Comunidades quilombolas de Minas Gerais no séc. XXI – História e resistência
Fundado em 1985, o CEDEFES é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, filantrópica, de caráter científico, cultural e comunitário, de âmbito estadual, com sede e foro em Belo Horizonte, Minas Gerais, que se define como um centro de documentação popular. Nossa missão é contribuir para a inserção social e política dos brasileiros, em especial dos grupos sociais afetados por questões territoriais, como os povos indígenas, os trabalhadores rurais e os remanescentes de quilombos. Por meio de ações voltadas para sua formação cultural e política, a documentação, a pesquisa e a divulgação, buscamos valorizar a memória social e contribuir para que os direitos dessas comunidades sejam efetivados. O Projeto Quilombos Gerais, do CEDEFES, apoiado pela Misereor, busca dar maior visibilidade às comunidades quilombolas de Minas Gerais por meio da identificação, documentação, divulgação e articulação social entre as lideranças das comunidades e o mundo institucional, público e privado. Conheça outros títulos da coleção CULTURA NEGRA E IDENTIDADES
Apoio
Realização
CEDEFES
A palavra “quilombo” ou “calhambo” é de origem banto e significa “acampamento” ou “fortaleza”. Foi usada pelos portugueses para denominar as povoações construídas por escravos fugidos. O termo também pode ser atribuído a "casa" ou "refúgio". Minas Gerais tem um grande contingente da população afro-brasileira, e nesse contexto há um número significativo de comunidades quilombolas. Elas se formaram no movimento de resistência, mas, muitas vezes, eram toleradas pelo regime dominante, pois se tornaram locais onde funcionavam postos comerciais ou de oferta de mão-de-obra escrava ou barata. A maioria das comunidades quilombolas de Minas Gerais se formou posteriormente ao decreto de Abolição da Escravatura em 1888. Quando o decreto foi expedido, grande parte dos negros não tinha mais onde ficar, não havia trabalho e não havia perspectiva de integração à sociedade brasileira. Assim, muitas famílias migraram para os grotões, para as terras desabitadas ou para as margens das fazendas. Algumas poucas famílias receberam terras como doações dos antigos senhores e ali constituíram comunidades. Outras famílias negras conseguiram comprar pequenas terras nas fazendas onde trabalhavam. Esses grupos vivem à margem de seus direitos fundamentais, principalmente o direito ao seu território tradicional. Hoje, essas comunidades estão organizadas para reivindicar sua cidadania e dignidade para um futuro que contemple a promoção da igualdade racial e a valorização da diferença étnica.
s
• Afirmando direitos – Acesso e permanêcia de jovens negros na universidade Nilma Lino Gomes e Aracy Martins (Orgs.)
• Afro-descendência em Cadernos Negros e Jornal do MNU – Florentina da Silva Souza
• Bantos, malês e identidade negra – Nei Braz Lopes • Diversidade, espaço e relações étnico-raciais – O Negro na Geografia do Brasil Renato Emerson dos Santos (Org.) • O drama racial de crianças brasileiras – Socialização entre pares e preconceito Rita de Cássia Fazzi
Perseguidos, condenados, escondidos – essa foi a vida dos negros em nosso país. Para escaparem da escravidão e da marginalização subseqüente, sofridas ao longo de cinco séculos, os negros do Brasil buscaram locais e formas próprias de sobrevivência, em uma sociedade em que quase tudo lhes era negado. Construíram – antes e depois da Lei Áurea – comunidades próprias onde viveram e, até hoje, vivem e reproduzem suas famílias, seus modos de ser e de fazer, além da religiosidade, da arte e da cultura que secularmente foram criando, recriando e passando às novas gerações. Com a Constituição de 1988, essas comunidades obtiveram o reconhecimento de seus direitos sobre seu o território e a sua cultura. Somente a partir desse momento os quilombolas começaram a sair da "invisibilidade" social a que foram relegados nesses 500 anos. Este livro é uma fonte básica de consulta para todos aqueles que querem conhecer o que foi e o que ainda representa essa extraordinária luta pela vida, pela dignidade, pela terra e pela alegria dos quilombolas em Minas Gerais.
• Experiências étnico-culturais para a formação de professores – Nilma Lino Gomes, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (Orgs.) • Os filhos da África em Portugal – Antropologia, multiculturalidade e educação Neusa Maria Mendes de Gusmão • O jogo das diferenças – O multiculturalismo e seus contextos – Luiz Alberto Oliveira Gonçalves, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
• Rediscutindo a mestiçagem no Brasil – Identidade nacional VERSUS Identidade negra Kabengele Munanga • Sem perder a raiz – Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra – Nilma Lino Gomes • Um olhar além das fronteiras – Educação e relações raciais – Nilma Lino Gomes (Org.)
Comunidades quilombolas de Minas Gerais no séc. XXI História e resistência
ISBN 978-85-7526-274-0
www.autenticaeditora.com.br 0800 2831322
Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES
9 7 8 8 5 7 5 2 6 2 7 4 0
Comunidades q uilombo qu bollas de M o sécu XI Miinas Ge Gerrais n no sécullo X XXI História e resistência CEDEFES Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva
Quilombo 180208.pmd
1
27/08/2009, 11:15
ELABORAÇÃO:
Maria Elisabete Gontijo dos Santos e Pablo Matos Camargo ASSISTENTE DE PESQUISA:
Pablo Matos Camargo e Marielle Brasil COLABORARAM NESTA EDIÇÃO:
Alberto Pelliccione, Adriana Rocha, Ana Paula Lima, Ana Paula de Oliveira, Benedito Luiz Domingos, Heloisa Helena Nogueira Chaves, José Fernandes Pacheco, Leda Maria Benevello de Castro e Maria Regina Mata Machado Coelho FOTOS:
Pablo Matos Camargo, Marielle Brasil e Maria Elisabete Gontijo dos Santos COLABORARAM COM FOTOS:
Adriana Rocha, Alberto Peliccione, Alexandre Sampaio, Ana Paula Lima, Ricardo Alvares, Felisa Anaya, Renata Santos, João Bosco Oliveira e Daniel Vieira Chaves MAPAS:
Marcelo Ferreira de Castro, Marielle Brasil (apoio) e Pablo Matos Camargo (apoio) COORDENAÇÃO DO PROJETO:
Maria Elisabete Gontijo dos Santos
APOIO BISCHÖFLICHES HILFSWERK MISEREOR E. V.
Monzartstrabe – 52064 Aachen Postfach 10 15 45 52015 Aachen – Alemanha SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – SEPPIR-PR
REALIZAÇÃO CEDEFES – CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO ELOY FERREIRA DA SILVA
Rua Padre Marinho, 455, 3º andar, sala 34 . Santa Efigênia 30140-040 . Belo Horizonte . MG Telefax: (31) 3224 76 59 CNPJ: 19.696.160/0001-45 e-mail: cedefes@cedefes.org.br sítio: www.cedefes.org.br
O CEDEFES agradece a comunicação de falhas ou omissões verificadas nesta obra, bem como sugestões e críticas sobre o trabalho, por meio do website www.cedefes.org.br ou pelo telefone (31) 3224-7659.
Quilombo 180208.pmd
2
27/08/2009, 11:15
Coleção Cultura Negra e Identidades
Comunidades q uilombo qu bollas de M o sécu XI Miinas Ge Gerrais n no sécullo X XXI História e resistência Maria Elisabete Gontijo dos Santos Pablo Matos Camargo
Quilombo 180208.pmd
3
27/08/2009, 11:15
COPYRIGHT © 2008 BY CEDEFES
COORDENADORA DA COLEÇÃO:
Nilma Lino Gomes
C O N S E L H O E D I T O R I A L : Marta Araújo – Universidade de Coimbra; Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – UFSCAR; Renato Emerson dos Santos – UERJ; Maria Nazareth Soares
Fonseca – PUC Minas; Kabengele Munanga – USP; PROJETO GRÁFICO E CAPA:
Patrícia De Michelis sobre imagem de Marielle Brasil
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA:
Carolina Rocha, Waldênia Alvarenga e Conrado Esteves
R E V I S Ã O:
Cecília Martins
Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica sem a autorização prévia da editora. BELO HORIZONTE
Rua Aimorés, 981, 8º andar . Funcionários 30140-071 . Belo Horizonte . MG Tel: (55 31) 3222 68 19 TELEVENDAS : 0800 283 13 22 www.autenticaeditora.com.br e-mail: autentica@autenticaeditora.com.br SÃO PAULO
Tel.: 0800 283 13 22 e-mail: autentica-sp1@autenticaeditora.com.br
C972
Comunidades quilombolas de Minas Gerais no século XXI – História e resistência / organizado por Centro de Documentação Elóy Ferreira da Silva. – Belo Horizonte : Autêntica/CEDEFES, 2008. 392 p. ISBN: 978-85-7526-274-0 (Cultura negra e identidades) 1.Minas Gerais-História. 2.Cultura negra 3. Quilombo-Minas Gerais. I.Título. II.Série CDU 981.51 572.9(815.1) Ficha catalográfica elaborada por Rinaldo de Moura Faria – CRB6-1006
4
Quilombo 180208.pmd
4
27/08/2009, 11:15
Su már Sum áriio O CEDEFES – uma apresentação................................................................. 7 Introdução........................................................................................................................ 11 Terras de quilombo: direito territorial etnicamente diferenciado, reparação histórica e reforma agrária – José Augusto Laranjeiras Sampaio...................................... 17 As formações quilombolas em Minas Gerais – João Batista de Almeida Costa.................................................... 25 PRIMEIRA PARTE
OS QUILOMBOS EM MINAS GERAIS NO SÉCULO XXI Um primeiro olhar: os estudos e a busca pelos quilombolas..... 31 Onde estão? O mapeamento das comunidades.............................. 41 Os direitos distantes: situação das terras de quilombo em 2007......................................................................................... 51 Como vivem? .......................................................................................................... 55 As heranças dos antepassados: cultura e religiosidade nas comunidades quilombolas..................................... 63 O difícil convívio: tensões e conflitos da atualidade.......................... 75 Uns começos: organização das comunidades e a Federação N’Golo.......................................................................................... 85 5
Quilombo 180208.pmd
5
27/08/2009, 11:15
SEGUNDA PARTE
SAINDO DA INVISIBILIDADE: OS QUILOMBOS MINEIROS SE APRESENTAM Introdução.......................................................................................................................
91
Campo das Vertentes...........................................................................................
95
Central Mineira............................................................................................................ 107 Jequitinhonha....................................................................................................................... 113 Metropolitana Belo Horizonte............................................................................ 175 Noroeste de Minas................................................................................................. 217 Norte de Minas......................................................................................................... 237 Oeste de Minas......................................................................................................... 291 Sul de Minas............................................................................................................... 295 Triângulo e Alto Paranaíba................................................................................. 301 Vale do Mucuri........................................................................................................... 309 Vale do Rio Doce...................................................................................................... 329 Zona da Mata............................................................................................................ 353
Relação geral das comunidades quilombolas em Minas Gerais – 2007...................................................... 375 Referências.................................................................................................................. 387
6
Quilombo 180208.pmd
6
27/08/2009, 11:15
OC ED EF ma a prese ntação CED EDEF EFEES – u um ap sen
O Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES) é uma organização sem fins lucrativos, de caráter científico, cultural e comunitário, de âmbito estadual, fundada em 1985, na cidade de Contagem, e, desde 2003, funciona na cidade de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais. O nome do Centro, escolhido em 1985, é uma homenagem a Eloy Ferreira da Silva, trabalhador rural e sindicalista, assassinado em 16 de dezembro de 1984, no Vale do São Francisco, Minas Gerais. O CEDEFES tem por missão contribuir para a inserção social e política na sociedade brasileira dos povos indígenas e das populações rurais pobres, em especial trabalhadores e trabalhadoras rurais, sem terra, agricultores e agricultoras familiares, quilombolas para que possam participar do processo histórico de construção, em nosso país, de uma sociedade plural, solidária, sustentável e democrática, valorizando a memória social e a construção da cidadania, desenvolvendo, para tanto, ações voltadas para a documentação, a pesquisa, a divulgação e a formação cultural e política. O CEDEFES atua junto a um público diversificado, com especial atenção para os segmentos excluídos do campo no Estado de Minas Gerais. 7
Quilombo 180208.pmd
7
27/08/2009, 11:15
Nossos principais objetivos são: 1. Promover a informação e a formação cultural, pedagógica e política, dos atores sociais, sobretudo os que constituem nosso público-alvo, visando a um projeto de desenvolvimento popular, democrático e sustentável; 2. Documentar, arquivar, pesquisar e publicar temas do interesse popular; 3. Apoiar as lutas e estimular as organizações populares, favorecendo a construção da cidadania; 4. Incentivar o registro e a valorização da memória histórica e da identidade cultural como instrumentos no cotidiano da ação dos movimentos sociais. A gestão da entidade é de responsabilidade política e estatutária da Diretoria e do Conselho Fiscal, escolhidos em Assembléia entre os sócios. O CEDEFES conta com um quadro de associados com experiência nos movimentos populares ou especialistas nos eixos temáticos priorizados, o que possibilita não apenas uma gestão democrática como também, uma troca de experiências e aprofundamento das discussões. O CEDEFES tem tido ativa presença nas principais articulações e frentes de luta em prol dos excluídos do campo em Minas Gerais, como as lutas dos atingidos por barragens, dos movimentos pela reforma agrária, das iniciativas da agricultura familiar, das lutas das comunidades quilombolas, entre outros. Usamos o trabalho de campo (como reuniões, entrevistas, encontros) em projetos de assentamentos, em comunidades rurais atingidas pela ação de grandes projetos, públicos ou privados, e em comunidades quilombolas para reunir informações e documentação de primeira mão sobre a situação desses grupos específicos, editá-las e divulgá-las, dando voz aos excluídos, fazendo da documentação instrumento da luta social. As atividades de documentação e divulgação são vistas como forma de participação ativa junto aos segmentos sociais que trabalham pela construção de uma sociedade mais justa e democrática em Minas Gerais e no Brasil. Nossa documentação é construída com o sentido 8
Quilombo 180208.pmd
8
27/08/2009, 11:15
básico de educação e formação social e política do nosso público. Para nós, a produção de informação e documentação é uma tarefa socialmente engajada e politicamente comprometida. Por isto entendemos que o sentido maior da nossa ação é produzir ferramentas para as lutas sociais conduzidas pelos movimentos organizados. Esta publicação se insere na tradição social e política do CEDEFES e no seu trabalho de mais de 20 anos, pelos segmentos sociais excluídos da cidadania, como as comunidades quilombolas de Minas Gerais. Equipe do CEDEFES, Belo Horizonte, outubro de 2007.
9
Quilombo 180208.pmd
9
27/08/2009, 11:15
10
Quilombo 180208.pmd
10
27/08/2009, 11:15
Intrtrod od ução odu
As comunidades quilombolas podem ser consideradas como um dos segmentos sociais mais pobres, esquecidos e desconhecidos da nossa sociedade. No início dos anos 2000, pouco se sabia sobre quantas eram, como viviam e onde se encontravam. No mês de novembro desse mesmo ano, o CEDEFES organizou uma série seminários sobre a temática dos 500 anos do Brasil, sob a ótica dos indígenas, dos trabalhadores rurais e dos negros. Durante a realização do seminário sobre a questão negra, intitulado “500 Anos de Resistência Negra no Brasil: os Remanescentes de Quilombo e Outras Experiências”, representantes do movimento negro presentes ao evento solicitaram a colaboração do CEDEFES na tarefa de identificar e localizar as comunidades remanescentes de quilombos existentes no Estado. Tal auxílio foi solicitado tendo em vista a extrema precariedade das informações a esse respeito existentes à época. De fato, no início de nossos estudos, verificamos que entidades privadas, organizações não governamentais e órgãos públicos relacionados às questões da população negra no Estado não dispunham de muito conhecimento sobre quem eram e onde se achavam os chamados “remanescentes de quilombos”. Até aquela época havia alguns estudos relevantes sobre comunidades específicas, como a dos Arturos, Amaros, Brejo dos Crioulos, Espinho, Quartel do Indaiá, Tabatinga, entre outras. Mas informações disponíveis sobre a existência e a localização das comunidades 11
Quilombo 180208.pmd
11
27/08/2009, 11:15
quilombolas no Estado resumiam-se a uma publicação da Fundação Cultural Palmares, de 2000, em que eram listados os 743 quilombos presumivelmente existentes no País e identificados pelo Governo Federal, distribuídos segundo os Estados e municípios. Segundo essa relação, em Minas Gerais, havia 66 comunidades. As informações contidas na lista da Fundação Palmares limitavam a apenas dois tipos de dados: o nome e o município onde se localiza. Essa lista também apresentava problemas. Das 66 citações, em 19 não havia o nome da comunidade, mas apenas o município onde poderia ser encontrada. E, em outras 8 citações, o nome estava indicado, mas faltava a identificação do município onde se localizava. Nomes incompletos ou genéricos e incorreções, como uma comunidade com o nome de Vale do Jequitinhonha, em Nanuque, também foram observados. Apesar dessas dificuldades, foi com base nessa lista que o CEDEFES deu início à execução de um projeto próprio voltado para a questão quilombola. De todas as comunidades listadas pela Fundação Cultural Palmares, somente uma, a comunidade de Porto Corís, no município de Leme do Prado, tinha obtido o seu título de terra, de acordo com o disposto constitucional. A ausência desses títulos mostrou-nos que muito havia por se fazer na questão quilombola. Nesse aspecto, podemos dizer que a situação até mesmo piorou de lá até hoje, pois, com a construção da barragem de Irapé, essa comunidade perdeu o território que ocupava, de forma que no Estado, hoje, não há nenhuma comunidade titulada. Outro aspecto que nos chamava atenção no início de nossos estudos era o fato de que essas comunidades se encontravam politicamente desorganizadas. Afora algumas associações locais, elas não possuíam uma entidade organizada em âmbito regional ou estadual que pudesse representá-las na defesa dos seus direitos, não apenas como trabalhadores, mas também como grupos sociais culturalmente diferenciados. Constatamos ainda, à época, como hoje, durante as visitas locais, que muitas comunidades não se reconheciam no termo “quilombo” e sequer tinham ouvido falar da existência de seus direitos constitucionais estabelecidos em 1988, em especial aqueles contidos nos artigos 216 e 217, que tratam de seus direitos culturais, e no artigo 68 do Ato 12
Quilombo 180208.pmd
12
27/08/2009, 11:15
das Disposições Constitucionais Transitórias, que trata da titulação de suas terras, Dessa forma, a equipe do CEDEFES verificou que era urgente não apenas o trabalho de identificação das comunidades, mas também o de mobilização política, de forma a dar visibilidade à questão quilombola no Estado.
O
PROJETO QUILOMBOS GERAIS
Em execução desde 2003, o Projeto Quilombos Gerais é uma iniciativa que conta com o apoio financeiro da Misereor, entidade alemã de apoio internacional ligada à igreja católica. Voltado para a promoção das comunidades quilombolas de Minas Gerais, o projeto, por meio de várias iniciativas, busca dar, primordialmente, visibilidade às demandas sociais e políticas desses grupos sociais e apoio às suas lutas, de forma que tenham condições de atuarem politicamente, enquanto atores independentes, na defesa de seus interesses. As atividades desenvolvidas pelo Projeto valorizam sua cultura etnicamente diferenciada e promovem a melhoria da auto-estima dos quilombolas por meio do trabalho de pesquisa e divulgação, entre os próprios quilombolas e à sociedade em geral, de sua história, arte, religiosidade, tensões, conflitos e anseios. Restrito ao Estado de Minas Gerais, o Projeto efetua o pré-mapeamento e a identificação das comunidades negras de origem quilombola; desenvolve ações voltadas para promoção da visibilidade social e política desse grupo e promove encontros, seminários e debates dirigidos à formação das lideranças quilombolas e melhoria de suas relações com o mundo institucional público e privado. O Projeto assessora, ainda, as comunidades que escolherem a luta social para seu reconhecimento oficial como de origem quilombola e a conseqüente legalização de suas terras, nos termos da garantia constitucional.
PRINCIPAIS RESULTADOS Entre os principais resultados obtidos até o momento, podemos citar a ampliação do número de comunidades quilombolas conhecidas até 2000, que era de 66, para 436 pré-identificadas até junho de 2007. Dessas, temos dados com tratamento estatístico para cerca de 180, sendo que 70 já receberam a visita de técnicos do Projeto. Há 13
Quilombo 180208.pmd
13
27/08/2009, 11:15
ainda um considerável acervo de fotos, gravações e outros documentos para a maioria das comunidades incluídas em nossa lista. Nessa linha de ação referente à divulgação da questão quilombola no estado, o Projeto, em 2005, elaborou e publicou 10 mil exemplares da cartilha O direito à terra é um direito quilombola, que foram distribuídos em comunidades, escolas, sindicatos, ONGs, órgãos do governo e outros interessados. Neste ano, publicou um livro paradidático intitulado Zezé e os tambores, serão lançados ainda um documentário e um CD-ROM sobre as comunidades quilombolas de Minas Gerais. Além disso, veicula matérias de interesse do movimento quilombola na Agenda popular, informativo impresso mensal do CEDEFES, e no sítio www.cedefes.org.br. Por essas iniciativas, o CEDEFES é hoje um centro de referência em informações sobre as comunidades quilombolas de Minas Gerais e, por isso, recebe consultas de diversos órgãos públicos, pesquisadores, estudantes, imprensa e público em geral. Essas atividades vêm contribuindo para uma sensível melhoria na visibilidade social e política dos quilombolas e uma melhor adequação de políticas públicas voltadas para essas comunidades. No âmbito da articulação social, o Projeto trabalha solidariamente com outras entidades e instituições públicas e privadas, não apenas com o objetivo de ganhar apoiadores para a causa, mas também na perspectiva de que as comunidades quilombolas obtenham sua autorepresentação perante o Estado e a sociedade. Nessa perspectiva, apóia e assessora lideranças quilombolas, auxilia as comunidades em suas demandas frente aos órgãos públicos e realiza encontros e seminários voltados para a articulação do movimento. Em novembro de 2004, o CEDEFES foi uma das entidades apoiadoras do I Encontro de Comunidades Negras e Quilombolas, realizado em Belo Horizonte. Nesse evento, ocorreu a primeira articulação de suas lideranças no estado, que resultou na criação, em 2005, da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N´Golo). A diretoria da Federação vem recebendo, desde então, o apoio integral do Projeto, em suas atividades de articulação e contatos com comunidades do interior, entidades do movimento no País 14
Quilombo 180208.pmd
14
27/08/2009, 11:15
e órgãos públicos. Em março de 2007, o Projeto promoveu o II Encontro, no município de São João da Ponte, que apresentou, entre outros resultados, uma carta aberta dirigida ao presidente da República com as principais demandas do movimento no Estado. Essa linha de ação é a síntese do projeto. Pois, desde o início, o que se pretendeu foi promover a causa quilombola, dar visibilidade às suas questões e apoiar suas lideranças, de forma que eles e elas possam se fazer representar por si mesmos, no alcance dos seus objetivos sociais e políticos. Como uma das etapas do Projeto, esta publicação pretende transmitir a todos os interessados em conhecer a história de luta e resistência das comunidades quilombolas de Minas Gerais e as informações e os resultados das pesquisas por nós realizadas nos últimos anos quatro anos. Na Primeira Parte, “Os quilombos em Minas Gerais no século XXI”, encontram-se as definições conceituais e metodológicas que nortearam o trabalho da pesquisa; o mapeamento de comunidades, obtido até junho de 2007, com indicação dos municípios em que se encontram, de acordo com a definição do IBGE das 12 regiões do Estado; a situação da titulação das terras de quilombo em Minas Gerais, conforme dados do INCRA, em junho de 2007, e informes sobre o processo de cadastramento do auto-reconhecimento das comunidades pela Fundação Cultural Palmares, também com dados relativos a junho de 2007. Temas como infra-estrutura disponível nas comunidades, o acesso a bens públicos, as condições de subsistência das comunidades, entre outros, foram objeto de análises estatísticas a partir do banco de dados construído até 2006. Esses resultados estão apresentados no Capítulo 4 da Primeira Parte. Um estudo descritivo sobre os principais aspectos culturais observados nas comunidades visitadas encontra-se no Capítulo 5. Questões relacionadas às tensões e aos conflitos vividos pelas comunidades na atualidade, em especial aqueles relacionados à posse e ao uso de seus territórios históricos, são apresentadas no Capítulo 6. O último capítulo da Primeira Parte relata um pouco da história da formação da primeira entidade representativa dos quilombolas no Estado, a Federação N’Golo. 15
Quilombo 180208.pmd
15
27/08/2009, 11:15
Na Segunda parte, “Saindo da invisibilidade: as comunidades quilombolas se apresentam”, o leitor encontrará, apresentadas por ordem alfabética, cada uma das comunidades existentes no Estado para as quais já existem informações organizadas, como localização, infraestrutura, história, cultura, entre outras. Finalmente, na Terceira Parte, encontra-se uma relação completa de todas as comunidades sobre as quais obtivemos alguma informação até junho de 2007. Nela estão incluídas tanto aquelas já relacionadas anteriormente como aquelas que ainda se encontram em processo de pré-mapeamento e identificação, que continuará em andamento até, presumivelmente, 2009. Para compor o prefácio, convidamos os professores, pesquisadores do tema e amigos do CEDEFES, José Augusto Laranjeira Sampaio e João Batista de Almeida Costa, que muito gentilmente contribuíram para esta publicação com dois textos sobre a atualidade da questão quilombola no País e em Minas Gerais. A eles os nossos sinceros agradecimentos. Para a realização da pesquisa, contamos com a colaboração de Marielle Brasil, nossa companheira de viagens e trabalhos, a quem manifestamos nosso agradecimento pelo apoio. O trabalho desenvolvido pelo Projeto Quilombos Gerais ao longo desses anos somente foi possível dada a contribuição entusiasmada e amiga da equipe técnica do CEDEFES: Luís, Ana Paula, Adriana e Paulinha, de sua coordenadora, Leda Benevello, e de seu presidente, o querido Pacheco. Sócios, colaboradores e amigos do CEDEFES também nos ajudaram em diversos momentos e fases do trabalho, a todos eles nossos sinceros agradecimentos. Maria Elisabete Gontijo dos Santos Pablo Matos Camargo
16
Quilombo 180208.pmd
16
27/08/2009, 11:15
www.autenticaeditora.com.br www.twitter.com/autentica_ed www.facebook.com/editora.autentica