O Secretário - O Amor É Mais Que Só Andar De Mãos Dadas - Jasmin Palumbo

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O SECRETÁRIO “O amor é mais que só andar de mãos dadas”

JASMIN PALUMBO



Copyright Š 2016 Jasmin Palumbo Todos os direitos reservados.


Sinopse

Ser pai foi a maior dádiva que a falecida esposa de Theodoro poderia ter deixado para ele. Sua filha era a única razão para ele acordar tão cedo todos os dias, preparar o café, colocar a comida do gato (que sua menina insistiu para ele comprar para ela), se arrumar para o trabalho e enfim acordá-la para a arrumar para a creche. Wendy, sua filha, era também a única razão para Theo trabalhar como um condenado. Ele era o secretário de uma mulher que se parecia como um anjo, mas só poderia ter vindo do inferno. Chloe Elliot era a mulher mais insuportável que ele poderia ter conhecido e ele tinha que obedecê-la. Afinal, ela era sua patroa. Ela era a CEO. Theo fazia de tudo para ser o secretário do ano, nunca errando, nunca chegando atrasado. Ele fazia tudo por Wendy, que merecia o melhor. Theo não esperava receber de Chloe uma proposta indecorosa, que ele, sem pensar duas vezes, nega. Porém, a partir desse momento Theo conhece uma parte, até então, escondida de Chloe. E o rapaz repensa em tudo sobre sua chefe. Seria Chloe sempre tão detestável ou havia naquela ball buster um coração desesperado por amor? Uma história que vai além do romance, mostrando o quanto vale a vida quando bem vivida.


Parte 1

“Mais que um desejo, uma necessidade de almas.�


Prólogo Nem tão minha Eu nunca fui um homem pelo qual todas as mulheres desejassem. Eu não era exageradamente forte, até porque nem tinha tanto tempo para ir à academia. Eu não era rude com ninguém, porque as moças pareciam gostar mais dos homens metidos a merda. Eu não era rico. Eu não era frio. Eu não tinha um carro de anos-luz a frente. Eu não era inacessível. Eu não era, nem de longe, um bad boy. Nunca fui, nem nos meus tempos de moleque. Eu sempre fui um homem de uma mulher só. Enquanto meus amigos comiam mil e uma, eu sonhava com a mesma moça todas as noites. Moça essa que eu me casei. Eu realmente não me achava especial. Eu era um pai de família e isso já era o suficiente para mim. Minha esposa havia falecido dias depois do parto. Ela era o amor da minha vida. Mas hoje em dia eu tinha outro amor da minha vida, que era Wendy, minha filha. Esse era eu. Um pai que faria de tudo por sua filha. Eu podia não ser especial, mas Wendy era. Minha filha era a pessoinha mais especial do mundo e eu, era um pai babão, que trabalhava até nos domingos para poder ter dinheiro extra para nós podermos sair à vontade. Wendy não tinha nem completado dois anos, mas era tão esperta e inteligente. As vezes parecia que não era eu quem cuidava dela, mas ela de mim. Nos filmes de animações, eu me emocionava mais que ela e ela, pegava minha mão. Sim, eu era esse tipo de homem. Ouvia até Bruno Mars, principalmente When I Was Your Man e me emocionava de verdade. Pensava em minha falecida esposa e o quanto eu a amava. Jesus, ela era linda e Wendy parecia-se tanto com ela! Minha linda Bell descansava em paz. E eu me sentia um pouco morto por isso, mas vivo por ter Wendy. Bell era o nome dela, como Tinker Bell, do Peter Pan, que é a filha da Sininho, por isso o nome Wendy, que é a fã número um de Peter. Ficaria na mesma lógica louca, mas eu, eu me chamava Theodoro, o que não tinha nada a ver com Peter. Minha filha era o amor da minha vida e por ela, eu daria e faria tudo. Já disse que eu era um pai babão? Deveria digitar no presente, dizendo que “sou um pai babão”, mas não queria me expressar no


presente, porque, se fosse no presente, eu não saberia o que sei agora, enquanto digitava. Peguei meu notebook meio atordoado, tendo em mente que precisava tirar certas coisas da cabeça. Eu não me achava um ótimo escritor, mas teria que ser útil. Mas então pensei que eu não precisaria inventar nada. Eu contaria minha história. Por isso seria impossível ser no presente. No presente eu não saberia o que já aconteceu e hoje eu sabia de tanta coisa... Tanta coisa que me deixa meio louco e meio triste e meio emotivo. É, eu era meio emotivo demais. Isso que dava morar com uma pequena criança tão linda e meiga. Não tinha um que não se tornaria babão ao ficar por mais de dez minutos com Wendy, mais babão e mais emotivo. Lá estava eu, sendo o pai coruja e chato falando o quanto minha filha era incrível. E era, gravem isso. Bem, eu avisei que eu não era especial, certo? Eu não era mesmo. Eu trabalhava para pagar as contas e viver relativamente bem com Wendy. Nunca sonhei em ter milhões ou ter uma Ferrari ou ter um apartamento gigante ou ter redes de uma empresa com meu nome ou ter um helicóptero ou um jatinho particular ou ter tudo de grife. Realmente eu nunca sonhei com isso. Eu era apenas o secretário da ball buster que tinha tudo isso. Bem, eu não sabia se ela realmente tinha tudo que listei, mas grande parte disso ela deveria ter. Porém, minha patroa, minha chefe, minha CEO, minha ball buster, minha moça – nem tão minha –, não tinha o que eu tinha, mesmo ela tendo quase tudo. E eu poderia não ser mesmo especial, contudo ela, ela era especial! Moças e rapazes, essa é – ou deveria ser era? – uma história de verdade, onde eu teria que voltar no tempo para contar e estar no presente para vivê-la detalhadamente.


”Dados divulgados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) revelaram que o número de pais solteiros chegou a 28% em pouco mais de uma década. O crescimento revela que os homens têm assumido a responsabilidade na criação dos filhos. São pais que se envolvem ativamente no cotidiano e no crescimento deles.” “Número de mulheres em cargos de liderança tem alta no Brasil. Presença em cargos de CEO aumentou de 5% em 2015 para 11% em 2016. Número de empresas sem mulheres em cargos de liderança caiu de 57% a 53%.” (Fonte: G1 Globo)


1 Anjo... do Inferno Eu não posso dizer que odeio meu emprego. Não é isso. Eu não odeio ser o secretário. O único secretário homem do prédio, diga-se de passagem. Mas eu não odeio isso. Contudo, é difícil amar trabalhar com Chloe Elliott. A moça simplesmente desafia as leis da razão por ser tão detestável. Ela parecia nem sorrir. Eu, pelo menos, nunca vi um sorriso naquela ball buster. “Ball buster” a propósito é o melhor termo possível já existente para descrevê-la. Nem sabia que existia isso, até uma outra secretária me contar na copa, enquanto comíamos. Esse termo nada mais é que uma mulher em alto nível profissional, respeitada pela frente, odiava pelas costas. Mas só eu enfrento o ódio direto da Sra. Elliott. E quando digo “senhora”, há uns que pensam que ela é uma velha CEO preste a se aposentar... Quem dera que fosse. A “senhora” em questão não deveria ter muito mais de 30 anos enquanto eu, tinha 27 anos e me matava aos poucos naquela empresa para receber meu digno salário no fim do mês. É, eu recebia no fim do mês. Chloe, ou melhor, a “Sra. Elliott” achava que era uma maneira mais eficaz de pagamento. Na última semana do mês, podendo ser qualquer dia da última semana, recebíamos. É bom ser assim. Dessa forma eu pagava todas as minhas dívidas antes de vencerem. Eu só tenho no meu nome um apartamento de dois quartos quitado. Carro era financiado. De resto eu tinha as contas recorrentes, como alimentação, água, luz, telefone, internet, as vezes gás e também as outras: creche, brinquedos, roupas, sapatos, passeios, plano de saúde. Sim, isso que dava ser um pai. E eu amo ser um pai. Tentava ser o melhor pai possível e conseguia. Não sou modesto para não assumir que na arte de criar uma criança, ainda mais uma garotinha, eu sou o melhor. Aprendi a lavar, passar, engomar – cozinhar já sabia – trocar fraldas, ninar, preparar mamadeira, fazer penteados entre outras coisas em Wendy, minha filha de um ano e meio. Ah, não poderia esquecer que aprendi a vesti-la com suas roupas de princesa. O que, é bastante complicado por ter tantos laços e fitas. Deveria ter um manual prático para pais vestirem suas filhas com aquelas roupas! Quando Bell, minha falecida esposa morreu dias depois do nascimento de Wendy eu pensei que


não daria conta sozinho. Como eu, um homem, conseguia criar uma menina tão pequena e delicada? Nada me tira da cabeça que Bell havia morrido por erro médico. Nunca fomos ricos, eu e Bell tínhamos plano de saúde, mas o plano dela não cobria todas as despesas de sua gravidez. Com isso, seu parto foi em um hospital público. Infeliz decisão. Eu tento não pensar sobre isso, mas é impossível. Talvez se tivéssemos dado algum jeito para pagar um hospital particular minha Bell ainda estaria viva... Bem, com Wendy eu me senti tão pequeno quanto ela, mas eu não fui tão delicado como deveria, aprendi aos poucos como fazer tudo sozinho, sem uma mulher do lado. Conheci Bell quando ainda era moleque e soube, desde o início que ela era a mulher da minha vida. Meus amigos comiam mil e uma, e eu pensava em como chamar Bell para sair. Bell e eu nos conhecemos em um colégio interno para crianças abandonadas. É, a minha vida nem sempre foi tranquila. Eu, como Bell, não tinha família nenhuma, mas quis com ela construir uma. Eu era alto demais, meio desajeitado também, Bell portava-se como uma dama, mesmo quando era uma pirralha. Ela era perfeita. A moça mais linda que eu vi em toda minha vida até hoje. Segunda mais linda, Wendy é a primeira. Eu era poucos meses mais velho que Bell. Quando completei 18 anos não podia mais morar no colégio. Mas esperei, morando por perto, fazendo quase todo tipo de bico para conseguir juntar uma grana e ter uma casa, por Bell. Assim que ela também saiu nós sabíamos o que tínhamos que fazer: nos casar. Eu a amava. Ela me amava. Por que esperar? Com 18 anos eu já era casado com Bell e nós sonhávamos demais. Conseguíamos aos poucos nos achar nesse mundo tão vasto, mas ainda sim, mesmo tendo o mundo todo a nossa volta, eu continuava sendo dela, e ela continuava sendo minha. Já tínhamos o apartamento, que eu atualmente moro, quando Bell, aos 25 anos engravidou. Ela ainda tinha 25 quando deu à luz e eu já tinha completado 26 anos. Deu tempo para Bell conheceu Wendy e ficou a todo o lado possível de mim e de nossa filha, mas sabíamos que ela não conseguiria sobreviver àquilo. Sua gravidez havia sido muito frágil, seu parto foi uma cesárea de 7 meses bastante arriscada. E os médicos, a pedido de Bell, priorizou Wendy. Quando Bell faleceu. Eu faleci junto. Mas não por muito tempo, porque Wendy chorava muito, e eu, babão como sou, cuidei da minha menina e esqueci que estava meio morto, porque Wendy não me merecia incompleto. Minha filha merecia um pai inteiro e eu fui e eu sou. Eu sou inteiro por Wendy. – Theodoro Gissoni. – a voz do anjo me fez tirar meus olhos do computador a minha frente e virar minha cabeça para o lado, para vê-la – O relatório está pronto?


Chloe Elliott é sempre assim. Sem um “bom dia, Theo”, ia falando direto o que queria. Sim, ela nunca me chamou pelo meu apelido. A moça era completamente profissional e insuportável. Jesus, era menos de 8 horas da manhã de uma segunda-feira e ela não conseguia me dar um simples “bom dia” cordial. Afinal, eu não tinha passado o final de semana com ela. Havia passado, na verdade, brincando de boneca com Wendy e cuidando do nosso gato. Não, eu não sou bom brincando de boneca, preferia pegá-los para brincar de luta, como fazia quando era moleque, mas com Wendy eu tinha que ser mais delicado. E quanto ao gato, eu não gostava muito da ideia de ter um animal em casa, mas Wendy insistiu tanto para ter o bicho, que eu, babão como sempre, não consegui dizer não. O gato é uma bola preta de pelo. Minha menina deixou eu escolher o nome. Achei bem esquisito, uma criança pedindo a um adulto escolher para ela um nome de seu animalzinho, mas escolhi sem pensar muito. Luck, como sorte. Obviamente é uma ironia pôr o gato ser completamente preto. Quando expliquei isso a Wendy, ela gostou e riu. Suspirei, exasperado por pensar em minha menina na creche. Seu primeiro dia de creche. Antes ela só ficava com uma babá, que era uma vizinha que conheceu a mim e Bell logo quando nos mudamos. Com isso, era de plena confiança e a creche, a própria vizinha, que era uma senhora de seus 60 anos, me recomendou. Wendy estava bem, pensei. Se não estivesse a creche já tinha me ligado. Balancei a cabeça para mim mesmo, tentando me focar no presente e sorri para minha chefe. Insuportável ou não, a Sra. Elliott era quem mandava em tudo, era a CEO que pagava meu salário no fim do mês. Mas Chloe tinha a aparência de um anjo... do inferno o que fazia ser difícil odiá-la por completo. Ela é alta, mas não tanto quanto eu. Suas pernas, mesmo escondida por sua meia calça preta era visivelmente grossa, nada de mulher magrinha, minha patroa é gostosa, com peito e bunda, sempre bem escondida com suas roupas de empresária. Ela vestia uma saia preta (acho que é uma saia lápis, pelo menos era o nome que tinha ouvido de outras secretárias) acima de seus joelhos e uma camisa social azul de mangas compridas. A camisa social estava com três botões abertos, sem mostrar nada, mas deixando minha imaginação idealizar tantas coisas por baixo daquelas poucas peças de roupa... Ela usava um colar com um cordão curto e fino. É bem simples, mas ficava entre seus seios, dividindo-os tão delicadamente que me fazia enlouquecer um pouco. Eu não faço ideia do nome do sapato que ela usava, contudo era sexy, alto e também preto.


Até aí Chloe se parecia com uma mulher comum, mas o que fazia eu pensar nela como um anjo do inferno era sua aparência diabolicamente sensual. Chloe Elliot tem uma pele clara, com um bronzeado leve, seu cabelo está solto, e o comprimento é abaixo de seus ombros, um tom de loiro bem claro. Seu cabelo não é loiro tão liso, é mais ondulado, quase natural. O que faz de minha chefe ser ainda mais diabolicamente angelical são seus olhos. Olhos cinzentos. Tão lindos e grandes que eu, mero mortal, me perdia e me distraía enquanto a encarava. Seus olhos são grandes, sua boca carnuda, seu nariz fino, suas bochechas coradas artificialmente. Até os cílios de minha chefe parecem ser perfeitamente moldados para serem impecáveis. É tão bela... Pena que é tão odiosa. Eu acredito que mesmo embaixo daquela roupa, sapato, joias e maquiagem, Chole Elliott continua sendo linda. Não tem como uma mulher como ela ser feia em nenhum momento de sua vida. – Theodoro! – ela chiou – Estou falando com você. Claro que teria como ela ser feia, quando fala. E ela fala muito e sempre é uma reclamação ou uma exigência. Chole Elliott não elogia. – Desculpe senhora. – sorri sem mostrar os dentes – Sim, o relatório está pronto. Ela assente. – Na minha sala. Em cinco minutos. E essa, moças e rapazes, era a mulher mais antipática que eu conhecia.


Informações Relevantes. “O Brasil reproduz bem essas disparidades nos valores de um parto, já que há o sistema público de saúde, onde a mulher não gasta nada, e há hospitais luxuosos, em que o dinheiro gasto em um parto particular daria para comprar um carro. No meio disso, há as mães com planos de saúde, onde também há variações de cobertura. Em geral, o valor mínimo que se cobra por um parto normal é de R$ 1.339, segundo a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos, uma listagem feita pela AMB (Associação Médica Brasileira). Já a cesárea custaria R$ 1.504. No entanto, esses valores dizem respeito apenas ao procedimento em si e costumam ficar bem abaixo dos valores praticados no mercado. Em média, um parto no Brasil na rede particular sai por R$ 15 mil – incluindo o obstetra, um auxiliar e/ou um instrumentador, um anestesista e um pediatra neonatal -, segundo Antônio Jorge Salomão, diretor da AMB (Associação Médica Brasileira). Mas como muitas dessas mulheres têm planos de saúde, elas costumam ter o parto coberto total ou parcialmente por eles. Quando escolhem um obstetra fora do plano, têm de arcar com todos os gastos e depois solicitar um reembolso – em sua maioria, ele perfaz cerca de R$ 5 mil. Assim, fazendo uma espécie de média entre as que pagam particular e as que têm todas as despesas bancadas pelo plano, podemos dizer que nos grandes centros, um parto sai por volta de R$ 10 mil reais.” (Fonte: G1 Globo, Bem Estar)

Mais de meio milhão de mulheres morrem a cada ano no mundo por causas relacionadas à gravidez ou ao parto, em sua maioria por falta de atendimento médico nos países pobres, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP).


Bônus Quando Bell sorriu Quando Bell sorriu, eu quis sorrir junto, mesmo seu sorriso não sendo para mim. Ela era tão linda. A moça mais linda que eu já tinha visto em toda minha vida. Estávamos no colégio, ainda éramos do ensino fundamental e Bell era da mesma sala que eu. Enquanto eu era alto, meio atrapalhado, com um estilo nerd, usando óculos fundo de garrafa, Bell já era maravilhosa aos seus 15 anos. Bell era negra, não muito alta, sua cabeça deveria bater em meu peito e eu, já de quatro por ela, já imaginava como seria nossos filhos. Mestiços e lindos, como ela, se tivéssemos sorte. A moça tinha os olhos pequenos e esverdeados, sempre brilhantes. Seu cabelo era comprido e cacheado, sempre arrumado. Bell era tão linda. Eu me sentia tão comum quando estava perto de uma moça como ela. Eu era branco, meio pálido e meus olhos eram castanho. Meu cabelo era preto, não muito comprido e com quase 16 anos eu já tinha indícios de barba. Eu parecia mais velho do que era e entrar cedo na puberdade ajudava. Mas mesmo assim, Bell não me olhava. Limpei minhas mãos úmidas em meu jeans velho e fora da sala de aula caminhei até Bell que se despedia de uma amiga também do nosso lar. Eu, Bell e todas as outras crianças daquele colégio interno eram abandonadas e estávamos para adoção. Mas nenhuma de nós acreditava que alguém iria nos adotar. Ninguém queria adotar adolescentes. Estávamos perdidos e aos 18 anos seríamos mandados embora do colégio. Talvez nos dessem empregos provisórios, mas nada além disso. Eu não sabia e nem poderia adivinhar em como seria minha vida daqui há alguns anos, mas eu sabia que eu queria ter Bell nela. Eu sempre fui assim, um estúpido apaixonado. – Oi moça. – falei sem jeito para Bell. – Oi Theo. Theo! Era tão bonito quando ela me chamava pelo meu apelido... Pensei em como chamá-la para sair. Afinal, eu não tinha muito dinheiro e não tínhamos muita opção, mas eu queria tanto ficar ao lado de Bell por mais tempo. Eu queria ela pra mim. Tanto que doía.


– Algum problema? – ela sorriu. Ela sorriu pra mim! Respirei fundo, tentando não me portar como um moleque imaturo. Bell portava-se como uma dama e eu queria ser seu príncipe ou tudo que ela precisasse. – É... – comecei passando uma das mãos pelo meu cabelo – você gosta de filmes? Bell riu baixinho. – Quem não gosta de filmes? “É, otário! Quem não gosta?” Engoli seco, ela não estava sendo grossa, eu que estava sendo um idiota. – Digo, que tipo de filmes você gosta? Ela sorriu mais amplamente. – Ah, sim! – e deu um tapa leve em meu braço – De tudo um pouco, mas prefiro comédia romântica e animação. Bell pegou uma mexa de seu cabelo em seus dedos e começou a entrelaçar. Queria ser eu a fazer aquilo. Queria ser eu a tocá-la sem medo. – Eu amo animação! – me animei, porque amava mesmo, mas não poderia dizer para ela que também assistia comédia romântica. Bell olhou para o chão e mordeu seu lábio inferior, depois trocou o peso da perna e me encarou com seus olhos esverdeados e brilhantes. Respirei e inspirei. Era a hora perfeita para eu chamá-la para assistir. – Moça, você aceita assistir... – e pensei rápido, rindo, completei – Peter Pan, de 1953, comigo? Dentro do colégio havia um espaço para vermos filmes e se eu conseguisse o DVD, aposto que a diretora deixaria eu e Bell vermos o filme sozinhos. A diretora era uma senhora muito boa e que, felizmente, gostava muito de mim. Quando Bell sorriu, mais uma vez, eu soube que eu tinha feito a proposta certa e na hora certa. Não consegui evitar o meu próprio sorriso. Se eu não era apaixonado por Bell até aquele momento, quando ela respondeu, eu me tornei: – Eu gostaria muito, moço.


2 Como me blindar? Eu gargalho quando vejo Wendy saindo da creche. Minha menina estava fantasiada como a Tinker Bell. Wendy é a mistura perfeita de mim e Bell. Sua pele era morena, seus olhos esverdeados e seu cabelo liso com leves cachos. Como me blindar da dor por lembrar de Bell, se me blindando da dor, eu me blindaria também do amor? Eu nunca deixaria de pensar na causa da morte de minha mulher, que foi-me dito como “complicações na gravidez”. Eu nunca deixaria de sofrer por isso e nunca deixaria de pensar que poderia ser diferente, que eu poderia tê-la em meus braços se não tivesse ido àquele hospital. Mas não culpo o hospital. Sabe-se lá em qual viela eu nasci e continuo bem vivo e bem e sei que minha mãe viveu tempo suficiente para me deixar na adoção também. Culpo a mim por não ter dado para minha mulher o melhor. Culpo a mim por não ter tido condições financeiras o suficiente. Culpo à mim e prometo, a cada dia, comigo mesmo, que Wendy terá tudo. Não faltará nada para ela. Nunca. Eu não deixaria. E eu não consigo deixar de amar. Meu coração poderia estar em pedaços, mas Wendy não merecia ver vislumbre de tristeza em meu olhar. Wendy merecia que eu sorrisse e a carregasse no colo e a fizesse cócegas e brincasse com ela e perturba-a e ama-se com toda a força que eu tinha. E é exatamente isso que faço quando a alcanço. Minha menina ri e tenta sair de meu colo, mas não deixo. – Quem te fantasiou assim? – pergunto. – A profê. – diz, assim, sem jeito, entre risos – Eu falei que minha mãe é a Bell. Ri e encaro Wendy em meus braços. Eu conversava bastante com ela sobre Bell e ela não entendia o conceito de morte, é claro, mas entendia que sua mãe não estava mais ‘entre nós’, mesmo que ela quisesse muito estar. – Oh-ou. Você explicou que sua mamãe não tinha nada a ver com a Bell do Peter Pan? – brinco, afinal é verdade, minha Bell era negra, Tinker Bell branca e loira. Wendy ri. – Não. – Sua “profê” deve estar achando que você quis dizer que sua mãe é literalmente a Tinker Bell.


– O que é “literalmente”? – fala minha filha, franzindo o cenho e pronunciando errado. Eu sorriu sem ter ideia de como explicar aquilo. – Algo exato. Ela faz uma careta. Logo sei que continua sem entender, mas, impressionantemente não questiona mais. Invés disso começa a falar sobre seu dia inteiro na creche. Wendy é muito esperta, aprendeu a falar muito cedo e conseguia falar tudo bem explicado para alguém da idade dela. Claro que errava e comia algumas letras, mas nada que eu não pudesse entender. – E como foi o trabalho, papai? – me pergunta Wendy enquanto caminhávamos para nosso apartamento. Eu tenho um carro, simples ou não, mas tenho. Tive que financiar um para não chegar atrasado no trabalho que é, somente, do outro lado da cidade. Pegar um ônibus ou metrô além de ser um gasto diário de toda forma, levaria mais tempo. O carro foi mais prático, porém, não o usava para nada que fosse perto, como a creche de Wendy. Logo quando minha menina aprendeu a falar, eu expliquei que era bom me perguntar como foi meu dia e ela sempre me perguntava como foi meu trabalho. E é tão bom ter alguém para falar, mesmo que esse alguém fosse uma pessoinha minúscula de um ano e meio. – Foi tudo bem. Minha chefe continua louca. Sim, eu comentava de Chloe Elliott para minha filha. Não falava nada de mais, além de que ela era uma moça que mandava em mim e mandava muito. – Megera. – Wendy cochichou. Eu franzi o cenho. – Onde você aprendeu essa palavra? – Falaram na creche. Posso repetir? Eu tentei segurar meu sorriso. Sabia que não era um palavrão, mas não queria que minha filha falasse isso sendo tão pequena e sem entender o que dizia. – Não. Só quando você crescer e quiser falar isso, você fala. – É uma palavra feia? – Wendy pergunta com os olhinhos arregalados. Eu ensinei a Wendy que existiam “palavras feias” que ela ouviria na rua e não poderia repetir. Se ela não conhecesse a palavra, teria que perguntar a mim antes o que era ou nunca falar sobre. – Quase. Mas não quero você falando isso ainda. – fiz uma reverência com a mão na testa – Entendido Capitã? Wendy também faz uma reverência. – Entendido Capitão.


Mais uma vez, como me blindar da dor, se o amor é tão maior?

Quando eu e Wendy estávamos na metade do caminho uma chuva fraca começa a cair, a pego no colo e digo: – Papai vai ter que correr. – Eba! Eu ri. Eu tentava ensinar a Wendy que tudo na vida poderia ser olhado como uma piada. Para ela não crescer se tornando amarga com todos. Eu queria que minha filha fosse uma mulher que risse a toda e soubesse aproveitar com felicidade a sua vida. Depois de colocar Wendy dentro de uma roupa enorme de chuva com capuz, a carreguei e ela se segura em meu pescoço com suas mãozinhas e a seguro com cuidado em meus braços. Sem esperar para que a chuva piore, corro, sendo o único a ser molhado. Wendy ri e me dá ordens, como “mais rápido, papai”, como se eu fosse um cavalo domável. Não consigo deixar de gargalhar enquanto corro. Vejo as pessoas passarem por mim com pressa, mas nenhuma com sorrisos. Ninguém ri enquanto toma chuva. Bem, ninguém a não ser eu. A vida pode ser difícil na maior parte do dia, porém, eu aprendi que tudo é ainda pior quando você leva tudo tão a sério. A chuva não estava caindo cada vez mais forte para me irritar, nem para atrapalhar a vida de ninguém. Algumas vezes, certas coisas simplesmente tinham que acontecer. Meu coração nunca deixaria de doer por perder Bell, mas tendo Wendy embrulhada em meus braços eu não conseguia ser duro com o mundo a minha volta. Eu não poderia ser duro nem comigo, nem com ninguém. Eu tentava ser melhor a cada dia, por Wendy e por mim. A vida já é tão complicada, por que complicá-la mais? Se a chuva cai, não é por mal a mim. Se o sol estiver forte demais, não é por mal a mim. Se o ônibus passar atrasado, não é por mal a mim. Se tudo der errado, não é por mal a mim. As vezes esse era apenas o caminho de erros mais fácil, para, no fim, algo vir a valer a pena.


Tudo que é alcançado com extrema agilidade perde a graça extrema facilidade. Certas coisas, certas vezes, precisam ter o seu momento certo. Eu já não chorava pela morte, eu ria pela vida. A vida que eu vivia poderia não ser a melhor, mas é a vida que eu tenho. E pela vida que eu tenho, vale a pena sorrir e enfrentar tudo de novo no dia seguinte. Eu não me blindaria de viver e rir e fazer tudo mais uma vez no próximo nascer do sol. “Algumas quedas servem para que levantemos mais felizes.” (William Shakespeare)


3 Ball Buster Dizem que as horas voam quando fazemos algo que amamos. Bem, então, devo revelar que minhas horas se arrastavam. Naquela segunda-feira depois de eu ter entregue o relatório a Sra. Elliott, as semanas passaram como tinham que ser, embora, as oito ou mais horas de trabalho diário não passavam tão rápido assim. As vezes eu ia direto do trabalho pegar Wendy na creche ou passava em casa e depois de um banho relaxante ia caminhando até a creche. Quando eu estava com Wendy meu tempo voava. Ela é a minha vida, meu bálsamo, minha âncora e todas essas coisas clichês. Na copa eu me sentei em uma cadeira qualquer com meu almoço em cima da mesa a minha frente. Batuquei na mesa com minha mão esquerda, fazendo minha aliança bater algumas vezes. É, eu ainda usava minha aliança e provavelmente nunca tiraria, já que não pretendia me casar novamente. Eu teria quase 10 anos de casado hoje em dia. É meio louco pensar nisso, tendo em mente que eu só tenho 27 anos. Minha aliança já está bastante apertada em meu dedo anelar, porque nesse meio tempo eu tinha engordado um pouco. Hoje em dia eu não sou mais desajeitado como antes e nem tão seco. Eu não sou repleto de músculos, mas quando tenho tempo vou à academia e tomo alguns suplementos. Tenho um corpo normal com uma boa massa muscular. Eu, felizmente, mudei com o tempo para melhor, mas ainda uso óculos, contudo, não mais fundo de garrafa como eu usava quando era moleque. Agora é um óculos simples, pequeno e confortável. Quando eu me olhava no espelho eu gostava do que via em mim. Nunca tive uma baixa autoestima, sempre conseguir ver o melhor em mim mesmo. Meus olhos são castanhos comuns, meu nariz é fino e não muito grande, minha boca é proporcional com o resto de meu rosto e meu maxilar me dava um ar de homem desde meus tempos de pirralho. Tirei meu óculos para almoçar e depois de engolir minha primeira garfada sorri para algumas outras empregadas da empresa que entraram na copa fazendo barulho e rindo. A empresa é repleta de mulheres. Em sua maioria de secretárias, a única em alta posição é minha chefe. Os homens ocupavam mais o setor de RH. Eu fui contratado há um ano e o trabalho veio como um sonho para quem tinha se formado em


ADM em pouco tempo. Bom salário e com horário flexível. Bem, com o tempo eu mesmo excedi meu “horário flexível” para ganhar mais nas horas extras. As vezes eu trabalhava no domingo, mas quando acontecia Chloe me pagava o dobro das horas extras. Eu tento ao máximo não ficar tão apegado ao trabalho, porque eu necessitava de muitas horas em casa com minha filha. Felizmente eu tinha isso. Wendy nunca poderia vir a dizer que eu fui um pai ausente. Chloe me contratou por eu ser recém-formado, mas nunca perguntou sobre minha vida ou meu passado. Eu não queria ter que dizer sobre Bell ou Wendy. Logo, ela não sabia disso. Chloe Elliott nem sequer sabia que eu tinha uma filha e eu não teria porque contar. Ela via minha aliança em meu dedo e deveria supor, obviamente, que eu era casado, mas nunca questionou nada. Contanto que eu trabalhasse da maneira que trabalhava, ela não teria porque perguntar nada. Embora isso não se aplicava as outras moças da empresa. No meu primeiro dia de trabalho, enquanto comia na copa, como hoje, algumas moças vieram falar comigo, perguntando como era trabalhar diretamente para Chloe Elliott, quando viram minha aliança me fizeram ainda mais perguntas, respondi todas, tentando não hesitar. É ridículo contar as coisas trágicas de sua vida para estranhos recentes. Eles tendem a te olhar com dó ou pior, acham que você está contando tudo para se passar como coitadinho. Por esse motivo eu não contava nada a Chloe quando em poucas ocasiões chegava atrasado na empresa. Eu não contaria a ela que era porque minha filha de, na época, menos de um ano não querer parar de chorar ou porque ela teve indigestão ou porque, no meio do caminho, minha vizinha avisava que ela não queria comer, mesmo já passando do horário. Ser pai, piorou viúvo, nem sempre é uma dádiva, mas eu não podia pedir mais do que já tenho: saúde para minha filha e a mim e um bom emprego com um salário melhor ainda. – Theo! – uma das secretárias do prédio se senta na cadeira ao meu lado – Como vai? Engoli rapidamente outra garfada de meu almoço antes de responder: – Bem e você? – Ótima. – respondeu a moça de seus 20 e poucos anos. Bonita, mas não é para mim. Nenhuma é para mim. Eu poderia viver relativamente bem depois de ter perdido Bell, mas isso não significava que eu estou aberto para novos relacionamentos. Eu não estou e não pretendia estar. A moça ao meu lado percebendo que eu não indagaria muito assunto começa uma conversa frenética com outra secretária que logo se senta na mesa que eu estou. Eu nunca me importei em ouvir as conversas das moças. Acho até divertido. O assunto


normalmente era Chloe Elliott e dessa vez não pôde ser diferente. – Acho que ela toma alguma tarja preta. – falou uma outra secretária do vice-presidente da empresa enquanto se sentava. É, eu estou, literalmente, rodeado de mulheres. Nesse momento três, em outras ocasiões poderia até ser mais. “Ela” claramente só poderia ser Chloe. Nenhuma das secretárias pareciam ter coragem de falar seu nome em voz alta. Diziam elas que poderiam invocar o demônio. Eu ria, é claro. O que mais poderia fazer? Eu não falava sobre minha chefe, só ouvia. O vice-presidente da empresa é o irmão caçula de Chloe e quase nunca aparecia na empresa, contudo, Chloe deixava trabalho suficiente para sua secretária. Em raríssimas ocasiões o tal vice aparecia. No fim, a Sra. Elliott é a única a comandar a empresa de sua família. A empresa Elliott é uma empresa de produtos femininos desde muito tempo. Produtos femininos no geral. Por isso também tantas mulheres são contratadas, embora eu soubesse que Chloe é a CEO por fazer um bom trabalho e não apenas por ser da família. – O que ela tem além do mal humor habitual? – indagou uma secretária. Eu ri comendo devagar. – Você não sabe que os ricos adoram inventar nomes para seus problemas de cabeça? – respondeu a secretária do vice. – Como assim? – falou a moça ao meu lado. – Parece que ela vai a um psicólogo. Se fosse eu, que sou pobre, me chamariam de louca, sendo ela, que é rica, chamam de depressão. Engoli em seco e comecei a comer mais rápido. A comida já estava ficando intragável e o assunto enjoativo. – Rico adora um psicólogo. – falou a moça ao meu lado, revirando os olhos. – Eu tenho que conversar sozinha mesmo ou com meu marido. – riu uma. – Se meu marido me ouvisse... – disse outra. – Ela deve é estar na seca. – falou a primeira – Falta de sexo deixa qualquer um maluco. Se elas soubessem de mim, pensei. – Rica, bonita e solteira? Deve ser louca mesmo. – argumentou a moça do meu lado. – Louca não, depressiva. – a outra secretária ironizou. Não, as mulheres que me rodeavam no trabalho nem sempre conversavam futilidades. Muitas vezes elas me davam dicas preciosas sobre a criação de uma criança, outras vezes conversávamos sobre coisas sérias, política ou economia, embora uma vez ou outra o assunto era Chloe Elliott, a ball buster mais odiada de todas.


Eu não faço ideia se Chloe realmente toma algum remédio tarja preta ou se ia ao psicólogo, mas, sinceramente, eu não duvidava que fosse verdade. Chloe além de ocupar um alto cargo profissional, levava consigo a responsabilidade de toda sua família, que é tocar a empresa com maestria. E cuidar de uma empresa multimilionária como a EE (Empresa Elliott) com eficácia não é para qualquer pessoa.

Mais tarde eu digitava em meu computador devagar com a mão direita e batia minha mão esquerda em minha mesa. Ouvir o barulho baixo que a aliança fazia era reconfortante. É uma mania esquisita, eu sei. – Theodoro. – Chloe chamou, fazendo-me parar de digitar para olhá-la em frente a minha mesa. Mesmo quando Chloe me chama pelo meu primeiro nome, é formal. Seu tom de voz sempre é formal. – Sim? – questiono. – Você pode ficar um pouco mais depois de seu expediente? Franzi o cenho. É sábado e nos sábados Wendy fica com nossa vizinha. – Algum problema? – quase a chamei de “moça”. – Não. Prometo ser breve. Gelei um pouco, admito. Minha chefe ball buster, estava pedindo para conversar comigo, depois do expediente? O que diabos ela poderia querer de mim? Ela pigarreia. – Sim, senhora. Poderei ficar. Chole assente e sai, indo para sua sala e batendo a porta atrás de si. Eu não deveria ficar, mas estava curioso para saber o que ela poderia querer comigo.


Bônus Eu prometo ser... Eu estava trabalhando como um condenado há dias. Estava fazendo bicos para conseguir pagar o que eu queria propor à Bell. Eu acreditava que ela aceitaria, mas eu tinha medo que ela tivesse medo e que recuava. Minha Bell não poderia recuar, não poderia hesitar. Eu precisava dela inteira para eu ser inteiro também. Eu tinha quase 19 anos e ela tinha 18 e tantos meses. Era insano o que eu pediria, mas eu sabia, que ela sabia também, que era isso que nos faria feliz por completo. Bell e eu precisávamos disso. As vezes eu me condenava por ainda ser tão estúpido quando a chamei para assistir Peter Pan ou quando dei o primeiro beijo ou quando a pedi em namoro ou quando a chamei para morar comigo. Quando tratava-se de Bell eu era um estúpido em quase todas as situações. Eu, possivelmente continuaria sendo um estúpido, mas queria ser um estúpido casado com a moça da minha vida. Moça. Minha moça. Minha Bell. Pra sempre minha. Será que ela aceitaria? E se ela não aceitasse, quem eu seria sem ela como minha? Trabalhei bastante para pagar o par de alianças em uma boa loja. Não era caríssimo, mas era, no momento, o máximo que eu poderia comprar. E eu sabia que eu não precisava dar a Bell a joia mais cara para ela entender que era importante para mim. Com as alianças em mãos, tratei de arrumar o nosso apartamento enquanto ela estava em um emprego provisório que nosso lar adotivo a tinha dado. Eu não queria ser tão clichê e encher nosso apartamento com rosas. Eu queria ser original, contudo, eu não fazia ideia do que fazer. Eu pensei incansavelmente o que Bell quereria e continuei sem saber. Depois de um longo tempo pensando em mil formas românticas de pedir a moça da minha vida em casamento, eu soube o que eu deveria fazer: nada. Bell não era o tipo de mulher que choraria por encontrar sua casa cheia de rosas, Bell nem sequer iria se emocionar se eu tocasse alguma música com minha voz desafinada ou contratasse uma banda ou orquestra para ela. Bell não era assim.


Minha moça – em breve minha noiva, minha esposa – gostaria de algo cru, verdadeiro e sem frescuras. Sorrindo eu esperei sentado no sofá ela voltar do emprego. E quando ela voltou parecia cansada e já foi tirando os sapatos e jogando a bolsa no sofá. Bell me deu um selinho e enrugou a testa. – Tá bem, moço? Eu sorri. Bell me conhecia como ninguém... – Tô bem, moça. Ela deu de ombros e tirou sua roupa para ir tomar banho. Quando ela estava de lingerie, preste a entrar no banheiro, eu a detive, segurando levemente seu braço. – Eu te amo, Bell... – Eu também te amo, Theo... – Você confia em mim? – indaguei inseguro. – Aconteceu alguma coisa? – ela preocupou-se e eu beijei sua testa a apertando em meus braços. Eu vestia apenas uma bermuda e sentir o corpo seminu de Bell me deixava um tanto quanto distraído. Éramos virgens e pretendíamos casar assim, mas Bell ainda não sabia que eu pretendia casar o mais rápido possível, não pelo sexo, longe disso, mas por amor. Amor puro e amor carnal. Eu queria ter Bell completamente. – Ainda não. – respondi. – Theo! Você está me deixando preocupada. Afastei meu corpo do dela, mas deixei minhas mãos em suas bochechas, para manter o seu olhar esverdeado fixo no meu. – Bell, eu te amarei. Mesmo que você envelheça e fique gorda ou feia ou louca ou mal humorada. Eu te amarei mesmo se houver um momento que não haja tesão. Mesmo que você, um dia, venha a me mandar embora, eu te amarei. Mesmo que tudo pareça dar errado conosco, eu te amarei. Talvez nós fiquemos mais pobres, irritados e desnorteados, mas saiba que eu te amarei. – Bell, eu prometo ser tudo que você desejar que eu seja, contanto que eu esteja em sua vida. Me peça para ser seu criado e eu serei. Me peça para ser seu escravo e eu serei. Me peça para ser sua cômoda e eu serei. Me peça para ser seu capacho e eu serei. Só não me peça para ir embora, porque acho que eu não iria. Iria, provavelmente, bater na sua janela incontáveis vezes com uma pedrinha, como nos filmes, cantar uma serenata de um jeito desafinado, tomar um balde de água gelado que você jogaria em mim, ouviria seus insultos, mas eu não iria embora. – Eu prometo ser o melhor que eu puder todos os dias de nossas vidas. Eu prometo ser e


tentar sempre ser o mesmo de hoje, amanhã. Eu prometo ser seu para sempre. Eu prometo ser seu moço, minha moça. – Eu prometo ser, Bell. Eu prometo ser tudo isso. E eu prometo, acima de tudo, te amar. Porque moça, eu não consigo me imaginar sem te amar. Bell, eu te amarei. Eu sempre te amarei. E pretendo continuar de amando, mas a partir de hoje, quero te amar como minha noiva, minha futura esposa. Bell, você só precisa aceitar e eu prometo ser. Bell chorou e aquelas lágrimas eram lágrimas felizes e eu me senti feliz também. Ela não precisou me responder para eu ver em seu olhar o que ela queria dizer: ela me amaria também. E ela respondeu isso me beijando. Bell e eu fizemos amor pela primeira vez de nossas vidas naquela noite. Nós nos amamos mais e continuei prometendo ser.


4 Proposta Indecorosa Trabalhei tenso esperando – não tão ansiosamente – meu expediente acabar. Quando acabou eu fiquei gélido. Se não fosse demissão, seria reclamação. Mas eu estou habituado com as infinitas reclamações de Chloe Elliott. Os outros empregados do prédio começaram a ir embora e algumas mulheres me desejaram boa sorte para enfrentar o anjo do inferno. Elas tinham ouvido a Sra. Elliott falar comigo mais cedo. Quando o andar que eu trabalho ficou praticamente vazio eu me levanto de minha cadeira e vou ao banheiro. Lavei meu rosto (deixei meu óculos em minha mesa) e encarei meu reflexo. É, eu não estou mal. Eu trabalho com paletó, sempre. Chloe dizia que trabalhar com blazer era coisa de relaxado, com terno era o chefe e smoking era coisa de ator. Eu não entendi absolutamente nada quando ela impôs indispensavelmente que eu confeccionasse paletós, apenas paletós. Depois de um longo período ao lado de Chloe Elliott e de uma senhora que confeccionaria meus paletós entendi a lógica. Blazer podia ser usado com roupas mais despojadas, até jeans. Terno é a roupa completa, compõe de paletó mais colete mais calça social mais camisa social mais gravata. Smoking é normalmente confeccionado com cetim e usado geralmente em festas de gala, festas de casamentos e premiações como a do Oscar. Sim, Chloe não é tão louca, mas é perfeccionista. Hoje, por ser sábado, eu não estou usando gravata. Me senti fora do padrão na empresa, mas estou mais natural. Eu nunca gostei de me encontrar com Wendy com paletó e gravata, me sentia sempre deslocado e anormal. São 18h. O expediente de hoje é mais curto e começa mais tarde, minha menina, nesse horário deveria estar com um pouco de sono. Espero que a conversa de Chloe comigo não demore. Eu pretendo chegar em casa e encontrar Wendy acordada. Saio do banheiro e dou de cara com Chloe, quase me esbarro nela. – Desculpe... – digo.


– Estava te procurando. Pensei que tinha ido embora. – Eu disse que ia ficar. Ela assente e me dá as costas, logo entendo que tenho que segui-la. Minha chefe hoje vestia uma calça social azul. A calça ficava justa em seu corpo, mas não apertado, porém, mesmo justo modelava levemente suas coxas e bunda. Andando atrás dela eu não conseguia deixar de olhar sua bunda balançar. Seu salto é alto, como sempre. Sua camisa é de mangas curtas, com um decote nadador que não revelava nem um vislumbre de seus seios. Claro que agora eu não via nada além de suas costas e sua bunda... Boa bunda ela tem, a propósito. Abro o botão de meu paletó e sem Chloe ver, arrumo minha calça, logo fecho o botão escondendo qualquer evidência da minha rigidez em meu membro. Eu estou ficando realmente duro só por imaginar a bunda de minha chefe? Balanço a cabeça. Eu devo estar enlouquecendo só por pensar sobre! Felizmente Chloe não lê mentes.

– Eu tenho uma proposta a lhe fazer. – Chloe diz com alguns papéis em mãos. Estávamos em sua sala. Chloe me mandou sentar em seu sofá de couro quando entramos. Como é um sofá de três lugares, eu estava em um e ela no lado oposto ao meu. – Estou ouvindo. – digo. – Gostaria que você lesse esses papéis com calma junto com sua esposa e me dê uma resposta o quanto antes. – ela me entrega a papelada – Qualquer dúvida você poderá tirar comigo. Na verdade não são tantos papéis assim, mas continuo tenso, ainda mais com a menção a “minha esposa”. Percebo que Chloe também não está muito confortável. Ela cruza e descruza suas pernas praticamente compulsivamente. Seu olhar cinzento está fixo no meu, mas demonstra incerteza. Eu nunca pensei que viveria o suficiente para ver minha chefe tensa. Tiro meu olhar do dela para entender do que se trata aqueles papéis. Demoro alguns minutos lendo algumas cláusulas e quando enfim entendo sobre o que é, engulo em seco. Devolvo os papéis para Chloe e digo sem hesitar: – Não. Ela arregala os olhos e percebo sua compostura cair um centímetro. Ela parecia desesperada,


triste e eu me senti um pouco triste também por ser o causador de sua mágoa. Contudo, a Sra. Elliott realmente achou que eu aceitaria aquilo? – Por quê não? – ela indaga. – Por que eu? – rebato. – Você se enquadra bem. – Ninguém além de mim ‘se enquadra bem’ para isso? – Não, Theodoro. – Chloe suspira aparentemente cansada e descansa sua cabeça no encosto do sofá – Se houvesse outra pessoa boa o suficiente para isto – ela toca os papéis com um dedo indicador – eu não estaria aqui falando com você. “Cai, atirando” deveria ser o lema de Chloe. A moça poderia estar naquele momento “precisando” de mim, especificamente de mim, mas não deixaria de lado sua grosseria e postura forte. – Não há um caso qualquer ou... – Não seja estúpido, não há ninguém que se enquadra para isso, já disse. – Eu sinto muito, mas não posso aceitar. – digo. Chloe fecha os olhos e respira fundo. Eu não sei se ela está se controlando para não me matar ou se ela está se controlando para não desmoronar. Me senti mal com isso, de toda forma ela está um tanto quanto quebrada por minha causa. Não exatamente por minha causa, mas pela minha recusa. Quando Chloe abre seus olhos, ela os foca em mim de uma maneira que nunca foi antes: realmente me vendo. Seu olhar era quente, triste, desolado, esperançoso e amargo. Uma mistura insana só poderia ser vindo de quem vinha. – Por favor. – ela sussurra. Minha chefe nunca me pediu “por favor” daquele jeito. Ela já tinha dito antes, mas foi tão automático, não sendo cordial de verdade. Embora, ali, foi de verdade, foi uma súplica sincera. – Eu realmente não posso aceitar. Ela assente. – É a sua mulher? Você acha que ela não vai aceitar a proposta? Eu posso conversar com ela também e... – Não. – cortei-a – Você não pode conversar com ela e a questão também não é essa. – E qual é a questão, Theodoro? – esbraveja Chloe. Eu abro a boca para responder, mas logo fecho sem dizer nada. Eu não poderia dizer o motivo real de não aceitar. – Esqueça. – digo enquanto me levanto do sofá.


Chloe levanta-se também e para de braços cruzados em frente a porta. Claro que eu poderia tirá-la da minha frente, mas não pretendia arriscar meu emprego com isso. – Se você não disser, eu não sairei de sua frente. – Por que você quer saber meu motivo? – Eu preciso. Eu fecho meus olhos por longos segundos e crio coragem para dizer a verdade cruel encarando o olhar severo de Chloe: – Eu não quero ser o seu doador de sêmen, porque não consigo vê-la sendo uma boa mãe. Chloe não esbanjou expressão nenhuma, mas percebi o seu corpo inteiro torna-se vacilante. Eu me senti um canalha por dizer aquilo a uma mulher que desejava ser mãe, mas é a verdade do que eu acredito. Infeliz verdade. Chloe Elliott queria que eu fosse seu doador de sêmen, como a mesma havia dito, eu ‘me enquadrava bem’ e no contrato que eu folheei dizia também que eu não poderia “reivindicar a prole” e Chloe ainda me daria uma quantia se eu aceitasse o contrato. Mas eu não queria aquilo. Eu não queria saber que eu seria o pai biológico de uma criança que seria criada pela minha chefe. Ela, como prometido, sai da minha frente e dá as costas para mim. – Moça, eu... – começo assim mesmo, falando “moça”, tentando soar delicado, mas Chloe continua de costas para mim com as mãos em sua mesa. – Vá embora Theodoro. – sua voz não soa como sempre, parece menos selvagem, mais na defensiva do que normalmente no ataque. Eu penso em andar até ela, de tocá-la e dizer o quanto sinto muito. Gostaria de poder aceitar sua proposta indecorosa sem hesitação, mas não consigo. Gostaria de deixá-la bem, mas não sei como. Gostaria de poder tocá-la, mas não tenho essa intimidade, nem esse direito. No fim eu suspiro e tento falar algo coerente, mas como se adivinhasse que eu falaria, ela adianta, repetindo: – Vá embora! Eu assinto, mesmo sem ela ver e saio de sua sala, batendo a porta levemente.


5 Dia das Mães É uma sexta-feira, próximo domingo é dias das mães e como toda boa creche a da minha filha já estava “comemorando” essa data importante de maio, já que não abriam no domingo. Quando vou buscar Wendy, no fim da tarde enquanto voltamos para casa, ela me fala sobre os preparativos da creche e me entrega um bilhete. No bilhete está escrito em uma bela caligrafia: “Feliz dia das mães, papai.” Involuntariamente eu sorri. – Você sabe o que está escrito aqui? – pergunto segurando a mãozinha de Wendy. É lógico que ela não sabe o que está escrito no bilhete, mas, mesmo assim, pergunto. – Não. O que é? – responde com sua voz meiga. – “Feliz dia das mães, papai.” – leio – O que você disse para escreverem isso? Wendy sem entender direito minha pergunta dá de ombros – ou é o que parece que ela faz -. – Eu disse que minha mamãe não está entre nós. Eu fico sem palavras, afinal é isso o que digo para ela, mas obviamente ela não entende exatamente o que quero dizer, contudo, as moças da creche devem ter entendido. – O que você vai querer fazer nesse final de semana? – questiono. Wendy faz uma careta enquanto pensa. – Sorvete! Eu riu. – Você quer ir a uma sorveteria? – Podemos, papai? – suplica já fazendo uma carinha de cachorro sem dono. – Claro que podemos. Mas só vou poder daqui a dois dias, certo? Ou seja, amanhã não terá sorvete. Sua expressão murcha. – Então vou querer sorvete em dobro depois. – Feito sabichona! Sorvete em dobro no domingo. – O que é sabichona? Eu gargalho e a carrego enquanto explico.


Dia das mães é uma fase difícil para mim. Não apenas por eu não ter mãe, mas principalmente por eu não ter Bell. Eu e Wendy não tínhamos Bell. Eu sempre desejei que quando tivesse uma filha ela tivesse tudo que eu não tive, mas, no final das contas, Wendy também não tinha uma mãe viva, como eu. Wendy só tinha a mim e eu preservava a minha vida, porque minha vida atualmente não é só minha, mas dela também. Há mais de um mês que Chloe me fez a tal proposta, nesse meio tempo ela continuou agindo como sempre: friamente. Não tocou mais no assunto e eu também não tive e nem teria coragem de falar sobre. Como é um domingo eu não trabalho e já estou arrumando algumas coisas para levar para a rua quando sair com Wendy para a sorveteria que estamos acostumados. É a única sorveteria que conheço para intolerantes a lactose e minha filha é intolerante, logo, não pode comer diversas coisas. Coloco comida e troco a água para Luck, deixo também um pouco de leite para o gato gordo. Lavo os pratos, coloco as roupas no varal, dou banho em Wendy a visto em uma camisa rosa de alças e uma saia com babados também rosa, sem esquecer de colocar sua fralda e colocar outras duas em uma bolsa. É, eu tenho que levar uma bolsa quando saio com Wendy. Depois de arrumá-la a mando esperar na sala para eu me arrumar também. Tomo um banho em tempo recorde e visto uma bermuda jeans e uma camisa poló rosa. Wendy gosta quando eu visto rosa também e foi-se o tempo que era cor de menina. Dou uma rápida penteada em meu cabelo e percebo que esqueci de fazer a barba essa manhã, mas ainda não estou irreconhecível. Calço o primeiro sapato que encontro e pego tudo que preciso em meu quarto para a tarde com minha menina. Quando chego na sala Wendy está sentada no sofá e me encara séria enquanto balança seus pés no ar. – Meu cabelo, papai! Franzo o cenho. – O que tem ele? – Quero tranças. Sorriu. – Você quer duas trancinhas? Como Maria Chiquinha? Ela nem entende direito minha referência, mas assente ainda sim.


– Papai pode tentar, mas não sou lá muito bom nisso. Wendy sorri e corre para seu quarto para pegar seu pente.

– Papai... – Wendy começa no banco de trás, em sua cadeirinha, quando estou preste a ligar o carro. – Sim, querida? – a olho pelo retrovisor. – Cadê seu óculos? Ótima pergunta! Cadê? Suspiro, exasperado. – Filha, acho que vamos ter que passar na empresa que eu trabalho antes de ir a sorveteria, tudo bem? – Vai demorar? – Prometo que não. Só preciso pegar meu óculos. Entendido, Capitã? – brinco no fim e Wendy sorri enquanto imita minha referência com a mãozinha na testa. – Entendido, Capitão. Como é domingo, penso durante o percurso até a empresa, se ela não está fechada, mas lembro que mesmo sendo feriado de dia das mães algumas pessoas trabalham na limpeza dela. Caso estiver fechada, eu não perco nada, porque a sorveteria é bem perto da empresa. Dou de ombros enquanto dirijo. Não custa tentar.

Decido estacionar em frente à empresa e não na garagem, afinal, nem sei ainda se a garagem está aberta. Tiro com cuidado Wendy da cadeirinha e quando ela já está fora, tranco o carro. – É grande. – Wendy diz em meu colo enquanto dobra o pescoço para olhar para toda a empresa de seus 20 andares. – Sim, é enorme. Felizmente eu já deixava meu cartão passe da empresa em meu carro e logo quando paro a poucos passos da entrada vejo que está em funcionamento. Uma empresa como a EE não para nunca.


Vejo uma faxineira na recepção e quando ela também me vê vem até a porta de vidro da entrada. Sorriu. – Esqueci algo aí. – digo mostrando com minha mão livre meu cartão passe. A faxineira sorri de volta para mim e Wendy, percebo que minha menina também retribui o sorriso e a senhora de seus 50 anos, abre com uma chave a porta larga de vidro. – Não sei se a Sra. Elliott gostará de saber que você está aqui. Franzo o cenho. – Mas serei breve, preciso apenas pegar meu óculos, ela nem saberá que vim. – Papai não enxerga bem sem óculos. – Wendy explica por mim, eu e a faxineira rimos. – Seja rápido mesmo, certo? – ela pede e eu assinto, logo em seguida, avisa: – Só o elevador dos funcionários está ligado. – Obrigado. – digo enquanto caminho até o elevador. Já dentro do elevador coloco Wendy no chão e explico: – Quando chegarmos ao andar que eu trabalho você não pegará em nada e nem fará barulho. Certo? Ela assente séria. Guardo meu cartão passe ou crachá, que seja, em meu bolso e espero chegar ao meu andar. Quando chegamos Wendy é a primeira a sair, mais pulando que andando. – Calma, criança! – digo, mas sei que ela é obediente e não pegará em nada que não é seu. – Onde você trabalha? – pergunta e eu gesticulo para minha mesa mais a frente. Em um ano de trabalho e Wendy nunca tinha nem sequer visto o prédio que eu trabalhava. Não é de se admirar que ela agora queria ver tudo. Ela chega em minha mesa antes de mim e confere tudo, mas não toca em nada. Acho meu óculos em cima de alguns papéis e o pego, já pondo em meu rosto. – Já podemos ir? – Wendy quis saber. Eu assinto, mas quando pego sua mãozinha para voltarmos percebo a porta do escritório da Sra. Elliott aberta. Estranho porque sei que ela sempre tranca tudo antes de sair. Penso que deve estar aberta para a limpeza e quando estou, mais uma vez, preste a seguir meu caminho de volta ouço um barulho de algo estilhaçando lá dentro e um palavrão que só poderia ter vindo de Chloe. Eu quase nunca xingo, nem penso em palavrões, conviver com uma criança faz com que você tenha que ser um exemplo e como eu quero passar um bom exemplo, não xingo na frente de Wendy e praticamente nunca sem ela. Embora Chloe Elliott não é exemplo para ninguém e eu ouvia seus


palavrões constantemente. – Não repita aquela palavra! – chio para Wendy que assente. – Quem está lá? – ela pergunta. – Provavelmente minha chefe. Vamos embora? – tento mudar de assunto. – Você não pode me apresentar a ela? Eu estaco. Deveria apresentar Wendy à Chloe? Acho melhor não. Me ajoelho em frente a Wendy. – Por que você quer conhecê-la? – Ela podia ir tomar um sorvete com a gente. – pede meio cabisbaixa. E é nesse momento que eu percebo que eu poderia ser o melhor pai do mundo, mas nunca seria o suficiente. Wendy precisa também de uma mãe e ela parecia sentir falta de algo que nunca teve. Claro que eu me viro em dois, três ou quatro se ela precisar, mas há coisas que eu, sendo homem, nunca poderia ensiná-la bem. – Não sei se ela vai querer. – explico. – Mas você pode chamar? Penso em xingar. Como dizer não a minha menina? – Posso tentar. Wendy sorri e eu não consigo deixar de sorrir também.


6 Moça quebrada Peço para Wendy não entrar na sala de Chloe junto comigo. Logo ela fica quieta um pouco afastada da porta enquanto eu bato na mesma e entro sem esperar mais. O escritório está em meia luz, mas com meu óculos em mim logo vejo Chloe encostada em sua janela, agora, obviamente fechada. Ela está com os braços cruzados e me encara seriamente. Percebo também cacos de vidro perto de seu pé e uma embalagem de um remédio em cima de sua mesa, identifico como clonazepam, uma tarja preta que serve para síndrome do pânico ou ansiedade ou distúrbio bipolar ou agorafobia ou depressão ou ataques epiléticos. Talvez Chloe Elliott, mesmo tendo tudo material que o dinheiro poderia comprar, fosse, ainda sim, quebrada por dentro. Respiro fundo, me sentindo uma merda (sim, xinguei) por ter, há semanas a feito ficar ainda pior dizendo que não a via sendo boa mãe. Jesus, por que eu tinha falado aquilo? – O que você está fazendo aqui? – Chloe pergunta duramente enquanto senta-se. Sua poltrona esconde metade de seu corpo, mas pelo que eu podia ver ela vestia uma camisa branca de alças finas. Seu cabelo está solto e diferentemente dos dias de trabalho, está um pouco desarrumado. Sua maquiagem parecia ser fraca, nada de batom vermelho, pelo contrário, ela usava um batom bem claro que realçava seus lábios e a deixava tão natural... Balancei minha cabeça tentando não me distrair com seus lábios ou com sua aparência tão comum e diferente do que eu estava acostumado no dia a dia de trabalho. – É... – comecei sem saber como terminar. O que eu deveria falar? “Quer ir a uma sorveteria comigo e minha filha, hoje, agora? A propósito, eu tenho uma filha de um ano e tantos meses.” – Eu esqueci meu óculos aqui. – digo por fim, Chloe assente e não esbanja expressão nenhuma – Não imaginei que a senhora estivesse aqui. Estou na dúvida entre ser formal ou informal, afinal é domingo. – Mas estou. E vejo que você já pegou seu óculos, então pode ir embora. – Você não vai sair hoje? – questiono, esquecendo toda e qualquer formalidade. – Não é da sua conta, mas respondendo: não, não vou sair hoje.


– Mas é dia das mães e... – Theodoro, eu sei que dia é hoje. – ela rosna cortando-me – Por que você ainda está aqui? Sinto Wendy abraçar minhas pernas e vejo-a inclinar sua cabeça para o lado, tentando ver e ao mesmo tempo se esconder de Chloe. Contudo, mesmo com receio, minha menina diz: – Oi. Admiro a coragem de minha filha. Tento dar um passo para trás, para ir embora e evitar que Chloe soltasse toda sua fúria em Wendy. Porque uma coisa é ser grossa comigo, outra seria ser grossa com minha filha. Para Wendy ninguém levantaria a voz, a não ser eu. Quando eu acho que Chloe vai revirar os olhos ou me ofender de algum modo por trazer uma criança a empresa, ela simplesmente levanta-se e caminha até mim, mas não se aproxima. – Olá! – Chloe responde a Wendy e se ajoelha no chão, pegando-me totalmente de surpresa. Percebo que ela veste uma calça com um tom claro e uma salto preto não tão alto. Parecia um anjo, dessa vez, sem ser do inferno. Wendy solta minhas pernas e fica do meu lado, mas não se aproxima muito de Chloe. Minha filha olha para mim como se pedisse permissão e eu, sorrindo, assinto. Wendy anda até Chloe e para bem perto dela. – Tudo bem? – Chloe fala e sorri – Qual seu nome? Chloe Elliott está sorrindo! Um sorriso bastante sincero que faz até seus olhos brilharem. E eu não consigo deixar de admitir o quanto seu sorriso é lindo. Minha filha assente para Chloe, afirmando que estar bem e complementa: – Wendy, como a Wendy de Peter Pan. E o seu nome? Chloe ri. – Chloe, como a Chloe das Três Espiãs Demais. Fito minha chefe entre o choque e a admiração. Choque por ela conhecer o desenho e admiração por ela falar de um modo extremamente doce. Wendy toca a bochecha de Chloe. – Você é bonita. Se o sorriso de Chloe não podia ficar mais lindo e amplo, ficou. – E você é linda. – Papai diz isso. – Wendy se gaba e eu riu. – Papai, huh? – Chloe olha para mim rapidamente e eu deixo minha boca em uma linha reta enquanto concordo com a cabeça. Depois, encarando minha pequena continua – Quantos anos você tem?


Minha filha estende um dedinho. – Um e meio. – e olha para mim para confirmar se é isso mesmo, eu assinto enquanto riu. – Oh, mas você é muito esperta pra sua idade. Papai te diz isso também? – Diz. Parece que modéstia não existia para minha filha. Eu não consigo deixar de sorrir e me sentir um tanto quanto deslocado, ali, em pé no escritório de minha, até ontem, odiosa chefe, fico sem saber pra onde ir. – Você quer ir tomar sorvete com a gente? – Wendy convida. Ser criança as vezes é tão simples. Eu estava pensando em como convidar Chloe para a sorveteria, sem soar estranho e invasivo, mas então, Wendy simplesmente entra e fala, tão meiga e doce como só ela poderia ser. – Eu gostaria. – Chloe me surpreende, mais uma vez, ao aceitar o convite de minha menina e me olha – Tudo bem para você? – Sim, claro. – digo, meio sem jeito, trocando o peso de uma perna para outra e escondendo minhas mãos nos bolsos de minha bermuda. – Eu poderia falar só com seu pai rapidinho? – Chloe pergunta a Wendy e eu peço para ela esperar na porta, na minha vista. Chloe levanta do chão e me chama para o canto de seu escritório. Tomo cuidado para não pisar, mesmo com o sapato, nos cacos de vidro no chão. – Sua mulher não se importará se eu for com vocês? Encaro Chloe e depois vejo Wendy, obedientemente parada na porta do escritório. Sussurro de uma vez a verdade para minha chefe: – Eu não tenho mais esposa. Ela faleceu. Uso a aliança por mania. Chloe abre a boca e depois fecha. Ela poderia ser como todos e dizer “sinto muito”, mas Chloe Elliott não é como todos. – Entendo. – é tudo que ela diz no fim e em seguida pega sua bolsa em cima de sua poltrona e guarda algumas coisas nela, incluindo o remédio. Wendy entra saltitando no escritório. – Moça, – minha menina diz, como minha mesma mania de falar “moça” – você pode trançar meu cabelo? Chloe sorri e coloca sua bolsa em cima de sua mesa. – Claro que posso. – Ei, – começo – que mal tem minhas tranças? Wendy revira os olhos como se fosse gente grande.


– Ela deve fazer melhor, papai. Chloe ri baixinho e vai até minha menina, pegando-a no colo com delicadeza. Atenciosamente ela senta Wendy em sua poltrona enorme, pega um pente em sua bolsa e se ajoelha em frente a poltrona, com calma começa a desfazer as duas tranças de minha filha.

Eu nunca pensei em viver o suficiente para ver Chloe sendo tão delicada quanto foi com Wendy. Claro que eu nunca imaginei que ela fosse ser grossa com minha filha, contudo nunca imaginei que ela fosse tão calma e tão amável. Chloe parece carregar o peso do mundo, mas, no fundo, naquele dia eu consegui ver, finalmente, que ela é apenas uma moça quebrada. Chloe poderia amar, mas parecia escolher só odiar. Talvez o ódio fosse a sua blindagem de si e do mundo todo. É mais fácil sentir o ódio do que o amor. Eu bem sei disso, mas eu tenho Wendy e minha filha é só amor, não há um milímetro de Wendy que poderia fazer eu escolher odiar o mundo a minha volta pela vida que tive. Se houvesse algum dia que eu acordasse tão quebrado quanto Chloe poderia ser, eu não duraria por muito tempo. Seria só lembrar de Wendy para eu sorrir e pensar que vale viver mais um dia. Vale viver e vale amar. Vale sorrir e vale levantar da cama. Eu fui largado em um centro adotivo, sou órfão desde sempre. Conheci o amor da minha vida quando moleque e me casei com meu amor. A perdi dias depois do parto. Um dos dias mais felizes da minha vida foi o nascimento de Wendy e o mais triste foi poucos dias depois, o falecimento de Bell. Eu poderia surtar. Eu poderia desistir de tentar. Mas há, sempre há algo que faz valer a pena. Engulo em seco pensando que eu queria mostrar a Chloe Elliott, uma moça quebrada, que vale a pena para ela também. Sempre vale.


EFEITOS COLATERAIS DO CLONAZEPAM Os principais efeitos colaterais do clonazepam estão habitualmente associados à depressão do sistema nervoso. Alguns efeitos são transitórios e desaparecem espontaneamente no decorrer do tratamento. Em muitos casos, a redução da dose é suficiente para controlar os efeitos adversos. A elevação lenta e progressiva da dose no início do tratamento ajuda a amenizar e a reduzir a incidência das reações indesejadas. Os principais efeitos colaterais do Rivotril são a sonolência, cansaço, diminuição da coordenação motora, diminuição da capacidade de concentração e amnésia para eventos recentes. Outros efeitos comuns são a tontura, aumento da salivação, dor muscular, distúrbios do sono, aumento da frequência urinária e visão borrada. O uso do Clonazepam pode provocar em algumas pessoas pensamentos suicidas, principalmente se o paciente já tiver depressão grave. Um efeito adverso curioso das benzodiazepinas é a chamada reação paradoxal. Em vez do medicamento causar inibição do sistema nervoso, ele provoca um efeito contrário, deixando o paciente hiperativo e, às vezes, agressivo. Esse efeito é mais comum em pessoas jovens e em pacientes psiquiátricos.


7 Dia do Sorvete Eu, Chloe e Wendy fomos em meu carro para um shopping do qual tem uma ótima sorveteria. Chloe quis ir em seu carro, mas insisti para irmos todos juntos no meu, que já estava preparada com a cadeirinha para Wendy. Ela não chiou muito antes de aceitar e aqui estamos nós, no shopping. É desconfortável estar perto de Chloe, tendo apenas Wendy entre nós, porque eu estou tão acostumado a vê-la sempre com sua blindagem de mulher impossível, distante e insuportável. Hoje Chloe está sendo o contrário de tudo que já foi um dia. Acessível, próxima, além de suportável, amável, atenciosa. Ela sorria e conversava com Wendy com facilidade. Meu peito apertou-se ao ver a boa interação que elas tinham. Tentei pensar que aquilo não era bom para minha filha, mas minha menina sorria tanto que eu não conseguia pensar em como aquilo poderia ser ruim. Antes de chegarmos a sorveteria Wendy solta minha mão e puxa minha camisa. Chloe para de andar quando eu também paro. Quando Wendy faz isso sei que é porque quer me falar algo baixo. Ajoelho-me a sua frente e ela sussurra em meu ouvido: – Xixi. – Você quer fazer? – murmuro. – Fiz. É péssimo quando isso acontece na rua. Não pelo fato de ter que trocar sua fralda, mas por não ter onde trocar. Eu nunca entraria com Wendy em um banheiro masculino e eu não posso entrar no feminino, poucos shoppings tinham banheiro infantil ou fraldário e, obviamente, para minha sorte, aquele shopping não tem nem um, nem outro. Chloe se ajoelha também. – Algum problema que eu possa ajudar? – questiona. – Xixi. – Wendy sussurra para Chloe também balançando sua cabeça de uma forma constrangida, fazendo suas tranças – agora muito bem feitas – balançarem junto. – Oh-ou. – Chloe diz – Acho que eu posso ser útil. Chloe me encara e fica em pé. Eu franzo o cenho sem entender e ela me estende a mão logo após gesticular para a bolsa com as coisas de Wendy em meu ombro.


– Você sabe trocar fralda? – pergunto. – Sei. – Passar um pano úmido, o talco e... – Eu sei, Theo. Abro a boca para tentar dizer algo coerente, mas nada sai depois de ouvi-la me chamar de Theo. Poderia ter sido algo simples, dito sem querer, mas soando em sua voz parecia algo íntimo e sensual. Chloe pigarreia e eu lhe entrego a bolsa no mesmo momento que ela segura com firmeza a mão de Wendy, levando-a para um banheiro feminino mais próximo. Quando eu saio com Wendy nunca vou ao banheiro e quando o local tem fraldário a troco tranquilamente, quando não tem, é outro problema. Mas hoje posso ir no banheiro sem pressa e vou. É algo aparentemente simples, mas para mim não. Para mim é algo um pouco mais importante que apenas ir ao banheiro. Para mim é saber que há alguém confiável com minha filha. Saio do banheiro e as encontro um pouco distante do mesmo, ao lado de um carrinho de pipoca. De início elas não me veem e sorriu ao ver Wendy gargalhar com as cócegas proporcionadas por Chloe. Eu não posso falar sobre paixão agora, mas vê-la fazer minha filha gargalhar faz meu coração bater mais forte. Chloe nunca se pareceu tanto com um anjo como naquele momento. Simples, autêntica e aparentemente feliz. Wendy é a criança mais linda que eu já vi em toda minha vida, contudo Chloe é a mulher mais linda. Sorrindo conseguia ficar ainda mais bonita. Fazendo minha filha sorrir junto tornava-a indiscutivelmente linda. Saber que ela não fazia aquilo para chamar minha atenção a tornava perfeita de uma maneira assustadora. Amanhã Chloe poderia voltar a ser a ball buster de sempre, mas naquele instante é simplesmente uma moça bela, linda... Perfeita. Um anjo.

– Ela pediu pipoca, – Chloe avisa quando me aproximo delas – mas eu não sabia se podia dar. – Pode sim, mas ela tem que comer em pouquinho em pouquinho para não engasgar. Chloe assente e paga um saquinho de pipoca que Wendy escolheu. Penso em abrir a boca e


falar que ela não precisava pagar, porém, deixo para lá enquanto vejo as moças se entretendo e conversando sem precisar de mim para nada. Me sinto um pouco inútil entre Chloe e Wendy, embora sinta-me feliz. Wendy é dependente de mim para tudo, contudo, ali, naquele dia, ela não pareceu depender de mim para nada. Eu não sei se isso é ruim ou não, mas não quis saber. É bom, pensei, para Wendy ter uma companhia feminina. Só tenho medo que minha menina se apegasse demais. Fomos para a sorveteria enquanto Wendy ainda comia a pipoca, Chloe segura minha filha pela mão e com sua mão livre lhe estende o saco com a pipoca para Wendy pegar em pequenas frações com sua minúscula mão. Cuidadosa demais. Nunca poderia imaginar aquilo.

O dia das mães tornou-se naquela tarde de domingo o dia do sorvete. Eu comprei para nós três, não quis que Chloe pagasse por isso. Comprei um pote médio com tudo que Wendy tinha direito e dois grandes para mim e Chloe. Foi divertido e diferente de tudo que eu poderia pensar. Em nenhum momento pareceu que eu estive verdadeiramente com Chloe, afinal, ela estava ali só por Wendy, não por mim. E isso foi esquisito. Ela estava, sem estar. Algo me dizia que eu não conhecia nem um terço de minha chefe. Dirigi devagar para a empresa, para deixar Chloe na garagem onde estava seu carro, lá minha chefe se despede de Wendy dando-a um beijo na testa e de mim com um aceno de cabeça. Quando ela está preste a ir eu seguro seu braço levemente, impedido-a. – Espere. – bato a porta de trás do carro para Wendy não ouvir o que preciso perguntar a Chloe. – O que foi? – Chloe não parece irritada, na verdade, parece tranquila como nunca vi antes. Solto minha mão de seu braço quando já tenho sua atenção em mim. – Por que você saiu com a gente? Minha chefe franze o cenho. – Não deveria ter aceitado? – Não é isso... Digo, você não tinha que estar com sua família? – Isso não é da sua conta, Theodoro. – a fria Chloe está voltando aos poucos, reparo. – Eu sei que não é da minha conta, Chloe. – digo de forma informal – Nada é, nunca é, na


verdade. Mas você não pode simplesmente me responder? – Eu não quis. – Não quis? – indago. – Não quis estar com minha família. Entendeu? – Por que? – ela abre a boca para responder e eu me aproximo dela, não muito, mas agora deveríamos estar a poucos centímetros de distância, vejo-a umedecer seus lábios e sua boca fechar; respiro fundo – Eu sei que não é da minha conta... – Eu não quis. – repete – Se satisfaça com essa resposta. Assinto e abaixo minha cabeça para vê-la melhor. É, eu sou quase uma cabeça mais alta que minha chefe. Resolvo não perguntar sobre o copo quebrado ou o remédio, isso seria íntimo demais e eu não sou nenhum pouco íntimo de minha chefe. Estamos mais perto do que qualquer outro momento. Eu sei que Wendy está dentro do carro, mas ela não pode ver nada além de nossas cinturas. Eu sei que devo entrar no carro e ir embora. Eu sei que devo fingir que nada aconteceu, que eu nunca sai com Chloe. Eu sei de tudo isso, mas por um ou dois momentos, eu não quis saber. Queria olhar para Chloe Elliott e não ver nada além de Chloe, uma linda mulher, gostosa, com um sorriso de me tirar do chão e me fazer acreditar na bondade humana. Porque quando ela sorri e quando gargalha, é transcendental. E eu, mero mortal, me vejo abismado e sem coragem de sorrir junto, mas com desejo de apenas admirar. Respiro fundo. Penso em dizer algo que faça ela ficar por mais tempo. Penso em tentar flertar. Penso em envolvê-la de alguma forma. Penso em convidá-la para outro “encontro”. Penso até em beijá-la enquanto tenho a chance e sua proximidade. Eu penso muito em muitas coisas diferentes... Embora, no fim, eu não faço nada. Eu não nasci para isso. Digo, não nasci para ser um fodão (eu xingando, de novo), um Don Juan conquistador barato. Eu juro que eu queria ter nascido com esse “dom”, mas não nasci. Eu nasci para amar, casar, ter filhos. Eu nasci para ser homem de uma mulher só. E essa ‘mulher só’ tinha morrido. Eu nasci para ela e para mais ninguém. Chloe Elliott nunca seria a mulher para amar, casar e ter filhos. Ela seria a mulher que eu poderia ter algumas boas noites de sexo e nada mais. Estava na cara dela que a mesma não iria me querer para mais que isso. Ela é auto suficiente demais para se envolver e eu sou dependente demais para não me envolver. Não que seria dependente dela, mas sou dependente do amor. Nasci sendo rejeitado pela minha


família, nasci sendo ‘o outro’ que nenhuma família quis adotar, nasci sendo o nerd que nenhuma menina, em meus tempos de moleque, queria pegar. Elas queriam os bad boys, e eu, sempre fui um bom garoto. Eu não nasci para isso. E foi por isso que eu assenti, mais uma vez, para Chloe e me afastei dela, indo até a porta do motorista de meu carro e seguindo meu rumo, com minha filha logo atrás. No fim, o dia do sorvete foi mais especial que o dia das mães poderia vir a ser.


Bônus Incontáveis Dias Cerrei meus olhos por um ou dois segundos tentando engolir tudo que minha mãe falava sem responder com algo à altura que aquela mulher merecia ouvir. – Chloe Elliott, – ralhou – me olhe enquanto falo... Você sabe que é verdade e que eu digo para seu bem, filha. Você já está com 31 anos, querida. Não acha que está na hora de arrumar um bom marido? – Bom marido. – rosno baixo. Era dia das mães. Eu odiava o dia das mães. Não apenas porque eu não era mãe, mas porque teria que aguentar os infinitos sermões de minha mãe como se eu fosse a porra de uma criança levada. “Bom marido” para minha esplêndida mãe, era nada mais que um homem rico, não importava a idade e que pudesse ser bom o suficiente para dar conta da presidência da EE, a empresa da família. Foi por esse mesmo motivo que aos 25 anos tomei a presidência para mim. Para não ter que ouvir de minha mãe que eu precisava de um homem que pudesse fazer isso. Eu não precisava. Não precisaria para nada. Ou melhor, quase nada. Eu queria ser mãe. Eu queria tanto ser mãe. Queria chegar em casa e não vê-la vazia, como sempre. Queria encontrar coisas quebradas, brinquedos espalhados pela casa, uma babá e claro, uma criança chorona ou não, não me importava. Deus, como eu queria ter um filho! Queria carregá-lo em meus braços e saber que aquela criatura pequena dependia de mim. Eu queria ter algo pelo que viver todos os meus incontáveis dias. Eu queria ter algo com o qual me envolver que não fosse uma empresa multimilionária. Eu queria algo real, transcendental e inexplicável. Eu queria ser mãe, mas parecia que o mundo não queria que eu fosse. Não me importava se fosse ou não de meu sangue, mas a burocracia criava um empecilho maior para mim, enquanto solteira, adotar. Inseminação artificial pareceu a melhor solução de meus problemas. A grande questão era achar um homem que se enquadrasse em meus requisitos...


Eu tinha tudo, mas não me sentia tendo nada verdadeiro. Tinha pais afastados e um irmão caçula. Tinha tios e primos tão afastados quanto meus pais. O problema era que meus pais eram distantes mesmo quando eu morava com eles, já meus tios moravam realmente longe. Meu sonho nunca foi administrar a EE, mas eu era boa em mandar, logo isso se encaixou bem. Meu sonho mesmo era ter um bebê para fazer minha vida de merda valer a pena, afinal eu teria que cuidar de um ser minúsculo que dependeria de mim. Suspirei. – Chloe! – minha mãe berrou – Estou falando com você. Olhe para mim! Eu estava na casa dela, na sala, sentada no sofá pensando em como ir embora de uma vez. Ainda não tínhamos nem jantado e eu não estava ali nem sequer a uma hora, contudo, eu já queria ir. Jurei para mim mesma que no ano seguinte não iria ir a casa de meus pais. Preferia passar o dia das mães longe, como se não tivesse família, do que com eles que só serviam para falar e falar mal. Encarei minha mãe que também estava sentada no sofá. – Filha, quando você vai dar um jeito em sua vida? – Dar um jeito em minha vida? – esbravejei – Meu irmão está pouco se fodendo para tudo, mal vai a empresa e sou eu quem tenho que dar um jeito em minha vida? – Olha os palavrões, garota. Bem, era nesses momentos que eu me sentia uma criança levada. – Você tem que casar, ter filhos... Ou acha que seu período hormonal vai durar para sempre? Não mãe, eu sei que não. Penso em dizer. Se ela conversasse comigo, se ela soubesse sobre minha vida e não vivesse a base de que eu tinha que ter isso e aquilo, talvez ela entendesse que eu sabia com profunda dor que meu período hormonal não duraria para sempre. E entendesse também que eu queria ter um ou dois ou três filhos, mas não necessariamente queria ter um homem ao meu lado. Fito minha mãe por um longo tempo. Eu me parecia com ela. Loira, olhos claros. Meu pai também tinha o mesmo perfil, só que seus olhos eram castanhos. Minha mãe tinha claras rugas de expressão e da idade, mas as cobre com muita maquiagem e algumas aplicações de botox. Era uma senhora bonita, na minha idade deveria ter sido mais bonita que eu, por ser possivelmente mais vaidosa que eu era. Na verdade o que ninguém sabia de mim, era que eu não era vaidosa. Me arrumava com


roupas boas, saltos altos e joias caras, sem esquecer a maquiagem porque tinha a obrigação de usá-las em quase todo o evento que eu ia. Minha vida era dentro de uma bolha formal, onde eu não poderia ser quem eu queria, mas quem era moldada a ser: a perfeita primogênita. Mas eu não era nada disso. Eu era quebrada. Quebrada por dores que eu não sabia domar. Engoli em seco não querendo responder minha mãe e me levantei do sofá, dizendo: – Não ficarei para o jantar. Não ouvi seus resmungos, nem reclamações, apenas fui embora tendo em mente que não voltaria no próximo dia das mães, muito menos no dia dos pais. Se eles quisessem que me procurassem, eu nem sequer morava muito longe.

Em minha casa eu podia ser quem eu era, ou seja, ninguém. Eu, em minha casa, não era ninguém. Em meu lar eu, literalmente, descia do salto e tirava o resto que me escondia. Deitava nua em minha cama, com meu cabelo já desmanchado de qualquer fixador e maquiagem retirada. Em minha cama eu pouco descansava. Deitada em minha cama eu fitava o teto, triste, sem saber o que fazer a seguir. Minha casa era silenciosa demais e eu detestava aquele silêncio desolador. Encarei meu remédio em cima de minha cômoda, ao lado da cama. Meu clonazepam. Ri amargamente em meu quarto. O remédio era um paradoxo. Se eu o tomasse, eu relaxaria em pouco tempo, mas não conseguiria dormir com facilidade. Tomando eu relaxava, mas ficava acordada por tempo demais. O clonazepam estava sendo usado há alguns anos para combater a depressão, sendo um antidepressivo “coadjuvante” pois ele não deveria tirar meu sono, mas dá. Já os outros antidepressivos me deixariam ainda pior. Era uma merda errada. Deveria dormir com o clonazepam, mas não dormia, só relaxava. Com qualquer outro antidepressivo seria ainda pior. Eu queria conseguir dormir. Eu não queria me levantar da cama, embora amanhã eu teria que trabalhar e vestir minha melhor máscara de mulher dona de si, inteira, bem. Minha fachada me fazia ser odiada e insuportável. Eu sabia que ninguém gostava de mim em


minha empresa e eu, sinceramente, não me esforçava para mudar a visão de nenhum deles. Ninguém merecia o meu esforço e eu não queria ter que me esforçar. Eu só queria conseguir dormir sem precisar de um segundo remédio. Minha vida parecia ser tão fácil vista de fora. Eu tinha dinheiro, logo todos associavam que eu tinha tudo, mas, na verdade, eu não tinha nada. A primeira vez que eu comecei a deixar de me importar com quantos zeros minha conta tinha, eu comecei a perceber o quanto minha vida era pequena, fútil e insuportável. Eu adorava o dinheiro e tudo que ele poderia me proporcionar, contudo quando eu percebi que dinheiro demais comprava tudo, eu comecei a me quebrar. Fui criada para amar o dinheiro e usar as pessoas. Mas eu nunca conseguir ser assim tão irracional, embora meu irmão fosse. Quando eu tinha 18 anos, meu irmão tinha 16 e ele, em um “pega” pela cidade, quase matou um homem. Soube que era um senhor que ficou aleijado. Era pobre e meu irmão era rico e filho de pais influentes. O caso nem sequer chegou a ir a júri. Meu irmão era rico, logo era inocente. Passei todo meus 18 anos em casa, amuada, sem saber o que eu sentia. Minha mãe adorava um terapeuta, então me levou a um que me indicou um psicólogo. O psicólogo conversou sozinho comigo. Minha mãe, felizmente, não podia entrar. Aos 18 anos foi a primeira vez que me diagnosticaram com depressão e me passaram uma lista de remédios antidepressivos que eu poderia tomar. A partir desse momento minha vida tornou-se um passar de incontáveis dias milimetricamente calculados para sair da casa de meus pais. Quando eu sai, aos 20 anos, tendo consciência que o dinheiro que eles já tinha depositado em minha conta era o suficiente para viver bem, não quis mais voltar a morar com eles. Foi nesse período, já sem depender dos remédios, que eu comecei uma faculdade de administração. Quando formada, aos 25, decidi que queria a presidência da empresa, meus pais ficaram entre a felicidade e o receio, principalmente meu pai, para passar a presidência a mim, mas vendo que não teria ninguém além de mim, ele aceitou a proposta. No começo ele era o vice, percebendo que eu me virava bem, se aposentou e deixou a vicepresidência com meu irmão, que até hoje, não faz nada para merecer seu posto. No fim, eu estava só e era melhor assim. A segunda vez que me diagnosticaram com depressão foi, ano passado, quando estava com 30 anos. Quando eu pensei estar bem, me vi quebrada, mais uma vez. De lá pra cá, o remédio é meu aliado e meu inimigo. Se eu tomo, relaxo. Se eu tomo, quase não durmo. Eu não ia regularmente a um psicólogo, mas tomava meu remédio quase todo dia. Ele, o


psicólogo, disse para eu não deixar de tomar o remédio por um determinado período. Ele tinha medo que eu entrasse em um estado de depressão profundo, o qual, eu nem sequer conseguiria levantar da cama para fazer coisas básicas. Bem, admito que eu tinha medo disso também. Meu estado de depressão atual era por um motivo simples: período hormonal e de quebra minha falta de esperança na vida. Exatamente pelo motivo que minha mãe tinha falado, eu já não era tão jovem, ele não estava tão longe do fim. E se até hoje, com 31 anos, não tinha encontrado ninguém que se enquadrava em meus requisitos para ser um bom doador de sêmen (nem os das clínicas), onde mais eu poderia procurar? Talvez o mundo não quisesse que eu fosse mãe. Talvez eu não tivesse nascido para isso, afinal. Incontáveis dias desolados eram os meus. Uma sequência interminável de dias iguais e sem sentido. Eu vivia em um padrão, monótono e reto. Estava em uma inércia absurda e eu, não sabia o que fazer para sair dela. Encarei a caixinha do remédio tarja preta. Relaxar ou tentar dormir? Suspirando eu já sabia o que fazer. Eu sempre fazia isso, no fim. Sentei na cama e tomei o remédio, no seco, sem água. Deitei-me novamente e fitei o teto, esperando, como se o efeito do antidepressivo fosse instantâneo, funcionar. A cada dia eu me sentia mais perto do fim, mais perto de rachar e quebrar de vez. Respirando fundo continuei encarando o teto e ouvindo o silêncio maldito de minha casa vazia.


“A Organização Mundial da Saúde projeta que a depressão será a segunda maior questão de saúde pública em 2020. A síndrome da depressão é caracterizada por mau humor persistente, perda de interesse e disposição. Muitas vezes, esses sintomas prejudicam o desempenho e a qualidade de vida da pessoa acometida no dia a dia.” “Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, existem hoje no Brasil cerca de 30 mil pretendentes à adoção e 4,7 mil crianças e adolescentes cadastrados e aptos a serem adotados. Outro número preocupante é o de menores que vivem em abrigos, aguardando uma decisão da Justiça. Números da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) mostram que cerca de 80 mil crianças e adolescentes estão em abrigos, sendo que apenas 10% desse total podem ser adotados.”


8 Mistura Perfeita Quando você ouve Chloe Elliott chiar no telefone que quer falar contigo, você treme na base. Eu tremi, não sou de ferro e fico verdadeiramente tenso no ato. É mais um dia de trabalho, poucas semanas após o “dia do sorvete” e Chloe, ou melhor, a Sra. Elliott, continuou agindo como sempre. Eu não esperei diferente dela. Sei que aquele dia foi agradável para ela também, mas ela não é o tipo de pessoa que admitiria isso. Entro em seu escritório sem bater à porta, afinal, ela já me chamou para ir até lá. Vejo-a sentada na poltrona, como sempre, deslumbrante e intimidadora. Mesmo quando ela continuou, no dia seguinte ao dia do sorvete, sendo a mesma de sempre, ou seja, grossa e distante, eu não consegui deixar de olhá-la com outros olhos. Eu soube que Chloe poderia ser muito melhor do que demonstrava. Pena que ela não parecia querer demonstrar nada além do que vinha sendo. – Senhora, – aceno me sentindo ainda mais subordinado do que já sou – algum problema? Hoje Chloe vestia um vestido cinza justo ao seu corpo, modelando tudo, sem ser vulgar, mas sendo pra lá de sensual. É um vestido de mangas, com um decote simples e não muito profundo, contudo, eu achei incrivelmente irresistível. O comprimento é pouco acima de seus joelhos e o mais sensual de tudo é que ela não usava meias calças, ou seja, eu finalmente via suas pernas. Quer dizer, agora, enquanto ela estava sentada atrás de sua mesa, eu não via nada além do seu busto para cima, mas antes dela entrar em sua sala vi e a imagem de suas pernas, sobre o salto alto balançando e fazendo sua bunda mexer no embalo não saia de minha mente. Eu poderia soar de forma depravada, mas eu ainda sou um homem, mesmo que meu companheiro lá embaixo não fosse muito usado, sexualmente falando. – Com quem Wendy fica? – questiona, assim, do nada. – Quê? – ergo uma sobrancelha em questão. Chloe me dá um sorriso torto como se eu fosse retardado. – Com quem sua filha fica quando você vem trabalhar? Franzo o cenho. Continuo sem entender o rumo daquela conversa, mas respondo: – Nos dias de semana na creche, nos sábados, (ou quando preciso vir nos domingos), com uma babá. – Você mora longe da empresa, certo?


– Sim. Chloe assente. Quando penso que estou que já estou dispensado, ouço sua voz questionar, se eu não a conhecesse bem, diria que soou tímida: – Muitos empregados têm filhos pequenos? – Pelo que converso com as secretárias sim. Crianças de 1 à 5 anos. Chloe assente mais uma vez. – Era só isso. Obrigada. Ela não pergunta nada mais e eu saio de sua sala.

Os próximos três meses da minha vida passam sem grandes emoções. Quando entra no mês de agosto logo penso no dia dos pais, mas não porque eu comemoraria, (todo dia é uma comemoração tendo Wendy em minha vida), mas sim porque os comercias na TV não paravam de falar sobre isso. Eu já sou pai há quase dois anos, contudo já me sentia pai antes mesmo de Wendy nascer. Porém quando os comercias enchiam o saco sobre o dia dos pais e eu sabia que eu fazia parte daquela parcela de pais, eu sentia-me diferente. Talvez porque, pela primeira vez em minha vida, eu era representado. Não totalmente representado, porque quando se pensa em pai, logo associa-se a mãe e na minha casa havia apenas o pai. Um pai tentando dar conta de tudo por dois. Mas ainda não é dia dos pais, é outro dia de trabalho normal. Chego no trabalho em ponto e encontro a porta do escritório de Chloe trancada. Olho em meu relógio de pulso para saber se eu não cheguei cedo demais e não, não é cedo demais. Estranho, mas mesmo sem minha chefe na empresa eu teria muito trabalho pela frente. Trabalho normalmente até dar quase a hora do almoço e uma reunião inesperada é marcada pela secretária do vice-presidente da empresa, o irmão caçula de Chloe. O irmão de minha chefe, pelo que sei, é apenas dois anos mais novo que ela. Ele deve ter 30, logo ela tem 32 anos. Ele é o típico garoto rico, mesmo não sendo mais um garoto. É alto, forte, loiro e toda aquela merda que faz as mulheres se derreterem por ele. Engana-se as mulheres que dormiam com aquele cara achando que ele mudaria e se tornaria um príncipe encantado com o cavalo alado. Nunca o “Sr. Elliott Jr” viria a ser um príncipe. Ele é apenas um moleque irresponsável e mimado, que acha que a vida é regada a mulheres, sexo e dinheiro. Se ele tivesse vivido um terço do que eu vivi pensaria diferente sobre a vida. Mas não se pode


mudar o que já nasceu estragado. Entretanto Chloe... Chloe não é estragada, é amarga e um pouco odiosa, mas há, eu sei que há, algo nela que vale a pena. Ou será que eu estou querendo enganar a mim mesmo? Talvez o irmão caçula de minha chefe fosse apenas a versão masculina dela. Embora eu não queria nisso. Sr. Elliott diz a grande novidade para todos os funcionários do meu andar: – Chloe, há uns meses decidiu construir uma pequena creche para os filhos de vocês. Alguns talvez não tenham reparado, mas já foi construída no térreo e vocês já podem, a partir de amanhã, trazer seus filhos, contanto que tenham de um ano à cinco e ainda não estejam matriculados em uma escola. Podem avisar aos demais empregados do prédio também. – E quanto paga? – uma secretária perguntou desconfiada que Chloe fizesse uma boa ação de graça. – É de graça. – responde enquanto joga alguns folhetos em cima da mesa da sala de reuniões – Minha irmã mandou entregar esses folhetins, para vocês, pais, saberem quem estará cuidado de seus filhos. – e sem dizer mais nada, ele saiu da sala. Todos da sala ficam estupefatos. Eu peguei um dos folhetos e nele apresenta brevemente a discrição de cada cuidadora da creche. Reparei que todas tinham cursos de alguma coisa, fosse de enfermagem ou pedagogia. Embora aquilo não fosse tão esperado por mim, eu não fiquei estupefato quanto os outros empregados do meu andar. Eu soube que a conversa de alguns meses atrás tinha algum propósito, mesmo que eu não entendi qual. Hoje fazia sentindo. E mais uma vez eu tive a certeza de que Chloe não era aquilo que demonstrava ser. Ou, ao menos, não era só aquilo. Chloe pode ser a mistura perfeita da antipatia e amargura, mas eu soube, há três meses, no dia das mães, quando ela sorria, que ela pode ser também mais que isso. Chloe pode ser também a mistura perfeita da delicadeza e cuidado. E era bom que ela sorrisse pouco, porque se ela sorrisse muito... Bom Deus, eu estaria perdido! Perdido em um sorriso belo da moça que se parecia um anjo, embora quebrada por dentro.


9 Uma mãe, sem filho Chloe não aparecia na empresa há duas semanas e os comentários começaram a circular. Falavam coisas de todo o tipo, desde que ela teria abandonado a empresa à que ela estava doente. Wendy, em um dia dessas duas semanas perguntou por Chloe e eu desconversei. Porque realmente não sabia o que dizer. É sábado e amanhã é dia dos pais. Não preciso, felizmente, me preocupar em pegar Wendy na creche ou bater na casa da vizinha. Ele vem e volta comigo todo dia, por causa da creche que Chloe tinha mandado construir. Imaginei tenso que minha filha não fosse querer mudar de creche, mas quando soube que ficaria mais tempo que comigo e que almoçaríamos juntos todos os dias ela logo se animou. Tudo ia muito bem, mas eu estou começando a ficar preocupado com Chloe. Ela não parecia doente um dia antes de não aparecer na empresa. A não ser, pensei, que seu problema não fosse de saúde física. Porque com certeza a “Sra. Elliott” não poderia ter abandonado a empresa. Ou poderia? Eu estou num impasse muito grande aqui. Uma parte de mim quer pegar o número profissional que tenho de Chloe e ligar, outra quer fingir que ela ir ao trabalho ou não, não faz diferença para mim. Em questão de ter trabalho a fazer, realmente não faz diferença. Todo dia o irmão de Chloe joga na minha mesa inúmeros relatórios que eu preciso conferir e organizar. E quando digo “joga” estou sendo literal. Pego Wendy na creche e pergunto: – Muito cansada para querer ir com o papai em um lugar? A curiosidade enche seus olhos e tomo minha decisão. Sei que posso ser precipitado e provavelmente seria chamado de inconveniente, mas não quero me importar com isso ainda...

– Chloe Elliott. – digo ao segurança de um condomínio que tinha acabado de me perguntar quem eu visitaria. – E diga que é Theodoro e Wendy. O segurança faz uma cara estranha antes de interfonar para Chloe e saber se eu sou bem-vindo.


Eu sabia onde minha chefe mora porque tive que trazer alguns relatórios e papelada da empresa em seu condomínio. Nunca entrei, entregava na guarita e ia embora. Mas hoje eu quero entrar e quero ver como ela estar. Parecia absurdo e infantil da minha parte se preocupar com uma mulher crescida e mais velha que eu, contudo, ainda sim, eu não consigo deixar de me sentir preocupado. Quando o portão de entrada começou a abrir me senti aliviado por Chloe não me dispensar ali mesmo, sem nem entrar. – Qual é o prédio dela? – questionei ao segurança. – Ela mora numa casa. Segunda rua a direita. Pensei em perguntar como eu saberia qual é a casa dela, mas resolvi arriscar piscando para Wendy pelo retrovisor. Minha menina está bem acordada e parecia animada para encontrar Chloe. Eu só não poderia saber se Chloe está animada para encontrá-la. O condomínio é enorme e há mais prédios que casas, porém as casas são deslumbrantes. Casas de dois ou três andares. Casas que eu nunca poderia vir a pagar. Percebo rapidamente pelo retrovisor Wendy fascinada pelas casas, tanto quanto eu. Só espero que ela não fique deslumbrada demais. Não quero que minha filha sinta a drástica diferença do nosso pequeno apartamento às casas desse condomínio. Entro na segunda rua a direita, como o segurança me indicou e não demoro para ver a casa de Chloe porque a mesma está parada na porta. A casa dela é de dois andares, em um tom salmão. É tão linda e grande quanto as outras casas, mas há algo mais sutil nela. Não parece que ela quis exagerar em decoração ou construir. É simples, sendo belíssima. Estaciono o carro em frente a casa em um gramado que Chloe apontou. Desço do carro e vou até o banco traseiro para tirar Wendy com cuidado da cadeirinha. Quando minha filha já está fora do carro, corre até Chloe e eu o tranco. Reparo mais uma vez na casa de Chloe. Bastante larga e se eu virasse um pouco o carro para a esquerda conseguiria invadir o terreno da casa, imagino que mais para frente é a garagem, já que não vejo um portão para isso em frente a casa e também não encontro seu carro. Interessante, uma garagem nos fundos da casa. Não há uma varanda em frente a casa, talvez um quintal, mas nenhuma varanda. Embora há, uma varanda em cima, onde deve ser o quarto de Chloe. As janelas e até mesmo as portas da entrada e do possível quarto de Chloe no andar de cima são de vidro, mas uma cortina escura esconde qualquer visão de dentro. Percebo finalmente Chloe tirar minha filha do chão em um abraço. E ela entra em sua casa, me chamando com um aceno de cabeça. Eu devo estar parecendo bastante patético parado ao lado de


meu carro sem dizer uma palavra. – A que devo a honra de sua visita? – Chloe brinca comigo. Sei que ela só faz isso porque tem Wendy em seus braços. – Quis ver como você estava. Estávamos parados em sua sala e eu noto certos detalhes. Primeiro de tudo, Chloe não tem um empregado. Pelo menos nenhum me abordou até então. Segundo, sua casa por dentro é milimetricamente arrumada para crianças. Não há nada de vidro ou nada cortante no geral no alcance de uma pessoa baixa. As pontas da estante são protegidas e as tomadas também com um plástico para isso. Eu sei de tudo isso e consigo reconhecer quando uma casa é arrumada para uma criança, porque a minha é. Os móveis são bastante separados, tendo espaço para correr e a escada para o andar de cima tem um cercado para nenhum bebê se aventurar a subir. Percebo que na parte de cima também há um, no caso, para não descer. Meu peito se aperta. Eu encaro o olhar de Chloe e ela vê o que eu percebo sobre sua casa. Me sinto um canalha, cruel e arrogante por ter dito àquela moça que ela não parecia ser boa mãe. Chloe talvez não notasse isso em si, mas ela já é mãe, mesmo sem ter um filho. Meio completo dizer algo do gênero, contudo, minha chefe está mais preparada para um filho do que muitas mulheres que já deram a luz. Ela é uma mãe, sem filho. Como poderiam haver muitos filhos, sem mães. Por exemplo, eu. Eu sou um filho sem mãe. Ninguém verdadeiramente me criou, no lar adotivo eu não fui criado por amor, fui por obrigação de quem trabalhava lá. Engulo em seco ao pensar que Wendy também é uma filha sem mãe, mesmo tendo eu que tento ser os dois, porém eu sabia que eu nunca substituiria uma mãe. Wendy é uma filha sem mãe, não por desejo da mãe, mas ainda sim, é isso que ela é. E estava ali, nos braços de Chloe que é uma mãe sem filho – ainda -. Chloe coloca Wendy no chão e eu noto a coisa mais importante naquela casa, a dona da mesma. Chloe veste um roupão e está descalça. Seu cabelo está preso em um coque frouxo, seus olhos estão inchados com leves olheiras como de quem não dorme nada bem. Pela primeira vez vejo minha chefe de verdade, sem toda a roupa cara, salto, maquiagem ou joias. Chloe não usa praticamente nada. Continua linda e não parece nenhum pouco doente. Talvez triste e abatida, mas não doente. Minha chefe, a Chloe Elliott da empresa parecia ser a idade que tinha, mesmo que carregasse o mundo em suas costas. Hoje, a Chloe, simples e abatida enquanto me olha séria parecia ser mais velha do que é, mas quando sorria para minha filha parecia ser bem mais jovem.


Chloe precisa sorrir mais. Quer dizer, eu não sabia se era bom para minha sanidade ver Chloe sorrir. Conseguia ficar ainda mais bela e menos selvagem como ela costumava ser. Ela não respondeu se está bem e não precisou dizer nada. Eu sei que ela não está bem. Eu só não sei o que fazer para mudar seu humor. Bem, talvez eu, voluntariamente, não soubesse o que fazer, mas quando Wendy puxou a barra do roupão de Chloe querendo brincar, e ela sorriu em resposta para minha filha, eu soube, eu já estava fazendo algo por seu humor. Bem, não eu. Wendy. “Quem muito se ausenta, pode estar passando por sérios problemas e necessitando de um abraço amigo”. (Autor Desconhecido)


10 Desejo Chloe trocou de roupa – ou seria melhor dizer “colocou uma roupa?” -, substituindo o roupão por uma calça de moletom e uma camisa folgada. Com ou sem roupão, com roupa larga ou roupa sensual eu só conseguia imaginar como seria o corpo de Chloe. Ela afetava minha imaginação mesmo quando brincava com minha filha antes dela ficar cansada e querer dormir. Eu, sem dúvidas, estou me sentido um pervertido pensando em Chloe de uma maneira não muito respeitosa, mesmo quando ela distraía Wendy até ela cansar. A casa de Chloe era ainda mais preparada para uma criança do que eu poderia imaginar. No quintal havia duas piscinas, uma de adulto e outra, obviamente, infantil. Deixei Wendy brincar nela de calcinha depois de eu conferir sua fralda e tirar. Depois da piscina, onde eu e Chloe ficamos perto observando Wendy, comemos. Enxuguei minha filha, coloquei uma fralda e ela quis brincar pela casa com os brinquedos que tinham em meu carro. Brincamos. Chloe não pareceu entediada em nenhum momento e eu me senti menos inconveniente por não estar – aparentemente – lhe incomodando. O mais impressionante da casa de Chloe foi quando Wendy quis dormir e Chloe quis conversar comigo. Então, com isso, ela pediu para eu levar Wendy para um quarto. Não foi um quarto de hóspedes ou o quarto principal. Foi um quarto de criança em tom de amarelo. Foi o perfeito quarto de bebê, embora o berço fosse enorme o suficiente para uma criança de seus 2 anos e meio. Naquele momento eu fiquei estupefato e me senti o pior tipo de homem por ter negado ser o doador de sêmen de Chloe. Mas eu conseguiria? Conseguiria doar meu sêmen para minha chefe, sabendo que ela engravidaria e daria a luz a um filho, biologicamente meu, e ficar distante dela e do bebê? Quanto mais tempo eu passava com Chloe, mesmo que ela não estivesse verdadeiramente me dando atenção, eu queria e sentia à vontade de ficar mais tempo com ela. Eu não sabia se eu conseguiria me afastar e o pior... Eu quereria me afastar diante desses fatos? Contudo, eu deixaria de doar meu sêmen e negar para Chloe – uma mãe, sem filho – a sua tão sonhada gravidez? Voltei para o presente quando Chloe cruzou seus braços e fez sua melhor cara de imponente


para mim. Nessa hora eu já estava descalço e com o paletó em algum canto de sua casa. Minha camisa social é branca e está com alguns botões abertos e as mangas arregaçadas. Gostaria de estar com uma bermuda e me sentir mais à vontade, mas eu não sei bem se devo me sentir tão à vontade na casa de Chloe. – O que, exatamente, você veio fazer aqui? – ela me questiona. Estamos em seu quarto. Na varanda. Eu estou encostado no muro que me impede de cair no chão e Chloe está quase encostada na outra extremidade, na parede do quarto. Parece ficar propositalmente o mais afastada possível de mim. Cruzo os braços também e Chloe me dá um sorriso torto quando olha para meus braços cruzados. Não entendo a ironia escrachada em seu olhar. Talvez fosse por eu parecer sempre ser seu capacho ou o tipo de bom moço que ela poderia dobrar quando bem entendesse. – Eu já disse porque eu vim. – digo sem esbanjar expressão nenhuma. – Mas por quê? Por que exatamente lhe interessa se eu estou ou não bem? Ela faz uma careta enquanto descruza os braços e com suas mãos massageia seus ombros sem jeito. – Você parece tensa. – mudo totalmente de assunto. Eu não faço ideia do porquê de querer ir ver Chloe. Eu só sei que eu quero estar onde estou e não quero ir embora ainda. – Eu vivo tensa, Theodoro. – Eu posso ajudar. Chloe abre a boca, mas fecha sem dizer nada. Em seguida ela arqueia uma sobrancelha, ainda com suas mãos em seus ombros. Definitivamente ela quer abalar meu juízo perfeito. Pouco depois de deixar Wendy no quarto de bebê, ela foi tomar um banho e voltou a vestir apenas um roupão. Quer dizer, eu não sei se há roupa além do roupão, mas naquele momento eu só conseguia imaginar que não havia nada além. O nó de seu roupão torna-se mais frouxo e eu vejo um vislumbre de sua clavícula. – Como? Descruzo meus braços e escondo minhas mãos nos bolsos de minha calça. – Eu posso ser bom com as mãos... – arrisco. Eu não sei aonde eu estou querendo chegar, admito que estou perdido aqui, porém estou cansado de não arriscar e de nunca me atrever. Sempre penso em minha filha e acabo não fazendo nada para mim mesmo. Não que eu reclame disso, mas as vezes até mesmo um pai viúvo precisa deixar de ser um pouco pai para ser um homem.


– Theo... – Chloe começa com a voz baixa – você ainda não me respondeu por que veio aqui. Ela tira suas mãos de seus ombros e esconde-as, como eu, nos bolsos de seu roupão. Seu roupão abre um pouco mais e ela não conserta. Está agora como um decote cavado, deixando claro que não veste nada mais. Foda-se meu juízo! Tanto foi que eu estava pensando em inúmeros palavrões sem uma lógica maldita. – E você vai me dizer por que não foi a empresa? – rebato. – Quis tirar férias. Eu riu. – Férias para ficar em casa sem sair? – Quem disse a você que eu não sai? – rosna e me dá as costas indo até seu quarto. A acompanho e, sem esperar convite, coloco minhas mãos em seus ombros, antes que ela se afaste começo uma leve massagem. Estamos parados no meio de seu quarto e fico entre o contentamento e surpresa quando Chloe não se afasta de meu toque. Ela solta uma longa respiração e eu continuo a massagem por cima do pano grosso do roupão. Dou um passo a frente e minha virilha roça a bunda de Chloe, ela, novamente, não se afasta, pelo contrário, ela se aproxima mais, no caso, dá outro passo hesitante para trás. Estamos próximos. Muito. Como nunca estivemos. É incompreensível como o desejo sexual vai além de qualquer aspecto sentimental. Eu não preciso amá-la para desejá-la. Mas, mesmo assim, mesmo desejando sem amor, eu queria vê-la bem, sem qualquer carga negativa. Eu poderia não amar Chloe, mas eu queria que ela soubesse que ela é tão especial, tão amável quando se prestava a ser... E bom Deus, como ela é linda! E não é linda apenas por aparência, mas em garra. Talvez ninguém além de mim nota, mas eu noto o quanto ela se esforçou todo santo dia para estar na empresa e fazer o melhor que podia, mesmo quando ela não podia ou não queria. Chloe não está, como ela me disse, tirando “férias” do emprego, mas tirando férias do dia a dia e afundando em sua dor, seja lá qual fosse. Embora deixar-se afundar não fosse a solução de nada. Talvez ela acreditasse que fosse... Eu conseguia saber e entender tudo isso, porque um dia, fui assim, tão quebrado e desolado que acreditava que a vida não valia mais a pena. Eu não me sentia tendo nada. Chloe talvez sentisse o mesmo.


Há uns que bebem para esquecer. Há uns que fumam para relaxar. Há uns que cheiram para extravasar. E há uns... Há uns, que não fazem nada disso. Há uns que sentem o peso de todo um mundo. Há uns que sofrem. E é aí, meu caro amigo, que a dor te abate, te sufoca, te cerca, te cega. Eu só dormi com uma mulher em toda minha vida. Desejei algumas, mas nunca tanto quanto desejo Chloe Elliott. É real. E é um desejo diferente dos contos de fadas. É um desejo que não é gritante, é quieto, tão sufocante quanto a dor. É um desejo de almas quebradas. É um desejo não somente carnal. Na verdade, não é só um desejo, é uma necessidade de pôr, no mínimo, uma noite não ser apenas um, mas ser dois. Dois corações estilhaçados, duas almas quebradas, duas pessoas perdidas, duas pessoas sem rumo definido, dois corpos. Mais que um desejo, uma necessidade de almas. Talvez, no começo daquele sábado eu não tivesse a consciência de que meu corpo, praticamente me obrigaria vir até Chloe. Eu adiei bastante àquilo. Mas no momento que entrei em meu carro com Wendy para vir até Chloe eu já sabia. Eu soube que se ela quisesse e ela me aceitasse, eu quereria e aceitaria também. E que, no fim desse dia, ela estaria em meus braços, e que nós, finalmente, esqueceríamos do peso em nossos ombros. E há uns que desejam para esquecer, relaxar e extravasar. Sem dor, só amor, por favor.


Bônus Não tão sutilmente Quando eu soube que Theodoro estava na guarita de meu condomínio, eu gelei, sem saber onde me esconder ou como negar sua entrada, mas ele estava com Wendy e eu, não queria deixar de vê-la. Eu deixei ele entrar sem saber o que eu, exatamente, estava deixando. Agora, estou aqui, sentindo suas mãos ainda sobre minha roupa me massageando, está sendo intenso como eu não nunca pude imaginar. Ambos sabíamos como aquilo terminaria. Como essa noite vai terminar se ele continuar sendo assim tão... perfeito. Inferno, eu quero poder dizer que o odeio, quero poder dizer que o quero longe... Mas quando sua respiração arrepia os pelinhos de minha nuca e suas mãos, não tão sutilmente, afastam meu roupão de minha pele, eu não quero nada além do que está acontecendo. O nó frouxo de meu roupão fica ainda mais frouxo quando meus ombros ficam expostos. Eu abraço meu corpo para o roupão não cair. Eu não sei ao certo o que sinto, não quero interromper o que está acontecendo, mas não sei se devo fazer algo. Eu nunca fiquei assim tão sem jeito na presença de um homem. Não é como se eu estivesse sem graça, mas estou sem reação e sem atitude. As mãos de Theodoro agora massageiam minha pele, em um contato direto. Suas mãos são boas, ótimas e eu me permito gemer... Por que Deus, por que ele tem que ser tão bom? Suas mãos são um pouco ásperas, mas são, ainda sim, delicadas, contudo precisas. Ele me aperta sem fazer doer, mas me aperta na medida certa. Meu corpo está grudado ao seu. Sinto seu membro roçar minha bunda e eu não me afasto. Não quero me afastar. Não consigo me afastar. Não enquanto sua massagem começa a se tornar mais forte e mais gostosa. Seus dedos me tocam sem medo e nenhuma hesitação. Suas mãos descem para meus braços, também exposto, e sua boca deposita um beijo leve em meu ombro. Percebendo que eu não saio do lugar, ele continua. Theodoro massageia de um jeito quase selvagem meus braços e começa a beijar meu ombro, meu pescoço, até chegar em minha orelha. Quando ele morde meu lóbulo eu perco os sentidos e deixo de abraçar meu corpo para tocar o


corpo dele. Minhas mãos vão para trás e agarram a primeira coisa a meu alcance, o que é, no caso, seu quadril. Puxo seu quadril para mim, como se já não estivéssemos perto, e ele não hesita em vir o mais perto possível para mim. Nesse momento uma das mãos de Theodoro sobem para minha clavícula e descem devagar para meu seio. Eu sei que ele espera que eu o pare, por isso tanta sutileza, mas eu não tenho nem coragem, nem vontade de pará-lo, pelo contrário. Finalmente quando Theo (Jesus, estou até pensando nele pelo apelido!) percebe que eu não interromperei o que está acontecendo, sua mão desce mais e apalpa todo meu seio. Eu gemo enquanto fecho meus olhos e descanso minha cabeça no ombro dele. Sinto sua outra mão abrir de uma vez meu roupão e sua boca voltar a beijar meu pescoço. Em pouco tempo meu roupão está no chão e eu estou completamente nua em meu quarto com meu secretário.


11 Me beija – Deite-se de bruços. – digo no ouvido de Chloe – Eu vou te fazer a massagem... ...Tântrica, quase disse, mas guardei para mim, para ela simplesmente sentir e relaxar. Ela me obedece e sem olhar para mim se deita em sua cama. Nua. Completamente nua e totalmente linda da cabeça aos pés. A porta de seu quarto está semiaberta, fecho, mas não tranco. Wendy não é alta o suficiente para abrir a maçaneta, mas se acordar pode bater à porta, como sempre falei para ela fazer caso se assustasse à noite. Tirando Wendy de minha mente apago a luz do quarto que está ligado e não precisarei de tanta luz para o que eu quero fazer. O ambiente tem que estar em meia luz, com isso, fecho a porta de sua varanda, mas não fecho a cortina enorme que cobre à porta. Tiro minha roupa, ficando apenas de cueca e me dou conta que deixei meu óculos em algum canto de sua casa. Não me importo com esse detalhe, é irrelevante. Minha barba está por fazer, o que será muito útil para hoje... – Você tem algum óleo aqui? – questiono. – Perto da banheira, na suíte. Rapidamente vou até sua suíte e pego o óleo. Quando volto para o quarto percebo o olhar de Chloe em mim. Ela me olha por completo, de cima a baixo e eu sorriu. Em seguida vou até seus pés, na beira da cama e deposito um pouco de óleo em minhas mãos. Faço uma massagem primeiro em seu pé direito, com toda a calma do mundo e sinto Chloe suspirar. Seus braços estão estendidos ao lado de seu corpo, como tem que ser e sua bunda me distraí um pouco, mas continuo a massagem. Massageio seus dedos por pouco tempo, já que a posição não favorece para eu massagear melhor. Contudo, quando subo minhas mãos para o centro de seu pé enquanto espalho o óleo sem pressa percebo Chloe estremecer de leve... E bem, eu mal tinha começado. Sorriu para mim mesmo. Subo minhas mãos para sua panturrilha e flexiono seu joelho para eu poder ficar com os meus joelhos na borda da cama. O pé de Chloe fica perto de meu queixo enquanto apalpo levemente sua perna. Quando estou para subir, mais uma vez, minhas mãos para sua coxa mudo de posição, coloco a perna de Chloe deitada na cama e deixo meus joelhos entres suas pernas. Sua panturrilha fica perto


demais de minha virilha, mas tento não pensar nisso. A massagem é para ela, não para mim. Sua coxa é grossa, gostosa e por pouco não me desconcentro. Coloco cada mão minha em um lado e massageio um pouco mais. Chloe arfa quando com uma mão eu faço movimentos circulares perto de sua vagina e com a outra mão apenas a acaricio com os dedos o mais sutil que consigo ser. Tiro minhas mãos dela e ela resmunga algo inaudível, mas volta a arfar quando volto a tocá-la com mais óleo em minhas mãos. Volto a tocar toda sua perna, mas sem um contato brusco, apenas carícias com os dedos, tão leves para fazer Chloe duvidar se é realmente real. Acaricio a polpa de sua bunda por pouco tempo, enquanto com dois dedos passo levemente e muito perto de sua genitália. Chloe geme e rebola um pouco. Eu riu e no mesmo momento afasto minhas mãos dela enquanto me levanto da cama, porém não a dou tempo para reclamar, porque começo o processar anterior em sua outra perna com um pouco mais de óleo. Quando me dou por satisfeito na massagem em suas pernas, subo no corpo de Chloe, ficando parcialmente sentado em suas coxas, com minhas pernas dobradas em cada lado de seu corpo. Sua bunda me distraí, de novo, e eu umedeço meus lábios, tentando voltar a me concentrar. Com mais óleo volto a fazer uma leve massagem, mas dessa vez nas costas de Chloe. Primeiro faço uma verdadeira massagem, tocando com precisão, nos braços, nos ombros, nas costas; depois faço movimentos circulares leves na inclinação entre seu pescoço e ombro, demoro um pouco mais ali porque Chloe suspira de um jeito tão gostoso que se eu já não estava duro, ficaria. Por último usando os quatro dedos de cada mão passo em suas costas, daquele jeito leve, para deixar ela arrepiada e ela fica e ela estremece e ela rebola e meu pênis estica o tecido de minha cueca. Eu nem sequer preciso pedir para ela se virar, porque quase como se soubesse, Chloe se vira e crava seu olhar cinzento de anjo envenenado no meu. Por um ou dois momentos eu não faço nada porque fico absorvido e extasiado em seu olhar. Ela tenta me tocar e eu coloco seus braços, mais uma vez, ao lado de seu corpo. – Quietinha. – mando baixo em sua orelha e ela geme em resposta, mas não tenta me tocar mais, não, ao menos, agora. Como estou praticamente sentado nas coxas de Chloe, eu vejo todo seu corpo exposto embaixo de mim e nesse momento esqueço seu olhar para apreciar seu corpo, afinal, continuo tendo um pau entre minhas pernas. E ter uma mulher como Chloe nua para mim é totalmente excitante. Não a toco enquanto a olho. Chloe tem seios fartos, mas não enorme, e percebo que o esquerdo é maior que o direito, sorriu ao constatar que é natural, mesmo sem antes tocá-los com mais vontade do que há minutos.


Seus mamilos são rosados, como eu já imaginava. Sua barriga é lisa e sua vagina é depilada. Suspiro. Minha chefe é deliciosa e eu sei que estou muito perdido porque nunca conseguiria olhá-la com total profissionalismo sem lembrar nenhum vislumbre sequer dessa noite. – Bonita tatuagem. – Chloe me diz encarando meu peito e braço. Eu admirava o corpo dele e ela o meu sem eu nem sequer perceber. Como poderia perceber? Estava e ainda estou um tanto quanto inerte naquela mulher nua entre minhas pernas. Dou a ela um sorriso torto e coloco mais óleo em minhas mãos. Eu tenho uma tatuagem de uma carpa que começa no meu peito e acaba em meu antebraço, ou o contrário, tanto faz. É uma carpa alaranjada e os detalhes a sua volta são mais escuros. Segundo a mitologia chinesa, as carpas nadavam um rio inteiro contra a correnteza para encontrar uma passagem especial onde se transformavam em um dragão. Por isso, o animal simboliza força, perseverança, determinação, luta e, claro, superação. A fiz um pouco depois da morte de Bell, logo, ela ainda está com a cor vibrante. Eu não queria pensar sobre Bell ou o significado da minha tatuagem, eu só queria pensar em Chloe. Com isso massageei seus dedos da mão, deposito um beijo nas costas de suas mãos e passo meus próprios dedos levemente em seus braços, vendo a se arrepiar pelo percurso de meu toque. Seus olhos ficaram fixos no meu e eu não hesitei em continuar lhe olhando. Subo minhas mãos, parando-as nos lóbulos de suas orelhas. Acaricio ali fracamente e Chloe fecha os olhos, não preciso mandá-la abrir os olhos, pois antes disso, ela já me encara novamente. Desço minhas mãos para seus ombros, mas não fico muito ali, desço mais. Acaricio seus seios em minhas mãos e Chloe geme, mordendo o lábio inferior. Eu quero parar tudo e penetrar nela naquele segundo, porém, ainda não era a hora e quando fosse ela não se arrependeria de nenhum momento daquela noite. Aperto seus seios e em seguida prendo seus mamilos entre meus dedos. Tudo que eu faço com uma mão, faço com a outra. Movimentos iguais, dando prazer igualmente em cada seio. Chloe arquea a coluna quando aperto um pouco mais seus mamilos e depois acaricio devagar. Continuo acariciando seus mamilos quando desço minha boca para beijar entre seus seios, sem deixar de olhá-la. Roço minha barba por fazer nela e a vejo morder o lábio e abrir a boca gemendo. O olhar de Chole está me matando. Ela não precisa dizer nem uma palavra para me fazer ficar duro. Claro que só de olhá-la nua meu pênis correspondia, pulsando com orgulho. Mas ela não disse uma palavra enquanto eu estou as mãos em seus seios e boca entre eles, lambendo-a e beijando-a, ela disse, ou melhor, ela gemeu:


– Theo... Arqueeio uma sobrancelha, fingindo não saber o que ela quer e lambo seu seio direito antes de chegar em seu mamilo. – O quê? – brinco antes de chupar seu mamilo enrijecido. – Oh! – seus olhos fecham e suas mãos apertam o lençol e eu ainda nem tinha chegado lá – Por favor! – Por favor o quê? – provoco enquanto vou beijando e mordendo seu corpo até chegar em seu outro mamilo, no percurso roçando minha barba por fazer nela. Chloe abre os olhos e tenta mexer as pernas, para se abrir para mim, mas eu continuo sobre ela, sem sair. Aquilo ainda não é para mim, mas só para ela. Nunca soube fazer sexo desesperado e com Chloe não seria diferente. Chloe afasta suas mãos do lençol e foi até meu cabelo, mas eu não deixo, as pus de volta para o lado de seu corpo. – Por favor, deixa. – ela chia e eu sorri. – Ainda não. – respondo roçando agora minha barba em seu pescoço. Ela arquea a coluna e eu volto a ficar parcialmente sentado sobre ela. Toco suas bochechas com minhas mãos em movimentos circulares e ela sorri. Finalmente sorri para mim! Desço minhas carícias para a parte de trás de sua cabeça, tocando seu cabelo. Chloe fecha os olhos e quando os abre fita-me. – Me beija.


12 Amor, moça Chloe me fez o pedido assim, baixinho, sensual, entre gemidos. Pensei em negar, porque se eu a beijasse, eu perderia toda e qualquer consciência e concentração que estava naquele momento à massagem em seu corpo, contudo eu não consegui. Eu beijei Chloe Elliott. Mas não beijei da forma leve como a que tocava o seu corpo, a beijei entregue, desesperado como não queria ser. A beijei chupando seu lábio forte e mordendo e a fazendo gemer em minha boca. Seu beijo, seu gosto é mais doce do que eu poderia ter imaginado. Doce como eu achei que ela não seria, mas é. Chloe tem um beijo doce, mas selvagem. Ela explora minha boca com sua língua e chupa minha língua em seus lábios e morde meu lábio, como eu faço, mas ela não faz porque eu faço, ela faz porque ela sabe fazer. E como sabe. Eu continuo com minhas mãos atrás de sua cabeça e ela com as suas vai até meu cabelo, eu deixo por pouco tempo, até que me afasto de seu beijo. Seu olhar é quente e um tanto quanto assassino. Ela puxa meu pescoço para ela e eu recuo, colocando, novamente, suas mãos na lateral de seu corpo. – Theo... – ela chia e eu não lhe dou tempo para uma segunda reclamação pois começo a descer com beijos, mordidas e lambidas pela sua barriga até seu púbis. Nesse momento eu desço da cama e me ajoelho no chão. Sem cerimonia puxo seu corpo para mim e ela vem fácil enquanto descansa suas pernas em meus ombros. A vejo inclinar-se na cama e usar seus cotovelos como apoio. Ela me olha com expectativa e antecipação. Eu sorriu. – É melhor você deitar. – digo e sem esperar mais roço minha barba em sua intimidade enquanto também passo minha língua por toda sua fenda, ainda sem abri-las, ainda sem usar as mãos. – Ohh! – ela estremece e geme forte, sendo pega de surpresa. Quando eu uso meus dedos para abri-la, Chloe se deita, mas segura meu cabelo em suas mãos. Lambo, sopro e roço seu clitóris e ela puxa meu cabelo com força no mesmo momento que suas pernas tremem e seus pés tocam minhas costas. E bem, eu ainda nem tinha começado totalmente. Começaria agora e seria agora que eu a faria esquecer qualquer coisa ruim. Na verdade, eu a faria esquecer de qualquer coisa. Chloe só iria focar-se em seu prazer, nada além.


Lambo um pouco mais toda sua extensão, sinto e vejo sua libido aumentar tanto quanto seus sucos descerem mais. Experimento mais de seu gosto e gemo. Deliciosa. Toda gostosa. – Theo! – Chloe quase grita quando eu faço, com minha língua, movimentos rápidos e circulares em seu clitóris inchado. Abro mais seus lábios internos com dois dedos e com minha mão livre, penetro dois dedos em sua entrada úmida. Chloe puxa, novamente, meu cabelo e geme, tentando não fazer muito barulho. Penetro-a com força e agilidade sem deixar de provocar seu clitóris. Eu sei que ela dessa forma não demorará muito e quando gozar será intenso depois de tudo que já provoquei em seu corpo ela está mais mole e mais sensível e só perceberá isso quando seu orgasmo a abater da forma mais prazerosa possível. Tiro meus dedos dela para dar lugar a minha língua e meus dedos vão ao seu clitóris onde acaricio levemente para depois tocá-la intensamente. Chloe estreme e suas pernas tremem. A moça já está perto, constato... Acelero meus movimentos com a língua e dedos esperando suas paredes internas apertarem mais e seu gozo vir mais forte. E é exatamente isso que acontece. Suas pernas tremem mais, seu corpo parece ter espasmos, seus pés mexem compulsivamente em minhas costas e seu gozo se intensifica. Eu não tiro minha língua de sua entrada, continuo estocando-a e me deliciando com seu gosto e seus gemidos enquanto chama meu nome de forma entrecortada. Continuo tocando seu clitóris também e quando penso que seu orgasmo passou, acontece tudo de novo e ela volta a ir ao seu ápice. Mais uma vez suas pernas tremem, seu corpo parece ter espasmos e seus pés praticamente me batem enquanto seu gozo desce direto para minha boca. Dessa vez parece durar mais tempo... A minha moça está tendo um orgasmo múltiplo e é a coisa mais gostosa de sentir e ver. Não quero que o corpo dela esfrie ou ela se canse assim tão rápido. Ainda não acabei e preciso senti-la não só com minha língua e dedos. Me afasto de seu corpo e antes que ela descanse suas pernas na cama, tiro minha cueca e seguro suas coxas, abrindo suas pernas para mim como tem que ser. Ela já é minha e se não percebeu ainda em instantes ela teria a total consciência disso. – Você toma anticoncepcional? – quero saber. Chloe me encara e me dá um sorriso cansado, satisfeito e sensual, mas há algo mais em seu olhar e eu, burro, enquanto penso com minha cabeça de baixo, só noto quando ela responde: – Não. Claro que não! Ela queria engravidar. Engulo em seco, não achando que ela queria engravidar com qualquer homem que tivesse


relação... Embora, talvez, com outros ela usasse preservativo... Afinal, ela queria o meu sêmen... Minha mente divaga, mas meu pau continua perto demais da entrada de Chloe, tão duro quanto antes estava. Chloe aperta meus ombros com suas mãos e dessa vez me dá um sorriso triste. – Tudo bem, você pode gozar fora ou podemos usar camisinha... – ela afasta uma de suas mãos de meu ombro para abrir uma gaveta que deve ter as camisinhas, mas eu a impeço. – Não, moça. – é tudo que digo antes de penetrá-la. Não enfio aos poucos, minha estocada é total, fazendo-a engolir meu membro de uma vez e gememos em uníssono. Ah! Não me arrependo em nenhum momento de ter recusado a camisinha. Senti-la de verdade, por dentro, quente e apertada em torno de meu pênis é tudo que eu poderia querer. – Chloe. – gemo encarando-a enquanto a penetro rapidamente fazendo a cama ranger a cada estocada mais profunda. – Theo! Chloe desce suas mãos para minhas costas e arranha. Ela me puxa para mais perto de seu corpo e eu sinto seus mamilos em meu peito e seus lábios em meu pescoço. Ela me empurra para o lado e eu me deixo ser empurrado enquanto a puxo para ficar por cima. E é aí que Chloe comanda tudo e eu aprecio com as mãos ora em seu quadril, ora em suas nádegas. Moça, você é minha! Penso quando vejo Chloe jogar a cabeça para trás com a boca entreaberta, gemendo sem emitir som enquanto galopa. Ela não para de galopar fazendo seus seios balançarem com os movimentos rápidos. Naquela posição eu me torno dela. Entregue, ao seu total dispor, à sua mercê... Chame do que quiser, mas eu ali, sou dela, porém, mesmo eu estando por baixo, a tomaria como minha, ou melhor, a tornaria ainda mais como minha. Pego seus seios com minhas mãos e ela volta a cavalgar ereta, com a cabeça mais jogada para mim. Chloe morde o lábio inferior e eu sorriu respirando pesadamente. Puxo-a para baixo e ela não para de se mexer quando me beija. Mais uma vez nosso beijo é explosivo. Eu a tomo pra mim. Ela me toma pra ela. De dois, naquele instante somos um. Não havendo positivo e negativo, apenas dois negativos, dando um positivo. Somos isso. Um só. Eu já não sabia onde começava meu corpo e terminava o dela. E assim eu constato pela milésima vez que eu estou perdido. Não de amores, mas de admiração pela última mulher que eu acreditei sentir isso da forma tão intensa quanto sinto.


Não, não é apenas pelo ato sexual em si que eu me sinto assim, mas que o sexo daquela forma ajudava a criar esse pensamento em minha mente, ajudava. Minha. Minha. Minha. Ela é minha e eu soube desde o primeiro dia que a olhei. Fria, grossa e mal humorada. Como não se perder em uma mulher assim? Eu sorriu com o pensamento e fico, mais uma vez, por cima de Chloe. Me apoio com meus braços ao lado de seu corpo e ficamos perto. Nossos corpos estão em uma mistura desenfreada de êxtase, luxuria e suor. Nossos rostos estão perto, mas não nos beijamos, apenas nos olhamos, o que, por si só, já é intenso. Eu não quero pensar se o que fazíamos deveria realmente ter acontecido ou se não deveria ter acontecido antes. Eu realmente não quero pensar nisso agora, não quando tenho Chloe embaixo de mim, gemendo e rebolando. Talvez amanhã. Talvez amanhã pensássemos nisso, mas hoje seria só sentidos e emoções e prazeres. Sinto suas paredes internas pressionarem meu pau e sei que ela está perto. Continuo a estocando e ela arranha mais minhas costas e sorri torto. Então ela goza daquele jeito, mexendo todo seu corpo junto em puro êxtase, em libertação total. Chloe puxa meu pescoço e me beija. Ela me beija me fazendo esquecer qualquer coisa que eu poderia vir a pensar. Eu não raciocínio. Eu simplesmente faço sem pensar. Beijo-a sem pensar. Penetro-a sem pensar. Devoro-a sem pensar. Exploro-a sem pensar. Sinto-a sem pensar. E gozo quando sinto ela gozar de novo, tendo outro orgasmo múltiplo. Gozo pensando. Com plena consciência do que faço. E gozo. Dentro. Eu vou te dar um filho, Chloe. Eu vou te dar a chance de ser mãe, moça. Deito ao lado dela e puxo seu corpo para o meu, ela parece um pouco tensa e me encara. – O que foi isso? Eu sei que ela pergunta sobre eu gozar dentro, mas eu desconverso e com um sorriso cansado, respondo: – Amor, moça. Foi amor.


Parte 2

Um coração desesperado por amor.


Bônus Eu vou ser pai Bell estava estranha há dias e eu não perguntei o porquê. Talvez os maridos convencionais perguntassem às suas esposas o que estava acontecendo com elas, mas eu não perguntava. Nunca. Para quê perguntar se no final do dia ela vinha me falar o que era? Ela sempre vinha, mas no final dos últimos dias ela não me disse nada e eu estava ficando tentando a perguntar. “Moça, qual seu problema? Estou aqui para te ajudar.” Não era isso que os maridos faziam? Eu sinceramente não sabia. Deveria, mas não sabia e já estávamos casados há anos. Bell trabalhava em um salão de beleza perto do nosso apartamento. Ela tinha feito alguns cursos de moda e beleza e estava dedicada a área. Já eu estava preste a me formar em ADM. Eu não tinha achado um trabalho integral, como ela, mas estávamos confiantes que em breve eu acharia. Porém minha Bell estava tão estranha, meio distante e quieta como nunca foi. Acho que já passava da hora de eu perguntar qual era o problema. Talvez fosse isso que ela quisesse, que eu puxasse o assunto... Mas antes disso acontecer ela entrou em casa com um sorriso singelo no rosto. Eu estava no sofá vendo um canal aleatório quando ela entrou. A moça era linda. Deus, eu era um homem de sorte! Onde mais eu acharia uma mulher tão linda como ela? Mesmo com um sorriso modesto, seu olhar continuava brilhantemente verde em contraste com sua pele negra. – Boa noite, moça. – disse, sorrindo, mas diferentemente dela eu sorria mostrando todos os dentes. – Boa noite, moço. – acenou e trancou a porta de casa antes de ir direto para o banheiro. É, aquilo tudo estava ficando cada vez mais esquisito. Por que minha Bell estava assim? Me levanto do sofá e vou até o banheiro. – Moça... – começo sem saber direito como terminar a frase, mas não preciso dizer nada,


pois a porta do banheiro estava aberta e ela estava ajoelhada em frente ao vaso, vomitando. Vou até ela, interrompendo qualquer coisa que eu poderia vir a dizer e seguro seu cabelo como posso. Quando ela para de vomitar eu pego um pano úmido descartável para limpar sua boca e ela limpa. Dou lhe tempo para dar descarga, lavar o rosto e escovar os dentes, mas continuo parado a porta com os braços cruzados e testa franzida. Eu, novamente, não digo nada, pois ela se vira da pia e me encara. – Theo, eu queria dizer de um modo bonito como a gente vê nos filmes e como eu sei que você gostaria de saber... Porque você é meio meloso e besta para essas coisas, mas... Bell divaga, mas não precisava dizer mais nada para eu entender. Meus olhos ficam arregalados de surpresa e eu grito, pegando minha Bell nos braços, tirando-a do chão com facilidade. – Eu vou ser pai! – berrei enquanto a levo, ainda em meus braços, para a sala – Estamos grávidos! Ela ri e seus olhos tornassem marejados. A coloco no chão. – Mas querido que não é tão fácil assim, haverá muitas despesas e... Corto minha mulher com um beijo molhado e quando a largo me ajoelho em frente a sua barriga, mas encaro os olhos de minha moça quando pergunto: – Há quanto tempo você sabe disso, Bell? – Estou enjoada há uns dias, mas tive a certeza hoje... Por isso não te contei antes. – Foi no médico sem mim? – Não, mas fiz milhares testes de farmácia. Quero ter plena certeza no médico com você ao meu lado. Eu assenti e sorri, logo em seguida encaro a barriga de Bell enquanto a toco com sutileza. Eu sabia que ela deveria estar grávida de poucas semanas, mas ainda sim já sinto como se fosse pai só com a simples menção disso. – Eu vou ser pai – sussurro – e não importa as despesas, nem os choros, nem as trocas de fraldas, nem as noites perdidas. – brinquei – Importa que vou ter um filho com a moça da minha vida. Bell se ajoelha no chão também, ficando quase cara a cara comigo. Por ser menor que eu sua cabeça bate em meu peito. Nós nos encaramos e ela sorri amplamente, finalmente. – E eu vou ter um filho com o moço da minha vida. – seus olhos brilhavam – Mas você sabe que vai ser difícil, não é? – Quando é fácil para nós? – indaguei – Mas quando é que nós não tornamos tudo mais


fácil? Ela assente e me beija. Deitamos no chão, em cima do tapete da sala, abraçados. Bell ri sozinha. – Eu provavelmente vou engordar, ficar mais enjoada, pedir coisas loucas e impossíveis para comer, surtar com tudo, dormi mal, não querer sexo, enjoar de tudo, reclamar mais, mas além de tudo... Vamos construir uma família. Deus, eu vou ser mãe! Eu gargalho e encaro minha Bell. – Eu provavelmente vou te chamar de “fofinha”, ficar mais grudado, tentar conseguir as coisas loucas e impossíveis para você comer, aguentar seus surtos, dormi mal junto com você, ficar em abstinência sexual, aguentar seus enjoos e suas reclamações... Mas é isso Bell, vamos construir a nossa família. E claro, eu vou ser pai!


Bônus Não saberei dizer Eu não saberei dizer o que me fez contratar Theodoro Gissoni. Ele não tinha uma vasta experiência, tinha apenas estado como freelance em outras empresas pequenas, mas nenhuma como a EE. Ele era formado em ADM, o que, obviamente, era o essencial, mas não era tudo. Ele precisava ter algo a mais em seu currículo além de formação, porque formação superior muitos tinham. Contudo, eu não saberei dizer o porquê de contratá-lo. Apenas o fiz quando vi seu currículo e foto anexada no e-mail. Logo marquei uma entrevista. Eu não me importava em contratar uma secretária, na verdade, muitas mulheres das quais se candidataram para a vaga tinham mais experiência profissional que Theodoro. Ainda sim, eu o quis. Talvez por esse motivo: era um homem. E nenhum outro homem além dele tinha se candidatado. Eu imaginava que os homens deveriam ter algum tipo de vergonha em ser subordinado de uma mulher. Ou melhor, vergonha em ser diretamente subordinado, porque todos na empresa estavam profissionalmente abaixo de mim. Minha consciência estava clara que grande maioria ou todos os funcionários da empresa não gostavam de mim e eu não ajudava em nada para mudar minha “fama” de megera. A única pessoa do prédio que eu sabia que não me detestava era uma senhora dos serviços gerais que eu conhecia desde sempre. Normalmente ela limpava meu andar quando todos tinham ido embora, menos eu, com isso, ficávamos juntas conversando depois dela ter limpado o que podia. Era uma senhora agradável. Muito mais fácil de conversar do que minha própria mãe. Balancei minha cabeça tentando espantar pensamentos ruins de minha família. Agora eu estava esperando Theodoro Gissoni em minha sala e precisava manter o foco. Sentada em minha poltrona olhando para o relógio em meu notebook, alguém bate à porta. Dois minutos adiantado, noto quando peço para ele entrar. Sim, obviamente era Theodoro. Eu já tinha visto sua foto, mas era uma foto de trabalho, 3x4, simplório. Ele pessoalmente era bem diferente. Não posso dizer que era um homem lindo, sexy, gostoso, na verdade não, nada disso... Ele parecia ser um homem sério, cansado, do tipo trabalhador e parecia ser mais velho do


que constatava em seu currículo. Theodoro era alto, vestia-se formalmente com paletó. Fiquei feliz por ele não estar com a roupa completa de terno. Sua roupa não parecia ser uma das marcas que eu estava acostumada a ver os homens “engravatados” usando. Era boa, de longe eu podia reconhecer, mas não era a das melhores. Sua camisa social era azul bebê e sua gravata preta, o resto todo era preto, incluindo seu cabelo, mas não seus olhos. Seus olhos eram castanhos médios e brilhavam. Brilhavam de um jeito sutil, praticamente delicado enquanto me olhava. Sua barba estava bem-feita e ele usava óculos. Um óculos simples, com uma armação fina. Ao todo Theodoro era um rapaz bonito. Nada demais. Não era excitante, não havia nada nele para fazer uma mulher molhar a calcinha só de ver... Porém quando ele sorriu e seus olhos brilharam mais ele tornou-se mais bonito do que qualquer outro homem que eu já tivesse visto. Eu não saberei dizer o que tinha em Theodoro, mas ele tinha um quê de homem trabalhador, esforçado e isso para mim era excitante. Não havia nada pior do que um homem desleixado, como meu irmão, por exemplo. Theodoro poderia ser mais jovem que eu, mas soube pela sua expressão cansada que ele já tinha vivido bastante. Era uma merda dizer isso e eu não saberei dizer o porquê de sequer pensar sobre, mas eu soube naquele instante, ali, vendo-o pela primeira vez em minha vida que eu, Chloe Elliott, a antipática do século, havia me apaixonado a primeira vista. Eu não saberei dizer o que fez eu pensar isso. Eu não saberei dizer se foi seu sorriso ou seus olhos brilhantes ou seu jeito simples ou seu porte de homem trabalhador ou sua aparência pacifica ou sua presença leve... Eu não saberei dizer.


Bônus Descanse, Bell “Theo, está na hora”, foi como Bell me acordou naquele dia. Eu já estava em estado de alerta há dias com sua gravidez frágil. Com isso, hoje não estaria diferente, mas foi imprevisto, não era a data que imaginávamos para o bebê pois passava-se pouco além dos 7 meses. Arrumamos tudo que em casa para levar ao hospital, mas chegar no hospital com Bell com uma barriga enorme, foi outro trabalho, afinal eu ainda não tinha carro, nem ela. Pedimos um táxi que pareceu demorar uma eternidade. Percebi que naquele dia que eu não conseguia mais calcular nada corretamente, ao menos não quando minha mulher estava gritando de dor ao meu lado. Dei algumas notas para o taxista e ele sorriu agradecido quando eu disse que poderia ficar com o troco. Depois, já no hospital, o médico e enfermeiros disseram que Bell teria que dilatar um pouco mais. E eu realmente achei que aquela tortura com minha mulher demorou algumas vidas. Quando estava tudo pronto para o parto normal de Bell eu fiquei ao seu lado todo o tempo, segurando sua mão enquanto ela berrava. Mais uma vez pareceu que o tempo tinha desacelerado. Eu não sabia o tempo médio de um parto. Me crucifiquei por isso, deveria saber. Mas não importava, afinal eu senti como se tudo estivesse demorando milênios. Eu não sei quanto tempo levou, mas sei que eu cansei e felizmente me deram uma cadeira para me sentar ao lado da cama com Bell. Acho que a coisa começou a se complicar nesse momento, pois me mandaram ficar de fora assistindo e deixar Bell. Eu não queria ir, mas fui. Continuei perto, com meu rosto encostado no vidro vendo minha moça dando a luz à nossa filha. Wendy seria amada. Wendy seria muito amada. A escolha do nome foi bem simples depois que soubéssemos que era uma menina. Meu Deus, eu seria pai de uma menininha! Sorri, mas em seguida senti meus olhos lacrimejarem. Era de felicidade, claro... Afinal, eu seria pai! Eu pai! Eu teria uma filha com a moça da minha vida.

Eu nunca iria me esquecer quando peguei Wendy em meus braços pela primeira vez. Tão


linda e tão pequena. Logo vi que tinha os olhos esverdeados de Bell. Beijei sua testa já sabendo que eu a amaria por toda minha vida e aquele seria o dia mais feliz de todos. Eu nunca poderia descrever com palavras suficientes a emoção de tê-la em meus braços. Sendo menos prolixo e mais direto: eu sentia meu coração fora de mim, batendo agora em Wendy, porque por ela eu faria qualquer coisa e daria o melhor de mim. Quando Bell a carregou eu as fitei sem piscar sem nem sentir. Era como se piscar me fizesse perder aquele momento transcendental. Minha mulher agora era não somente a mulher da minha vida, mas a mãe de minha filha. Eu não sabia, mas aquele momento seria lembrado por mim em muitas situações... Porque, infelizmente e novamente, eu não sabia, mas aquela seria uma das poucas vezes que Bell carregaria nossa filha. Eu fiquei no hospital junto com Bell, saindo apenas para pegar uma muda de roupa. Ela não estava bem e os médicos não sabiam dizer ao certo o porquê. Obviamente Wendy ficou no hospital também, mas minha filha estava bem, já poderia ir para casa comigo, contudo, eu não poderia sair sem Bell. Eu estava segurando Wendy desajeitadamente em meu colo e sentado na cama ao lado de Bell. A cama era pequena e eu não deveria estar sentado nela, mas eu queria ficar perto de minha mulher. Bell olhava a mim e a Wendy por longos momentos e eu não gostava daquele olhar triste de minha mulher. – Você pode levar ela para casa se quiser... – Bell me disse. – Não quero. – afirmei – Quero ficar aqui até você melhorar. – Nem os médicos sabem direito o que eu tenho querido. E eu estou me sentido bem, amanhã e depois pretendo continuar aqui. – Não, Bell. Eu ficarei. Lhe dei um selinho demorado do qual ela aprofundou para um beijo. – Eu te amarei, moço. – ela sussurrou – E eu amarei Wendy também. Eu sorri com a testa grudada no rosto de Bell e nossa filha entre nós, dormindo nos meus braços. – Eu também te amarei, moça e definitivamente amarei Wendy por toda minha vida. – Ela é linda, não é? – É Bell, tão linda quanto você. Bell sorriu e afastou seu rosto do meu para beijar a testa de nossa filha.


– Fizemos algo incrível... Tão lindo. Tão puro. Eu tirei um braço debaixo de Wendy para levantar o queixo de Bell e fazê-la me olhar nos olhos. – Querida, isso foi amor, sem pressão, sem punição, sem medo, só amor. Simples e puro. Bell assentiu com os olhos marejados. – Promete que você vai amar outra mulher? Larguei seu queixo, beijei sua testa demoradamente e me afastei, encarando-a novamente. – Você não vai a lugar nenhum, amor. – Theo, prometa-me! Prometa-me que você amará outra mulher tanto quanto me ama. – Bell... – comecei. – Não Theo, prometa de coração. E essa mulher será tão quebrada quanto eu fui e você será tão bom e generoso com ela também. Você a amará de todo o coração, mesmo ela sendo quebrada por dentro. Você a ajudará e ela será boa para Wendy também. Nesse momento era eu quem tinha meus olhos marejados. Em todas as partes com Bell, eu ficava emociono e ela também. Mas como não ficar emocionado quando a mulher que você ama pede para você amar outra? Como não ficar emocionado ao lembrar que Bell tinha sido vítima de abuso sexual quando criança? Como não se emocionar ao lembrar da dificuldade que tive para conseguir tocá-la da maneira que queria? Como não se emocionar ao lembrar que a mulher que você ama sofreu tanto para conseguir amar você também? Como, finalmente, não se emocionar? No primeiro dia que a vi soube que ela tinha que ser minha. Mas eu a assustei. Eu tentava ser engraçado, queria abraçá-la a todo o instante, eu falava sem parar, eu queria tocá-la, mas ela tinha medo de tudo. Bell teve medo de mim. Ela não foi abandonada no orfanato/colégio que vivemos, como eu. Ela foi tirada de seus pais. Seu pai era traficante e sua mãe viciada em cocaína. Seu pai também era seu abusador. Bell só foi tirada deles quando seu pai, traficando, foi preso. Quando descobriram que ele a abusava, ele respondeu por esse crime também e sua mãe morreu logo em seguida em uma overdose, mas antes disso Bell já estava no orfanato. Pequena, seis anos e já tinha sofrido a dor de um mundo todo. Ela me disse que eu a ajudei a lhe reconstruir. Eu não sabia que tipo de dor era a que ela passou. Desde que me entendi como gente já estava no orfanato. Bell demorou para me contar tudo isso, ela tinha em torno de 17 anos e eu ainda não tinha


saído do orfanato quando ela contou. Foi um choque para mim, mas eu já imaginava que havia algo de errado com uma garota tão jovem que tomava coquetel de remédios desde muito tempo. Ela não era soropositivo, mas seus remédios eram para seu psicólogo, não para seu corpo. Bell não era psicologicamente saudável, embora se tornou, o que, demorou. Demorou de tempo para si e paciência para mim. Sorte que eu, sempre fui muito paciente e mesmo que não fosse aprenderia a ser. Eu amei Bell. Eu amaria ela para sempre, assim como a filha que tínhamos agora. Enfim, criei coragem e voz para respondê-la com todo meu coração e sinceridade: – Eu não acho que vou conseguir amar outra mulher como lhe amo, Bell. Ela sorriu timidamente. – Por favor, querido, por favor, me prometa que ao menos tentará, caso algo me aconteça. Me prometa, Theo. Prometa que tentará amar uma outra mulher. – E ela terá que ser quebrada? – eu ri, tentando brincar com a situação. Eu estava muito desolado e muito destruído só de pensar em minha vida sem Bell. Bell sorriu mais amplamente. – Acho que te fará bem. – Me fará bem uma mulher quebrada? – Te fará bem ter alguém para você cuidar, além de Wendy e a si mesmo. Não digo que ela precisará depender de você, não é isso... – Então o que seria? Bell fechou os olhos por longos momentos, antes de voltar a abri-los e dizer: – Ela te ajudará com o amor e você com a dor. – Moça, – sussurrei para minha mulher quando Wendy começou a se mexer – não vai nem sequer precisar existir outra mulher. Bell me beijou. – Eu espero que não, mas... – Descanse, Bell. – cortei-a – Descanse moça, você precisa. Durma sabendo que eu lhe amo. Eu e sua filha lhe amaremos. Ela assentiu e se deitou na cama dura do hospital público. Minha mulher não fechou os olhos quando me viu levantando da cama e me sentando, com cuidado para não acordar Wendy, em uma poltrona próxima dela. Bell continuava nos olhando quando disse: – Eu também amarei vocês. – Eu sei, moça. – murmurei – Mas agora... Descanse, Bell.


E ela descansou. Aquele foi o último dia da vida da minha moça. “Estupro é um dos crimes mais terríveis da Terra. O problema dos grupos que lidam com o estupro é que eles tentam ensinar às mulheres como se defender. Enquanto que o que precisa ser feito é ensinar aos homens a não estuprar.” (Kurt Cobain )


A violência sexual em crianças de 0 a 9 anos de idade é o segundo maior tipo de violência mais característico nessa faixa etária, ficando pouco atrás apenas para as notificações de negligência e abandono. A conclusão é de um levantamento inédito do Ministério da Saúde em 2012.

Uma em cada 14 mulheres já foi – ao menos uma vez em sua vida – vítima de abuso sexual por alguém que não é seu parceiro. A informação é resultado de um estudo realizado em 56 países (publicado em 2014) na revista The Lancet, uma das publicações científicas mais respeitadas na área de saúde pública.

Números preocupantes ● A cada minuto, uma mulher morre no mundo por complicações relacionadas à gravidez ou ao parto; são 1.600 mulheres por dia, quase 600 mil por ano, sendo que 99% dessas mortes acontecem nos países em desenvolvimento. Apenas na região da América Latina e Caribe morrem anualmente mais de 22 mil mulheres por causas maternas. ● Cerca de um milhão de crianças ficam órfãs a cada ano em razão de morte materna. Essas crianças têm risco de 3 a 10 vezes maior de morrer antes de completarem dois anos do que aquelas que vivem com a mãe e o pai. ● A cada minuto, 380 mulheres ficam grávidas, sendo que 190 dessas gestações são indesejadas e/ou não planejadas. ● Em 2000, o risco de uma mulher morrer por causas relativas a gravidez, parto ou aborto inseguro era de: 1 em 20, na África; 1 em 94, na Ásia; 1 em 160, na América Latina e Caribe; 1 em 2.400, na Europa. Fonte: OMS/UNICEF/FNUAP, "Estimativas do número de mortes maternas, risco de morte materna e razão de mortalidade materna para o ano 2000".


Bônus Destruído Homem que é homem sabe pela presença da mulher quando ela irá destruí-lo. “Homem que é homem” ou “homem que é arbusto” ou “homem que é moleque”, não importava. Homem simplesmente sabe. Não só homem como qualquer ser pensante e racional, sabe. E eu soube. Eu soube que Chloe Elliott iria me destruir desde o primeiro dia que a vi. O dia anterior ao dia da minha entrevista com ela havia sido um verdadeiro inferno. Wendy tinha meses de vida, não parava de chorar e eu já não sabia mais o que fazer, nem minha vizinha, que era uma senhora sozinha e já tinha criado três filhos, sabia. Eu estava perdido. E aquela noite eu mal dormi, só cochilei. Mesmo com meus olhos inchados de sono e meu rosto cansado, eu fui. Eu não poderia deixar de ir àquela entrevista. A Empresa Elliott era simplesmente a melhor que eu poderia vir a trabalhar no início de minha carreira. Eu precisava muito daquele emprego, não só por mim, mas por Wendy. Eu estava ficando sem um centavo para pagar as contas, porque tinha comprado mil e uma fraldas e outras coisas necessárias para meu bebê. Não estava arrependido de ter comprado tudo que comprei, mas era bem provável que no fim do mês eu não tivesse muito dinheiro para comer. Mas Wendy teria comida. Ela teria, mas talvez eu não. Entrei na empresa completamente tenso e só passei pela segurança depois de mostrar minha identidade para provar que eu realmente iria para uma entrevista de trabalho. Eu ainda não tinha carro, com isso vim de terno e gravata em um ônibus lotado. Eu estava me sentido bem desconfortável e sujo, devo admitir. Eu já tive dias melhores, porém aquele era preocupante. Embora eu não me deixei titubear. Wendy estava com a vizinha que aceitou cuidar dela sem eu pagá-la, pelo menos por hoje, era claro. Caso eu passasse a trabalhar para a Sra. Elliott seria bem provável que já no meu primeiro mês eu tivesse que pedir adiantamento. Balancei a cabeça e sorri para a secretária provisória da Sra. Elliott, tendo, mais uma vez, que mostrar minha identidade. Bati à porta e a voz de dentro rapidamente me respondeu, pedindo para eu entrar. Entrei tentando deixar de lado o quanto eu estava desesperado pelo emprego. A minha possível patroa


não se levantou enquanto me avaliava da cabeça aos pés e quando seu olhar posou no meu, eu sorri para ela. E foi aí que eu soube que estava destruído. Jesus, eu nunca tinha visto uma mulher tão linda! Pedi desculpas mentais à Bell, mas Chloe Elliott era tão linda quanto minha falecida esposa, mesmo que, obviamente, não tinha nada a ver com ela. Uma era negra, outra era branca e loira. Bell parecia uma dama em qualquer ocasião e idade, Chloe parecia um anjo e eu ainda não poderia dizer se em qualquer ocasião e idade. Bell tinha a essência da pureza. Chloe tinha a essência da dureza. Enquanto Bell poderia realmente ser um anjo bom, Chloe poderia ser, facilmente, um anjomau. Um anjo do inferno. Assim como minha antiga esposa, minha possível patroa tinha um peso em seu olhar, uma armadura maior do que ela parecia aguentar. Mesmo a “Sra. Elliott” (estranho chamar alguém tão jovem de senhora e não senhorita) estando sentada eu via em partes sua roupa. Um vestido branco. Olhos cinzentos, cabelo em um tom claro de loiro, maquiagem – acredito eu – fraca, e vestido branco. Era um anjo. E eu estava destruído. Eu não sabia ao certo o que me fez levar ao pensamento seguinte, mas eu soube naquele instante, ali, vendo-a pela primeira vez em minha vida que eu, Theodoro Gissoni, o pai de família, havia me apaixonado à primeira vista. Eu não saberei dizer o que fez eu pensar isso. Eu não saberei dizer se foi seu olhar, um tanto quanto, desolador, ou sua postura firme ou seus traços delicados ou sua beleza gritante ou seu jeito duro ou sua aparência, internamente, triste até para mim, um desconhecido. Eu realmente não saberei explicar o porquê desse pensamento repentino de paixão, contudo, eu poderia dizer que... Eu estava destruído. Um apaixonado destruído.


13 Família Depois de eu ter tido a fatídica frase, ou melhor dizendo, as fatídicas frases redundantes “Amor, moça. Foi amor.”, eu achei, sinceramente, que Chloe me mandaria sair de sua cama e ir embora de sua casa... Mas ela não fez isso. Chloe sorriu, um sorriso de fazer seus olhos brilharem, e me encarou sem dizer nada. Em seguida ela simplesmente alinhou seu corpo ao meu, deixando sua perna sobre meu quadril e um de seus braços em meu peito. Eu demorei para notar e juro que quis ter reparado nisso antes, mas vi naquele segundo quando eu colocava minhas mãos sobre seu cabelo que aquilo é o que eu quero... Estar com Chloe Elliott. Mesmo ela sendo insuportável e antipática em tempo integral. – Theo, – ela sussurra sem olhar para mim, pois sua cabeça está descansando em meu peito – que massagem foi aquela? – Tântrica. – explico. Ela pigarreia. – Você está cansado demais? Sorri e puxo levemente seu cabelo, para trazer seu olhar ao meu. Arqueio uma sobrancelha e sorriu mais. – Depende. Chloe sorri de volta e antes que eu possa fazer qualquer coisa, ela me beija e já monta sobre mim. Se eu já não sou apaixonado por essa mulher desde o primeiro dia que nos vimos, agora, me torno ainda mais.

Chloe decidiu que queria fazer uma massagem em mim também e fez, provavelmente muito melhor do que eu fiz a ela. Ela foi delicada e sensual. Eu não preciso nem dizer onde acabou aquilo. Fizemos amor. Sim, amor. Foder deveria ser muito divertido e prazeroso, mas eu não sou esse tipo de homem. Acho que deu para perceber que eu sou um tipo em extinção, diga-se de passagem.


Enfim, fizemos amor em sua varanda, em sua suíte e no fim daquela noite ou no começo daquela manhã, não sei ao certo, em sua cama. É, eu estava um pouco insaciável. Quando estávamos esgotados depois de um banho refrescante e preste a dormir, uma batida na porta nos deixa em alerta. Levanto da cama em um pulo e visto minha cueca, vejo de canto de olho Chloe colocando seu roupão e depois de ver que eu estou devidamente – ou quase – vestido, ela abre a porta. Wendy veste uma fralda e uma camisa que eu havia trazido na bolsa com suas coisas, seus olhos estão inchados, provavelmente de chorar ou de não conseguir dormir e seu cabelo está uma bagunça. Vou até minha filha e a pego no colo. – O que houve, princesa? – pergunto. Ela choraminga um pouco. – Sonho ruim, papai. Minha menina esconde sua cabeça em meu pescoço e eu a nino um pouco enquanto ando pelo quarto com ela. Quando Wendy tem pesadelos ficamos assim, sem dizer nada, apenas perto um do outro. Continuo andando por todo o quarto em silêncio, Chloe também não diz nada, mas vejo de canto de olho que ela muda o lençol da cama. Será que ela já me mandaria embora? Tento não penso sobre isso agora. Com Wendy em meus braços meu mundo gira em torno dela. Aos poucos sinto quando os braços de Wendy, que estavam em volta de meu pescoço, ficam moles e sei que ela dorme. Olho enfim para Chloe que agora usa um pijama rosa e sorriu, mas logo depois penso em me desculpar pelo “momento Wendy”, porém desisto. Eu não tenho com o que me desculpar e fico feliz ao ver no olhar de Chloe que não é isso que ela espera de mim. – Troquei os lençóis. – ela diz – Pode colocar Wendy para dormi com a gente. Suspiro. Moça, não destrua meu coração. Penso, mas sei que Chloe Elliott já o destruiu. Coloco Wendy no meio da cama e vejo que ela agora dorme tranquilamente. Chloe se deita do lado direito e eu do lado esquerdo, tendo minha filha no meio. Éramos naquele momento uma família torta de uma mãe que não tem filho, de um pai viúvo e de uma filha sem mãe.

Acordo em um solavanco sem saber ao certo onde estou. Olho para todo o quarto e aos poucos


minha ficha cai. Estou na casa de Chloe! Olho para a cama e não encontro Wendy ou Chloe. Procuro no chão do quarto minha calça social e a acho em cima de uma cadeira devidamente dobrada, junto com minha gravata e camisa. Visto a calça e encontro meu celular em seu bolso. É meio dia! Eu nunca dormi tanto. Vou a suíte fazer minha higiene matinal e uso uma escova de dentes ainda na embalagem. Saio do quarto de Chloe apenas de calça e com meu celular novamente no bolso da mesma. Não demoro para saber onde as meninas estão, pois um barulho vindo do andar debaixo me chama a atenção. Desço devagar e as vejo rindo na cozinha de Chloe. É uma cena bonita. Uma cena que faz meu coração se apertar e bater mais rápido. Wendy está sentada em uma mesa de mármore com o rosto sujo de, o que deve ser, farinha e sorri. Minha filha não somente sorri como gargalha alto. Risadas de uma criança é a coisa mais linda de se ouvir, ainda mais quando a criança em questão é a sua filha. Vejo quando minha menina balança as pernas e pega uma vasilha com alguma coisa dentro. Ela coloca sua mão dentro e depois tira para lamber seus dedos. Eu sorriu. Chloe também sorri, mas ainda não me vê parado na porta de sua cozinha. Ela se vira, ficando de costas para mim ao mexer no fogão. Quando Chloe se afasta do fogão, ela pega Wendy no colo, tirando a vasilha suja de suas mãos e de brincadeira tentando lamber os dedos de minha filha. Wendy gargalha mais e a suja com os dedos melados. Chloe não reclama, só sorri. Meu coração parece falhar uma batida quando Chloe me vê. Chloe vestia um short simples e uma camisa de mangas. Está descalça e com um coque malfeito. Reparo que Wendy também está descalça e com um coque no cabelo, mas mais arrumado. Lindas... Tão lindas. Gostaria de descrever que são minhas, mas sei que Chloe não é. – Feliz dia dos pais, papai. – Chloe brinca. Ando até elas sorrindo de orelha a orelha. – Feliz dia dos pais! – Wendy diz saindo do colo de Chloe para o meu e me dando um abraço apertado. – Obrigado, princesa! – respondo a minha filha e encaro Chloe – Obrigado, moça. Ela faz uma reverência e eu riu. Nunca vi minha chefe tão natural. A cada segundo que passo com ela, a observando assim, de perto, percebo que aquela não é minha chefe, é uma mulher tentando ser uma qualquer no meio de tantas outras. Mas, Chloe Elliott, não é, nem de longe, uma mulher qualquer. Ela é especial e eu sou só mais um, mas ela não. Chloe é especial. Wendy nem se fala. E só por eu estar perto delas me sinto especial também. – Fizemos um bolo pra você, papai. – Wendy comenta quando a coloco no chão e reparo que


ela me sujou de algo grudento. – Vocês fizeram? – olho de minha filha para Chloe. Chloe dá de ombros, mas fala em sequência: – A deixei longe do fogão e talheres, de resto, ela ajudou bastante. – Eu misturei a massa! – Wendy pula com as mãozinhas para o alto mostrando o resto da massa do bolo em seus dedos. Eu gargalho. – Estou vendo... – e olho para meu peito sujo dessa massa – e estou sentindo. Chloe ri baixinho. – Acho que todos estamos sentindo. A camisa de Chloe deveria ser branca, mas agora é suja de um tom amarelado e laranja. Wendy além de estar com o rosto um pouco sujo, sua camisa também está. Preciso repetir que ambas estão lindas? Estão lindas. E sinceramente eu não quero pensar que Chloe não é minha. Pensarei, enquanto estou em sua casa, ao seu lado, que Chloe também é minha. Minha moça. – Você trocou a roupa e fralda dela? – pergunto a Chloe vendo que Wendy veste outra camisa e a fralda não duraria tantas horas. – Você dormia como uma pedra. – responde sorrindo torto – Wendy me acordou e eu a troquei com o que achei na bolsa dela que você deixou no outro quarto. Assinto. – E a roupa suja? – Coloquei para lavar. Assinto de novo. – E você trocou a fralda no seco? – Não, a dei banho. Não sabia se podia usar algum talco, então não usei já que não achei na bolsa. – É, é porque ela tem alergia a todos os talcos, menos claro, o antialérgico, mas ainda não comprei outro. Chloe olha para Wendy que sentou no chão enquanto espera nosso diálogo acabar. – Ela me disse que tem intolerância a alguma coisa, não soube explicar o quê. Então, na dúvida, a dei leite de soja e um mingau de aveia. Suspiro, aliviado, – Ela é intolerante a lactose. – explico – Obrigado, você fez tudo certo. Chloe sorri, mas logo franze o cenho e ri mais. – Eu também sou. Por isso aquela sorveteria específica?


– Exatamente! A única para intolerantes. – Você também é? – Não sofro dessa mal, porém, por ela, acabo vivendo sem lactose também. Chloe assente e pega Wendy no colo para falar com ela. – Pelo menos o bolo podemos comer sem miséria. Wendy abraça Chloe e ri enquanto grita um “eba”. Não consigo deixar de sorrir também. – De quê é esse bolo? – questiono. – Cenoura e cacau. – Chloe diz – Com todos os ingredientes para os intolerantes. – brinca. Sorriu. – Mas acho que antes disso precisamos de um banho... Chloe assente e toca meu peito com seu dedo indicador. – Você fica enquanto come algo. Eu vou com Wendy para o banho. Certo? – Sim, moça. – riu e faço uma reverência com minha mão na testa. Wendy imita. – Entendido, Capitão? Eu e Chloe gargalhamos. Eu repito o gesto para Wendy. – Entendido, Capitã.

A palavra “família” antigamente era logo associada a pai, mãe e filho. Com o passar dos anos, eu fico feliz em ver, que família não é mais, de cara, associada àquilo. Família, para mim, é, de fato, pessoas vivendo sobre o mesmo teto, mas não somente isso. Também, acredito que família é independente da orientação sexual dos responsáveis pelos filhos. Ou talvez não sejam filhos, sejam sobrinhos, sejam netos, sejam amigos, sejam coligados... Não interessa, realmente. O que interessa é o amor. Se há amor, há família. Seja essa família constituída por dois pais ou duas mães ou uma mãe solteira ou viúva ou, como eu, um pai viúvo... Ou algo além disso. Eu tenho uma família de apenas duas pessoas, além de mim, é claramente minha filha. Minha filha é toda minha família e eu sou toda a família dela. Somos apenas dois, mas somos uma família. Estando ali, na casa de Chloe, comendo um cereal de aveia e tomando leite de soja, eu penso


que, pela primeira vez em tantos meses, eu gostaria de transformar minha famĂ­lia de apenas duas pessoas, em trĂŞs.


Respeito a todas as famílias! Dicionário Houaiss redefine o conceito de 'família' Antes, a definição de "família" era assim: "Grupo de pessoas vivendo sob o mesmo teto (especialmente o pai, a mãe e os filhos) [...]" Agora, o Houaiss adota o seguinte conceito para o verbete: "Núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantém entre si uma relação solidária"


14 Eu não faço ideia Eu tive o melhor dia dos pais que um pai poderia pedir. Comi tudo que Chloe colocou em meu prato e tudo foi muito melhor do que poderia ter feito. O cuidado dela era nítido tanto comigo quanto com Wendy. A cada momento eu pensava em como não me apaixonar por Chloe, porém, como eu já expliquei, eu sou apaixonado por essa mulher desde o primeiro momento que a vi e não me arrependia de sentir isso. Poderia ser considerado estúpido ou impulsivo demais, mas é real e eu nunca deixei de sentir, mesmo ela sendo, as vezes ou quase sempre, tão difícil de conviver. Passei a tarde toda usando a mesma calça e já estou me sentindo desconfortável assim. – Chloe, – sussurro quando Wendy dorme – precisamos ir. Eu estou sentado no sofá com Wendy em meus braços dormindo e Chloe está logo ao meu lado. – Já? – Está entardecendo... Ela suspira e fixa seus olhos cinzentos em mim. – Por quê? Eu sei o que ela quer saber. Eu sei que sua pergunta não é sobre eu ir embora. – Você merece, moça. – respondo sincero – E eu me desculpo por achar que você não mereceria. Chloe continua me encarando, percebo que ela pondera suas palavras. – Por quê você achou que eu não merecia ser mãe? Suspiro e explico: – Moça, você não parece ter tempo nem para si mesma... Eu não deveria lhe ter julgado dessa maneira, mas criar uma criança requer muito mais do que dinheiro na conta. E sim, eu sei que você sabe disso, contudo, você vive sem tempo e parece estar sempre tão preocupada e esgotada. – E por quê você mudou de opinião sobre isso? Eu sorriu amplamente enquanto encaro o olhar cinzento de Chloe. – Eu estava errado e não me envergonho de admitir. Mudei de opinião não por hoje ou ontem, mas por toda sua casa que já parece tão preparada para uma criança e pela forma simples e verdadeira que você tratou minha filha... Enfim, você merece ser tão mãe quanto qualquer outra mulher.


Chloe sorri, mas em segundos seu olhar torna-se sério e desolado. – Theo, amanhã eu vou tomar a pílula do dia seguinte. Franzo o cenho. – Por que você faria isso? – Se eu engravidar de você, você terá que se afastar de mim. Eu teria que te tirar da EE e... – Novamente: por que você faria isso? Ela suspira pesadamente. – Você, sinceramente, conseguiria me ver todo dia na empresa, com a barriga estufando e tendo enjoos e ficar longe de mim? Você é bom demais para isso, Theo. E agora eu sei que minha proposta inicial foi estúpida. Eu balanço minha cabeça e olho para Wendy para ter certeza que ela dorme, mas ela tem um sono muito pesado, com isso, volto a encarar Chloe. – Por que eu teria que me afastar? Chloe me olha com pesar. – Porque você não quer um filho, mas eu sim. Você já tem responsabilidades demais e eu, tendo um filho seu, seria mais uma, mesmo que não financeiramente. Eu não quero ter que te afastar de mim, por engravidar de você. – Você não precisa me afastar de você, moça. – deixo meu rosto muito próximo dela, sinto sua respiração, tanto quanto ela deve sentir a minha. – Theo, nós não temos relacionamento nenhum. Seria muito insensato da minha parte engravidar de você e te pedir para se afastar de mim, porém, em contrapartida, seria tão insensato quanto ter uma criança, só para satisfazer ao meu desejo pessoal e te deixar perto, além de atrapalhar sua vida. Eu engulo em seco. – Moça, – murmuro no ouvido de Chloe – me deixa ser o pai de seu filho. Vejo quando ela abre e fecha a boca algumas vezes e tenta afastar seu rosto de minha boca. Eu tiro, cuidadosamente, um dos braços de Wendy e agarro a nuca de Chloe, deixando seu olhar focado no meu e seu rosto ainda perto. Ela indaga, mas fala: – Eu não posso deixar você fazer isso. Não assim, não quando o desejo é só meu... E eu não quero ter que te afastar de mim. – Eu já disse que você não precisa me afastar de você... – Entenda Theo, eu admiro muito sua atitude... Meu Deus, como eu gostaria de aceitar! Mas não posso. Eu não posso ter um filho seu e sentir que ele já nasceu com pais “separados”. Eu sou apaixonado por você, moça... Mas talvez a minha paixão não seja o suficiente.


O pior é que eu a entendo. Entendo o que ela pensa e o que ela sente. Ela tem medo e quer criar seu filho sozinha. Chloe, pelo que eu sei, nunca teve um noivo ou namorado de longo prazo. Ela está acostumada a ser auto suficiente. Eu não me encaixo em sua vida, muito menos como pai presente de seu filho. Eu respiro fundo ainda com minha mão na nuca de Chloe e a beijo. Eu não penso em nada quando sinto seus lábios macios nos meus. Eu sei que eu sou um perfeito idiota, porque naquele instante eu sinto que se não for Chloe, eu não terei mulher alguma. Não terei mulher alguma não porque nenhuma seja boa o suficiente, mas porque eu simplesmente não vou querer procurar quando sei que o quê eu quero está tão perto. Chloe retribui meu beijo de um jeito leve e um tanto quanto desafiador. Ela, sem palavras, apenas com seus beijos, me desafia a intensificar, a beijá-la cada vez mais profundamente... E é isso que faço. Eu a beijo respirando de um jeito entrecortado, mas não é um beijo carnal ou vulgar, é um beijo necessário. Ambos não sabemos o que fazer daqui para frente, mas vamos fazer algo. Talvez essa noite que tivemos e esse beijo que estamos dando não se repita. Com isso, eu a beijo como se fosse o nosso último beijo. Porque, na verdade, talvez realmente seja. Eu não faço ideia do que vai acontecer depois de hoje. Eu não faço ideia do que vai acontecer depois desse capítulo decisivo de minha vida. Eu não faço ideia de como Chloe agirá comigo quando for a empresa. Eu não faço ideia de nada, mas faço ideia de que hoje, mesmo que pouco, eu a ajudei. Eu talvez não tenha a consertado de vez e sei que não é assim tão rápido, mas, ao menos um pouco, eu sei que ajudei. Eu, pelo menos, estou tentando. Tentando consertar os cacos da alma daquela moça quebrada. Só espero que eu não me quebre antes disso... Eu não faço ideia do que virá a acontecer.

Com Wendy ainda dormindo em meus braços eu saio da casa de Chloe, depois de colocar minha filha firmemente segura na cadeirinha me viro para ver Chloe parada logo atrás de mim. – E então? – indago – O que você vai fazer? Involuntariamente ela coloca as mãos sobre sua barriga. Ela sabe o que eu quero dizer, mesmo sem eu explicar.


– Eu vou tomar a pílula. Estou decidida. – E depois? – Depois sobre o quê? Bato devagar a porta de trás do carro e respiro fundo. – Sobre tudo, moça. Sobre o trabalho, sobre a gente, sobre o que você vai fazer para ser mãe... Chloe está com o olhar focado no meu, como sempre. – Eu devo ir trabalhar amanhã. – E o resto, Chloe? Ela dá de ombros. – Continuarei tentando a adoção e a inseminação artificial. Uma das duas terá que dar certo... – eu espero ela continuar porque sei que vai – Sobre nós, eu... Eu não faço ideia, Theo. Eu sorri. Estamos iguais, porque eu também não faço ideia, moça. Afinal, deveria fazer?


15 Imperfeitamente perfeita Involuntariamente eu sabia o que eu deveria fazer. Moça, você já é minha e continuará sendo. Me despeço de Chloe com um beijo, fazendo ambos arfamos e digo: – Na EE podemos continuar como sempre, mas fora dela eu te quero, moça e você não pode negar que também quer. Ela suspira. – Eu não nego, Theo. Eu sorriu e a encaro deixando minhas mãos em seu rosto. – Amanhã você vai trabalhar? – ela assente – Chloe, você me deu o melhor dia dos pais que eu poderia ter... Ela sorri um pouco. – Posso te fazer uma pergunta estúpida? – Pode fazer outra. – brinco e sinto as mãos dela em meu quadril. – Há quanto tempo sua esposa morreu? Engulo em seco. Há tempos não falo sobre Bell, nem com Wendy. – Dias depois do nascimento de Wendy. Quase dois anos. – E você não esteve com nenhuma outra mulher durante esse tempo? Me sinto sem graça pelo que eu admitiria a seguir: – Não. Eu não estive com nenhuma mulher antes de minha esposa e depois... Bem... – sorriu torto – foi você. Chloe abre a boca e penso que ela dirá alguma coisa que provavelmente diminuíra meu ego masculino, mas, ela não faz nada disso. Ela me abraça forte e em seguida me beija. – Não vou dizer que agradeço. – ela sussurra logo após o beijo – Mas você é diferente. Arqueio uma sobrancelha. – Isso é bom, não é moça? Seu rosto descansa em meu pescoço, mas o puxo para olhá-la nos olhos. Ela me abraça pela cintura e eu a abraço pelos ombros. Chloe não é muito menor que eu, mas é o suficientemente baixa para inclinar um pouco a cabeça para me olhar melhor. – Sim moço, isso é bom.


Meu peito aperta e meu coração acelera mais por ouvir Chloe me chamar de “moço”. Mesmo brincando é o suficiente para me fazer ficar sem reação por um ou dois momentos. Não que Chloe me lembre Bell, não lembra em nada, mas ela faz com que o sentido do apelido que eu tinha com Bell, mude, e não para ruim. Eu sorriu para Chloe, depois de sentir meu coração batendo normalmente ou que acho que é normal. Estando ao lado daquela mulher eu não sei o que é mais normal em mim. Beijo a testa e o nariz de Chloe, depois suas bochechas e ela ri. – E você, você é especial, moça. Lembre-se disso! Ela suspira. – Você me faz acreditar nisso. – Porque é verdade. Você é especial! – Obrigada. – ela diz. – Pelo quê? Ela demora um pouco para me responder, mas quando o faz sei que ela está sendo o mais sincera possível: – Hoje eu esqueci que tinha problemas para cuidar e remédios para tomar. – Eu posso vir mais vezes. – Eu gostaria que você viesse. A dou mais um beijo e entro no carro. Sim, moça. Você é minha!

Wendy acorda quando já estamos em casa e briga comigo por não ter se despedido de Chloe. – Você terá outras oportunidades. – digo a ela. Minha filha faz uma careta tentando assimilar o que digo e vamos ao banheiro para eu lhe dar um banho. – Como assim? – sua voz é fina, meiga e um pouco embolada, completamente normal para uma criança de quase dois anos. Bem, mas é claro que Wendy não é uma criança tão comum. Começo a tirar a roupa dela enquanto explico: – Provavelmente, não prometo, iremos ver Chloe mais vezes. Você gostaria disso? Ela balança a cabeça, concordando. Fico feliz por minha filha ser pequena demais e não ter nenhuma malícia sobre meu relacionamento com Chloe, mas talvez, se elas se aproximarem muito


poderia vir a ser um problema para Wendy mais tarde para se desapegar. Contudo, eu não quero pensar nisso agora, mesmo sabendo que devo. Balanço minha cabeça, tentando, em vão, afastar esses pensamentos involuntários e dou um banho morno em minha filha.

No dia seguinte, já na empresa, eu seguro meu sorriso ao saber que Chloe está em seu escritório e com seu humor de sempre. Não pude esperar nada diferente vindo dela, ainda sim, seria tão bom se ela tentasse ver o mundo e as pessoas na empresa, ao seu redor, de uma forma diferente. Mas eu sei que isso não poderia acontecer em um piscar de olhos, não é simples como parece. Eu acredito que Chloe seja realmente depressiva, não aquele tipo que é triste demais, mas que é deprimido mesmo, o que, é bem diferente. É triste saber que alguém que tem tudo de material, não consegue ter algo que deveria ser simples e não custa nada, que é ter um filho. Quando dei a solução perfeita para ela ter um filho meu, ela recuou e o pior: eu a entendo. Eu também não quero me afastar dela e sei que não conseguiria imaginar um bebê biologicamente meu em seu ventre sem eu ter contato com ela. O que ela não sabe de mim, é que, se eu estiver próximo quando ela conseguir adotar ou quando fizer a inseminação artificial, dará no mesmo para mim, eu tentarei ajudá-la, caso ela precise e a apoiarei. As vezes, a vida é simplesmente frustrante e para um depressivo é ainda mais. Arrumo algumas coisas em minha mesa e o telefone nela toca, atendo no ato, não digo nada, apenas ouço: – Minha sala, agora! É Chloe, obviamente. Mas sua voz não soa em nada com a Chloe de ontem e sim, a Sra. Elliott. Coloco o telefone no gancho e entro em seu escritório. – Bom dia. – hesito em dizer depois de fechar a porta atrás de mim. Chloe crava seu olhar cinzento em mim e eu tenho a certeza infeliz que ela não está bem. – Preciso que você me atualize com tudo o que aconteceu nos dias que eu estive fora... – diz rispidamente. Me aproximo dela, que continua sentada quase imóvel em sua poltrona. Ela veste uma saia preta e uma camisa social também preta de mangas compridas, porém arregaçadas até seus cotovelos. Reparo, enquanto caminho até ela, que ela tirou seus saltos, deixando-os próximo de seus


pés. Noto sua meia calça preta muito sensual, porém melhor ainda seria sem elas. Seu cabelo loiro está solto. Seu rosto não parece em nada com o de ontem, está com uma expressão bruta e com muita maquiagem, mas não muita que a deixasse vulgar; muita para ontem que não houve nada. Suas joias, colar, brincos e anéis complementam a imagem dá mulher que Chloe Elliott quer aparentar ser, mas a qual eu sei que não é. Chloe é mais que tudo aquilo que pode ser comprado em uma esquina da alta sociedade. Chloe é maior que isso. Eu sei. Resta saber se ela também sabe isso sobre si mesma. – Você está bem? – pergunto fingindo nem ouvir sua exigência anterior. Estou parado ao lado de sua poltrona e aos poucos Chloe vira a cadeira, roçando seus joelhos em minhas pernas. Ela me olha de baixo, empinando a cabeça para mim. – Theodoro, eu te fiz um pedido simples e... – Eu sei, moça e já vou te atualizar em tudo. Mas antes, você está bem? Percebo que ela morde a bochecha, segurando um sorriso e eu, estúpido como sou, fico feliz e sorriu. – Estou, moço. – rebate, mas não sorri, contudo seus olhos brilham. Por vezes é muito simples fazer alguém remotamente feliz. Um “como foi seu dia?” e “você está bem?” sincero pode fazer mais diferença do que você imagina. – Onde você vai almoçar? Chloe franze a testa. – Por quê? – Responda. – Não sei. – ela dá de ombros – Provavelmente por aqui perto... – Pronto, você pode almoçar comigo hoje! Mudar um pouco a rotina. – Chloe abre a boca, provavelmente para discordar, mas eu adianto – Não, não adianta negar. Wendy também vai e quer te ver. Enfim Chloe sorri à menção de minha filha. – Podemos falar de trabalho agora? – ela questiona, porém seus olhos continuam brilhando. Eu estou te fazendo bem, moça. Eu sorriu amplamente e me posto atrás da poltrona, Chloe encosta a cabeça na mesma para me olhar, sem entender. Eu coloco minhas mãos em seus ombros e me inclino, para sussurrar: – Alguém já disse que você está linda hoje? Ela ri baixinho e rapidamente. – Acredito que você será o primeiro a dizer. – brinca.


– Oh, não! Eu não disse que diria isso, só perguntei se alguém falou. Chloe gargalha e me fita. Estamos próximo. Muito próximos. Rostos a milímetros do outro. Eu me arrisco a me aproximar mais e lhe dar um beijo, sem língua, apenas lábios com lábios, sentindo devagar, como se fosse a primeira vez. Fico feliz por Chloe não me reprimir, muito menos me afastar. Ela retribui com a mesma calma que eu. Uma de suas mãos segura meu cabelo, a outra está em meu rosto e as minhas descem para os botões de sua camisa, abrindo-os deliberadamente. Ela não reclama quando eu aprofundo o beijo, invadindo-a com minha língua no mesmo momento que minha mão toca a sua pele exposta e entro mais fundo, tocando seu seio, me esquivando do sutiã para acariciar seu mamilo rijo. Deus, essa mulher é uma delícia da cabeça aos pés! Fico sem palavras para descrevê-la, pois sinto que já usei todas as melhores opções que tinha. Eu devo começar a criar palavras e expressões somente para ela, para descrevê-la da melhor forma possível... Mas saibam – enquanto “quebro a quarta parede” (como se estivesse em um filme) -, vocês, caros leitores, que Chloe Elliott é muito melhor do que eu, mero subordinado, posso descrever. Ela é linda, muito linda, mas não apenas em aparência, linda com todas as suas nuances corrompidas. E ela é excêntrica, é obstinada, é determinada, é esforçada, é trabalhadora, é dócil quando quer, é amável quando quer... Porra! Precisei até xingar. Ela não é perfeita, longe disso, mas ela é imperfeitamente perfeita. Existe isso? Não? Ótimo, acabei de inventar uma expressão para Chloe. Minha moça imperfeitamente perfeita.


16 Linda pra mim Continuo acariciando seu mamilo enquanto a beijo... E ela deixa e ela se entrega e ela me aceita. Fico contente ao descobrir que o fecho de seu sutiã é na frente, e o abro. Quando assim o faço, beijo mais brutal e apalpo seus seios em minhas palmas. Chloe se afasta da minha boca para respirar profundamente e noto seu batom (acho que era marrom) borrado. Riu. – Você está linda hoje. – digo. O sorriso que Chloe me dá é genuíno e enorme. Meu coração se aperta. – Ontem não estava, huh? Riu mais. – Ontem você estava linda pra mim, hoje está linda pra todos. Ela entende o que digo. Ontem ela estava naturalmente linda, mas não era o que ninguém veria no dia a dia. Ontem havia sido pessoal. Hoje não. Hoje ela está linda para quem quiser ver. Mas ontem foi só pra mim. Foi íntimo. Chloe sorri. – Você também não está mal... Principalmente com meu batom em seus lábios. Eu gargalho e aperto seus mamilos entre meus dedos. A risada que Chloe poderia dar se transforma em um gemido de prazer. Eu beijo seu pescoço e arfo enquanto comento: – Li em uma matéria que tanto homem como mulher podem gozar sem o contato direto com a genitália. – Não acredito nisso! – Chloe diz meio sem voz. – Podemos testar. Até o kama sutra comenta algo sobre. Chloe abre a boca para falar alguma coisa, mas geme quando mordo o lóbulo de sua orelha sem tirar minhas mãos de seus seios. Sorriu, mesmo que ela não veja.


Nada melhor que provar uma tese. Estou nesse momento preste a chamar Chloe para o almoço quando ela sai de seu escritório. Ela não sorri pra mim, mas seus olhos demonstram aquele brilho, então sei que ela está bem ou relativamente bem. Levanto-me de minha cadeira e, sem me olhar, Chloe continua caminhando em direção ao elevador. Faço o mesmo e entro logo atrás dela. A porta do elevador fecha e ninguém entra. No elevador há apenas eu e Chloe. Ninguém, aparentemente, teve vontade de entrar no elevador com ela lá. Ela sabe que é por isso. Talvez finja não se importar ou realmente não se importe. Ela sorri para mim e eu esqueço por um ou dois segundos onde estou e o que eu estava pensando. Estava. Porque agora já não penso em nada. Continuo com a mente no nada quando me aproximo mais de Chloe no elevador e toco seu rosto. Seu batom está novamente tão perfeito em sua boca que eu tenho vontade de borrar aquela perfeição. Embora, não posso fazer nada. Afinal, a qualquer momento a porta do elevador pode se abrir e eu não quero boatos indesejados por toda a empresa. – Onde vamos almoçar? – Chloe pergunta deitando seu rosto em minha palma, como quem pede por carinho. Moça, você não precisa nem pedir. Levanto com minha mão livre um saco plástico. – Normalmente eu e Wendy almoçamos ao ar livre. Chloe franze o cenho. – Por quê? – Não há muitas opções de restaurantes para intolerantes a lactose. Quase tudo tem lactose, você bem sabe. Então, trago de casa para não ocorrer nenhum problema. Chloe sorri, assentindo. – Desculpe, não poderei comer com vocês... Eu não trouxe nada. Dessa vez quem sorri sou eu e sacudo um pouco mais o saco. – Não se preocupe, eu trouxe o suficiente para três. Chloe arqueia uma sobrancelha. – Tem certeza? Assinto. – Absoluta e já está quente.


Eu, Chloe e Wendy fomos, em meu carro, (para não ter que tirar e colocar a cadeirinha de minha filha de meu carro), para uma praça próxima do prédio da EE. Eu sou preparado para diversas situações do dia a dia, logo já tinha em meu carro além de todas as coisas necessárias para minha filha, um pano para sentarmos nele na praça, guarda-sol, protetor e três pares de prato e talheres. Chloe riu quando mostrei todas essas coisas no porta-malas. Mas felizmente achamos rapidamente um local com sobra das árvores, com isso, só precisei do pano e obviamente pratos e talheres. Mesmo estando em uma praça pública cheia de crianças correndo para todos os lados e barulho, Chloe fica impecavelmente sentada com as pernas retas e cruzadas, mas deixando seus saltos ao seu lado. Também tiro meu sapato e de Wendy para podermos nos sentar no pano sem sujá-lo. Tiro do saco com cuidado a primeira embalagem de comida e entrego a Chloe que sorri ao ver uma marmita com a comida perfeitamente dividida nela. Frango, arroz, salada e feijão. Sim, primeiramente eu estou entregando à Chloe uma marmita. E sim, mais uma vez, só com comida saudável e simples. Chloe não faz nenhuma cara de nojo, apenas ri quando aceita os talheres, mas não o prato. Afinal, não há mal em comer em uma marmita. Deixo a minha própria por último quando mando Wendy, que estava em pé, sentar e coloco seu babador nela. Minha menina pode ser grandinha, mas se suja tanto ao comer que me deixa louco. Tiro a marmita dela, que claramente é a mais diferente por ser rosa, pequena e a comida toda desfiada e uma colher para lhe entregar. – Quer que eu te dê na boca? – pergunto a Wendy. Ela olha para Chloe já comendo, obviamente sozinha e Chloe lhe dar um sorriso torto, junto com um incentivo sem palavras. Wendy volta a olhar para mim e para sua comida e nega com a cabeça. Sorrindo a vejo se encostar em uma árvore enquanto pega a comida de minha mão. A marmita está morna, mas ainda sim coloco um pano por baixo dela para não esquentar. Meio sem jeito Wendy pega a colher e começa a comer devagar. Ela já comeu só, mas sempre preferiu quando eu a dei. Finalmente posso tirar o paletó, arregaçar as mangas da camisa até os cotovelos e abri um ou dois botões. O dia está razoável, entre o frio e calor, está no meio, nublado, contudo, vestido tantas


peças de roupa não há como não sentir calor. Sou o último a me encostar em uma árvore e começar a comer, mas sou o primeiro a terminar de comer. Wendy está entre mim e Chloe. As vezes, percebo que Chloe lhe olha, com seu olhar ainda mais brilhante. Logo após eu comer, Chloe acaba e Wendy está na metade. – Por que você não compra algo para bebermos? – Chloe questiona a mim. – Tudo bem. O que vocês querem, moças? – Maça! – Wendy diz de boca cheia, mas vendo meu olhar, se desculpa em sequência e eu riu. Encaro Chloe, esperando o que ela quer também. – Suco de maça está ótimo. – Maça verde é melhor. – digo já me levantando e pegando meu paletó – Não demorarei muito. Tudo bem, Wendy? É difícil minha filha ficar sem mim, tirando a vizinha e as cuidadoras da creche. Mas com Chloe é diferente. Com Chloe, Wendy parece não se importar em ficar sem mim por perto. Como eu já imaginava, ela assente e volta a comer. Antes de eu ir pegar o carro atrás de algum lugar que venda suco de maça vende, vejo, de soslaio, Chloe pegando a colher da mão de Wendy e a alimentando. Wendy ri quando Chloe fala alguma coisa antes de lhe dar a comida. Definitivamente lindas. Eu sei que nunca verei mulheres mais lindas em minha vida além de Chloe e minha filha. Lindas pra mim. Quando Wendy sorri, abala todo meu coração, mas me deixa ainda com os pés fixos no chão. Já com Chloe é, obviamente, mais diferente. Ela não só abala meu coração como meu raciocínio lógico. Chloe me faz me perder. Me destruí sem me tocar. Me excita sem olhar. É, sou, sem dúvidas, apaixonado por aquela mulher impecável e quase impenetrável, a CEO, a ball buster mais antipática de todas, que brinca de aviãozinho com minha filha. Tão linda. Linda pra mim.


17 Quase tudo Não demoro nem dez minutos para voltar com os sucos. Encontro as moças deitadas no pano e tudo devidamente guardado. Eu sorriu. Jesus, como a cena é bonita! Meu coração amolece, quebra, reintegra, salta, dispara. E não sei se acontece necessariamente nessa ordem. – Demorei? – quero saber. Chloe me lança um olhar quase mortal, mas sorri e pede para eu me calar. Riu não muito alto e vejo que Wendy cochila usando o braço de Chloe de travesseiro. Minha chefe, que, nesse momento, em nada se parece com minha patroa, se senta e coloca Wendy em seu colo. – Ela gosta de dormir pela tarde. – sussurro e lhe entrego o copo de suco de maça verde. O rapaz que me vendeu o suco tinha colocado os três copos anexados em uma bandeja, logo eu estou com os três sem dificuldade. Chloe sorri e aceita o copo. Ela tira do bolso de sua saia (que até mais cedo eu nem vi que tinha bolso) uma cartela de remédios e entendo que ela pediu o suco para isso. Ela não me olha quando tira um dos remédios da cartela e põe na boca, em seguida, bebe um ou dois goles do suco. – É a pílula do dia seguinte? – arrisco bebendo meu próprio suco e colocando o copo de Wendy ao meu lado. – Não. – ela responde sem me olhar. – Você quer falar sobre isso? – Não, Theodoro. – Chloe me fuzila com o olhar e balança a cartela do remédio na minha frente antes de guardá-lo – O que você entende sobre tarja preta? Para quê lhe convém saber sobre? Eu dou de ombros, bebo um pouco mais do suco antes de dizer: – Minha falecida esposa tomava. – Clonazepam? Olho para Wendy vendo-a descansar pesadamente. Agradeço aos céus por minha filha dormir como uma pedra! Volto a olhar para Chloe e não sei se devo dar continuidade a esse assunto. Mas talvez se eu falasse, fizesse ela se abrir mais. Não é? Assim eu espero, porque sei como é difícil ser o primeiro a falar.


– Também. – O que ela tinha? – Chloe indagou mais baixo depois de beber seu suco e colocar seu copo ao seu lado. Encaro Chloe e penso em ponderar minhas palavras. Nunca havia falado sobre as coisas que Bell e eu passamos para ninguém além dos médicos. – Quase tudo que você pode imaginar... – engulo em seco em dúvida de continuar – Estresse pós-traumático, crises de ansiedade, depressão crônica, crises de pânico e por vezes teve anorexia. Chloe fica boquiaberta. – Posso saber o que lhe aconteceu para desencadear isso? Fecho meus olhos por longos segundos e respiro fundo, quando os abro, murmuro: – Abuso sexual infantil. Chloe aperta Wendy em seus braços, como se estivesse protegendo-a de todo mal possível. Se doía para mim falar sobre, eu não conseguia nem sequer imaginar o quanto doeria para Bell tanto fisicamente quanto mentalmente. De fato os problemas de Chloe são diferentes dos de Bell, mas não é por isso que se caracteriza como se ela sofresse menos que Bell já sofreu mentalmente. Eu não conhecia Chloe tão intimamente para julgá-la dessa maneira e nunca a julgaria assim. Dores são dores. Independente da gravidade. Ninguém pode julgar o sentimento do outro. Ninguém pode definir dores como “pior” ou “menos pior”. Há pessoas que sofrem por perder um emprego. Há os que sofrem por perder um parente. São dores diferentes, mas ambos sofrem. E sofrer nunca é bom. Mas concordo que há dores mais poderosas e mais brandas, sobretudo, nunca é fácil para quem sente, independente, novamente, da gravidade. Quase tudo, todo dia, é uma dor para alguém. Quase tudo, todo dia, é uma esperança na vida de alguém. E eu, junto com Wendy, quero ser essa esperança, mesmo que uma faísca dela, para Chloe.


Bônus Eu cuidarei Eu dormia largado na cama com um braço sobre Bell quando senti ela afastá-lo de seu corpo. Deveria ser inicio da manhã. Meu sono nunca foi muito profundo, com isso, acordo no ato vendo-a me encarar com os olhos arregalados na meia luz do quarto. Bell estava com medo de mim. Noto rapidamente. Tínhamos dormido logo após fazermos amor pela primeira vez em nossas vidas. Qualquer coisa que Bell teve antes de mim nunca foi amor, foi abuso e o que tínhamos feito passava-se longe disso. – Como você entrou aqui? – ela gritou para mim. Eu gelei. O que estava acontecendo? Sentei-me na cama. Nem eu, nem ela, vestíamos nada. Tentei fazer com que ela percebesse que eu manteria distância quando ponho minhas mãos ao ar, em sinal de rendição e falo calmamente: – Sou eu, moça... Theodoro. Ela saiu da cama em um pulo. Percebendo que estava nua pegou o lençol da cama e se cobriu, fugindo do quarto. Levanto-me da cama e vou atrás dela depois de rapidamente vestir uma bermuda. Encontro-a na cozinha com uma frigideira na mão e a outra segurando o lençol. – Não se aproxime! Não se aproxime! – ela gritou, alto o suficiente para todo o prédio ouvir. Estremeci. Percebi tardiamente algum sangue no lençol branco próximo de sua virilha. Mas ela não era virgem, de certo modo, então, não deveria ter sangrando. De onde vinha aquilo? Engoli em seco. Será que Bell tinha se cortado? – Moça, – continue com minhas mãos no ar – sou quase seu marido. Theodoro. Moramos juntos, amor. Tentei me aproximar e ela jogou a frigideira em mim, acertando em minha barriga. Doeu um pouco, mas nada que eu não aguentasse. Peguei a frigideira do chão e vi o olhar de pânico em


Bell, com isso, joguei a frigideira o mais longe que podia de nós, fora da cozinha, para ela não pegar e principalmente para ela não achar que eu a machucaria com aquilo. Eu preferia morrer antes de machucar Bell ou qualquer outra mulher. – Não se aproxime! Não! – ela continuou gritando e eu ouvi batidas na minha porta de vizinhos perguntando o que estava acontecendo. – Bell, moça, – chiei desesperado – você tem que se lembrar de mim. Eu nunca te forçaria a nada. Tente deixar tudo de ruim para trás. Mas eu sabia que ela estava revivendo antigos traumas, contudo isso não fazia ser mais fácil. Eu não sabia o que fazer! – Ele vai me machucar! – Bell continuou gritando para os vizinhos. – Se você não abrir agora, vamos arrombar! – berrou alguém do outro lado da porta. – Por favor, me ajudem! – Bell gritou em resposta. – Não! – falei – Eu não vou fazer nada contra ela! – Então abra a porta! – um de meus vizinhos esbravejou. Bell estava no canto da cozinha. Encolhida, amedrontada e trêmula. Caminhei até a porta e abri uma fresta da mesma. Ótimo! Era o meu vizinho que era simplesmente um policial aposentado e outros dois ao seu lado. Eles me olharam da cabeça aos pés. Possivelmente me medindo. Eu era um moleque perto deles. Quase 19 anos, magricela e pálido. Só faltava pegar o meu óculos e atestado de perdedor. – O que você está fazendo com a menina aí? – perguntou o mais velho, que era o policial aposentado. – Nada. Ela tem traumas, está revivendo um. É isso. Eu nunca faria nada a ela. – Precisamos vê-la, rapaz. Precisamos ouvir dela. – disse outro. – Vocês acham que ela vai falar que está revivendo um momento? Ela não tem consciência disso! – berrei em resposta. – Abra agora! – vociferou o mais velho. Sem ter para onde correr, abri a porta completamente. Bell continuou encolhida no canto da cozinha, agarrada ao lençol como se sua vida dependesse disso. Ela não sairia dali, eu sabia disso. Ela não sairia para falar com três homens desconhecidos. – Menina, ele te fez algum mal? – perguntou o policial aposentado, sem entrar na cozinha, parado a uma distância segura. Ela não respondeu. Ela não responderia.


– Vocês não querem mandar uma mulher para falar com ela? – sussurrei – Ela não vai falar com nenhum de vocês. Os três homens me olharam desconfiados e os dois mais novos saíram para chamar alguma mulher, deixando em minha casa, claramente, o mais velho. Entrei na cozinha, ainda longe de Bell. – Moça, você não se lembra de mim? Sou eu, seu Theo. – sorri torto. Bell tremeu. – Theo. – murmurou. – Isso, amor. Theo. Você se cortou? Está doendo? – avancei um passo em sua direção. Ela assentiu. – Acho que sim. Doí um pouco, moço. Suspirei. Era minha Bell de volta. Ou quase. – Posso me aproximar? Posso cuidar de você? Ela estremeceu ao olhar atrás de mim. – Quem são eles, amor? Olhe para trás a menção de “eles” e vi nossos vizinhos ali, os dois outros homens tinham voltado com uma senhora. Senhora essa que naquele momento eu não sabia, mas viria a ser babá de Wendy, minha filha. Mas naquele dia, eu não teria como saber de nada disso. Voltei a olhar para Bell. – Eles são nossos vizinhos, moça. Você gritou e pediu por ajuda. – falei a verdade. – Ajuda? Por quê? – mas antes de terminar de falar ela colocou suas mãos em sua boca – Eu... Eu... Revivi algo ruim, não é? Ela sabia de seus possíveis surtos. A mesma tinha me alertado disso, mas eu nunca achei que seria para ela tão real, fazendo-a até infligir dor em si mesma. Assenti. – Você está bem agora, menina? – a senhora perguntou amavelmente – Precisará de nós? Bell assentiu. – Eu sinto muito. Eu sinto muito. – chorou – Theo nunca faria nada contra mim. – afirmou o que eu já tinha dito. Devagar todos saíram de minha casa. A senhora foi a última e antes de sair, me disse: – Cuide bem dela, rapaz. – Eu cuidarei. – afirmei o óbvio. Nenhum dos meus vizinhos se estressaram pelo acontecido e eu os agradeci depois por isso.


Eram boas pessoas que não questionaram nenhuma outra vez sequer sobre os traumas de minha mulher.

E eu cuidei de Bell. Eu a cuidaria para sempre. A dei um banho calmo e morno, vendo que o corte que ela tinha feito em si mesma foi em sua coxa e, felizmente, foi superficial. Além do banho, a fiz uma lenta massagem para ela relaxar e dormir. Naquele dia eu resolvi dormi no chão do quarto, para ficar perto dela, mas ainda sim nem tão perto. Não poderíamos arriscar caso ela revivesse outro momento indesejado e eu estar por perto. – Eu te amo tanto. – ela sussurrou para mim antes de eu deitar no chão e meu peito apertou. – Eu também te amo muito. Eu achava que eu nunca conseguiria amar outra mulher como amei Bell. Mas eu amei. Tanto quanto um dia amei Bell. E essa outra mulher não foi apenas Wendy. Então, eu ainda perceberia, em um futuro, talvez não muito distante, que para o amor nada é realmente improvável. Ele pode nascer ou aflorar em qualquer lugar, basta você saber olhar com delicadeza para o mundo a sua volta. “Ame as pessoas como se não houvesse amanhã” – Legião Urbana Infelizmente, algum dia, o amanhã, realmente, não haverá. Então, ame agora enquanto ainda pode.


18 Então eu espero Percebi que quando você não quer que o tempo passe rápido, ele passa. Aquela tarde de segunda-feira foi o dia mais rápido da minha vida e me senti verdadeiramente aliviado por poder falar com Chloe sobre Bell. Os dias se passaram rapidamente. As manhãs e as tardes dos dias de semana e sábados eram iguais. Eu continuava sendo o subordinado da ball buster. E não, Chloe Elliott não tinha mudado em nada dentro da empresa, ainda era tão odiada como sempre foi. Todos os almoços daquela segunda em diante Chloe passou comigo e Wendy. Sem reclamar por sentar no chão ou por comer em uma marmita em quase todos nossos almoços. Chloe poderia ser antipática na maioria dos momentos, mas quando ela estava sem sua armadura de mulher impenetrável ela conseguia ser ainda mais linda e eu conseguia me sentir ainda mais apaixonado. Deus, a paixão é realmente algo insano! Eu não estava pedindo por amor no primeiro dia que vi Chloe. Eu não queria outra mulher em minha vida, contudo, quando a vi, eu não poderia negar o que senti. Talvez eu fosse o único tolo desta história. Talvez eu fosse o único que sentisse tanto. Mas eu não me envergonhava disso. Por que deveria? Se apaixonar é tão bom, mesmo se seu coração for quebrado ainda é válido. Melhor sentir a dor de um coração partido do que não sentir nada. Eu não nasci para sentir nada. Eu estava aberto e disponível para um amor leve e simples... Entretanto, Chloe Elliott não é lá muito simples, mas é leve. Sinto por ela algo grande, mas algo leve. Não pesa, não doí e não pede para ser recíproco. Mesmo que não seja, tudo bem, continuarei sentindo. Enfim, nos dias que se seguiram tudo aconteceu como tinha que acontecer. Naturalmente. Eu não pedi para Chloe ir comigo e Wendy em todos os nossos almoços, mas ela mesma se prontificava em ir. Em um determinado dia, ela pediu para eu não trazer a comida. Duvidoso, eu não levei nada para comer e me deparei com uma mesa nova na sala de minha chefe cheia de comida. Sem lactose, é claro. Aos domingos passávamos também juntos. As vezes saíamos, as vezes íamos para casa um do outro. Quando Wendy dormia, ficávamos juntos.


Éramos um casal não definido. Não tínhamos “apenas sexo”, como em diversas histórias por aí. Desde o início eu soube que não poderia ter apenas isso com Chloe. Embora, também, não tínhamos definido uma relação. A EE inteira sabe que almoçamos juntos todos os dias. Noto os cochichos que cessam quando eu entro na copa. Vejo as reviradas de olhos e a malícia das secretárias e demais empregados da empresa. Mas o que eles poderiam dizer, afinal? Que eu estou “comendo” a chefe? Isso não denegri minha imagem em nada e que eu sabia, nem de Chloe. Ela nunca se importou com as conversas a respeito dela, não é agora que começaria a se importar. Ela é a chefe. Não a secretária que tem que se preocupar em ter ou não a imagem difamada por estar “dando” pro patrão. No fim, mesmo sem definir nada, eu e Chloe estávamos bem. Mas eu sentia todos os dias que algo estava errado. Wendy, em um dia, perguntou se Chloe seria sua outra mamãe. “Outra”, porque coloquei em sua cabeça que ela não viria a ter uma “nova” mãe. Sua mãe biológica sempre seria Bell, mas sua mãe de coração e criação poderia ser outra. Wendy queria que fosse Chloe. Eu fui sincero com minha filha ao dizer que não sabia. Eu realmente não sei. Wendy fez uma careta, possivelmente pensando que eu deveria saber de tudo, mas não insistiu mais naquele assunto. Ao menos não naquele dia. Hoje é domingo e eu estou na casa de Chloe. É meio esquisito para mim pensar que um pouco mais de um mês passou tão rápido e eu e Chloe continuávamos bem, ou relativamente bem. Não entrávamos no assunto filhos. Esse é nosso “tabu”, nosso assunto proibido. Seguíamos os dias sem citar sobre adoção ou inseminação artificial. Contudo, há dias que eu sei que Chloe quer falar sobre. Ela quer falar com alguém, talvez apenas esse alguém não seja eu. Outro assunto do qual não chegávamos nem perto é sua depressão. Eu sinto que ela está melhor. Seu humor diário mudou, mais doce, menos introvertida. Mais ela, menos a doença. Ainda sim, não falamos sobre. Quando sinto que ela parecesse pior, eu a abraço e não faço perguntas, digo apenas que estarei ali por ela. Eu estou deitado no sofá. É fim de setembro, mas o dia está mais frio que o normal. Talvez seja por causa do ar-condicionado no mínimo de Chloe. Talvez. Riu enquanto bebo uma cerveja gelada. Há tempos eu não bebo uma cerveja. Nunca bebi muito e nunca fumei em minha vida. É, eu sou bem careta para algumas coisas. Mas quando você se casa jovem e assome uma família cedo tudo muda em sua mente e em sua vida. Você percebe que não é apenas dono de si, mas é responsável por outra pessoa também. Se você não trabalhar, fica com as


contas atrasadas e sem comida em casa. Com isso, certas coisas sempre passaram longe de minha realidade. Mas hoje sou um homem mais velho, com um bom emprego, um apartamento quitado, um carro financiado e algum dinheiro na conta poupança. Não é muito, mas é o suficiente para mim. Wendy tem tudo e acredito que seja o suficiente para ela também. Não vejo no olhar da minha filha o espanto ao notar a diferença de tamanho e elegância da casa de Chloe ao nosso apartamento. Ela pode ser pequena, mas é esperta. Entende que uma casa não se construí apenas com bons moveis, mas principalmente com amor de bons pais ou, no caso, bom pai... Assim eu espero que ela entenda. Chloe se senta ao meu lado no sofá. Sua postura está firme, coluna ereta, embora seu olhar está perdido e há um papel em suas mãos. Coloco a garrafa de cerveja no chão e me aproximo dela. Toco seu ombro com cuidado, receoso. – O que houve, moça? Ela engole em seco e vira seu olhar para o meu. Eu estou sentado de lado no sofá, com uma perna dobrada, para ficar mais próximo dela. – Tem certeza que Wendy está dormindo? Franzo a testa. – Absoluta. Esqueceu que ela dorme como uma pedra? – arrisco uma brincadeira, mas Chloe não esboça nem um sorriso. Noto que sua mão está trêmula e eu deslizo minha mão de seu ombro para seus pulsos. Ela não reclama, deixa que eu a toque sem discutir. Eu estou vestido apenas com uma calça folgada e Chloe está com um vestido branco largo até o meio de suas coxas. É linda de qualquer jeito. Mesmo sem maquiagem ou joias ou salto alto ou cabelo bem penteado. É linda em qualquer hora do dia, com qualquer roupa, mesmo sendo ainda melhor sem. Ajeito meu óculos em meu rosto e continuo fitando Chloe que não diz nada por longos segundos. Eu sei que ela está se concentrando para soltar tudo de uma vez. Eu estou apenas aqui, sentado em seu sofá, a olhando, a admirando e esperando. Porque, bem, é só isso que eu posso fazer por ela agora. Esperar. Chloe respira fundo e balança o papel na minha frente. – É o resultado de um exame. Fico preocupado no ato. – Que exame?


– De fertilidade. – E qual foi o resultado? Percebo a expressão no rosto de Chloe quebrar, como se ela não aguentasse mais esconder aquilo. Então eu espero por gritos. Então eu espero que ela me bata. Então eu espero que ela levante do sofá e quebre alguns vasos. Então eu espero que ela me mande embora. Então eu espero que ela saia correndo. Então eu espero... Mas ela não fez nada disso. Chloe quebra e Chloe chora. Não é um choro belo que vemos nos filmes, daqueles que o nariz e os olhos continuavam impecavelmente iguais. Não é. É um choro de quebrar um coração. É um choro de verdade. É um choro de fazer o nariz escorrer, os olhos incharem e os soluços não pararem. É um choro que me faz ter vontade de chorar também. Wendy não chora muito, mas toda vez que chora eu a nino em meus braços e não digo nada, porque eu sei que talvez amanhã nada melhore, mas eu estarei ali, o tempo que ela precisar. E então eu faço o mesmo com Chloe. Mas não a pego em meus braços como se ela fosse minha filha, a pego nos braços porque ela é minha mulher. Minha moça. Eu já disse isso antes, mas gosto de frisar: ela é minha. Abraço-a e tiro o papel de sua mão. Em meio aos soluços, Chloe diz mais para si mesma que para mim: – Eu sou infértil. Sua voz é entrecortada e é triste de se ouvir, não só pelo conteúdo de sua frase, mas pela dor dela. Então eu espero e eu esperarei o tempo que ela precisar e quiser ficar em meus braços, em seu sofá não muito grande enquanto minha filha dorme no andar de cima.


19 Eu me recuso a ir Wendy fez dois anos no começo de outubro. E eu, pai babão como sempre, quis dar uma festa. Mas invés disso, acabei por optar em sair com ela e Chloe para um parque em outro estado. Tudo foi muito bom. Nunca vi Wendy tão feliz. Nunca vi Chloe tão relaxada. Nunca me vi tão tranquilo em minha vida. Mas a vida nem sempre é boa por muito tempo. Há seus altos e baixos, suas reviravoltas. Até porque, quem gostaria de ler uma história perfeita onde nada dá errado? Não é que deu errado. É que saiu de meu alcance e quando algo sai de seu alcance, você não pode fazer nada sobre. Você fica estático e não sabe como agir diante daquela situação. Engulo em seco quando Chloe me manda embora de sua casa. Séria, falando em bom tom, sem gritar. Chloe não é escandalosa, ela nunca começaria a jogar vasos e copos em cima de mim, mas talvez fosse melhor que ela agisse assim. Melhor que me olhar no olho e me mandar embora. Chloe está sofrendo, eu sei. Percebi que a dose de seu remédio aumentou. Ela não fala sobre isso e eu não me meto. Faço como sempre fiz: a abraço. Mas hoje ela não quer nem isso de mim, hoje ela quer que eu vá embora. Eu estou, em um sábado depois do expediente, em sua casa. Não olho o relógio, mas deve passar das 19h. Wendy está com a minha vizinha. Decidi que queria ficar a sós com Chloe, sem minha filha por perto para sairmos para jantar. Mas, quando chego a casa de Chloe (já passo direto pela segurança) ela me manda embora. Fria, dura e sem um porém. Ela me manda embora. E eu fico ali, estático. E esse é o momento onde tudo sai de meu alcance e eu estou impotente diante da situação. Abro a boca, mas não sai palavra alguma. Fecho os olhos e quando os abro, Chloe continua séria. Dou um passo adiante e ela dá outro para trás. Limpo a garganta, passo minhas mãos em meu cabelo, arrumo meu óculos em meu rosto e dou mais um passo em frente, ela recua outra vez. – Por quê? – minha voz sai rouca, baixa, diferente até pra mim. – Eu não quero mais te ter por perto.


É nesse momento que eu me recuso a ir. Eu sei que não é Chloe em seu perfeito estado falando, noto sua expressão séria demais, mas há algo diferente. Seus ombros estão encolhidos, seus braços se balançam com insegurança. E é aí que eu percebo que ela está mais abatida do que eu poderia imaginar. Menos ela, mais a doença. Ando até ela, seguro seus braços com delicadeza e admiro seu rosto. – Eu me recuso a ir. – digo baixo, manso, não quero que pareça em seu ver que é algum tipo de ameaça. – Theo, por favor, vá embora! Me deixe em paz por um tempo. – Quanto tempo? – Indefinido. A abraço sobre seus ombros. Ela não me abraça de volta, mas não recua do meu toque. – Eu posso ficar aqui calado com você a noite toda. Em pé, se você quiser. Eu não me importo, mas eu me recuso a ir. Não preciso ir para então você perceber que precisa de mim. Posso continuar aqui e fazer você ter consciência disso. – Por quê? – Porque eu te amo e você sabe disso, moça. – sussurro de uma vez no pé de seu ouvido. Chloe me abraça pela cintura. Ela não me responde e eu não peço por isso. Talvez ela não sinta nada por mim, não porque não quer sentir, mas simplesmente porque não sente ou porque a depressão a faz se sentir inapta para o amor. Mas ela não é. Se ela se visse com meus olhos ela veria o quanto ela é bela, carinhosa, boa, engraçada, apaixonante, dedicada, cuidadosa... Claro que Chloe não é apenas isso, ela é mais. Mais irritante, mais arrogante, mais antipática quando quer. Mas mesmo assim eu consigo ver que debaixo da fachada de “megera”, como uma vez Wendy citou, Chloe é perfeita. Ou melhor, imperfeitamente perfeita. Ela continuava sendo um anjo do inferno, mas ainda é um anjo de tão bela e do inferno de tão má. Ela é uma mulher boa sendo ruim, mas há algo bom. Principalmente quando Chloe está fora da empresa. Fora da empresa ela é simplesmente ela. E Chloe, não Sra. Elliott, não é irritante, nem arrogante, muito menos antipática. É simples e bela. Um anjo fora do inferno. Eu sorriu com a boca encostada em seu cabelo loiro. – Eu não mereço. – ela murmura com a voz soando meio abafada. Afasto seu corpo do meu e deslizo minhas mãos em seu rosto. Acaricio suas bochechas e afasto seu cabelo de sua testa, pondo-o para trás e descansando minhas mãos em sua nuca enquanto faço uma massagem leve. – O que você não merece? – questiono.


– Seu amor. Eu... eu não posso bagunçar sua vida. – Você não está bagunçando nada. Você está pondo-a no lugar. Chloe respira fundo e vejo seu olhos marejados. – Eu não posso nem sequer te dar um filho... – Eu nunca reclamarei com você por isso. Além de sangue, à adoção e... – Eu não posso adotar. – ela balança sua cabeça. – Por que não poderia? – Disseram que sou instável demais pra isso. – Quando te disseram isso? – Em um lar adotivo. Há dias. Eles veem toda a ficha do “candidato” e eu tomo remédios controlados ou seja... – Você é inapta para adotar. – conclui por Chloe, que assentiu. A abraço novamente e ela corresponde me segurando forte pela cintura. – Eu sou um fracasso. – ela chora – Nunca poderei ser mãe. A afasto novamente e me ajoelho em sua frente enquanto pego suas mãos e entrelaço com as minhas. – Você não é um fracasso e você já é mãe. Você é mãe da minha filha e parece que não quer notar isso. Ela te ama também e assim como eu ela quer ter você cada vez mais perto e mais presente. – Moça, não se menospreze, você é incrível e nunca será um fracasso. Chloe se ajoelha também e me encara de perto. – Eu não sei o que eu fiz para merecer você e sua filha em minha vida. – Sua filha também. – sussurrei – Você não precisou fazer nada, moça. – Moço, como não te amar? – Chloe vociferou, pois pareceu brigar internamente consigo mesma por admitir tal coisa. Eu sorri. – Demorou para perceber que sou irresistível, não é? – brinco enquanto ela pega minha mão e toca minha aliança. – Eu não quero tomar o lugar de Bell. – Chloe disse cabisbaixa. Há alguns dias eu tinha dito o nome de Bell para ela, contudo Chloe nunca tinha dito em voz alta o nome de minha falecida esposa. Suspiro e pego o rosto de Chloe em minhas mãos. – Você não está tomando o lugar de ninguém. Acredite quando digo que eu não deixaria nenhuma mulher tomar o lugar de Bell. – Então eu estou fazendo o quê?


– Você está preenchendo um espaço vazio no coração de Wendy. Ela ri. – E no seu coração? Eu encosto minha testa na dela. – No meu coração você está criando um novo lugar. – Diferente de sua antiga esposa? – Sim. Próximo do lugar dela, tão grande quanto o sentimento que tenho por ela. Chloe, você não está substituído nada, está acrescentando. Não espero que ela me responda. Me levanto do chão, puxando-a comigo, em meu colo. Quando Chloe deixa ser carregada, meu coração bate mais rápido. Ela está deixando que eu cuide dela. Ela está tentando ficar bem por mim, por Wendy e por ela mesma. Eu sei disso, posso sentir quando percebo sua respiração acelerada e seu coração batendo tão forte quanto o meu. Não levo Chloe para sua cama. Levo para o centro da sala. Jogo a fronha do sofá e as almofadas no chão, pondo-a com cuidado por cima delas. Ela ri e deixa. Me deito ao seu lado e a abraço. Seu rosto descansa em meu peito, sua cabeça sobre meu coração. – Onde está Wendy? – Chloe pergunta. – Com minha vizinha. Vou ligar avisando que não vou voltar hoje.. – Não precisa fazer isso por mim... – intervem Chloe. – Preciso sim. Nesse horário Wendy deve está dormindo de qualquer forma, e agora só acordará amanhã cedinho. – Podemos então ir para a sua casa e quando ela acordar estaremos na porta ao lado. Eu aperto Chloe em meus braços. Eu me recuso a ir, mais uma vez. Tenho receio que ela me abandone, mas concordo em ir para meu apartamento, contanto que ela esteja ao meu lado.


20 Amanhã fico triste Chloe não reclamou por ir para meu apartamento em meu carro. Aviso a minha vizinha que estou em casa, mas ela não se importa em deixar Wendy dormindo em seu apartamento, agradeço por isso e vou para minha casa. Tranco a porta de meu apartamento e ando até meu quarto, encontro Chloe já deitada na cama. Parece tão pequena sendo visto assim, mas eu sei o quanto ela é forte e trabalhadora. Ela está deitada completamente coberta por um edredom e seu cabelo é agora um emaranhado de fios. Só sua cabeça está a vista e seus olhos estão fechados. Meu apartamento inteiro está a meia luz e deixo assim. Chloe parece sentir minha presença, pois abre os olhos e me encara. – Estou tão feia assim? Eu sorriu. – Acredito que você nunca será feia. – Ou você nunca falará isso para mim. – Bem pensado. – tiro meu sapato e camisa rapidamente para me deitar na cama também, deixando meu óculos em cima de uma cômoda – Eu nunca diria que você está feia, mesmo se isso um dia acontecer. Luck, meu gato, mia e só então reparo que ele está passeando pelo quarto. Eu esqueci que o pobre animal existia. Mal penso nele, mas sua comida e leite está sempre sendo colocada por mim. Sem contar em suas necessidades que eu sou o único a tirar e limpar. Até porque eu não poderia achar que Wendy faria isso. Balanço a cabeça e Chloe ri vendo Luck caminhar devagar até sair do quarto. Já estou acolhido com ela embaixo do edredom, mas o deixo no meio de minha cintura, o calor de seu corpo próximo ao meu já me esquenta o suficiente. Ela faz o mesmo e percebo que ela não veste nada além de um lingerie cinza simples. Estamos um de frente para o outro, de lado na cama. Acaricio seu rosto com os dedos e Chloe pega minha mão na sua. Percebo que ela analisa minha simples aliança. Não há ciúmes, nem nojo em seu olhar. Há algo parecido com admiração. – Quando você soube que amava Bell? – a voz de Chloe está baixa e seus olhos estão fixos no meu enquanto sua mão direita segura a minha esquerda.


Suspiro. Como falar sobre sem parecer uma mentira? – Se eu contar, acredito que você não acreditará em mim. – admito. – Por quê? – Porque hoje em dia ninguém mais acredita no amor puro. – Com “puro” você quer dizer sem conotação sexual? Sorriu. – Exatamente! Sinto que nasci no século errado. Eu seria um homem comum no século XIX, mas no século XXI sinto-me patético por acreditar nas coisas que acredito. Chloe se aproxima de mim e beija de leve meus lábios. Em seguida ela larga minha mão e acaricia meu rosto, deslizando sua mão para minha nuca e descansando ali. Eu sinto sua respiração e ouço seu coração... Não posso dizer que seria um homem feliz se morresse naquele segundo, mas seria, de fato, um homem um pouco mais completo. Porque, moças e rapazes, o amor existe. E é algo tão pequeno, tão fácil de ser notado. O amor é tão perceptível que eu não entendo o grande circo que as pessoas fazem sobre ele. Amor é a simplicidade de momentos, sejam ele bons ou ruins. Ou melhor, sejam eles momentos completamente simplórios, como aquele, onde eu sentia sua respiração quente enquanto nossos corações batiam depressa. – Explique-me mais. – Chloe indaga sorrindo. Moça, eu não sou um poeta, mas com você, ao seu lado, eu poderia recitar Shakespeare e criar alguns poemas, agora, só por olhar seus olhos cinzentos brilharem. – Eu soube que amava Bell no segundo que a vi. – E por quê isso te faz diferente dos outros homens? – Chloe quis saber. – Qual outro homem admitiria isso sem ser considerado gay? Chloe riu. – Você tem razão! A essência do amor foi deixada de lado. As pessoas se interessam muito mais pelo tesão do quê o amor e as pequenas outras coisas. Franzi o cenho. – Você está na minha mente, moça? Rimos. – Estou convivendo demais com você! – ela disse de uma maneira pejorativa e eu cutuco sua barriga nua. – Não fale como um insulto! Eu possivelmente sou a melhor pessoa que você conhece. Ela gargalha. – Theodoro não sendo modesto? O mundo está perdido! – ela brincou, mas rapidamente ficou


séria – Qual seu defeito? – Tenho vários, como todo mundo. – Quais? Eu não consegui achar nenhum. – Pense um pouco e você, com certeza, lembrará de algo. Eu não vou ficar manchando minha imagem pra você. Chloe deita de barriga para cima, afastando sua mão de minha nuca. Ela encara o teto enquanto pensa em quais são meus defeitos. Demora longos segundos para ela se virar novamente, rindo e falando: – Você é muito redundante e metafórico! Às vezes é irritante. E você adora poetizar quase tudo! Você tem centenas de manias que nem percebe enquanto faz. Você rouca um pouco, se mexe demais enquanto dorme, bate demais a aliança em tudo que acha e... – Eu entendi! – corto-a rindo – Infelizmente eu ainda não sou um Deus. Chloe deita novamente com a barriga para cima sem me olhar. – Me fale mais sobre o amor pra você e sobre Bell. Imito-a e também me deito com a barriga para cima. Não a olho enquanto pergunto: – Por quê você quer ouvir o Sr. Redundante aqui? – É bom te ouvir. Felizmente sua voz não é enjoada. – O que você quer saber? – Tudo que você quiser contar. – Deus, eu nunca soube o quanto eu queria falar de minha vida para alguém antes daquele momento! E eu, como bom homem redundante e metafórico que sou, conto tudo que me lembrava sobre Bell. Chloe ouve sem interromper. – Como disse, eu a amei no instante que a vi. Impossível não amá-la. Ela era, de longe, a moça mais brilhante daquele lugar. Bell era linda mesmo quando estava tão triste. E ela tentava todo dia acordar bem. Seguíamos uma nota em nossas vidas quebradas. – completo depois de ter falado por mais ou menos meia hora. – Qual era a nota? – Chloe quis saber, virando seu corpo para mim e descansando sua cabeça em meu peito. A encaro enquanto recito com minha voz meio rouca demais: “Amanhã fico triste, Amanhã. Hoje não. Hoje fico alegre.


E todos os dias, Por mais amargos que sejam, Eu digo: Amanhã fico triste, Hoje não. Para hoje e todos os outros dias!” – Quem é o autor da frase? Sabe? – Foi encontrado na parede de um dormitório de crianças do campo de extermínio nazista de Auschwitz. – respondo categórico. Chloe suspira, inesperada com a resposta e beija meu peito, em seguida me abraça com os olhos fechados. Correspondo seu abraço sem hesitar. – Vocês conseguiam seguir essa nota todos os dias? – Chloe quis saber sem levantar sua cabeça para me olhar. Puxo seu corpo mais para cima e ela descansa sua cabeça entre meu pescoço e ombro. Deixo uma de minhas mãos em seu cabelo e outra em suas costas. – Nem sempre, mas tentávamos bastante. Eu continuo tentando muito. Quero que Wendy seja feliz independente dos problemas. – Nem todos precisam viver felizes todos os dias. – ela sussurra. Puxo delicadamente seu rosto para encarar o meu. – Não, nem todos. Mas todos deveriam tentar. Se tentássemos e se víssemos todos os dias como dias especiais, aposto que viveríamos mais felizes. Moça, o mundo já é tão cruel, tão trágico por si só, por que temos que nos deixar afundar? Por que não tentar fazer com quê todos os dias sejam especiais? – Por que não são? A viro na cama e pairo sobre ela. Chloe não reclama, mas também não sorri. – São. Todos os dias são especiais. – Por que estamos vivos? – ela rebate – Por isso todos os dias são especiais? Mas e se estar vivo não for o suficiente? Engulo em seco. – Sempre queremos demais. Podemos ter saúde, dinheiro e fama, mas queremos mais e deixamos de apreciar outras coisas importantes. E não, estar vivo não é o motivo de todos os dias serem especiais. Estar vivo é o principal, mas não é o único motivo. – Quais são os outros motivos então?


– O importante não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida. Chloe ri. – Você está recitando Shakespeare como resposta? Assinto rindo um pouco espantado que ela reconhece de imediato. – Claro! Shakespeare foi um gênio. – Concordo! Mas e se você não tiver ninguém na vida? – Chloe, – digo sério – você pode começar a tentar fazer dos seus dias especiais, porque você me tem, você tem o amor de minha filha também. A vida pode ser uma bola gigante de coisas ruins, mas você tem sim pessoas importantes em sua vida. Ela suspira, sabendo que é verdade e não discorda. – Moço, você me deixou sem resposta. Qual será meu motivo para sofrer agora? – brinca, mas eu sei que ela pensa seriamente sobre o assunto. Entendi, ou achei que entendi, o motivo que fez com quê Chloe se afundasse na depressão: a falta de esperança na vida. Afinal, ela se sentia sem ninguém e quando você se sente sem ninguém, você se sente sem motivos. Dinheiro e ascensão profissional ela já tem, só faltava ter alguém. Felizmente eu estou ali, pronto e apto para mostrar à Chloe que o mundo pode ser melhor do que ela vê. Que há, no fundo, motivos para se ter esperança e que o amor existe e ele está ali, sendo bem servido, sem precisar ser exagerado. Simples, leve e bom, esse é o amor em minha concepção. E ele está ali entre nós, como uma linha espessa. – Amanhã fico triste. – Chloe sussurrou tão baixo que mal ouço. Meu coração se aperta e bate mais rápido por ouvir isso. Ela tentaria. Ela via em mim e em Wendy pessoas que davam razão para ela continuar e tentar ficar bem. Chloe me puxa pela nuca sorrindo, mesmo estando com os olhos marejados e me beija desesperadamente. Eu retribuo sem hesitar. Afinal, amanhã ficaríamos tristes. Hoje não. Amanhã.


21 Felicidade nas coisas pequenas Achar felicidade nas coisas pequenas é quase como um jogo dos sete erros. Você vê uma cena e a outra parece exatamente igual, mas dentro da segunda cena há erros. Achar os erros é o seu dever. Sim, sou metafórico demais, Chloe tem razão. Mas o que quero dizer é que quando você vê, por exemplo, um dia de chuva, quando você está no meio da rua, sem carro e sem estar perto de casa, tudo parece ser um caos, contudo, seu dever é achar não somente sete “erros”, mas vê naquele dia que poderia ser ruim, coisas boas. No caso não seria achar os erros, mas conseguir ver na cena onde tudo parece ser um caos, algo bom. E é daí que a felicidade nas coisas pequenas surge. Sem dificuldade você percebe que o mundo não é um amontoado de cenas com erros, mas um amontoado de cenas dribláveis quando se tem humor para encará-los de uma forma diferente. Eu não gostaria de ser imortal, pois se eu fosse, eu não veria o dia de hoje como um bom dia, porque teria uma infinidade de outros dias iguais. Entretanto, saber que um dia eu morrerei faz com quê eu veja o dia de hoje de uma maneira branda e positiva. Eu estou agora em um parque não muito longe de minha casa, Chloe e Wendy estão comigo. Chloe deixou seu carro na garagem de meu prédio e eu o deixei lá também, querendo andar com as meninas um pouco... Contudo, eu não poderia imaginar que um dia de sol se transformaria em um dia com uma chuva tão forte. Eu já estou ensopado, em dois segundos na chuva. Vejo Chloe tentando proteger Wendy da chuva, mas Wendy ri e Chloe procura com o olhar algum lugar para se abrigar... Mas já estamos tão molhados que eu não vejo sentido em correr e nos esconder da chuva. Claro que não quero ficar muito tempo tomando chuva e arriscar não somente a minha saúde, mas as das moças também. Longas semanas haviam se passado e Chloe, mesmo tendo passado muito tempo comigo, ainda não pareceu aprender como eu via o mundo. Seu olhar está indignado com o tempo e a chuva que bate forte sobre nós. Mas o que poderíamos fazer? Quem poderíamos culpar quando não há ninguém para tal coisa? Eu ri quando Wendy saiu da proteção de Chloe e começou a dançar na chuva. Chloe me olha como se eu fosse louco. Talvez eu fosse... – Você vai deixar ela se molhar desse jeito? – o olhar que minha moça me dá é de arrepiar, mas


eu sorriu. – Só um pouco. – admito. – E se ela gripar? – Cuidaremos dela. – rebato, mas vendo que Chloe continua com a expressão de revolta, concluo – Não vamos ficar aqui por horas, só um pouco. Tudo bem? Wendy continua dançando na chuva com sua roupa de, o que eu acho ser, Cinderela. Chloe a vestiu e arrumou seu cabelo, mas agora seu vestido está encharcado e grudado em seu corpinho e seu cabelo está uma bagunça. Estamos embaixo de uma árvore, o que aplaca um pouco a chuva forte, mas só um pouco. Afinal, como disse, estou encharcado também. Eu visto uma camisa preta de mangas curtas e uma bermuda jeans. Péssima escolha de roupa para uma manhã de domingo tão chuvosa. Mas como eu poderia prever o tempo e suas mudanças climáticas? Chloe veste um vestido amarelo, como o de Wendy e longo. Seu cabelo está solto e bem esquisito devido a chuva que o molhou. Chloe pode ser facilmente considerada como muito sexy naquele momento. O vestido é de um pano fino e está grudado em seu corpo, mas não de uma maneira indecente, contudo, sexy. Não marca nada demais, mas deixa suas curvas mais sensuais. Minha moça abre a boca para reclamar mais sobre a chuva e todo o mal que poderia vir a acontecer, principalmente com Wendy, quando a mesma, pega sua mão e a puxa para dançar também, dizendo: – Vem, mamãe. E então, qualquer gelo que poderia haver no coração daquela ball buster antipática é quebrado e naquele instante ela se torna apenas um anjo. Chloe me encara com os olhos instantaneamente marejados, sem ação, em puro choque e eu riu antes de pegar sua outra mão e a puxar para dançar também. Ou melhor, rodopiar, não dançar. – Vai negar um pedido a sua filha? – digo no ouvido de Chloe. Ela balança a cabeça, negando e eu largo a sua mão quando ela começa a rodopiar na chuva com nossa filha. Eu disse, há felicidade em qualquer lugar. Sempre há esperança, basta deixar seu coração aberto para a felicidade nas coisas pequenas. Eu gargalho quando vejo Chloe não sentir mais “medo” da chuva e deixá-la molhá-la sem dó. Quando Wendy cansa de rodar, poucos minutos depois, percebo que o sol está em conflito com a chuva.


Puxo Chloe pra mim e a beijo na chuva. Oh, eu tinha que fazer isso, não é? É simplesmente a cena mais clichê de todas, menos é claro que há uma criança entre nós, pedindo para ser carregada. Chloe não hesita em me beijar fervorosamente. Suas mãos descansam em minha nuca e as minhas em suas costas, um pouco acima de sua bunda. É um beijo, com jeito de abraço. Delicado e aceitável para menos de 3 anos verem. Sinto o gosto de seus lábios, tanto quanto sinto a chuva entre nós. Nossas línguas exploram uma a outra, como se fossemos, para o outro, novidade. Mas estar com Chloe parecia sempre uma novidade. E a beijo assim, com uma promessa silenciosa de amor e simplicidade. Ela retribui da mesma forma. Não me pede nada, mas diz, sem palavras, que aceita tudo que eu possa dar. Se amor não é isso que está fazendo meu coração bater desenfreadamente, eu não sei nada sobre a vida. – Eu te amo, moça. – sussurro para Chloe antes de me afastar e pegar Wendy no colo. – Eu amo vocês. – Chloe, me impressiona ao falar isso olhando de mim para Wendy. – A gente te ama também, mamãe. – minha pequena diz, estendendo os braços para Chloe. Não preciso citar que Chloe a pega no colo com os olhos, mais uma vez, marejados. Realmente, se isso não é amor, eu devo parar de digitar, porque não sei de nada e preciso aprender antes de falar sobre. A chuva tornou-se um chuvisco leve e o arco-íris está lindamente exposto no céu. Aponto para cima para as moças verem, e elas sorriem. Queria poder dizer a Chloe que a vida é como a chuva. Vem forte, as vezes derrubando muros e alagando lugares, sobretudo, ela não dura para sempre. Em algum momento a chuva passa, dando lugar ao sol, talvez forte ou nem tanto. Mas uma hora ela passa. E essa é a questão. A chuva pode durar dias que para quem a sente parece interminável, mas se olharmos para esses dias de chuva como dias ruins, será mais difícil enfrentá-la. Cabeça erguida, mesmo nas chuvas da vida. Coração aberto a espera do sol. E felicidade nos dias de chuva, para transformá-la, em sua concepção, em algo bom. Afinal, em algum momento ela teria que cair, seja forte ou não. Saiba enfrentar a chuva, mas saiba principalmente amar o sol. E eu não posso esquecer de dizer: esperança. Tenha esperança. Alguns dias de chuva só querem anunciar o arco-íris. Engulo todas as minhas possíveis palavras. Chloe, com certeza, diria que eu estou, como sempre, tentando soar poético e metafórico e redundante – e estou mesmo -. Mas não disse nada


disso não porque ela não gostaria, mas porque percebo enquanto ela e Wendy admiram o arco-íris, que Chloe já sabe de tudo isso. Talvez eu estou errado enquanto digo, embora, o olhar da moça é nada menos que admiração e paz... Acredito eu, que ela percebe a felicidade nas pequenas coisas da vida. Porque há, mesmo quando não parece haver. Mas eu não preciso dizer isso, Chloe tinha que perceber sozinha o quanto vale a vida ser bem vivida. “Enquanto há vida, há esperança” – Stephen Hawking


Bônus Sutileza dos Detalhes Vivemos a vida numa correria sem fim, deixamos de apreciar a sutileza dos detalhes a nossa volta por mera questão de pressa. Pressa para chegar a determinado lugar ou simplesmente pressa para viver tudo enquanto pode, como se aos 30 anos fossemos morrer. E era claro que isso realmente poderia acontecer. Eu poderia morrer hoje, nos meus 25 anos e meio. Mas não era por isso que eu viveria com pressa. Eu queria viver bem e aproveitar de uma boa maneira. Eu não precisava ir para milhares de festas, pegar centenas de mulheres, beber e fumar para ser feliz. Infelizmente ou não a realidade da minha vida não permitia que eu vivesse dessa maneira. Eu me sentia imortal ao olhar para Wendy, tão pequena, tão frágil e tão dependente de mim. Wendy só tinha a mim e eu só tinha a ela. Li em algum lugar que para sermos imortais precisávamos fazer uma das seguintes três coisas: plantar uma árvore ou ter um filho ou escrever um filho. Eu era imortal duplamente. Já tinha plantado algumas árvores e tinha uma filha... Algum dia eu criaria coragem e escreveria um livro. Não precisava ser um autoajuda para ajudar, mas algo que fosse verdade, algo que tocasse alguém. Talvez eu nunca fosse um dos mais vendidos, talvez tivesse que dar, de graça, por não conseguir vender, mas se algo que eu escrevesse tocasse alguém, já seria o suficiente. Há pouco tempo minha esposa morreu. Eu não tinha família, eu não tinha muito dinheiro, eu não tinha um carro. Tudo que eu tinha de imóvel era um apartamento, felizmente quitado. Mas isso não se comparava a Wendy. Nada poderia ser comparado a Wendy. Toda vez que ela chorava por horas a fio, eu ficava entre uma linha tênue com vontade de chorar e sorrir. Deus, eu tinha em meus braços minha filha! Minha. Nada, nunca, seria comparado ao que eu sentia em meu coração quando a olhava, mesmo quando ela chorava muito. Quando eu tinha Wendy em meus braços o mundo tornava-se pequeno e oscilante. Nada era mais importante que aquilo. Eu não tinha muita comida em casa, mas para ela eu tinha. Eu não morava no melhor bairro, mas serviria. Eu não tinha muito dinheiro, mas por ela eu conseguiria. Eu não era ninguém, eu era simplesmente mais um no mundo, mas quando eu olhava para Wendy


eu me sentia indo além. Eu era pai! Eu poderia ser comum, mas era pai e não, nenhum dinheiro no mundo superaria aquele sentimento. E então, com um pouco de experiência de vida que eu tinha, talvez, fosse útil para ajudar alguém. Enquanto pensava nisso eu vi a mulher que havia me deixado destruído desde quando seu olhar cravou no meu pela primeira vez: minha chefe, Chloe Elliott. Eu estava em experiência no trabalho, ainda não tinha nem sequer completado um mês e eu estava tenso. Eu e a Sra. Elliott (eu não entendia porquê ela quis ser chamada de “senhora”) não tínhamos muito contato, eu fazia o que ela mandava e quando acabava a entregava. Claro que isso deveria ser o certo, deveria ser considerado uma boa relação entre empregado e patroa, porém, desde o dia da entrevista eu queria poder estar mais perto dela. Oh, eu entendia o quanto era estúpido pensar nisso. Eu entendia o quanto era surreal querer estar próximo de uma pessoa que não te dá a mínima. E o mais estúpido e surreal era sentir aquele indício de paixão por alguém que eu mal conhecia. Sim, bastante fictício no século XXI. Mas eu não conseguia me sentir diferente. Eu queria estar perto dela, mesmo sem saber como. A Sra. Elliott parecia tão segura de si, contudo quando eu a olhava sem ela esperar, eu via um vislumbre de cansaço em seu olhar. Não um cansaço do trabalho, mas parecia um cansaço da vida. Ela suspirava profundamente muitas vezes quando achava que ninguém estava por perto e encarava o chão. Eu entendia que parecia paranoia minha, porém, a moça parecia triste. Triste todo dia. Ninguém era feliz todo dia, eu sabia, mas triste todo dia também não. A tristeza e a alegria estariam sempre em nós, mas diferentemente da alegria, a tristeza poderia vir fácil e ficar. Contudo se ficava todo dia não poderia ser bom sinal. Eu não queria pensar nisso. Eu deveria imaginar coisas demais sobre Chloe ou melhor a Sra. Elliott. Ela estava ali, dentro do elevador, sozinha, sem me ver chegar porque olhava para o chão e limpava suas mãos em sua saia. Tentei chamar sua atenção, mas ela não ouviu e a porta do elevador fechou antes que eu conseguisse entrar com ela. Tive vontade de xingar, mas resolvi descer as escadas pois hoje estávamos no terceiro andar. Desci o primeiro lance devagar, porém depois comecei a correr querendo chegar mais rápido que o elevador que Chloe estava. Ou eu corri muito rápido ou o elevador parou nos outros andares, porque quando cheguei ao térreo a porta do mesmo ainda não tinha aberto. Então, corri mais um pouco, para fora do prédio.


Reparei nos olhares furtivos de praticamente todas as pessoas para mim, menos uma senhora que limpava uma das janelas do prédio, ela parecia sorrir. Balancei a cabeça sem entender o porquê do sorriso dela, mas concluí que só poderia ser porque eu parecia um tanto quanto louco correndo de terno e gravata para fora do prédio. Eu suava quando comprei uma rosa negra com um floricultor chamado Dean, ele explicoume que aquelas rosas eram raras e que só ele conseguia cultivá-las em nossa região. O homem deveria ser um pouco mais velho que eu e parecia saber exatamente a hora de aparecer. – Você trabalha na rua? – perguntei a ele. – Não, tenho uma floricultura, mas às vezes gosto de andar por aí. Eu sorri. Descobri pouco depois que ele era pai de um menino já crescido, na faixa dos 5 aos 10 anos. – Ela está vindo. – Dean apontou com um gesto de cabeça para Chloe que falava com a senhora que estava sorrindo e limpando a janela. – Como você sabe que eu vou dar a rosa pra ela? – questionei. Dean me encarou com seu olhar escuro e tocou meu ombro com a mão livre. – Eu sei como é amar uma mulher como ela. Sua resposta não foi o que eu esperava, mas então reparei que minha patroa era a única mulher jovem preste a sair do prédio. Não poderia ser muito difícil supor que era ela a mulher para a qual eu daria a rosa negra. Porém como assim “uma mulher como ela”? Dean me deu tchau ainda sorrindo e se afastou. Demorei para entender, mas era como se eu e ele fossemos de um clube seleto de homens raros que amavam mulheres difíceis. Éramos os homens que amavam demais. Éramos pais de família, um secretário (algo praticamente raro, ao menos em meu prédio) e um floricultor. Assim como eu, era fácil perceber, mesmo que ele não falasse nada, que era um homem que amava alguém. Eu ri pensando o quanto nasci no século errado. Com a rosa negra na mão vi Chloe saindo do prédio, com a cabeça erguida e o olhar impassível. Fiquei feliz que ela não desceu direto para a garagem, se não, minha corrida não teria valido em nada. Me aproximei dela, devagar, receoso. – Tudo bem? – falei baixo. Chloe virou a cabeça para me encarar e por um segundo me arrependi de ter falado com ela.


A moça olhava-me como se quisesse invadir minha alma e deixava claro em seu gesto que não queria papo furado. Ela virou o rosto e começou a andar para o lado oposto de mim, provavelmente indo a algum restaurante próximo. A segui em alguns passos até ela parar e me encarar novamente. – O que você quer, Theodoro? Engoli em seco. Eu não poderia perder aquele emprego. Eu não poderia parecer um puxa saco, mas eu queria tanto vê-la bem... Sem falar nada, sorri amplamente e lhe entreguei a rosa negra. Chloe franziu o cenho e olhou de mim para a rosa como se fosse algo anormal, mas aceitou-a. Eu assenti e me virei, fazendo o caminho oposto. Eu não me virei para olhar o que Chloe fez, mas percebi antes de ir embora que seu olhar antes cansado e impassível tornou-se admirado e seu rosto antes duro tomou-se em uma expressão mais suave. Ela não sorriu, não pelo que vi, mas ela agradeceu sem precisar dizer nada, apenas por parecer ficar melhor com um sutil detalhe que era aquela rosa negra rara. E então, a partir daquele dia eu arregacei as mangas para começar um trabalho além do profissional. Um trabalho que seria fazer Chloe Elliott sorrir e ficar bem enquanto eu estivesse por perto. Porque talvez eu não pudesse ajudar a todos, mas poderia tentar ajudá-la, mesmo sem saber ao certo como. Talvez um dia uma rosa, no outro um buquê. Metaforicamente falando. E assim os dias seguiriam. Comigo, como sempre, tentando e com Chloe, como sempre, recuando. Mas moça, um dia eu tiro um sorriso seu. E quem sabe umas gargalhadas?


22 Com Chloe eu transbordo Chloe gargalha enquanto me vê com os olhos marejados. Nunca peça a um homem que gosta de animais para assistir Marley e Eu sem se emocionar. É impossível! – Como vocês conseguem ser tão insensíveis? – limpei uma lágrima marota que pendia a descer. Wendy está no colo de Chloe abraçada a Luck na sala de nosso apartamento e ri também. – Como você consegue ser tão sensível? – Chloe rebate me cutucando com um dedo. Os créditos do filme estão subindo e eu ainda estou meio abalado com o final. Essa deve ser a terceira ou quarta vez que assisto Marley e Eu, mas eu não consigo deixar de me emocionar. – Marley morreu! – praticamente gritei e as moças riram mais, até Luck mia – Ele passou uma longa vida ao lado da mesma família. Aprontando ou não, mas foi amável demais. Reviro meus olhos. Chloe ri mais. – Você chora com Titanic também? Encaro-a e franzo o cenho. – Você não? – ela balança a cabeça negando – Você não é uma mulher normal. Mas não, com Titanic não choro. Só com Marley e Eu... – E Peter Pan. – Wendy complementa e eu engulo em seco. – Sim, Peter Pan também me faz chorar. – admito, mas não é pelo filme em si, como Wendy acha, mas por me lembrar de Bell. Chloe entende isso e acaricia minha nuca. – Com Peter Pan eu também choraria. Wendy sai do colo de Chloe pulando e puxando Luck pela casa, brincando com ele. Eu fico quieto e encaro a tevê vendo os créditos finais acabarem de uma vez. Sinto Chloe se aproximar ainda mais de mim. – Você está bem? Assinto, mas não a olho. Ela puxa meu rosto delicadamente para encará-la com suas mãos em minhas bochechas. – Diz.


Eu não queria dizer aquela verdade que eu estou engolindo a dias. Eu não quero falar sobre mim! Essa história não é sobre mim triste, é sobre fazer Chloe ficar bem, é sobre um amor que ajuda, mesmo sendo aparentemente rápido e simplório demais. Não, não é sobre mim triste! Chloe beija delicadamente meus lábios e descansa sua testa na minha. Fecho meus olhos e suspiro fundo. – Você sempre me ajuda em tudo. Não acha que eu posso te ajudar em algo? – ela diz – Talvez eu não possa tirar sua dor de você, mas posso tentar amenizar. – Você já ameniza estando aqui. – Moço, eu não vou forçar. Mas saiba que se quiser pode falar comigo. Eu suspiro novamente e afasto meu rosto do dela. Estamos sentados no chão da minha sala e então eu descanso minha cabeça no sofá, ainda com os olhos fechados, pergunto em um sussurro: – Como você percebeu que eu estou diferente? Sinto Chloe descansar a cabeça em meu ombro e suas mãos me abraçarem com delicadeza, retribuo a abraçando também. – Você parece tão empenhado em me fazer ficar melhor que as vezes acho que faz isso para si mesmo, tentando se ajudar. Entende? Você continua igual, na verdade, mas sinto que há algo que não quer me contar ou não consegue. Outra lágrima desce de um de meus olhos e dessa vez não foi por lembrar do filme, mas por lembrar da vida ou melhor dizendo, a falta dela. – Lembra do dia que você me mandou embora e eu disse aquela nota sobre amanhã ficarmos tristes? – abro os olhos para ver se Wendy não está por perto. Chloe levanta a cabeça de meu ombro e me encara. Seu olhar, ao tocar nesse assunto, não torna-se desolado como imaginei que ficaria, continua como sempre, mas com um toque triste. Ela assente, era uma pergunta retórica, obviamente ela lembrava daquele dia. – Então, aquele dia fazia dois anos da morte de Bell. Percebo que ela engole em seco. – Por que você não me falou no dia? – Você me merecia bem e você me fez ficar bem. Acredite aquele dia não foi tão difícil quanto eu achei que seria. É verdade. Aquele dia foi menos pior por poder conversar com Chloe sobre Bell e poder sentila perto e fazê-la ficar bem. É bom fazer Chloe sorrir, ainda melhor fazê-la feliz, assim eu me sinto feliz também. Hoje é um domingo à tarde nublado. Os dias pareciam dar um salto. O sábado que tomamos chuva aconteceu há semanas e consequentemente o dia que Chloe descobriu que era inapta para


adotar a mais tempo ainda. – Você já levou Wendy ao cemitério? Encaro Chloe com os olhos arregalados. – Não, eu mesmo só fui uma vez. – Por quê? – Já doí tanto todos os dias, lá deve ser ainda pior. – Moço, – Chloe sussurra – você não acha que tem o direito de sofrer muito por um dia ou dois? – Não! – respondo rapidamente – Eu não acho que isso seria bom. Chloe olha para trás, constatando que Wendy não está perto volta o seu olhar cinzento para mim. – Eu nunca perdi ninguém. Eu não sei a dor que você sente, mas Theo, guardá-la não ajuda em nada. As vezes temos que quebrar alguns copos e vasos de raiva da dor. – Raiva da dor? – sorri sem mostrar os dentes. Chloe deu de ombros. – Eu tenho raiva quando sofro. Raiva por me sentir imponente sobre aquele sentimento sofrível e insuportável. E eu entendo que sofrer muito em um dia não fará com que no outro você sofra menos, mas, ao menos, você não guardará nada e a cada dia será mais fácil para aguentar e viver bem como você já faz. Só que diferentemente do que você faz, você se deixará sentir. Sorri. – Desde quando você se tornou tão poética? Chloe ri, mas fala sério: – Você entende de viver bem e feliz, mesmo na simplicidade. Eu entendo de viver com uma dor e sofrer, mesmo tendo, praticamente, tudo. Você entende dos sentimentos bons e eu entendo dos sentimentos ruins. – Você está me dizendo para ficar triste? – franzi o cenho rindo sem humor. – Não, eu estou te dizendo para sentir. A tristeza é tão necessária quanto a alegria, mas com você eu entendo que não podemos nos deixar ser alagados pela tristeza, mas sim transbordados pela alegria. Eu sorri, um sorriso mais amplo de dias. – Ficar muito comigo está te deixando poética demais. – ela me bate de leve no braço. Eu a beijo, sentindo seu gosto bom e reconfortante. Minhas mãos entrelaçaram em seu cabelo fino e as dela descansaram em minha nuca. Quando me afasto de sua boca, digo: – Eu já era completo sem você, moça... Mas com você eu transbordo.


Chloe sorri fazendo meu pobre coração bater desenfreadamente. – Com você eu também transbordo. Rimos. Parecia bobagem, mas não é. Estávamos admitindo que o outro é a nossa alegria que não nos completa, mas nos transborda. O que é ainda melhor. Você prefere ser completo ou transbordado? Aviso: não procure alguém para te completar. Porque completo já somos. Faça como eu e Chloe. Procure alguém que te transborde de alegrias. Bem, como disse, eu já era completo, Wendy me deixa assim, contudo, com Chloe a alegria foi facilmente redobrada. Com Chloe eu transbordo.


23 Bell, você se orgulha de mim?

Chloe insistiu que fossemos ao cemitério antes desse domingo acabar. Inicialmente eu neguei, rebatendo que isso não seria bom, entretanto de tanto ela falar eu decidi ouvi-la e ir até o cemitério. Agora estou em frente a lápide de Bell com Chloe, Wendy e Luck, nosso gato, ao meu lado. “Aqui jaz Bell Gissoni. Diante da vida cruel, foi a melhor pessoa que poderia ser.” Li e reli a única frase que consegui pensar para pôr em sua lápide há dois anos. Bell, depois de se casar comigo, tirou o sobrenome de seus pais. Ou seja, ela foi apenas Bell Gissoni e eu e Wendy somos apenas Gissoni também. Eu não tenho outro sobrenome. Ajoelho-me no grama do cemitério, pouco me importando de sujar minha calça e fico ali encarando aquela lápide enquanto penso em minha falecida mulher. Bell não mereceu nada que lhe aconteceu. Bell foi uma vítima como tantas outras mulheres. E como tantas outras mulheres ela venceu. Morreu jovem, mas se fez imortal ao ter Wendy. Bell teve coragem e força para enfrentar comigo um relacionamento, mais força e coragem ainda para enfrentar uma gravidez. Bell não foi apenas uma. Bell foi a melhor pessoa que eu poderia ter conhecido. E Deus, eu espero que eu tenha sido um terço de bom para ela quanto ela foi para mim! Eu sei que a ajudei a domar seus traumas e a aliviar suas dores internas. Eu sei que eu ajudei. Eu a cuidei e a amei e faria exatamente isso com Wendy. Wendy cresceria tendo em mente que não poderia receber de nenhum homem nada abaixo do melhor. Wendy iria, um dia, conhecer alguém e amar alguém. Ele poderia ser ainda mais humilde financeiramente que nós éramos, ele poderia trabalhar por 8 horas e ganhar um salário-mínimo (o que não dá para muita coisa). Sim, o homem que Wendy viria, um dia, a conhecer poderia ser pobre, simples e até vesgo, mas ela não o escolheria por isso. Eu estou criando minha filha como uma princesa para que no futuro ela ache seu príncipe e que ele, sendo pobre ou não, a trate como ela merece. Nada abaixo do melhor. Minha filha teria em mim um exemplo de homem e ela não procuraria nenhum homem arrogante e prepotente por aí. Ela procuraria o melhor para si. Aquele homem que poderia ser chamado de “maricas” por ser delicado demais. Aquele homem verdadeiro e que soubesse respeitá-la em todo e qualquer momento mesmo que ela crescesse e fosse mimada demais.


Wendy não sofreria como Bell sofreu. Eu a criaria para ser a melhor pessoa que ela poderia ser. Como sua mãe foi. Wendy teria uma vida fácil e feliz. E ninguém, nunca, a machucaria. Eu não deixaria. Bell foi especial. Não foi a mulher que você olhava duas vezes na rua, mas foi a mulher que uma só olhada bastava para saber o quanto ela tinha algo diferente. Não por ter sofrido, mas por ter enfrentado. Minha falecida esposa sofreu abuso, mas ainda sim me aceitou em sua vida. Minha falecida esposa não tinha família que a educasse, mas sozinha ela aprendeu como ser uma dama. Não uma dama por cruzar as pernas ou vestir vestido. Mas uma dama por ser boa sem pensar duas vezes. Uma dama por sorrir mesmo estando quebrada. Além de uma dama, uma mulher forte. Forte o suficiente para não desistir da vida. Não desistir de mim, mesmo nos dias que ela não queria me tocar, ela ainda sorria. Muitas moças como Bell existem no mundo. Especiais não pelas dores, mas por enfrentá-las. As “Bells” pelo mundo não são, nunca, culpadas. Essas moças são as vítimas que não se vitimizam, mas que são, a cada dia, o melhor que podem ser. Com, agora, as mãos na grama do cemitério, eu choro. Não um choro bobo de uma e duas lágrimas, mas um choro profundo de soluçar e estremecer. Bell, você se orgulha de mim? Eu estou fazendo o certo por nossa filha? Eu estou fazendo certo por Chloe? Bell, eu amo Chloe também. Tanto quanto amo você, moça. Eu estou acertando com ela? Será que estou ajudando-a tanto quanto ela está me curando? Talvez não exista o céu e Bell não seja nada além de ossos enterrados embaixo de mim, contudo, eu a sinto em meu peito e eu espero que, se o céu existir, que ela olhe por mim e se orgulhe de mim. Estou tão inerte em meu choro que não sinto quando Chloe me abraça de um lado e Wendy de outro. Nosso gato fica próximo de meu rosto que está, por sua vez, próximo do chão. Estou quase deitado no chão do cemitério e não me importo. Sinto enfim as lágrimas de Chloe em meu braço e ouço o choramingo baixo de Wendy. Sei que minha filha não entende tudo, mas sabe que aquela é sua mãe, porém que Chloe é a viva. Não uma substituta, mas um acréscimo. Ninguém diz nada enquanto Luck mia. Nós três choramos. Cada um sentimento sua própria dor, mesmo Wendy que é tão pequena. Eu choro por Bell, minha falecida esposa e por tantas moças pelo mundo que passaram o mesmo que ela.


Sei que Chloe também chora por essas moças. Não precisa passar pelo mesmo para se ter empatia. Wendy chora porque nunca me viu chorar e chora por saber que aquela é sua mãe. Ela é jovem demais, mas é esperta demais também. Minha menina é doce e sofre tanto quanto eu. O mundo é um amontoado de dores diversas. O mundo é injusto, é triste, é perverso, mas eu não quero viver vendo esse lado dele. Eu acordaria amanhã melhor e pensaria que vale a pena viver nesse mundo tão avesso a quem eu sou. Porque há pessoas lá fora que valem a pena. Há pessoas boas tanto quanto há as ruins. Há pessoas boas, há momentos perfeitos, há alegrias incontáveis também. Hoje eu me deixo chorar. Hoje eu me deixo ficar triste. Hoje eu me deixo sofrer. Mas isso não me dominaria. Amanhã eu seria o mesmo “bom moço” de sempre. Mas, agora, chorando com as mãos e joelhos na grama do cemitério eu entendo Chloe. A dor é grande e perversa, mas ela, como a alegria, deve ser sentida, mas não deve ser vivida. A dor merece ser sentida como algo passageiro. A dor que eu sentia hoje daria lugar a mais alegria amanhã. Eu tenho Wendy e Chloe em minha vida. O que mais eu poderia pedir? Luck mia. É, eu tenho um gato preto também. Minha vida poderia não ser perfeita, mas eu a viveria como se fosse, pelo simples prazer de viver mais um dia. Sim, ter uma vida saudável não é o suficiente para ser feliz, embora ter pessoas que você ama ao seu redor, é. Eu sou feliz por Wendy e Chloe... E Luck. Sou feliz por tê-las e faria da vida delas o mais feliz possível que eu conseguisse. Entretanto, hoje eu choro ainda me perguntando se Bell se orgulha de mim... Porém sentido as mãos carinhosas de Chloe me dando conforto enquanto também chora, ouvindo e sentindo Wendy apertando um de meus braços em um choramingo e enfim ouvindo Luck miar alto entre nós, eu sinto que Bell se orgulharia do homem que sou pelas pessoas que tenho. Naquele segundo entre a dor e a reflexão eu sei que tenho que dar um passo – largo – a diante.


Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de dezembro de 2014, cerca de um quarto dos adultos relatam ter sofrido abuso físico quando criança. Destes, 1 em cada 5 mulheres e 1 em cada 13 homens foram abusados sexualmente na infância. A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por sua vez, em pesquisa divulgada no mesmo ano, revelou que mais de 5 milhões de brasileiros foram vítimas de abuso sexual durante a infância. Dentre os casos, a maioria apresenta como agressor um parente, um amigo próximo à família ou um desconhecido. Em 2012, o sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), do Ministério da Saúde brasileiro, já indicava que o Abuso Sexual consistia no segundo tipo de violência mais comum contra o infanto. Os dados apontam ainda que cerca de 22% das agressões envolveram menores de 1 ano de idade. Ouviu ou viu algum caso de estupro ou abuso? Procure o Conselho Tutelar e/ou a Delegacia mais próxima. A CULPA NUNCA É DA VÍTIMA!


24 No que você precisar É dezembro e eu estou me sentindo incerto. Eu já estou decidido há semanas sobre meu “passo largo”. Ou talvez não fosse tão largo assim, depende muito da resposta. Entretanto, estou incerto também sobre meu trabalho. Todos da empresa já sabem sobre mim e Chloe. Não nos beijamos, nem nada na frente de ninguém, mas saímos sempre juntos e, as vezes, chegamos juntos também, logo seria óbvio os boatos tornarem-se afirmações. Esse não é o problema, na verdade. Chloe da empresa para dentro continua sendo a Sra. Elliott e eu continuo sendo apenas mais um. E esse também não é o problema. O problema é que me sinto incerto sobre ser o secretário. Eu estou em um momento de minha vida que me sinto saturado onde estou. Me formei em administração para em um futuro abrir uma empresa e eu sei que não poderia vir a acontecer de um momento para o outro, ainda não tenho dinheiro para isso... Porém esse também não é o problema real. É que eu além de me sentir incerto sendo um secretário, me sinto um tanto quanto inútil. Gostaria de poder agora mudar e começar outra coisa. Não ficar em um emprego que me satura vestindo uma roupa que me desagrada. Ouço Chloe pigarrear e enfim noto que estou encarando a tela de meu computador e ela está parada na frente de minha mesa. – Algum problema? – ela questiona. Penso em dizer que não, mas minha expressão demonstraria o contrário. – Sim. Ela sussurra sendo naquele instante minha moça, não a Sra. Elliott: – Quer falar sobre? Assinto. Não sei se devo, mas quero falar sobre. Com quem mais falaria? Entramos em sua sala e depois de fechar a porta nos sentamos no sofá. – O que houve? – Chloe pergunta tocando meu rosto delicadamente com sua mão. Quando estou preste a abrir a boca e falar que me sinto sem ter certeza de muitas coisas, alguém abre abruptamente a porta do escritório de Chloe, fazendo nós nos levantarmos do sofá em um rompante. – O que você está fazendo aqui? – Chloe chia, estressada com o “invasor”.


– Eu ainda sou o dono da EE; esqueceu? – o Sr. Elliott, pai de Chloe vocifera e me encara com uma expressão de nojo. – Sim, mas... – Vamos conversar. Agora! – exige seu pai a cortando e explicitamente me expulsando da sala com seu olhar. – Com licença. – digo acenando e preste a sair, mas Chloe pega minha mão e entrelaça na sua. Ela me encara. – Você pode ficar... – Chloe, – seu pai rosna – não quero falar nada na frente desse... – Desse meu noivo, você quer dizer? – Chloe rebate com um sorriso quase doentio. Sei que ela fala sobre eu ser seu noivo apenas para enfurecer ainda mais seu pai, contudo só de ouvir isso meu coração bate mais rápido. Ele engole em seco. – E você não ia nos avisar sobre isso? – Eu não preciso avisar nada a você, nem minha mãe. – rosna Chloe – Diga logo o que quer. É nesse instante que eu penso que ter ou não ter família, muita vezes, dá no mesmo. Eu não tenho pais, Chloe os tem, mas eles são, claramente, distantes, para não dizer algo pior. – Sobre a EE, – seu pai diz, “por cima” para eu não entender o assunto – é isso mesmo que você vai fazer? – Sim. – ela responde e eu me sinto perdido naquela discussão de Titãs. – Você não pode! – ele praticamente grita e se aproxima dela e eu me aproximo dele, encarando-o mais sério do que já estava. A mão de Chloe aperta a minha e ela me dá um olhar calmo, então eu recuo. – Não só posso, como já fiz. Ainda acha que te enviei a carta e te dei tempo. O senhor Elliott balança a cabeça indignado. – Por que você vai fazer isso? – Tenho outros planos. – Você acha que eu te bancarei? – indaga à Chloe. – Imaginei que não. – Se você se desligar da empresa eu te desertarei. É isso? Chloe tinha enviado a seu pai uma carta de demissão? A expressão de Chloe não se abala. – Imaginei que diria isso também. Seu pai sorri e gesticula para mim.


– Eu também não o quero mais aqui! Chloe engole em seco. – Ele não tem nada a ver com minha demissão e... – Não interessa! – Sr. Elliott vocifera – Não o quero aqui também. – Pai, tenha consciência, ele não fez nada de errado. Eu que quero a demissão... – Não me interessa, Chloe! – seu pai rebate e eu percebo que nunca vi uma pessoa ser tão grossa quanto Chloe já foi. Vendo-a abrir a boca para me defender, mas dessa vez sou eu quem aperto sua mão. Sinceramente eu não estou desesperado por ser demitido. Ainda viria a receber o seguro desemprego de qualquer forma. Na verdade, ser demitido naquele instante é como um impulso maior para eu procurar algo que realmente me agrade. E convenhamos que Chloe, sendo quem é e tendo o nome que tem, não ficaria sem emprego também. Talvez eu esteja calmo demais e penso se não estou um tanto quanto louco, mas não, eu realmente estou bem com isso. O ruim seria mudar Wendy novamente de creche. – Vocês me ouviram bem? – o senhor Elliott grita – Quero os dois fora da minha empresa! Chloe sorri, larga minha mão para pegar sua bolsa em cima de sua mesa e saímos de sua sala. Pego meus documentos da gaveta da minha mesa e vejo que não tenho mais nada meu ali. Vamos andando de mãos dadas até o elevador, vendo o olhar das secretárias e outros funcionários nos fuzilarem. Dentro do elevador, onde só está eu e Chloe, eu finalmente a encaro, ainda aéreo sobre o que aconteceu. Chloe gargalha e eu acho tão bonito vê-la gargalhar que eu gargalho também. – Você está louca, não está? – questiono. Ela para na minha frente com sua boca muito próxima da minha. Por estar de salto, ela está quase do mesmo tamanho que eu. Seu perfume exala e eu seguro sua nuca com minhas mãos. – Eu estou muito bem, moço. – franzo o cenho – Parei de tomar o remédio, conselho do próprio psicólogo que frequento. Não sei se estou “curada” totalmente, mas eu estou muito bem agora. Eu sorriu e a beijo. Eu também estou bem por você, moça. Não preciso falar em voz alta, ela sabe disso pela maneira como a beijo. Suas mãos envolvem meu pescoço e as minhas puxam seu cabelo antes de uma delas descer para sua cintura e puxar seu corpo para o mais perto possível do meu. Seu gosto é inebriante e eu não consigo me saciar. A beijo respirando pesadamente, sem fôlego por ter em meus braços uma mulher tão forte quanto ela. Eu me orgulho dela e creio que ela


finalmente se orgulha de si mesma. Ela morde meu lábio inferior e eu gemo. Estou fora de mim, tanto que não percebo quando a porta do elevador se abre e algumas pessoas começam a entrar. Chloe ri e se afasta de mim, puxando minha mão para sairmos do elevador e pegar Wendy na creche. Eu deixaria para passar no RH depois. O seguro-desemprego poderia esperar.

– Você não está preocupada em ser desertada? – pergunto a Chloe quando entramos em meu carro, depois de ter colocado Wendy na cadeirinha. Chloe decidiu que dirigiria para me mostrar algo e eu não questionei sobre. Então, estou sentado no banco do carona. Seu carro ela disse que mandaria alguém para pegá-lo. Chloe ri. – Não, tenho outros meios de ganhar dinheiro. Não tanto quanto, mas o suficiente para viver relativamente bem. Franzo meu cenho e ela começa a dirigir. – Que outros meios seria esse? Ela me olha rapidamente. – Você acha que eu pediria demissão sem ter planos? – Mas quais são? – Você verá e já que está demitido também, me ajudará. Eu gargalho, não questiono sua afirmação.

Chloe estaciona o carro a algumas quadras de minha casa e eu não entendo nada. Saio do carro e tiro Wendy comigo. Chloe está eufórica e eu estou feliz por ela, mesmo sem saber o que ela tem em mente. – E então? – pergunto. – Espere. – ela diz – Estou sem as chaves. Não digo nada e continuo sem entender. Não demora muito para eu ver o carro de Chloe


estacionar ao lado do meu. Dentro de seu carro sai a senhora faxineira que no dia que eu esqueci meus óculos na EE me deixou entrar. Chloe a abraça e em seguida me apresenta. – Ela foi minha babá por muitos anos. É quase como minha mãe e por orgulho não aceitou um emprego melhor na empresa quando meus pais a demitiram. – diz e em seguida brinca – Elsa, esse é Theo e Wendy, como a do Peter Pan. Elsa sorri para minha filha. – E Elsa como a do Frozen. Obviamente não preciso dizer que Wendy a adorou por saber essa referência. Elsa é uma senhora morena, aparenta ter mais de cinquenta anos. A expressão de seu rosto é gentil e seus gestos são delicados. Lembro dela sorrindo para mim um dia quando limpava a janela da empresa, em um dia que eu comprei uma rosa negra rara para Chloe, há um bom tempo. Não senti em nenhum momento ironia em seu olhar, mas sim aceitação, como se adivinhasse o que eu fosse fazer. – Prazer, Elsa. – digo finalmente, estendendo a mão para ela – Mas ainda preciso saber o que está acontecendo. Chloe ri e pede as chaves para Elsa. Atrás de mim está um portão com grandes que Chloe abre, em seguida de uma porta comum. Quando ambas estão abertas minha boca abre e fecha. Eu não sei se riu ou se me impressiono com o local. Chloe tinha comprado uma sorveteria. Uma boa sorveteria, não gigante, mas com um quê de sofisticação como tudo relacionado a ela parecia ter. – Surpresa! – ela brinca – Detalhe: agora é a única sorveteria para intolerantes a lactose. – Única? – indago rindo. – Comprei todas do antigo dono. – E tinham muitas? – Duas. Uma no shopping e esta. – Chloe responde gesticula para o local. Wendy está em meus braços todo esse tempo, então coloco-a no chão e deixo-a andar pela sorveteria para conferir tudo, mesmo o espaço não tendo ainda nada para comer. Olho para Elsa que parece orgulhosa de Chloe e olho para Chloe. – Você tem noção de quando vai gastar no começo? Nunca vai render como a EE e... – Eu sei, Theo. – ela me diz calmamente enquanto se aproxima de mim – Eu já coloquei meu carro e apartamento à venda, mas a vantagem é que essas sorveterias já tem um bom publico e agora, tendo a mim trabalhando nas contas dela e você, se quiser, na administração, ela, com certeza,


renderá muito mais, contudo, não tanto para, sei lá, comprar um helicóptero. Ri. – Para quê você quereria um helicóptero? Ela me cutuca. – Exatamente! Para quê? Eu tenho vocês – Chloe pega Wendy nos braços e olha para nossa filha, para Elsa e enfim para mim – e ter vocês já é o suficiente. Vão me ajudar com esse novo negócio? A beijo delicadamente. – No que você precisar. – Estou muito feliz por você, filha. – Elsa diz a Chloe e a minha moça fica claramente emocionada. É, as vezes uma mãe não precisa dar a luz para poder ser considerada como tal.


25 Quando? Dias depois e Wendy está novamente matriculada na creche de antes. Ela não reclamou por ser tirada e colocada de volta, mas como é dezembro eu e Chloe decidimos que ela fosse frequentar somente no ano letivo do próximo ano. Para quê no final do ano? Não teria lógica. Chloe vendeu seu carro e o preço, mesmo sendo um carro bastante rodado, foi mais alto que meu apartamento. Sua casa já está com a papelada pronta para à venda também. Foi bem mais rápido do que eu imaginei, mas ela tem os contatos certos para agilizar tudo. Chloe está querendo comprar uma nova casa, perto de mim. Já fomos visitá-la, é bonita, espaçosa e não está com um preço exorbitante. Porém, antes disso, ela decidiu ir morar em um loft enquanto a papelada de sua casa termina e o dinheiro da venda entra. Ela ainda não foi ao loft, segundo Chloe iria hoje, mas antes disso, chamei-a para vir aqui para casa. É o dia perfeito para o que eu quero fazer. Nesses dias que se passaram Chloe contou-me os mínimos detalhes de sua vida, coisa que antes, ela guardava. Contou-me sobre a depressão, sobre os problemas com sua família, sobre a pressão que ela sentia de seus pais, as diversas irresponsabilidades de seu irmão, sua falta de esperança com a vida e sua vontade de recomeçar, daí o sonho de ser mãe. Seria seu recomeço. Hoje eu quero dar a ela outro recomeço, comigo e Wendy. Eu estou tenso e contando os minutos para ela vir até meu apartamento. Wendy está brincando com suas bonecas e Luck na sala enquanto eu estou sentado no sofá, com coluna reta e as mãos úmidas. Nunca pensei que viveria essa tensão novamente. E Chloe está demorando muito! Estamos trabalhando nas sorveterias de casa mesmo, três vezes por semana vamos a elas. Chloe tinha deixado os mesmos funcionários de antes, logo não precisava de treinamento. Elsa estava um pouco nas duas sorveterias todos os dias, observando os funcionários e ficando no caixa. É um trabalho simples e ela preferiu assim. Nesse passar dos dias conversei com Elsa e descobri que ela não tem filhos e é viúva. Seu marido foi infértil, então ela via em Chloe uma filha que nunca poderia ter. É estranho como as coisas se encaixam. Wendy que um dia só tinha a mim em sua vida, no outro tinha a Chloe e Elsa. Elsa é a perfeita


avó para Wendy e as poucos eu percebia que minha filha está se sentindo ainda mais à vontade com ela também. Olho minhas mãos e tiro, pela primeira vez em anos, minha aliança. Encaro a marca mais pálida que ela deixou e me levanto do sofá para guardá-la no quarto. Eu não estou deixando Bell. Nunca. Mas eu estou recomeçando também. Eu preciso disso. Eu preciso me desligar daquilo, porém nunca jogaria aquela aliança fora. Ela ficaria guardada para sempre, tanto quanto Bell estaria para sempre em meu coração. Seria impossível esquecê-la, Wendy a cada dia que se passa parecia-se ainda mais com ela. A pele de Wendy está ficando cada vez mais morena e seu cabelo tomando um volume maior, com mais cachos. Minha filha está a cada dia mais linda, cada dia mais parecida com sua mãe biológica e eu me orgulho muito disso. Me orgulho ainda mais por ouvi-la chamar Chloe de mãe com naturalidade. Toda vez que Wendy se olhasse no espelho, se lembraria de Bell pelas fotos que já mostrei a ela. Ela veria em si mesma as semelhanças que tem com sua mãe de sangue. Porém, ela veria em Chloe sua mãe de coração, que estaria com ela sempre que ela precisasse e um pouco além. Estou voltando para sala quando batem à porta, Wendy larga seus brinquedos e vai abrir, já sabendo que é Chloe. Pulando um pouco ela consegue girar a maçaneta da porta que não estava trancada com a chave. Quando a porta é aberta Wendy não percebe a expressão de Chloe, mas eu sim, há algo de errado. Porém, fingindo que não, ela abraça nossa filha apertadamente e diz para ela ficar na sala, porque precisamos conversar. Fico gélido. Eu quem quero conversar com ela! E não assim quando ela tem esse olhar de pavor. Vamos ao meu quarto e eu fecho a porta. A beijo e ela não hesita em me corresponder, mas quando me afasto seu olhar continua tenso. Chloe veste uma calça jeans e uma camisa de mangas azul. Está com o cabelo solto e uma maquiagem fraca. Linda, como sempre. – O que houve? Ela engole em seco ao me encarar com aquele olhar cinzento. – O que vou dizer parecerá meio insano, mas... Eu preciso me casar com você. Fico boquiaberto. – Por que senão? – arrisco. Chloe suspira e eu fico ainda mais tenso. – Porque senão meus bens poderão ser confiscados e eu poderei ir presa.


É, ela literalmente precisa casar comigo. Não penso duas vezes ao perguntar: – Quando? Um dia, quando Chloe me fez a tal proposta indecorosa eu neguei sem hesitar, mas hoje é diferente... – Quando isso poderá acontecer? – Não, moça... Quando podemos nos casar? Hoje eu a aceito sem questionar. Bastaria ela me dizer quando.


26 Amanhã eu também te amarei

Eu e Chloe nos casamos no ano novo. Não foi um casamento dos sonhos. Não teve véu, muito menos grinalda. Foi apressado, com além de mim e Chloe, Elsa e Wendy. No mesmo dia já estávamos com o documento para trocar o nome dela, acrescendo o Gissoni. Não é como se ela se orgulha do nome de sua família, mas ela não poderia tirar. Decidimos também acrescentar o Elliott em Wendy, menos em mim. Eu não queria e Chloe entendeu. Chloe, agora, minha esposa, me contou eufórica naquela noite que seu irmão tinha atropelado um garoto de seus 8 ou 9 anos. Ela me disse que foi a segunda pessoa, que ela soube, que ele atropelou. Seu irmão saiu impune sobre isso, mas parece que uma certa advogada no caso não queria deixar a família Elliott passar sem problemas. Com isso, uma advogada chamada Blair arregaçou as mangas e foi fundo para incriminar a família. E conseguiu. Chloe não sabia, mas seu pai não estava em dia com a receita federal. Passava os documentos para ela falsificados, ela assinava e não via o erro nas contas. Qualquer problema que desse sobre, cairia sobre Chloe, por ser, na época a CEO e tudo dela seria confiscado, podendo-a até ir presa. Era uma conta de muitos zeros, mais zeros do que a EE inteira poderia pagar. Essa advogada então fez um acordo com Chloe, contanto que ela contasse tudo que sabia de sua família e depor-se contra a mesma. Chloe não hesitou em depor contra eles. Já casada, não teria como a receita federal confiscar nada de Chloe, afinal, tudo dela estava em meu nome também e seu pai já a tinha desertado. Ou seja, junto com a ajuda da advogada o nome de Chloe não entrou na queixa, mas de seus pais e irmão sim. A EE quebrou e infelizmente todos os empregados foram demitidos. Blair realmente fez um trabalho impecável. Porém a família Elliott não foi presa, mas está falida. Descobri tardiamente que a criança atropelada pelo irmão de Chloe é o filho de Dean, um floricultor que me vendeu uma rosa negra há tempos. Seu filho ficou com problemas motores em suas pernas, sustentando-se em pé por muleta. Um garoto de mais ou menos nove anos não podia mais correr ou brincar normalmente por causa do irmão irresponsável de Chloe que nunca seria preso. Está pobre, mas não está preso como merecia.


Mesmo estando pobre, não pobre de não ter o que comer, mas pobre de não ter mais dinheiro para carros importados para fazer seus “pegas” e subornar policiais, o irmão de Chloe conseguiu se safar de mais um atropelamento, pagando uma multa altíssima para Dean, já que é o responsável legal de seu filho. Contudo, nada era o suficiente. Nem mesmo os melhores médicos poderiam ajudar o filho de Dean. E assim, depois de pagar a multa, ainda diziam em alguns sites que “a justiça estava feita”. Feita para quem? Felizmente a criança não morreu, mas poderia ter acontecido algo ainda pior. E era assim, com dinheiro, que a justiça estaria feita? Não, a justiça não estava feita, mas isso era o máximo que Dean conseguiria. Sim, o mundo é injusto. Infelizmente.

– Estou exausta! – Chloe reclama enquanto deita-se ao meu lado da cama. Tínhamos nos mudado para uma casa de um andar, porém de três quartos, com varanda e quintal. Meu apartamento eu coloria para alugar, não queria vendê-lo. Eu nunca poderia imaginar que mudança é algo tão cansativo. Colocar tudo em caixas e tirar nunca pareceu tão ruim, mas eu estou feliz. Estou morando com Chloe, nossa filha e um gato preto. Riu e me viro para olhar para Chloe na cama. – O quê? – ela pergunta. – Eu te amo. Ela ri. Ela veste apenas um vestido solto e eu somente uma cueca. Wendy está dormindo no quarto ao lado com Luck. Chloe está sem maquiagem e com o cabelo úmido, suas marcas de expressão são visíveis, mas não são desagradáveis. Mostram o quanto ela está natural. – Eu sei. – ela brinca. – Você está feliz? – Sim, moço. Eu estou feliz. – Mesmo morando comigo? Mesmo com a bagunça que nossa casa ainda está? Mesmo não termos nos casado com calma? Mesmo eu não tendo tempo para ser poético, te dar um anel de noivado e te pedir em casamento de joelhos? Ela gargalha.


– Sim, mesmo diante de tudo isso eu estou feliz. E você? Assinto, mas me levanto da cama. Estamos usando uma aliança simples que logo vimos em uma joalheria. Porém, eu não seria eu, se fizesse isso tão superficialmente. Na cômoda nova ao lado da cama eu guardei uma caixinha com uma aliança digna para Chloe. Não a mais cara da loja ou a mais reluzente, uma entre a simplicidade e a sofisticação, escolhida com cuidado e não na pressa. Pego a caixinha e Chloe continua deitada na cama. Me posto entre suas pernas e ela se abre sem hesitar para mim, cruzando suas pernas em minha cintura. Com um braço me apoio ao lado de sua cabeça, com o outro coloco a caixinha sobre seus seios e a abro, fazendo com quê ela tenha que virar a cabeça para olhar a joia nova. – Theo... – Chloe sussurra. Seus olhos focam-se no meu. Eu não estou de joelhos, nem sequer estou lhe dando uma joia cara e na verdade, já até estou casado com ela... Porém, não seria eu se não fizesse isso. – Você sabe que eu precisava fazer isso. – digo, rindo. – Para sua própria sanidade, não é? – ela brinca. – Com certeza! Eu não dormi bem essas semanas pensando nas coisas que poderia falar e não falei. Chloe, minha esposa, minha moça, minha mulher, ri. – E o que você queria dizer? – Primeiramente, eu quero me casar de novo. – Por quê? – Quero festa, quero ver você de vestido branco, longo, grinalda, jogar buquê, véu, bolo, troca de alianças, votos, madrinhas, padrinhos, convidados e... Chloe gargalha. – A ordem não seria exatamente essa, mas eu entendo. Você sonha com um casamento de fadas, huh? Deito minha testa na dela e fecho meus olhos sentindo sua respiração suave próximo do meu rosto. Meu membro roça sua virilha e eu estremeço quando ela se mexe um pouco. Mas, meio fora de mim, ainda sim, digo: – Não de conto de fadas, mas demorado, com calma... Porque eu quero ter fotos para lembrar, porque eu quero poder te ver entrando de vestido de noiva e saber que aquilo tudo é para mim. Você já é linda assim, mas eu quero tanto que outras pessoas vejam o quanto você é minha. Minha o


suficiente para se casar comigo, novamente. – Eu já sou sua, moço. – ela brinca e beija de leve meus lábios, tirando a caixinha da aliança de seus seios e pondo sobre a cômoda. Chloe me puxa pela nuca e nossos corpos ficam colados. Seu vestido é de um pano tão fino que é quase como se ela já estivesse nua. A observo me olhar sorrindo amplamente. Meus braços estão ao lado de sua cabeça, para eu poder olhá-la com facilidade, mas de resto, todo nosso corpo está grudado. – Eu sei que você é. – digo – Você sempre foi, só não sabia ainda... Mas eu quero algo sem desespero. Eu quero que você case comigo pela segunda vez sem ser por problemas, mas por vontade própria. – Theo, eu me casei com você por vontade própria. Acha que eu colocaria tudo em seu nome por apenas confiar em você? Eu te amo, querido. E te amo o suficiente para saber que amanhã também te amarei. Suspiro e meu coração bate mais rápido. É impressionante que mesmo passando muitas horas do dia ao lado de Chloe eu ainda sinto como se todas as sensações fossem novas. É como se eu revivesse e recomeçasse o amor que sinto por ela todos os dias. Hoje eu a amo por um motivo. Amanhã acordo a amando por outro. – Amanhã eu também te amarei. – repito – Casa comigo de novo, tendo noivado e tudo que temos direito, moça? Chloe ri e acaricia minhas costas com seus dedos. – Claro, moço. Eu caso com você quantas vezes você quiser.


Segurança no trânsito melhora no mundo, mas piora no Brasil, diz OMS País teve 47 mil das 1,25 milhão de mortes por acidentes registradas em 2013. Principal falha brasileira é nos limites de velocidade, aponta novo relatório. Mais de 1,25 milhão de pessoas morrem por ano vítimas de acidentes de trânsito, estima a OMS (Organização Mundial de Saúde). Segundo um novo relatório, o número de fatalidades se estabilizou e deve começar a cair, apesar de em alguns países, incluindo o Brasil, o trânsito estar cada vez mais perigoso.


Bônus Me aceita Theodoro me aceita uma e outra vez em sua vida. Enquanto ele dorme, as vezes, eu o olho até dormir também. É extremamente reconfortante vê-lo e saber que ele me aceita, que ele me quer, que ele me ama. Sem pensar duas vezes ele aceitou se casar comigo para eu não ter nenhum risco de ter meus bens confiscados. Sem pensar duas vezes ele abdicou de seu antigo emprego, sem insistir para ficar. Sem pensar duas vezes ele aceitou trabalhar comigo em uma sorveteria. Sem pensar duas vezes ele me aceitou em sua vida, como sua mulher e mãe de sua filha. Agora, nossa filha. Wendy é minha filha também e me sentir mãe, mesmo sem ter dado a luz é a sensação mais surreal que eu poderia sentir. Eu amo cada traço daquela princesa e me pergunto se um dia minha mãe sentiu aquilo por mim. Infelizmente eu acredito que não. Mas Elsa talvez sim. Mesmo quando manteve-se longe de minha vida. Como é surreal amar alguém como um filho! Não saiu de você, não tem seu sangue, não tem nenhum elo sequer com você, mas é seu. É seu porque ele te aceita também, ele te ama. Wendy me ama e eu amo tanto quanto. Eu sou mãe. Eu sou mãe! Quantas mulheres poderiam dizer isso sem ter tido um filho? Eu sou mãe e nunca me senti tão feliz por algo tão simples. Algo que não custa nada e não pede nada. Eu sinto muito por Bell e sinto muito por tudo que ela viveu, coisas das quais eu não quero nem imaginar. Toda vez que eu penso nela me pergunto se ela gostaria de mim... Provavelmente não. Mas ainda sim, eu tento, por ela, por mim, por Theo e principalmente por Wendy ser melhor do que um dia eu fui. Meu remédio foi abandonado há tempos por prescrições médicas e eu me sinto mentalmente bem, como nunca me senti. Eu talvez nunca fosse tão otimista quanto Theo, mas eu juro que eu tento. Eu tento acordar amanhã e pensar “amanhã fico triste”. Se bem que, ultimamente, não há em minha vida motivos para tristeza avassaladora.


Eu não sou mais tão rica. Vivo agora numa casa mediana, em um bairro comum. Sou empresária, dona de duas sorveterias que não me rendem tanto quanto um dia já ganhei. Meu carro agora é um popular do ano passado. Nada muito fora do comum. Me sinto comum todos os dias. Nem rica, nem pobre. Razoavelmente bem, como nunca estive. Mas então, eu acordo com Theo ao meu lado, com Wendy batendo à porta do quarto, com Luck miando alto e eu penso que... Eu sou muito melhor hoje do que um dia já fui. Eu tenho muito mais do que um dia já tive. Eu tenho eles – e Elsa -. E ter pessoas que te amam e demonstram isso é muito melhor que uma conta exacerbada de zeros. Claro que dinheiro importa e muito, mas eu continuo tendo dinheiro, não tanto quanto, mas ainda sim um bom “tanto”... Porém, isso se torna tão irrelevante quando olho para Theo. Eu o olharia de qualquer jeito, tento qualquer quantia no banco, porque ele tem um magnetismo maior. Algo simples, algo que desperta o desejo de olhá-lo mais uma vez, algo que desperta o interesse de ouvi-lo falar. E agora ele está em cima de mim, sorrindo e acabou de me pedir em casamento, mas dessa vez um casamento de verdade, devagar e bem-arrumado. Como não aceitar? Eu aceitaria quantas vezes ele quisesse. Acaricio seu rosto. Ele está sem óculos e seus olhos brilham, sua barba está por fazer e cutuca minha mão enquanto toco em seu rosto. Riu e me fascino por simplesmente olhá-lo. Sua tatuagem da carpa no peito pega um pouco de seu braço e as cores são fortes e atraentes. Gostaria de poetizar como ele e criar um bom texto para resumir o que sinto por aquele homem sobre mim. Gostaria de conhecer as melhores palavras do universo para resumi-lo. Gostaria de saber compor ou tocar algo especial para ele. Gostaria de ser além do que sou, para tentar expressar o que sinto. Mas eu não sou poeta, nem escritora, nem sequer componho. Entretanto, quando as palavras fogem de minha mente, tudo que me resta dizer, mas não por ser o resto, porém por ser a verdade é: – Eu te amo. E quando dou por mim, as poucas peças de roupas que usávamos vai ao chão e nossos corpos se tornam um só, naquela junção entre a luxuria, o amor, o carnal e a tesão. Eu o aceito, o recebo dentro e fora de mim e Theo me aceita também. De corpo e alma a gente se aceita sem precisar dizer muitas palavras.


27 Nós temos tempo Sim, eu me casaria de novo, mas dessa vez seria bem detalhado e mais poético. Sem pressa, sem problemas. Contudo, é como se Chloe e eu ainda estivéssemos noivos, mas no papel casados. E como no papel estávamos casados há alguns meses, eu arrisquei falar com ela sobre um assunto que martelava em minha cabeça. Eu tinha feito 28 anos em fevereiro e hoje, em março, é aniversário de Chloe. Ela ainda está dormindo enquanto eu, Wendy e Luck estamos na cozinha fazendo um bolo sem lactose. Estávamos em um bom relacionamento, tínhamos uma boa casa, uma boa fonte de renda e somos muito bem-casados. Com isso eu precisava arriscar mais e falar o que eu quero. Eu espero que ela aceite tentar. – Será que já está bom? – Wendy pergunta olhando em uma distância segura do forno. Encaro o forno também e franzo o cenho. – O que está bom? – Chloe entra na cozinha vestida apenas com um short curto e uma camisa de mangas curtas. – Parabéns, mamãe! – Wendy corre até ela e abraça pelas pernas antes de Chloe a pegar no colo. – Obrigada, princesa! – minha mulher aperta nossa menina fazendo-a rir. Eu avisei sobre o aniversário de Chloe para ela e há dias Wendy estava querendo surpreender sua mãe. – Você deveria continuar dormindo. – brinquei puxando Chloe para um abraço com Wendy no meio. – Esse é seu parabéns pra mim? – ela rebate e eu seguro seu rosto com minhas mãos para beijála rapidamente. Ouço Wendy chiar e eu riu em um toque sutil nos lábios de Chloe. – Parabéns para você, moça. – sussurro. – Que cheiro é esse? – questiona. Eu e Wendy arregalamos os olhos um para o outro enquanto falamos em uníssono: – O bolo!


Felizmente o bolo não queimou, mas solou. Comemos mesmo assim e Chloe não reclamou, mas avisou que na próxima vez era melhor evitar a surpresa e deixar ela cozinhar. Eu sei cozinhar bem comidas simples, feijão e arroz principalmente, mas doces e afins sou péssimo, porque nunca tento fazer, nunca conseguia achar todos os ingredientes para intolerantes a lactose e quando achava era normalmente muito mais caro que o comum. Wendy está na creche, Luck está deitado em um canto da sala, Chloe está no sofá e eu estou lavando os pratos. Quando termino de limpar a pia vou até minha mulher que abaixa o volume da televisão para me olhar, já sabendo que eu vou falar algo. Chloe está sentada ereta no sofá, com os pés no chão. Eu engulo em seco e me ajoelho entre suas pernas. Ela desliga a tevê. Impressionante como minha moça me conhece bem. Sabe que eu preciso desse tempo, desse silêncio para falar. Ela aproxima seu corpo de mim, fazendo meu rosto ficar próximo de sua barriga. Deixo minhas mãos em suas coxas e as dela tocam meu cabelo. Meu óculos está em algum canto da casa, com isso, a olho para cima para encará-la diretamente. – Moça... Eu prometi a mim mesmo que ia te dá um filho e eu ainda quero isso. Chloe enruga a testa. – Você já meu deu uma filha, Theo e sabe que eu sou infértil... – Eu sei. – a corto – Mas eu quero outro. Ou outros. Eu quero ter outros filhos com você, Chloe. Não é como se fosse uma desculpa por eu não ter sido seu doador de sêmen, mas é por nós mesmo. Eu sempre pensei nisso e agora nada pode nos impedir de adotar. Somos aptos, saudáveis e casados. – Você quer adotar? – ela se emociona e suas mãos agarram meu rosto. – Sim, eu quero muito adotar. Eu quero ser pai mais uma vez e não precisa ser um filho de meu sangue para eu considerar isso. Eu vim de um lar adotivo e sei como é esperar por alguém que você não conhece. Sei como é sentir esperança e perdê-la dia após dia. – Você entende que a adoção pode demorar muito? O sistema ainda é tão lento... – Chloe me diz e eu assinto. – Claro que sei, mas sei de uma coisa também... Nós temos tempo. Ela assente rindo. – Eu te amo muito mais agora. Será que isso é possível? – ela brinca e eu gargalho. – Provavelmente sim, porque a cada dia que eu acordo eu descubro um motivo novo para te


amar mais do que já amava. – Pare de poetizar e prove esse amor! Eu lhe dou um sorriso torto antes de me levantar do chão e deitar seu corpo no sofá para me deitar sobre ela. Chloe veste um robe e nada por baixo. Eu praticamente rosno quando a dispo. Posso vê-la todo dia nua, posso sentir seu corpo todos os dias, posso saboreá-la de todas as formas imagináveis, porém, sempre, em todos esses dias, eu a sinto como fosse a primeira vez, como se fosse a nossa primeira vez. Eu a amo de uma maneira completa. Amo seu corpo tanto quanto amo sua personalidade. Amo sua beleza, tanto quanto amo seus trejeitos e manias. Eu visto somente uma bermuda, sem cueca e ela logo vai ao chão. Mas antes de sentir seu corpo por dentro, eu a beijo. Beijo todo o corpo de minha mulher, roçando pelo caminho a minha barba meio rala. Ela ri e crava suas unhas em meus ombros. Chloe não pede para eu ir com pressa. Ela quer com calma, porque, afinal de contas, nós temos tempo. Temos uma vida inteira pela frente com preliminares, amor e crianças. Nosso relacionamento não foi do mais esperado, não foi repleto de intrigas e idas e voltas. Foi comum. Com problemas um pouco fora dos padrões, mas nada que nós, juntos, não pudéssemos domar. Para quê brigaríamos e ficaríamos longe um do outro quando sabíamos que queríamos ficar perto? Eu a amo hoje e a amarei amanhã. Não havia um motivo para eu me afastar dela e ter certeza do que sinto. Eu preciso de Chloe em minha vida. Eu preciso tê-la com calma, cuidado, amor e carinho. Eu tento provar a ela, todo santo dia, que ela não merece nada abaixo do melhor. Eu tento ser, todo santo dia, o seu melhor. Nós temos tempo e não precisamos nos desesperar. Quando o amor está sendo bem servido não há para onde ir, além de onde estamos. – Você é linda, moça. – sussurro para minha mulher encarando-a nos olhos. – Acho que eu me cansarei de ouvir isso todo dia. – Chloe ri. – Se você se cansar, me avisa. Começarei a falar outra coisa. – Que seria? – ela arqueia uma sobrancelha loira. – Você é maravilhosa, moça. Ela está preste a dizer algo, provavelmente o quanto sou um idiota, mas a beijo antes disso. Nossas línguas se mexem em sincronia. Já conhecemos tão bem o corpo do outro que sabemos


como fazer melhor a cada beijo e a cada transa. Há quem pense que transar com uma mulher diferente a cada dia é melhor, pela novidade e prazer... Mas eu nunca concordei com isso. Eu viveria muito bem tendo Chloe todos os dias. A amando todos os dias. A sentindo todos os dias. A beijando todos os dias. Para o resto de minha vida. Porque quando minha mulher entrelaça suas pernas em minha cintura e arranha minhas costas enquanto me beija eu tenho a certeza que já estou preste a explodir, mas com Chloe todos os dias. Meu raciocínio desaparece e meu desejo cresce, entretanto, isso só acontece porque é com ela. Eu a amo. E a amarei todos os dias. Nós temos tempo e com o nosso tempo nós nos amaríamos mais. Eu sempre fui um homem que acredita no amor verdadeiro, por isso sempre disse que não sou desse século, embora, tendo Chloe embaixo de mim eu tenho a certeza, mais uma vez, que o amor existe. Eu fui o sorteado de amar incondicionalmente três vezes em minha vida. Por Bell, por Wendy e agora por Chloe e eu estou preste a amar incondicionalmente outra criança que eu vir a adotar. O amor pode ser estendido, pode ser diferenciado, mas é de verdade e eu sou sortudo pelo simples fato de ter quem amar e quem me ame também. Quando estou dentro de Chloe nós gememos e ficamos fitando o outro enquanto achamos nosso ritmo naquela posição incerta do sofá. Se cairmos do sofá, não irá doer, porque amortecerem um ao outro e porque teremos tempo para nos recuperar. Nós temos tempo e não vamos deixar de recomeçar. Amanhã eu a amarei por outra razão, mesclada aos motivos de antes e assim será sucessivamente. Moça, nós temos tempo e não podemos perder esse tempo sem amar. Com isso eu amarei, amanhã e depois, até o fim de minha vida.


28 Amamos conhecê-los

Minhas mãos estão úmidas. Estou, dias depois de minha conversa com Chloe, indo com ela para o lar adotivo que eu fui criado. Eu nunca fui para lá depois que sai. Há dez anos sem visitar aquele lugar. Wendy está com Elsa em nossa casa. Nesse passar de dias minha proximidade com Elsa foi maior e ela e minha filha estão se dando cada vez melhor. Fico muito feliz por Wendy e por mim também. Eu que não tinha ninguém, agora tenho Chloe e Elsa, praticamente uma mãe, sem contar de minha antiga vizinha que vai até minha casa para ver a mim e Wendy. Meu apartamento já está alugado com uma nova família pequena. E ah, hoje em dia, felizmente não trabalho mais para Chloe e sim com Chloe. O que muda bastante coisa. As sorveterias nos rendem bem pela localidade que estão. No início tivemos alguns problemas. Saia muito dinheiro e mal entrava. A má administração do antigo dono quase deixou-as ir a falência, embora, agora, ambas nos rendem bem. Temos juntos uma vida relativamente boa financeiramente falando. Brigamos por coisas bobas, como deixar a toalha em cima da cama (Chloe quem faz isso) ou por apertar a pasta de dente no meio (Chloe também faz isso). Essas coisas são bem irritantes e eu percebi que ela não é tão perfeccionista assim, já eu sou. Descobrimos com nosso tempo vivendo juntos que eu sou perfeccionista em casa e ela com suas roupas. Chloe nunca sai de casa desarrumada, já eu não me importo tanto assim. Felizmente trabalhar em uma sorveteria dá a nós mais tempo em casa e sem a necessidade de vestir roupas formais. – Calma, moço. – Chloe sussurra quando pega uma de minhas mãos e entrelaça na sua antes de entrarmos no lar. Uma senhora vem até nós assim que entramos. Eu a conheço. É a Sra. Robinson que cuidou de mim nos meus primeiros anos aqui no orfanato. Ela estaca na minha frente, na dúvida se eu sou quem ela pensa e eu sorriu. – Theodoro? – Achei que a senhora não me reconheceria... – brinco soltando a mão de Chloe e abraçando-a. Ela corresponde ao abraço, mas assim que me solta olha para Chloe sem entender e volta seu olhar para mim.


– Err... Você tem notícias de Bell? Suspiro. – Eu e Bell nos casamos. – ela põe suas mãos em sua boca e seus olhos ficam marejados quando continuo – Ela faleceu há algum tempo... Dias após o nascimento de nossa filha. – Vocês tiveram uma filha? – assinto – E como ela se chama? – Wendy. A Sra. Robinson ri entendendo a referência dos nomes. – Vocês eram... – Almas gêmeas. – respondo por ela, rindo por parecer constrangida em pensar em dizer algo do tipo na frente de Chloe, aproveito a deixa e puxo-a para mais perto de mim – E a vida me deu a oportunidade de encontrar outra pessoa tão boa quanto Bell. Percebo que Chloe engole em seco não esperando por isso, mas sorri para mim e seus olhos brilham. – Oh! – a senhora Robinson diz – Eu fico tão feliz por você, Theo. – olhando para Chloe completa – Mais feliz por você. Theo é simplesmente o melhor homem que uma mulher pode pedir. Eu sorriu verdadeiramente sem graça e Chloe passa seu braço por minha cintura. – Sorte minha que percebi isso há tempo.

Apresentei-as, mas já não era necessário, a Sra. Robinson tratou Chloe como se a conhecesse há anos e Chloe foi tão agradável quanto. Por um momento me esqueci que estávamos em um orfanato. E quando o fatídico momento de conhecer as crianças chegou eu gelei. Chloe foi minha âncora ao pegar minha mão e apertar me dando a estabilidade perfeita para eu aguentar. Foi difícil porque eu sei perfeitamente o que elas sentem. Eu não fui adotado. Entendo a falta de esperança delas, principalmente as mais velhas que já entendem um pouco do mundo. Entendo o medo. Entendo a insegurança. Entendo a angustia. Então, quando eu vi tantas crianças brincando em um pátio atrás do lar adotivo eu, mais uma vez, gelei. O “lar” está ainda maior e o colégio é ao lado. Antes não era dividido tão bem como agora. O pátio está mais organizado do que eu podia me lembrar. Seria um local bonito se nós não soubéssemos que há aqui crianças abandonadas ou tiradas pelo conselho tutelar de seus pais biológicos.


O único termo que eu e Chloe tínhamos concordado para adotar é que a criança não pode ter nenhum parente vivo. Trágico, mas nós não queremos em algum futuro próximo ou não que a criança que adotemos venha a querer conhecer seus pais ou os mesmos venham aparecendo atrás de seu filho. A sra. Robinson nos fala um pouco sobre algumas das crianças, mas logo em seguida saiu do pátio para ver outro casal que entra. Há algumas cuidadoras pelo pátio de olho em algumas crianças específicas. – Seria mais fácil termos trazido Wendy. – digo a Chloe – Ela já teria corrido e conversado com as crianças. Será que é normal está tão tenso para conhecê-las? Minha mulher ri. – Eu também estou tensa. Então deve ser normal. Riu e aperto a mão de Chloe. Vejo duas crianças em um canto do pátio, mas o que me chama a atenção para elas é principalmente o garoto. Ele estende a mão para uma menina aparentemente de seus quatro anos, enquanto ele parece ser um pouco maior, talvez seis anos. Ele pega a mão da menina para ajudá-la a passar por uma inclinação na grama do pátio. Chloe também vê a cena e sorri. Percebo tardiamente que um dos braços da pequena garota está com queimaduras aparentemente graves. Uma parte de seu maxilar também, mas não tanto quanto seu braço. Meu coração se aperta e meu encanto pelo garoto que a ajuda aumenta. O garoto é negro, seu cabelo é em um estilo de black power, mas não tão grande. Seus olhos são grandes e brilham enquanto seu sorriso se amplia para a menina. A menina, por sua vez, tem uma pele parda, seu cabelo é preto, curto e ondulado. Seu rosto é delicado e um tanto quanto amedrontado, mas não com o garoto. Olho para Chloe que me encara também. Não precisamos dizer nada um com o outro, já sabemos quem iríamos querer adotar e naquele instante sabemos que não importa se os pais deles estão ou não vivos. Queremos os dois. Chloe sorri e larga minha mão, indo com confiança até as duas crianças que se assustam com sua presença. Eles pareciam não acreditar quando minha mulher lhes deu um oi e se ajoelhou para ficar de frente a eles. Fiz o mesmo. – Qual o nome de vocês? – pergunto, receoso. Eu sempre detestei essas primeiras conversas. Os casais que vinham até mim nunca sabiam o que falar e eu muito menos. – Timotheo. – diz o garoto e logo em seguida aponta para a menina – Mabel. A menina não diz nada e se esconde de nós, com medo. Ele não pergunta nosso nome e antes de


eu abrir a boca para falar qualquer coisa, Chloe diz: – Oh! Ele se chama Theodoro, parecido. Te apelidam de Theo também? Timotheo balança a cabeça negando. – Me chamam de Timon... – Como o do Rei Leão? – brinco, mas Timon apenas assente, afinal ele não é tão jovem para gostar dessa referência de nomes, mas Mabel ri e sai um pouco da cobertura de Timon. – Eu te disse isso! – ela sussurra para ele. – E Mabel como a do Gravity Falls a série. – falo com a menina. – Duvido que você tenha sequer assistido – o garoto revira os olhos e eu riu. – Mabel é a irmã gêmea de Dipper que tem uma paixão por sua colega Wendy, e a propósito, eu tenho uma filha chamada Wendy também. – rebato. Mabel ri também e aponta para mim, mas sem chegar perto enquanto fala com Timon. – Ele conhece mesmo. O garoto não dá o braço a torcer e encara Chloe quando pergunta: – E seu nome, qual é? – Chloe... – Como a das Três Espiãs Demais! – Mabel se anima concluindo por Chloe. – Sim! Você gosta? Mabel assente. – Gosto, a Chloe é a minha preferida. Eu queria ser ela... Chloe se aproxima, ainda de joelhos, de Mabel, que não recua. Minha mulher não toca na menina, mas sorri amplamente quando questiona: – Por que você queria ser como ela? – Eu não queria ser como ela, queria ser ela. – menina esperta – Ela é bonita. Chloe engole em seco e eu penso em dizer o quanto ela é bonita também, mas não preciso dizer isso, pois Chloe fala por mim, tocando delicadamente no rosto de Mabel. – Você é linda também. – Eu não sou loira. – E para ser bonita precisa ser loira? – eu pergunto entrando na conversa. Mabel assente. – Nunca vi uma garota como eu em nenhuma história. E ela estende seu braço para olhar para si e meu coração, novamente, se aperta e se quebra quando noto que não há algumas queimaduras ali, mas todo o seu braço é queimado, junto com uma parte de sua clavícula subindo para seu pescoço e terminando em seu maxilar.


Gostaria de dizer para Mabel que ela faz parte de minha história e se ela quisesse poderia vir a fazer muito mais. Quando olho para aquela garota tão pequena e insegura e seu aparente irmão tão sério e triste eu sinto que o amor é algo muito mais extenso do que eu imaginei. Eu não posso dizer que já os amo, mas posso dizer que eu tenho a certeza que isso aconteceria rapidamente. Não teria como não amá-los. – Eu acho você linda... – falo – E não vejo nada diferente em você. Mabel me encara, franzindo o cenho, decifrando se eu estou mentindo ou não. Pequena, eu não preciso mentir para você. Penso em dizer. Realmente não preciso. Aqueles garotos são lindos e quando digo isso é de todo meu coração. Gostaria que ela se visse assim também. Mas se um dia eu consegui ajudar Chloe, mostrando o quanto vale a vida, eu poderia facilmente ajudá-los, acho eu. Não quero ajudá-los por pena ou por desafio, mas porque sinto se eu os fizer bem, eu, com certeza, me sentirei bem. – Eu digo isso a ela também, mas ela não me ouve. – Timon diz ainda sério. Chloe ri. – Vocês são irmãos? – Meio-irmãos, disseram. – responde o garoto. – Quem disse? – questiono. – O orfanato. Chloe e eu assentimos. Não queremos entrar nesse assunto com eles, perguntaríamos sobre a família deles para a senhora Robinson ou outra cuidadora. – Vocês vieram para adotar a gente, não foi? – Timon pergunta. – Oh, ainda não podemos falar sobre isso. Só estamos conhecendo as crianças. – Chloe diz. – Mas amamos conhecê-los. – concluo. Timon e Mabel assentem. – Vocês vão embora. – Mabel sussurra – Vocês nunca voltam. – “Vocês” quem, querida? – Chloe indaga. – “Vocês” casais, ela quer dizer. – Timon responde pela irmã. – Mas a gente vai voltar. – digo – Podemos prometer, se vocês quiserem. Eu sei o quanto é frustrante isso. Eu mesmo já ouvi inúmeras promessas do gênero, mas eles nunca voltavam e eu nunca entendia o porquê, dias depois uma criança mais nova era adotada e eu me via crescendo e perdendo a esperança de sair daqui pela adoção. Timon nega. – Se vocês voltarem, estaremos aqui, mas não prometa nada.


Sinto meu coração bater mais rápido de angustia por eles. É péssimo saber o que essa dupla sente. Eu, um dia, fui eles. Penso em dizer que eu os entendo, mas não quero desmotivá-los mais ao citar que passei tantos anos de minha vida aqui e só sai porque não podia mais ficar.. Então, apenas engulo minhas possíveis palavras e nos despedimos sem abraços, ambos não queriam tanta proximidade, porém estenderam as mãos. Eu e Chloe já sabemos que são eles que queremos. Sei que ela sente o mesmo que eu. Posso ver em seu olhar que não estou a um passo de amá-los sozinho. Ela sente o mesmo e é reconfortante saber isso. Não podíamos passar toda nossa tarde com eles, porque precisamos, antes de tudo, saber da família deles e sobre as queimaduras de Mabel. Eu e Chloe amamos conhecê-los. Eu sinto que posso dizer isso em nome de minha mulher também. Amamos verdadeiramente conhecê-los. São lindos, carinhosos um com o outro e cuidadosos. Além de sinceros e espertos. Eu não quero numerar as coisas pela qual me fazem gostar de imediato daquelas crianças, mas sei que amei conhecê-los. Amamos conhecê-los e são eles que eu e Chloe queremos levar para casa. Agora, se fosse possível. Crianças com aquele olhar desolado, mas, ao mesmo tempo, esperto deles não se encontram em qualquer lugar. As histórias pelo mundo estão repletas de pessoas perfeitas, coisa que eles não são, mas eu, em nenhum segundo sequer, os achei abaixo da perfeição.


29 Assim mesmo Chloe e eu vamos conversar com a senhora Robinson sobre Timotheo e Mabel. Quando a encontramos ela se despede do casal com o qual fala, para nos dar atenção. Vamos os três para uma sala simples para poder conversarmos com calma. – Vocês gostaram de Timon e Mabel? – a senhora Robinson repete o que digo e eu assinto. – Eles tem algum parente vivo? – Chloe questiona de uma vez e a senhora Robinson nega, mas seu rosto demonstra uma expressão triste. – Não, ninguém. Seria horrível dizer que eu me senti aliviado por saber isso? Mas é o que sinto, um certo tipo de alívio. – Qual o problema? – pergunto a Sra. Robinson. – Ninguém nem pensa em adotá-los... – Por quê? – Chloe indaga – São crianças lindas e espertas. – O problema é ela? – falo – Quem a queimou? O que aconteceu? Minha antiga cuidadora suspira. – Não, o problema não é ela, mas ele. Quem a queimou foi sua mãe, mas a tal morreu algum tempo depois. Parece que ela fez de caso pensado, digo, ferver a água e jogar em Mabel, mas como ela colocou seu braço na frente não pegou em seu rosto, mas do maxilar para baixo. Mabel teve queimaduras de segundo grau profundas e quando chegou ao hospital contou parcialmente ao médico o acontecido, então o conselho tutelar foi posto em ação. Antes de Mabel vir para cá sua mãe foi assassinada. Engulo em seco. – Como pode chamar isso de mãe? – Chloe grita – Foi um mostro. Nem um animal, animal é bom demais para ser associado com tal pessoa desumana. A Sra. Robinson assente. – Por quem essa mulher assassinada? – falo não querendo pensar sobre a tal “mãe” a maltratando. – Parece que ela esteve envolvida com gangues rivais de onde ela morou e uma das gangues não gostou quando descobriu isso. Logo pode-se imaginar seu fim... Assinto, enojado.


– E Timon? – Ele não era filho dela, mas de outra mulher. – Então esses três, digo, o pai dos dois e mãe de ambos, morreram? – pergunto sentando-me um sofá da sala que estamos. Chloe se senta ao meu lado e a senhora Robinson em uma cadeira, ficando de frente a nós. Ela assente. – Os pais de Timon morreram de quê ou por quê? A senhora engole em seco. – Bem, o pai de Timon era soropositivo, passou para sua mãe, que por sua vez... Ela não precisa concluir para eu e Chloe entender. Timon é portador do vírus HIV. Seus pais morreram por isso. – E Mabel? Já que o pai biológico dela deve ter passado a sua “mãe” também... – Chloe quer saber. – Não, Mabel não foi infectada. Suspiro, mesmo triste e um tanto quanto perdido, há um certo alívio. Olho para Chloe e a senhora Robinson nos deixa sozinhos na sala para conversarmos sobre. Continuamos nos olhando por longos segundos. Eu abraço minha moça que aceita meus braços como um consolo para si. – Assim mesmo? – eu pergunto sem olhá-la. Ela se afasta de meus braços e me fita. – Assim mesmo.


Negligência e abandono lideram denúncias de violência contra crianças e adolescentes no Paraná Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde, de 2009 até o início de maio de 2013 foram registrados no Paraná cerca de 21,5 mil notificações de violências. Deste total, 49% são de violências contra crianças e adolescentes. A análise mostrou que o tipo de violência mais característico em crianças e adolescentes é a negligência ou o abandono — tanto em meninos quanto em meninas — chegando a 48% do total dos casos notificados. Todo ano, cerca de 1,4 milhão de mulheres com HIV engravidam. Se não recebem tratamento, as chances de que transmitam o vírus ao bebê durante a gestação, o parto ou a amamentação variam entre 15% e 45%. (Fonte: El Pais Brasil)

“As queimaduras de 2º grau profundas são aquelas que acometem toda a derme, sendo semelhantes às queimaduras de 3º grau. Como há risco de destruição das terminações nervosas da pele, este tipo de queimadura, que é bem mais grave, pode até ser menos doloroso que as queimaduras mais superficiais. As glândulas sudoríparas e os folículos capilares também podem ser destruídos, fazendo com a pele fique seca e perca seus pelos. A cicatrização demora mais que 3 semanas e costuma deixas cicatrizes.” (Fonte MD.Saúde)


VAMOS DEIXAR BEM CLARO: O QUE É SOROPOSITOVO? Significa que a pessoa está infectada com o vírus HIV. As pessoas soropositivas também são chamadas de portadoras do HIV, ou simplesmente portador. É muito importante saber que estar soropositivo é diferente de estar doente de AIDS. O soropositivo não apresenta nenhum sintoma de AIDS (é assintomático), pois o seu sistema imunológico está bem. Ser portador do HIV ou soropositivo é diferente de estar doente de AIDS. Um cuidado e um respeito importantes é não usar a palavra “aidético”. Ninguém gosta de ser chamado de aidético; é uma palavra construída socialmente, carregada de significados de discriminação, segregação e preconceito. O correto é falar doente de AIDS, caso a pessoa tenha desenvolvido o quadro de imudeficiência. “AIDÉTICO. Antes de pronunciar essa palavra, lembre que uma palavra pode esconder muitos sentidos. • Uma palavra carrega ódio. • Uma palavra carrega repulsa. • Uma palavra carrega desprezo. • Uma palavra exclui. • Uma palavra isola. • Uma palavra machuca. • Uma palavra humilha. • Uma palavra, às vezes, mata. • Uma palavra não é só uma palavra.” (Fonte: Site falaeducador.com.br)

O vírus NÃO passa pelo abraço, beijo, carinho, aperto de mão, uso de toalhas, sabonete ou lençóis. Nem pela lágrima. Proteja-se também do preconceito.


30 Quatro Heróis Quando me casei com Bell foi um casamento simples. Não teve festa ou uma grande cerimônia, mas eu percebo enquanto vejo Chloe entrando na igreja o quanto eu quero aquilo, o quanto eu quis ver aquela cena. Wendy entra com as alianças, ao lado de Mabel com o buquê. Ambas sorriem e vestem um vestido digno de uma princesa, rosa e cheio de laços. Dessa vez eu não precisei vesti-las, felizmente, porque parecia ser muito difícil de vestir “aquilo” nelas. A única diferença no vestido delas é que Mabel insistiu em vestir um de mangas compridas. No futuro eu a ajudaria a se ver além daquelas marcas de queimadura em seu corpo, porém ela ainda é muito pequena e Chloe e eu decidimos deixá-la usar com mangas. Descobrimos, eu e minha mulher, quando demos banho em Mabel que um pouco de sua cintura também é queimada. Sabemos que nunca cicatrizaria, mas eu e Chloe, com certeza, a ajudaríamos. Mabel, assim como Timon, teria um bom futuro. Estamos no processo da adoção de ambos e tudo está caminhando bem e mais rápido do que eu poderia imaginar. Levamos Wendy para conhecê-los e eu fiquei receoso, caso eles não se dessem bem, mas minha filha (agora, uma das minhas filhas) é impossível de não se amar. Timon e Mabel foram tão delicados e amistosos com Wendy que já se pareciam irmãos dela também. Como nossa casa tem três quartos, decidimos fazer uma reforma e aumentar o quarto de Wendy, deixando para os três. Não queríamos dividir Wendy dos dois para não parecer que estávamos dividido-os no geral e não queríamos deixar as meninas em um quarto e Timon em outro, porque ele é muito apegado a Mabel, logo aumentar o quarto foi a solução mais viável. Quando Timon fosse maior, ele teria um quarto só seu, mas todos ainda são pequenos demais para nós nos importamos com esse detalhe. São uma “cordinha” Timon com seis, Mabel com quatro e Wendy com dois. Eu mal acredito que eu, no auge de meus 28 anos, tenho três filhos. E não importa os problemas e falhas que a sociedade vê neles, eu os acho perfeito. Chloe e eu descobrimos que Wendy é superdotada depois de levarmos todos os três ao médico e depois ao pedagogo... Wendy já lê coisas simples e escreve algumas outras, sem falar as contas básicas. Eu tenho uma criança superdotada em casa! Timon foi um pouco complicado para ser aceito em algum colégio depois de contarmos que ele


é soropositivo, mas Chloe, foi atrás de Blair, a advogada que faliu sua família, e entramos com um processo em todos os colégios que recusaram. Um colégio não pode, por lei, recusar um aluno. Quanto mais que pagaríamos. E se houvesse caso de, algum tipo, de auxílio por fora, nós não somos obrigados a pagar. É obrigação do colégio! Timon é muito esperto para seus seis anos, sabe ler e escrever bem para quem mal teve educação digna. Mabel, por sua vez, tem grandes dificuldades para aprender. Ela foi diagnostica com TDAH, que é o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Ela tem o tipo leve do TDAH, não é, ao todo, nada sério. Ela consegue fazer tudo normalmente, só leva um pouco mais de tempo. Felizmente Chloe e eu temos paciência de sobra e o colégio tem obrigação a ter também. A família de Chloe nos procurou algumas vezes nessas últimas semanas que passaram, mas Chloe recusou qualquer contato com eles. Nós tínhamos construído uma nova família, uma família, sinceramente, melhor. Há tantos meses era apenas eu e Wendy, hoje é, além de mim e Wendy, Chloe, Timon, Mabel, Elsa, minha antiga vizinha e alguns novos amigos que também estão no processo da adoção e alguns que tem filhos ou são soropositivo também. Eu suspiro. Eu nunca estive tão feliz. Não, na minha garagem não há um carro de meio milhão. Não, eu não tenho um jatinho particular ou helicóptero. Não, eu não tenho milhares de casas. Não, eu não passo minhas férias em uma ilha particular. Não, eu não sou milionário, nem CEO. Não, eu não sou impassível ou distante. Não, eu não sou forte ou a “perfeição”. Eu sou casado e estou preste a me casar novamente com a mesma mulher que sofreu com a depressão. Eu sou pai de uma menina superdotada, um menino soropositivo e uma menina que sofreu maltrato. Não, eu não olho para nenhum deles dividindo-os dessa maneira, contudo, estou dizendo dessa forma para mostrar quê: na verdade, isso não interessa. Eu não preciso ter uma fonte inesgotável de renda e mansões luxuosas para poder contar uma boa história. Essa é a história de um pai de três filhos perfeitos e de uma mulher que aprendeu a ver a vida de uma outra maneira. Com esperança.


Eu não fui o protagonista. Eu sou o adjuvante, que é uma função desempenhada, numa narrativa, por um personagem que ajuda a realizar o desejo do herói. Eu me sinto grato por ver que realizei o desejo de quatro heróis. Wendy que sonhava em ter uma família. Mesmo sendo tão pequena, qual criança não gostaria de ter uma família grande e irmãos para brincar? Chloe que sonhava em ser mãe. Timon e Mabel que sonhavam em ser adotados e recomeçar a vida. Todos a minha volta são tão especiais, que eu, me sinto ainda mais comum. E não, nada disso foi sobre mim, mas sim sobre eles, contudo eu fui o único que tive coragem de digitalizar essa história. Se eles escrevem a deles, eles não se achariam tão especiais. Se achariam tão comuns quanto eu me acho, talvez se achassem anormais, fora do comum. Mas eles não são anormais. São completamente especiais... Para mim. E isso é tudo sobre eles. Eu os amo tanto, mas não dói em nada, é prazeroso, é incrível amar pessoas tão perfeitas mesmo com suas imperfeições. Agora que eu divaguei para chegar neste momento, eu digo, que estou com as mãos sem saber como pará-las. Estou abrindo e fechando, sentindo minhas unhas cravarem um pouco em minha palma. Estou tenso como nunca estive. Mas não tenso por medo. Tenso de pressa. Atrás de Mabel e Wendy, vem Chloe, segurando o braço de Timon. Eles entram devagar. Chloe veste um vestido volumoso e impecavelmente branco. É meu anjo, em nada vindo do inferno. Aquela mulher caminhando devagar até mim, segurando o braço de nosso filho, sorrindo com os olhos cinzentos brilhando não é mais a mesma do começo dessa história. Não é uma mulher abalada e nenhum pouco triste. Ela, assim como eu, sabe o porque de levantar da cama com esperança todos os dias, porque temos crianças. Temos filhos um pouco barulhentos que, às vezes, não nos deixam dormir direito ou, às vezes, se agarram com a gente na cama. Levantamos todo dia da cama por eles e por nós mesmo. Temos que fazer dois tipos de café da manhã: o sem lactose e um bem mais saudável, principalmente para Timon. Levantamos todo da cama por além de termos trabalho nas sorveterias e crianças para cuidar, temos a nós mesmos para amar. Eu me amo bastante, mas não posso mentir que meus filhos vêm antes de mim e sei que Chloe também se sente assim. Mesmo com essa vida mais agitada que o normal, eu e minha moça ainda temos tempo de sobra para ficarmos juntos, a sós e aproveitar um a outro.


Nosso amor não cessará, mas reacenderá a cada dia mais forte. Por nós, por nossos filhos. Eu sorriu, quase caindo de quatro pela bela mulher com quem me casarei, mais uma vez. Seu vestido tem alças finas e um decote simples. Chloe não usa véu ou grinalda e não precisa disso para deixá-la linda. Seu batom claro e os olhos com um toque mais escuro e chamativo me deixam inebriado. Seu olhar cinzento é surreal de tão bonito. Seu cabelo está “meio” solto. Uma parte dele está trançado com tranças finas, embora grande parte está solto, deixando-o ondulado. Nunca a vi tão linda. Estou querendo correr até ela. Esperar ela vim até mim me deixa angustiado e eu me mexo sem sair do lugar, colocando o peso de um pé para o outro e assim ziguezagueando. Mabel e Wendy chegam até mim e param ao meu lado. Ambas continuam sorrindo e eu sorriu também. – Cuide bem dela. – Timon brinca quando me passa Chloe e eu gargalho. – Com certeza cuidarei. Chloe revira os olhos enquanto ri. – Você está lindo, moço. – ela sussurra para mim antes ficar ao meu lado. Estou vestido com terno e colete, ambos preto. Minha camisa social é branca e minha gravata é um tom claro de azul. Tentei ao máximo chegar ao nível de vestimenta e aparência de Chloe, mesmo que eu não soubesse como seria seu vestido. Estou me sentindo muito bem com essa roupa hoje. Vestir todo dia paletó é cansativo, mas em meu casamento é indispensável e nunca uma roupa formal me serviu tão bem. Eu sorriu amplamente para Chloe antes do padre começar a falar. Ela sorri para mim também. Eu nunca pensei que me tornaria tão feliz quanto neste momento. Eu me torno ainda mais feliz ao ter consciência que eu realizei os desejos de quatro heróis. Eu sou só mais um perto de qualquer um daqueles quatro. Um dia eu fui apenas o secretário, hoje eu sou muito mais que aquilo, mas a essência é a mesma. Sempre. Todo dia eu continuarei acordando buscando na vida motivos para viver bem. Aprendeu também? A vida é muito além do que vemos. Muito além do que nos deixamos sentir. Muito além do que nos deixamos viver. E no futuro, eu tenho a plena certeza, que meus filhos terão consciência disso também. Eles serão criados para ver na vida, a cada dia, esperança, mesmo quando isso parecer ser impossível. Meus filhos serão melhores do que eu e Chloe e eu espero que os filhos deles também sejam melhores que eles e assim sucessivamente. Porque assim deveria ser e assim comigo eu desejo que seja.


– Você é o melhor homem que eu poderia conhecer... – Chloe me diz quando estamos sozinhos em nosso quarto e as crianças dormem ao lado, até mesmo Luck está com eles. Não podíamos sair para uma lua de mel, ao menos não ainda e eu não reclamo disso. Temos tempo e iríamos quando pudéssemos. Eu riu e encaro minha mulher ainda de vestido de noiva. – Eu tento ser. – Você consegue ser. – ela me beija enquanto começa a tirar meu paletó. Quando meu paletó já está fora de meu corpo, no chão, eu começo a abrir o colete e fito meus olhos no de Chloe. – Moça, eu te faço feliz? O sorriso de minha mulher se torna ainda maior. – Moço, você me torna além de feliz. – Eu fico feliz por isso. Ela ri. – E você, é feliz? – Com você e as crianças sim. – Eu te amo, moço. Eu a beijo. – Eu te amarei amanhã, novamente. – digo antes de abrir o zíper de seu vestido e deixá-la apenas de lingerie. Quando a roupa de Chloe está no chão, logo a minha é a próxima a sair de meu corpo, rapidamente. A pego pela cintura, fazendo-a entrelaçar suas pernas em minha cintura e a deito na cama, beijando-a e falando, não promessas de amor, mas certezas por toda uma vida. Ela é e continuará sendo a mulher da minha vida. E caso, um dia, ela ou um de nossos filhos acorde acreditando que não tem porque levantar da cama, eu estarei ali, apto e paciente para provar o contrário. Porque essa é a história de um marido e pai de família que vê um sentindo simples na vida: têlos.


E essa foi, moรงas e rapazes, a histรณria de como eu, um homem comum, vejo sentindo na vida. Tendo aqueles quatro herรณis por perto.


Bônus

Simplesmente belo

Eu, Wendy Gissoni, aprendi com meus pais, algo simples: a essência da vida. Eu não acordo reclamando de nada, tento viver bem, como eles vivem. Estou no auge de meus 17 anos e indo para uma faculdade. Disseram, quando eu era criança que eu era superdotada... Bem, devo realmente ser, mas não vejo em mim nada tão especial quanto meu pai vive dizendo. Posso ser jovem, mas sempre fui muito além de meu tempo. Quando você cresce tendo pais como Chloe e Theo e irmãos como Timon e Mabel a vida realmente se torna melhor, mais simples e mais importante. Nunca fui uma adolescente de brigar ou sair de casa escondido. Nunca bebi, nem fumei. Nunca fui também a filha perfeita. Eu sou apenas comum, normal. Mesmo que para meus pais eu seja excepcional, não só eu, como Timon e Mabel também. Eu os amo independente de não serem meus irmãos de sangue. Na verdade eu não lembro de minha vida sem a presença deles. Meus pais me dizem que eles começaram a morar conosco definitivamente quando eu tinha mais ou menos três anos. Também não lembro de minha vida sem minha mãe Chloe, mas cresci sabendo que minha mãe de sangue é Bell. É, assim mesmo no presente. Meu pai me fala dela e me mostra suas fotos em tempos e tempos, mas eu não peço muitas informações sobre ela, porque eu sou muito feliz pela mãe que tenho, mas, de uma maneira ou de outra, guardaria para sempre Bell em meu coração pelas recordações boas que meu pai tem dela. Ela foi, sem dúvida, seu grande amor, mas não o único. Agora estou na rua esperando algum táxi passar. Já estou atrasada para a faculdade e por isso não vou pegar o metro ou algum ônibus. Os carros passam, mas nenhum táxi. Deus, que falta de sorte é essa? Respiro fundo e troco o peso de meu corpo para outra perna. Olho para minha roupa para ver se estou bem para meu primeiro dia da faculdade: calça jeans escura, camisa preta de alças e uma sapatilha. Estou básica, mas me sinto bem para uma manhã de segunda-feira. Minha bolsa contém um casaco, que minha mãe mandou eu levar, e um caderno. Timon me avisou que primeiro dia nunca é nada demais.


Sim, ele já começou a faculdade e está no penúltimo semestre aos 21 anos. Infelizmente Mabel ainda não conseguiu, com 19 anos, entrar em nenhuma faculdade. Mas nossos pais não surtavam com isso, querem que ela tenha seu tempo. Afinal, 19 anos ainda é muito nova. Eu que quero logo começar. Gosto de estudar, já Mabel prefere trabalhar e estar na ativa. Mudo a alça da minha bolsa de ombro e o táxi, finalmente, surge. No momento que coloco minha mão para pará-lo, outra mão surge fazendo o mesmo movimento que eu. Eu estou a ponto de discutir com esse alguém. Porque eu não quero me atrasar mais! Entretanto quando eu o olho e o táxi para indeciso sem saber quem de nós dois entrará, eu recuo, deixando o rapaz ir na minha frente. O rapaz que parou o táxi não é muito maior que eu, talvez uma cabeça. Seu cabelo cai em seus olhos e é em um tom de castanho escuro, como seus olhos. Seu tom de pele é meio oliva, meio pálido. Ele é bonito. Sem dúvidas. Mas o que me chama a atenção é ver um de seus braços apoiandose em uma muleta e o outro enfaixado com uma atadura. Mesmo assim, com uma certa dificuldade, ele carrega em um ombro a alça de sua mochila. Meus pais me ensinaram a não pensar demais sobre os outros ou seja, não julgar ou imaginar preposições sobre a vida alheia. Eu olho para o rapaz ao meu lado sem ver nada além de sua beleza. A muleta, a dificuldade em uma das pernas e o braço enfaixado é algo que me chama atenção, mas não é algo que me tira a atenção. Ele parece ser bem mais velho que eu, talvez cinco ou seis anos mais velho. O que eu já acho muito. Suas roupas são simplórias, calça jeans e camisa de mangas curtas. Porém, ainda sim, eu o acho bonito. Simplesmente belo. Oh! Reviro meus olhos. Eu estou me tornando meu pai de tanto enrolar. O taxista buzina e o rapaz diz: – Pode ir! Engulo em seco e o encaro fixamente. – Não, tudo bem. Pode ir. O taxista buzina de novo. – Eu faço questão que você vá... – Eu posso esperar o próximo táxi... O taxista buzina... Mais uma vez. O rapaz sorri para mim e faz um sinal para o taxista esperar. Seu sorriso também é bonito... Bonito demais. Dentes perfeitos e brancos. Covinhas.


Respiro fundo. Eu não passei maquiagem para sair de casa. Deve ser agora, um pouco mais das 8h, não achei que me encontraria com ninguém bonito no meio da rua e não me importo em agradar as pessoas da faculdade. Meu cabelo cacheado está solto e provavelmente arrepiado. Não vou nem tocar nele para não me assustar com o quão arrepiado ele pode estar. – Eu estou indo para a faculdade. – o rapaz diz – É aqui perto. Talvez possamos dividir a corrida a depender de onde você estiver indo também. Eu sorriu de volta para ele. – Eu também estou indo para a faculdade. Ele ri. – Então podemos ir juntos? Assinto e para minha surpresa, mesmo com um dos braços enfaixados e tendo apenas seus dedos para fora da faixa, o rapaz abre à porta do táxi para eu entrar primeiro. Não consigo deixar de agradecer e lembrar de meu pai, que vive me dizendo que meu “amor” terá que abrir à porta para mim. Qualquer porta, independente da condição dele. Eu ri e encaro o rapaz que entra logo após eu estar ajustada no assento e falar com o taxista o endereço. – A propósito, eu me chamo Harry. – e estendeu a mão que segurava a muleta (agora em seu colo) para mim. – Eu sou Wendy. – aceitei seu cumprimento e o taxista acelera – Nenhuma lógica louca para seu nome? Ele riu e eu ruborizo. Deus, que tipo de pergunta é essa? Mas é que estou tão acostumado com lógicas estranhas para nomes que acabo sempre perguntando isso. – Não, o seu tem? Idiota. Idiota. Idiota. Por que eu tinha que perguntar aquela besteira? Mas eu simplesmente não consigo manter minha boca fechada. Aos um ano e pouco eu já falava e aos dois já lia, com isso, por que agora, aos 17 anos me calaria? Embora havia momentos, como este, que eu preferia não falar nada para não falar demais. – A do Peter Pan. Harry ri e eu admiro suas covinhas. – Imaginei. – comenta – Nova na faculdade?


– Sim, e você? – Último semestre de direito. E você vai começar que curso? – Medicina. Eu não poderia escolher outro curso além desse. Minha vida inteira foi estudando sobre o vírus HIV por causa de Timon e lendo coisas sobre queimaduras graves por causa de Mabel. Aprendi com eles a aprender o que eu quero para meu futuro. Tendo as notas que tenho no colégio, concluí o ensino médio mais cedo e bem, agora já estou, acho eu, preparada para à faculdade. Não preparada apenas em nota, mas com determinada maturidade. Conversei muito com meus pais para ter certeza que medicina é o que eu quero. Eles acham que é mais que viável eu começar o curso e ter certeza em, ao menos um mês depois, que é realmente isso que quero para mim. Ele assente e eu olho para frente e para o lado oposto. O assunto morreu, claro. O que mais poderíamos falar? Eu sou péssima em socialização! Que vergonha. – Tudo bem ficar tensa no seu primeiro dia de aula. – Harry comenta colocando delicadamente sua mão não-enfaixada em meu ombro, eu olho para ele. Nossa, ele é realmente bonito! Seu nariz é fino, seus olhos na medida perfeita em seu rosto e bem brilhantes com aquele tom de castanho. Seu cabelo liso e bagunçado me faz ter vontade de acariciá-lo. Suspiro. Ele acha que estou tensa por causa da faculdade, enquanto eu estou surtando por estar ao seu lado e não saber o que falar. Mordo meu lábio inferior e assinto, pela que deve ser milésima vez. – Quantos anos você tem? – Harry pergunta. A partir desse momento eu não sei ao certo como isso acontece, mas até chegarmos na faculdade conversamos o tempo todo, de maneira fluída e tranquila. Harry é diferente e eu me acho tão comum. Harry é bonito e eu me acho tão simples. Quando saímos do táxi ele faz questão de sair primeiro e segurar à porta para mim, ele também paga o táxi sozinho e nega minha parte. Ele não está sendo machista ou querendo agir como um macho alfa, mas sinto que ele está agindo apenas da maneira dele e como ele acha certo. Meu pai gostaria de Harry, penso. Na verdade até minha mãe gostaria. Sorriu e paro em frente ao portão da faculdade com Harry ao meu lado. – Não estamos tão atrasados. Não se preocupe. – ele me conforta. – Obrigada, espero não ter perdido nada demais.


– Primeiro dia é só apresentação de professores. Assinto concordando e entramos na faculdade. Antes de tomarmos nosso rumo, Harry para na minha frente, com a muleta apoiando parte de seu corpo e a mochila quase caindo de seu ombro. Sua mão enfaixada vem até meu rosto e ele levanta meu queixo para encará-lo. – A gente pode se encontrar depois? Eu mordo meu lábio inferior, um tanto quanto tensa, mas, por fim, sorriu. – Eu gostaria disso. Harry suspira aliviado e sorri também. Harry é simplesmente belo tanto em suas ações quanto em sua aparência e eu estou simplesmente encantada.


Nota da autora Enfim, espero que a leitura tenha sido prazerosa que os tenham emocionado e os tenham feito refletir sobre coisas simples da vida. Sinta-se livre para avaliar e conhecer outras obras minhas também à venda na Amazon. *Simplesmente Belo possivelmente será um conto chamado apenas de “Simplesmente”. *Blair e Dean serão personagens de uma nova trama minha: Manual da Conquista (ainda sem previsão). *Este livro não teve epílogo pelo fato que terá um conto. Livros: Entre Mordidas e Acordes Deixe-me Te Amar Tentador Friday Contos: Prazer Completo Deite-se (extraído do livro DTA) Jasmin Palumbo no Wattpad


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