A Naifa - Esta depressão que me anima

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DVD:

Uma inocente inclinação para o mal concerto 2008 realização: Cláudia Varejão EXTRAS: 3 minutos antes de a maré encher documentário 2006 realização: Sandra Baptista e Luis Moreira Música video clip 2004 realização: António Forte Monotone video clip 2006 realização: Sandra Baptista e Luis Moreira Señoritas video clip 2007 realização: Tiago Forte


CANÇÕES SUBTERRÂNEAS 2004 ~ 8 Maio FNAC C.C.Colombo ~ 9 Maio FNAC Cascais ~ 10 Maio Lisboa, Teatro Ibérico~ 26 Maio Feira do Livro de Lisboa ~ 29 Maio Feira do Livro de Pombal ~ 24 Junho Auditório da Antena 1 ~ 30 Junho FNAC do Chiado, Lisboa ~ 6 Julho FNAC Forum Almada ~ 5 Setembro Festa do Avante, Auditório 1ºMaio ~ 7 Setembro Odemira, Festa da Nossa Sra. da Piedade ~ 22 Setembro Frágil, Bairro Alto ~ 23 Setembro Incrivel Club, Almada ~ 25 Setembro Castelo, Santiago Alquimista ~ 24 Setembro Odivelas, Teatro da Malaposta ~ 21 Outubro Leiria, Festa da Rádio Clube de Leiria ~ 29 Outubro Lisboa, Palácio de Xabregas ~ 20 Novembro Évora, Auditório dos Salesianos ~ 2005 ~ 15 Março Beja, Casa da Cultura ~ 16 Março Faro, Grande Auditório da UA ~ 21 Março Covilhã, Anfiteatro UBI ~ 22 Março Guarda, Auditório Municipal ~ 1 Abril Arcos de Valdevez, Casa das Artes ~ 2 Abril Tondela, Auditório da ACERT ~ 5 Abril Aveiro, Auditório da Reitoria da UA ~ 6 Abril Coimbra, Auditório do ISEC ~ 7 Abril Bragança, Cine Teatro S. José ~ 8 Abril Maia, Tertúlia Castelense ~ 9 Abril Braga, Auditório Calouste Gulbenkian ~ 16 Abril Portalegre, Convento de S. Bernardo ~ 20 Abril Évora, Teatro Garcia de Resende ~ 22 Abril Porto, Aud. da Biblioteca Almeida Garrett ~ 30 Abril Horta, Cine Teatro Faialense ~ 12 Maio Viseu, Teatro Viriato ~ 14 Maio Lisboa, CCB ~ 15 Maio Lisboa, CCB ~ 10 Junho Moita, Forum Cultural ~ 18 Junho Alcobaça, Cine Teatro ~ 25 Junho Amadora, Recreios da Amadora ~ 2 Julho Lisboa, Castelo de S. Jorge ~ 3 Julho Loulé, Festival Med ~ 12 Julho Lisboa, Aula Magna ~ 22 Julho Loures, Festas da Cidade ~ 2 Outubro Montemor o Novo, Feira da Luz



como um raio a rasgar a vida, como uma flor a florir desmedida, como uma cidade secreta a levantar-se do chão, como água, como pão como um instante único na vida, como uma flor a florir desmedida, como uma pétala dessa flor a levantar-se do chão, como água, como pão, assim nasceste no meu olhar, assim te vi,

MÚSICA José Luís Peixoto

flor a florir desmedida, instante único assim nasceste no meu olhar, assim te amei, a levantar-se do chão, a rasgar a vida, vida, água, pão, raio a rasgar uma cidade secreta a levantar-se do chão, flor a florir desmedida



“Música” cruzou-se com os meus ouvidos na rádio, numa manhã quando ainda me dirigia como um autómato para o trabalho. “Como um raio a rasgar a vida” foi mesmo essa a sensação que tive ao ouvir aquela canção(…) A dezoito de Junho de dois mil e cinco no Cine-Teatro de Alcobaça conquistei o paraíso num concerto intensamente belo. Era a peça que faltava na viagem que uma canção me tinha feito iniciar. _José Polido




pago os meus impostos, separo o lixo, já não vejo televisão há cinco meses, todos os dias rezo pelo menos duas horas com um livro nos joelhos, nunca falho uma visita à família, utilizo sempre os transportes públicos, raramente me esqueço de deixar água fresca no prato do gato, tento ser correcto com os meus vizinhos e não cuspo na sombra dos outros já não me lembro se o médico me disse ser esta receita a indicada para salvar o mundo ou apenas ser feliz. seja como for, não estou a ver resultado nenhum

QUEIXAS DE UM UTENTE José Miguel Silva


Évora, 20 de Novembro de 2004, A NAIFA no auditório da Escola dos Salesianos, saí à terceira música. Évora, 20 de Abril de 2005, Teatro Municipal Garcia de Resende, só conheço uma música e fico fã... Évora, 25 de Março de 2006, só conheço o primeiro CD, no lugar 16 da primeira fila fico mais apaixonada que nunca. _anónimo (comentário do blog d’A Naifa)



Skipping Rui Pires Cabral

na estrada mal alcatroada / do subúrbio / onde havia fábricas e o dia / era um tormento quando a luz veio / nos postigos e o teu corpo / não me serviu de resgate tudo perdido em favor / das grandes rodas / da angústia no autocarro



Coimbra, Auditório ISEC, 6 de Abril de 2005 A viagem dentro de mim é enorme. Quero encontrar aquilo que ouço mas não o encontro em lado algum. É novo. É quase transgressor. Quero encontrar os genes do que ouço mas não o consigo decifrar. É um sentimento maravilhoso. É apaixonante não conseguir encontrar o que procuro. É desafiante. Eventualmente desisto. Não quero perder nem mais um segundo do que me dão. _Bruno Simões




deus é a nossa mulher-a-dias que nos dá prendas que deitamos fora como a vida porque achamos que não presta

DEUS É A NOSSA MULHER-A-DIAS

deus é a nossa mulher-a-dias que nos dá prendas que deitamos fora como a fé porque achamos que é pirosa

Adília Lopes


Descobri-os da melhor maneira possível: num concerto. Sim, já me tinha encantado e entusiasmado com aquela melodia na rádio. Era daquelas canções que me fazem ligar a rádio e correr as estações e rezar para que os programadores musicais, lá do outro lado, se lembrem de passar. Em Arcos de Valdevez descobri uma sonoridade apaixonante e que me ajudou a compreender, até, muito de mim. Ouvir a Naifa é (…) sentir que não estamos sozinhos. Ah. E não me perdoo por ter emprestado o meu CD que autografaram nessa noite e que nunca mais reavi. _Ana Catarina Barbosa



deus não me deu um namorado deu-me o martírio branco de não o ter vi namorados possíveis foram bois foram porcos e eu palácios e pérolas

Adília Lopes

não me queres nunca me quiseste (porquê, meu deus?)

METEOROLÓGICA a vida é livro e o livro não é livre choro chove mas isto é verlaine ou: um dia

tão bonito

e eu não fornico





é melhor fechares os olhos, meu amor, antes que o mundo inteiro seja um incêndio. os ventos todos fechados dentro da minha mão. quantos ciclones queres ?

PErigO dE ExpLOSãO procurava nos outros a ternura, mas só encontrava poços cheios de ódio e nitroglicerina aquele poema, ao contrário dos outros, tinha pólvora. só lhe faltava o rastilho.

éramos rebeldes por sistema, a sonhar uma revoluçao por dia. à tardinha, na esplanada, bebiamos um cocktail molotov. o terrorista apaixonado carregava, às escondidas, uma bombarelógio. era no peito. era o coração

José Mário Silva




A STAR IS BORN. As God Is My Cleaning Lady: Crypto-Fado For Bohemian Pagan Popsters. They can’t play their classical Fado guitars very well; they have a punky drummer and the Fado singer not only smiles pouts and shakes her hips, but actually seems to enjoy herself ! What’s become of this country? Are they mad? Reckless, certainly. They call themselves A Naifa and what they’ve done is taken a massive, ice-crunching Waring Pro blender to all the sacred potions, fruits and flavours of Portuguese traditional music and poured out a vulgar, shameless, disrespectful and utterly delicious shambles of a Pop cocktail. Heresy in old Lisbon? I nearly choked on my 30-year-old aguardente velha, but then realized I was dancing merrily and had already spilt most of it anyway. _Miguel Esteves Cardoso


Tiago Gomes

BAIRRO VELHO no bairro por trás da avenida nova com as ruelas sombreadas das traseiras onde na praça tudo é mais barato cordial as peixeiras com olhos de boga gritam para vender o seu peixe

as finissimas senhoras das avenidas dão por mim quando passo



A Naifa – The first time I heard your music, I fell in love for the sixth time. The song was Hecuba. We were watching the sun rise over a volcano. The musty smell of love has faded. But your music hasn’t. _Kristina bigdeli



HÉCU BA a viúva bebe do cipreste e é na orla da espuma, na maré negra celeste a estrela que se arruma fosco abat-jour de enfados, falhas de luz desafinada, um relógio de estragados ponteiros em debandada. um saco de mercearia nervosa de asa sem par: um só prato para o jantar, água de agosto cortada, cimo de escada ofegante e um livro fora da estante

Rui Lage




sei lá... deviam ser umas 3... éramos poucos... eu sentava-me com uma amiga e não pude deixar de notar quando o vi... era o Aguardela? almoçava sozinho na pizzaria... acendeu a luz vermelha, o empregado veio e ele saiu por três degraus estreitos não autorizados a clientes... ou era apenas um rapaz de barba por fazer e olhos azuis parecido com ele? e acho que foi mais ou menos assim que me lembrei que tinha que ir buscar o novo trabalho... _antónio andrade



está um rapaz a arder em cima do muro, as mãos apaziguadas. arde indiferente à neve que o encharca

rapaz a arder Eduardo Pitta

outros foram capazes de lhe sabotar o corpo, archote glaciar nunca ninguém apagou esse lume



cortante. como quando a pele sangra e vermelha a alma, surge. uma lâmina, rente de ritmos de sol. uma lâmina agora, um corte novo, e por isso tão mais perto do tempo. o que fere não morre, é um lugar inquieto. e o que fica da ferida é a beleza. _Pedro Sena Lino



os milagres acontecem a horas incertas e nunca estou em casa quando o carteiro passa hoje abriu a primeira flor e eu disse ĂŠ um sinal olho em volta: estou sĂł trago esta sombra comigo

Ana Paula InĂĄcio


Voltem, por favor! Isto aqui ficou um ambiente subterrâneo depois do vosso pequeno milagre: o pessoal passa os dias à espera do carteiro... _anónimo (comentário do blog d’A Naifa)




esta apólice, o vizinho de cima / a puxar o autoclismo / a bater na mulher e nos filhos

a água da torneira com cheiro a lexivia / sempre a pingar / o televisor com uma avaria

POEMA COM DOMICÍLIO Carlos Luis Bessa

talvez o canteiro das flores / sujas e maltratadas / estas zangas por tudo e por nada



questĂŁo da noite do programa que acontece em portugal, neste fim de sĂŠculo, navegar ĂŠ preciso ? resposta: se morar no barreiro, sim Nuno Moura



3 MINUTOS ANTES DE A MARÉ ENCHER 2006 ~ 2 Março Lisboa, Teatro da Trindade ~ 17 Março Viseu, Aula Magna ~ 18 Março Coimbra, Teatrão ~ 23 Março Aveiro, Grande Auditório da UA ~ 24 Março Moita, Forum Cultural ~ 25 Março Évora, Teatro Garcia de Resende ~ 30 Março Leiria, Teatro Miguel Franco ~ 31 Março Santarém, Teatro Sá da Bandeira ~ 1 Abril Torres Vedras, Teatro Cine ~ 6 Abril Guarda, Teatro Municipal ~ 7 Abril Tondela, Auditório da ACERT ~ 8 Abril Alcobaça, Cine Teatro ~ 13 Abril Setúbal, Forum Luisa Todi ~ 14 Abril Sines, Centro de Artes ~ 15 Abril Loulé, Cine Teatro Louletano ~ 20 Abril Beja , Teatro Pax Júlia ~ 21 Abril Braga, Auditório do Conservatório ~ 28 Abril Viana do Castelo, Teatro Sá de Miranda ~ 29 Abril Amadora, Recreios ~ 30 Abril Horta, Cine Teatro Faialense ~ 4 Maio Porto, Teatro Rivoli ~ 13 Maio Lisboa, Forum Lisboa ~ 9 Julho Campo Maior, Castelo ~ 16 Julho Torres Novas, Jardim das Rosas ~ 22 Julho Montemor o Novo, Parque Urbano ~ 29 Julho Marvão, Ammaia, Cidade romana ~ 1 Dezembro Lisboa, Teatro Maria Matos ~ 6 Dezembro Aveiro, Teatro Aveirense ~ 7 Dezembro Braga, Teatro Circo ~ 9 Dezembro Faro, Teatro das Figuras ~ 2007 ~ 20 Janeiro Portalegre, CAE ~ 28 Fevereiro Lisboa, Frágil ~ 25 Abril Odemira, Comemorações do 25 de Abril ~ 26 Abril Braga, Teatro Circo ~ 22 Maio Marrocos, Rabat, Festival Mawazine ~ 7 Julho Estoril, Feira do Artesanato ~ 14 Novembro Madrid, Galileo Galilei



antes de saíres para o trabalho, arrumas à pressa o dia anterior para debaixo da cama. guardas o coração ainda adormecido bem dentro do teu corpo e esqueces essa canção que já não passa na rádio mas que vive secretamente dentro de ti. fechas a porta à chave com duas voltas e sais. os teus passos na escada fria soam ligeiros e apagam-se, perde-se o rasto, easy listening, guardas tudo para ti como um ex-dj... assim partes, quase a correr. parada junto à passadeira, protegida num gesto ledo fixas o olhar na sombra dos carros que passam. esperas pelo sábado, pelo feriado e as suas pontes, pelas férias para ouvires as tuas canções. sentes-te longe, silenciosa de luz.

joão miguel queirós

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Já estreei novos dias, novas aparelhagens, viagens quase em pose de sonâmbulo, automaticamente desperto para a vida normal das rotinas, fronteiras entre o que é ser sábio e desaparecer na voragem de uma loucura sem explicação ‘fechando à pressa o dia anterior’, como se isso resolvesse problemas. E depois havia uma forma de conquistar o paraíso, daquelas em relação às quais não se espera nada de especial. E numa curta viagem a Torres Vedras, primeira de tantas outras sempre perto de Lisboa, consegui colocar o meu coração de novo a arder. (…) _Manuel Marques




ANTENA rui lage

minha benévola terra se eu te pudesse beber, pacificar, fazer guerra, sentar-te à mesa e escrever. ó minha terra de arados de tardes lentas e quentes, e luz que mostra parados rebanhos incandescentes. quando passo de automóvel esqueço-me de onde moro porque sou meu lar imóvel. o rádio sempre a tocar um coração avariado que não posso desligar.


(…) teçam-se loas a quem pega no fado e faz dele o mais moderno dos destinos. E o mais arrepiante também. Ou não fosse o fado o domínio dos calafrios. Os arranjos, as melodias, é preciso beber muita alma, muito país, para conseguir meter o fado assim adentro de outros tantos sons, de trazer o fado da idade média, de Alfama, até à boca do bairro que se queira, metida depois pelo corpo dentro. E as palavras. Já o disse. _Miguel Maria



tenho uma estátua fluorescente da virgem maria que me dá confiança e brilha à noite. tenho os joelhos magoados. o calvário dos fiéis devia ser menos árduo. tenho trezentos e sessenta e cinco santos numa caixa calendário daquelas em que cada dia tem um chocolate. tenho um lencinho branco onde limpo as lágrimas enquanto assisto a uma vigília via tv depois da minha última ceia de hoje. às vezes quando o vapor é muito, tenho o salvador no espelho. deito-me de consciência limpa, não me esqueci das velinhas, nem de deixar a moedinha na caixa, e o meu “livro de orações” tem um delicioso cheiro a mofo. dormirei o sono dos justos e talvez não acorde quando o galo da minha vizinha cantar três vezes e o meu senhorio o tentar apedrejar. sinto-me bem e deus queira que consiga não me masturbar. ámen.

FÉ nuno marques


É


Conheci as canções da Naifa um pouco por acidente, um bom acidente. Nas minhas caminhadas fotográficas pelo centro histórico de Leiria lá ouço uma guitarra portuguesa tocada de uma forma invulgar e nas tertúlias dos bares naquela rua estreita da Praça Rodrigues Lobo apresentam-me “Bairro Velho” e “Fé”. Aí encontrei o que precisava, a audácia poética e o interesse profundo pela língua portuguesa, original, atrevido, provocador ao ponto de estilhaçar alguns telhados de vidro. _Sandro Franco



da uma da noite às oito da manhã a mulher tem as mãos entaladas no parapeito da janela. o marido agarra o estrado com os olhos dorme sem almofada. a empregada que vem passar a ferro tem uma intimidade na ficha do despertador entra às oito da manhã. a empregada entala os pés do homem nas grades da cama. liberta a senhora fecha a porta do quarto á chave deita-a para uma cascata.

da uma danunonoite às oito da manhã moura



Do fado à Naifa não há muitas portas e da poesia à Naifa há o espaço de uma mão. Foi assim que dei por eles. Tenho A Naifa para mim como daqueles prazeres que não se querem partilhar. Sinceramente, sempre achei que A naifa fazia música só para mim, num raio de um quilómetro à minha volta, no meu grupo, era o único que conhecia a música deles. Hoje, na minha vida foram ao chão o Carmo e a Trindade, descobri que há mais gente como eu. felizmento, devo dizer. _Rafael




porque tenho eu frieiras se nunca tiro as luvas? porque tenho eu arranhões se os meus gatos são meigos? como dizia uma pobre rapariga que era criada e mal sabia ler também eu vou dizer coração partido pé dormente vou para a cama que estou doente porque me traíste tanto se os meus gatos são meigos? porque me atraíste tanto se eu nunca tiro as luvas?

adilia lopes

porque me traíste tanto


O único grupo português que reveste o fado com uma sonoridade contemporânea, mantendo a coerência e um interesse estético. Se não é o grupo de fados e guitarradas mais atípico de sempre, é a banda pop mais portuguesa da actualidade. _Manuel Halpern



todo o amor do mundo não foi suficiente porque o amor não serve josé luís peixoto de nada. ficaram só os papéis e a tristeza, ficou só a amargura e a cinza dos cigarros e da morte. os domingos e as noites que passámos a fazer planos não foram suficientes e foram demasiados porque hoje são como sangue no teu rosto, são como lágrimas. sei que nos amámos muito e um dia, quando já não te encontrar em cada instante, cada hora, não irei negar isso. não irei negar nunca que te amei. nem mesmo quando estiver deitado, nu, sobre os lençóis de outra e ela me obrigar a dizer que a amo antes de a foder.




Estava pouca gente a aproveitar o cenário natural da ammaia para beber o chorrilho de emoções libertadas do palco em vagas, ora suaves ora violentas, não é para os de coração fraco (...) _JC


quando os nossos corpos se separaram olhámo-nos quase a desejar ser felizes. vesti-me devagar, mas o corpo a ser ridículo. disse espero que encontres um homem que te ame, e ambos baixámos o olhar por sabermos que esse homem não existe. despedimo-nos. tu ficaste para sempre deitada na cama e nua, eu saí para sempre na noite. olhámo-nos pela última vez e despedimo-nos sem sequer nos conhecermos.

QUANDO OS NOSSOS CORPOS SE SEPARARAM josé luís peixoto




Há uma coisa que gostamos particularmente de fazer na nossa ilha: receber os amigos. Os amigos, tal como as famílias que às vezes temos distantes no espaço e no tempo, trazem-nos prendas boas. Entre 2005 e 2008, o João, o Luís e a Mitó apareceram por cá várias vezes, no início de Maio, para nos darem um presente novo. Por 3 instantes ficaram, antes e depois da maré encher. Em 3 ocasiões, ansiámos, esperámos e fruímos da proposta musical, mas também e muito das conversas, da companhia, da partilha. Acho que o segredo d’A NAIFA, mais do que nos músicos, está nas pessoas, no brilho dos olhos e nas palavras que lhes saem das bocas. _Miguel Machete



a verdade apanha-se com enganos

sonhei aos vinte anos durante três avé-marias que eu tinha-me roubado a minha vida depois de treler o monte dos vendavais decidi ir contra a futilidade do romance

pedro sena-lino

fui apanhado aos vinte e dois anos em plena capicua inocente e rua em amantíssima posse viral a verdade apanha-se com enganos

aos vinte e três outonos apaixonei-me doze vezes e nem sempre pelas mesmas almas mas sobrevivi a um coração míope


Honra vos seja feita, sois muito mais bonita ao vivo do que nas fotografias, menina Naifa! _Ricardo Pinto




amanhã vou comprar umas calças vermelhas

porque não tenho rigorosamente nada a perder contei, um a um, todos os degraus sei quantas voltas dei a chave, sublinhei as frases importantes, aparei os cedros, fechei em código toda a escrita.

CALÇAS VERMELHAS ana paula inácio

amanhã comprarei calças vermelhas fixarei o calendário agricola afiarei as facas ensaiarei um número abrirei o livro na mesma página descobrirei alguma pista.



Os trĂŞs minutos passaram depressa. E a marĂŠ encheu! _Vincenzo


señoritas tiago gomes

naquele porto os metalómanos barcos esmagam a paisagem de energia brutal, parada. num barco soviético o marinheiro põe o punho a meio gás como o comunismo enjeitado na sua terra. disse-lhe que portugal ainda tinha muitos comunistas mas o que ele queria saber era onde havia señoritas que o levassem a dar uma volta.



Foi uma noite memorável no Theatro Circo. No final, enquanto agradeciam os aplausos do público, que se levantou para a já habitual participação na “desfolhada”, os músicos sentiram certamente em todos nós o paroxismo de uma alegria incontida misturar-se a pouco e pouco com a tristeza da separação iminente. Há um laço indissolúvel entre o público da Naifa e as suas canções ao vivo. É um elo quase visceral, e só sobrevivemos a cada separação porque sabemos que existirá uma próxima vez. _anónimo (comentário do blog d’A Naifa)



poemas de Maria Rodrigues Teixeira, heterónimo de João Aguardela.

UMA INOCENTE INCLINAÇÃO PARA O MAL 2008 ~ 3 Abril Coimbra,Teatrão ~ 4 Abril Coimbra,Teatrão ~ 5 Abril Horta, CineTeatro Faialense ~ 11 Abril Guarda,Teatro Municipal ~ 12 AbrilTondela,ACERT ~ 18 Abril Lisboa,Teatro Maria Matos ~ 19 Abril Lisboa,Teatro Maria Matos ~ 24 Abril Sesimbra, Cine Teatro João Mota ~ 26 Abril Portalegre, CAE ~ 3 Maio Santarém,Teatro Sá da Bandeira ~ 9 Maio Águeda, Cine Teatro S. Pedro ~ 16 Maio Moita, Fórum Cultural J. M. Figueiredo ~ 17 Maio Montemor o Novo, CineTeatro Curvo Semedo ~ 23 Maio Loulé, Convento de St.António ~ 30 Maio Aveiro,Teatro Aveirense ~ 31 Maio Braga,Teatro Circo ~ 10 Julho Espanha, Badajoz, Festival Badasom ~ 18 Julho Sines, FMM ~ 27 Julho Bélgica,Antuérpia, Festival Sfinks ~ 16.08 –Viana do Castelo, Festival M.U.N.D.O



amanhã serei jornais antigos doente de amor fabriquei um romance amanhã morrerei em voz baixa pequena de destino no banco traseiro ama com egoísmo começarei por mim própria imagino-me mais alta na página seguinte filha de cabeleireira sinto-me sempre culpada a técnica minuciosa nunca me serviu de nada amanhã serei sem abrigo banco de jardim com vista para o mar amanhã morrerei lição de história o corpo da criada ao serviço da casa

na página seguinte






filha de duas mĂŁes adoro vesti-las de igual tenho andado Ă tua procura para te amar sobre a mesa posta sem nenhuma vaidade ensinar-te-ei meu amor a praticar a caridade

nunca direi saudade ligo pouco ao que se diz mas nĂŁo levo muito a mal a ideia de ser feliz


Não há remédio. Não consigo parar de olhar fascinada para ela assim que as luzes se acendem. Tem um aspecto frágil mas parece que traz dentro toda a experiência do Mundo. A voz quente canta sobre desgostos de amor, sobre vulnerabilidade, sobre segredos que não se dizem em voz alta. Quando ouço as músicas mais antigas, o conforto é quase físico. Sinto-me desprotegida quando ela fecha os olhos e afasta o microfone da boca. Ela sorri timidamente, como a adolescente que às vezes eu também sou. Os rapazes também merecem a atenção mas é na voz dela que fico pendurada, em constante tentativa de antecipação da dor. É profundamente comovente. E a música desarma-me com demasiada facilidade, não consigo defender-me. Quando ouço a dor de todas as mulheres que se escondem naquela voz, desisto e deixo que as lágrimas me marejem os olhos. Não o suficiente para caírem – só para o olhar ficar vidrado e inundado por esta espécie boa de tristeza. _M.




queimei os pequenos romances da colecção coração de ouro só restava o nosso sabias que não seria duradouro rodeei-me dos teus objectos favoritos agora já não me sinto tão culpada organizei o remorso não encontrei absolutamente nada um dia é provável que te volte a amar

mas espero que nesse dia

seja tarde demais




o ferro de engomar fora do descanso a velha telefonia mal sintonizada o prego enferrujado a meio da parede onde repousa discreto o teu pequeno retrato vestida de noiva encostada ao parapeito uma pequena introdução a um romance imperfeito

o fe r ro d e e n g o m a r

no chão da cozinha o senhor ao pé de nós já não me sinto tão sozinha agora não estamos sós aqui te deixo o meu corpo exangue a partilha da miséria é mais forte que o sangue



Ouvir A Naifa no Aveirense, foi estar a sentir o cheiro das ruas e o peso dos nossos pecados, foi uma bofetada na cara, foi intimidade ao ponto de sentires o suor do corpo do(a) teu(ua) amante quando acabaste de fornicar, foi ter experimentado todos os prazeres da vida e não te sentires culpado, foi saudade, ódio e amor não correspondido, A Naifa é a crueza da vida, assim como deve ser! _M. A. Nunes Simões




DONA DE MUITAS CASAS

um jovem educado / uma reputação exemplar românticamente envolvidos / nada a declarar

dona de muitas casas / tudo uma grande falta de senso a minha cintura é testemunha / do que faço para te agradar agora já não guardo segredos / estou de volta ao mercado de habitação talvez ainda se arranje / um novo inquilino para o meu coração

o cabelo arranjado / a mala no patamar / ainda vestida de branco arranjarei quem possa gostar





a gorda do café muito antiga e perfumada passe bem minha senhora que eu não me importo nada uma rima obsessiva indecente nas suas maneiras desligado o motor do carro as criadas tornavam-se indisciplinadas vivo do que me dão nunca falto às aulas de esgrima e todos os dias agradeço a deus esta depressão que me anima

esta depressão que me anima o rapaz da drogaria amarelo e mal tratado convidou-me a sair encontrei-o no teatro


pouca musica me deixa tão feliz ou tão miserável quanto a música d’a naifa. _(blog curse of millhaven)



debruçada no parapeito vestida com um certo desleixo a sombra a giz desenhada no chão apenas durmo mal alguma informação um mapa mal desenhado serei suprema nunca serei nada todo o teatro inútil o razoável insucesso não tenho jeito para estas coisas nunca devia ter hesitado meti-me para dentro roupa interior feia a menina devia ser fuzilada juntamente com as suas companheiras

apenas durmo mal






o ar cansado dos meus vestidos o ar cansado dos meus vestidos a minha mรฃo perdida antes de tudo isto

no teu corpo adormecido imรณvel e silencioso desenho um mapa do nosso grande amor os lรกbios ainda incertos ao fim de cada dia um lugar na minha cama agora ocupado jรก te ensinei o amor agora hรก pouco a fazer a seguir vem o sono

e eu que tinha tanto p a r a t e d i z e r


os vossos espectáculos têm um problema, que deviam tentar corrigir, a bem da língua portuguesa: deixam-nos mudos! Uma pessoa quer contar as vibrações todas que sentiu, com a precisão de quem conta cada pêlo eriçado, e fica envergonhada ao perceber que as emoções olham para as tolices que diz com ar altivo e desdenhoso. E não as posso censurar, ainda por cima! As palavras não servem de nada! Mas as emoções ainda andam por cá. Obrigada pela facada! _anónimo (comentário do blog d’A Naifa)



na aula de dança a audácia do par um grande assombro tomou conta de nós um íntimo remorso à porta do vizinho uma discreta condenação serve-me de castigo

NA AULA DE D A N Ç A

não quero o amor o que me entusiasma é a boa imitação que ideia tenho eu das coisas meu ingénuo coração tento ler nos lábios por detrás do espelho um sorriso contrafeito a tirar a aliança do dedo



Era Setembro e lembro estar calor. Sei que era sábado. Sábado à tarde. E era a primeira vez. A primeira vez na Festa, na Festa que não sabia ser de todos. A novidade de tudo aquilo e uma tenda junto ao lago. Um nome estranho e a sombra. Fui e deixei-me ficar. Um palco simples e as pessoas a chegarem. Quatro corpos e luzes vermelhas, uma guitarra, uma bateria, um baixo e uma voz. Soube depois quem eram, só depois... Mas durante aquela hora, talvez tenha sido uma hora, houve algo de mágico no ar. Dois anos depois, em Coimbra, Uma “subida aos céus” e mais um sorriso na cara. _Yuri




uma ligeira indisposição por acaso encontrei-te no chão da nossa casa uma situação delicada um pequeno golpe de asa feitas as contas apagadas as luzes da ribalta meu morto querido ninguém sente a tua falta adoro mentir nada de sério um pequeno engano de quando em vez uma ligeira indisposição de acordo com o planeado se não insistires serás perdoado


As palavras numa voz que nos encheu a alma. A música numa guitarra que aparecia e nos embalava. O ritmo do baixo e da bateria. O fado? O quê? Não sei. O que durante aquela hora se passou... não sei. Mas foi bom e deixou marca. Sentimos a naifada. Foi isso. _Jorge Graça




gostei de o ter por cá o teu corpo delicado e quente um rapaz mal desenhado obedecia-me cegamente um rapaz vestido de rapariga depois de tão belo começo a dar-me a mão por debaixo da mesa eu bem sei que não o mereço ambiciono um coração perco a noção da subtileza sabes que nunca te encorajei levanta-te e paga a despesa não julgues que não tentei és pouco para tanto desejo e é toda tua a culpa dos embaraços em que me vejo


nas tuas mãos vazias onde eu já vivi abrigam-se agora distintas senhoras com os quais não posso competir é assim a vida acho que têm razão era a mim que a mulher chamava e fui eu que fingi não ouvir tenho um lugar na terra guardado para te sepultar apagarei a luz do quarto regressarás ao teu lugar tenho um lugar na terra guardado para te sepultar fecharei a porta à chave regressarás ao teu lugar


nas tuas m達os vazias


A Maria Antónia Mendes tem «um feitio de rainha» e desta vez não houve «teatro inútil» nem razoável sucesso. queimaram tudo. Os quatro têm mesmo jeito e, se hesitei, foi entre querer ser cantora, baterista ou guitarrista. No início, porque queria revirar-me na cadeira e bater o ritmo, invejei o Paulo Martins. Oh, ele é mesmo muito bom! A filha pequena disse: não é normal, por que não queres ser a cantora? Ela queria. De fado, como a Mitó. (Mas isso leva-me ao Luís Varatojo. quando for grande, vou tocar assim). Mas também pop, com arranjos arranhados de vitrola, bons. O João Aguardela a dar o tom, soft. «O ferro de engomar fora do descanso», ah, eu vi um bom espectáculo. Os poemas da Maria Rodrigues Teixeira, que A Naifa revelou, li. são inocentes inclinações para depressões que animam. pode lá ser! por exemplo, «filha de duas mães, adoro vesti-las de igual». num universo de casa de mariquinhas com estante cheia de «pequenos romances da colecção coração de ouro». (…) E as luzes: pareciam pirilampos, espectros, teatros de sombras que aconchegavam a caixa de onde saiam os sons. (…) A voz da Mitó deixou-nos o «corpo exangue». A encenação da «partilha da miséria» foi forte como o sangue. Sacudam o «ar cansado dos (vossos) vestidos», «consertem a figurinha», e saiam de casa à procura deles. _Maria do Rosário Fardilha




um feitio de rainha um feitio de rainha artigos de refugo as saudades do império faço-me distraída consulto o relógio as viúvas da companhia sempre me baralhei nas datas vou ver se me salvo ainda o meu país de marinheiros figurinhas de papel mal recortadas contra o fundo do oceano um património perdido mártires e heróis um rasgão no cenário foi o nome que te dei dei-te uso a mais como deixar de o fazer o que vai ser de ti quando a mãezinha falecer


Ser português é não gostar de ser português, é chorar a sorte de ser português. A versão mais sofisticada do ser português faz até gala de lutar de forma, errr, quixotesca contra tudo o que possa fazê-lo sentir-se bem por ser português. Assim se explica que, em sectores influentes dados ao cepticismo pós-moderno, A Naifa não seja a pedra mais preciosa de uma qualquer portugalidade. _Pedro Gonçalves



APANHADA A ROUBAR

como uma criança de vestido branco e sandálias consertei a figurinha um homem assim humilde lançado aos cães não sinto quase nada uma ligeira dor de cabeça gostavas de ser feliz farei o que puder para te impedir a cada novo dia o duro preço não consigo resistir nesse dia beijei muita gente

se te magoei não foi intencional

espero ainda que me perdoes

uma inocente inclinação para o mal



Estava ali, entre os fantasmas e as pedras, e vi-vos chegar tímidos de almas e bagagens. Éramos só pedra adormecida, eu e o meu teatro. Sentei-me e esperei. E o baixo acordou. E os fantasmas desceram ao palco, sentaram-se à beirinha sem fazer crepitar o chão. E as cores lamberam as paredes e as pedras espreguiçaram-se. A voz foi-me preenchendo devagarinho e devagarinho percorreu-me as veias e as do teatro. Foi assim que me conquistaram, quando conquistaram o meu teatro. Quando pisaram pela primeira vez um palco. Quando simplesmente se entregaram a nós. Foi no dia 10 de Maio de 2004. Até hoje. _Solange Santos



A NAIFA JOÃO AGUARDELA LUIS VARATOJO MARIA ANTÓNIA MENDES EQUIPA E COLABORADORES Músicos Paulo Martins – bateria (2006 a 2009) Vasco Vaz – bateria (2004 e 2005) Rodrigo Dias – baixo (Julho e Agosto 2008) Rui Duarte (participação em Canções Subterrâneas) Marta Mateus (participação em Canções Subterrâneas) OS BASTIDORES D’A NAIFA Alexandre Nobre – fotografia e road manager Luis Moreira – desenho de luz e video António Bragança – som de frente João Miranda – som de palco Filipa Soares – escritório e road manager (2004 e 2005) João Hora – som (2005 a 2006) Cláudia Novais – escritório (2006) Paula Gonçalves – escritório (2008) Sara Simões – Agenciamento internacional Sara Santos – ilustrações (2006) Marta Ribeiro – ilustrações (2008) Luis Carlos Amaro – design gráfico Sandra Baptista – video (2006) Cláudia Varejão – video (2008) Atelier Gráficos à Lapa – web (2004, 2006 e 2008) Pedro Gonçalves – press release (2006) Luis Delgado – masterização (2004 a 2007) António Pinheiro da Silva – masterização (2008) Miguel Lourtie / Lourisom – equipamentos de som ao vivo (2005 e 2006) Zé Bi / Puro Audio – equipamentos de estúdio Paulo Vieira – cabeleireiro Nuno/Metro Studio – cabeleireiro Um abraço especial aos amigos de Braga www.anaifa.com



à memória de João Aguardela



ESTA DEPRESSÃO QUE ME ANIMA Organização de conteúdos por Luis Varatojo \ Fotografias de Alexandre Nobre \ Poemas de Adília Lopes, Ana Paula Inácio, Carlos Luis Bessa, Eduardo Pitta, João Miguel Queirós, José Luis Peixoto, José Mário Silva, José Miguel Silva, Maria Rodrigues Teixeira, Nuno Marques, Nuno Moura, Pedro Sena Lino, Rui Lage, Tiago Gomes, Rui Pires Cabral \ Comentários dos Amigos d’A Naifa \ Grafismo de Luis Carlos Amaro


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