A história da menina que está ajudando a mudar a educação no Brasil
C A P Í TU LO 3
O começo de tudo
Uma inspiração
Na tarde seguinte, por causa da minha indignação com os problemas da escola, fui conversar com minha irmã mais velha, a Ingrid. Contei a ela sobre tudo o que aconteceu e também sobre as comparações que eu fazia entre escolas públicas e particulares. A Ingrid, que também estudou a vida inteira em escola pública, municipal ou federal, sabia bem o que eu estava falando e me contou sobre uma menina escocesa chamada Martha Payne, de 9 anos, que ela tinha visto na internet. A garota morava em uma fazenda com a família em um lugar chamado Argyll, na Escócia, e chegava todo dia com fome da escola, porque a merenda era muito ruim e muito pouca, e os alunos nunca podiam repetir o prato. Então, para mostrar os problemas e tentar melhorar a alimentação, ela criou um blog chamado NeverSeconds, que quer dizer mais ou menos “nunca repita o prato”. No blog, ela começou a postar fotos que tirava da comida todos os dias, e dava notas, inclusive até comentava quantos fios de cabelo tinha na comida naquele dia. Em pouco tempo, ela conseguiu mobilizar a comunidade e conseguiu resultados, porque teve muito apoio. Ela até chamou a atenção do famoso chef Jamie Oliver, que tuitou incentivando 40
a Martha. Ela ficou famosa no mundo inteiro, com milhões de acessos no blog, e a alimentação na sua escola mudou muito, para melhor. Minha irmã me mostrou o blog – o endereço é <http:// neverseconds.blogspot.com> – e me sugeriu: “Por que você não faz alguma coisa parecida? Cria um blog e mostra os problemas da sua escola”. Eu achei a ideia dela muito boa e fiquei com muita vontade de criar alguma coisa do tipo. Aquilo poderia dar resultado também para o caso da minha escola. Mas pensei que eu não deveria criar um blog, e sim uma fanpage no Facebook, porque, além de eu não saber mexer direito com blogs, eu achei que uma rede social seria o lugar com mais gente conectada ao mesmo tempo. Muitas pessoas no mundo todo usam o Facebook. Eu já tinha minha página pessoal e para mim seria mais fácil criar e mexer, para atualizar. Falei para a Ingrid que eu ia fazer uma fanpage, e não um blog, e que, além de comentar da merenda, iria mostrar como estava a infraestrutura, o ensino, as condições da escola, etc. Minha irmã concordou e disse que era uma ótima ideia fazer daquele jeito. Fui então falar para minha mãe e para meu pai qual eram os meus planos. Disse para eles, bastante animada: “Acho que vou criar uma página”. Eles aceitaram a ideia, mas sem tanta empolgação. E me lembraram que nós estávamos no Brasil, que era muito diferente da Escócia, que as coisas aqui não aconteciam como na Europa, e talvez não desse nenhum resultado, porque as pessoas poderiam nem dar bola para mim. Mas me disseram que iriam me apoiar sempre, e que era meu direito reclamar das coisas que são públicas. E eu disse para eles: “Tudo bem. Mesmo que ninguém me dê bola, que ninguém veja minhas postagens, eu vou criar só para não sentir que eu não estou fazendo nada para melhorar a educação e as escolas públicas”. 41
Já que pedir para os professores e para os diretores não estava resolvendo nada, pior do que estava não poderia ficar. Na verdade, eu não tinha nem ideia do que poderia acontecer. Então fui em frente. A fanpage
Aquele dia em que eu falei com minha família sobre a fanpage era uma terça-feira, dia 10 de julho de 2012. Naquela sexta-feira, iríamos entrar de férias, mas mesmo assim resolvi começar. No dia seguinte, logo cedo, na escola, falei com a Melina, minha melhor amiga, e contei tudo o que eu tinha conversado com a Ingrid e o que eu estava pensando em fazer. Então, a convidei para fazer a página comigo. Nós conversamos bastante, e ela topou. Em seguida, já começamos a tirar fotos com o celular para postar aquilo que achávamos que estava pior na escola. Também fizemos uma filmagem dos corredores e do banheiro feminino, mostrando privadas quebradas, entupidas, sem tampa, portas quebradas e rabiscadas, porta papel quebrado e outras coisas. À tarde, depois das aulas, a Melina veio em casa. Sentamos na sala na frente do notebook que eu dividia com a Duda e começamos a organizar a fanpage. Primeiro, precisávamos escolher o nome. Pensamos bastante, mostramos para a minha mãe, e foi ela quem acabou dando a melhor sugestão: Diário de Classe. Realmente, seria um diário de classe, porque a gente ia contar o dia a dia na escola. Então, no dia 11 de julho de 2012, iniciamos a página e começamos a postar. Nesse primeiro dia, já colocamos várias fotos e uma filmagem.
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Diário de Classe 11 de julho de 2012 Essa é a nossa escola localizada no bairro do Santinho na Estrada Vereador Onildo Lemos. A fachada até é bonita mas entre para ver. Será que essa será mesmo a sua opinião? Ainda temos muita coisa pela frente!
Diário de Classe 11 de julho de 2012
Essa é a porta do “banheiro feminino” da nossa escola que fica no Santinho. Nem fechadura tem !!!
Diário de Classe 11 de julho de 2012 Esse é o ventilador da nossa sala, meus colegas encostam os fios e ele funciona. Será que tem perigo???????
Diário de Classe 11 de julho de 2012
O portão da escola. Os problemas começam na PORTA DE ENTRADA.
Diário de Classe 11 de julho de 2012
Lâmpada que caiu.
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Diário de Classe 11 de julho de 2012 É sorte, temos pelo menos essa tampa.
Diário de Classe 11 de julho de 2012 Olha essa. Falei que era sorte!
Diário de Classe 11 de julho de 2012 Lâmpada.
Diário de Classe 11 de julho de 2012 Alguns bancos do refeitório, quebrados claro!
Diário de Classe 11 de julho de 2012 Comida.
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Diário de Classe
11 de julho de 2012
A porta do banheiro toda escrita.
Diário de Classe
11 de julho de 2012
Um vídeo de 1 minuto e 41 segundos, mostrando banheiros.
Diário de Classe 11 de julho de 2012 Sala de aula.
Diário de Classe
11 de julho de 2012 Corredor.
Diário de Classe 11 de julho de 2012 Parede do lado.
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Diário de Classe
11 de julho de 2012 Parede interna.
Diário de Classe
11 de julho de 2012 Frente da escola.
Compartilhando
Assim que abrimos a página, pedimos que alguns colegas e amigos nossos curtissem, para nos ajudar a divulgar. Também falamos com alguns de nossos parentes, que foram curtindo e compartilhando. Bem pouca coisa, mas foi assim que tudo começou. Já nesse primeiro dia, conseguimos umas 20 curtidas na página e umas 10 nas postagens, além de alguns compartilhamentos e várias visualizações. Eu e a Melina estávamos muito felizes, porque já era muito bom para o primeiro dia. No dia seguinte, recebi uma imagem para a fanpage feita por um amigo, porque ela ainda tinha uma foto da porta rabiscada como capa. Ficou assim:
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Na sexta-feira, dia 13, já íamos 11 de julho de 2012 entrar de férias, então seria mais difícil mesmo alguém prestar atenção nas coi20 sas da escola e na fanpage. Era claro que seguidores nesses primeiros dias nada ia mudar, os problemas continuariam lá, iguais. Mas nosso objetivo não era nem conseguir melhorias imediatas, e sim apenas mostrar os problemas da nossa escola. No sábado, primeiro dia das férias, deixei três mensagens na página. Uma com um recado para os políticos, outra com um trecho de uma letra de música que vi na internet, dos Engenheiros do Hawaii, e que achei que representava bem o que eu estava sentindo, e a terceira sobre uma reportagem que eu tinha visto na televisão falando de uma menina que levou uma arma para a escola, o que eu achei um grande absurdo, e que mostrava a situação das escolas no Brasil. Diário de Classe 14 de julho de 2012
a começam os “senhores Eu criei esta página porque agor nunca são verdade, escolas de candidatos” a mostrar coisas que cenários!
Diário de Classe 14 de julho de 2012 Se te disseram que pra não virar a mesa Se te disseram que o ataque é a pior defesa Se te disseram pra esperar a sobremesa Ouça o que eu digo: não ouça ninguém Esse refrão diz muito sobre eu ter criado esta página, e eu não vou desistir, não estou cometendo nenhum crime, estou mostrando o que de fato é a pura realidade. Os regimentos internos deveriam punir os maus, que roubam, que quebram, que estragam a escola, que agridem os outros, esses sim deveriam sofrer punição!
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Diário de Classe 14 de julho de 2012 Ontem foi mostrado no Jornal do almoço, uma garota de 14 anos que levou uma arma pra escola... nada vai acontecer com ela e vai continuar frequentando as aulas normalmente. Isso pode????????
Durante as férias, que foram até o dia 30 de julho, não postamos mais nada. E ficamos esperando a volta das aulas para continuar.
14 de julho de 2012
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seguidores
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