Entre o espetáculo, a festa e a argumentação: Mídia, comunicação estratégica e mobilização

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O AUTOR Rennan Mafra é Relações Públicas, Mestre em Comunicação Social pela UFMG, consultor e professor universitário.

Leia também: • Comunicação e Estratégias de Mobilização Social Márcio Simeone Henriques (org.)

Visibilidade, convocação, participação, comunicação – questões que instigam e permeiam os processos de mobilização social. Em que medida ações espetaculares se inserem nesses momentos? Quais as possibilidades tem a festa com vistas ao engajamento coletivo? Como os sujeitos são envolvidos nos processos mobilizadores em momentos argumentativos? Não por acaso tais questões representam o tema central deste livro, discutidas aqui particularmente a partir da relação entre mídia, comunicação estratégica e mobilização social. O autor propõe pensar como dimensões de espetáculo, festa e argumentação, conquanto processos comunicativos, instauram relações e modalidades de participação e interação com os sujeitos, em processos mobilizadores. Debruçando-se sobre a relação entre essas dimensões e a convocação política dos sujeitos para a deliberação pública das questões que afetam a todos, o autor enriquece a reflexão sobre a relação entre a comunicação e a mobilização social no cenário democrático contemporâneo.

• Mobilização Social: um modo de construir a democracia e a participação Jose Bernardo Toro e Nisia Maria Duarte Werneck • Visões de futuro: responsabilidade compartilhada e mobilização social Márcio Simeone Henriques e Nisia Maria Duarte Werneck (orgs.)

ISBN 978 85 7526 206 1

www.autenticaeditora.com.br Televendas: 0800 2831322

9 788575 262061

Entre o espetáculo, a festa e a argumentação: mídia, comunicação estratégica e mobilização social

social, tendo em vista o engajamento coletivo dos sujeitos para as questões que afetam a todos? As discussões aqui propostas encontraram no Projeto Manuelzão, que objetiva a revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, um dos principais afluentes do rio São Francisco, campo fértil para serem levantadas e analisadas. O foco analítico dessa proposta conceitual recaiu sobre a Expedição Manuelzão desce o Rio das Velhas, realizada em 2003, que ganhou considerável repercussão nos principais veículos de massa de Minas Gerais, vitrines para milhares de pessoas, e que foi estruturada, ainda, valendose de um planejamento específico de comunicação estratégica.

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COMUNICAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL

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Uma organização democrática da vida coletiva pressupõe a participação dos sujeitos nas questões públicas. Esse engajamento pode tomar forma na medida em que as pessoas têm seus interesses despertados, identificam-se com os valores e as práticas em questão e se enxergam como partes de um todo, capazes de, com seu posicionamento, possibilitar arranjos coletivos e, muitas vezes, mudar o curso de uma situação. Em meio a esse cenário, esforços para a convocação dos sujeitos são cada vez mais empreendidos, questões essas que encontram respaldo na discussão proposta pelo livro, que tem como fio condutor a relação entre comunicação estratégica, mídia e mobilização social. Como é possível mobilizar os sujeitos à participação coletiva? É plausível que meios, instrumentos e estratégias de comunicação tenham participação nos processos mobilizadores? São algumas das questões que o autor suscita em sua obra. E mais: por um olhar comunicacional, a convocação dos sujeitos nos processos mobilizadores é analisada sob a ótica do espetáculo, da festa e da argumentação, três dimensões possíveis discutidas pelo autor. A proposta do livro, que faz parte da Coleção Comunicação e Mobilização Social, é perceber quais características tais dimensões – constituídas por mecanismos midiáticos e estratégicos – empregam ao processo mobilizador e como, por meio delas, os sujeitos são envolvidos comunicacionalmente. Enfim, como estratégias de comunicação, ao constituírem momentos espetaculares, festivos e argumentativos, podem ser inseridas em processos de mobilização


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Rennan Mafra

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1ª edição 1ª reimpressão

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Copyright © 2006 by Rennan Mafra CAPA (Sobre foto do Arquivo Projeto Manuelzão) REVISÃO Dila Bragança EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Carolina Rocha CONSELHO EDITORIAL Cicilia Maria Krohling Peruzzo Desirée Cipriano Rabelo Márcio Simeone Henriques Nisia Maria Duarte Werneck Rennan Lanna Martins Mafra 2008 Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da editora. Autêntica Editora Belo Horizonte Rua Aimorés, 981, 8º andar – Funcionários 30140-071 – Belo Horizonte – MG Tel: (55 31) 3222 68 19 TELEVENDAS: 0800 283 13 22 www.autenticaeditora.com.br e-mail: autentica@autenticaeditora.com.br São Paulo Tel.: 0800 283 13 22 e-mail: autentica-sp1@autenticaeditora.com.br

M187e

Mafra, Rennan Entre o espetáculo, a festa e a argumentação - mídia, comunicação estratégica e mobilização social / Rennan Mafra . – 1. reimp. – Belo Horizonte : Autêntica , 2008. 192 p. ISBN 978-85-7526-206-1 1.Comunicação. 2.Movimento social. I.Título. CDU 316.444

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SUMÁRIO

PREFÁCIO.............................................................................................

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INTRODUÇÃO.......................................................................................

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CAPÍTULO I Em busca do debate público e da mobilização social..............

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O processo de debate na esfera pública..................................

23

O processo de mobilização social.............................................

33

CAPÍTULO II Mídia, comunicação estratégica e espaços de visibilidade pública.................................................

39

Mídia e mobilização social: uma demanda por visibilidade.....

39

Comunicação estratégica: construindo “conversações” com públicos...................................................

42

Mídia e comunicação estratégica: em busca de espaços de visibilidade pública...........................

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CAPÍTULO III Entre o espetáculo, a festa e a argumentação.............................

53

O entendimento de possíveis dimensões de estratégias de comunicação para mobilização social........

53

A dimensão espetacular.............................................................

55

A dimensão festiva.....................................................................

64

A dimensão argumentativa......................................................

72

Quadro analítico comparativo das dimensões das estratégias de comunicação para Mobilização Social.....

81

CAPÍTULO IV Uma concepção mais ou menos racional: as dimensões da Expedição Manuelzão Desce o Rio das Velhas....................

85

O projeto Manuelzão.................................................................

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A Expedição Manuelzão Desce o Rio das Velhas: acionando a mídia e a comunicação estratégica para a mobilização social..

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O detalhamento da Expedição: nuances de sua concepção e planejamento.............................

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O entendimento das dimensões da expedição: as categorias de análise..............................................................

98

Elementos da dimensão espetacular na Expedição...............

98

Elementos da dimensão festiva na Expedição........................ 105 Elementos da dimensão argumentativa na Expedição......... 109 CAPÍTULO V Um acontecimento mais ou menos amplo: a visibilidade pública da Expedição Manuelzão desce o Rio das Velhas............

119

Um evento cuidadosamente planejado para gerar visibilidade.. 119 Os espaços de visibilidade presencial, midiático massivo local e telemático........................................ 126 O espaço de visibilidade midiático massivo............................ 130 Mídia e Mobilização Social – um olhar a partir da Expedição..... 162 CONCLUSÃO Em busca de indagações: a mobilização social e a convocação da vontade política em processos deliberativos democráticos.................................. 167 REFERÊNCIAS........................................................................................ 181 ANEXO Características Gerais da Cobertura Televisiva da Expedição nas emissoras de sinal aberto........... 187

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Para Mazarelo Lanna e Miguel Mafra (quando tudo comeรงou....)

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PREFÁCIO

Com este livro, Rennan Mafra explora diferentes nuances da relação existente entre os processos de mobilização social e os meios de comunicação na sociedade contemporânea. Ele busca compreender por que agentes sociais, que visam à mobilização social em torno de uma determinada causa, precisam desenvolver um planejamento com estratégias de comunicação diversas, a fim de estabelecer práticas comunicativas com comunidades e grupos sociais específicos, com suas próprias formas de vida, sua cultura e seus interesses e, ainda, com a sociedade em geral. O autor escapa de trajetórias analíticas convencionais para mostrar o profundo entrelaçamento dessas práticas comunicativas com a vida coletiva e os jogos sociais, em diferentes âmbitos da sociedade. Rennan Mafra mostra que a polêmica questão ambiental deve ser entendida, atualmente, como uma questão de interesse comum e que, portanto, o público deve ser chamado a discutir. A tentativa de representantes políticos e especialistas formular políticas de preservação ambiental de modo plausível, eficaz e justo, não pode valer-se somente de um saber 9

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técnico-competente. De maneira prática, a preservação ambiental depende de como as pessoas lidam com o próprio ambiente e fazem uso de recursos naturais no dia-a-dia. Assim, as pessoas comuns devem, de alguma forma, participar da definição do problema da degradação ambiental, compartilhando entendimentos sobre os riscos e os prejuízos dos desastres ecológicos e devem, ainda, sentir-se co-responsáveis pela busca de soluções. Não por acaso, o Projeto Manuelzão – destinado à revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e objeto de análise do presente livro – apresenta como lemas saúde, ambiente e cidadania. Com esses lemas, o Projeto Manuelzão, parte das atividades de extensão da Faculdade de Medicina da UFMG, em Belo Horizonte, baseia-se na compreensão de que o bem viver individual apresenta uma intrínseca relação com a vida coletiva e o entorno social. Se a questão ambiental deve ser entendida como uma questão de interesse comum, qual a melhor forma de levá-la à atenção do público? Como despertar o interesse de grupos concernidos e da população em geral e fazer deslanchar um debate público sobre a questão ambiental? Como promover o engajamento cívico, já que são as próprias pessoas que definem o que elas querem e precisam tanto individualmente quanto coletivamente? Como lidar com mentalidades e práticas arraigadas, com vistas a uma possível mudança? Para desenvolver esses questionamentos, Rennan Mafra utiliza o aparato das teorias deliberacionistas de democracia e o conceito de esfera pública e investiga a proposta mobilizadora da “Expedição Manuelzão desce o Rio das Velhas”, implementada pelo Projeto Manuelzão em 2003. Através de uma análise minuciosa, ele mostra como o planejamento geral da Expedição envolveu diferentes modalidades de mobilização por meio do espetáculo, da festa e da argumentação. Essas categorias de mobilização possuem propriedades distintas, seja para criar um evento extraordinário e capturar a atenção do público, seja para instaurar um envolvimento sociável e afetivo entre as pessoas, seja, ainda, para estabelecer uma relação dialógica entre os 10

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participantes do debate sobre a questão em tela. De diferentes modos, o público é chamado, então, a se envolver com a causa da preservação da bacia hidrográfica do Rio das Velhas. A Expedição Manuelzão Desce o Rio das Velhas constituiu-se num evento multifacetado, cuidadosamente planejado para chamar a atenção das populações que vivem nas margens do Rio das Velhas e dos meios de comunicação em geral. Como as práticas comunicativas constituem diferentes esferas de visibilidade pública, com maior ou menor grau de abrangência e impacto? Qual o papel que os meios de comunicação desempenham nesses processos? Reside aí o interesse central da pesquisa desenvolvida por Rennan Mafra. Este livro apresenta ao leitor uma análise estratificada do modo como as diferentes facetas da Expedição – o espetáculo, a festa e os textos argumentativos – ganham expressão no ambiente midiático. Com essa análise, Rennan Mafra mostra que quaisquer julgamentos que façamos sobre o sistema dos media – emissoras de televisão e rádio, jornais do próprio projeto e de grandes empresas comercias, revistas e sites – têm que se basear em um claro entendimento das organizações de mídia com atores e propósitos distintos, que têm suportes técnicos, modos de operação e cultura profissional peculiares. Esses são ambientes complexos, com finos relevos, que exigem um tratamento rigoroso. Rennan Mafra apresenta um olhar cuidadoso e, ao mesmo tempo, despojado, atento às particularidades concretas dos fenômenos. Através de laboriosa agregação de detalhes, ele constrói uma trajetória analítica circunstanciada e convincente. É com grande prazer que apresento ao leitor este livro, fruto da dissertação de mestrado desenvolvida por Rennan, sob minha orientação, no Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFMG. Rousiley C. M. Maia

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INTRODUÇÃO

O

s processos de mobilização social têm sido objeto das mais variadas discussões na contemporaneidade – seja num terreno propriamente acadêmico de investigação, seja num âmbito das práticas interativas dos sujeitos na sociedade. Tal quadro não é mesmo de se estranhar: afinal de contas, o interesse pela mobilização social não representa iniciativa isolada e, não obstante, se elabora em meio a um fluir mais amplo de sentidos, utopias e representações, cuja ontologia localizase nas próprias tentativas contemporâneas de viabilização de modelos democráticos possíveis, nas complexas sociedades, calcadas sob a égide da modernidade. Nesse sentido, a mobilização social – a convocação dos sujeitos, o envolvimento coletivo nas mais variadas causas, a luta por possibilidades de convivência mais justas e igualitárias – apresenta, portanto, uma relação intrínseca com as democracias contemporâneas, e, frente aos inúmeros desafios impostos a cada sociedade / localidade / comunidade, constitui uma questão instigante a ser investigada – uma vez que se insere num movimento mais amplo, dilema da própria democracia. 13

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Dito de outra maneira, as demandas democráticas contemporâneas clamam, cada vez mais, pela necessidade de participação dos sujeitos nas questões públicas, processo esse que não brota espontaneamente, mas prescinde aprendizado, interesses despertados, identificação, um “se-sentir-pertencido” e um “se-sentir-mobilizado” às questões (valores / práticas) que necessitam de (re)definições coletivas. Como é possível que tal processo aconteça? Como é possível mobilizar os sujeitos à participação coletiva? É possível tomar alguns procedimentos e elaborar estratégias para que os sujeitos se sintam mobilizados e tenham interesses despertados para as questões públicas? Quais seriam os limites e as possibilidades dessas estratégias de mobilização social? Essas – e mais outras – foram as principais questões que nos inspiraram a tomar esse curioso e desafiador percurso de estudos. E, junto a isso – e de maneira peculiar –, acrescentamos provocações fundamentais, a partir das quais se estabeleceram o interesse e o foco de nossa investigação: qual o papel da comunicação para a mobilização social? É possível que meios, instrumentos e estratégias de comunicação tenham participação nos processos mobilizadores? A mídia de massa – representando uma presença peculiar e contraditória nas sociedades contemporâneas – e a comunicação estratégica, em alguma medida, desencadeiam possibilidades nesse processo? Dessa maneira, a relação entre comunicação estratégica, mídia e mobilização social representa o tema inspirador deste livro. Mais especificamente, buscamos entender como projetos de mobilização social tentam estabelecer processos comunicativos com sujeitos na sociedade e endereçar tematizações à esfera pública, utilizando, para isso, recursos espetaculares, festivos e argumentativos e empregando, entre outros esforços, estratégias para geração de visibilidade pública. Sendo assim, guiados por um olhar comunicacional à mobilização social (olhar aqui investigado especialmente pela mídia e pela comunicação estratégica), nosso objetivo primordial é propor o entendimento de três possíveis dimensões da 14

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comunicação para mobilização social, a saber: (i) a dimensão de espetáculo; (ii) a dimensão de festa; e (iii) a dimensão de argumentação. De forma mais específica, nosso intuito é perceber quais as características que cada dimensão emprega ao processo mobilizador, a partir de que tipos de relações os sujeitos participam da mobilização, em cada dimensão proposta, e quais as possíveis implicações de cada dimensão – ou de ambas juntas – para os processos políticos e democráticos mais amplos. É válido aqui exemplificar: como a festa, enquanto dimensão mobilizadora, possibilita a participação dos sujeitos em processos de engajamento coletivo? Como ações espetaculares, também como uma possível dimensão da mobilização social, podem se inserir no processo mobilizador e no envolvimento dos sujeitos nas causas propostas? E qual a relação entre essas dimensões e a convocação política dos sujeitos para a deliberação pública das questões que afetam a todos? De antemão, já é possível adiantar que, para o estímulo a um processo de debate na esfera pública, é fundamental que argumentos formulados racionalmente possam ser encaminhados aos sujeitos. Entretanto, algumas vezes, o debate racional é insuficiente para despertar o interesse dos indivíduos por determinadas políticas ou, mesmo, para promover engajamento em prol de certas causas. As discussões aqui encetadas foram desenvolvidas numa pesquisa de Mestrado, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e, portanto, o conteúdo deste livro representa uma adaptação da dissertação defendida em junho de 2005, intitulada:Visibilidade Midiática e Mobilização Social: entre o espetáculo, a festa e a argumentação – A Expedição Manuelzão Desce o Rio das Velhas, contando com orientação preciosa da Professora Rousiley Celi Moreira Maia. Dessa maneira, este livro filia-se às discussões do Grupo de Estudos em Mídia e Espaço Público (EME), do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, daquela universidade, juntando-se a uma ampla linha de estudos já desenvolvidos com relação a este tema 15

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e que, ao longo dos últimos anos, conformaram um certo “lugar” de análise – fruto de disciplinas, dissertações e discussões coletivas. Acreditamos que estudar o processo de mobilização social a partir da comunicação representa uma empreitada instigante e desafiadora. Entendemos o quanto é fundamental para projetos de mobilização estabelecer processos comunicativos com os sujeitos de forma a despertar interesse para suas causas e ganhar legitimidade pública. E seria limitador desconsiderar, no cenário contemporâneo, o desenvolvimento altamente especializado de meios, técnicas e instrumentos de comunicação, bem como a forte presença da mídia de massa – o que acaba determinando, de forma decisiva, os processos comunicativos e as tematizações. Sendo assim, para ganhar existência pública, projetos de mobilização social passam a programar estratégias comunicativas, tanto para “chamar” a atenção da mídia de massa, quanto para convocar públicos específicos à participação e ao debate, no intuito de conseguir, por meio de uma determinada visibilidade, o reconhecimento público de suas propostas. Dessa forma, acreditamos que investigar as dimensões das ações de comunicação para mobilização social, bem como os limites e as possibilidades das estratégias e da visibilidade midiática, contribui para elucidar a dinâmica comunicativa contemporânea e as características de um cenário em que projetos de mobilização tentam se posicionar. O projeto de mobilização que tornou possível o desenvolvimento deste estudo é o Projeto Manuelzão, que tem por principal objetivo a revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas1. Localizada no Estado de Minas Gerais, essa bacia representa uma área que abrange 51 municípios, inclusive a capital mineira, Belo Horizonte, numa área de mais de 30 mil quilômetros quadrados, onde habitam quase 4 milhões de pessoas. Na visão do Projeto, um vasto histórico de degradação 1

O Rio das Velhas é um dos principais afluentes do Rio São Francisco.

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ambiental trouxe sérios impactos para o Rio das Velhas e seus afluentes e subafluentes, a partir de um uso social desenfreado e predatório. Como uma tentativa de mobilizar a sociedade para a necessidade de revitalização de toda a área afetada, surge assim, em 1997, o Projeto Manuelzão, proposto na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, e depois levado para a região da Bacia. Sua estrutura conta com uma Coordenação Central, com sede na Faculdade de Medicina da UFMG, em Belo Horizonte, e com núcleos, constituídos ao longo das microbacias ligadas à grande Bacia do Velhas. Os núcleos, apoiados por essa Coordenação, tentam realizar ações localmente e mobilizar os sujeitos para a causa defendida. Em linhas gerais, o projeto propõe a revitalização da Bacia do Rio das Velhas não somente como um problema de solução técnica, mas como uma questão de interesse público, acima de tudo político e cultural, que necessita do envolvimento coletivo de todos os habitantes. Nesse sentido, desde sua implementação, ele tenta expandir sua causa de modo a atingir toda a área afetada e emprega esforços para mobilizar os sujeitos, propondo novos significados acerca da existência do próprio rio e, de maneira mais ampla, acerca do próprio meio ambiente. Entendemos que esse processo de mobilização é, acima de tudo, um processo comunicativo: a partir do estabelecimento de uma “conversação” com a sociedade, sujeitos são convocados a se interessar pela causa e a debater publicamente as proposições oferecidas. Para o desenvolvimento das discussões, presentes neste livro, foi objeto de nosso foco analítico uma ação específica de mobilização social realizada pelo Manuelzão em 2003: a “Expedição Manuelzão Desce o Rio das Velhas”. No período de pouco mais de um mês (de 12/09/03 a 13/10/03), três integrantes do projeto percorreram de caiaque o trecho navegável do Rio das Velhas, da nascente até a foz, numa área de aproximadamente 770 quilômetros, acompanhados por uma equipe que seguiu o percurso por terra. Foram feitas paradas programadas em 17

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algumas cidades próximas à calha do rio, e eventos foram organizados no sentido de tentar difundir a causa da revitalização. Dessa forma, o objetivo foi realizar uma grande mobilização em toda a Bacia, numa ação conjunta que pudesse envolver todos os núcleos do projeto e a Coordenação Central. O curioso foi que, para que fosse possível sua execução, a Expedição contou com um amplo período de preparação. O objetivo era que não somente a Coordenação Central planejasse o evento, mas que cada núcleo, ao receber os expedicionários em sua cidade, tivesse autonomia suficiente para planejar ações, acionando os cidadãos para se envolver com a Expedição. Mas, de forma a organizar as iniciativas, o projeto elaborou um planejamento geral do evento e um planejamento específico de comunicação estratégica. Também foram desenvolvidos produtos e instrumentos específicos de comunicação (como o Guia da Expedição, o site específico para o evento, marca específica, ações e eventos locais) para estabelecer um processo comunicativo e convocar os sujeitos a se mobilizar para a causa. E, ainda, estratégias específicas foram direcionadas à mídia de massa, quanto a meios de comunicação locais, para que estimulassem a cobertura do evento, na tentativa de gerar uma visibilidade ampliada em toda a região – fato que pôde ser verificado, uma vez que a Expedição ganhou considerável repercussão nos principais veículos massivos de comunicação do Estado de Minas Gerais. Dessa maneira, é possível entender a “Expedição Manuelzão Desce o Rio das Velhas” como uma grande ação de mobilização social cujo principal objetivo, ao lançar mão de recursos da comunicação estratégica e da mídia, foi tematizar publicamente as propostas do projeto e estimular, numa determinada esfera pública, um processo de debate público entre os sujeitos, acerca da causa da revitalização da Bacia do Rio das Velhas. Como veremos adiante, para que qualquer debate possa ocorrer, é fundamental que os interlocutores forneçam argumentos formulados de maneira racional e expliquem seus pontos de vista, levando em consideração as perspectivas 18

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interpretativas dos demais participantes. Entretanto, causounos estranheza o fato de o Projeto Manuelzão organizar uma Expedição pelo Rio das Velhas para tematizar, publicamente, a causa de revitalização da Bacia e mobilizar os habitantes, a partir da utilização de vários recursos que lhe conferiram outras dimensões, além de uma dimensão exclusivamente racional. Será que tal fato impediu um possível engajamento coletivo ou, mesmo, a possibilidade de um debate público? As dimensões da Expedição, com atributos não somente racionais, mas afetivos, chamativos ou sentimentais, foram capazes de minar a participação política dos sujeitos em processos mais amplos de debate e deliberação públicos, referentes à causa proposta de revitalização da Bacia do Rio das Velhas? Nesse sentido, inspirados por esses questionamentos relativos à Expedição e fundamentados por uma discussão conceitual relativa à temática implicada, pretendemos com Entre o espetáculo, a festa e a argumentação – mídia, comunicação estratégica e mobilização social levantar discussões e apresentar reflexões sobre a comunicação e a mobilização social, vinculadas a processos democráticos e deliberativos contemporâneos, na busca pelo envolvimento coletivo e pela convocação de vontades políticas dos sujeitos. De tal sorte, este livro se organiza em cinco capítulos. No primeiro capítulo, Em busca do debate público e da mobilização social, situamos as principais questões que norteiam esse estudo, dentro de um determinado campo problemático de conhecimentos. Ao levantarmos uma discussão conceitual que fundamenta os outros capítulos do livro, buscamos compreender que os esforços empreendidos por projetos de mobilização social, para a tematização pública de suas questões, representam “esforços comunicativos” no sentido de tentar estabelecer, basicamente, dois processos: o processo de debate na esfera pública e o processo de mobilização social. No segundo capítulo, Mídia, comunicação estratégica e espaços de visibilidade pública, discutimos a presença da mídia e da comunicação estratégica como duas participações 19

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fundamentais na tematização pública de causas, frente ao debate público e à mobilização social. Em outras palavras, há uma tentativa de entender como mecanismos midiáticos e da comunicação estratégica são acionados para que projetos de mobilização social estabeleçam processos comunicativos com sujeitos na sociedade. Além disso, são apresentados alguns possíveis espaços de visibilidade pública, constituídos pela mídia e pela comunicação estratégica, em que tais projetos esforçam-se por tematizar suas causas, e esses espaços são essenciais para a convocação dos sujeitos e para a coletivização das causas. No terceiro capítulo, Entre o espetáculo, a festa e a argumentação, que dá título ao livro, entendemos que, ao tentar obter visibilidade pública e engajamento coletivo, estratégias de comunicação para mobilização social podem ser compreendidas e constituídas, entre outras formas, a partir de três dimensões: uma dimensão espetacular, uma dimensão festiva e uma dimensão argumentativa. Nosso objetivo é analisar detalhadamente as características de cada dimensão e entender seus limites e suas possibilidades em processos de mobilização social. No quarto capítulo, Uma concepção mais ou menos racional: as dimensões da Expedição Manuelzão Desce o Rio das Velhas, descrevemos, em detalhes, toda a proposta da Expedição, com foco em seu planejamento. A partir do modelo de análise desenvolvido no capítulo 3, buscamos analisar a Expedição a partir de três dimensões: a espetacular, a festiva e a argumentativa. Apresentamos e desenvolvemos essas dimensões, procurando evidenciar o modo como elementos de espetáculo, de festa e de expressão argumentativa se articulam em momentos distintos da Expedição. Em termos mais específicos, procuramos observar como tais dimensões são planejadas e colocadas em prática através de estratégias empregadas pelos organizadores e como elas se fazem presentes nos produtos comunicativos produzidos pelo Manuelzão. No quinto capítulo, Um acontecimento mais ou menos amplo: a visibilidade pública da Expedição Manuelzão Desce o Rio das 20

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Velhas, apresentamos os possíveis espaços de visibilidade pública alcançados pela Expedição Manuelzão Desce o Rio das Velhas, com destaque para os espaços de visibilidade midiáticos. Nosso objetivo primordial é entender e analisar, mais detalhadamente, a cobertura da Expedição no espaço de visibilidade midiático massivo. Procuramos entender como a mídia – particularmente a mídia televisiva – se apropria da Expedição e como aquelas dimensões de espetáculo, de festa e de expressão argumentativa se articulam nesse espaço. A nossa pretensão é detectar os modos operatórios da mídia para fazer a cobertura do evento. Nas considerações finais, Em busca de indagações: a mobilização social e a convocação da vontade política em processos deliberativos democráticos, trazemos algumas reflexões no sentido de ampliar a temática escolhida e sistematizar questões relevantes, apresentadas ao longo dos outros capítulos. Em relação à Expedição, procuramos entender se a visibilidade midiática gerada pôde ampliar as questões colocadas e se essa amplitude indica a possibilidade da geração de um debate público sobre a revitalização da Bacia do Rio das Velhas, em última análise. Em relação à proposta mais ampla deste livro, buscamos apontar algumas indagações acerca do entendimento da mobilização social como um processo comunicativo, vislumbrado e construído, entre outras possibilidades, pelas dimensões analíticas elencadas, inscrito em processos mais amplos de debate e deliberação públicos, nas democracias contemporâneas. Da mesma forma que a mobilização social, as discussões aqui propostas não representam, de maneira alguma, uma iniciativa isolada. Fazem parte também de um fluir mais amplo, de sentidos, utopias, conversações e significados. E, em meio a esse fluir, estão as inúmeras conversas, estimuladas por autores e livros, vivenciadas e desenhadas pelas experiências, ou, simples e gostosamente mediadas pela oralidade, em momentos fulgazes e eternos do cotidiano. Conversas preciosas, que transmitiram o saber, o sabor e o querer de se aventurar 21

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Coleção “Comunicação e Mobilização Social”

pela busca por um olhar analítico e sistematizado, de alguns ínfimos pedaços de realidade. Nesse fluir, muitos inclusive nos são anônimos (mas não menos marcantes): ensinaram por meio de gestos, atitudes, olhares, exemplos. E muitos, os quais aqui com imenso afeto agradecemos, nos são conhecidos: família querida, pela presença, sempre doce e única, em todos os momentos; Márcio, por tantos – e tantos – lampejos; Clara, por se aventurar conosco a dar os primeiros passos prazerosos nos caminhos da pesquisa; Rousiley, pela extrema dedicação, entusiasmo e energia (sem você, isso não seria possível); Lena, Ceres e Milena, pela contribuição essencial e afetuosa; amigos, quantos amigos!, pelos momentos raros e poéticos; Lili, pelos lindos pedaços do cotidiano que dividimos juntos; e o Projeto Manuelzão, pela abertura e pela confiança, que foram determinantes para a elaboração das discussões aqui propostas.

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