deste trabalho. No contexto das relações podemos delinear as possibilidades que nos foram dadas através do convívio com pessoas oriundas dos mais distantes municípios do estado de Mato Grosso, pautados em diferentes realidades, onde as vivências e experiências a serem partilhadas construíram as relações, aos poucos. Foram dias intensos de discussões mediadas por nós e sempre aportadas nas condições de aprendizado em que estávamos expostos. Reportar o grau de contribuição de cada um no âmbito de suas vivências foi de suma importância para que pudéssemos conseguir dar corpo aos encaminhamentos que foram propostos para esse trabalho formativo do PNAIC/PNME, pois, em se


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tratando de uma atividade considerada de apoio às aprendizagens dos educandos com evidentes dificuldades, oriundos do 6º ao 9º anos, as propostas do PNAIC/PNME com os Formadores Locais (FL) deveriam oferecer subsídios teóricos e apoio metodológico. Assim, nos três primeiros seminários esse trabalho foi facilitado pela possibilidade de poder contar com os materiais oferecidos de forma interativa pela plataforma e-Proinfo – ambiente colaborativo de aprendizagem. Contudo, mesmo tendo essa possibilidade à disposição, tivemos que fazer adaptações o tempo inteiro como forma de garantir o nível das proposições formativas ali delineadas, pois, de certa forma, o que tínhamos disponível ainda era ineficaz e muitas vezes deixava um vazio de continuidade processual nos encaminhamentos, de forma que nos cabia adequar as situações diversas que estivessem reparando essa inviabilidade didática. Ressalto que os materiais contidos na plataforma são didaticamente propositivos, mas, havia naquele momento a necessidade de uma complementação, adaptando com as questões de ordem prática, ao encontro das manifestações dos próprios cursistas, que apontavam as necessidades de serem trabalhadas de forma prática com oficinas, com propostas que contemplassem os argumentos teorizados nos estudos e, que viessem a possibilitar aos FL levarem algo pronto como suporte para as formações a serem realizadas nos municípios. Entendemos que seria viável atender essas demandas, já que percebemos que se ater apenas nos trabalhos com formações teóricas, não atenderia aos objetivos a serem alcançados nos encaminhamentos da formação do PNAIC/PNME. Desse modo, na perspectiva do uso da plataforma e-Proinfo – Ambiente colaborativo de aprendizagem, tivemos vários subsídios das formações nos três primeiros seminários realizados, o que não mais veio acontecer a partir do 4º seminário, pois encontramos as mais diferentes dificuldades com a falta de materiais disponíveis para acesso dos FL. Somada às dificuldades de material específico para esse trabalho, houve uma remodelagem no grupo de formadores no meio do percurso; foi necessário agrupar os FL em um único grupo, pois a professora Formadora Regional, que atendia a uma turma, precisou sair do Programa para atender a demandas pessoais. Esse movimento todo trouxe, mais uma vez, novos desafios! A formação organizada em apenas um grupo exigia maior tempo nas execuções das atividades de formação e na discussão dos textos. As dificuldades encontradas se tornaram mais latentes, considerando que os projetos têm seus encaminhamentos que facultam em engajamentos e disponibilidade por

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parte dos participantes, vindo assim a se romper com o choque da mudança. Enfim, nos adaptamos a essa nova configuração, estabelecendo um novo ritmo de trabalho. Nesse sentido, nos propusemos em dar continuidade ao aprofundamento dos conteúdos já trabalhados nos encontros anteriores, mas, desta vez, com um trabalho focado nos aspectos práticos, através de oficinas, buscando agregar o máximo possível as experiências trazidas pelos cursistas, como forma de encontrar caminhos que trilhassem as perspectivas de se conseguir dar suporte necessário às ações propostas ao PNME. Assim, determinamos como prioridade a preparação da formação dos articuladores de ensino e estabelecemos que todos os FL promoveriam condições de pesquisa para alavancar inúmeras outras possibilidades que subsidiassem o fortalecimento da formação nos repassem aos cursistas. Com o percurso reorganizado, nosso trabalho seguiu da forma como deveria e conseguimos alcançar os objetivos estabelecidos. Como a inclusão do PNME no PNAIC se deu exclusivamente em 2017, entendemos como indispensável apresentar neste texto os encaminhamentos dados aos diversos temas abordados durante o período de formação, enfatizando as situações que promoveram maior ou menor atuação e interesse dos cursistas. Nosso primeiro encontro teve um início bastante agradável, já que era um momento de todos se conhecerem, partilharem suas expectativas e motivações, além de suas dúvidas e angústias. De fato, este momento foi angustiante, porque alguns dos FL foram encaminhados por seus representantes sem possuir nenhuma relação com o PNME; eram profissionais de áreas até distintas da Educação e, assim, se percebia ali um primeiro grande problema, inclusive de adaptação às rotinas do trabalho docente a ser realizado. Esse cenário, porém, fez surgir a ideia de realizarmos um trabalho coletivo dando foco exclusivo aos materiais oferecidos pela plataforma, buscando resgatar, ao máximo, a valorização desta formação como objeto de capacitação daqueles que ali se propuseram a participar e, na sua volta aos municípios de origem, realizar a multiplicação desses conhecimentos adquiridos no percurso formativo. Nesses dois primeiros dias de formação, realizamos algumas atividades que levaram o grupo a uma melhor integração e, como primeiro conteúdo do curso, trabalhamos dois gêneros textuais: Poema e conto. Nessa perspectiva, utilizamos de estratégias diversas que propiciassem aos cursistas a maior participação possível, já que o primeiro conteúdo se voltada às questões de linguagem. Tenho que ressaltar que esse primeiro seminário serviu não só como ponto de partida dos trabalhos formativos e

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conhecimento aos cursistas, mas também para estabelecer uma visão ampla das condições de trabalho que teríamos que enfrentar ao longo das formações no que diz respeito, principalmente, às questões de logísticas. O segundo seminário ocorreu na metade da segunda quinzena de novembro/2017, onde todos já haviam se adaptado às rotinas de estudo e planejamento. Neste momento, utilizando materiais da plataforma E-Proinfo, o tema que trabalhamos foi sobre a alfabetização matemática, tema que causou bastante discussões, pois sempre que se reporta às questões da matemática se percebe algumas restrições na sua aplicação, principalmente quando nos referimos à alfabetização neste sentido. Todavia, com os encaminhamentos e com o uso de estratégias práticas percebemos que todo grupo ficou à vontade e passou a fluir um momento de extrema relevância, pois a participação de todos nas oficinas propostas foi intensa, com grande comprometimento. Nesse seminário houve um estudo teórico prático sobre Geometria, seguido da produção de dobraduras geométricas (Retas/paralelas e perpendiculares; Polígonos, diferentes tipos de triângulo e as diagonais; Poliedros de Platão e os dedos das mãos). Ainda, os FL construíram poliedros com canudinhos e palitos, fizeram recortes e colagem. Com a realização dessa oficina percebemos a facilidade conseguida na interação e participação ativa do grupo de cursistas e, principalmente, perspectivas de um aproveitamento ainda melhor quanto à aprendizagem formativa que estava prevista. O terceiro seminário aconteceu de uma forma diferente, pois não haveria a participação presencial dos cursistas neste primeiro momento (situações inerentes ao programa surgiram e inviabilizaram a manutenção da formação presencial). Assim, parte das atividades foram feitas a distância e outra, presencialmente, em data posterior. Para atender tal demanda, preparamos dois textos que tratavam sobre gêneros e tipologias textuais para que fossem estudados pelos FL. Com base na leitura desses textos, eles deveriam fazer um esboço das concepções de gênero e tipologia textual, identificando as bases teóricas que as sustentavam, e pontuar o papel dos gêneros textuais nas práticas de letramento. A socialização da atividade realizada a distância se somou à proposta de leitura e discussão do gênero textual “artigo de divulgação científica”, usando a plataforma E-Proinfo com produção textual de história em quadrinhos. Esse momento foi muito produtivo, pois, apesar de parte dos estudos ter sido realizada a distância, foi demonstrada uma boa participação e entendimento nas ações propostas.

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O quarto seminário aconteceu seguido à etapa presencial do 3º seminário. Neste momento, surgiram nossas primeiras dificuldades com relação às atividades; elas estavam na base de dados do E-Proinfo, mas, a partir deste momento, a plataforma deixou de ser alimentada e não tínhamos mais esse suporte no preparo das formações. Mas, como já retratei anteriormente, fizemos alguns ajustes e passamos a nos adaptar na revisão das temáticas já estudadas, vindo a fazer uma reestruturação dos conteúdos e aprofundamento nos estudos até então já realizados. Já nesse 4º seminário voltamos aos estudos do gênero poema e artigo de divulgação científica, com realização de oficinas de estudos com bases teóricas que aproximassem, ainda mais, o reconhecimento e construção desses gêneros com momentos de socialização de atividades realizadas nos grupos de estudos divididos para as oficinas. Apesar da relevância dos estudos ocorridos no seminário, acreditamos que estivemos extremamente prejudicados por consequência das questões ligadas às adequações dos novos cursistas ao grupo tendo, ainda, problemas como a ineficácia da Internet no local e falta de material de apoio na plataforma E-Proinfo. O quinto seminário teve dois momentos distintos que engrandeceram muito nossos estudos. No primeiro momento, fizemos um aprofundamento teórico do texto enviado com antecedência aos FL, que versava sobre: “As Práticas Pedagógicas do Professor no Ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Resolução de Problemas”. (MARQUES, 2014). No momento presencial, esse texto trouxe várias discussões importantes no que tange as questões dos problemas envolvendo a matemática; nele, a autora retrata uma pesquisa feita a partir de trabalhos de professores realizados nos Anos Iniciais de escolas públicas no estado de São Paulo, onde ela pauta suas argumentações na formação inicial dos professores pesquisados, nos modelos trabalhados, metodologias utilizadas e prática organizacional na rotina de sala de aula, reportando o uso da Matemática como objeto de estudo. Após a discussão do texto-base passamos ao segundo momento desse seminário, o qual consideramos de extrema grandeza para a aplicabilidade dos conceitos concebidos nos estudos. Tivemos a participação da autora da tese, a professora Doutora Simone Marques Lima (também Formadora Regional do PNAIC), que nos brindou com sua presença, complementando nossos estudos sobre o tema com várias explicações acerca da pesquisa. Acreditamos que durante a formação esse foi um dos momentos de maior participação e interesse por parte dos cursistas.

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Nos encaminhamentos do 5º seminário, após os estudos teóricos sobre os problemas de acompanhamento da matemática e estudo da tese, trabalhamos com um momento prático pedagógico com realização de oficinas para o uso do lúdico no trabalho com a matemática, considerando: uso de jogos; brincadeiras e desafios; atividades de investigação; modelagem matemática e emprego de novas tecnologias. Os professores FL organizaram uma atividade baseada em oficinas, propondo trabalho com jogos e educação matemática: Jogos em sala de aula e jogos para computador. Para concluir essas atividades propusemos aos cursistas a construção de uma sequência didática empregando os estudos realizados na formação, para trabalhar resolução de problema considerando aspectos como: uso de jogos; brincadeiras e desafios; atividades de investigação; modelagem matemática e tecnologia. No sexto e último seminário, os cursistas estavam muito apreensivos e, de certa forma, entristecidos por saber que a partir do final desse evento não mais ocorreriam as formações do PNAIC/PNME, já que em seus depoimentos acreditavam que, mesmo diante de adversidades no percurso formativo, esta formação havia respondido à altura e atendido os objetivos delineados. Nesse seminário, foi retomada uma temática que é latente nos encaminhamentos metodológicos utilizados pelos docentes nas variações de suas rotinas de aula, a Sequência Didática: Possibilidades de Ensino. Para essa discussão, trouxemos a estrutura de uma sequência didática baseada em argumentos teóricos de Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004, p. 97) baseada no gênero textual lendas – “Lendas: um gênero discursivo por meio da sequência didática: procedimento metodológico, para o ensino da leitura e escrita na alfabetização”. Os FL se inseriram nessa discussão e, como atividade formativa, planejaram uma sequência didática, considerando os estudos anteriores e utilizando o gênero em questão. Para finalizar os estudos houve a socialização dos planejamentos. Enfim, concluídos os encontros de formação realizados no período de outubro de 2017 a maio de 2018 do PNAIC/PNME, avaliamos como de extrema relevância cada aspecto que fomentou a formação. Entendemos que os resultados foram os mais significativos possíveis dentro das condições que nos foram oferecidas, principalmente em se tratando de acesso aos materiais da plataforma que não foram mais disponibilizados já a partir do 4º seminário. No entanto, não nos curvamos às dificuldades, e sempre incentivados pela Coordenação de Formação, focamos nas condições permitidas e buscamos dar o melhor nessa tarefa formativa, que apesar

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de ter sido prejudicada em alguns momentos, acreditamos ter atingido os objetivos propostos. O PNAIC/PNME, portanto, dentro dessa perspectiva de inovação formativa, é de extrema valia ao âmbito das escolas, pois o PNME deixou de ser um espaço por vezes pouco utilizado para sua função específica e passou a se configurar como importante ferramenta na prática dos docentes envolvidos no Novo Mais Educação. Assim, compreendendo que as realidades só são possíveis de serem mudadas com esses movimentos de formação continuada, aproveito o espaço desse registro para deixar meu apelo, como educador que defende e presa pela qualidade ensino de maneira integral, quanto à necessidade da continuidade do programa PNAIC/PNME e sua instituição como política pública, para que as ações até então realizadas não se percam no esquecimento e se requeira seu desdobramento como instrumento formativo da educação que queremos e precisamos. Que neste foco se busque produzir eficácia nos processos de ensino-aprendizagem daqueles que por diferentes dificuldades acabam por desistir de seus sonhos. Por fim, que a inoperância e o descumprimento do direito que deve ser garantido pelo estado brasileiro sejam excluídos das escolas e de todos os ambientes formativos.

Referências ALICE, Ana. (4º E 5º ANOS) ATIVIDADES COM POEMAS. Disponível em: <http://anaaliceflopes.blogspot.com/search/label/ATIVIDADES%20COM%20POEMAS> Acesso em 26 de jun. 2018. BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Alfabetização matemática na perspectiva do letramento. Caderno 07. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Brasília: MEC, SEB, 2015. CANDIDO, Antônio. Estudo Analítico do Poema. 3ª edição. São Paulo: Humanitas Publicações/FFLCH/USP, 1996. DOLZ, J; NOVERRAZ, M; SCHENEUWLY, B. Sequência Didática para o Oral e a Escrita: apresentação de um procedimento. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: Geometria / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. – Brasília: MEC, SEB, 2014. E-Proinfo. Ambiente de Gestão do Novo Mais Educação. Disponível em: <http://e-proinfo.mec.gov.br/eproinfo/interativo/acessar_espaco_sistema/acessar.htm> Acesso em 25 jun. 2018. 175


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MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Â. et al. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna. 2002. LIMA, Simone Marques. Práticas pedagógicas de professores no ensino de Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental e a resolução de problemas. Tese de doutorado. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP. Faculdade de Filosofia e Ciências – Campus de Marília. Marília/SP: 2017. 257p.

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Reinventar a escola: novas perspectivas para alfabetização a partir do Novo Pacto Neures de Paula Soares Formadora Regional – PNME Secretaria Municipal de Educação de Confresa – Mato Grosso

Trinticuatro Mi madre falava mui bien, yo intendía. Fabi andá faser los deber, yo fasía. Fabi traseme meio litro de leite, yo trasía. Desí pra doña Cora que amañá le pago, yo disía. Deya iso gurí i yo deiyava. Mas mi maestra no intendía. Mandava cartas en mi caderno todo con rojo (igualsito su cara) i asinava imbaiyo. Mas mi madre no intendía. Le iso pra mim ijo i yo leía. Mas mi madre no intendía. Qué fiseste meu fío, te dise que te portaras bien i yo me portava. A istoria se repitió por muintos mes. Mi maestra iscrevía, mas mi madre no intendía. Mi maestra iscrevía, mas mi madre no intendía. Intonses serto día mi madre intendió i dise: Meu fío, tu terás que deiyá la iscuela i yo deiyé. (FABIAN SEVERO)

Introdução Tomar como ponto de reflexão um tema como “acompanhamento pedagógico”, em uma coleção que vem sob o escopo de “memórias”, nos permite jogar, sem dúvida, com a literatura. Não é por acaso que escolhi trazer como epígrafe deste texto o poema Trinticuatro, do poeta uruguaio Fabian Severo. Nossa escolha tem a ver com o modo como alfabetização, enquanto processo de extrema relevância na Educação Básica, precisa ser debatida na contemporaneidade. O presente texto tem como objetivo tecer algumas reflexões sobre


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os desafios da alfabetização na escola pública, o papel da escola, seus desafios e contradições quanto à função que lhe cabe, o que de fato tem desempenhado e como tem desempenhado, apresentando leituras sobre questões possíveis para superar a crise que, embora recaia sobre a fragilidade do ensino, não se limita a essa questão. Tomo como ponto de partida para a elaboração deste texto encontros de formação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC/2017), o qual, depois de quatro anos de execução (2013 a 2016) ampliou seu atendimento à Educação Infantil e ao Programa Novo Mais Educação (PNME). Tal fato consolidou-se como uma das medidas para alavancar a Educação Básica, considerando que os anos finais da Educação Infantil precisam efetivamente dar início ao processo de alfabetização, ao passo que o PNME busca alternativas para ajudar os alunos a superarem as dificuldades de aprendizagem que não o foram nos anos iniciais do Ensino Fundamental, sobretudo, no campo da alfabetização, ou em atividades que reverberam para o melhor desempenho nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Tenho como referência os encontros formativos desenvolvidos especificamente com FL do PNAIC/PNME, e lanço mão de documentos oficiais como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), Documento Orientador do PNAIC/2017, Documento Orientador do Programa Novo Mais Educação e, textos de estudiosos que discutem escola e educação, tais como Paulo Freire, Ivan Illich, Mariza Vieira, dentre outros. Na interface com essas leituras procuro verticalizar as experiências socializadas pelos Formadores Locais do PNME, dos municípios mato-grossense, durante as etapas de formação do PNAIC 2017, as quais ocorreram entre novembro desse mesmo ano e maio de 2018, e nos quais tive a oportunidade de participar como Formadora Regional.

Novo Mais Educação: uma abertura para trabalhar os déficit de aprendizagem O PNME é uma versão do programa “Mais Educação”, criado em 2007, e faz parte de um conjunto de ações do Plano de desenvolvimento da Educação (PDE) para ampliar a jornada escolar, encaminhando-a para um modelo de escola em tempo integral, dando às unidades escolares certa autonomia para organizar seus currículos de modo a contemplar aspectos do ensino em tempo integral, para a “promoção de uma educação diferenciada, cativante e que compreenda o ser humano em todas as suas dimensões”. (BRASIL,

2011, p. 5).

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Instituído pela Portaria 1.114/2016/MEC, o PNME contempla escolas que apresentam nota abaixo da média no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e constitui-se como “uma estratégia do governo federal que objetiva melhorar a aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática no ensino fundamental, por meio da ampliação da jornada escolar.” (BRASIL, 2017, n.p.). De acordo com o Caderno de Orientações Pedagógicas – versão I, o PNME se apresenta como uma “estratégia educativa, que possibilita a ampliação de tempos e espaços escolares, além de oportunidades educacionais uma vez que investe no acompanhamento pedagógico de crianças e adolescentes, visando a erradicação do fracasso escolar” (BRASIL, 2017, n.p.). Ainda segundo essa versão do documento orientativo, todas as ações do programa devem ser realizadas em sintonia com o Projeto Político Pedagógico da escola, o que nos faz compreender que não é um programa que veio sob o escopo de estrutura fechada, mas que podia ser, em certa medida, flexibilizado para o modo que melhor atendesse a necessidade de cada escola. Quanto à seleção dos alunos a serem atendidos pelo PNME, o Documento Orientador do programa, para 2017, aponta como sugestão às escolas que atendessem prioritariamente os alunos com baixo rendimento escolar, por motivos previamente determinados, mas que oportunizassem também a participação de alunos com bom desempenho em Língua Portuguesa e Matemática, com vistas a favorecer e/ou estimular um ambiente de aprendizagem solidário e colaborativo. Contudo, é importante lembrar que, embora a ampliação do tempo de permanência na escola seja uma alternativa relevante enquanto estratégia para melhorar o IDEB das escolas da rede pública, essa medida por si só não garante a emancipação cidadã, é preciso que a escola implemente, concomitantemente, políticas de tempo e educação integral. De acordo com Gonçalves (2006): O conceito mais tradicional encontrado para a definição de educação integral é aquele que considera o sujeito em sua condição multidimensional, não apenas na sua dimensão cognitiva, como também na compreensão de um sujeito que é sujeito corpóreo, tem afetos e está inserido num contexto de relações. Isso vale dizer a compreensão de um sujeito que deve ser considerado em sua dimensão bio-psicossocial. (GONÇALVES, 2006, p. 130)

Em outras palavras, diz o autor que a educação de tempo integral não 179


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requer da escola apenas a ampliação do turno com o aluno, mas o desenvolvimento integral desse aluno, e isso, é claro, perpassa pela necessidade de maior tempo para a realização das atividades que corroboram para esse fim. Do contrário, não há sentido em ampliar o tempo de permanência do aluno na escola, se o Plano Político Pedagógico desta não der abertura para ampliação das oportunidades para o educando, compreendendo-o e criando possibilidades para trabalhar suas especificidades em termos de aprendizagem. No entanto, muitas escolas tiveram dificuldades em implementar o programa de maneira plena, pois a política de financiamento, tanto do Mais Educação, quanto do Novo Mais Educação, não previa recursos destinados à adequação da infraestrutura escolar de modo a subsidiar o trabalhar no turno e no contraturno com os mesmos alunos, gerando desconforto e conflitos no cotidiano das escolas. Além disso, algumas escolas tiveram dificuldades em compreender o papel e a importância do PNME no processo de fortalecimento do ensino, tanto para melhorar o desenvolvimento humano, escolar e social do aluno, quanto para atingir, ou mesmo superar as metas do IDEB propostas pelo Plano Nacional de Educação (PNE). Trata-se, pois, de um programa que deveria ter sido recebido nas escolas como apoio para a consolidação de uma educação libertadora, tal como propôs Freire (1971). No entanto, os relatos dos FL, sobre o modo como o PNME fora recebido nas escolas, abrem uma latência para pensar como a escola, em todo o seu conjunto, está imbuída de práticas excludentes que já não são mais tão veladas. Ela, a escola, funciona em um ritual que procura sincronizar suas práticas de modo a camuflar o real, ou seja, centra forças em recobrir a dificuldade de acolher e trabalhar com qualquer situação que ameaça furar esse seu ritual, nesse caso, a dificuldade é a de assumir o compromisso mesmo de cumprir aquilo que não se furta ao seu papel, ou seja, ensinar crianças e adolescentes, que por motivos outros, distintos e involuntários, apresentam dificuldades de aprender em um tempo previamente determinado e com a mesma metodologia que funciona para grande parte dos alunos. No caso do PNME, e que não é estranho a outros programas e projetos com o mesmo fim (ou seja, de trabalhar as dificuldades por meio de acompanhamento pedagógico com grupos de alunos com dificuldades comuns e/ou distintas), muitos FL nos contavam, durante as etapas de formação regional, das “manobras” e articulações feitas no interior da escola para que o programa viesse a funcionar e cumprir seu papel.

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Conforme relatos dos Formadores, a participação do diretor da escola e dos coordenadores pedagógicos apresentava-se como fundamental para se estabelecer um diálogo com o pessoal de apoio, e mesmo com os professores, quanto à aceitação desses alunos no contraturno, havendo, por exemplo, escolas que rejeitaram de forma veemente os alunos quando no desenvolvimento das atividades do Programa, havendo a necessidade de intervenção das respectivas Secretarias Municipais de Educação. Outros nos davam notícias de que a escola havia abraçado o programa como possibilidade, não só de melhorar os índices e atingir a média do IDEB, mas também de mudar paradigmas quanto ao modo de agregar, incluir, e superar o déficit de aprendizagem, compreendendo essa prática como elementar para seu fortalecimento, mostrando-se capaz de funcionar para além de um papel reducionista, de mero ensino de conteúdo, como instituição com potencial para assegurar que pessoas supostamente fadadas ao fracasso humano, nas suas mais diferentes dimensões, pudessem ter acesso à cidadania, tal como preconizam os documentos que orientam a educação em nosso País, desde a década de 90 do século XX, com a instituição dos Parâmetros Curriculares Nacioanis (PCN) até a contemporaneidade, com a vigência da BNCC. São escolas que lançaram mão da proposta do PNME, que contemplam uma gama de atividades, organizadas por oficinas, que além do acompanhamento pedagógico, incluem esportes, artes, cultura, meio ambiente, dentre outras, para reinventar métodos (ou mesmo criá-los) que se mostrem capazes de promover o desenvolvimento integral do aluno, e não apenas com atividades pontuais de Língua Portuguesa e Matemática.

O sucesso escolar para além das avaliações externas O fracasso escolar está quase sempre atribuído ao professor, e o Governo tem criado medidas por meio de programas e projetos que visam “ajudar” o professor a realizar o seu trabalho a fim de atingir os índices desejados, ou ao menos os recomendados. No entanto, tais medidas não têm se mostrado eficientes, o que é um forte indicativo de que o problema não está, necessariamente, apenas no professor, mas também em todo o conjunto que forma a escola, e isso implica, é claro, as condições que lhe são dadas para realizar seu trabalho. Desse modo, a sociedade não pode continuar responsabilizando o professor por um problema que, em nosso País, é histórico e estrutural, ou seja, ignorar as diferenças e tratá-la como falta, como incapacidade, ora do próprio 181


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professor, ora do próprio aluno (SILVA, 20191). É necessário, antes, pensar na valorização profissional que perpassa, dentre outros fatores, pela formação continuada, disponibilização de recursos materiais e tecnológicos, logística, espaço adequado, políticas de inclusão, ao invés de leis que obrigam a integração sob o pretexto da inclusão etc. É preciso, pois, questionar a escola em todas as suas dimensões, se queremos atingir metas que sejam, minimamente, satisfatórias. Para tanto, há que se compreender o que é a escola, como ela se constitui e se processa no cerne das relações sociais, e o que esperamos dela. Se nos filiamos a uma concepção de educação como prática libertadora, nos termos formulados por Freire (1971), e na crítica à escola que não acolhe a diferença, e termina por excluir aqueles que mais necessitam dela, conforme Illich (1985), certamente nos daremos conta do papel transformador que devemos assumir enquanto educadores. É preciso, como disse o filósofo francês Michel Pêcheux (2014), “ousar pensar e ousar se revoltar”. Dentre as reflexões colocadas em realce por Pêcheux (2014), está a questão das lutas de classes, abrindo para um lugar de debate dentro da classe proletária sobre o modo como esta opera com a contradição, e como esses indivíduos são atravessados por essa mesma contradição que os desidentifica enquanto tal, ou, como “eu-sujeito proletário”. Esse processo, segundo o autor, [...] não conhece fim, já que ele é forçado a recomeçar indefinidamente do ponto exato onde parece se concluir. Ele não existe, e não poderia existir interpelação proletária ‘pura’, porque a contradição não cessa de se recobrir, tentando precisamente realizar esse impossível. (PÊCHEUX, 2014, p. 19).

Ainda nas palavras de Pêcheux: No momento exato em que ele vai se realizar em “mestre de si mesmo como do universo”, o eu-sujeito proletário se re-identifica com o trajeto autopedagógico imóvel nessa espécie de não-pensamento sonâmbulo, reflexo da impotência prática que gagueja baixinho ou grita em altos brados o fio condutor eterno do idealismo: ‘este que não me preocupa, este do qual eu não falo, este em quem eu não penso, não existe!’. (PÊCHEUX, 2014, p. 19, grifos do autor).

1 Língua, sujeito e escola: falta e diferença. Aula inaugural proferida pela professora Dra. Mariza Vieira Silva, no semestre 2019/1 do Mestrado Profissional em Letras – Profletras, da Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT.

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É preciso, pois, que a escola, em seu corpo de educadores – e não só os docentes –, ouse romper com esse efeito de apagamento das diferenças, fruto do capitalismo que individualiza os sujeitos, fazendo-o acreditar que quanto mais miserável for o outro, mais probabilidades ele terá de triunfar, ou seja, é preciso que uns vivam no caos para que outros se sobressaiam. Devemos, então, considerar a belíssima metáfora que coloca a escola da Educação Básica em relação com a escola de samba2, cujo sucesso nunca virá por seguimento, ou por integrante, mas só pode levar o prêmio de campeã a escola que se sobressair em todos os aspectos numa relação de interdependência de todos os integrantes. Não dá para pensar em atingir metas nos indicadores de qualidade ignorando as diferenças e os interesses coletivos. É preciso buscar um sucesso escolar que esteja para além das avaliações externas. É necessário que a escola se reconheça como sujeita a falhas e volte-se para o seu papel e corresponda à expectativa de pessoas que veem nela a única possibilidade de romper com um círculo de pobreza e miséria, não apenas financeira, mas, sobretudo, intelectual e cultural, que marginaliza e exclui. Não se pode ignorar que há uma série de fatores externos à sala de aula que afetam a aprendizagem, e isso exige de todos os educadores (apoio, técnicos, gestão pedagógica e administrativa) a proposição de medidas capazes de subsidiar oportunidades diferenciadas e possíveis para esses alunos com déficit de aprendizagem. Tais medidas devem contemplar desde a atenção especial em relação à alimentação desses alunos, contato com pais ou responsáveis, inserção em grupos de atividades culturais, acompanhamento de profissionais da área médica (quando for o caso), atendimento com profissionais psicopedagogos, e/ou outros de acordo com cada diagnóstico. Assim, compreendo que o poema Trinticuatro, de Fabian Severo, neste texto, abre para um trabalho reflexivo sobre a realidade da escola pública no Brasil, pois, segundo Roland Barthes (2013, p. 19), “se pode dizer que a literatura, quaisquer que sejam as escolas em nome das quais ela se declara, é absolutamente, categoricamente realista: ela é realidade [...]”. Ainda para o autor, é para corrigir a distância entre a grosseria da ciência e a sutileza da vida que a literatura existe. O poema em epígrafe chama a atenção para um problema específico de uma escola que não se importa com a especificidade da língua falada pelo aluno que, vivendo na fronteira, tem sua língua materna, 2

Essa metáfora me foi apresentada no seminário proferido pela Profa. Rosa Neide Sandes: “Base Nacional Comum Curricular: Inovação e desafios da alfabetização e da aprendizagem em contextos de alunos ‘nativos digitais’”, que ocorreu dentro da Semana Pedagógica da rede municipal de ensino de Confresa-MT, no ano de 2018.

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a qual significa suas práticas de linguagem, ao passo que a escola a ignora por completo, e lhe ensina uma língua outra que em nada significa para ele. Nesse caso, o melhor jeito que a família encontrou para resolver o problema, e talvez a única alternativa que a escola tenha dado, foi tirar-lhe o direto ao ensino formal, condição explícita, para a cidadania. Para além das medidas já apresentadas é crucial que o professor, seja ele da unidocência ou da pluridocência, receba formação que o habilite a trabalhar transitando entre o conhecimento de mundo, nos termos pensados por Paulo Freire (1994), e o conhecimento culto, institucionalizado, aquele do qual o aluno não se furtará nas avaliações que enfrentará, e pelas quais será crivado ao longo de sua vida. Lidar com situações como essa requer um planejamento a partir de métodos que simplifiquem, para o aluno, aquilo que lhe parece difícil, o que, ao mesmo tempo, pode se colocar como complexo para o professor. De acordo com o texto introdutório da BNCC, esta, ao se identificar com os currículos quanto aos “princípios e valores orientados pela LDB e as DCN, reconhece que a educação tem um compromisso com a formação e o desenvolvimento humano global, em suas dimensões intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbólica”. (BRASIL, 2017). (grifo nosso). No caso específico da inclusão do PMNE nas formações do PNAIC/2017, há que se reconhecer a pertinência desta estratégia pelo modo como articula a necessidade de reinvenção das metodologias e criação de materiais destinados à formação dos articuladores e mediadores de aprendizagem que atuam no Programa. De acordo com o Documento Orientador do PNAIC/2017, a formação para esse segmento, “tem como principal objetivo apoiar na organização e encaminhamento de intervenções com os alunos do 5º ao 9º ano do ensino fundamental participantes do Programa Novo Mais Educação na carga horária complementar.” Observa-se, ainda, que há coerência entre a orientação do PNAIC com o que preconiza a BNCC (2017), sobretudo, no sentido de que as formações priorizassem a elaboração de materiais prevendo “a superação dos desafios apontados pela avaliação diagnóstica das turmas em Língua Portuguesa e Matemática”, e ao ter como pretensão “oferecer aos alunos uma base para alavancarem novos patamares de conhecimento e de sucesso na sua trajetória escolar”. (BRASIL, 2017, p. 19) De questões como essas, elencadas aqui, depreendo a necessidade de colocar em debate a historicidade, compreendendo que os problemas não

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podem ser vistos ou tratados isoladamente ou de maneira pontual, é preciso considerar que a sala de aula se articula com questões muito aquém de ensinar a resolver problemas aritméticos, e de leitura e escrita, e aqui é preciso retomar Paulo Freire: se a educação não for libertadora, não fará sentido, e são justamente os “nonsenses” (com todas as aspas possíveis) que se processam no interior da sala de aula, os maiores vilões da evasão escolar e da falta de interesse dos alunos por aquilo que a escola tem lhe oferecido.

Considerações Diante das reflexões ora tecidas, compreendo que o aumento do tempo de permanência do aluno na escola, ou o simples acompanhamento das atividades pedagógicas que, por vezes, se apresentam como um “reforço”, replicam as mesmas metodologias que não funcionaram com determinado grupo de alunos, em nada favorece a qualidade do ensino, ou as condições para a cidadania, princípio posto como atividade fim, da escola, nos documentos normativos para a educação, desde os PCN até a BNCC. O grande diferencial do acompanhamento pedagógico na vida dos alunos com déficit de aprendizagem, a nosso ver, ocorrerá quando a escola significar de maneira diferente, inovadora, tornar-se interessante, tanto para os alunos, quanto para os educadores, pais e gestão pública. Desse modo, em programas como o PNME, deve-se priorizar, concomitantemente, a articulação de políticas de valorização e estímulo ao acesso, permanência e êxito, sobretudo dos alunos já estigmatizados sob a figura do marginalizado. Assim, é necessário que a educação escolarizada seja pensada, debatida, planejada, e trabalhada em conjunto, sob a compreensão de que a qualidade do ensino ofertado é uma possibilidade para mudar a vida das pessoas. Para tanto, a comunidade escolar deve ter, como prioridade central, aprender e ensinar, a valorização humana, daí, então, os bons resultados nas avaliações virão como consequência. É preciso, pois, para além de investir em programas de acompanhamento pedagógico, criar políticas públicas com vistas a “reforçar” a afetividade, a valorização humana, a inclusão (de fato), o respeito às diferenças, a compreensão dos limites impostos a cada sujeito que compõe a teia de relações que se dá nesse espaço, que deve ser mais que um lugar de ensino e aprendizagem, deve ser vivido como um espaço de convivência, abrindo-se para a carga semântica da palavra conviver, ou seja, viver com... Aí seria preciso uma abertura outra para uma nova discussão, mas prefiro deixar um espaço a ser complementado pelos possíveis interlocutores deste texto. 185


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Para fomentar uma ação pedagógica, conforme Delors (1996), em “Os quatro pilares da educação para o séc. XXI”, capaz de ensinar a ser, conhecer, conviver e fazer, foi que ao longo dos encontro formativos do PNAIC/2017, procurei trabalhar com os FL, encaminhando toda orientação e planejamentos via oficinas, de modo afetivo, diversificado, rico em conteúdo, apto a subsidiar o fortalecimento de uma alfabetização pautada em ações pedagógicas que podem acolher a diferença, suprir a falta, superar perdas e mostrar que a escola, apesar de enfentar desafios dentro do seu proprío corpo organizacional é, em sua natureza, lugar de promoção humana, social, cultural e intelectual. Ela é o lugar da educação sistematizada, a quem, segundo Delors (1996, p. 89), “cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permite navegar através dele”.

Referências BARTHES, Roland. Aula. Trad. e posfácio Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 2013. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. 3ª versão revista. Brasília, MEC, 2017. BRASIL. Programa Novo Mais Educação. Caderno de orientações pedagógicas – versão I, 2017. BRASIL. Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa. Documento Orientador, 2017. BRASIL. Mais Educação. Passo a passo, 2011. DELORS, Jacques. Os quatro pilares da educação. In: Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1996. p. 89-102. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 29. ed. São Paulo: Cortez, 1994. ______. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971. GONÇALVES, Antônio Sérgio. Reflexões sobre educação integral e escola de tempo integral. In: Cadernos Cenpec, 2, 2006, São Paulo. Disponível em: http://cadernos. cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/136/168 Acesso em: 10 abr. 2019 ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 1985. PÊCHEUX, Michel. Ousar pensar e ousar se revoltar. In: Ideologia, marxismo, luta de classes. Trad. Guilherme Adorno e Gracinda Ferreira. In: Revista Décalages, Vol. 1, 2014. SEVERO, Fabián. 2011. Noite Nu Norte/Noche En El Norte. In: Poesía de la Frontera. Rumbo Editorial: Montevideo. 186


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Inclusão do PNME na formação continuada do PNAIC: um desafio Erni Inez L. Battirola Formadora Local – PNME Alta Floresta-MT

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa de 2017 (PNAIC) trouxe em sua roupagem o Programa Novo Mais Educação - PNME que foi instituído pelo MEC para melhorar o desempenho em Matemática e Língua Portuguesa dos alunos que tenham dificuldades de aprendizagem. Esse programa foi aplicado em escolas com baixos indicadores educacionais (escolas públicas do Ensino Fundamental - EF) e tem por objetivo melhorar a aprendizagem por meio da ampliação da jornada escolar das crianças e dos adolescentes. O PNME é gerido por articulação institucional e cooperação com as secretarias estaduais, distrital e municipais de educação, mediante apoio técnico e financeiro do MEC. Seus professores, no PNAIC nomeados de Articuladores e Mediadores de ensino, têm o desafio de desenvolver atividades e ações que concretizem o objetivo máximo do Novo Mais Educação acima descritos. Incluí-lo no PNAIC significa o reconhecimento de que as formações contribuem com os professores no que tange planejamento e organização didático-pedagógica. Dito isto, passo a relatar as experiências, vivências e aprendizagens concretizadas em cada um dos seminários participados na condição de Formadora Local (FL). O Seminário I foi realizado na cidade de Rondonópolis, tendo como proposta o trabalho com o gênero literário poema. Neste encontro, além de leituras e atividades atinentes ao gênero citado, foram apresentados o Caderno de Orientações Pedagógicas (versão I) e o Documento Orientador (versão I), os quais contribuíram para as discussões e análises da temática proposta. As atividades propostas nesse seminário, e repassadas aos professores articulares e mediadores de ensino dos municípios, motivaram os alunos a produzir poemas e despertaram o gosto pela produção literária dentro do gênero estudado. No Seminário II, dedicado à Alfabetização Matemática, atividades práticas (confecção de dobraduras de figuras geométricas) consolidaram as discussões teóricas acerca dos direitos e objetivos da aprendizagem e desenvolvimento

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com o foco: a Matemática como instrumento de formação e promoção humana. O trabalho com figuras geométricas e suas diagonais foi de grande relevância para os cursistas, mesmo com as dificuldades apresentadas. Foi através dessa atividade que se estabeleceu uma metodologia para entender e explorar os espaços nas escolas. A discussão acerca dos gêneros textuais voltou a ser foco no Seminário III com o estudo e discussão dos diferentes gêneros textuais e realização de atividades que focassem nas concepções de gênero e tipologia textual (confusas, às vezes, para muitos professores), identificando as bases teóricas que as sustentam e pontuando o papel dos gêneros textuais nas práticas de letramento. Os textos estudados abordaram diferentes tipologias textuais defendidas por contribuições de estudiosos e suas teorias sobre as concepções presentes na língua portuguesa. Nesse sentido, há o entendimento de que cada gênero textual possui estilos próprios e podem ser diferenciados dos demais por meio das suas características comuns, que procuram atingir intenções comunicativas semelhantes e ocorrem em situações específicas. Por isso, pode-se dizer que se trata de variadas formas de linguagem que circulam em nossa sociedade, sejam elas formais ou informais. Importante ressaltar que os gêneros textuais na prática do letramento se definem como um processo comunicativo e são maleáveis, podendo se adaptar às diferentes necessidades humanas vivenciadas no dia a dia. Pode-se dizer que o gênero apresenta sequencias típicas, divididas em cinco categorias: narrativa, descritiva, expositiva, argumentativa e injuntiva, sendo consideradas como organização linguístico-discursiva dos textos. A diversidade de gêneros é uma realidade na maioria das salas de aula, onde se pode explorar agendas, parlendas, contos de fada, lendas, poemas, entre outros. Mas é preciso ensinar o aluno a usar estratégias de leitura distintas e enfocar para a análise linguística de acordo com o gênero e sua função social. É evidente que estas tipologias textuais podem ser trabalhadas com os alunos o tempo todo por estarem presentes em todas as formas de comunicação. Desse modo, o trabalho com gêneros textuais é fundamental ao planejamento docente, devendo ser cada vez mais centrado em práticas de letramento que promovam a compreensão e a apropriação da linguagem na sua função social. Quanto ao seminário IV, é pertinente destacar o trabalho com os gêneros poema e Artigo de Divulgação Científica. Para compreender a função desses dois elementos nos textos que produzem, foram realizadas pesquisas de busca a artigos

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de divulgação científica. Ainda, as discussões teórico-conceituais se pautaram no texto: “Estudo Analítico do Poema” de Antonio Cândido, considerado de difícil compreensão, pois sua abordagem para interpretação carece de conhecimento em Literatura, ou seja, para professores graduados na área de Letras. Neste aspecto, e considerando que na base dos municípios os articuladores carecem de formação e do repasse dos estudos realizados pelos FL, houve atividades voltadas à pesquisa e aos trabalhos com diferentes oficinas contendo poemas, acrósticos e literatura de cordel, o que foi de grande valia; as metodologias diferenciadas, bem como os trabalhos com oficinas tornaram todo conteúdo mais acessível, simples para compreensão dos cursistas e aplicáveis aos alunos do PNME, maiores beneficiados das ações empreendidas nessas formações. Um ponto de atenção foi a linguagem empregada nos poemas analisados. Por possuírem uma linguagem muito específica (e que demandava conhecimentos em literatura), os textos foram avaliados como de difícil compreensão por parte da maioria dos FL. Para interpretá-lo, o professor formador necessitaria de conhecimento em literatura, pois suas palavras representam transferência de significado, ou seja, o poema se valeu de imagens e suas palavras dizem algo diferente de seu estrito valor semântico. Quanto ao Seminário V, foi proposta a leitura do Capítulo 6 “As práticas Pedagógicas do professor no ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Resolução de Problemas”, da Tese de Simone M. Lima. Essa leitura contribuiu para o entendimento do trabalho com problemas nas aulas de Matemática. Em seguida, foi elaborada uma Sequência Didática - SD para confecção de jogos matemáticos de apoio à aprendizagem com alunos do EF, com a criação de situações problemas e jogos, onde foram desenvolvidos alguns tipos de jogos para auxiliar na solução de problemas matemáticos e apontar possíveis formas de resolver essas situações, de forma prazerosa e satisfatório. Pondera-se, então a importância de trabalhar com a resolução de problemas considerando o uso de jogos, brincadeiras e desafios em conceitos de adição, multiplicação, divisão e subtração, os quais permitem ao aluno a familiarização com o material utilizado, além de desenvolverem o raciocínio lógico, o cálculo mental, a percepção visual, a leitura. Para além do trabalho com a Matemática, a SD planejada inclui outras disciplinas: Português, História, Geografia, Ciências e Artes. No Seminário VI a proposição foi a apresentação de uma sequência didática preparada a partir das discussões sobre o gênero Lendas (Lendas um

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gênero discursivo por meio da sequência didática: procedimento metodológico para o ensino da leitura e escrita na alfabetização). Com a realização da leitura percebeu-se um significado de extrema importância nas relações atuais, pois é através dela que concebemos o aprender, o ensinar e o experimentar de outras realidades socioculturais. Destaca-se a possibilidade de viajar - pelo mundo da imaginação - para ser conduzido a experiências pessoais, que tratam da infância, num contexto específico, sobre tudo da formação imaginaria presente nas narrativas populares por meio do gênero discursivo lenda. As lendas trazem no seu bojo o contexto da literatura regional, retomada como objetivo específico na proposta desse trabalho. A proposta da elaboração e trabalho com a sequência didática se deu através da formação de grupos e organização de atividades para serem aplicadas em sala de aula, com diferentes metodologias, se utilizando das discussões teóricas dos gêneros estudados. Importante destacar que todas as metodologias apresentadas e utilizadas ao longo desses seminários foram de grande valia para a atuação docente, pois trouxeram propostas possíveis de serem desenvolvidas com os professores e alunos do PNME. Para finalizar sublinho que todos os seminários de formação se mostraram produtivos e ricos para o trabalho dos professores FL e articuladores de ensino, pois, além de possibilitar aperfeiçoar e ampliação dos conhecimentos para a realização do repasse aos alunos com maior firmeza e clareza, promoveram momentos agradáveis de interação e trocas. Destaco, por fim, que o PNAIC/MT foi muito importante para a educação no que tange o fortalecimento das formações continuadas e no processo de todos os educadores assumiram o compromisso de melhorar o cenário da alfabetização através das parcerias firmadas. Contudo, o que nos deixa bastante entristecidos é a não permanência do programa nas unidades escolares, pois com o PNME pode-se constatar que os alunos que frequentaram o programa durante a execução das atividades propostas nos Seminários tiveram melhor desempenho e avanços na aprendizagem, comparado aos anos anteriores quando não havia as formações do programa. O PNAIC foi e sempre será considerada a melhor forma de capacitar e formar os professores alfabetizadores! Todos os atores envolvidos, direta ou indiretamente estão de parabéns. Pena que acabou.

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Referências ALICE, Ana. (4º E 5º ANOS) ATIVIDADES COM POEMAS. Disponível em: <http:// anaaliceflopes.blogspot.com/search/label/ATIVIDADES%20COM%20POEMAS> BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Alfabetização matemática na perspectiva do letramento. Caderno 07. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. – Brasília: MEC, SEB, 2015. CANDIDO, Antônio. Estudo Analítico do Poema. 3ª edição. São Paulo: Humanitas Publicações/FFLCH/USP, 1996. DOLZ, J; NOVERRAZ, M; SCHENEUWLY, B. Sequência Didática para o Oral e a Escrita: apresentação de um procedimento. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: Geometria / MEC/SEB, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. – Brasília: MEC, SEB, 2014. E-Proinfo. Ambiente de Gestão do Novo Mais Educação. Disponível em: <http://e-proinfo.mec.gov.br/eproinfo/interativo/acessar_espaco_sistema/acessar.htm> LIMA, S. M. Práticas pedagógicas de professores no ensino de Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental e a resolução de problemas. Tese de doutorado. UNESP. Faculdade de Filosofia e Ciências – Campus de Marília. Marília/SP: 2017. 257p. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In DIONÍSIO, Â. et al. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna. 2002.

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Experienciando o PNAIC pelo viés do PNME Milene Paula Graciano Formadora Local – PNME Rondonópolis-MT

Participar como Formadora Local (FL) da edição do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), em 2017, foi um grande desafio, pois não se assemelhava em nada com as formações que já tinha realizado. A princípio me senti apreensiva com a questão de não ter os cadernos para ler e discutir com o grupo, ainda mais sendo algo tão desafiador como é o Programa Novo Mais Educação (PNME). Assim, o primeiro desafio foi conhecer na íntegra o Programa, o que proporcionava de diferente, qual metodologia a ser usada na formação. Ao me deparar com o primeiro encontro com os mediadores, percebi que todos tinham a mesma angústia, as mesmas dúvidas, principalmente de como operar o sistema, as avaliações que ele pedia e isso os tornava até mesmo hostis em relação à formação. A partir dessas dificuldades foi firmado com o grupo um compromisso de parceria e ajuda mútua entre os pares. Como eu não tinha acesso ao sistema, os próprios cursistas foram elencando os procedimentos, os passos a serem seguidos e todos foram se ajudando ao longo do ano. Outro desafio encontrado foi o de que em setembro, quando a formação começou, a maioria das escolas já tinha terminado o programa por falta de repasse de recursos. Desta forma, a minha participação neste programa veio com o objetivo de auxiliar os mediadores para que eles desenvolvessem as atividades de acordo com os objetivos trabalhados com a proposta escolar e assim, subsidiar os professores facilitadores. Mesmo com a extinção do PNME na escola, a formação seguiu normalmente conforme orientação dos Formadores Regionais (FR). Nesse sentido, essa formação foi ministrada como um suporte à prática pedagógica no âmbito escolar e demonstrou ser de fundamental importância para os educadores, pois a partir da reflexão, da troca de experiências entre os cursistas, se observou a realização de um planejamento sistemático, com vistas a garantir as aprendizagens dos componentes curriculares da língua portuguesa e da matemática, numa perspectiva interdisciplinar, constituída de


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uma lógica de trabalho para além das disciplinas. Outro elemento importante foi o fortalecimento do trabalho com os conhecimentos e as dimensões do dia a dia, da cultura e das práticas sociais. As discussões e os temas abordados trouxeram reflexões sobre a prática pedagógica e sobre os direitos de aprendizagem que precisam ser garantidos a todas as crianças. De modo geral, então, foram momentos de trocas, leituras, discussões, emoções, experiências e desafios. Os textos lidos e socializados, bem como as atividades realizadas oportunizaram várias reflexões importantes sobre como registrar, refletir, observar a prática de alfabetização no processo ensino-aprendizagem. Além disso, essas formações proporcionaram discussões, estudos e esclarecimentos sobre o real significado do PNME dentro das unidades educacionais. Durante esse período de formação do PNAIC/PNME foi possível agregar novos saberes às práticas de ensino conhecidas e aprendidas nas formações, associadas às oficinas realizadas, como também aos diversos recursos pedagógicos que cada instituição possui. Porém, considero como ponto negativo o número muito reduzido de cursistas para discutir e explorar melhor o material apresentado, principalmente por se tratar de materiais riquíssimos para subsidiar a prática pedagógica dos professores envolvidos. Quanto mais professores se unem para discutir possibilidades, de forma mais positiva e propositiva se apresentam atividades, pensando no pleno desenvolvimento das crianças, provenientes de várias turmas e agrupadas de forma a desenvolver projetos que estimulem a aprendizagem de conteúdos que elas não estejam conseguindo apreender nas situações de ensino de suas classes regulares. A interação entre os pares, os vínculos afetivos mais sólidos e maior identificação entre as crianças, bem como articulação com a comunidade escolar são elementos que garantem um processo de aprendizagem mais concreto e dinâmico. As situações didáticas articuladas para a realização dessa formação partiram do estudo do caderno de orientações pedagógicas do PNME, com espaço para o esclarecimento de dúvidas sobre monitoramento do sistema CAED, atividades na Plataforma E-Proinfo, de aulas interativas do PNME e oficinas que interagissem com o conteúdo abordado em cada encontro. As atividades e os temas desenvolvidos no curso proporcionaram aos cursistas, como às coordenadoras pedagógicas, uma melhor atuação na prática de orientação, estudos e sugestões aos monitores do programa, mesmo porque a cada tema apresentado nas formações, surgia uma gama de troca

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de experiências vividas e sugestões elencadas pelos cursistas. É certo que muitos outros desafios se apresentaram no decorrer das formações, sejam eles de caráter logístico, financeiros, pessoais etc. No entanto, a busca por inovações nesses momentos de formação e o desafio de instigar sempre a equipe a adquirir novos conhecimentos foram suficientes para que todos se sentissem motivados a participar, pois cada encontro era esperado com expectativas, que segundo relato dos mesmos, foram superadas. O trabalho apresentou um material excelente, que colaborou na a formação da dinâmica e didática do curso, que foi um diferencial, propiciando a compreensão de como escolher e aplicar as atividades do PNME, evidenciando a importância de adotar uma metodologia diversa da usada em sala de aula e instigando os professores a pesquisar mais sobre o Programa. Necessário sublinhar que, mesmo o Programa Novo Mais Educação não estando mais ativo nas escolas, foi respeitada a oportunidade de socializar com os pares todo o material, sendo este curso, sem dúvida, um grande divisor de águas na minha formação profissional e pessoal. A oficina de jogos e criação desses para uso dos professores também teve sua importância, pois foram percebidas que nas pequenas coisas podemos tirar grandes lições e formas de alfabetizar. O estudo dos gêneros textuais, na perspectiva do letramento, trouxe muitas indagações com relação ao SEA (Sistema de Escrita Alfabética). Isso resultou em um estudo sobre os direitos de aprendizagem de leitura e escrita, principalmente voltado para o Ensino Fundamental II, que é o foco do PNME. Foi pontuado que, mesmo nessa etapa do ensino, ainda há alunos que não dominam as várias correspondências som-grafia de nossa língua, muitas vezes por desconhecer os grafemas convencionais que correspondem aos fonemas. Essas aprendizagens precisam ser desenvolvidas em situações que sejam significativas para as crianças e por isso torna-se fundamental o uso das oficinas pautadas em propostas do ensino da língua escrita em situações interessantes e principalmente lúdicas. Para tanto, foram apresentados aos professores os jogos do CEEL que trazem um material riquíssimo que prioriza o desenvolvimento das habilidades de reflexão fonológica, estabelecendo relações som-grafia e apontando a importância de esses conceitos estarem sempre conjugados às ações de ler e escrever. A oficina de Poemas foi algo sensacional, grande explanação de como adotar este gênero literário e colocar em prática como forma de aprendizagem. A oportunidade de socialização com outras escolas, e colocar as experiências de cada um, discutir o que deu certo e o que tem a ser melhorado foi também

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uma parte indispensável, ex. tivemos os jogos matemáticos, que cada um colocou sua experiência e as formas lúdicas apresentadas foram inovadoras. A cada encontro, dinâmicas novas eram apresentadas aos cursistas no intuito de colaborar com as práticas nas oficinas do programa, pois o maior objetivo dessa formação foi o de contribuir positivamente no ensino-aprendizagem dos alunos, possibilitando desenvolver atividades variadas e lúdicas, tanto na Língua portuguesa, quanto na Matemática, sem perder de vista os conteúdos trabalhados em sala. Ressalto, ainda, que tive a oportunidade de ter um cursista da etnia Bororo e vários cursistas lotados em escolas da Zona Rural, o que contribuiu muito em nossas trocas de experiência. A maior discussão sobre o assunto ficou em torno das práticas pedagógicas geralmente estabelecidas na cultura escolar; em sua maior parte, os cursistas consideram os conceitos como algo estático em um nível abstrato, com uma essência a ser apropriada pelos alunos de maneira gradativa e preestabelecida por um currículo posto. Porém, no PNME esse conceito é desmistificado, pois o ensino é pensado justamente para permitir a conexão da teoria com os saberes das práticas, das vivências de cada comunidade. Isso significa compreender que esse percurso nos levará a outros espaços que permitirão dialogar com os saberes do conhecimento da escola e da cultura da comunidade tanto indígena quanto do campo, havendo um resgate sobre a vivência de experiências socioeducativas que oportunizam reflexões sobre a realidade e os processos pedagógicos que lá se desenvolvem. É nessa linha de pensamento que PNME permeia suas práticas pedagógicas, possibilitem aos facilitadores integrar situações comuns da vida do aluno a conteúdos matemáticos e de língua portuguesa. Esse aspecto reflete significativamente no aprendizado do aluno, em virtude de propiciar um maior esclarecimento sobre a realidade, viabilizado pela integração entre conteúdo das disciplinas com o meio social. Nas discussões e troca de experiências vivenciadas na formação do PNAIC ficou claro que tanto a escola indígena quanto a escola do campo não são um tipo diferente de escola e nem aplicam conteúdos extraordinários e bem diferentes dos das escolas urbanas. São escolas que reconhecem os povos do campo e indígenas como sujeitos sociais que também podem ajudar no processo de humanização do conjunto da sociedade, com suas lutas, sua história, seu trabalho, seus saberes, sua cultura, seu jeito. Pensando em toda essa problemática, em nossos estudos do PNAIC/ PNME foi proposto um olhar diferenciado na realização do planejamento e

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organização das atividades oferecidas durante o curso. Foram compartilhadas práticas socioculturais do povo do campo e indígenas com suas especificidades e particularidades, nas quais o principal objetivo era o de buscar conhecimentos a partir das experiências socioeducativas junto à escola e à comunidade na qual o aluno está inserido, bem como possibilitar reflexões sobre a realidade e os processos pedagógicos que os educandos e educadores estão imersos. Foi uma experiência riquíssima para o grupo, pois a todo o momento trabalhamos com três realidades diferentes em nossos encontros e isso proporcionou a todos um conhecimento a mais no diferencial de uma educação humanizada e que parte do princípio do que o aluno já sabe, já conhece, já domina. Por isso, nas oficinas onde trabalhamos Jogos e Educação Matemática, todo material foi confeccionado por nós, professores, e foram elaborados vários jogos relacionados ao Raciocínio Aditivo e Raciocínio Multiplicativo, situações problemas, estratégias de resolução de problemas entre outras. Nesta oficina ficou bem claro que a utilização de atividades lúdicas nas aulas de matemática e de material concreto é totalmente relacionada ao desenvolvimento cognitivo das crianças, ajudando na compreensão e entendimento de determinados conteúdos relacionados à matemática. Nesse sentido, a discussão levantada pelo grupo é que as crianças sempre que brincam, aprendem. E se observarmos crianças brincando veremos que muitas vezes a brincadeira envolve momentos de dúvidas, negociações, superação de limites e enfrentamento de desafios. Não é, portanto, somente um momento de prazer desprovido de esforço, perseverança, empenho, onde tudo é facilitado. Por outro lado, se entendermos que o esforço exigido no ato de aprender pode trazer junto com ele a alegria da descoberta (é o que acontece com os jogos matemáticos) reconheceremos que a aprendizagem pode também ter uma dimensão lúdica. Nesse sentido, podemos fazer a reflexão que se o brincar se caracteriza essencialmente pela invenção, é preciso reinventar nossas formas de atuar no programa para garantir que o tempo e espaço da brincadeira deixem de ser vistos apenas como recreio, e passe a ganhar legitimidade. Assim, os materiais matemáticos produzidos nas oficinas envolveram conteúdos de Sólidos Geométricos e Planificações; Áreas e Perímetros; Ângulos e estudo dos Triângulos; Diagonais e propriedades dos Polígonos. As aulas interativas da plataforma E-Proinfo e a confecção das figuras geométricas com jujubas, canudo e barbante dinamizaram o ensino matemática e demonstraram o quanto é possível se utilizar de material concreto para

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facilitara compreensão das formas e das representações espaciais; isso tudo, torna mais significativa e presente a matemática na sala de aula, valorizando os saberes prévios dos alunos. Da mesma forma, o estudo da diferença entre Gênero Textual e Tipologia Textual, trabalhada dentro da perspectiva das sequências didáticas com poemas (estudando estrofe, versos, através de reflexões do Estudo Analítico do Poema de Antônio Candido entre outros) e a análise estrutural de um artigo de divulgação científica, envolveu, ainda, a elaboração de atividades a partir de textos informativos sobre sapo, jacaré, borboleta e gato e a confecção dos mesmos. Assim, o trabalho pedagógico com gêneros textuais pode ser o caminho para um ensino e aprendizagem efetuados de forma eficaz, contribuindo de maneira significativa para que os estudantes sejam mais competentes não só em suas atividades escolares, mas, principalmente, em suas práticas sociais. Somando-se a isso, ainda, foi dada ênfase aos gêneros digitais, considerando que “[...] os gêneros textuais precisam ser compreendidos como artefatos culturais construídos historicamente pelo ser humano”. (SILVA, 2011, p.130). Sob esse aspecto, diante do contexto dinâmico da cultura digital, o debate sobre gêneros foi redimensionado para os novos suportes da comunicação, percebendo-se o ciberespaço e os ambientes virtuais de aprendizagem como novos domínios para as relações sociais entre os sujeitos, bem como para novas estratégias comunicativas usadas nos gêneros digitais. Em todo o material o que mais chamou a atenção no grupo foi o estudo sobre sequências didáticas apresentado na perspectiva de Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004) e, também, na compreensão de Antonio Zabala, elencando que os saberes docentes estariam relacionados à capacidade de o professor poder teorizar a sua prática, organizar sua ação baseada em experiências vividas, e por fim, demonstrar o comprometimento do professor com o processo de ensinar e aprender, em uma perspectiva formativa e organizativa, possibilitando o planejamento das ações a serem explorados, o registro e a análise dos resultados alcançados. Essas atitudes tornam o aprendiz um ser ativo, pois ele constrói aprendizagens, tendo para isso, a participação de outras pessoas com as quais interage. Tal realidade alerta para a necessidade do Programa Novo Mais Educação garantir situações favoráveis de aproximação entre a cultura escolar e a cultura própria de outras esferas de interação social, assim como seria também dever dos integrantes do programa propiciar condições de aprendizagens saudáveis, em que as crianças não se sentissem ameaçadas e que pudessem ter assegura-

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do o direito de errar e tentar fazer descobertas com as atividades propostas. Diante disso, entendo que o PNAIC/PNME veio contribuir com a prática pedagógica dos professores, principalmente nas suas atribuições diárias, como no seu planejamento preocupando-se em incluir projetos e sequências didáticas que proporcionem aulas dinâmicas e motivadoras. As experiências vivenciadas permitiram ao grupo dividir momentos de alegrias, incertezas, desafios de novos aprendizados e, o mais importante de todo esse processo, de levar a perceber o quanto aprendemos um com os outros e essa troca de experiências nos engrandece e nos permite tornar indivíduos capazes de mudar e transformar a realidade escolar.

Referências BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Alfabetização matemática na perspectiva do letramento. Caderno 07. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. – Brasília: MEC, SEB, 2015. D’AMBRÒSIO, U. Educação Matemática: da teoria à prática. 13. Ed. Campinas: Papirus, 2006. DOLZ, J; NOVERRAZ, M; SCHENEUWLY, B. Sequência Didática para o Oral e a Escrita: apresentação de um procedimento. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: Geometria / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. – Brasília: MEC, SEB, 2014. E-Proinfo. Ambiente de Gestão do Novo Mais Educação. Disponível em: <http://e-proinfo.mec.gov.br/eproinfo/interativo/acessar_espaco_sistema/acessar.htm> LIMA, S. M. Práticas pedagógicas de professores no ensino de Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental e a resolução de problemas. Tese de doutorado. UNESP. Faculdade de Filosofia e Ciências – Campus de Marília. Marília/SP: 2017. 257p.

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A formação do PNAIC para o PNME: novas perspectivas para o atendimento às dificuldades dos alunos Silvia Mori Pizzatto Formadora Local – PNME Nova Mutum-MT

Participar mais uma vez das formações do Pacto Nacional pela alfabetização na Idade Certa (PNAIC) me trouxe grande alegria, especialmente pelo desafio de compor, nesse momento, o grupo de FL do Programa Novo Mais Educação (PNME). Minhas expectativas eram as melhores possíveis para esta nova edição de 2017, principalmente por ter participado em todas as edições anteriores da formação e acreditar nos bons resultados do PNAIC para a alfabetização das crianças brasileiras. Nosso primeiro contato com esse novo formato veio pela fala/palestra da Coordenação de Formação. Juntos, conhecemos como seria organizada essa formação, que segmentos atenderia e como os seminários aconteceriam. Em seguida, já no grupo do PNME, os Formadores Regionais (FR) falaram sobre as expectativas para essa nova etapa do PNAIC e, a partir de então, comecei a me inteirar da maneira como funcionariam as formações. Os FR propuseram uma roda de conversa para que os Formadores Locais (FL) se apresentassem e falassem um pouco do funcionamento do PNME em cada município. A partir dos relatos, principalmente das dificuldades enfrentadas por cada um para estar ali recebendo a formação e poder contribuir com seu munícipio, me senti mais fortalecida para me empenhar nos estudos. E, assim, prosseguimos, estudando um pouco sobre o documento orientador do PNME, tirando dúvidas à medida que iam surgindo. Conversamos sobre o sistema CAED e atualizações e monitoramentos que devem ser feitos e sobre as modalidades obrigatórias do PNME que são as aulas de apoio pedagógico de Língua Portuguesa e Matemática; passamos a uma atividade proposta na plataforma e-Proinfo, que contemplava o trabalho com os gêneros literários contos e poemas. Como a plataforma opera on-line um dos grandes entraves dessa formação foi o seu uso; ora porque a Internet não estabilizava, ora porque estava indisponível e, por fim, porque a própria plataforma deixou


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de disponibilizar os materiais para download. Enfim, seguimos e realizamos as atividades conforme as possiblidades; tivemos um tempo para conversar sobre a avaliação do curso, onde muitos participantes ainda demonstravam angustia sobre os conteúdos abordados para serem trabalhados no apoio pedagógico pelos mediadores do programa. Neste primeiro seminário, embora tivéssemos tido muitos contratempos, conseguimos concluir a formação preparados para realizar o repasse, com qualidade, nos municípios. As formações dentro do âmbito do munícipio foram mais tranquilas, uma vez que sabendo das necessidades físicas para o bom andamento do curso, nos preparamos de modo que a aplicação das atividades propostas pudesse ser efetivada plenamente. Fizemos o estudo do documento orientador e mudamos algumas práticas em relação ao funcionamento do programa dentro das escolas onde estava implantado. Os cursistas gostaram muito das propostas de atividades e do formato de estudo proposto. Elaboramos um cronograma de aplicação das atividades, visto que trabalharíamos com dois gêneros distintos em pouco tempo. Todas as ações empreendidas nesse sentido foram para facilitar a produção do relato sobre o desenvolvimento das atividades e fazer a devolutiva para o FR. A maior dificuldade encontrada, neste primeiro momento de aplicação das atividades propostas, foi o tempo disponibilizado para a devolutiva das atividades realizadas. O Seminário II, estando mais confiante das propostas de formação e feliz com a qualidade do material apresentado que proporcionou uma formação estimuladora, começamos o encontro com o relato das atividades desenvolvidas dentro do munícipio e, em seguida nos foi proposto uma atividade para conceituar o ensino da matemática do 5º ao 9º ano, como reflexão à proposta de trabalho que levaríamos para serem desenvolvidas pelos mediadores com os alunos. Estudamos, também, os direitos de aprendizagem de matemática disponíveis nos cadernos de matemática do PNAIC/2014, e, com dificuldade, devido à falta de internet, vimos sobre ângulos e estudos dos triângulos na plataforma; produzimos materiais concretos para a melhor compreensão do conteúdo proposto, para facilitar a compreensão dos articuladores, dos mediadores e dos alunos, quando os mesmos tivessem que desenvolver e participar das aulas. Avançamos nos estudos matemáticos e discutimos a respeito de diagonais e estudo dos polígonos, também disponíveis na E-Proinfo; falamos sobre os elementos da geometria, e produzimos materiais e sugestões de atividades

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para serem desenvolvidas com os articuladores, mediadores e alunos. Estudo e organização de uma sequência didática sobre sólidos geométricos e planificações contemplaram, também, as propostas de atendimento à matemática. Nesse seminário a maior dificuldade foi a diversidade de conteúdo a ser explorada em um curto espaço de tempo. Nos encontros dentro do município, abordamos os temas estudados e sugerimos algumas atividades de aprofundamento do tema, com a construção de sequência de atividades contemplando as propostas do curso. Novamente os cursistas ficaram muito felizes e satisfeitos com as atividades sugeridas, o que trouxe uma mudança de atitude com relação ao formato do programa e sua função nas escolas em que estavam implantados. Nossa maior dificuldade nestas formações foi termos material diversificado para ser aplicado em um tempo extremamente curto, ainda produzir o relato e encaminhar ao FR. O Seminário III teve um formato diferente dos outros, por ter sua primeira etapa a distância com uma atividade proposta para ser desenvolvida e socializada na etapa presencial, que aconteceu em março/2018. Na etapa realizada a distância, os FL propuseram uma atividade abordando gêneros e tipologias textuais com os textos: “Gêneros: por onde anda o letramento”; e “Gênero textual e tipologia textual: colocações sob dois enfoques teóricos”. Recebemos os materiais por e-mail e tínhamos como atividade a elaboração de conceitos para gêneros e tipos textuais; ainda tínhamos como proposta de atividade aos articuladores a produção de uma dissertação, abordando os gêneros textuais, citando as características de três gêneros. Na segunda etapa, realizada no dia 13 de março, no Câmpus Universitário de Cuiabá, no período matutino, os FL, apresentaram os trabalhos realizados, fazendo uma abordagem crítica aos mesmos, e pontuando as dificuldades encontradas na realização dessa etapa da formação. Há que se destacar que não tivemos muitas dificuldades na consolidação dessas atividades, pois os articuladores compreenderam o objetivo a ser atingido e conseguiram conclui-la conforme haviam sido orientados. Seguindo com o trabalho focado na língua portuguesa, iniciamos os estudos do material referente a Artigo de Divulgação Científica, disponível dentro da plataforma E-Proinfo. Para a consolidação dessa temática, os FLs, organizados em grupos, elaboraram uma uma sequência didática, que seria socializada depois, baseada em um animal da nossa região. Concluída essa etapa, passamos a estudar a proposta de oficinas disponibilizada pela Olimpíada Brasileira de

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Língua Portuguesa, de modo a compreender seu funcionamento e descrevê-lo ao grande grupo. Todos os estudos realizados durante a 2ª parte do seminário III e durante o seminário IV foram levados como proposta de trabalho para os cursistas dentro do município e, com a complementação de materiais e adaptação de conteúdo, conseguimos atingir, com sucesso, os objetivos propostos. A proposta de atividade final do seminário IV, a ser aplicada pelos articuladores, foi a sequência didática com foco em um Artigo de Divulgação Científica, com a produção final de uma história em quadrinhos baseada no animal estudado. As formações no município de origem, embora tenham sido prolongadas e cansativas, foram muito proveitosas. Começamos as formações abordando o conceito de sequência didática e apresentando alguns modelos, principalmente pelo fato de alguns articuladores terem dúvidas sobre a construção da sequência didática. Após o estudo, todos se sentiram mais seguros e confiantes e cada articulador construiu sua sequência didática conforme proposta. Essas sequências, baseadas no Artigo de Divulgação Científica e que tinham como produto a construção de uma história em quadrinhos, foram aplicadas com sucesso nas escolas e sistematizadas através de relato de atividades para o FL. O Seminário V iniciou com a socialização das atividades desenvolvidas como proposta ao seminário IV. “O Processo de acompanhamento pedagógico em Matemática 5º ao 9º ano” foi a temática abordada, que teve como atividade primeira uma roda de conversa para elucidação do tema. Um segundo texto foi estudado nessa etapa: “As Práticas Pedagógicas do Professor no Ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Resolução de Problemas” (Capítulo 6, p. 109-186) da tese da Dra. Simone M. Lima (professora do CEFAPRO e FR do PNAIC/Ens. Fundamental). As discussões culminaram com a elaboração de alguns jogos que faziam parte da proposta de estudos da Profa. Simone sobre resolução de problemas. Foi um seminário muito produtivo, as interações foram ótimas e a Dra. Simone nos falou um pouco da sua abordagem na tese e as conclusões com relação a mesma. Nos municípios, tínhamos a proposta de fazer o estudo dessa tese e construirmos uma sequência didática com o gênero textual: Texto instrucional (regras de jogo), com o foco no uso de jogos para a resolução de problemas. E, a partir dos estudos, deveríamos elaborar uma sequência didática que contemplasse algum jogo matemático. A sequência foi construída baseada na história da girafa e o mede palmos, e o jogo construído para essa sequ-

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ência foi o “caminho dos desafios”, que tinha uma trilha e a meta consistia em acertar o máximo de desafios possíveis para chegar primeiro ao final da trilha e, assim, ganhar o jogo. O resultado do trabalho foi maravilhoso; todos os cursistas conseguiram aplicar a sequência didática e o interesse dos alunos foi ótimo, embora alguns articuladores tenham relatado que tiveram um pouco de dificuldade em organizar os grupos para o momento dos jogos. Essa dificuldade está baseada no pouco (ou quase nenhum) acesso das crianças a essa metodologia de ensino-aprendizagem e, assim, desconhecem regras, não as compreendem e têm dificuldades de centrar no jogo como uma modalidade de estudo. O seminário VI iniciou com uma palestra das professoras que estiveram a frente das coordenações do PNAIC desde 2013. Elas abordaram os desafios que haviam permeado o programa até o momento e o grande desafio que foi a realização da edição de 2017, principalmente pela falta de apoio das instâncias cabíveis (governo federal, estadual e municipal) nessa formação. Finalizada essa palestra, seguimos para o trabalho no grupo do PNME com a socialização das atividades desenvolvidas nos municípios ao término do seminário V. O tema: “Sequência Didática: Possibilidades de Ensino” foi estudado com afinco, de modo a compreender a estrutura desse planejamento segundo a teoria de Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004, p. 97), os quais afirmam que sequência didática “é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”, com a finalidade de ajudar o aluno a utilizar a(s) linguagem(ns) de forma mais apropriada em determinadas práticas de interação verbal. A partir dessa abordagem, nos foi solicitada a atividade de construção de uma sequência didática segundo essa teoria. Ela deveria ser construída com os articuladores, durante os encontros dentro do município, para ser enviada como atividade final do seminário VI ao FR. Durante a formação no município, abordamos novamente o tema sequência didática, estudando mais a fundo a teoria de Dolz, Noverraz & Schneuwly, uma vez que a sequência deveria ser construída segundo esses teóricos. Após os estudos, passamos a construir a sequência didática, que teve como tema principal o Folclore e, dentro do tema, propusemos o trabalho com lendas com foco central na produção textual. Concluímos as atividades e estudos propostos com a certeza de ter contribuído positivamente para a formação de articuladores e mediadores de aprendizagem, que passaram a ter um olhar mais comprometido com a educação do nosso município.

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Referências ALICE, Ana. (4º E 5º ANOS) ATIVIDADES COM POEMAS. Disponível em: <http:// anaaliceflopes.blogspot.com/search/label/ATIVIDADES%20COM%20POEMAS> BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Alfabetização matemática na perspectiva do letramento. Caderno 07. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. – Brasília: MEC, SEB, 2015. CANDIDO, Antônio. Estudo Analítico do Poema. 3ª edição. São Paulo: Humanitas Publicações/FFLCH/USP, 1996. DOLZ, J; NOVERRAZ, M; SCHENEUWLY, B. Sequência Didática para o Oral e a Escrita: apresentação de um procedimento. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: Geometria / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. – Brasília: MEC, SEB, 2014. E-Proinfo. Ambiente de Gestão do Novo Mais Educação. Disponível em: <http://e-proinfo.mec.gov.br/eproinfo/interativo/acessar_espaco_sistema/acessar.htm> LIMA, Simone Marques. Práticas pedagógicas de professores no ensino de Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental e a resolução de problemas. Tese de doutorado. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- UNESP. Faculdade de Filosofia e Ciências – Campus de Marília. Marília/SP: 2017. 257p. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In DIONÍSIO, Â. et al. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna. 2002.

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