PRÉ-HISTÓRIA NO RIO GRANDE DO SUL

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Você sabia que, antes dos portugueses conquistarem o Brasil, existiam várias outras populações vivendo nas terras de nosso país, inclusive no Rio Grande do Sul? Hoje chamamos essas populações de grupos indígenas, porém devemos tentar não misturar tudo como se fosse uma única comunidade gigantesca, pois são grupos com culturas bem diferentes umas das outras. Nesse material, iremos nos focar nos primeiros humanos que chegaram aqui no Rio Grande do Sul, não é legal?! Há aproximadamente 12.000 anos, os primeiros grupos de caçadores e coletores vieram do norte do território brasileiro para a região que conhecemos hoje como nosso estado. Naquela época, essas pessoas encontraram um ambiente muito diferente do nosso, pois estavam vivendo o final da última Era Glacial. Sendo assim, o Rio Grande do Sul estava muito mais frio e seco do que hoje! Nesse ambiente diferenciado, havia vários animais gigantes também chamados de megafauna, que já foram extintos, como o milodonte, a preguiça gigante, o gliptodonte, um tatu-bola enorme e o toxodonte, algo parecido com um hipopótamo. Porém, não demorou muito para as geleiras do Ártico começarem a derreter, o nível do mar aumentar e o clima ficar mais úmido e quente, atraindo cada vez mais povos para dentro do nosso estado. Os primeiros grupos a chegarem aqui no Rio Grande do Sul vieram pela fronteira Oeste do nosso estado, através do Rio Uruguai. Um dos vestígios mais antigos de atividade humana destes primeiros povos foram encontrados na cidade de Alegrete,sendo datados de aproximadamente 12.700 anos atrás! Os objetos mais antigos

fabricados são denominados componentes da Tradição Umbu, nela se incluem pontas de flechas, raspadores, machados, facas, boleadeiras (aquele objeto abaixo parecido com uma bola que utilizavam amarradas em cordas para arremessá-las) e muitos outros, todos feitos de pedra lascada. Esses grupos eram nômades e viviam nas planícies do pampa com a caça/pesca de animais e com a coleta de frutas, sementes, raízes e vegetais, mudando seus “acampamentos” conforme o clima e o alimento disponível no lugar. Grande parte dos pesquisadores acredita que os antepassados dos charruas e dos minuanos, que falaremos mais adiante, adotavam tal forma de manejar esses instrumentos A segunda onda de povos que chegou ao Rio Grande do Sul foi formada pelos povos Tupi-Guarani e Macro-Jê, que vieram do norte do território brasileiro e chegaram ao nosso estado no início da Era Cristã (perto do ano 1), quando o clima já estava consolidado por um bom tempo, muito semelhante ao que é hoje. Esses grupos utilizavam técnicas de fabricar pedra polida para criar suas ferramentas e sabiam criar diversos tipos de cerâmica que eram usados como vasos recipientes e até como decoração. Além disso, eram grupos com aldeias estáveis e mais fixas ao solo do que aqueles primeiros grupos de caçadores e coletores da Tradição Umbu, já que eram praticavam frequentemente a agricultura.

Na região mais ao sul, também conhecida como região das terras baixas ao sudeste do Rio Grande do Sul, e também ao nordeste do Uruguai, nosso país vizinho, foram encontradas várias concentrações de morrinhos cobertos por vegetação rasteira.


No início, os pesquisadores achavam que tudo aquilo era obra da natureza, porém hoje já sabemos que esses morrinhos foram criados pelos primeiros habitantes do sul da América Latina. Esses povos eram formados por grupos caçadores, coletores e pescadores que viveram naquela região desde 6 mil anos atrás até a chegada dos europeus. Voltando aos pequenos morros, eles foram criados pelos primeiros habitantes da região e são chamados de aterros, montículos ou cerritos, forma mais utilizada pelos pesquisadores uruguaios. Os cerritos são formados através do acúmulo de terra junto ao descarte concentrado de objetos como: cerâmica, ferramentas de pedra e restos de alimento destes primeiros grupos que habitavam essa região. Era basicamente uma enorme lixeira

com muita terra das proximidades que, com o tempo, ia aumentando o seu tamanho. Seus tamanhos podem chegar a até 100m de diâmetro e 7m de altura, não é gigantesco?! Mas qual é a função dos cerritos? Há várias possibilidades de utilidades para esses morrinhos préhistóricos. Arqueólogos que estudaram os cerritos que se localizam perto da Lagoa dos Patos e da Lagoa Mirim, aqui em nosso estado, afirmam que os cerritos serviam como aterros diante dessas áreas que eram alagadiças. Ou seja, os povos que moravam nessas regiões criavam essas pequenas montanhas para ficarem acima delas quando a região ficava alagada. Porém, pesquisadores, em sua maioria uruguaios, descobriram destacaram as funções religiosas e funerárias dos cerritos, já que foram encontrados dentro deles, em escavações, restos de carvão de fogueiras, objetos cerimoniais e até restos mortais de pessoas. Há, também, a possibilidade dos cerritos terem sido criados para aumentar a segurança da tribo, pois os seus membros podiam demarcar o território com esses aterros, avisando que “tem gente aqui!” sem esquecer de garantir um ponto alto com um campo de visão bem amplo para poder avistar possíveis invasões ou outros grupos se aproximando. Infelizmente, há vários problemas em relação à preservação desses cerritos. Não é raro que proprietários de terra construam casas e outros estabelecimentos acima desses morrinhos pré-históricos. Além disso, é recorrente a criação de gado em território com concentração de cerritos no pampa gaúcho. A falta de reconhecimento sobre o valor histórico desses montículos faz com que muita informação útil para pesquisas arqueológicas se perca por conta da falta de preservação dessas preciosidades que nos dizem muito sobre os primeiros habitantes do Rio Grande do Sul.


Você sabia que as linguagens estão sempre se modificando? Você já parou para pensar que você fala diferente de seus tataravôs? Os estudos linguísticos podem ajudar a decifrar os percursos das culturas humanas, incluindo a história indígena. O grupo de linguagens ligadas por uma mesma linguagem que se modificou com o tempo é chamado de família linguística. Durante a segunda onda de ocupação do território que hoje em dia é denominado Rio Grande do Sul, se notou a presença de povos com duas principais famílias linguísticas: a Tupi-guarani e a Proto-Jê, ligadas àqueles povos que estudamos duas páginas atrás, mas é claro que você lembra, não é, amigo leitor?

Cerca de 2000 anos atrás as primeiras populações Proto-Jê chegaram na área que se localiza onde hoje é o nordeste do Rio Grande do Sul. Estas populações preferiam ocupar o Planalto do nosso estado, ocupando morros e áreas mais elevadas, principalmente na nascente de rios importantes da região como o Rio Caí, o Rio das Antas e o Rio Taquari (rio muito utilizado posteriormente pelos primeiros imigrantes italianos). Esses povos eram caçadores e coletores, tendo o pinhão como uma das principais fontes de alimentação. As árvores que produzem o pinhão, chamadas de araucárias serviam, também, de matéria-prima para as construções.


Nas encostas dos morros eles construíam casas subterrâneas (imagem ilustrativa acima) e no topo foram encontrados montículos funerários (um anel de terra com um pequeno monte no meio onde uma pessoa era enterrada). Além de fornecer defesa contra chuva e animais, as casas subterrâneas protegiam as pessoas do vento frio da região, o que foi muito importante para a sobrevivência. Algumas destas casas tiveram cerca de 500 anos de ocupação! Existem registros de grandes casas subterrâneas que alguns arqueólogos e arqueólogas estimam ser um espaço de vivência comunitário. Existem pesquisas, por exemplo, que re-

lacionam a presença da construção dos montículos funerários como resposta à chegada de populações Tupi-guarani (demonstrando organização para outro povo) na região, a cerca de 1070 anos atrás. Nos montículos, conforme a crença, eram enterrados caciques visando que cheguem à aldeia dos mortos. Foram achados também grandes anéis de terra sem montículos no centro, considerados como um espaço cerimonial.

Enquanto as populações Proto-Jê chegaram ao Planalto, as populações Tupiguarani expandiram-se pelo território através dos rios vindas do noroeste do estado, isso porque seu modo de deslocamento mais rápido era por meio de canoas e caiaques. Sobre isso, diversas pesquisas nas mais diferentes áreas indicam que a Amazônia pode ter sido um dos seus territórios de origem. Sobre a economia, destaca-se o papel do milho para os povos Tupi-guarani, tendo a coivara (queima de plantas nativas e uso das cinzas como adubo) e a agricultura,como práticas presentes para a subsistência destes povos.


Nós, historiadores, conseguimos observar uma grande quantidade de cerâmicas produzidas, sendo, de forma impressionante, notada no estudo arqueológico sobre os Tupi-Guarani, as maiores como Cambuchi, Igaçaba e Yapepó eram utilizadas na produção e no consumo do Cauim (bebida alcoólica) e também como urnas funerárias, indicando o uso ritual destas bebidas. As aldeias eram conhecidas por Tekoá e se organizavam em torno de um padrão circular possuindo também algumas casas comunitárias, surpreendente, não é?.

Após os ataques às missões jesuíticas pelos bandeirantes (como você já viu alguns anos atrás), levando ao extermínio da população Guarani original, restaram apenas alguns subgrupos dessa etnia. São eles: kaiowás, nhandevas, avá-chiriguanos, guaraios, chanés e os mbyá (fala-se embiá). Os Mbyá-Guarani são o último povo guarani que ainda vive aqui no Rio Grande do Sul. Eles vivem também em diversos outros estados do Brasil, no Paraguai e na Argentina. Estima-se que, aqui em nosso estado, existam ainda algo entre 2000 (segundo o Indec) e 7000 (segundo a Funasa e a Funai) membros da população mbyá. Seu povo faz referência a seus antepassados através de suas vestes (tambeao), em seus hábitos alimentares e em expressões linguísticas. Além disso, fazem questão de se diferenciar dos outros grupos, inclusive dos subgrupos que também descendem dos guaranis originários,

mantendo uma identidade religiosa e linguística bem característica somente deles, mesmo que ocorram casamentos de seus membros com pessoas de outros povos. Isso faz com que seja fácil para os estudiosos que estudam os povos indígenas do Brasil e da América reconhecerem esse grupo. O povo Mbyá se organiza sempre em pequenos grupos com quatro o cinco famílias, havendo aldeias e abrigos provisórios (principalmente na beira de estradas para vender artesanato). Eles vivem da caça, pesca, coleta e da horticultura de alimentos como milho, mandioca, batata, amendoim, feijão, abóbora e melancia. Seus territórios de plantio estão cada vez mais ameaçado pelos proprietários de terra, fazendo com que, muitas vezes, tenham que recorrer ao consumo de produtos industrializados. A liderança das tribos Mbyá geralmente se divide em duas: a espiritual (o xamã, chamado de karaí) e a política (o cacique, Mburuvichá). Mesmo sendo um grupo ágrafo, definição que os historiadores utilizam quando tratam de grupos que não tinham escrita, a palavra, quando falada, tinha (e ainda tem) uma importância muito grande para os Mbyá, pois a fala é uma dádiva divina e faz parte da identidade do grupo. A identidade é mais importante para eles do que para nós próprios, a identidade faz com que eles sejam “eles mesmos”.


entre outros fatores como disputa de terra, gerou disputa e conflitos entre eles. Os Charrua e os Minuano eram dois grupos que viviam no sul do continente americano por volta de 2000 anos atrás (em áreas que hoje fazem parte da Argentina, do Uruguai e do estado do Rio Grande do Sul). Mas não confunda, são dois grupos diferentes! Tinham algumas semelhanças (como o modo de vida baseado na caça, pesca e coleta), mas também muitas diferenças de cultura, sociedade e até características físicas. O território era dividido pelo Rio Uruguai: os Charrua junto à margem oeste e os Minuano junto à margem leste e indo até as planícies do litoral. Mas essa fronteira não era exata, já que aconteciam disputas territoriais e conflitos. Os dois grupos tiveram contato com os europeus, mas em épocas diferentes. Primeiro os Charrua, no início do século XVI, e depois os Minuano, mais ou menos um século depois. No início, é possível que tenham convivido bem com os espanhóis e portugueses, que viam eles como possíveis aliados. Logo, entraram em contato com o cavalo e o gado, trazidos da Europa, e esses animais acabaram se tornando muito importantes no uso diário (como alimentação e uso de couro) e também como moeda de troca. O uso desses animais, importantes e caros para os pampianos e para os europeus,

Os Charrua e os Minuano foram perseguidos e, como tentativa de melhor se defenderem, chegaram até mesmo a se unir contra os espanhóis e portugueses, mas praticamente todos eles foram exterminados pelos europeus, no ano de 1701.


Segundo o Censo do IBGE (2010), mais de 34 mil indígenas vivem no Rio Grande do Sul e pelo menos metade vive em terras indígenas. A Funai, Fundação Nacional do Índio, órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, identificou 27 áreas de grupos étnicos (Kaigang, Mbyá-Guarani, misto e possivelmente outros ainda não identificados). Sobre isso, é dever legal do Estado garantir a demarcação e proteção de terras indígenas, direito inegável destes povos pelas suas origens, sendo também essenciais para sua sobrevivência tanto pessoal quanto étnica, mantendo suas próprias culturas e costumes. Você sabia que a demarcação de terras indígenas também é excelente para o meio ambiente? Tal prática ajuda a preservar o patrimônio biológico e o conhecimento da natureza que os indígenas possuem, protegendo tanto o patrimônio natural quanto o patrimônio cultural destes povos. Entretanto, tais áreas são muito desejadas por grandes agricultores, produtores rurais e garimpeiros ligados às grandes mineradoras (visando obter as

riquezas minerais que em tese seriam patrimônio nacional), que constantemente disputam tais áreas por meio de agressões físicas e também por meio da esfera política e jurídica, tentando aprovar/burlar leis que assim facilitem a obtenção de grandes lucros, exterminando com a cultura de povos inteiros, com seus próprios indivíduos e com o próprio meio ambiente, algo extremamente horrível, não é?

Agora que você já aprendeu um bom punhado de coisas a respeito da Pré-história no Rio Grande do Sul, ficamos contentes de colaborarmos para suas construções intelectuais, importantíssimas, ainda assim, valorizamos ainda mais se além do conteúdo estudado você desenvolveu uma série de pensamentos críticos, igualmente importante (ou até mais do que o próprio conteúdo). A estrutura do livro foi planejada para que você note o quão complexa é a Préhistória em nosso estado, notando também a fragmentação das fronteiras territoriais, políticas e temporais, ressaltando o porquê de não termos uma abordagem meramente cronológica, mas específica, reflexiva, repleta de análises, imagens, interatividade e tecnologia, já que sabemos muito bem que você ama utilizá-la. Como presente por ter chegado até aqui, deixamos um último QR CODE (ao lado) para você assistir o belíssimo documentário: “12.000 Anos de História - Arqueologia e Pré História do RS".


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Fernando Ozorio de. A arqueologia dos fermentados: a etílica história dos Tupi-Guarani. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142015000100087> Acesso em 10 de dezembro de 2017 <http://amazoniareal.com.br/comissao-da-verdade-ao-menos-83-mil-indios-forammortos-na-ditadura-militar/> Acesso em 11 de dezembro de 2017 ROCHA, Luana Gabriela da. Sítios arqueológicos da região sul do Rio Grande do Sul: os “Cerritos”. Disponível em <http://www.pucrs.br/research/salao/2009XSalaoIC/XSalaoIC/Ciencias_Humanas/Arqueologia/71103LUANAGABRIELADAROCHA.pdf> Acesso em 11 de dezembro de 2017 COPÉ, Silvia Moehlecke. A Ocupação Pré-Colonial do Sul e Sudeste do Rio Grande do Sul. In: Kern, A. A. (org.). Arqueologia Pré-Histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991. SCHMITZ, Pedro Ignacio; NAUE, Guilherme; BECKER, Ítala Irene Basile. Os Aterros dos Campos do Sul: A Tradição Vieira. In: Kern, A. A. (org.). Arqueologia PréHistórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991. IPHAN. Tava: lugar de referência para o povo Guarani. Disponível em <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/507> Acesso em 12 de dezembro de 2017 Povos Indígenas do Brasil. Guarani Mbya. Disponível em <https://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani-mbya> Acesso em 14 de dezembro de 2017 GARCIA, Anderson Marques; MILDER, Saul Eduardo Seiguer. Convergências e divergências: aspectos das culturas indígenas Charrua e Minuano. Disponível em <https://periodicos.ufrn.br/vivencia/article/view/1933> Acesso em 13 de dezembro de 2017. PRECHT, Anna Liza; TIMM, Carolina. A saga dos índios Charrua. Disponível em <http://www.ufrgs.br/ensinodareportagem/cidades/charrua.html> Acesso em 15 de dezembro de 2017 DIAS, Adriana Schmidt. Arqueologia guarani no Lago Guaíba: refletindo sobre a territorialidade e a mobilidade pretérita e presente. In: Arqueologia guarani no litoral sul do Brasil. Curitiba: Appris, 2014. FUNAI. Terras indígenas: o que é? Disponível em <http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/demarcacao-de-terras-indigenas> Acesso em 16 de dezembro de 2017 Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Áreas indígenas: a demarcação de terras indígenas auxilia na preservação do patrimônio biológico. Disponível em <http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/areas-indigenas> Acesso em 17 de dezembro de 2017.



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